Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Com mote e palavras de Gil Vicente e tresloucadas tiradas de um tal Mário Jorge que
a tal jornada se afoita sem ajuizar de ser dotado para tal mester…
Lisboa, mês de Janeiro de 2014
Com:
Catarina na Classe dos Céus e Anjos sendo o ANJO;
Mariana na Classe dos Céus e Anjos sendo o Pandeireteiro-Mor (ajudante do Anjo);
Salomé na Classe dos Infernos, sendo o DIABO;
Daniela é a Dama Aqui-estou-Aqui-me-tens;
Dinis é o FIDALGO da Bem-Aventurança;
Dora é a ALCOVITEIRA;
Margarida é o PARVO à-Maneira;
Bryan é o PARVO ESPERTO;
Inês é o DIABO Parvo (ajudante do diabo);
Gonçalo é o REPÓRTER HIPOCONDRÍACO;
Ana Madalena é a DAMA DO CONTRA;
Flávia é a DAMA DO PRÓ;
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
1 . Visão anteprimeira
Entram todos em cena (menos o reporter e damas pró e contra), ar de Parvos, batuqueando
os pés.
Repórter Hipocondríaco – (falando ao telemóvel) É como te digo, Zé Alberto!... Não sei o que é que
se está a passar mas são muitos. É um furo de reportagem… Não, não!... Eu fui lá mas a velha
disse que só falava se lhe pagássemos… Claro!... Pois é!... Além disso o cão nem era dela. Nada!...
Agora isto… Posso avançar?... Combinado!... Não sei, Zé Alberto!... Mas são muitos e fazem
chinfrim. (Gaja do Contra chega ao pé dele e toca-lhe; ele salta) Tire as patas, caraças!... Eu já te ligo, Zé
Alberto. Não me toque!... Então?!... Se calhar não lava as mãos há um mês. Passa-me micróbios
para a roupa e ainda apanho uma infecção rara e quino!
Dama do Contra – Eh, lá!... Tem calma, men!... Eu só te queria dar umas dicas. Tu queres saber
o que se está a passar?!... Eu posso informar!
Repórter Hipocondríaco – Ah, é?... Mas escusas de tocar na roupinha. Então… despeja!
Dama do Contra – Despeja?... És mesmo bronco!... Mas cá vai: aqui vai começar a Revolução! É
o povo, a malta nova, a começar a dar uns piparotes na situação. Isto começa aqui com a
maluqueira e só acaba com os leões da Assembleia da República a serem devolvidos a África!
Repórter Hipocondríaco – Tu tomaste o quê, pá?!... G’anda maluca!... Tens as análises em dia?
Ainda me infectas com qualquer porcaria e assim!
3
Dama do Pró – Senhor Repórter, preste bem atenção: esta moça não é boa da cabeça. O que se
vai passar não tem nadica de revolta. É apenas um saudável exercício artístico, de louvor a
Mestre Gil, que em boa hora fundou nosso Teatro!
Dama do Contra - Mas quem és tu, ó delicadinha?!... Dou-te duas voltas no ar e, não tarda, ficas
a morder o pó.
Repórter Hipocondríaco – Tenham muita calma. Calma ó do Contra, calma ó do Pró!... Nada de
levantarem poeira que eu desconfio que anda por aí alguma poeira a pairar que me pode
provocar, em menos de nada, uma rinite aguda.
Repórter Hipocondríaco – Ainda bem que as vejo de acordo. Até perdoo o insulto. Nem mais
uma palavra. O repórter sou eu. Afastemo-nos que estão a regressar carregados de tralha.
Deixem-me trabalhar. (tira o telemóvel e liga) Zé Alberto?... Achas que posso entrar em directo?...
Não?!... Faço a reportagem sozinho?... Eh, pá!... Então?!... E a imagem?!... Eu, não. Só tenho
telemóvel…. A sério?!... Vou tentar. (vai tentar filmar com o telemóvel, ao longo da representação) Caros
espectadores. Vamos ter oportunidade de assistir…
2. Primeira gaitada
Música de Arautada Real. Entrando…
Entra o Anjo e o Diabo a correr do meio do público.
Vão até à sua barca ver se está tudo em ordem.
Anjo – Queríamos, nobre público, representar-vos, singelamente, um auto de moralidade
composto por Gil Vicente por contemplação da sereníssima e mui católica rainha Lianor, nossa
senhora, e representado por seu mandado ao poderoso príncipe e mui alto rei Manuel, primeiro
de Portugal deste nome….
Anjo – … não fora a intromissão de uma infernal criatura que em autor se arrogou…
Diabo – E em boa hora escrevinhou arejadas e soltas palavras, verdadeiros tições para alimentar
as brasinhas de renovado Inferno!
Anjo – Assim mesmo, esclarecido e resignado público, não nos furtaremos a travar mais esta
batalha entre o Bem e o Mal…
4
Diabo – Ó bem-falante de asas curtas, se assim continuas, levarás tabefe de arreganhar olhos,
antes que ergas o dedo mindinho!... Á função, sem mais demora!
Anjo – Ó supremo ser, carrega-me a alma de paciência para aturar este cornudo!
Dama Aqui-estou-Aqui-me-tens – Sou eu, muito obrigado!... E ordeno aos quatros totós
presentes que fiquem bem caladinhos enquanto desfio a introdução. Assim está bem!...
Primeiramente, no presente auto, se afigura que, no momento em que cada um de nós dá o
último suspiro…
3. Início do princípio
Música. Entram em cena a Alcoviteira, e cantam e dançam. E também a Dama Aqui-estou-aqui-me-tens.
Fidalgo e Parvo Esperto – Olá fofuras!... Carninha boa!... Chicha de lamber os beiços!
Fidalgo da Bem-Aventurança – Nada disso tenho mas são largos e espaçosos os quartos do meu
coração para vos aconchegar às duas!
Alcoviteira – Nanja que eu sou roliça e ficava com as ancas entaladas no portão!
Dama Aqui-estou-Aqui-me-tens – Do teu coração não farei uso nem para um arroz de
miudezas!
Parvo à-Maneira – Tenho para mim que qualquer delas em casa…. Sua, lá isso, sua!… mas… só
se pagares!
Todos – Calma!... Muito vagar!... Olha o coração que te salta do peito com tanto entusiasmo!...
Dama do Contra – Eu não tenho lenço nenhum. Qual é o teu problema? Tens de tratar essa
pancada!... Dá cá isso!... Espera lá. Ó menina: deixa-me usar um bocado da tua roupa para
segurar aqui na… ‘câmara profissional’ do grande repórter!... Vá, fala!
7
Dama do Pró – Um momento! Fazes entender mas não percebes nada de horta!... Agora falo eu.
Isto, meus amigos, é a chamada educação negativa tanto na moda nos tempos que correm. E é
intolerável! Felizmente o meu amigo Nunocas está na 5 de Outubro e amanhã vai jantar a minha
casa. Terei, por isso, oportunidade de lhe dar uma palavrinha. Há que mudar também estas
poucas vergonhas. Albardaram o burro à vontade do dono. E destroem assim um texto nobre
que o Rei de então pagou.
Repórter Hipocondríaco – Pode fazer o favor de me largar?!... Deixe-me trabalhar, por favor!
Dama do Contra – Então e eu? Fico aqui pendurada a filmar e achas que vou ficar calada?!...
Não!... A isto chama-se falar verdade. É preciso fazer um retrato do que se passa. As mulheres
praticavam o que depois se chamou a mais velha profissão do mundo?... Há que dizê-lo! E
porque o faziam? Eram as condições sociais. Olhem os tempos de hoje…
Dama do Contra – Estando o mundo dominado pelos Infernos que só causam miséria, não tarda
muito para as mulheres terem de chegar à conclusão que só lhes resta vender o corpo para
poderem sobreviver. São as condições sociais. E se são… há que dizê-lo!
Dama do Pró – Boca blasfema!... Se fosse antigamente lavava-te a boca com lixívia! Juventude
desbocada. Sem maneiras. Deixa estar que hei-de falar ao Nuno e ele, do alto da 5 de Outubro,
há-de pôr tudo nos eixos!
Repórter Hipocondríaco – Ora dêem-me cá o telemóvel. Já está quase tudo arrumado e pronto.
Vou-me sentar ali naquele lugar.
Diabo-Parvo e Pandeireteiro-Mor – (que estão a acabar de arrumar a cena) Sus! Sus!... Ora levantem
já daí esses cus!... Vai um chuveirinho?!.... (deitam perdigotos) Pffff!.... Pffff!.... Pffff!... (fogem os
outros três) Toca aqui, colega!... (riem-se)
Repórter Hipocondríaco – Valha-me o Santo Antibiótico! Fiquei todo cuspidinho!... E posso estar
infectado!
(Afastam-se)
Diabo-Parvo – Bem feito fica. Bem feito está!... Vieste tu, muitieramá!... Anda lá sonsinho!
Tanso! Põe ali aquele banco para a gente que virá!
Pandeireteiro-Mor – Momento!... Não tendes assento p’ra receber a canalha!... Hav’rá tempo
de partir! Mas primeiro, ó minha gentalha, cuidar de arranjar mais que palha, para arrefinfar os
cus!...
Diabo-Parvo – Dou louvores a Berzebu! Que linguajar tão porreiro, tem o anjinho companheiro!
Ora, sus! Que fazes tu?
Pandeireteiro-Mor – Despejo todo este leito e tu me hás-de ajudar. ‘Inda não hão-de zarpar que
não temos as barcas prontas!
Diabo-Parvo – Em boa hora! Feito, feito. Já está parado este leito. Estás contente, meu
farroncas?!
Os outros dois – Abaixem já esses cus! Tirai-os desse batel! Mas que tropa e que farnel!
Pandeireito-Mor – ‘Inda bem que m’alembrais. Já todo torcido estava. Deve ser do balançar do
cais. Eu bem disse ao patrão que enjoava.
Todos – Am’ai’n!
Diabo Parvo – Para logo ficar de rabo a arder!... Viva o nosso Berzebu! No mundo não há como
tu!...
Os quatro das Barcas – Eis o Céu!... Eis o Inferno!... Duas barcas à vossa escolha!... Escolha, entre
e fique!... Escolha, entre e fique!... Sem hesitações!... Aproveite as promoções!
As mulheres cantam (Todas) - Gracias a la vida que me ha dado tanto, Me dio dos luceros que
cuando los abro, Perfecto distingo lo negro del blanco Y en el ancho cielo su fondo estrelado, Y
en las multitudes el hombre que yo amo!
5. O desfile
Diabo – Ui, mas que belo tratante amaneirado em fidalgo!... Vens do lado dos mandantes?
Parvo-esperto – Tinha era muito dinheiro! Mas morri tão de repente, que ficou para meus
parentes, que em vez de chorar se riram.
Diabo – Vai ali bater ao lado que não queremos os Infernos mal frequentados.
Anjo – Ora tende lá juízo!... Quem julgas vós que aqui entra?
Parvo-esperto – Um ror de coisas! Ganhei dinheiro!... Castiguei o meu caseiro por não me dar
os bons-dias como é mester fazer-se à fidalguia. Deixei-lhe os filhos sem pão. Mas tive toda a
razão!
Diabo – É melhor dizeres um salmo. E vai para a Barca dos Céus. Com a falta de procura com que
estão, hoje em dia, aceitam qualquer porcaria.
Anjo – Não abras mais a boca e entra! Cala!... Senta!... Vai lá para trás!...
Pandeireteiro-Mor – Isto é que vai uma crise, patrãozinho!... Lá vem outro!... Que mal cheira!...
Diabo – Anda cá, meu maganão! Até no colchão guardavas dinheiro! E emprestavas dinheiro aos
pobres que aquele fez. Onze por cento ao mês cobravas tu!... Onzeneiro!... Entra cá que vais
servir de lenha no meu braseiro!
Diabo-Parvo – À comarca dos Infernos! Vou-te roubar os cadernos onde apontavas tudo. Que
um dia também me emprestaste dinheiro para comprar uns favores!... Parvo fui em ir nas tuas
cantigas! Tem lábia até p’ró Diabo, carago!
Parvo à-Maneira – Nessa Barca é que não vou! (vai à Barca dos Céus) Hou da barca! Houlá! Hou!
Estás quase a partir?
Diabo-Parvo – Tem juízo!... Se ele entrar na Barca, patrãozinho, não tarda que no caminho nos
dê a volta a cabeça! Traz a bolsa pendurada e vai querer comprar tudo. Ou jogar ao chinquilho
ou à bisca lambida. Chegamos aos Céus com a Barca perdida!
Parvo à-Maneira – Vejo que não sou bem vindo! Volto pois um pouco atrás! (volta à Barca dos
Infernos) Cavalheiros!... Tenho uma proposta a fazer: leixai-me voltar ao mundo e trazer o meu
dinheiro! Porque ali o camarada, quer-me matar à lambada!
Parvo à-Maneira – Bastava-me meio dia para cobrar o que me devem e carregar umas arcas
assim… bem cheias!
FIDALGO da Bem-Aventurança – Eu sou Joane, o Parvo, e venho aqui para entrar da melhor
maneira na barca mais afamada. Morri, faz nem meia hora, de… de… de caga merdedeira. E
morri de tal maneira, que ao acordar e ver-me morto, morri outra vez de susto. Tinha a barba
por fazer e os olhos arremelgados. E os cueiros molhados de tanta caganeira. Soma: acabei por
morrer mesmo sem adoecer.
Anjo - Escolhe a barca que quiseres. Embarca Joane, o Parvo. Embarca onde quiseres!
FIDALGO da Bem-Aventurança – Estava a ver que não! Nesta Barca do Inferno é que não!...
Hiu!... Hiu!... Barca do cornudo. Pêro Vinagre, beiçudo… Sapateiro da Candosa! Antrecosto de
carrapato! Hiu! Hiu! Caga no sapato, filho da grande aleivosa! Perna de cigarra velha, caganita
de coelha, pelourinho da Pampulha! Mija n’agulha! Vou-me lá, ao Anjo bom! Tem feições
desencardidas! E logo depois da partida talvez eu quebre o disfarce e toda nele me enlace.
Virgem Maria!
Alcoviteira – Ó da barca! Ó do batel! Sou um sapateiro honrado! Morri, mas trouxe o farnel.
Os das Barcas – Outra que vem disfarçada! Vamos lá fazer de conta, senão a história se alonga!
Escolhe a barca!
Alcoviteira – Assi’?! Sem mais nem menos?!... Oh, meu Deus! Ai que canseira! Trabalhei a vida
inteira, consertando sapatinhos, sapatões e botifarras… Eis-me chegado aqui… e dizem que
escolha as amarras… Que faço… para onde is?
Os da Barca dos Infernos – E nós outros ao Inferno. Expresso! Não há paragens!... Temos casa
de banho, mini-bar e ar condicionado! E também circuito interno de vídeo e escolha de posto
de rádio!
Diabo – Mandei tirar, agora só net por cabo. Tu não largavas os tuk tuks.
Diabo Parvo – Com o que roubaste em vida deve chegar para o bilhete.
6. Perdoai-nos os pecados
Ajoelham todos e oram.
Todos – Perdoai-nos os pecados. Mas não fizemos por mal. Se merecemos castigo… que seja
bem pequenito. Estou aflito!... Bem aflito!... Bato no peito, a preceito!... Até me vou flagelar!...
Ai!... Ui!... Dói-dói!... Chiça, que mói!... Ai!... Ui!... Eu cá não fui, decerto, o mais pecador!... Ele
há tantos importantes, deputados, governantes!... E nenhum é castigado!... Comem bem. São
anafados. Ficam-nos com os ordenados. As pensões e as reformas. E nunca são castigados! Tiram
dinheiro à cultura e ninguém lhes vai à cornadura! Destroem a educação e todos têm perdão!...
Por isso, Deus, tem juízo!... E dá-nos o Paraíso nesta Terra em que vivemos!... Oremos!.... Ah….
Mum-mum-mum-mum-mum… E vamos continuar! Não sem antes jejuar!...
Ah…. Mum-mum-mum-mum…
7. O regabofe
Frade, no meio da confusão (é Parvo à-Maneira, disfarçado)
Parvo à-Maneira – Corpo de Deus consagrado! Pela Fé de Jesu Cristo, que eu nem posso
entender isto! Que dizes Mundo encantado? Pois hei-de ser condenado? Eu, um Frade tão
afamado em Portugal e Além-Mar?! Sou Frade de tantas virtudes que nem sei qual delas diga.
Ai, que me dói a barriga!
Anjo – Frade!... Que pouca vergonha! Se vens dessa maneira no Céu te não quero! Pois o nosso
Pai austero deu-me boas instruções: não levarei fanfarrões, nem padres pantomineiros.
Diabo – Entra na minha Barca, gentil Frade mundanal! A Belzebu te encomendo. Cantarás e
bailarás. Quero que haja alegria na viagem que faremos.
Parvo à-Maneira – Terei de viajar co’o demo?! Ai, de mim! E como?...?!... Com tanto salmo
rezado?!...
Parvo-Esperto – Razão tens tu, ó fradeco!... Pois se na barca dos Céus, viajam certos padrecos
que gostam de meninos que brincam com bonecos!
Parvo à-Maneira – Vade retro! Pois excomungo tal Barca. E ao Inferno me vou que melhor lá
estou!
15
Todos os que estão fora de cena – Atenção senhores passageiros com destino ao Além Mundo,
devem dirigir-se às portas de embarque!... Partida prevista para daqui a quinze minutos!... Pi-
pi-pi!... Corrigimos a informação: partida daqui a um quarto de hora!... A Transtejo-Xaolin deseja
a todos um excelente fim!...
Dama Aqui-estou-aqui-me-tens – Hou das Barcas! Hou lá! Hou lá! Faltamos nós!
Entra Alcoviteira
Alcoviteira (tom falso) – Comadre!... Amiga do peito!... Companheira!... (a outra ignora-a) Chega para
lá, ó madame! Aqui não há quem te queira! Tem maneiras!
Alcoviteira – Então?!... Ó menina!... Tanto fel, tanto azedume!... Não me parecem bem esses
modos!...
Diabo – Bem disse que vinha disfarçada, agora vais bater à porta ali ao lado.
Dama Aqui-estou-Aqui-me-tens - Seiscentos virgos postiços e três arcas de feitiços que nom
podem mais levar.
Alcoviteira – Três almários de mentir, e cinco cofres de enlheos, e alguns furtos alheos assi em
jóias de vestir, guarda-roupa d'encobrir, enfim - casa movediça; um estrado de cortiça com dous
coxins d'encobrir.
Dama Aqui-estou-Aqui-me-tens (muito chateada) – Trouxeste a carga toda!... Até os restos da boda
que nunca pudeste ter!... Aleivosa!... Pespineta... Fedúncia!... Marabunta fedorenta!
Alcoviteira – Deixem-me entrar já a mim que sou uma mártir tal!... Tenho levado açoites e
suportado tais tormentos, que não há ninguém igual! Peço-vos de giolhos!... Cuidais que trago
piolhos, anjo de Deus, minha rosa?! Eu sou aquela preciosa que dava as moças a molhos…
Alcoviteira – Também criavas meninas?! Ora, adeus! Nem Santa Úrsula converteu tantas
meninas como eu! E todos acharam dono e ficaram bem na vida!
Alcoviteira – Olhai, a dama babosa! Andavas pelos salões a roçar-te nos calções das senhorias!...
Ou julga que eu não sei as porcarias que fazias?!
Pára a musica.
17
Repórter Hipocondríaco – (ao telemóvel) Alô?!... Zé Alberto?!... Não, não!... Não é tourada. Anda
é tudo à lambada, não tarda nada. Mas eu estou a fazer a reportagem. O melhor que posso.
Como?!... Não tenho a Segurança Social em dia?!... Estou a dever dinheiro às Finanças?!...
Ouve… É tudo um mal-entendido. Sabes como são esses gajos. Repete lá, por favor, que eu não
ouvi… Estou despedido?!... Mas eu ainda nem assinei contrato… Tens alguém mais barato?...
Mas eu ainda não recebi nem um chavo… Estou?!... Estou?!.... Desligou, o coirão!
Repórter Hipocondríaco – Vai tudo para o Facebook, o Youtube, e… o raio que os parta! E vou
dizer o que me fizeram!
Dama do Pró – Deixe lá, não se enerve. Para quem é que trabalhava? Qual era a sua estação? É
que eu tenho uns amigos a quem posso bichanar ao ouvido. Se se portar bem… Se eu quiser…
eles podem muito… é que podem mesmo. Não é para me gabar mas tenho umas ‘conections’
muito importantes.
Dama do Pró – Ai ele é isso?!... Nojo?!... Então vais andar de rojo. Nunca mais és contratado.
Mal-educado!... Insolente!... Palmo de gente!...
Dama do Contra – Olha só a velhaca!... Queres que te lambam os pés?!... Vamos voltar outra
vez ao come e cala?!... Armem lá outra vez a tourada que vamos alisar o lombo à empertigada!
(cena de luta e zaragata)
Anjo – Já chega, que pouca vergonha, tudo a andar daqui para fora.
Diabo– Chega!... Toca a entrar! Temos gentil maré! As Barcas vão zarpar!
Diabo - Manda-os para as listas de espera para saberem como é! Daqui a dois anos voltamos
cá!
FIM