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Introdução
Desde há muito que a minha família real se habituou a ver-me sentado no escritório em
frente do écran do computador, de manhã cedo e pela noite fora, a ler coisas que me fazem rir,
praguejar ou mesmo chorar.
Quando uma noite a minha filha me surpreendeu a abafar o riso frente ao computador,
deve ter pensado que eu estava sozinho, ali sentado à secretária; do meu ponto de vista, eu estava
em contato direto com uma panóplia de velhos e novos amigos, colegas e desconhecidos.
Estava a participar na conferência parental da WELL, tomando parte num grupo de apoio
informativo e emocional a um amigo que soubera recentemente que o filho tinha leucemia.
Estava a participar no MicroMUSE, um jogo de faz-de-conta do século XXIV (e também um
meio de educação científica disfarçado), interagindo com estudantes e professores universitários
que me conheciam apenas por «Polinizador».
Estava a participar na comunidade bicultural TWICS, de Tóquio, na comunidade londrina
CIX, na parisiense Calvacom e na Usenet, um emaranhado de centenas de discussões diferentes
que percorrem o mundo inteiro através de correio eletrônico e contam com milhões de
participantes em dezenas de países.
Estava a vasculhar os acórdãos do Supremo Tribunal dos EUA, procurando obter
informações que me ajudassem a rebater os argumentos de um oponente político algures na
Rede, ou a gravar as imagens obtidas por satélite meteorológico nessa manhã sobre o oceano
Pacifico; estava a seguir o relato de várias testemunhas oculares, quer da tentativa de golpe de
estado em Moscou contra Gorbatchev, quer dos incidentes na Praça de Tiananmen, em Pequim,
ou mesmo sobre Israel e o Kuwait durante a guerra do Golfo; esses testemunhos eram passados
diretamente de cidadão para cidadão através de uma rede intrincada, formada por computadores
baratos e linhas telefônicas comuns, através das habituais fronteiras geográficas e políticas «às
cavalitas» da infra-estrutura global de comunicações.
Seguia igualmente um diálogo em tempo real espalhado por três continentes, uma
verdadeira luta de galos global, que mesclava a veia inspirada com a conversa de balneário do
liceu através da IRC, um meio que combina as características do discurso direto com a escrita. A
IRC - Iternet Relay Chat- amalgamou uma subcultura obsessiva muito própria entre milhares
estudantes universitários, desde a Arábia a Adelaide.
Nas comunidades virtuais escrevem-se palavras num écran para contar anedotas, discutir,
envolver-se em dialéticas intelectuais, negociar, trocar conhecimentos e apoio emocional, fazer
planos e brainstorming, contar mexericos, apaixonar-se, fazer amigos e perdê-los, jogar,
namorar, criar algumas obras-primas e produzir muita conversa fiada. As pessoas das
comunidades virtuais fazem tudo o que as pessoas na vida real fazem, mas estão desprendidas
dos seus corpos. Claro que não se pode nem beijar nem esmurrar o nariz de ninguém, embora
muito possa acontecer dentro desses limites. Milhões de pessoas sentem-se atraídas, mesmo
viciadas, pelas comunidades unidas por computador.
Não existe uma subcultura online única e monolítica, antes um ecossistema de
subculturas, umas frívolas e outras sérias. A linha da frente do discurso científico está a migrar
para as comunidades virtuais, onde podem ler-se as pré-publicações de cientistas ligados à
biologia molecular ou à ciência da cognição. Ativistas e reformadores do ensino utilizam este
meio de comunicação como instrumento político. Pode usar-se a comunidade virtual para
combinar um encontro romântico, vender o cortador de relva, publicar tinia novela ou dirigir
uma reunião.
Há quem utilize a comunidade virtual como forma de psicoterapia; ou, corno os
jogadores mais viciados no Minitel francês e nos MUD* das redes informáticas internacionais,
passe dezoito ou mais horas por semana fingindo ser outrem, vivendo uma vida inexistente fora
do computador. Como os MUD não só são passíveis de utilização patologicamente obsessiva por
certas pessoas, como provocam o congestionamento dos recursos informáticos e de
telecomunicações, foram liminarmente banidos em universidades como a de Amherst e em todo
o continente australiano.
* Multi-user dungeons, jogo de aventura multiutilizador. (N. do T.)
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parte dos utilizadores, exceto quando esses pormenores restringem o seu acesso aos serviços de
CMC. O conceito primordial a ter em conta é que as redes de telecomunicações que cobrem o
planeta e nos servem para telefonar, em Manhattan ou em Madagascar, nos permitem ligar
computadores à distância sem precisarmos ser engenheiros para o fazermos.
A Rede é o termo informal que designa as redes de computadores interligadas,
empregando a tecnologia de CMC para associar pessoas de todo o mundo na forma de debates
públicos.
As comunidades virtuais são os agregados sociais surgidos na Rede, quando os
intervenientes de um debate o levam por diante em número e sentimento suficientes para
formarem teias de relações pessoais no ciberespaço. O termo ciberespaço, surgido originalmente
na novela de ficção científica Neuromante, de William Gibson*, é o nome por vezes usado para
designar o espaço conceptual onde se manifestam palavras, relações humanas, dados, riqueza e
poder dos utilizadores da tecnologia de CMC.
Embora uma imagem espacial ajude a enquadrar a experiência de convívio numa
comunidade virtual, é freqüentemente mais apropriada uma imagem biológica para descrever o
modo como a cibercultura se altera. Em termos de expansão e evolução do sistema como um
todo, pense-se no ciberespaço como uma caixa de Petri social, sendo a Rede o meio de àgar-àgar
e as comunidades virtuais, em toda a sua diversidade, as colônias de microorganismos que
normalmente se desenvolvem nas caixas de Petri. Cada uma das pequenas colônias de
microorganismos - as comunidades da Rede - é uma experiência social não planejada que está a
decorrer.
Hoje em dia sabe-se como as anteriores tecnologias da comunicação mudaram a vida das
pessoas, tornando-se necessário compreender como e porquê tantas experiências sociais estão
atualmente a evoluir em paralelo com as mais recentes tecnologias da comunicação. Nos últimos
dez anos a minha observação direta do comportamento on-line em todo o mundo levou-me a
concluir que, sempre que a tecnologia de CMC se torna acessível em qualquer lugar, as pessoas
inevitavelmente constroem comunidades virtuais com ela, tal como os microrganismos
inevitavelmente se constituem em colônias.
Suspeito de que uma das explicações para esse fenômeno seja o desejo de comunidade
que cresce em toda em parte no interior dos indivíduos, à medida que desaparecem cada vez
mais espaços públicos da vida quotidiana. Também suspeito de que estes novos meios de
comunicação atraiam colônias de entusiastas porque a CMC lhes permite interagir de uma forma
inovadora, fazendo coisas novas em conjunto - tal como o permitiram os telégrafos, os telefones
e as televisões.
Em virtude da sua influência potencial nas convicções e percepções de um número tão
grande de indivíduos, o futuro da Rede está ligado ao futuro da comunidade, da democracia, da
educação, da ciência e da vida, intelectual - algumas das instituições humanas mais prezadas,
independentemente da importância dada ao futuro da tecnologia informática.
O futuro da Rede tornou-se demasiado importante para dizer apenas respeito aos
especialistas e aos interesses específicos, porque influencia um número crescente de indivíduos,
devendo, cada vez mais cidadãos contribuir para o diálogo sobre a forma como os dinheiros
públicos são aplicados no desenvolvimento da Rede. Devemos juntar as nossas vozes ao debate
sobre a maneira de a administrar. Devemos transmitir uma perspectiva clara dos cidadãos sobre o
modo como a Rede deve crescer, uma idéia firme sobre o ambiente mediático que desejaríamos
vir a ter no futuro. Se não desenvolvermos nós próprios esta visão do futuro, este ser-nos-á
deteminado pelos detentores do grande poder político e comercial.
próprias -, diversas estruturas sociais online estão a convergir e a criar uma cultura internacional
com características próprias.
A componente telúrica da rede está a unir-se à parte militar-industrial por pontes
tecnológicas. Aos programadores originais da Rede, aos acadêmicos e cientistas que dela se
servem para, respectivamente, trocarem conhecimentos e fazerem investigação, juntam-se agora
os amadores das BBS caseiras. Podem ligar-se redes inteiras por meio de computadores especiais
de acesso (os gateways), que traduzem automaticamente as convenções da linguagem de
comunicações próprias de uma rede (conhecidas por protocolos) nas de outra rede distinta. Nos
últimos anos os grupos até então separados dos pioneiros da Internet e das BBS trabalham em
conjunto para ligarem os mais de l0.000 computadores da rede mundial FidoNet-a primeira rede
de pequenas BBS privadas – aos milhões de utentes e às dezenas de milhares de computadores
mais potentes da Internet.
A Rede e os sistemas de conferência por computador estão igualmente a convergir, à
medida que se vão associando à Internet, a comunidades de conferência por computador com
dimensões médias, como é o caso da WELL. Quando a WELL evoluiu para uma ligação de alta
velocidade à Internet, tornou-se não só uma comunidade em desenvolvimento, como um meio de
acesso a uma esfera mais ampla, a rede universal. Subitamente, os arquipélagos constituídos por
poucas centenas de indivíduos estão a fundir-se numa entidade integrada. As pequenas
comunidades virtuais ainda subsistem, qual fermento na massa a levedar, mas cada vez mais são
parte de uma cultura abrangente, do mesmo modo que os Estados Unidos se tornaram uma
cultura abrangente depois de o telégrafo e o telefone ter ligado os vários estados.
A WELL é um pequeno burgo, mas hoje possui uma porta que dá acesso à confusão
florescente e babélica da Rede, entidade com características totalmente diferentes das aldeias
virtuais de há poucos anos.
Tenho bons amigos nos quatro cantos do mundo que nunca teria conhecido sem a
intermediação da Rede, e um círculo alargado de conhecimentos pode fazer uma enorme
diferença quando se decide fazer a experiência de visitar uma cultura estranha. Sempre que tenho
viajado fisicamente nos últimos tempos, encontrei comunidades sólidas que conheci on-line
meses antes de partir; o nosso entusiasmo mútuo pelas comunidades virtuais serviu
repetidamente como ponte para pessoas cuja língua e costumes diferem dos que me são
familiares na Califórnia.
Normalmente, fico a conhecer as pessoas meses ou anos antes de as ver - de forma que o
meu mundo é hoje diferente do mundo em que vivia na era pré-modem, com amigos e
preocupações diferentes. Os locais que exploro na minha mente e as pessoas com quem
comunico de um momento para o outro são inteiramente diversos do contexto das minhas idéias
e do meu círculo de amizades antes de ter começado a navegar no mar das comunidades virtuais.
Tanto posso estar envolvido nos pormenores preparativos do próximo jogo de bridge local como
no minuto a seguir torrar parte num debate acalorado que se alastra por sete países.
Não se trata somente de fazer parte de comunidades virtuais; de tal modo recordo as
conversas e começo a misturá-las com a vida real que as minhas comunidades virtuais fazem
parte da minha vida. Fui colonizado; o meu sentido de família ao nível mais fundamental foi
virtualizado.
Tenho visto variações dessa mesma virtualização da comunidade atingirem grupos de
algumas centenas de milhões de indivíduos em Paris, Londres e Tóquio, à medida que cidades
inteiras estão a ficar online. Santa Mônica, na Califórnia, e Cleveland, no Ohio, estiveram entre
as primeiras de um número crescente de cidades americanas a implementar sistemas municipais
de CMC. O sistema de Santa Mônica compreende uma conferência ativa para a discussão dos
problemas dos sem-abrigo, envolvendo um grande contributo de munícipes nessa situação,
efetuado a partir de terminais públicos. O sistema possui uma ligação eletrônica ao COARA, um
sistema regional de moldes semelhantes, situado numa província remota do Japão. A rede Biwa-
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Net, da área de Quioto, está ligada à de uma cidade geminada da Pensilvânia. A Rede ainda mal
está a despertar.
Observar a evolução de uma dada comunidade virtual provoca um pouco de emoção
intelectual da antropologia amadora, alimentada pelo voyeurismo multicolor de escutar às
escondidas uma infindável novela em que se misturam a audiência e o elenco. Pelo preço de uma
chamada telefônica é possível participar em qualquer tipo de melodrama que possa imaginar-se;
seja como forma de divertimento ou de evasão, os viciados no Minitel em Paris, os MUDders da
Internet e os utentes obsessivos da IRC em inúmeras universidades provaram que as CMC têm
futuro como importante mercado de fantasias interativas por medida.
As CMC poderão tornar-se o próximo grande meio de evasão, na tradição dos programas
de rádio, das matinês de domingo e das novelas - o que significa que passarão de certa forma a
veicular e a refletir os nossos códigos culturais, o nosso subconsciente social e o nosso auto-
conceito, como o fizeram os meios de comunicação de massas que os antecederam. Existem
outros motivos sérios pelos quais o cidadão comum necessita de conhecer melhor este novo meio
de comunicação e o seu impacto social. Algo de muito importante está para acontecer, embora
ainda não tenha tomado forma definitiva.
Nos Estados Unidos a administração Clinton está a tomar medidas tendentes a ampliar as
capacidades tecnológicas da Rede e a generalizar o seu acesso por intermédio de uma rede
nacional para a investigação e educação. A França, possuidora da maior estrutura nacional de
informação a nível mundial que dá pelo nome de Minitel, e o Japão, com a sua aposta nas
indústrias de telecomunicações do futuro, possuem perspectivas próprias sobre a evolução das
CMC. A iniciativa legislativa de Albert Gore em 1991 sobre os sistemas informáticos de alto
desempenho, denominada High Performance Computing Act e promulgada pelo então presidente
Bush, veio ao encontro das visões de Gore sobre as denominadas «auto-estradas da mente»; a lei
preconizava-lhes a atribuição de verbas do orçamento federal de investigação e
desenvolvimento, encarando-as como recurso intelectual nacional, prevendo que fossem levadas
até aos cidadãos pela iniciativa privada. A administração Clinton-Gore baseou-se no exemplo
dos anos 60 e 70 do consórcio ARPA (sigla da Advanced Research Projects Agency, uma
agência dedicada ao desenvolvimento de projetos de investigação avançada), o qual inventou a
Rede e lançou os fundamentos do computador pessoal, demonstrando como encarava a futura
interação do governo com o sector privado no respeitante às tecnologias de comunicação.
No sector privado dos Estados Unidos, Europa e Japão pontuam numerosas empresas a concorrer
por uma posição na emergente «indústria de serviços interativos de informação ao domicílio».
Entre essas empresas figuram operadoras de telecomunicações, redes de televisão, empresas de
informática, estações de TV por cabo e jornais. Estas organizações estão a investir centenas de
milhões de dólares na infra-estrutura dos novos meios de comunicação de massas e esperam vir a
realizar somas astronômicas. Os futuristas tecnológicos de todas as tendências, como Alvin
Toffler, John Naisbitt, Peter Drucker e George Gilder, alimentam esperanças utópicas na «idade
da informação» como tecnopanacéia para os problemas sociais. No entanto, conhece-se muito
pouco sobre o impacto que estas novas mídias poderão vir a ter na nossa vida quotidiana, nas
nossas mentes, nas nossas famílias e mesmo no futuro da democracia.
As CMC têm potencial para mudar as nossas vidas a três níveis distintos, mas fortemente
interdependentes. Primeiramente, como seres humanos individuais que somos, temos
percepções, pensamentos e personalidades (já moldados por anteriores tecnologias de
comunicação) que são afetados pelo modo como usamos o meio de comunicação, e vice--versa.
A este nível fundamental, as CMC apelam a certas necessidades intelectuais, materiais e
emocionais que sentimos enquanto organismos vivos que somos. No que respeita à
comunicação, os jovens de hoje em dia têm tendências diferentes relativamente à geração pré-
McLuhan. Por exemplo, a MTV professa uma sensibilidade estética intimamente relacionada
com a linguagem da televisão, caracterizada por seqüências rápidas, imagens atraentes e efeitos
especiais. Neste momento, alguns dos que nasceram na era da televisão e cresceram na dos
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telefones estão a migrar para os territórios das CMC que melhor se às suas concepções modernas
de vida. Como resultado de milhões e milhões de interações online existe igualmente um
vocabulário das CMC, o qual reflete de certo modo as alterações da personalidade humana na era
da saturação dos media.
O segundo nível de possíveis alterações despoletadas pelas CMC é o nível a que se
desenvolvem as relações interpessoais, as amizades e as comunidades. A tecnologia de CMC
confere uma nova capacidade de comunicação multilateral, «de muitos para muitos». No entanto,
a concretização futura desta capacidade está nas nossas mãos porque somos os primeiros a
experimentá-la; o seu futuro depende do nosso sucesso ou insucesso em aplicá-la. Aqueles de
nós que travaram conhecimento por intermédio da tecnologia de CMC encontram-se perante um
desafio de construírem em conjunto algo semelhante a uma comunidade.
A questão da comunidade é central em domínios que se estendem muito para além das
redes abstratas da tecnologia de CMC. Alguns autores, como Bellah ei ai. (em Habms of The
Earih, lhe Good Society), sublinharam a necessidade de se reconstruir a comunidade face à perda
de um sentido de corpus de valores sociais comuns nos EUA.
Os psicólogos sociais, sociólogos e historiadores desenvolveram instrumentos úteis para
avaliar as interações existentes em grupos humanos. As diferentes correntes de interpretação,
desde a antropológica à econômica, possuem critérios diversos para a classificação de um grupo
humano como comunidade. Ao tentar aplicar a análise tradicional de comportamento
comunitário às interações emergentes na Rede, adotei um processo proposto par Marc Smith, um
estudante de sociologia na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, que tem feito algum
trabalho de campo sobre a WELL e a Rede. Smith baseia-se fundamentalmente no conceito de
«bens coletivos». Num mundo competitivo emergem grupos de indivíduos que cooperam entre si
por reconhecerem que há coisas que só podem ganhar através da união. Determinar os bens
coletivos de um grupo é um modo de procurar os elementos que transformam elementos isolados
numa comunidade.
As três categorias de bens coletivos, propostas por Smith e que constituem a cola social
que aglutina a estrutura da WELL na forma semelhante à de uma comunidade são o capital-
social em rede, o capital intelectual e a comunhão. O capital social é algo que encontrei numa
comunidade madura de Tóquio, ainda que nunca aí tivesse estado em pessoa. Capital intelectual
é algo que encontrei na WELL ao questionar a comunidade enquanto conselho de sábios,
representado pela acumulação de conhecimentos e experiência de todos os membros. E
comunhão é o que se encontra na conferência Parental quando, por exemplo, os filhos de Phil e
Jay estiveram doentes e todos lhes dirigiram palavras de apoio.
O terceiro nível de alteração das nossas vidas, o nível político deriva do nível médio, o
social, pois a política é sempre uma combinação de comunicação com poder material, e o papel
dos meios de comunicação é particularmente importante para a política nas sociedades
democráticas.
O conceito da moderna democracia representativa, como primordialmente concebido
pelos filósofos do iluminismo, incorporava o reconhecimento de uma teia viva de comunicação
entre os cidadãos denominada sociedade civil ou esfera pública. Embora as eleições sejam as
características fundamentais mais visíveis nas sociedades democráticas, supõe-se que essas
eleições se apoiaram na discussão entre os cidadãos, a todos os níveis da sociedade, sobre as
questões importantes para a nação.
Se um governo atua de acordo com o consentimento dos governados, a eficácia desse
governo é fortemente influenciada pelo conhecimento que os governados têm sobre as questões
que os afetam. Hoje em dia os governados bebem do conhecimento da esfera pública dominada
pelos mass media; o problema reside no fato de os mass media comerciais, com a televisão à
cabeça, terem poluído uma esfera pública que anteriormente incorporava uma componente
significativa de leitura, escrita e discurso racional, com imagens fugazes, berrantes e
freqüentemente violentas. Nos primórdios da história americana, até que o telégrafo viesse a
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possibilitar a criação do que hoje chamamos «notícias», vendendo os leitores dos jornais aos
anunciantes, a esfera pública contou com uma população espantosamente literata. Neil Postman,
autor do livro Amusing Ourselves It Death, discorre sobre a influência da televisão na
transformação do discurso público e nota que a obra Common Sense, de Thomas Paine, vendeu
300 000 exemplares no espaço de cinco meses no ano de 1775. Observadores contemporâneos
documentaram e analisaram a forma como os meios de comunicação social (meios «de um para
muitos») «mercadorizaram» a esfera pública, substituindo o debate genuíno por tortuosas
relações públicas e apresentando pacotes de questões e candidatos conto outros produtos de
consumo.
A relevância política das CMC resulta da sua capacidade para desafiar o monopólio dos
poderosos meios de comunicação detidos pela hierarquia política e talvez assim revitalizar a
democracia dos cidadãos. As mídias comerciais, pródigas em imagens e efeitos sonoros,
condicionam o discurso político entre os cidadãos, constituindo parte de um problema de
natureza política colocado perante a democracia desde há décadas pelas tecnologias de
comunicação.
À medida que o número de possuidores de canais de telecomunicações se reduz a uma
elite, o alcance e o poder da mídia que possuem aumenta, constituindo uma ameaça emergente
para os cidadãos. Qual dos cenários parece conduzir, respectivamente, à democracia ou ao
regime totalitário: um mundo em que uma minoria controla a tecnologia de comunicação,
potencialmente manipuladora das convicções de cada um, ou um mundo onde cada cidadão pode
comunicar com qualquer outro?
Ben Bagdikian é o (uni) autor citado freqüentemente a propósito da sua previsão em The
Media Monopoly, onde refere que na virada do século «cinco a dez gigantes empresariais
controlarão a maior parte dos jornais, revistas, livros, estações de rádio e TV, filmes, discos e
videocassetes mais importantes do planeta». Estes novos senhores da mídia têm o poder de
determinar qual a informação que chega à maior parte da população: suspeito de que não
tenderão a encorajar as suas redes de telecomunicações privadas a veicular todo o tipo de
informação habitualmente disseminada pelas organizações não governamentais e cidadãos
progressistas. A solução dos ativistas para este dilema tem consistido em utilizar as CMC para
criar redes de informação à escala planetária. A natureza dispersa da rede de telecomunicações
atual associada à disponibilidade de computadores de baixo custo possibilita o estabelecimento
de redes de informação alternativas, assentes nas infra-estruturas existentes.
Temos oportunidade de acedermos temporariamente a um instrumento que pode
estimular o convívio e a compreensão entre as pessoas e que poderá auxiliar na revitalização da
esfera pública. O mesmo instrumento, se controlado e manipulado de modo impróprio, poderá
tornar-se um instrumento da tirania. A visão de uma rede de telecomunicações delineada e
controlada pelos cidadãos do mundo é uma versão da utopia tecnológica que pode ser apelidada
de visão da «ágora eletrônica». Na Atenas democrática original a ágora era não apenas o
mercado, mas também o local onde os cidadãos se encontravam para conversar, contar
mexericos, discutir, avaliar-se e encontrar os pontos fracos das idéias políticas através do debate.
Pode, no entanto, ilustrar-se a utilização imprópria da Rede através de uma imagem sombria de
um local menos utópico - o Panóptico.
Panóptico era o nome da prisão perfeita, proposta seriamente no século XVM pelo inglês
Jeremy Bentham. A idéia de Bentham combina a arquitetura e a óptica de forma a permitir que
um único guarda observe todos os prisioneiros, impossibilitando-os de verem seja o que for e
fazendo-os agir como estando permanentemente sob vigilância. O crítico social contemporâneo
Michel Foucault alega na sua obra Discipline and Punish que a parafernália da rede de
telecomunicações mundial constitui um gênero camuflado de Panóptico; os cidadãos de todo o
mundo trariam para dentro de casa os ouvidos inquiridores do Estado. Os mesmos cabos que
transportam a informação até aos nossos lares podem tecnicamente transportá-la para fora,
transmitindo-a instantaneamente a algum interessado. A versão futura da parafernália do
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nica como potencial aplicação deste meio de comunicação, são aconselhados a ponderar o seu
potencial negativo. Não devemos esquecer que os intelectuais e os jornalistas dos anos 50
saudaram o advento do meio educacional da história – a televisão.
A nossa viagem através da imensidão tonitruante da Usenet, das subculturas (os MUD e
dos canais de IRC, das BBS, das listas de correio e edições eletrônicas começam com um olhar
retrospectivo sobre a WELL), onde começou para mim o ciberespaço. O meu testemunho das
ações dos indivíduos da comunidade virtual que melhor conheço, de como criaram valores, se
entreajudaram em tempos difíceis, resolveram (ou não) dolorosos problemas pessoais em
conjunto, constitui um modelo indubitavelmente falível - dos tipos de alterações sociais que as
comunidades virtuais podem induzir na vida real a uma escala modestamente local. Algum
conhecimento sobre o comportamento humano dentro de uma pequena comunidade virtual
poderá ser útil na prevenção da vertigem provocada pelo aumento da escala quando passarmos
para as grandes áreas metropolitanas do ciberespaço, fornecendo mecanismos de comparação.
Têm de ser abandonados alguns aspectos da vivência numa pequena comunidade quando se viaja
para uma metrópole online; contudo, à medida que a escala aumenta, os fundamentos da
natureza humana fazem-se sentir cada vez mais.
O coração da WELL
Por alturas do Verão de 1986 apareceu uma carraça na cabeça da minha filha, então com
2 anos. Ali estava aquela coisa inchada de sangue a sugar o couro cabeludo da nossa bebé e nós
sem sabermos bem como livrar-nos dela. Por volta das 11 horas da noite, Judy, a minha esposa,
tentou contatar o pediatra. Liguei para a WELL e obtive resposta à minha pergunta em minutos,
dada por um indivíduo com o nome improvável, mas genuíno, de Dr. Flash Gordon. Já tinha
conseguido retirar a carraça quando telefonaram do consultório do pediatra.
Não só achei extraordinária a rapidez com que obtivemos a informação necessária na
altura exata, como tive uma imensa sensação interior de segurança ao constatar que existiam
pessoas reais – maioritariamente pais, mas também alguns enfermeiros, médicos e parteiras –
disponíveis vinte e quatro horas por dia, em caso de necessidade. A atmosfera desta conferência
está particularmente envolvida por uma redoma protetora mágica; este fórum destina-se a
falarmos dos nossos filhos, e não dos nossos computadores ou opiniões filosóficas, sendo este
entendimento tácito encarado por muitos de nós como uma santificação do espaço virtual.
A atmosfera da conferência Parental - as atitudes exibidas perante os demais em tom de
conversa pública - não deixa ainda de me atrair. Pessoas que normalmente não participam
ativamente em debates políticos, discussões técnicas e jogos intelectuais têm, afinal, muito a
dizer sobre a educação dos filhos. Os anteriores adversários intelectuais, combativos e mesmo
maliciosos noutros contextos, não se escusam a dar profundo apoio emocional a outros
indivíduos na mesma condição de pais neste cantinho acolhedor do ciberespaço que é a
conferência Parental.
Apresento de seguida uma lista de exemplos de entre as centenas de tópicos disponíveis
para discussão na conferência Parental. Cada item é o título de tina «conversa» que inclui
centenas de contribuições individuais («deixas») distribuídas por um período de dias ou anos, à
maneira de uma interminável cocktail party de tópicos, onde os recém-chegados podem
retroceder no tempo, sem perderem pitada sobre quem anteriormente disse o quê:
Culpa.
MÃES.
Vasectomia - doeu'?
Apresentações! Quem somos?
Pais (continuação).
Livros infantis, segundo capítulo.
Adolescentes homossexuais.
Crianças e espiritualidade.
Bons parques infantis.
Brinquedos de qualidade.
Educação num mundo tantas vezes violento
Programação infantil na rádio.
Novo bebé da WELL.
Aulas em casa.
Pais recém-separados/divorciados.
Outro bebé da WELL - Carson chega a Seattle!
Pais solteiros.
As traseiras do tio Philcat- mexericos é aqui!
Momentos de ternura.
As crianças e a morte.
Tudo sobre a canseira das fraldas.
me alumia a escrita parece-se com as vísceras de plástico daqueles modelos humanos das aulas
de ciências, com os tubos enrolados à volta da fonte de alimentação, do reservatório e da bomba.
A Tina está lá em cima no quarto a tentar dormir. Temos lá um monitor secundário ligado
ao da Lillie, ligando também o nosso sono ao sono dela, e não conseguimos dormir bem por
nossos espíritos estarem ligados ao da nossa filha.
Estou nu. A lanterna repousa em cima do meu estômago, cheio de cerveja; o facho sobe e
desce com a minha respiração. A Lillie respira através de um tubo de plástico branco metido por
um buraco na garganta. Tem 14 meses.”
Sentados frente aos computadores com os corações a palpitar e lágrimas nos olhos, em
Tóquio, Sacramento e Austin, lemos sobre as anginas da pequena Lillie, a traqueotomia, os dias
e noites passados no hospital, e agora a vigília do respirar da criança e a atenção posta nos
aparelhos que a mantinham viva. A situação manteve-se durante dias e semanas a fio. Lillie
recuperou-se e aliviou a preocupação geral sentida em relação às suas capacidades vocais mercê
do longo período passado com um orifício na garganta, ao dizer as coisas mais extraordinárias,
relatadas por um pai ainda atordoado. Mais tarde, Jay descreve a experiência na publicação
Whole Earth Review:
Antes de isto ter acontecido, o écran do computador nunca tinha sido um lugar onde
procurar consolo, antes pelo contrário. Pois é, mas naquelas noites em que ficava até tarde ao pé
da minha filha sentava-me em frente do computador, ligava para a WELL e começava a divagar.
Escrevia sobre o que estava a passar naquela noite ou naquele ano e não conhecia nenhum dos
meus «interlocutores», nunca lhes tinha posto a vista em cima. Às 3 da manhã os meus amigos
«reais» estavam a dormir, e então me virava para esta comunidade estranha e invisível em busca
de apoio, porque a WELL estava sempre acordada. Qualquer dificuldade é mais difícil de
ultrapassar quando estamos sozinhos; não há companhia, não há apoio. Ao escrever o meu diário
num computador ligado à linha telef6nica, encontrei solidariedade e conforto neste meio
inesperado.
Ao longo dos anos, e apesar das distâncias, aqueles que estabeleceram uma relação
sincera através da conferência Parental começaram a reunir-se pessoalmente. Do encontro
originalmente organizado no âmbito desta conferência veio a nascer o piquenique anual de Verão
da WELL na área da baía de São Francisco. Durante todo o ano tínhamos estado envolvidos em
intensas conversas online e, quando veio o Verão, começou a falar-se em fazermos algo em
conjunto para descontrair, como fazer um churrasco e levar a miudagem. Como é típico na
WELL, a coisa rapidamente atingiu as proporções de uma festa geral da rede, organizada pela
conferência Parental. Phil Catalfo reservou uma área para piqueniques e um campo de soflball*
num parque municipal.
Como é natural, os pais e as mães falam sobre os filhos nas conversas online; portanto,
toda a gente já tinha ouvido falar da minha filha Mammie, do Gabe, filho de Philcat (Phil
Catalfo), e do filho de Busy, o tocador de banjo, embora a maior parte das pessoas não se
conhecesse.
Recordo-me de, ao chegar ao parque, eu e a Mammie termos reconhecido um grupo em
particular de entre a primeira meia dúzia dos que vimos à distância. Havia algo na sua postura, a
falarem uns com os outros em grupos de dois ou três enquanto os miúdos corriam à volta dos
eucaliptos e em direção ao recinto de soflball. Recordo-me de ter jogado na mesma equipe com
um tipo que me faz sempre indispor quando subverte as conversas online a propósito de uma
discussão sobre libertinagem; depois de termos completado uma boa jogada em conjunto, fiquei
a pensar que, afinal, até não era mau tipo.
Foi um piquenique de uma comunidade americana normal – pessoas que gostam da
companhia umas das outras, levando os filhos para participar num convívio, jogar soflball e fazer
um churrasco num domingo de Verão. Podia ser qualquer grupo da igreja ou da associação de
pais e professores; neste caso, era o lado inquestionavelmente material de uma comunidade
virtual. O primeiro piquenique da conferência Parental saldou-se num tal sucesso que se tornou
* Gênero de basebol. (N. do T.)
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um acontecimento anual a ter lugar por volta do solstício de Verão e a presença das crianças
tomou-se um dado adquirido em todas as outras festas da WELL.
Pouco depois de ter começado a tradição do piquenique de Verão foi estabelecido outro
ritual de Inverno para os pais, filhos e respectivos amigos. Desde há quatro ou cinco anos que no
mês de Dezembro a maior parte dos participantes da conferência Parental que vivem num raio de
150 km de São Francisco, mais os respectivos rebentos, se deslocam a esta cidade para
participarem na festa de beneficência e beberete anual do circo da família Pickle. Um dos
diretores deste pequeno circo é um estimado e divertido membro da comunidade da WELL e
arranja-nos sempre lugares privilegiados para o espetáculo. Depois de acabada a sessão e de o
resto do público ter partido, nós, os artistas e os empregados, regalamo-nos com um beberete.
Albert Mitchell é um tipo invulgarmente combativo e teimoso - conflituoso, diriam muitos - que
discute os seus arraigados princípios em termos bastante claros e com uma intensidade
arrasadora, assustadora até.
Fica particularmente exaltado com certos temas, como a religião organizada, os impostos
e a circuncisão; há, no entanto, outras formas de o enfurecer e de nos candidatarmos a sermos
vituperados em público ou em privado. Descobri que nunca mais poderia assustar-me com o
combativo alter ego online de Albert - a bem conhecida e por vezes temida «sofia» - depois de o
conhecer e ter visto a sua encantadora filha Sofia mascarada de palhaço numa festa dos Pickle;
ele ofereceu-me um frasco de mel da sua própria colméia nessa festa, embora já tivéssemos
discutido online um com o outro de formas que teriam degenerado em pugilato se estivéssemos
frente a frente. No circo da família Pickle ou no piquenique de Verão encontrávamo-nos no
espaço sagrado da conferência Parental, e não nas arenas sangrentas da política na WELL.
A conferência Parental já tinha sido submetida a testes de crise com os Allisons, e teve meses de
altos e baixos, a par das crianças que fazem a história do quotidiano normal de quaisquer pais,
quando um dos nossos participantes mais assíduos, queridos e loquazes, Phil Catalfo, deixou cair
a bomba.
<tópico relacionado>
“Gostaria de utilizar este tópico para discutir a leucemia, desde a doença em si, os
aspectos em que afeta a minha família, até ao que se sabe sobre o assunto na generalidade”.
No princípio da semana passada, soubemos que o nosso filho Gabriel, de 7 anos (o do meio),
tinha leucemia linfocítica aguda, conhecida também como LLA. Vou abrir um ou mais tópicos
adicionais para descrever a seqüência dos acontecimentos, emoções e experiências provocadas
por este novo fato central nas nossas vidas, e por aí fora (também estou a pensar em abrir um
tópico exclusivamente destinado a todos quantos pretendam enviar desejos de melhoras). Neste
tópico pretendo focar a doença em si -diagnóstico, progresso e evolução-, a par de outros casos
que conheçamos, (quaisquer) recursos disponíveis etc.
Se a Tina não tiver objeções a pôr, gostaria de solicitar aos anfitriões da conferência
Saúde para ligarem qualquer um destes tópicos à sua conferência. Assim de repente não me
ocorre mais nenhuma conferência apropriada para o mesmo fim, mas estou certo de que terão
algo a sugerir.
Em primeiro lugar, independentemente do fato de este assunto se relacionar ou não com o
presente tópico, quero dizer que o apoio dispensado pela WELL a mim e à minha família, em
especial ao Gabe, tem sido inestimável. Isso acaba por ter um impacto clínico, como
Rheingold.doc
discutiremos na devida altura, mas quero desde já afirmar alto e bom som quanto o apreciamos:
infinitamente.
Como tal, vou enviar esta mensagem e volto logo que possível para contar mais
pormenores sobre o caso do Gabe, sobre o que fiquei a saber na semana passada sobre a doença e
como atuar perante ela.”
404 respostas no total.
Philcat, estamos aqui a ouvir-te. Partilhamos a tua esperança e uma pequena parte, da tua dor.
Muita força.
“Phil, tomei a liberdade de escrever para o Flash (anfitrião da conferência Saúde) e de lhe dizer
para ligar quaisquer dos três tópicos que julgue apropriados. Espero que dentro em breve nos
digas tudo o que possas sobre o Gabe. Fico, entretanto, a pensar no Gabriel e em toda a tua
família.
Lembro-me de ele ter um apurado sentido de humor catàlfico, e espero que consigas ajudar a
mantê-lo em forma... Muitos abraços virtuais para ele...”
pois a certa altura as comunidades virtuais requerem mais do que simples palavras escritas num
écran, se pretenderem ser mais do que saber puro.
Muitas pessoas não se sentem à vontade em situações de interação verbal espontânea,
acontecendo, porém, haver oportunidade de contribuírem significativamente para uma conversa
durante a qual têm tempo para pensar antes de intervirem.
Talvez una parte significativa da população considere a comunicação escrita mais
autêntica do que a verbal. Na verdade, quem poderá afirmar que a preferência por um meio de
comunicação - a escrita informal - é de alguma maneira menos autenticamente humana do que o
discurso falado? Quem critica as CMC devido aos casos registrados de utilização obsessiva toca
num ponto sensível da questão, mas falha redondamente quando não leva em consideração o uso
desse meio para a interação humana genuína. É necessário ter em conta as limitações e as
armadilhas mais perigosas da tecnologia apontadas pelos críticos, que encaram as comunidades
virtuais como lugares desprovidos de calor humano. Estes críticos não referem, porém, o modo
como Philcat, Lhary e a minha própria família encontraram uma comunidade de apoio e
informação na WELL, quando dela necessitaram. Aqueles que, como nós, encontram no
ciberespaço um local de comunhão devem estar atentos às possíveis perversões deste
extraordinário meio de comunicação.
Embora sejam os acontecimentos dramáticos os que levam à aproximação dos indivíduos
e constituem as recordações mais perenes, a maior parte do que acontece na conferência Parental
e na maioria das comunidades virtuais não passa de amena cavaqueira. O modelo conceptual da
WELL e de outros conglomerados sociais do ciberespaço como «lugares» emerge sempre que os
utilizadores discutem a natureza do meio virtual. Stewart Brand incluiu em 1987 uma citação
minha na sua obra The Media Lab sobre as causas do meu contato tão freqüente com a WELL:
«Está lá sempre alguém; é como ir ao bar da esquina, onde estão muitos amigos de longa data e
simpáticos recém-chegados, com novas ferramentas, novos graffitis e tipos de letra prontos para
experimentar em casa – com a vantagem de não precisar vestir o casaco, desligar o computador e
ir até à esquina; basta-me invocar um programa de telecomunicações. É um lugar.».
A existência de comunidades unidas por computador foi prevista há vinte e cinco anos
por J. C. R. Licklider e Robert Taylor, diretores de investigação de um organismo federal ligado
a projetos de investigação avançada, a Advanced Research Projects Agency (ARPA),
pertencente ao Departamento de Defesa americano. Foram eles os impulsionadores das
investigações que resultaram na criação da ARPANET, a primeira comunidade desse tipo: «Na
maioria dos casos serão constituídas por membros geograficamente separados, por vezes
agrupados em pequenos aglomerados, outras vezes trabalhando individualmente. Serão
comunidades assentes no interesse comum, e não na partilha de um espaço comum [...]» Eu e os
meus amigos, por vezes, acreditamos fazer parte do futuro imaginado por Licklider e atestamos
freqüentemente a veracidade da sua previsão «o indivíduo online levará uma vida mais feliz
porque a seleção das pessoas com quem interage mais fortemente resultará prioritariamente da
comunhão de interesses e objetivos, e não já das circunstâncias de proximidade». Ainda acredito
nisto, mas sei que a vida online tem sido algumas vezes infeliz, bastante infeliz até, por aquilo
que vejo escrito no écran. Participar numa comunidade virtual não veio resolver-me todos os
problemas; serviu de ajuda, apoio, até de fonte de inspiração, embora noutras alturas se tenha
assemelhado a uma infindável, desagradável e repetitiva briga familiar.
Já mudei de idéias sobre bastante aspectos da WELL ao longo dos anos, mas o sentido de
lugar continua tão forte como dantes. Como Ray Oldenburg propôs em The Great Good Place,
existem três lugares essenciais na vida: onde vivemos, onde trabalhamos e onde nos reunimos
para conviver. Embora as conversas informais de café, de salão de beleza e de praça pública
sejam universalmente consideradas tagarelice, Oldenburg defende serem esses os lugares onde as
comunidades se consumam e se mantêm, quais àgoras irreconhecidas da vida moderna. À
medida que o modo de vida suburbano baseado no automóvel, no hipermercado e na comida
Rheingold.doc
rápida foi eliminando muitos dos «terceiros lugares» das cidades tradicionais em todo o mundo,
o tecido social das comunidades aí existentes começou a desagregar-se.
Oldenburg traçou explicitamente um quadro conceitual sobre o fenômeno conhecido
instintivamente por qualquer comunidade virtual - o poder da vida pública informal:
Os terceiros lugares situam-se em terreno neutro e servem para reduzir os participantes à
mesma condição social. A atividade primária característica desses lugares é a conversação, a
qual desempenha o papel de principal veículo de exposição e apreciação da personalidade e
individualidade humanas. Os terceiros lugares são dados adquiridos, discretos na sua maioria.
Devido ao fato de as instituições formais da sociedade exigirem mais do indivíduo, os
terceiros lugares estão normalmente, mas não apenas, abertos a horas fora de expediente normal.
O caráter dos terceiros lugares é maioritariamente determinado pela clientela habitual e
caracteriza-se por um ambiente divertido, em contraste com o ar mais sério de outras esferas
sociais. Embora constituam um cenário radicalmente diferente do lar, os terceiros lugares
assemelham-se notavelmente a um «doce lar», pelo conforto e apoio psicológico que
proporcionam. Estas são as características dos terceiros lugares, aparentemente universais e
essenciais a una vida pública informal [...]
O problema dos terceiros lugares nos Estados Unidos está patente numa vida pública
informal dolorosamente deficiente, sendo cada vez mais reduzida à estrutura de experiências
partilhadas para além das proporcionadas pela família, emprego e consumismo passivo. A
experiência essencial de grupo está a ser substituída pela autoconsciência exagerada dos
indivíduos.
Os estilos de vida americanos, pródigos na aquisição material e na busca de conforto e
prazer, estão a ser invadidos por uma praga de monotonia, solidão, alienação e artigos de alto
preço [...]
Ao contrário de muitas fronteiras, a da vida pública informal não se mantém benigna à
espera do progresso, nem se torna mais fácil de domesticar com a evolução da tecnologia, com a
multiplicação de agências e instituições governamentais ou com o crescimento da população.
Não cede à mera passagem do tempo nem à política do laissez-faire, enquanto o progresso
avança nas outras áreas da vida urbana. Antes pelo contrário, a negligência da vida pública
informal pode transformar os jardins do paraíso numa selva, pois as pessoas vão deixando de
saber cultivá-los.
Talvez não seja o lugar idealizado por Oldenburg, mas a WELL enquadra-se em muitas
destas descrições de terceiros lugares. Talvez o ciberespaço seja um dos lugares públicos
informais onde possamos reconstruir os aspectos comunitários perdidos quando a mercearia da
esquina se transforma em hipermercado. Ou talvez o ciberespaço seja precisamente o lugar
errado onde procurar o renascimento da comunidade, oferecendo, não um instrumento para o
convívio, mas um simulacro sem vida das emoções reais e do verdadeiro compromisso perante
os outros. Seja qual for o caso, precisamos de descobri-lo o mais rapidamente possível.
***
A vontade de ligar para a WELL só por um ou dois minutos, dezenas de vezes por dia, é
muito semelhante à vontade de espreitar para o café, para o bar ou para a sala de convívio com o
objetivo de ver quem se encontra lá e ficar um pouco, se for caso disso. Como afirmou a
psicóloga social Sara Kiesler num artigo sobre redes informáticas na Harvard Business Review,
«uma das propriedades surpreendentes da informática é ser uma atividade social. No meu local
de trabalho o software para rede mais utilizado é o Where [onde] e o Finger [dedo], que
determinam quem mais está ligado à rede.»
Como não podemos ver-nos uns aos outros no ciberespaço, o sexo, idade, nacionalidade e
aspecto físico não transparecem, a menos que pretendamos tornar públicas essas características.
Quem tem dificuldades em fazer novas amizades devido a deficiências físicas descobre que nas
comunidades virtuais é tratado como sempre desejou - como ser racional, transmissor de idéias e
Rheingold.doc
sentimentos, e não como um recipiente carnal com determinada aparência, andar ou falar (ou
mesmo sem andar ou falar).
Um dos poucos pontos em que a totalidade dos membros entusiastas das comunidades
virtuais no Japão, Inglaterra, França e EUA está de acordo é o fato de a vantagem mais
importante das conferências por computador alargar o seu círculo de amizades. As CMC são um
meio de conhecer pessoas, independentemente de se pretender ou não uma relação com elas a
nível comunitário, constituindo, assim, um meio de estabelecer contato e manter a distância. A
maneira de conhecer pessoas no ciberespaço dá um toque diferente aos relacionamentos
estabelecidos: nas comunidades tradicionais é costume apresentarem-nos alguém e ficarmos
posteriormente a conhecê-lo; nas comunidades virtuais podemos ficar a conhecer uma pessoa e
decidir posteriormente encontrar-nos com ela pessoalmente. O relacionamento pode ser
igualmente mais efêmero no ciberespaço, porque podemos ficar a conhecer alguém que nunca
venhamos a encontrar no plano físico.
Como é que fazemos amigos? Na comunidade tradicional procuramos entre o círculo de
vizinhos, os colegas de profissão e entre conhecidos de conhecidos, de modo a encontrarmos
quem partilhe dos mesmos valores e interesses. Depois trocamos informação sobre cada um,
discutimos os interesses comuns e por vezes tornamo-nos amigos. Numa comunidade virtual
podemos ir diretamente ao lugar onde os assuntos preferidos são discutidos e ficar a conhecer
alguém que partilhe dos mesmos gostos ou use as palavras de uma maneira atraente. Como tal, o
assunto de discussão (tópico) é o endereço: não podemos pegar simplesmente no telefone e pedir
para ligar a alguém interessado em falar sobre arte islâmica ou vinhos da Califórnia, ou alguém
com uma filha de 3 anos ou um carro de 40; podemos, todavia, participar numa conferência por
computador sobre quaisquer desses tópicos e depois iniciar uma troca de correspondência
pública ou privada com participantes até então desconhecidos. As hipóteses de fazer amigos são
aumentadas várias ordens de grandeza relativamente aos antigos métodos de encontrar um grupo
de referência.
Pode formar-se uma idéia errada das pessoas no ciberespaço, ocultas que estão pelo
manto das palavras. Isso também é, no entanto, verdadeiro para a comunicação por telefone ou
pessoal; as comunicações mediadas por computador originam novas formas de enganar o
próximo, e as fraudes de identidade mais óbvias só desaparecerão quando um número suficiente
de utentes aprender a usar o meio com espírito crítico. De certa forma, e devido à sua natureza, o
meio terá sempre tendência para promover certos tipos de ofuscação; será também um local onde
as pessoas acabarão freqüentemente por se revelar mais intimamente do que estariam dispostas a
fazê-lo sem a intermediação de écrans e de pseudônimos.
A conferência Parental é um exemplo não exaustivo do sentido de comunidade que tenho
encontrado na WELL. Apercebemo-nos noutras conferências, que lidavam com outros
problemas humanos, do nosso poder de atingir objetivos concretos no mundo real, para além da
partilha de sentimentos e informações úteis através das palavras.
O poder de a comunidade de utentes da WELL atingir objetivos concretos no mundo real
manifestou-se dramaticamente quando o nosso primeiro computador começou a rebentar pelas
costuras. A máquina informática impulsionadora da nossa comunidade de 700 utentes em 1985
não conseguia dar apoio aos 3000 utentes existentes em 1988. As coisas começaram a ficar mais
lentas, a ponto de ser necessário esperar alguns segundos para ver surgir no écran uma letra
premida no teclado. Depressa se tomou frustrante.
Havia uma proporção significativa de especialistas em informática entre a população de
utentes, e soubemos que a única solução para acabar com a lentidão do sistema que tomava
agonizantes a leitura e (especialmente) a escrita na base de dados da WELL passava pela
evolução para um equipamento mais atualizado, mais adequado para enfrentar as necessidades
de comunicações de um conjunto de milhares de intervenientes. Todavia, o diretor executivo da
WELL, Clifford Figallo, ele próprio um membro ativo da comunidade, informou-nos de que a
Rheingold.doc
WELL, como unidade empresarial, era incapaz de prover a verba necessária para atualizar o
sistema.
Foi então que os novatos online começaram a fazer cálculos de cabeça. Se o núcleo duro
de utentes, que tinha ficado tão irritado com o desempenho do sistema (mas reconhecia a
inexistência de algo sequer semelhante a WELL para onde recorrer em alternativa), estivesse
disposto a pagar antecipadamente as contas domésticas dos meses seguintes, quanto custaria a
compra da grande máquina? Meio a brincar, Clifford Figallo atirou um número, e dentro de dias
uma quantidade suficiente de utentes tinha empenhado centenas de dólares cada um, totalizando
vários milhares, para concretizar o projeto. Vieram os cheques, comprou-se o computador, o
equipamento foi instalado e a base de dados - o coração vivo da comunidade - foi transplantada
para um novo corpo de silício.
Depois de ter sofrido nos últimos meses com o Vax, os primeiros tempos com o novo
computador, o Sequent, foram como passar de um Mini para um Rolls Royce. Usamos a nossa
capacidade de trabalho de uma forma pouco ortodoxa: os clientes e os produtores dos bens
adquiridos pelos clientes juntaram dinheiro entre si para emprestarem aos donos do negócio e
poderem vender mais uns aos outros.
A operação da Casey foi mais uma subscrição, desta feita idealizada pela própria. Casey
fazia parte da WELL há longo tempo e tinha um emprego - serviços de transcrição e
processamento de texto por conta própria - que lhe permitia trabalhar em casa. Nunca ninguém
duvidou da sua inteligência, embora o seu feitio fosse por vezes indelicado ou, como ela
certamente diria, com «relativamente poucas necessidades de relacionamento». Talvez os demais
digam que a Casey é um osso duro de roer.
Casey, ou Kathleen de seu nome verdadeiro, precisava ser submetida a uma operação
cirúrgica que podia pagar em parte, embora não na totalidade; estava em jogo a sua capacidade
de andar. Casey investiu 500 dólares na impressão de um poster da sua autoria. O poster exibia a
silhueta de uma cabeça, tendo por título «O teu espírito está na WELL», e a cabeça continha
palavras e frases reconhecíveis pelos utentes. Ela ofereceu cópias para serem vendidas a 30
dólares em prol da sua operação e conseguiu juntar a quantia de que necessitava.
A epopéia mais dramática foi, no «tanto, a saga de Elly, uma gentil e bem-querida
WELLómana que deixou a comunidade virtual, possivelmente para sempre, para viajar até aos
confins dos Himalaias. A sua saga, crise, e posterior resposta da WELL desenrolaram-se por um
período de meses e atingiram o clímax em alguns dias de atividade intensa:
<tópico relacionado>
Por favor, enviem para aqui as notícias que tiveram sobre Elly van der Pas.
Neste momento quase finalizei a mudança. Mais à noite vou verificar o material e ver se tenho
tudo o que necessito para a viagem; talvez amanhã faça algumas compras de última hora.
Limpeza na sexta-feira, partida no sábado para parte incerta. O avião parte na segunda-feira de
manhã. Ufa!
13 de Setembro
Amsterdã
“Até aqui tudo bem. O tempo está ótimo, andei a ver a cidade de bicicleta. Amanhã vou para
Londres por uns dias e depois para Itália de trem. Deve ser uma aventura. Fui a um concerto de
piano ontem à noite com uns amigos de uns amigos e amanhã vou andar de barco à vela.
Beijinhos para toda a gente. Elly”.
Bem, Kim, podes enviar a informação não repetida, é bom saber notícias da Elly. É com isso em
mente que envio o seguinte da sua parte:
270UT91
“Recebi ontem a tua carta de 14 de Setembro, reenviada de Itália. Aparentemente, houve lá uma
greve nos correios devido a um empregado ter se afogado num elevador. De qualquer forma, não
houve correio durante pelo menos uma semana; portanto, não recebi nenhuma carta”.
Bem, não fazes idéia de quão estranho é estar sentada numa montanha em Katmandu a ler sobre
a AP2 e a WELL. Ah, tirei uma foto no café WELL em Londres e mandei-a para a sede. Espero
que gostem, achei bastante apropriado. A Janey Fritsche apareceu há cerca de uma semana e
depois foi percorrer as montanhas. Gostei de vê-la. O meu amigo Peter também vai estar aqui
dentro de dias, e acho que também vou descer a montanha, para passar algum tempo a renovar
vistos e acumular provisões para o curso, que vai durar vários meses. Durante o curso não vamos
poder sair do mosteiro nem vai haver correio; portanto, por uns tempos não vou dizer mais nada.
Feliz Dia de Ação de Graças, Feliz Natal e próspero ano novo. Por cá terminaram as férias
grandes. Toda a gente teve uma semana de dispensa do trabalho e vestiu a roupa nova. A
miudagem fez papagaios enormes de bambu e foi lançá-los.
Estive a estudar dzogchen, parecido com o zen tibetano -meditar sobre a mente vazia-, diferente
de tudo quanto fiz até agora. Ficamos por uns tempos num mosteiro situado no cimo dos montes,
onde mora um velho abade especializado em evidenciar a natureza da mente. Foi uma
oportunidade muito pouco vulgar.
Devem estar todos a dormir, com exceção da tua pessoa. Aqui são 2 horas da tarde - muito tarde
para almoçar e muito cedo para jantar. Está mesmo na hora do banho, pois a água é aquecida por
um aquecedor solar no telhado. Estou a tomar os banhos todos porque dentro de uma semana
vêm 300 pessoas para o curso, e nem por sonhos vai ser possível tomar banho nessa altura, ou
melhor, nem sequer tomar duche.
Diz ao Brian e à Josephine que estou bem e mando cumprimentos; espero que tenham recebido o
meu postal, vou tentar escrever, mas não sei quando irei ter tempo.
Cuida-te e fica bem.
Elly
********
Rheingold.doc
7Nov
o curso começa hoje; portanto, vou ficar incomunicável durante um mês.
13DEz
Hum. Parecia que isto nunca mais acabava. Muita coisa aconteceu desde então. Numa palavra,
tornei-me monja. Já mandei os pormenores ao Hank para ele os enviar, porque, entretanto, tenho
de escrever umas dez cartas para o Peter levar quando se for embora.
***
Pode parecer um bocado estranho, mas sinto-me bastante bem e sinto também que é a atitude
mais correta a tomar; até o Peter concorda.
***
Ser monja ou freira nunca esteve nos meus planos (pelo menos nunca até agora). Senti sempre
uma certa pena das freiras católicas. Isto aqui é um pouco diferente- há muito mais liberdade. É
engraçado ter o cabelo curto, acho que vou deixar crescê-lo até ficar com uns dois centímetros.:-)
***
PPS. O meu nome canônico é Jigme Paimo: gloriosa mulher audaz (!!!?)
********
Ela também mandou um endereço para poder ser contatada nos próximos seis meses. Se
quiserem, mandem-me correio eletrônico.
Elly decidira então se tornar monja budista na Ásia e, por conseqüência, ameaçou passar
para os anais lendários da WELL. O assunto ficou em estado latente durante seis meses, até que
em Junho o antigo vizinho que transcrevia a correspondência da Elly para a WELL, Averi Dunn,
informou que, segundo tinha ouvido dizer, esta teria uma espécie de ameba no fígado. Em finais
do mês de Julho de 1992, Flash Gordon informou que Elly estava num hospital em Nova Deli,
em coma. Tinha uma hepatite grave e aparentemente sofria de uma falha hepática. Se isso fosse
verdade, Flash Gordon e os outros médicos online concordaram que o prognóstico não era
famoso.
Dentro de algumas horas começaram a envidar-se esforços em várias direções por
iniciativa própria. O simples alcance e diversidade dos recursos disponíveis ao juntar as nossas
redes individuais de influência eram espantosos. Foram contatadas pessoas com conhecimentos
no meio clínico em Nova Deli; investigaram-se os horários de companhias aéreas e as tarifas de
transporte médico; foi também criado um fundo e os contributos começaram a chegar. Casey
utilizou a rede para procurar um local com facilidades de telecomunicações em Nova Deli, de
modo a ser passada informação para Frank, o ex-marido de Elly, que foi à Ásia ajudar a resolver
uma situação aparentemente grave.
Após alguns dias de clima tenso, chegaram notícias através da rede: Elly possuía ainda
alguma função hepática e, possivelmente, iria necessitar de ter acesso a equipamento especial de
diálise antes de ser transportada. Decorridas algumas horas, soubemos como arranjar o
equipamento em Nova Deli e os nomes que devíamos mencionar. Sabíamos quem tínhamos de
contatar, o que pedir, o custo e como proceder à transferência de fundos para que Elly fosse
transportada para um hospital da região de São Francisco. «Fico toda arrepiada», dizia Onezie à
medida que o drama se desenrolava na WELL. «Isto é amor em ação.»
Elly recuperou o suficiente para fazer a viagem sem ser por transporte médico e a sua mensagem
seguinte veio em direto, via WELL:
llSET92 (16.03)
Obrigada a todos pelos generosos raios WELL, com os melhores cumprimentos, orações,
conselhos e contributos de energia verde, o médico pensou que a minha rápida recuperação se
deveu ao Actigall, mas de fato deveu-se aos raios, orações e pujas.
Até disse que talvez possa voltar à Índia lá para Fevereiro.
Para mim a característica mais marcante de Blair Newman era o seu hábito de me
telefonar - a mim e a várias dezenas de pessoas de quem gostava e admirava -, se não
estivéssemos online, para me mandar ligar imediatamente a televisão ou o rádio neste ou naquele
canal, porque tinha simplesmente de prestar atenção a algo que estava a dar. Ele tinha
freqüentemente razão e não agia por mal, mas causava sempre um certo arrepio. Ora aqui vinha
este conhecido de muitos anos, embora não amigo do peito, falar sobre o programa de televisão
que eu decerto gostaria de ver às l1h30min da noite num dia de semana. Era também este o seu
modo de agir na WELL.
Os laços mais importantes que me uniam a Blair eram do mesmo gênero dos partilhados
pelos habitués de qualquer espaço público. No final dos anos 80 eu e Blair pertencíamos a um
grupo variável, compreendendo dez a trinta WELLómanos, com quem se podia contar online a
qualquer hora do dia. Muitas vezes graceja-se acerca das características viciantes da WELL e,
aparentemente, estão sempre a decorrer discussões sérias nalguma parte sobre o seu caráter
viciante. Custando cerca de dois dólares por hora, fazer das conferências por computador uma
obsessão é mais barato do que todos os outros vícios, com exceção do tabaco.
Tanto quanto me lembro da descrição que Blair fez de si próprio, tinha feito o MBA em
Harvard havia pouco tempo às custas de uma elevada dose diária de cocaína e trabalhava com a
horrivelmente abstêmia equipe jurídica de Howard Hughes nas profundezas de uns bunkers em
Las Vegas. Blair fora no passado o paradigma da personalidade viciada clássica, o fumador de
cachimbo de água e inveterado dos «charros» (além de, na sua perspectiva, ser um dos
fundadores da Organização Nacional para a Reforma das Leis da Marijuana). Todavia, já se
tinha livrado dos problemas com a cocaína quando veio para a WELL, e fez então uma série de
relatos sobre o modo como se apercebeu de que a WELL o tomava insidiosamente mais
dependente do que aquela droga.
Anos depois de se ter livrado dos hábitos cocainómanos, dizia ele, alguém tinha posto um
montinho da substância ao lado do computador enquanto estava ligado à WELL. Horas depois
ocorreu-lhe que os cristais brancos ainda se encontravam lá; embora soubesse da sua existência,
não tinha reunido a energia suficiente para os inalar. Não foi uma batalha de obsessões,
explicava Blair - não conseguia tirar as mãos do teclado nem os olhos do écran do seu atual e
Rheingold.doc
mais intensivo vício durante o tempo suficiente para ingerir a cocaína. Blair partilhava conosco
os seus pensamentos, da mesma forma que partilhava tudo e mais alguma coisa que ocorresse
naquela mente imprevisível e incansável, horas a fio, todos os dias, durante anos.
É necessário tomar precauções ao aplicar o modelo da dependência ao leque do
comportamento humano. O grande ator é dependente da atenção do público? Provavelmente sim.
Ser a perspectiva da dependência a mais indicada para avaliar o comportamento do violinista ou
do ator?
Provavelmente não, mas quem deixa a comida a arrefecer e a família preocupada
enquanto continua a escrever furiosamente num teclado, em aceso debate com um grupo de
pessoas invisíveis em lugares distantes, pode conjurar o lado negro do entusiasmo online. Se
alguém tiver uma necessidade absoluta - mesmo doentia - de um certo tipo de atenção de almas
gêmeas inteligentes, a WELL é um sítio estupendo para procurar. Blair chamava-lhe Compconf
Psychserv, era mais barato do que as drogas e os psicólogos e afastava-o da decadência das ruas.
Ele era suficientemente esperto para saber o que lhe acontecera, apesar de a dependência
continuar a apertar o cerco.
Procurar a atenção das pessoas, especialmente de grandes grupos de pessoas inteligentes,
fez sempre parte da história de Blair; ele queria ajudar, impressionar. Blair podia tornar-se
irritante, em parte devido a um descaramento absolutamente incrível e à sua maneira generosa de
se auto promover.
Tinha uma mitologia própria: segundo Blair, um dos seus companheiros de quarto tinha
fundado uma das empresas de software mais bem sucedidas. Segundo Blair, ele tinha sido um
dos principais organizadores do movimento para a legalização da marijuana. Segundo Blair, ele
próprio tinha apresentado famosos empresários da informática uns aos outros em circunstâncias
dramáticas. Não era difícil fazer uma paródia ao «rap do Blair Newman».
Então, depois de anos online e dezenas de festas e excursões com outros membros da
WELL, de todos os telefonemas tardios a propósito de recomendações programáticas na TV aos
congéneres WELLómanos, Blair Newman retirou tudo quanto tinha alguma vez escrito na
WELL. Durante dois dias e uma noite a maioria das conversas na WELL focava o trauma da
«rasura em massa», termo proveniente do ato de remover anos e anos de mensagens. Parecia um
ato de suicídio intelectual.
Semanas depois Blair Newman matou-se na vida real. Uma espécie de mito parece ter
envolvido este incidente, tanto na rede como na mídia, e a história foi distorcida numa versão
mais dramática. A versão do Folclore urbano veiculada por alguns artigos nas revistas refere que
algumas pessoas da WELL teriam alegadamente procurado em desespero por Blair quando as
suas mensagens desapareceram. Diz a lenda que, quando foi apagada a última mensagem, Blair
se matou.
Os presentes no funeral eram maioritariamente da WELL, mas estava lá um número
surpreendente de personagens peculiares. Quem lá esteve recorda o tipo manhoso que vestia um
paletó caríssimo e usava óculos escuros de 300 dólares e tinha viajado de Los Angeles para o
funeral no jato da empresa, contar o mesmo gênero de histórias que Blair contara amiúde sobre si
próprio. Apareceram também white rastafarians - ativistas da legalização da marijuana - e vieram
fundadores de empresas de software famosas. Foi a última grande risada. À medida que toda a
gente se ia levantando e dizia algo sobre Blair, começou a ficar claro para todos nós que ele tinha
estado a dizer a inacreditável verdade.
Contudo, quando ele encarnava em nós, metaforicamente falando, em todas as
conferências da WELL, muitos ripostavam com um «acalma-te, Blair», algo que lhe teriam dito
publicamente. Bandy, que fornecera a Blair a ferramenta de software que lhe permitira efetuar a
rasura em massa, iniciou um tópico na conferência Weird (a zona de franco-atiradores do
subconsciente da WELL) com o título «O dia 16 das suas férias de lítio». Outros comentários
foram ainda menos favoráveis, quer da minha parte, quer dos demais. Quando se procura
freqüentemente a atenção das pessoas e se monopoliza a ribalta, a resposta pode ser cruel.
Rheingold.doc
Tal como o lendário público do teatro Apolo em Harlem, em Nova Iorque, a platéia da
WELL tanto pode consagrar estrelas como vaiar os maus artistas. Blair experimentou ambas as
reações ao mesmo tempo.
Por vezes, quando a zombaria online começava a ficar um pouco cruel, telefonava a Blair
e tentava saber o que realmente se passava. Falávamos então e Blair divagava até o beeper o
arrastar numa nova direção. Ele estava sempre na vanguarda da tecnologia mais avançada de
transmissão de mensagens. Blair obteve a arma de suicídio virtual na forma da ferramenta de
scribble após algumas semanas de clima psicologicamente tempestuoso.
Semanas antes Bandy, um dos funcionários técnicos da WELL, despediu-se durante uma
discussão sobre uma relação pessoal que mantinha com outra personagem online. Quando
efetivou a despedida, Bandy utilizou a sua experiência em programação na concepção de uma
ferramenta destinada a procurar e apagar tudo quanto tinha enviado para as conferências públicas
na WELL. Um truque elaborado, esse, um ato de programação verdadeiramente virtuosística
calculado para testar a integridade estrutural do sistema social. Bandy enviou o código-fonte da
ferramenta de rasura para a Rede, o que significa que, para todo o sempre, quem quiser obter
essa arma pode enviar um pedido para a Rede e, mais cedo ou mais tarde, alguém lhe irá indicar
um arquivo onde o programa está armazenado.
Até então a história da WELL estabelecera fortes relações com a sub-comunidade
anárquica de programadores voluntários. Durante anos criaram-se ferramentas, distribuídas
gratuitamente pelo prestígio que conferiam ao autor e porque eram necessárias. Bandy foi o
primeiro a criar uma arma.
Todo e qualquer um que envie mensagens escritas na WELL tem o direito de
posteriormente as apagar. Os anfitriões têm o poder de rasurar as escritas de outrem, poder esse
severamente limitado pela consciência de que a esse ato seguir-se-ão, provavelmente, semanas
de debate mordaz e repetitivo. Por tradição, os comentários escritos pelos utilizadores da WELL
não seriam apagados pelos anfitriões mais de uma vez por ano.
Não é raro apagar os próprios comentários, embora não seja de todo a norma. A regra
prática parece ser a de que é melhor pensar duas vezes antes de falar em vez de falar de mais a
ponto de o lamentar. Talvez seja apagado um em cada mil comentários.
Antigamente tinha de se localizar cada comentário individualmente e depois seguir uma
série de passos para o apagar. Nas infindáveis discussões que se seguiram à utilização da arma-
ferramenta, inicialmente por Bandy e depois por Blair, decidimos que, naturalmente, toda a gente
teria todo o direito de apagar automaticamente qualquer comentário por si jamais enviado agora
que llavra maneira de o fazer. Fazê-lo, porém, é aos olhos de muitos desprezivelmente anti-
social.
Quando Metaview utilizou a ferramenta de rasura de Bandy, o choque provocado ao
serem apagados anos de escrita de um autor bastante prolífico levou a que a estrutura formada
pelas mensagens registradas, toda a história da WELL até então, parecesse... comida pelas traças.
Muitas vezes, e particularmente nos tópicos em que Metaview incidia mais intensamente, faltava
tanta coisa que se tomou desesperadamente impossível seguir o fio à meada. Por que razão se
decide ser um membro entusiástico de um projeto coletivo, perene, baseado na palavra, se se
tenciona subtrair as próprias contribuições para a estrutura das conversas quando é altura de
partir?
A novidade do ato, penso eu, confundiu as nossas reações quando Bandy efetuou a rasura
em massa pela primeira vez. O problema estrutural posto pela reconstrução dos nossos modelos
mentais da WELL foi perversamente intrigante. A idéia de que a WELL aparenta possuir uma
massa crítica de poder pensante superior ao poder destrutivo de qualquer indivíduo isolado é
reforçada pelo modo como agüenta os ataques às bases. Muitos maldiziam Blair por vandalizar a
WELL, que o tinha alimentado durante tanto tempo. Peguei no telefone e liguei-lhe.
«Por que fizeste isto, Blair?», perguntei-lhe.
Rheingold.doc
«Pareceu-me ser o mais adequado na altura», foi precisamente o que me respondeu de um modo
absolutamente desafectado. Nada de invulgar em relação a Blair, cuja disposição flutuava ao
sabor das conversas.
Penso que ele estava a ser sincero, era um impulso. A arma-ferramenta tornou possível
seguir o impulso e foi isso que relatei à comunidade da WELL.
Ninguém confunde a vida virtual com a vida real, embora àquela corresponda uma
realidade emocional para muitos de nós. Simplesmente, alguns impulsos são mais sérios do que
outros, e os atos impulsivos podem ter na vida real conseqüências mais permanentes do que as
desencadeadas pelos atos mais drásticos no ciberespaço. Perguntei a Blair se estava com
tendências suicidas, e ele falou sobre isso, ao que lhe repeti o velho lugar-comum de o suicídio
ser uma solução permanente para um problema temporário. Depois de ter tido essa conversa com
Blair, falei com um amigo e seu psiquiatra. Brincar aos suicídios não era novo para ele e alguma
vez Blair haveria de conseguir. Dessa vez conseguiu-o.
A partir do momento em que teve conhecimento da notícia a população da WELL entrou
num período de transformação. Brincar com as palavras no teclado do computador era uma
coisa, outra coisa foi ir ao funeral do Blair e falar pessoalmente com a família.
Alguns tópicos da WELL foram então dedicados a Blair, e um deles, a pedido da família,
destinava-se à recepção de elogios fúnebres. Muitos dos demais tópicos, os que não foram
doados aos pais dele, não passavam de repugnantes e acesas guerras sobre o comportamento das
pessoas. No calor da discussão de um dos tópicos, houve quem aproveitasse a oportunidade para
disparar a sério, uma vez vindos à tona os ressentimentos herdados de discussões anteriores. O
suicídio revela sentimentos invulgares em qualquer família ou grupo social. Felizmente, havia
um ou dois de entre nós que sabia interpretar exatamente o que estava a acontecer; uma pessoa
que tinha lutado anos a fio com o sentimento provocado pelo suicídio do irmão estava em
condições de oferecer a sua sabedoria, compreensão e aconselhamento credível a muitos de nós.
Realizou-se então o funeral na vida real, onde levamos os nossos corpos físicos e nos
abraçamos entre nós e à família do Blair. Estávamos a aprender o quanto tínhamos ficado a
gostar dele e como a sua morte constituiu um marco no ciberespaço. Tinham-se realizado e
desfeito casamentos, fechado e fracassado negócios, feito festas e piqueniques.
Todavia, por alguma razão, a morte parece ser mais real, mesmo se se participa apenas
num funeral virtual. Como poderia algum de nós, naquela tarde, olhando-nos nos olhos, negar
que os laços que nos uniam estavam a transformar-se em algo real?
Os sentimentos foram tão intensos durante a parte virtual das cerimônias fúnebres como
na sua correspondente real - na verdade, não se fazendo sentir os mesmos constrangimentos
sociais próprios de um funeral, na versão online houve ocasião para demonstrações de raiva
impróprias de uma reunião frente a frente. Havia os que emocional e persistentemente acusavam
os elogiadores de exibirem uma hipocrisia nojenta devido ao tratamento nada benigno a que o
submetíamos coletivamente online enquanto era vivo. Os que tinham telefonado ao Blair e aos
seus psiquiatras e foram conhecer a mãe e o irmão, na tentativa de lhes proporcionarem algum
conforto, tinham uma atitude diferente em relação a quem não conseguiu assistir à cerimônia
pessoalmente, mas que não hesitava em importunar os presentes online. Pessoas que se tinham
visto obrigadas a conviver porque eram todas dependentes veteranas do mesmo espaço social
começaram a antipatizar umas com as outras.
Para mim tudo isto constituiu uma importante lição, reforçada muitas vezes desde então:
as palavras num écran podem magoar. Embora a conversa online tenha o mesmo sabor efêmero e
informal de uma conversa telefônica, tem o alcance e a perenidade de uma publicação.
Passaram-se os anos, foram-se adicionando megabytes de conversas à WELL. Já não é
fácil encontrar partes do antigo tecido onde sejam ainda visíveis as marcas deixadas por Blair.
No entanto, ele continuou a influenciar profundamente aquilo que as pessoas online sentem umas
pelas outras. Tal como foi dito na altura pelo WELLómano John P. Barlow, não existe uma
verdadeira comunidade até haver um funeral.