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Educ. Soc., Campinas, v. 38, nº. 141, p.1017-1034, out.-dez., 2017 1017
Cyberbullying
Introdução
A
pesar dos esforços no campo da educação e das preocupações globais
com os direitos humanos, as sociedades contemporâneas ainda não
conseguiram erradicar a violência e enfrentam, hoje, suas novas formas,
que, em parte, resultam do progresso tecnológico alcançado. A Organização Mun-
dial de Saúde/WHO (2002, p. 4) define a violência como a “utilização intencional
de poder ou força física, na forma efectiva ou de ameaça, contra si próprio, contra
outra pessoa, ou contra um grupo ou comunidade, da qual resulte ou possa resul-
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Ana Margarida Veiga Simão, Isabel Freire e Maria Teresa Ribeiro Pessôa
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parte dos agressores, pelo que o prazer é mais importante que o sofrimento das
vítimas (MENESINI et al., 2003). No mesmo sentido, alguns estudos referem
que os agressores não atribuem motivos hostis a si próprios, deslocam a sua res-
ponsabilidade para terceiros e têm expectativas positivas sobre os resultados do
seu comportamento (PERREN et al., 2012; PORNARI & WOOD, 2010). Tra-
ta-se de formas de desresponsabilização e desinvestimento moral, com tendência
para serem mais frequentes no raciocínio dos rapazes do que no das raparigas
(idem). Esse é um referencial que tem por base a teoria de descomprometimento
moral de Bandura (2002), entendido como um conjunto de “processos cogniti-
vos através dos quais a pessoa é capaz de cometer atos horríveis contra os outros”
(HYMEL, ROCKE-HENDERSON & BONANNO, 2005, p. 2), sendo o foco
direcionado mais aos ganhos pessoais e às sanções do que aos assuntos morais.
Bandura refere quatro processos psicológicos de descomprometimento moral:
1. reestruturação cognitiva, como dar justificações morais, etiquetar eufe-
misticamente, comparar com comportamentos piores;
2. obscurecer ou minimizar o seu próprio papel, deslocando ou diluindo
a sua responsabilidade;
3. distorcer ou desvalorizar o impacto do comportamento; e
4. culpar e desumanizar a vítima.
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Metodologia da investigação
Instrumento de investigação e
procedimentos de recolha e de análise
Tabela 1
Exemplo de pergunta do questionário: 32. Por que motivo(s) fizeste isso?
(assinala com uma cruz até três opções).
32.1. Falta de respeito 32.9. Por ciúmes
32.2. Por inveja 32.10. Quebra de amizades
32.3. Divergência de opiniões 32.11. Por não gostar dele
32.4. Para me divertir 32.12. Por vingança
32.5. Por estar aborrecido 32.13. Por me sentir superior
32.6. Por não ter nada para fazer 32.14. Por imaturidade
32.7. Por brincadeira 32.15. Não sei
32.8. Por diferenças entre nós (culturais, cor 32.16. Porque eles me tinham agredido física
da pele, sexuais etc.) ou verbalmente
32.17. Outro motivo. Qual?________________
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Amostra
Tabela 2
Distribuição da amostra por nível de escolaridade e sexo.
Vítimas Agressores
M F Total M F Total
6 ano
º
28 33 61 14 4 18
8 ano
º
29 50 79 23 16 39
11º ano 43 83 126 45 36 81
Total 100 166 266* 82 56 138
M: masculino; F: feminino; *um participante não revelou o ano de escolaridade.
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Tabela 3
Motivos invocados pelos agressores.
Total Total (%)
Motivos hedonistas e egoicos
Brincadeira 45 34,1
Diversão 38 28,8
Fuga ao tédio 23 17,4
Estar aborrecido 21 15,9
Motivos de afiliação
Não gostar dele 30 22,7
Quebra de amizades 23 17,4
Motivos morais
Vingança 28 21,2
Retaliação 19 13,6
Falta de respeito 18 14,4
Motivos conflituais e sentimentos de superioridade
Diferenças 1 0,8
Divergência de opiniões 14 10,6
Sentimentos de superioridade 5 3,8
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Tabela 5
Emoções e motivos dos agressores.
B S.E. Wald Sig.
Satisfação
Não ter nada para fazer 1,400 ,640 4,784 ,029
Não gostar dele 1,123 ,496 5,129 ,024
Constant 34,465 80386,071 ,000 1,000
Prazer
Não ter nada para fazer 3,011 ,847 12,641 ,000
Quebra de amizades 1,776 ,744 5,699 ,017
Constant 37,185 80386,096 ,000 1,000
Tristeza
Brincadeira -3,045 1,484 4,208 ,040
Constant 117,578 94482,834 ,000 ,999
Zanga
Para me divertir 3,589 1,332 7,254 ,007
Quebra de amizades -3,077 1,501 4,201 ,040
Imaturidade 2,962 1,194 6,157 ,013
Porque me tinham agredido 3,695 1,388 7,089 ,008
Constant 48,543 87263,804 ,000 1,000
Alívio
Porque me tinham agredido 1,291 ,646 3,994 ,046
Constant 84,914 87449,455 ,000 ,999
Sentir-se mais forte
Vingança 1,880 ,723 6,772 ,009
Constant 71,417 83102,364 ,000 ,999
Indiferença
Porque me tinham agredido -2,153 1,074 4,017 ,045
Constant 86,549 87988,696 ,000 ,999
Diversão
Para me divertir 2,664 ,854 9,721 ,002
Brincadeira 2,225 ,856 6,762 ,009
Constant 4,839 92909,735 ,000 1,000
Vontade de não ver ninguém
Falta de respeito 2,889 1,219 5,621 ,018
Ciúmes 3,135 1,320 5,644 ,018
Não sei 3,849 1,867 4,251 ,039
Constant 112,354 99055,433 ,000 ,999
Culpa
Brincadeira 2,670 1,060 6,340 ,012
Não sei 2,728 1,292 4,459 ,035
Constant 11,434 91598,966 ,000 1,000
B: B test; S.E: standard error; Wald: Wald Test; Sig.: significance.
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alunos mais velhos e mais forte a agressão proactiva, como é o caso dos motivos de
afiliação, enquanto nos alunos mais jovens há relação positiva com ambos os tipos
de agressão — esse último aspecto também se verifica no estudo de Salmivalli &
Niemenen, 2002.
Assim, os resultados evidenciados neste estudo sugerem que a divi-
são entre agressão reactiva e instrumental, enquanto funções diferenciadas da
agressão em contextos face a face, é também uma classificação pertinente aos
contextos “virtuais”. Essa classificação parece associar-se aos diferentes motivos
invocados pelos adolescentes, isto é, divertimento e brincadeira para agressões
proactivas ou instrumentais, e vingança, raiva e retaliação para agressões reacti-
vas, à semelhança do que os estudos em contexto face a face haviam encontrado
(DODGE et al., 1997).
Tendo em conta os motivos identificados, quer pelos que se referem
como vítimas, quer pelos que se referem como agressores, é preciso equacionar
uma intervenção que procure prevenir o cyberbullying e algumas de suas causas,
mas também quebrar o ciclo da violência que, por vezes, se desenvolve em ambos
os sentidos.
Importa apoiar crianças, adolescentes e jovens, criando ambientes fa-
voráveis para encontrarem os sentidos e os projetos que os façam motivar-se no
sentido construtivo e participativo, encontrando a si próprios e aos outros, por
meio de relações e afetos que os façam sentir-se valorizados e realizados, no pleno
desenvolvimento dos seus dons. Trata-se, pois, de formar cidadãos conscientes,
eticamente responsáveis, capazes de transmutar suas emoções negativas em mo-
tivações e ações transformadoras. Nascido na relação, o cyberbullying precisa ser
trabalhado também na relação, sobretudo quando os próprios sentem que, juntos,
têm capacidade de controlo sobre as situações. Tanto ou mais do que coordenar
esforços, é preciso agregar empenhamentos e o envolvimento no diálogo e nos
afetos, como antídotos para a violência e para o medo. Mesmo sabendo que causas
sociais mais indiretas estão presentes, cabe também aos atores sociais, enquanto
sujeitos com capacidade de resistência e transformação, o dever de atuar para que
as organizações e as relações sejam espaços de construção, aprendizagem e expres-
são do que há de melhor em cada um.
Referências
ANDERSON, C.; BUSHMAN, B. Human aggression. Annual Review of Psychology,
v. 53, p. 27-51, 2002.
BANDEIRA, C.; HUTZ, C. Bullying: prevalência, implicações e diferenças entre os
gêneros. Psicologia Escolar e Educacional, Campinas, v. 16, n. 1, p. 35-44, jan./jun. 2012.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pee/v16n1/04.pdf>. Acesso em: 2 ago. 2013.
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