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REVISTA ELETRÔNICA DE JORNALISMO CIENTÍFICO

Artigo

Cosmologia: de Einstein à energia escura


Por Jaílson S. Alcaniz
10/08/2007

Qualquer pessoa que já tenha arremessado um objeto para o alto e o viu retornar para a Terra ficaria
surpresa em saber dos últimos resultados das observações astronômicas. Isso porque uma
combinação impressionante de resultados observacionais envolvendo medidas de distância
extragalácticas a partir de observatórios em terra e do telescópio espacial Hubble vêm revelando
consistentemente que o universo está se expandindo aceleradamente. Esses resultados alteram
drasticamente nossa visão tradicional do universo, pois sendo a gravidade uma força atrativa, as
galáxias deveriam frear a velocidade de expansão, conforme ensinado durante muitas décadas por
físicos e astrônomos. A origem ou natureza dessa aceleração cósmica é, por sua vez, considerada o
maior mistério da física e da astronomia contemporâneas. Pela Teoria da Relatividade de Einstein, tal
fenômeno só pode ser explicado postulando a existência de uma forma desconhecida de energia,
denominada energia escura, cuja composição seria responsável por cerca de 3/4 da densidade total
de energia do universo e cujo efeito gravitacional é repulsivo, superando a atração gravitacional entre
as partes do mesmo.

Desde o seu nascimento na Grécia antiga, passando pela primeira grande revolução astronômica de
Copérnico, Kepler, Galileu e Newton, até a segunda de Einstein, Friedmann e Hubble, as pesquisas no
campo da cosmologia foram de fundamental importância para a formação de uma concepção
científica da natureza. Atualmente, uma terceira revolução cosmológica parece estar em curso,
revolução esta que é motivada por um conjunto de resultados observacionais independentes que
indicam que a expansão atual do universo está acelerada, em direta contradição com a nossa
experiência cotidiana de uma gravidade atrativa. Essas descobertas têm, por sua vez, profundas
implicações não somente na astrofísica e na cosmologia, mas também na física teórica fundamental e,
tal como ocorreu na Grécia antiga, durante o renascimento e no início do século passado, impelem
novamente a cosmologia para a fronteira do conhecimento científico.

Nas linhas que se seguem, apresentaremos uma breve discussão sobre alguns desenvolvimentos
importantes no campo da cosmologia bem como seu status atual. Discutiremos, com ênfase nos
chamados pilares da Teoria do Big-Bang, o chamado modelo cosmológico padrão. Veremos como, no
contexto da Teoria da Relatividade de Einstein, as observações atuais nos levam à idéia de uma
componente de energia escura que domina a evolução atual do universo. Finalmente, discutiremos
algumas implicações dessa idéia, assim como uma possível alternativa para ela.

Cosmologia de Einstein

Embora sendo a mais fraca dentre todas as quatro interações fundamentais da natureza, em grande
escala é a gravitação a força dominante no universo. Dessa maneira, todo e qualquer modelo
cosmológico tem como base uma teoria do campo gravitacional. A Teoria da Relatividade Geral de
Einstein, por sua vez, constitui o coração do chamado modelo do Big-Bang ou modelo padrão da
cosmologia.

A história da cosmologia moderna começou em 1917, com o próprio Einstein, quando este aplicou sua
teoria da gravitação ao problema cosmológico. Contudo, ao fazer isso, ele encontrou então um sério
problema a ser resolvido: suas equações de campo implicavam em um universo instável e que
colapsaria sobre si próprio devido à ação de sua própria gravidade. Para produzir um universo estável
(e estático), como imaginado por ele, Einstein precisou adicionar um novo parâmetro às suas
equações, a chamada constante cosmológica (Λ), um termo de anti-gravidade capaz de compensar a
instabilidade causada pela gravidade atrativa de toda a matéria contida no universo. Com Λ, Einstein
tinha agora um universo estático e finito. O preço a ser pago: a inclusão de uma nova e desconhecida
constante gravitacional na sua teoria da gravitação, até então uma teoria sem parâmetros livres.

Na realidade, o que levou Einstein a introduzir, em 1917, a constante cosmológica foi a suposição
errônea de que o universo era estático. Em 1929, no entanto, o astrônomo americano Edwin Hubble
mostrou que as galáxias estão continuamente afastando-se uma das outras, com as velocidades de
recessão proporcionais às suas distâncias. A partir desses resultados, conhecidos como a Lei de
Hubble, e assumindo que nós não ocupamos um lugar privilegiado no universo, Hubble concluiu que
todo o universo está se expandindo. Esse estado de expansão cósmica ou recessão das galáxias
havia sido previsto alguns anos antes, em 1922 e 1924, pelo físico e matemático russo Alexandr

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Friedmann, a partir de seus modelos de Big-Bang. Dado que o universo não é estático, Einstein
prontamente concluiu que seu termo de anti-gravidade era completamente desnecessário,
considerando-o como o maior erro de sua vida!

"Much later, when I was discussing cosmological problems with Einstein, he remarked that the
introduction of the cosmological term was the biggest blunder of his life" (George Gamow).

Modelo cosmológico padrão

Os desenvolvimentos subseqüentes no campo da cosmologia, tanto teórica quanto observacional,


estabeleceram as soluções obtidas por Friedmann, em 1922 e 1924, e por Einstein e de Sitter, em
1932, como o modelo padrão da cosmologia moderna. Nesse cenário, o universo inicia sua evolução a
partir de uma grande explosão1 (Big-Bang) com densidade (1094 gramas/cm³) e temperatura (10³² K)
extremamente elevadas, caracterizando assim o chamado estado singular inicial. A partir desse
estágio, o universo, em expansão, esfriou rapidamente, o que permitiu a formação posterior das
galáxias, estrelas e, finalmente, da vida.

As principais descobertas observacionais que sustentam a cosmologia do Big-Bang, também


chamadas de pilares da cosmologia relativística, são:

• A lei de Hubble: a prova mais direta da expansão cósmica.

• A síntese dos elementos leves, ou nucleossíntese primordial: constitui um período da evolução


cósmica (entre 0.02 a 180 segundos após a singularidade inicial) em que as taxas de expansão e
esfriamento do universo sintetizaram prótons e nêutrons formando os elementos químicos leves, como
o deutério, hélio e lítio.

• A radiação cósmica de fundo: é uma radiação remanescente do universo primordial, cuja detecção
em 1965 por Arno Penzias e Robert Wilson permitiu estabelecer as chamadas eras cósmicas,
relacionando tempo e temperatura e, assim, determinar as condições físicas dominantes em cada
estágio da evolução do universo. Esta radiação foi precisamente caracterizada pelo satélite COBE2
(Cosmic Background Explorer) como uma radiação de corpo negro com temperatura de T0 = 2.725 ±
0.001 K.

Quando combinados, esses e outros resultados observacionais dão pleno suporte à cosmologia
relativística e confirmam muitas das previsões antecipadas pela Teoria da Relatividade Geral de
Einstein.

Fig.1 - Essas são imagens (antes e depois) de três das supernovas, do tipo Ia, mais distantes observadas até o momento pelo
Hubble Space Telescope. Estas estrelas explodiram quando o universo tinha aproximadamente a metade da sua idade atual e
somente agora a luz emitida na explosão está chegando à Terra. As supernovas do tipo Ia são tão brilhantes que elas podem ser
observadas mesmo estando muito distantes no espaço e no tempo. Com isso, é possível estudar a taxa de expansão do universo e
determinar como ela está sendo afetada pela pressão negativa da energia escura.

Aceleração cósmica

Como disse anteriormente, qualquer pessoa que já tenha arremessado um objeto para cima e
observou que este retorna à Terra ficaria espantado com os resultados recentes da cosmologia
observacional (afinal de contas, tudo que sobe, desce, correto?). Esses resultados utilizam medidas
de distância obtidas a partir da luminosidade de supernovas do tipo IA3 , e têm indicado
consistentemente, desde 1998, que o universo está expandindo (como sabíamos desde Hubble) e em
ritmo acelerado! No entanto, sendo a gravidade uma força atrativa (como sabemos desde Newton),

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como é possível que as partes do universo estejam se repelindo, causando essa aceleração cósmica?
É isso compatível com a Relatividade Geral ou previsto pelo modelo padrão da cosmologia?

Gravidade repulsiva é perfeitamente compatível com a Teoria da Relatividade Geral. No entanto, para
que tal regime seja possível, é preciso que a densidade de energia do universo seja dominada por
uma matéria ou substância exótica, com pressão suficientemente negativa para gerar este regime de
anti-gravidade.

O leitor mais atento poderia, neste ponto, indagar-se se a constante cosmológica Λ, aquele termo de
anti-gravidade proposto por Einstein com o intuito de evitar o colapso gravitacional do universo sobre
si próprio, poderia ser a chamada energia escura, a componente exótica responsável pela aceleração
atual do universo. Embora com os desenvolvimentos da chamada Teoria Quântica de Campos, a
constante cosmológica tenha adquirido um novo significado físico (sendo agora interpretada como a
energia do estado fundamental de todos os campos quânticos da natureza), modelos cosmológicos
com Λ são compatíveis com todas as observações cosmológicas atuais. Neste cenário, enquanto as
densidades de energia da radiação e matéria (luminosa e escura) decrescem com a expansão do
universo, a densidade de energia associada à constante cosmológica (Λ) permanece constante (um
argumento semelhante também se aplica a outras formas de energia escura). Isto, por outro lado,
significa que no universo primordial, Λ foi desprezível, passando a dominar a evolução do universo
somente mais recentemente, cerca de 5-6 bilhões de anos atrás.

O leitor mais cético, por sua vez, poderia entender esses resultados observacionais, que apontam
para um universo acelerado, como uma primeira evidência contrária à Relatividade Geral. Tal ponto de
vista também é válido e tem sido bastante explorado na literatura científica atual através, por exemplo,
da chamada Teoria de Branas ou Membranas. Essa teoria, motivada por expectativas teóricas da
física de partículas, sugere que nosso universo observado seria uma membrana imersa numa
dimensão espacial extra, a qual somente a gravidade poderia acessar. Os cenários cosmológicos
baseados na Teoria de Branas fornecem resultados interessantes e conseguem explicar um número
considerável de observações astronômicas, embora desenvolvimentos adicionais ainda sejam
necessários para torná-los completamente viáveis.

Como o leitor, atento ou cético (ou ambos), pode notar, a pesquisa em energia escura constitui
atualmente o principal desafio para físicos e astrofísicos teóricos ou experimentais. O entendimento
completo da natureza da energia escura poderá confirmar ou não as previsões da Relatividade Geral
ou ainda nos levar a uma física completamente nova, que vai muito além de Einstein e de suas
previsões. Por outro lado, caso as pesquisas teóricas juntamente com os resultados observacionais
continuem indicando a constante cosmológica de Einstein como a responsável pela aceleração do
universo, Einstein, embora a tendo rejeitado e considerado seu maior erro, estaria mais uma vez
correto. Bom, isso já não seria nenhuma surpresa, seria? Como James Joyce já dissera:

"A man of genius makes no mistakes. His errors are volitional and are the portals of discovery".

Jaílson Souza de Alcaniz é pesquisador na área de cosmologia na Coordenação de Astronomia e


Astrofísica do Observatório Nacional/MCT no Rio de Janeiro.

Notas

1 Note que a Teoria do Big-Bang não está necessariamente associada à existência de um estado singular ou explosão cósmica

inicial. O que esta teoria estabelece é que o universo foi denso e quente no passado, fato este que é bem comprovado pelas
observações da radiação cósmica de fundo.

2 Pela descoberta da forma de corpo negro e das pequenas anisotropias da radiação cósmica de fundo, John Mather e George

Smoot foram laureados com o prêmio Nobel de Física em 2006.

3 Supernovas do tipo IA (Figura 1) são explosões gigantescas que representam a destruição termonuclear de uma estrela. Essa

explosão lança energia no espaço em quantidades extraordinárias, com o brilho total de uma única supernova sendo equivalente a
cerca de 10 bilhões de estrelas semelhantes ao nosso Sol.

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