Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
PERPÉTUOS
RESUMO
O presente artigo pretende fazer uma análise dos personagens principais da grafic
novel Sandman (1987-1996), de Neil Gaiman, os sete perpétuos: Destino, Morte,
Sandman, Destruição, Despero, Desejo e Delírio sob a ótica dos arquétipos coletivos
propostos por Carl Jung. Os perpétuos são parecidos com os Deuses, mas seus
poderes são ainda maiores, pois os próprios Deuses, transitam em seus domínios. A
série escrita por Gaiman (e ilustrada por diversos artistas), conta a história de
Sandman (Morpheus) responsável pelo universo dos sonhos, ele controla o mundo
onírico de todas as criaturas, o senhor absoluto desse mundo inconsciente. Assim
como Sandman, seus irmãos também são apresentados por Gaiman, utilizando
argumentos históricos, mitológicos, religiosos e do cotidiano. Esse artigo visa mostrar
de que maneira, tanto os elementos gráficos, como a personalidade e os argumentos
(da apresentação) de cada personagem se traduzem nas explicações simbólicas sobre
os arquétipos coletivos iniciadas pelo psicanalista Jung e tratada também por outros
autores como Joseph Campbell, Marie Luize Von Franz e James Hollis. O arquétipo é
como um modelo coletivo que dá possibilidade de desenvolvimento da identidade
individual. Eles estão nas fantasias individuais e nas mitologias, bem como os
pérpetuos, que estão presentes em todos os seres, através de seus sonhos, desejos,
desesperos... que se repetem através dos tempos.
INTRODUÇÃO
Sandman é uma história em quadrinhos criada por Neil Gaiman, em 19871, que
apresenta a personificação dos sonhos, Morpheus (também conhecido Homem de
Areia, João Pestana e Oneirante). Ele é a origem dos sonhos e também dos pesadelos,
governa através dos tempos, é um perpétuo, mas não está só. Junto com eles outros
seis perpétuos são parte ontológicas da experiência humana: Morte, Destino, Desejo,
Desespero, Delírio e Destruição. Ora a história se passa em ambientes “reais”, ora em
mundos oníricos, Gaiman vai entrelaçando mitologias modernas e fantasias sombrias,
estabelecendo uma relação complexa entre elementos míticos, histórico e atuais.
1
Publicadas
inicialmente
em
75
revistas,
entre
1989
e
1996,
divididas
em
dez
partes:
“Prelúdios
Considerada como uma das séries mais ambiciosas dos quadrinhos, por seu caráter
artístico e conceitual. Segundo Vertigo2:
A história é vista sob o olhar de Sandman, ela se passa no mundo real e também em
seus domínios. Segundo Gaiman (2010), o próprio reino do sonho deveria conter
elementos da realidade, para tal insere duas imagens arquetípicas da sociedade
judaico-cristã, Caim e Abel. Os arquétipos aos quais o autor se refere não são de
ordem individual, mas sim de um imaginário coletivo, assemelham-se aos tipos
estruturais dos mitos e dos contos de fadas, que carregam em si um rico material
arquetípico. Jung considera que o inconsciente coletivo é o inconsciente em seus
níveis mais profundos, que possui “conteúdos coletivos em estado relativamente
ativo” (2008, p. 13), que se manifestam sob a forma de arquétipos. Distingue-se do
inconsciente pessoal, essencialmente pelo fato da não existência de uma experiência
pessoal.
Assim, os sete perpétuos, também estão na condição passível de uma análise dos
arquétipos coletivos? Gaiman dá uma forma antropomórfica a cada um dos perpétuos,
e esses modelos podem ser considerados como as imagens arquetípicas. O termo
2
Fonte:
http://hotsitepanini.com.br/vertigo/series/sandman/
arquétipo é por vezes confundido, por exemplo, como modelo mitológico definido ou
mesmo como certas imagens, mas estas são as representações conscientes
(FRANZ,1975). Por isto, a análise dos perpétuos é referenciada como imagens
arquetípicas, uma vez que o arquétipo foi representado de formas variadas ao passar
de geração a geração, mas a sua essência não pode ser limitada a imagens. Segundo
Franz:
Assim podemos ver nas imagens arquetípicas vista através dos tempos daquele que
Gaiman chama de sete perpétuos, uma representação flexível que os irmãos figuram
através dos tempos. Cada personagem assume formas variadas para cada um dos
humanos, acentuando o caráter cultural de cada época em suas caracterizações, no
entanto sua essência é eterna, enquanto durar a vida no universo.
O Sono dos Justos, inicia a história de Sandman que encontra-se preso por uma
sociedade de magia negra que tentou aprisionar a sua irmã a Morte para tornar-se
imortal. No entanto capturam seu irmão mais novo, o senhor dos sonhos. Setentas
anos se passaram desde seu aprisionamento, o líder da sociedade morreu e seu filho já
envelhecido tem um descuido em sua vigília e Sandman foge e volta para seus
domínios, o mundo dos sonhos. A partir desse momento o personagem é apresentado.
Sandman, não está vivo da forma como conhecemos, tampouco pode morrer da forma
que compreendemos. Segundo Gaiman, “ ele existe porque, desde o primeiro ser
humano no universo, existem sonhos.” (2010, vol.1, p. 548) Então ele é considerado,
bem como seus irmãos, como um dos perpétuos, que fazem parte da existência
humana desde os tempos remotos. Não são como os deuses, esses também estão
sujeitos a seus domínios. Os perpétuos são a chave do equilíbrio do universo, ele
mantém a ordem do universo físico e dos seres vivos.
Sandman foi desenhado por diversos artistas ao longo da série, mas o primeiro a dar
vida a este personagem foram os artistas Sam Kieth e Mike Dringenberg. Em sua
primeira aparição (figura1), quando é capturado, está com sua capa, o elmo, algibeira
e a pedra dos sonhos. Três objetos fazem parte dos adereços formais de sua
representação, e que são parte essencial da saga do senhor dos sonhos. Onde
depositara parte de seus próprios poderes, para fazer as tarefas com mais agilidade,
uma referência aos aparelhos eletrônicos. O sonho está nu e aprisionado, enquanto a
própria natureza se encaminha de criar outros sonhos.
Sua aparência lembra a estética sombria do gótico na década de 1980, utiliza roupa
pretas, calça, camiseta e sobretudo. Seus cabelos desgrenhados também negros
contrastam com a pela muito branca e olhos negros com pontilhados brancos, como
estrelas. Segundo Jung, os sonhos “são o mais fecundo e acessível campo de
exploração para quem deseje investigar a faculdade de simbolização do homem.”
(1964, p.26) E Gaiman aproveitou muito bem este aspecto do sonho para compor seu
personagem. O balão dos quadrinhos tem uma identificação própria, o fundo negro
com as palavras escritas e brancas, bem como a linha que demarca o balão.
E esse fator é visível em toda a saga de Sandman que interfere na vida dos indivíduos
através dos sonhos. E como é percebido através dos tempos: “durante toda a história
religiosa da nossa cultura judeu-cristã os sonhos tiveram um papel central na
determinação do destino da humanidade. Eles eram tidos como a voz de Deus”.
(FRANZ, 1991. p.40) Os sonhos revelam os caminhos da vida e o encontro com a
Morte, a segunda dos perpétuos a ser apresentada.
Figura 2- Morte
Sua primeira aparição é na revista O Som de Suas Asas (GAIMAN, vol.1, 2010, p.
209), desenhada por Mike Dringenber e Malcolm Jones III. A Morte também veste
roupas pretas, bem como seus cabelos, no entanto sua pele é mais corada que seu
irmão. Usa uma Cruz Ansata (também conhecida como Ankh), uma cruz, com a parte
superior ovalada. Esse símbolo é um antigo hieróglifo egípcio, que simboliza a vida
eterna. A imagem arquetípica presente na contrução da Morte, é a vida. Segundo
Gaiman (2010, p. 551):
Ela é um doce. Muito legal. O tipo de pessoa que você quer ser amigo na
hora. Ela é uma Nico (ex cantor de rock e estrela de Andy Warhol no final
dos anos 1960: rosto cabelo e estrutura óssea lindos) de 16 anos. Ela também
é muito compassiva.
A Morte é uma personagem que pode ser comparada a Nix (deusa grega da noite e da
morte), é um das primeiras criaturas a emergir do vazio primordial, o Caos. Nix é uma
das primeiras divindades do panteão grego, sendo ela acimas dos outros deuses, assim
como os perpétuos. Na genealogia mais antiga dos Deuses, ela está na origem do
mundo, “Nix põe um ovo, de que nasce Eros, enquanto Urano e Géia se formar de
duas metades da casca partida (BRANDÃO,1993, p. 187)”.
Pode-se ver que a imagem arquetípica da Morte criada por Gaiman, indica alguns
traços essenciais de Nix, mas também do arquétipo materno proposto por Jung (2002,
p.92):
Seus atributos são o "maternal": simplesmente a mágica autoridade do
feminino; a sabedoria e a elevação espiritual além da razão; o bondoso, […] o
lugar da transformação mágica, do renascimento; o instinto e o impulso
favoráveis; o secreto, o oculto, o obscuro, o abissal, o mundo dos mortos, o
devorador, sedutor e venenoso, o apavorante e fatal.
Figura 4 - Destino
Destino tem o aspecto de um ancião, usa uma veste antiga que remete aos antigos
alquimistas, e carrega um grande livro, onde estão todas as coisas: “no início era o
Verbo, que foi traçado a mão na primeira página de seu livro, antes mesmo de ser
proferido em voz alta (GAIMAN. Vol.2, 2010, p.22).” Ele carrega então o livro de
todas as almas, dos homens e dos deuses, e essa é uma imagem arquetípica muito
poderosa: o velho sábio. Ele é o guardião da sabedoria, conhece todos os caminhos
secretos da existência humana, é uma presença constante nos mitos, nas religiões e
nos contos de fadas (CAMPBELL, 1997). Gaiman (2010) descreve que em algumas
culturas pensem que é cego e em outras que está muito além da cegueira, e ao
contrário, tudo vê. Ele tem o odor das bibliotecas noturnas, e caminha sem sombra e
sem pegadas.
Aos poucos os irmãos do Destino, pouco a pouco vão surgindo em sua sala, ele os
chama através dos quadros de sua galeria. Primeiro, a Morte, depois Sandman e então
Desejo, apresenta-se vestindo um espartilho preto com meias vermelhas, seus cabelos
negros são curtos, a imagem arquetípica projetada em Desejo é um ser andrógeno.
É improvável que qualquer retrato lhe faça justiça, uma vez que olhar para ela
(ou para ele) significa amá-lo (ou amá-la) dolorosa e apaixonadamente, a
ponto de nada mais importar. [...] Desejo é tudo que você sempre quis. Seja lá
quem você for. Ou o que for. Tudo. (GAIMAN. Vol.2, 2010, p.21)
Desejo não tem sexo, e está presente desde o início dos tempos, assim como sua irmã
gêmea Desespero. Esta controla os limites desolados de seu mundo, que tem janelas
para o vazio. Enquanto Desejo insere ambições e ações nos seres, Desespero espera
pacientemente para que a agonia tome conta dos desejos não realizados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
GAIMAN, Neil. Sandman. Edição Definitiva (vol. 1, 2, 3, 4). São Paulo: Panini
Books, 2010.
HACQUARD, George. Dicionário de Mitologia Grega e Romana. Lisboa: Edições
Asa, 1996.
HOLLIS, James. Rastreando os deuses: o lugar do mito na vida moderna. São Paulo:
Paulus, 1997.
JUNG, Carl G. A Natureza da Psique. Petrópolis: Vozes, 2000.
____________O Homem e seus Símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.
____________O Eu e o Inconsciente. Petrópolis: Vozes, 2008. ____________Os
Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis: Vozes, 2000.
____________Relação da Psicologia Analítica com a Obra de Arte Poética. In: O
espírito na arte e na ciência. Petrópolis, Vozes, 1985. (Obras selecionadas v. XV)
PEREIRA, S. W. O silêncio fala. Cad. Psicanál.-CPRJ, Rio de Janeiro, ano 31, n. 22,
p. 57-73, 2009