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GEOPROCESSAMENTO

Francieli Santana Marcatto


Cartografia na
aquisição de dados
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Descrever os princípios fundamentais da cartografia.


„„ Relacionar cartografia e geoprocessamento.
„„ Diferenciar as formas de obtenção de dados geográficos.

Introdução
Ao longo da história, os mapas foram utilizados como instrumentos
de representação dos objetos que ocorrem no espaço geográfico e
de comunicação entre o elaborador do mapa e o leitor. Nesse cenário,
a cartografia se desenvolveu para aprimorar o processo de produção dos
mapas, criando concepções teóricas e técnicas para que eles pudessem
representar os fenômenos geográficos da melhor forma possível e, acima
de tudo, tornar-se um instrumento mais eficiente de comunicação.
Com a evolução tecnológica, ocorreram aprimoramentos nas formas
de produzir mapas, sobretudo com o surgimento do geoprocessamento
e dos sistemas de informação geográfica (SIGs). Os SIGs são instrumentos
capazes de analisar grandes volumes de dados, aplicar operações ma-
temáticas e estatísticas e produzir mapas. O geoprocessamento trouxe
inovações para a produção de mapas, fazendo com que ele e a cartografia
se tornassem interdependentes, visto que os produtos cartográficos
(e as suas concepções técnicas) são fontes de aquisição de dados e produ-
tos para o geoprocessamento. Apresentam-se, ainda, como instrumentos
interdisciplinares, capazes de analisar distintos dados geográficos, sob
uma abordagem integradora. Diante disso, os produtos cartográficos
se tornam fundamentais para os estudos geográficos, que envolvem
variáveis ambientais e socioeconômicas.
2 Cartografia na aquisição de dados

Neste capítulo, você vai aprender alguns conceitos teóricos da disci-


plina de cartografia que são fundamentais para a elaboração dos mapas.
Vai estudar também a relação existente entre cartografia e geoprocessa-
mento, conhecendo as interdisciplinaridades dessas duas áreas e como
elas podem ser aplicadas no estudo e na integração de dados geográficos.
Por último, você vai conhecer as principais formas de obtenção de dados
geográficos.

1 Princípios fundamentais da cartografia


A cartografia surgiu juntamente com as primeiras representações carto-
gráficas, realizadas por povos primitivos que, antes mesmo de escrever,
já traçavam mapas sobre a sua realidade (ROSA, 2004). Na Antiguidade Clássica,
os babilônios e egípcios deram grandes contribuições para o desenvolvimento
da cartografia, pois detinham conhecimentos de astronomia, matemática e
agrimensura. Na região em que viviam esses povos, foram encontrados registros
cartográficos, como um mapa-múndi esculpido em argila (COLAÇO; BAUAB,
2016). Apesar da contribuição dos egípcios e babilônios, o sistema cartográfico
que conhecemos hoje é atribuído aos gregos, que reconheceram a Terra como
esférica, desenvolveram as coordenadas geográficas, calcularam o tamanho
da Terra e desenharam os primeiros sistemas de projeção cartográfica, ainda
na Antiguidade Clássica (ROSA, 2004; COLAÇO; BAUAB, 2016).
A cartografia pode ser traduzida, de forma muito simplificada, como uma
ciência que faz o uso de mapas (ou cartas e outros elementos gráficos) para
representar a superfície terrestre. Assim, pode-se dizer que ela se preocupa
em criar modelos de representação para os processos que ocorrem no espaço
geográfico (D’ALGE, 2001). Anderson (2004) destaca que a cartografia en-
quanto ciência se preocupa em como comunicar, ou seja, quais técnicas e
instrumentos podem ser utilizados para representar a realidade, de modo que
o produto seja o mais exato possível. Além disso, envolve o conhecimento
dos símbolos a serem utilizados, das projeções cartográficas e do processo
de produção dos mapas.
O principal produto da cartografia são os mapas, que podem ser definidos
como uma representação da superfície terrestre que mantém uma proporção
com o objeto representado. O mapa é reconhecido também por ser um de-
senho seletivo, com convenções e generalizações de uma área. Além disso,
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cada feição representada recebe um nome e é relacionada a um sistema de


coordenadas, apresentando uma localização no espaço geográfico (ROSA,
2004). Segundo Nogueira (2008), os mapas são instrumentos de transmissão
do conhecimento, pois são representações gráficas de determinado fenômeno
que ocorre no espaço geográfico, criadas para transmitir o conhecimento de
um (elaborador) para outros (leitores).
A representação cartográfica envolve o conhecimento de alguns princípios
teóricos que são fundamentais para a elaboração desses produtos, como os
sistemas de referência, a orientação, a escala, os sistemas de coordenadas e as
projeções cartográficas. Nos itens a seguir, será apresentado um pouco mais
sobre cada um desses princípios.

Sistemas de referência
Apesar de dizermos que a Terra é redonda, para representá-la, essa simples
generalização não basta, pois ela não é uma forma perfeita — possui irregu-
laridades na superfície, além de ser achatada nos polos. Segundo Fitz (2008),
a forma que mais se aproxima da Terra é a geoide, que pode ser definida como
uma superfície que coincide com o nível médio dos mares, sendo formada por
um conjunto de pontos em que a medida do potencial do campo gravitacional
da Terra, além de ser constante, possui direção perpendicular.
Diante das irregularidades no formato da Terra, foi definida uma figura
matemática capaz de representar a geoide, denominada elipsoide de revolução
(FITZ, 2008). Desse modo, a elipsoide de revolução é a superfície determinada
matematicamente que mais se aproxima da superfície real da Terra e é utilizada
nos cálculos que auxiliam na elaboração de uma representação cartográfica
(ROSA, 2004). Para compreender melhor a relação entre a superfície terrestre,
a geoide e a elipsoide, observe a Figura 1. A representação inclui três linhas:

„„ a Earth’s surface (linha verde de maior espessura), que representa a


superfície terrestre real, com todas as irregularidades topográficas;
„„ a linha Geoid (em azul), que é a representação que melhor se adapta à
forma real da Terra; e
„„ a Ellipsoid (linha verde de menor espessura), em que se determina uma
figura geométrica modelada matematicamente que melhor se adapte
ao modelo da geoide.
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Superfície da terra Separação geoide (N)


(ondulação)
Superfície do mar
Geoide

Elipsoide

Figura 1. Linhas que representam a diferença de forma entre a superfície terrestre real e
a geoide e a elipsoide.
Fonte: Adaptada de Knippers (2009).

É nesse ponto que podemos falar sobre os sistemas de referência ou


sistemas geodésicos, que possuem relação direta com a forma da Terra e o
modelo de representação adotado. Os sistemas de referência buscam uma
correlação entre a geoide e a elipsoide, escolhendo uma elipsoide de revolução
que se ajuste da melhor forma possível ao geoide local, determinando o ponto
de origem para as coordenadas geodésicas. Estas devem estar referenciadas
a esse elipsoide, por meio dos sistemas de referências (ou datum) horizontal
e vertical (ROSA, 2004).
Cada país adota uma elipsoide de referência e um sistema referencial para
desenvolver os seus trabalhos geodésicos e topográficos. Isso significa dizer
que os países podem escolher o datum e a elipsoide que melhor se adaptam
à representação do seu território (ROSA, 2004). Por exemplo, o Brasil e os
Estados Unidos adotam diferentes sistemas referenciais: o Brasil utiliza ofi-
cialmente o Sistema de Referência Geocêntrico para as Américas (SIRGAS
2000), como veremos a seguir, e os Estados Unidos referencia os seus dados
ao North American Datum (NAD 83).
Existem dois tipos de sistemas de referência, o horizontal e o vertical,
denominados também datum horizontal e datum vertical. Conheceremos
mais sobre eles a seguir.

„„ Datum horizontal: é um referencial planimétrico, um sistema padrão


utilizado para a determinação da latitude e da longitude dos objetos
da superfície terrestre. Segundo Rosa (2004), esse datum é o ponto de
referência inicial utilizado como base nos levantamentos horizontais, ou
seja, nos levantamentos da latitude e longitude dos objetos da superfície
terrestre. A localização ideal do ponto deve sempre considerar a máxima
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adaptação entre as superfícies da elipsoide e da geoide. A definição do


ponto de origem pode utilizar como referência um marco geodésico,
que são pontos instalados na superfície terrestre que possuem latitude
e longitude precisas, referenciadas ao sistema utilizado nacionalmente.
„„ Datum vertical: é um sistema de referência geodésico utilizado para de-
finir as altitudes dos pontos da superfície terrestre, partindo da medição
do nível médio dos mares com o auxílio de marégrafos. Por definição,
ocorre um ajustamento das medições realizadas, determinando uma
referência zero (altitude zero) e adotando esse marégrafo como ponto de
referência geodésico (D’ALGE, 2001). Devido à grande variabilidade
do nível dos mares, cada país adota o seu próprio datum vertical.

No Brasil, são adotados sistemas de referência vertical e horizontal aos


quais os dados de latitude, longitude e altitude devem ser referenciados.
Atualmente, o datum horizontal utilizado é o SIRGAS 2000, que, desde o
ano de 2015, tornou-se oficial, substituindo o antigo South American Datum
(SAD69), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,
2015). O SIRGAS 2000 possui uma orientação geocêntrica, em que o ponto
de origem é calculado computacionalmente no centro da Terra (IBGE, 2006).
Essa substituição ocorreu para que houvesse a adoção de um sistema referencial
único para toda a América do Sul (NOGUEIRA, 2008). Já o datum vertical
adotado oficialmente no Brasil é o marégrafo de Imbituba, localizado em
Santa Catarina (FITZ, 2008).

Apesar de o datum SIRGAS 2000 ser utilizado oficialmente no Brasil, até o ano de 2005,
era utilizado o SAD69. Com a publicação de uma resolução do IBGE no ano de 2005,
houve uma alteração do datum oficial. Apesar disso, de 2005 até 2015, passamos por
um período de transição, em que ambos poderiam ser utilizados. De 2015 em diante,
o SIRGAS 2000 se tornou o único datum utilizado nas representações cartográficas
nacionais (IBGE, 2015; IBGE, 2005). Antes disso, ainda na década de 1980, utilizava-se
o Córrego Alegre. Devido a essas mudanças ocorridas ao longo do tempo, devemos
estar sempre atentos aos sistemas de referência em que os dados estão referenciados,
pois podemos encontrar mapas com diferentes datums, dependendo da época em
que foi desenvolvido.
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Além disso, o Brasil possui uma rede de altimetria, gravimetria e planime-


tria, que compõe o Sistema Geodésico Brasileiro. Esse sistema é formado por
marcos geodésicos que contêm informações sobre a latitude, a longitude e a
altimetria de alta precisão e são utilizados como referência nas representações
cartográficas nacionais (ROSA, 2004).
É importante lembrar de que os dados representados em um mapa devem
estar referenciados ao mesmo sistema geodésico, pois sistemas diferentes
resultam em diferenças posicionais dos objetos. Por exemplo, as coordenadas
SIRGAS 2000 apresentam uma diferença de 48 m de longitude e 37 m de
latitude em relação ao datum SAD69 na região de Macapá (IBGE, 2019).
Para o caso de realizar a sobreposição de mapas temáticos da mesma área,
como de hidrografia e relevo, se as informações estiverem em data diferentes,
haverá um deslocamento desses elementos, resultando em uma sobreposição
incorreta. Daí a importância de se conhecer o sistema de referência e, se for
o caso, realizar a transformação dos dados para o mesmo sistema.

Escala
A escala é considerada um elemento fundamental do mapa, pois representa
o número de vezes que um objeto real foi reduzido para ser representado
graficamente. Segundo Fitz (2008, p. 19), a escala pode ser definida como “[...]
a relação ou proporção existente entre as distâncias lineares representadas
em um mapa e aquelas existentes no terreno, ou seja, na superfície real”.
Encontramos nos mapas, mais comumente, dois tipos de escala, a numérica
e a gráfica, que se diferenciam quanto à forma de representação.
A escala numérica nos remete a uma fração, em que o numerador é a dis-
tância no mapa e o denominador é a distância real. Assim, quando falamos em
uma escala de 1:1.000, isso significa dizer que 1 cm no mapa equivale a 1.000
centímetros no terreno — ou seja, 10 metros. A escala gráfica é representada
por uma linha ou uma régua, denominada talão, que possui subdivisões. Cada
talão possui um comprimento em centímetros, que corresponde a um deter-
minado comprimento no terreno, indicado de forma numérica (FITZ, 2008).
Devemos sempre pensar que a escala nos mostra o número de vezes que
um objeto real foi reduzido e que, quanto maior for essa redução (ou menor
for a escala), mais generalizado o mapa será. Além disso, um simples mapa
pode nos informar as distâncias e o tamanho dos objetos, sendo a escala o
elemento utilizado para tal definição.
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Orientação
A orientação, representada por uma rosa dos ventos ou por uma seta que
aponta para o norte, também é considerada um elemento essencial de um
mapa. Por convenção, é comum que a orientação ocorra com o sul indicando
a parte inferior do mapa e o norte indicando a parte superior (FITZ, 2008).
Alguns produtos cartográficos, além de indicarem o norte geográfico,
representado por qualquer meridiano que está na direção do eixo de rotação da
Terra, também podem apresentar o norte magnético e o norte da quadrícula.
O norte magnético aponta a direção do polo norte magnético, o mesmo
indicado pelas bússolas e que não é exatamente o mesmo do norte geográfico.
Já o norte da quadrícula é frequentemente utilizado em cartas topográficas,
indicando a direção das quadrículas presentes nas cartas (Figura 2) (FITZ,
2008).

Figura 2. Indicação do norte magnético (NM),


do norte geográfico (NG), do norte da quadrícula (NQ)
e da declinação magnética em uma carta topográfica.
Fonte: Adaptada de IBGE (1980).
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Partindo da relação entre o norte magnético e o norte geográfico, derivamos


o conceito de declinação magnética. A declinação magnética, segundo Fitz
(2008), é o ângulo formado entre esses dois nortes, apresentando grandes
variações nas diferentes partes do globo e variação anual.

Sistemas de coordenadas
Os sistemas de coordenadas são utilizados para que possamos localizar os
objetos na superfície terrestre, seja por meio de valores angulares, como as
coordenadas esféricas, ou por meio de sistemas lineares, como as coordenadas
planas (FITZ, 2008). Conheceremos dois deles, o sistema de coordenadas geo-
gráficas e o sistema de coordenadas UTM (Universal Transversa de Mercator),
por serem os mais utilizados para localizar os elementos da superfície terrestre.
Nos sistemas de coordenadas geográficas, cada ponto da superfície ter-
restre é localizado com base na intersecção entre um meridiano e um paralelo,
por meio de latitudes e longitudes, contendo uma medida angular, em graus,
minutos e segundos (FITZ, 2008). Nesse sistema, o meridiano de origem é
o Greenwich, representado pela longitude de 0°, que varia de 0 a 180° no
sentido leste e no sentido oeste. O paralelo de origem é a linha do equador,
representada pela latitude 0° e que também subdivide a Terra nos hemisférios
Norte e Sul. Partindo do equador em direção aos polos Norte ou Sul, a latitude
varia de 0 a 90° (D’ALGE, 2001).
O sistema de coordenadas UTM se caracteriza por adotar coordenadas
métricas planas ou planas-retangulares. O globo é dividido em 60 fusos, cada
um com seis graus, partindo do antimeridiano de Greenwich. A origem do
sistema de coordenadas é o cruzamento do equador com um meridiano padrão,
conhecido por meridiano central. As coordenadas variam em metros, sendo
que é estabelecido o valor de 10.000.000 m no equador, em que a coordenada
de referência se reduz no sentido sul do equador. O meridiano central possui
um valor de 500.000 m, em que os valores são crescentes a leste e decrescentes
a oeste (FITZ, 2008). Nesse sistema, a localização precisa dos pontos é dada
pelos valores métricos das coordenadas e pela indicação do fuso ao qual está
se referindo ou a indicação do valor do seu meridiano central (FITZ, 2008).
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Projeções cartográficas
As projeções cartográficas se referem às adaptações realizadas para trans-
formar uma superfície curva em uma representação geográfica plana. Desse
modo, ao elaborar um mapa, é necessário escolher um método que relacione
os pontos da superfície terrestre com os seus respectivos pontos no plano de
projeção do mapa, sendo esse o motivo pelo qual escolhemos uma projeção
cartográfica (D’ALGE, 2001). A projeção cartográfica se apoia em funções
matemáticas para realizar esse transporte dos pontos da superfície terrestre
para os mapas, embasados em diferentes figuras geométricas, que são utilizadas
como superfícies de projeção (FITZ, 2008).
Existem diversos tipos de projeções cartográficas, que são classificadas de
acordo com a metodologia utilizada, diferenciando-se em relação ao grau de
deformação, o tipo de superfície adotado, a posição da superfície de projeção,
entre outros. Por se tratar de um assunto extenso, estudaremos de forma
breve alguns desses tipos. Quanto às deformações que apresentam, as proje-
ções cartográficas são classificadas em: conformes, equivalentes, azimutais,
equidistantes e afiláticas. Podem ser classificadas também em relação ao tipo
de superfície de projeção, diferenciando-se em planas, cônicas, poliédricas e
cilíndricas. Em relação à posição da superfície da projeção, são classificadas
em equatoriais, transversas, polares e oblíquas (FITZ, 2008).
Dentre essas projeções, as que são mais comumente utilizadas, segundo o
IBGE (1999), é a de Mercator, a policônica e a cônica de Lambert.

„„ Projeção de Mercator: é um sistema de projeção cilíndrico e conforme.


Pode se diferenciar em tangente e secante, sendo que, na tangente, os
meridianos e paralelos não são linhas retas, excetuando-se o meridiano
de tangência e o equador. Já na projeção secante, mais utilizada no
Brasil (Figura 3), o meridiano central e o equador são linhas retas.
A projeção de Mercator secante é adotada no sistema UTM e na produção
de cartas topográficas nacionais (IBGE, 1999).
„„ Projeção cônica normal de Lambert: é um sistema cônico e conforme,
sendo que os meridianos são linhas retas convergentes, e os paralelos
são círculos concêntricos com centro onde interceptam os meridianos.
Essas projeções são muito utilizadas na representação de regiões que
se estendem na direção leste-oeste (IBGE, 1999).
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„„ Projeção policônica: a superfície de representação são diversos cones,


em que o meridiano central e o equador são as únicas linhas retas.
Os paralelos se caracterizam por serem círculos não concêntricos e sem
deformações, e os meridianos são curvas, que dividem os paralelos em
partes iguais. Essas projeções são muito utilizadas nas representações
de regiões de longa extensão norte-sul e reduzida extensão leste-oeste,
aplicadas aos mapas da série Brasil (IBGE, 1999).

Figura 3. Cilindro secante no sistema de projeção Universal Transversa de Mercator.


Fonte: IBGE (2019, p.29 apud IBGE, 1999).

Conforme apresentado, cada sistema de projeção possui particularidades,


apresentando aspectos positivos e negativos. A escolha do melhor sistema de
projeção depende diretamente da finalidade do mapa e do conhecimento das
características de cada um dos sistemas.
Cartografia na aquisição de dados 11

2 Cartografia e geoprocessamento:
interdisciplinaridade e aplicações
O geoprocessamento pode ser definido como uma área de conhecimento
que utiliza matemática e técnicas computacionais para realizar o tratamento
de dados geográficos; uma das técnicas computacionais utilizadas são os
SIGs (CÂMARA; DAVIS, 2001). Já a cartografia, que surgiu muito antes do
geoprocessamento, preocupa-se em criar modelos capazes de representar os
territórios e os fenômenos que ocorrem na superfície terrestre. Desse modo,
na maioria das vezes, o produto final do geoprocessamento é uma represen-
tação cartográfica, o que demonstra a interrelação entre essas duas áreas do
conhecimento.
Leite e França (2009) afirmam que o geoprocessamento é utilizado para
se referir a todas as técnicas que promovem a correlação de informações
espaciais e a cartografia digital. Pelo fato de ter sido desenvolvido com a
contribuição de diversas ciências, como a matemática, a computação e a geo-
grafia, o geoprocessamento se configura como um instrumento interdisciplinar
(LEITE; FRANÇA, 2009). Além de ser interdisciplinar na sua criação, por
ter sido desenvolvido por diferentes áreas do conhecimento, pode-se dizer
que o geoprocessamento é considerado uma tecnologia interdisciplinar, pois
possibilita a convergência de diferentes áreas do conhecimento para estudar
fenômenos ambientais e socioeconômicos. Desse modo, podemos dizer que o
espaço é uma linguagem comum para diferentes disciplinas do conhecimento
(CÂMARA; MONTEIRO, 2001).
Assim como o próprio geoprocessamento, a cartografia também possui
uma proposta interdisciplinar, uma vez que as suas técnicas são utilizadas na
representação de diferentes tipos de dados, provenientes de diversas áreas
do conhecimento. Além disso, os produtos cartográficos não são somente
meios de representação, mas podem ser instrumentos para a resolução de
problemas. Para compreender melhor, vamos pensar no exemplo da análise
espacial, muito utilizada para resolver problemas quando se trabalha com
os SIGs. Os procedimentos da análise espacial envolvem a representação
espacial do fenômeno por meio de um mapa, de modo que se possa verificar
a distribuição geográfica do fenômeno. A partir do mapa, é observado como
o fenômeno se distribui espacialmente (se existem padrões); então, passa-se
a levantar hipóteses sobre a causa do problema. Note que, nesse processo,
a representação cartográfica (o mapa) é um dos principais instrumentos uti-
lizados para compreender o problema na análise espacial.
12 Cartografia na aquisição de dados

D’Alge (2001) enfatiza a relação existente entre cartografia e geoprocessa-


mento, afirmando que essa relação interdisciplinar tem como razão principal
o espaço geográfico. O geoprocessamento utiliza técnicas matemáticas e
computacionais para tratar os processos que ocorrem no espaço geográfico,
e a cartografia se encarrega de criar modelos de representação, ou seja,
o produto final, que pode ser um mapa, uma carta, uma planta ou algum tipo
de representação gráfica relacionada. Ao analisar a importância da cartografia
para o geoprocessamento, Kraak e Ormeling (1997 apud NOGUEIRA, 2008)
apontam que os mapas:

„„ são uma interface direta e indireta para os SIGs;


„„ podem ser utilizados como instrumento de visualização, auxiliando na
identificação de padrões;
„„ são instrumentos visuais para comunicar os resultados; e
„„ são instrumentos de entrada de dados nos SIGs.

Dentro da ciência geográfica, a utilização de mapas para observar as cone-


xões e os padrões dos objetos geográficos é realizada desde os primórdios dessa
ciência, muito antes de existirem os SIGs. Nesse período, as análises espaciais
eram realizadas com a sobreposição de mapas temáticos, utilizando-se um
sistema de transparência e técnicas manuais, seguindo métodos cartográficos
(NOGUEIRA, 2008).
As técnicas e os conhecimentos provenientes do geoprocessamento e da
cartografia são de fundamental importância para a geografia, sendo aplicáveis
tanto na área ambiental quanto nos estudos que envolvem aspectos socioe-
conômicos. Ainda, é possível estudar as interrelações entre essas duas áreas
sob uma abordagem sistêmica. Para compreender a interdisciplinaridade do
geoprocessamento e da cartografia na análise de dados geográficos, vamos
conhecer exemplos de aplicação dentro da geografia, enfatizando a relação
existente entre essas áreas do conhecimento e a sua perspectiva interdisciplinar
e de integração dos dados geográficos.
Na geografia, o planejamento ambiental é uma área que busca estudar
os elementos naturais e antrópicos, sob uma perspectiva de integração. Ele
é aplicado no levantamento tanto dos componentes ambientais quanto dos
socioeconômicos, integrando-os, ao final, de modo que se possa realizar uma
análise conjunta dos fenômenos que ocorrem no espaço. Assim, utilizaremos os
seus preceitos para compreender a importância da cartografia e do geoproces-
samento como instrumentos que nos possibilitam estudar o espaço geográfico.
Cartografia na aquisição de dados 13

O planejamento ambiental está fundamentado na interação e integração de


todos os sistemas que compõem o ambiente, estabelecendo relações com os
sistemas ecológicos e os processos da sociedade e as necessidades sociocul-
turais e econômicas. Assim, o planejamento é realizado sob uma abordagem
sistêmica e holística, partindo de uma compartimentação inicial do espaço,
para depois integrá-lo (SANTOS, 2004). Um dos primeiros procedimentos
para se realizar o planejamento ambiental é o diagnóstico, em que é reali-
zado o levantamento de temas relacionados aos aspectos físicos, biológicos e
socioeconômicos (SANTOS, 2004):

„„ nos aspectos físicos, podem ser levantados o clima, a geomorfologia,


a geologia, a pedologia e a hidrologia;
„„ os aspectos biológicos envolvem a vegetação e a fauna;
„„ os aspectos socioeconômicos incluem o uso da terra, a demografia,
a infraestrutura de serviços, as condições de vida da população,
as atividades econômicas e as características culturais.

As temáticas e os dados que são levantados na fase do diagnóstico am-


biental vão constituir um banco de dados, com informações alfanuméricas e
gráficas (mapas e cartas) sobre um determinado local. É comum que todas as
informações levantadas sejam inseridas em software SIGs, criando um banco
de dados automatizado, que possibilita o armazenamento, o tratamento e a
análise dos dados espaciais, gerando produtos cartográficos diversos.
Note que, por abranger temas diversos, podemos considerar, conforme
colocado por Santos (2004), que o planejamento ambiental envolve uma análise
interdisciplinar. Do mesmo modo, o geoprocessamento, com suas ferramentas
(como os SIGs), e a cartografia também são capazes de trabalhar com essas
fontes de dados. Assim, podemos denominá-los instrumentos interdisci-
plinares. Nesse sentido, partindo da interdisciplinaridade do planejamento,
do geoprocessamento e da cartografia, vamos analisar como o geoproces-
samento e a cartografia podem auxiliar na fase de diagnóstico e integração
dos dados no planejamento ambiental, observando exemplos de aplicação
relacionados aos aspectos ambientais, biológicos e socioeconômicos.
Em relação aos aspectos ambientais, podemos estudar os elementos geo-
morfológicos, o que implica na caracterização das formas de relevo, declividade
e altitude e dos processos de erosão e acumulação. Para representar cada uma
dessas características geomorfológicas, é possível utilizar as ferramentas do
geoprocessamento para realizar o tratamento dos dados. Juntamente com os
preceitos cartográficos, podemos obter como produto diversos tipos de mapas
14 Cartografia na aquisição de dados

temáticos, como os de unidades de relevo, de declividade e de hipsometria


(cotas altimétricas). Note que o resultado final é sempre uma interação do
geoprocessamento com a cartografia, representada por meio de um mapa.
Quando aplicado aos aspectos biológicos, como no levantamento da ve-
getação, o geoprocessamento pode ser utilizado na classificação de imagens
de satélite, para verificar onde se localiza cada tipo de vegetação. Em alguns
casos, as técnicas do geoprocessamento e do sensoriamento remoto possibilitam
verificar até mesmo as condições biofísicas da vegetação, por meio da aplicação
dos índices de vegetação. Esses índices são utilizados para avaliar as proprie-
dades da vegetação (como a área foliar e a biomassa foliar), observando-se o seu
comportamento espectral (PONZONI; SHIMABUKURO, 2009). Desse modo,
eles buscam apresentar as características da vegetação, por meio da observa-
ção de como as folhas respondem à incidência da radiação eletromagnética.
Um exemplo desses índices é o índice de vegetação da diferença normalizada,
pelo qual é possível identificar o período de crescimento das plantas e as
mudanças na fisiologia das folhas (PONZONI; SHIMABUKURO, 2009).
A análise das imagens geradas por sensores remotos em conjunto com
trabalhos de campo e processadas em ambiente SIG resulta nas representações
cartográficas. Estas podem nos mostrar, por exemplo, os tipos de vegetação
que ocorrem em determinadas localidades, as áreas de transição e os mapas
temporais, que mostram mudanças nas características da vegetação.
Em relação aos aspectos socioeconômicos, podemos analisar as formas de
uso e ocupação das terras, onde novamente as técnicas do geoprocessamento,
como a classificação das imagens de satélite, podem nos auxiliar. O proces-
samento das imagens e a classificação possibilitam identificar as atividades
humanas (uso agrícola, uso urbano, entre outros) que estão sendo desenvolvidas
em um determinado local. O resultado da classificação das imagens são os
mapas de uso e ocupação da terra, conforme pode ser visualizado na Figura 4.
Outro exemplo ligado aos aspectos socioeconômicos são as temáticas
relacionadas à dinâmica populacional, cujos dados podem ser obtidos por
meio dos censos demográficos, como os realizados pelo IBGE. A inserção
dos dados tabulares (informações quantitativas) em um software SIG possi-
bilita a integração com as informações espaciais, de modo que seja possível
espacializar o fenômeno. A espacialização resulta em um mapa de densidade
demográfica da população, espacializando o número de habitantes por área.
Cartografia na aquisição de dados 15

Figura 4. Mapa de uso e ocupação da terra na bacia hidrográfica do Pirapó (Paraná).


Fonte: Marcatto (2020, p. 58).

Todos os exemplos aqui mencionados, quando trabalhados de forma con-


junta, possibilitam uma análise do espaço sob uma abordagem integradora e
interdisciplinar, verificando as interações existentes entre os fenômenos. Por
exemplo, voltando aos dados geomorfológicos, podemos relacioná-los a outros
temas, como os solos, o uso e a ocupação da terra e a densidade demográfica.
Para compreender melhor, podemos pensar que, em geral, nos locais onde o
relevo é mais movimentado e apresenta maiores declividades, existe grande
chance de ocorrerem solos menos desenvolvidos, pois o processo de erosão
atua mais rapidamente do que o de formação dos solos, o que ocasiona solos
mais rasos e menos evoluídos, demostrando a relação solo-relevo. Quando
associamos os aspectos geomorfológicos e pedológicos com a ocupação da
16 Cartografia na aquisição de dados

terra, observamos novamente uma abordagem integrada e a interrelação


existente entre as variáveis. Nos locais de relevo mais íngreme, onde possi-
velmente ocorrem os solos mais rasos e que, devido a essa característica, são
naturalmente mais suscetíveis à erosão, o uso econômico ocorrerá com culturas
que se adaptam a essas características, como as pastagens.
Ao associar as características naturais mencionadas com aspectos demo-
gráficos, podemos observar, por exemplo, as grandes cidades, onde o preço do
solo urbano é elevado. Nesse contexto, é comum que nos locais de relevo mais
íngreme e solos rasos (áreas de morros) ocorram as ocupações irregulares pela
população de baixa renda. Nesses locais, geralmente se observa uma elevada
densidade demográfica. Assim, podemos observar que os elementos naturais
e socioeconômicos interagem de forma indissociável.
Nesse exemplo de integração e análise conjunta dos dados geográficos,
o geoprocessamento atua no tratamento e na análise de cada um desses dados
(solos, geomorfologia, uso da terra, demografia). Para cada dado geográfico,
é produzido um mapa temático, e a integração de todos os mapas temáticos
possibilita uma análise conjunta. Além disso, a elaboração dos mapas requer a
aplicação dos conceitos cartográficos, como escala, generalização cartográfica
e projeções.
Voltando ao exemplo do planejamento ambiental, a unificação das in-
formações por meio de mapas resulta na produção de um mapa de zonas
homogêneas. As zonas homogêneas, segundo Santos (2004), são definidas
a partir de uma análise de todos os temas que ocorrem em um determinado
território, agrupando as características que são comuns, definindo agrupa-
mentos com base em setores e denominando cada setor de acordo com as suas
características. No exemplo da relação entre o relevo, o solo e a ocupação
humana, poderíamos pensar que, em toda a extensão territorial contínua em
que ocorre relevo movimentado, solos rasos e pastagens, existe a possibilidade
de delimitar uma zona homogênea.
Para Santos (2004), a integração de dados só é construída por meio da
análise espacial, tendo como resultado a produção cartográfica. Esse processo
de integração é facilitado pelos SIGs, pois eles são capazes de manipular
um grande volume de dados, podem ser acessados por múltiplos usuários e
possibilitam a manutenção dos dados por um longo período, permitindo a
revisão, caso seja necessário. Além disso, os SIGs são capazes de sobrepor
mapas, criando novos produtos, e de realizar análises espaciais complexas
(SANTOS, 2004).
Cartografia na aquisição de dados 17

Cabe salientar que o mapa é também um instrumento de análise espacial,


desenvolvido por meio da aplicação do método cartográfico. Ele, enquanto
produto, traz consigo diversas concepções e convenções da cartografia,
o que requer conhecimentos sobre escala, projeções cartográficas, orienta-
ção geográfica, generalizações cartográficas, legenda, entre outros. Assim,
para a produção de um mapa, mesmo em ambiente SIG, é necessário seguir
os preceitos da ciência cartográfica, de modo que o produto final seja um
instrumento eficiente de comunicação. Desse modo, conforme colocado por
Nogueira (2008), é fundamental que a pessoa que vá utilizar os SIGs tenha
conhecimentos em cartografia e habilidades em analisar e interpretar mapas
de forma correta.
Diante do que foi abordado, conseguimos perceber que o geoprocessamento
e a cartografia se relacionam durante todo o processo de análise dos fenômenos
geográficos. Observa-se que ambos podem ser utilizados eficientemente na
análise e na integração de diferentes tipos de dados, o que evidencia a sua
importância e a abordagem interdisciplinar intrínseca a eles.

3 As formas de obtenção dos dados geográficos


Os dados geográficos são aqueles que descrevem objetos ou fenômenos que
ocorrem na Terra, sempre associados à sua localização, pois são referenciados
espacialmente — ou, como é reconhecido na área de geoprocessamento,
são georreferenciados (CÂMARA et al., 1996). Por possuírem uma refe-
rência espacial, os dados geográficos podem ser processados, armazenados
e analisados em software SIGs, independentemente da fonte de origem e das
suas características.
Para Câmara et al. (1996), os dados geográficos podem ser caracterizados
segundo três componentes principais, a saber:

1. características não espaciais — descrevem o fenômeno estudado, como


o seu nome e o tipo de variável;
2. características espaciais — informam a localização espacial do
fenômeno;
3. características temporais — identificam quando os dados foram cole-
tados e a sua validade.
18 Cartografia na aquisição de dados

Além de se diferenciarem quanto às características, os dados geográficos


podem ser adquiridos em fontes diversas e se apresentar em formato alfa-
numérico ou gráfico. Como exemplos de fontes de dados, temos mapas e
cartas analógicas e digitais, levantamentos realizados em campo, imagens de
satélites, fotografias aéreas e censos socioeconômicos. Os mapas são uma das
principais formas de obtenção de dados geográficos e podem ser diferenciados
em temáticos e cadastrais.
Os mapas temáticos são aqueles que descrevem a distribuição espacial de
um fenômeno, geralmente de forma qualitativa, como os mapas pedológicos
e de aptidão agrícola (CÂMARA; MEDEIROS, 1998). Assim, os mapas
temáticos geralmente se preocupam em representar espacialmente um único
fenômeno. Os mapas temáticos podem ser elaborados a partir de trabalhos
de campo ou da análise de fotografias aéreas e imagens de satélite e podem
ser analógicos ou digitais. Os mapas analógicos, para serem utilizados em
ambiente SIG, devem ser digitalizados e passar por diversos procedimentos,
que incluem o processamento, o tratamento da imagem, a correção geométrica,
o georreferenciamento, entre outros. Os mapas digitais podem ser elaborados
utilizando-se as técnicas do geoprocessamento, como a interpretação e a
classificação de imagens de satélite.
Nos mapas cadastrais, diferentemente dos mapas temáticos, cada um dos
elementos é um objeto geográfico que possui atributos. Por exemplo, todos os
terrenos de um município são elementos do espaço geográfico, e cada terreno
possui atributos diferentes, como a localização, o proprietário e o valor venal.
Os mapas temáticos são mais generalizados e possuem informações que são
menos precisas, quando comparados aos mapas cadastrais, que devem apresen-
tar informações precisas e de confiabilidade (CÂMARA; MEDEIROS, 1998).
Os mapas cadastrais devem ser precisos porque, geralmente, são utilizados
como base para a cobrança de tributos (como o imposto sobre a propriedade
predial e territorial urbana) e para fins jurídicos, como a garantia do direito à
propriedade do imóvel. Desse modo, esses mapas, sobretudo os relacionados
ao meio urbano, são elaborados por meio de fotografias aéreas e levantamentos
topográficos realizados em campo. Isso ocorre devido ao tamanho reduzido
dos terrenos urbanos e à necessidade de exatidão ao levantar a informação.
A partir disso, as informações levantadas podem ser inseridas em ambiente
SIG, compondo um banco de dados geográficos automatizado.
Cartografia na aquisição de dados 19

Assim como os mapas, as cartas topográficas são importantes instru-


mentos de obtenção de dados geográficos. Elas podem ser definidas como
uma representação espacial dos acidentes naturais e artificiais, em que os
elementos altimétricos e planimétricos são geograficamente bem representados
(IBGE, 1999). Em outras palavras, essas cartas nos informam sobre a variação
altimétrica, representada por meio das curvas de nível, e sobre a localização
dos objetos (coordenadas x e y). Além disso, podemos identificar as formas de
uso e ocupação da terra, pois a carta topográfica dispõe de informações sobre
a hidrografia, a vegetação, o uso agrícola, as cidades, entre outros. A partir
das informações disponíveis nas cartas topográficas, podemos obter dados
que possibilitam a elaboração de outros tipos de mapeamentos derivados,
como os mapas de declividade, hipsometria (variação altimétrica), hidrografia
e uso da terra.
As informações geográficas também podem ser adquiridas por meio das
imagens de satélite e fotografias aéreas, representando as tecnologias de aqui-
sição relacionadas ao sensoriamento remoto. Segundo Câmara e Medeiros
(1998), as imagens representam uma forma indireta de adquirir informações
espaciais, sendo que os objetos geográficos presentes nas imagens são iden-
tificados a partir de técnicas de classificação e interpretação.
A interpretação de imagens e fotografias aéreas consiste em identificar os
objetos geográficos e dar significados a eles (FLORENZANO, 2002). Assim,
quando observamos uma imagem e conseguimos identificar um determinado
objeto, como um rio, uma cidade ou uma estrada, isso significa que estamos
interpretando uma imagem. A interpretação parte da observação de alguns
elementos básicos presentes na imagem, que possibilitam a identificação dos
objetos, por meio de aspectos como tonalidade, textura, tamanho, forma, padrão
e localização (FLORENZANO, 2002). O resultado final da interpretação pode
ser a elaboração de um mapa temático, como o de uso e ocupação dos solos.
Em relação à classificação de imagens, ela busca extrair informações de
forma automatizada, por meio de software SIG. Ao realizar uma classificação,
cada pixel da imagem é associado a um tema ou uma classe, que retrata um
objeto do mundo real — por exemplo, um rio ou uma área de mata. Desse
modo, os pixels da imagem possuem valores digitais, e todos os pixels que
tiverem valores digitais semelhantes são rotulados a uma determinada classe,
sendo que, ao final da classificação, o programa gera um mapa temático
(MENESES; SANO, 2012).
20 Cartografia na aquisição de dados

Para compreender melhor, observe a Figura 5, que representa, à esquerda


(A), uma imagem antes da classificação, e a mesma imagem à direita (B),
já classificada por um software SIG. Note que os elementos (pixels) identifi-
cados como iguais na imagem A foram classificados com as mesmas cores
na imagem B. A técnica da classificação de imagens é muito utilizada na
elaboração dos mapas de uso e ocupação da terra, em que a classificação
automática realizada pelos SIGs identifica os elementos considerados iguais
e os agrupa na mesma classe.

(a) (b)

Figura 5. (A) Imagem de satélite representando uma área agrícola. (B) A mesma imagem
classificada por um sistema de informações geográficas.
Fonte: Meneses e Sano (2012, documento on-line).

Ainda dentro da área de sensoriamento remoto, a coleta de dados topográ-


ficos da superfície terrestre pode ser realizada por meio de imagens da SRTM
(Shuttle Radar Topography Mission). A missão SRTM, realizada no ano de
2000, teve por objetivo mapear as elevações de todo o globo terrestre, partindo
de uma cooperação entre a National Aeronautics and Space Administration,
a National Imagery and Mapping Agency e o Departamento de Defesa dos
Estados Unidos (VALERIANO, 2004).
Cartografia na aquisição de dados 21

Os produtos gerados a partir desse levantamento foram os modelos digitais


de elevação (MDEs), conforme apresentado na Figura 6, que possuem uma
definição análoga aos modelos digitais do terreno, sendo classificados como
representações matemáticas de um determinado fenômeno espacial. O MDE
se refere especificamente à representação espacial dos dados altimétricos
(FELGUEIRAS; CÂMARA, 2001). Dessa forma, os MDEs e as imagens
SRTM são exemplos de produtos a partir dos quais podemos extrair informa-
ções sobre a altimetria da superfície terrestre. Além disso, no caso do MDE,
é possível extrair as curvas de nível de um determinado terreno, utilizando-se
as ferramentas dos SIGs.

Figura 6. Modelo digital de elevação com imagem sombreada.


Fonte: Felgueiras e Câmara (2001, p. 24).
22 Cartografia na aquisição de dados

Os dados geográficos, sobretudo os relacionados às informações socioe-


conômicas da população, também podem ser adquiridos por meio dos censos,
que se constituem em dados com formato tabular. O IBGE é um exemplo de
órgão que realiza o levantamento de dados socioeconômicos da população
brasileira, como os censos demográficos realizados a cada 10 anos, que têm
por objetivo levantar o número de habitantes e identificar algumas de suas
características (IBGE, 2016).
As informações levantadas pelos censos demográficos incluem (IBGE,
2013):

„„ as características gerais da população, como idade, sexo, taxa de na-


talidade e mortalidade;
„„ a distribuição espacial e os fluxos da população, indicando a distribuição
geográfica populacional, a imigração, a migração e os movimentos
pendulares;
„„ a urbanização, apontando para a distribuição da população urbana,
o crescimento populacional, a estrutura etária, a adequação de moradias,
o abastecimento de água e o esgoto sanitário;
„„ as condições da habitação, como iluminação, bueiros, meio fio, calçadas,
condição de ocupação, densidade domiciliar;
„„ o perfil socioeconômico da população, como a escolaridade, o rendi-
mento e os bens materiais;
„„ a diversidade cultural, levantando cor, raça e religião.

Apesar de as informações aqui citadas serem inúmeras, existem outras


diversas que não foram mencionadas, pois o objetivo é somente conhecer
alguns tipos de dados de que o censo dispõe e que podem ser utilizados como
fonte para a realização de pesquisas e a produção de mapas.
Além do censo demográfico, o IBGE realiza o censo agropecuário,
levantando informações sobre os produtores agropecuários e as atividades
econômicas que eles desenvolvem. Os dados desses censos podem ser inseridos
nos software SIGs e utilizados para a análise espacial e a produção de mapas.
Para isso, é necessário baixar no site do IBGE uma malha digital, contendo as
informações relacionadas à localização dos setores e as informações tabulares,
em que constam os dados sobre o fenômeno que se deseja estudar.
Cartografia na aquisição de dados 23

O IBGE é somente um exemplo de órgão governamental que dispõe de


dados geográficos, mas existem outras fontes que podem ser consultadas e
utilizadas. Outra forma de adquirir dados é por meio da Infraestrutura Na-
cional de Dados Espaciais (INDE), criada no ano de 2012. A INDE agrega
diversas fontes de dados espaciais produzidas por órgãos governamentais,
como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Agência Nacional das
Águas, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e o Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional.

No portal do INDE na internet, os dados geoespaciais produzidos por diversas insti-


tuições podem ser consultados e utilizados. Acesse o site e confira.

Outra forma de adquirir os dados geográficos é por meio dos levantamentos


realizados diretamente em trabalhos em campo, que podem ser utilizados
como fonte única de dados ou combinados a outros tipos de fontes, como as
imagens de satélite, garantindo maior confiabilidade ao mapeamento realizado.
A coleta de dados em campo depende da variável que se deseja estudar,
pois cada variável terá uma metodologia própria e fornecerá informações
específicas. O levantamento de dados altimétricos, por exemplo, pode ser
realizado com aparelhos que usam o sistema de posicionamento global (GPS,
do inglês global positioning system), coletando-se as informações planimétricas
(latitude e longitude) e altimétricas do terreno. Então, realiza-se a inserção dos
dados em software SIG, para que sejam processados e possam ser utilizados
na elaboração de mapeamentos derivados. A mesma informação pode ser
levantada com o auxílio de estações totais e técnicas topográficas, que geram
informação semelhante à obtida pelo GPS, diferenciando-se em relação ao
método de obtenção.
24 Cartografia na aquisição de dados

É importante notar que o mesmo tipo de informação pode advir de fontes


de dados e produtos diferentes. No exemplo da elaboração de um mapa de
uso e ocupação dos solos, a fonte dos dados poderia ser:

„„ uma carta topográfica, que indica os tipos de usos em suas quadrículas;


„„ uma imagem de satélite, possibilitando realizar uma classificação para
identificar os elementos;
„„ uma fotografia aérea, que possibilita a realização da fotointerpretação
para identificar os objetos e lhes atribuir significados; ou
„„ a combinação de quaisquer dessas formas com o levantamento em
campo, utilizando GPS.

Desse modo, diante da diversidade de possibilidades, ao escolher uma fonte


de dados, devemos observar a sua confiabilidade, ou seja, a qualidade do dado
levantado e qual é a aplicação que se deseja atribuir a ele. Se a informação que
você deseja levantar deve ser precisa, como as utilizadas na elaboração dos
mapas cadastrais, deve-se obter os dados utilizando-se métodos que garantam
essa precisão (fotografias aéreas e levantamento de campo). Ao contrário,
se a ideia é realizar um reconhecimento de uma determinada área ou fenômeno
e não é necessário grande precisão, como nos mapeamentos exploratórios,
é possível escolher uma fonte de dados que atenda a esse objetivo, como as
imagens de satélite de menor resolução espacial.
Em síntese, o estudo e a representação do espaço geográfico requer o
conhecimento dos conteúdos cartográficos, para elaborar e ler os mapas, e o
conhecimento para relacionar diferentes tipos de dados, de modo que possa-
mos analisar o espaço geográfico de forma integrada. Ainda, é necessário ter
conhecimentos acerca de onde e como obter os dados.

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