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Table of Contents

1. Apresentação
2. I O que as bolhas ocultam
1. Como opera a homofilia
2. Distinções entre redes sociais e motores de busca
3. Outros lados da questão
4. O que fazer para furar as bolhas
3. II A propagação de notícias falsas
1. 0 que é novo
2. As variações das Notícias Falsas (NFs)
3. Pesquisas para amparar ações eficazes
4. Como se livrar das NFs?
4. III Uma era da pós-verdade?
1. A pós-verdade no tsunami das fake news
2. A guerra na ciência
5. IV A reivindicação da verdade no jornalismo
1. Imprecisões entre a verdade e a inverdade
6. V A verdade fatual e o jornalismo
1. 0 que é verdade fatual
2. A verdade na cena da política
7. VI Outras verdades
1. As verdades provisórias da ciência
2. 0 pensamento da verdade na filosofia
3. As verdades possíveis da arte e da literatura
8. Referências
9. Coleção Interrogações
10. Sobre a autora
A PÓS-VERDADE É VERDADEIRA OU FALSA?

Lucia Santaella

2018

LUm Estaçao

I ÍM das Letras

Dfle Cores

© Lucia Santaella 2018

Coleção Interrogações - Coordenação: Lucia Santaella

Todos os direitos reservados.

Proibida a reprodução, no todo ou em parte, sem autorização prévia por


escrito da editora, sejam quais forem os meios empregados.

A grafia do texto foi atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua


Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009.

Direção Editorial: Kathia Castilho e Lucia Santaella

Projeto Gráfico, diagramação e produção do ebook: Schaffer Editorial


Capa: Kalynka Cruz-Stefani

Revisão: Lucia Santaella

Coordenação: Lucia Santaella

Conselho editorial: Cleomar Rocha, Clotilde Perez, Dora Kaufman, Edméa


Santos, Eneus Trindade, Fernando Almeida, Fernando Andacht, Kathia
Castilho, Massimo Di Felice, Rodrigo Petronio, Winfried Nõth

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com


ISBD

S231p

Santaella, Lucia

A Pós verdade é verdadeira ou falsa? [recurso eletrônico] / Lucia Santaella ;


organizado por Fabio Cypriano. - Barueri, SP : Estação das Letras e Cores,
2018.

96 p.; e PUB.

Inclui bibliografia.

ISBN: 978-85-68552-79-7 (Ebook)

1. Jornalismo. 2. Fake news. 3. Pós-verdade. 4. Política. I. Cypriano,


Fabio. II. Título.

CDD 070

2018-1446

CDU 070

Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410

índice para catálogo sistemático:


1. Jornalismo 070

2. Jornalismo 070

Estação das Letras e Cores Editora

Av. Real, 55 — Aldeia da Serra — Barueri 06429-200 - Sâo Paulo -

Tel: 55 11 4326 8200 www. es tacaoletras. com. b r

www.facebook.com/estacaodasletrasecoreseditora/

Onde cessa a solidão começa a praça pública; e onde começa a praça


pública começa também o vozear dos grandes comediantes e o zumbido
das moscas venenosas.

(Nietzsche)

Apresentação
A propagação de notícias falsas
Uma era da pós-verdade?
A reivindicação da verdade no jornalismo
A verdade fatual e o jornalismo
Outras verdades
Coleção Interrogações
Sobre a autora

Apresentação
Náo pode haver dúvida de que as tecnologias das redes digitais abriram
caminhos para a democratização do uso e consumo das mídias,
mudando sobremaneira o que, na era pré-redes, se costumava chamar de
espaço público e formação de opinião. De um número comparativamente
pequeno de fontes de informação destinadas a uma massa de receptores, hoje
a multiplicação de plataformas para redes sociais, blogs, sites e outras
conveniências, permite a qualquer um, de forma praticamente gratuita,
disseminar quaisquer tipos de conteúdo para quaisquer outros usuários que,
podem, inclusive, mudar instantaneamente seu papel de receptor para aquele
de emissor em um jogo de vai e vem ininterrupto.

Desde que a internet se tornou um ingrediente onipresente em nossas vidas,


interação e conexão passaram a assumir o papel principal em todas as
cenas. Estamos conectados à internet, ao wifi, aos motores de busca, a
pessoas em quaisquer pontos do planeta, vasculhando na web para receber e
responder. O que procuramos, o que é mostrado, que rotas seguimos, o que
compartilhamos, tudo isso recebe o nome-chave, “conexão”, funcionando
como um “abre-te Sezamo” proliferante.

Entretanto, tudo isso cobra seu preço em ambivalências, paradoxos e


contradições que vêm cada vez mais desafiando tanto os especialistas no
tema, quanto os profissionais da comunicação e mesmo os usuários mais
críticos. No momento, os desafios têm se concentrado nas questões relativas
às notícias falsas (fake news), que circulam abusivamente pela internet, e suas
relações com as bolhas, também chamadas de câmaras de eco, ou seja, o
ecossistema individual e coletivo de informação viciada na repetição de
crenças inamovíveis. Essas condições acabaram por redundar naquilo que
vem sendo chamado de “era da pós-verdade”.

De fato, nos últimos anos, especialmente depois da surpreendente vitória de


Donald Trump para Presidente dos Estados Unidos da América, as três
palavras — bolhas, notícias falsas e pós-verdade — entraram exaustivamente
no domínio público, em conversas, notas e matérias em jornais e revistas,
posts e compartilhamentos nas redes sociais, blogs, debates em eventos,
conferências, discussões filosóficas e pesquisas científicas. E tanta a
frequência de seus aparecimentos até o ponto de terem se tornado palavras
obrigatórias. Diante de tamanho transbordamento, poderia parecer
dispensável retornar à discussão. Contudo, o contexto da emergência desse
novo domínio do discurso público, a saber, a complexidade crescente da
explosão digital — que incessantemente se dilata, tomando conta de todas as
atividades pessoais, culturais e sociais -continua reclamando por estudos e
reflexões capazes de acompanhar pari passu o ritmo de suas metamorfoses.
Dessas condições, este trabalho extrai sua justificativa na medida em que
pretende, antes de tudo, desatar analiticamente os fios em que as bolhas, as
notícias falsas e a propalada era da pós-verdade encontram-se confusamente
enroscados, para, a seguir, retomar suas interrelaçóes sob uma perspectiva
tanto quanto possível bem fundamentada.

I O que as bolhas ocultam


O que são bolhas? O nome filter bubbles (bolhas-filtro, bolhas de filtro, que
prefiro chamar de bolhas filtradas) foi cunhado pelo ativista da internet
Eli Pariser por volta de 2010 e discutido no seu livro best seller com esse
mesmo nome, em 2011, portanto, cinco anos antes dos dois acontecimentos
que chacoalharam o mundo: a eleição de Trump e o Brexit no Reino
Unido. Lembrar que Pariser escreveu seu livro bem antes desses
acontecimentos é considerar o caráter antecipatório desse livro,
especialmente quando se sabe que, dada a aceleração temporal do mundo das
redes, a passagem de cinco anos deve corresponder mais ou menos à
passagem de 25 anos, antes das redes.

Nesse livro e no Ted protagonizado pelo autor que corre pela internet, Pariser
chama a atenção para o fato de que o Google personaliza o que cada usuário
obtém como resposta às suas buscas. Quando milhares de usuários podem
estar fazendo uma mesma busca ao mesmo tempo, o que pode explicar esse
aparente milagre? Ora, mais e mais, o monitor de nossos computadores é uma
espécie de espelho unilateral que reflete tão só e apenas nossos
próprios interesses, enquanto os algoritmos observam tudo o que clicamos.
Essa é a resposta de Pariser e todo o seu livro gira em torno desse estranho
voyeurismo que não serve apenas a interesses sexuais, mas, sobretudo, a
interesses políticos e mercadológicos. Em suma,

Tudo o que você gosta de ver e ouvir em serviços de streaming, quem você
curte nas redes sociais, o que você compra nas lojas online, o que você joga
no seu videogame, suas viagens, seus desejos, suas conversas por email ou
mesmo no whatsapp; tudo isso está sendo

monitorado 24h pelo grande olho da rede. Essa grande máquina social
invisível, fruto da enorme personalização dos ambientes online, usa todos os
dados coletados da sua vida digital para te oferecer tudo aquilo que ela
considera relevante para você. (...) O problema é que esta personalização
extrema da nossa vida conectada provoca o que alguns estudiosos chamam de
"câmaras de eco" ou "salas espelhadas", onde tudo o que vemos
e consumimos é reflexo de nós mesmos. (MANSERA, 2015)

Uma espécie de prova de que é assim que as coisas funcionam veio com os
acontecimentos políticos de 2016. Quem havia tomado conhecimento do
livro de Pariser, estava melhor preparado para a grande surpresa do que
estavam os incautos. Além de “câmera de eco”, um termo que já costumava
ser empregado para se referir às mídias tradicionais e que foi também
transferido para o universo online, outra expressão que vem sendo usada para
o fenômeno das bolhas é “molduras ideológicas”. Ainda outro nome que
também aparece é “ciberbalcanização”, cunhada pelos pesquisadores do MIT,
Van Alstyne e Brynjolfsson. Este termo se refere à região da Europa que foi
historicamente subdividida por diferenças de linguagens, religiões e culturas.
Diante disso, desde 2016, não cessam de aparecer matérias em tom
sensacionalista para demonizar a internet:

Para cada site que você pode visitar, existem pelo menos 400 outros que não
consegue acessar. Eles existem, estão lá, mas são invisíveis. Estão presos
num buraco negro digital maior do que a própria internet. A cada vez que
você interage com um amigo nas redes sociais, vários outros são ignorados e
têm as mensagens enterradas num enorme cemitério online. E, quando você
faz uma pesquisa no Google, não recebe os resultados de fato - e sim uma
versão maquiada, previamente modificada de acordo com critérios secretos.
Sim, tudo isso é verdade - e não é nenhuma grande conspiração. Acontece
todos os dias sem que você perceba. Pegue seu chapéu de Indiana Jones e
vamos explorar a web perdida. (GRAVATÁ, 2016)

Seja a personalização dos filtros promovida por algoritmos ou não, esteja o


indivíduo ciente disso ou não, o pior prejuízo para o nível pessoal,
reverberando no nível coletivo, segundo Pariser, consiste no fechamento que
as bolhas filtradas promovem contra novas idéias, assuntos e informações
importantes. No nível coletivo, os filtros são formas de manipulação que
colocam o usuário mal informado sobretudo a serviço de interesses políticos
escusos. De fato, pesquisas

realizadas por fontes confiáveis confirmaram que máquinas de buscas e


mídias sociais promovem a segregação ideológica, pois o usuário acaba por
se expor quase exclusivamente a visóes unilaterais dentro do espectro político
mais amplo. Quando muito arraigada devido à repetição ininterrupta do
mesmo, a unilateralidade de uma visão acaba por gerar crenças fixas,
amortecidas por C hábitos inflexíveis de pensamento, que dão abrigo à
formação de seitas cegas a tudo aquilo que está fora da bolha circundante.
Isso acaba por minar qualquer discurso cívico, tornando as pessoas mais
vulneráveis a propagandas e manipulações, devido à confirmação
preconceituosa de suas crenças.

As fontes para a geração de filtros personalizados incluem a história de


buscas do usuário, o resultado de suas escolhas, sua interação com
provedores de serviços, seus interesses demonstrados por produtos e serviços.
Além disso, tudo que se posta e compartilha nas redes sociais é também
engolido pelos algoritmos de captura do perfil do usuário. Os críticos
apontam para o fato de que a viabilização dos serviços não é altruísta. Ao
contrário, ela compromete a privacidade e limita a visão de mundo do
usuário, estreitando seus horizontes.

O grande problema, nesses casos, encontra-se na invisibilidade do modo


como, dentro das redes, os algoritmos funcionam. Empregados pelas
poderosas companhias de tecnologia têm seu design destinado a traçar com
precisão o perfil do usuário de modo a desenhar nitidamente a bolha a que
pertencem. Trata-se de uma questão paradoxal, que pouco tem a ver com a
ideia do Big Brother, no famoso livro de George Orwell, o grande irmão que
te vigia. Nas redes, não se trata mais de uma força superior inelutável que nos
oprime e nos cega. Os algoritmos são baseados nas próprias escolhas que
fazemos, desenham as predileções de que damos notícia nas redes. Portanto,
não é mais uma mera questão de apenas demonizar o poder das redes, pois
elas não fazem outra coisa a não ser nos devolver o retrato de nossas mentes,
desejos e crenças.

As bolhas, portanto, são constituídas por pessoas que possuem a mesma visão
de mundo, valores similares e o senso de humor em idêntica sintonia. Isso se
constitui em um ambiente ideal para a proliferação de memes e de
trolagem, esta última uma espécie de trote que visa levar as pessoas a
tomarem a sério uma brincadeira enganadora até o ponto de se sentirem
lesadas, quando se comprova a funcionalidade da trolagem. Esses tipos de
humor com propósito de enganar são peças fáceis para se tornarem viráis,
especialmente porque empregam como coadjuvantes imagens, legendas e
chamadas sensacionalistas.

Como opera a homofilia


Segundo Nikolov et al. (2015), a personalização dos filtros, tenha ela uma
base algorítmica ou social, ou uma combinação de ambos, seja ela utilizada
de modo deliberado ou não, apresenta tendenciosidades que
afetam significativamente o acesso à informação, na medida em que
conduzem o usuário a pontos de vista estreitos que impedem a exposição a
idéias contrárias aos seus preconceitos. Cria-se assim um solo fértil para a
polarização e as opiniões mal informadas (NYHAN; REIFLER, 2010). O
problema se torna ainda mais preocupante porque tais posições tendem a se
tornar, com a passagem do tempo, cada vez mais radicais (SALGADO,
2018). Esse tipo de exposição seletiva, em que as escolhas são tanto
explícitas quanto implícitas, é alimentado pelas tendências homofílicas que
fazem parte do funcionamento do psiquismo humano e que foram
sintetizadas em uma canção de Caetano Velozo: “E que Narciso acha feio o
que não é espelho/E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho”.

Em 2017, o programa Future Now da BBC promoveu uma enquete junto a


especialistas no mundo da ciência, filosofia e tecnologia, para obter
respostas sobre os desafios mais cruciais a serem enfrentados dessa data para
o futuro1. Em resposta ao item específico sobre o “Futuro da internet, mídia e
democracia”, Victoria Rubin apontou para o fato de que a psicologia humana
é o grande obstáculo para a obtenção de informações confiáveis, devido à
falta de vontade de buscar fatos e histórias que estão em desacordo com os
pontos de vista que as pessoas obstinadamente adotam.

Conforme Perosa (2017), “o poder da crença - em uma ideia, religião,


afinidade política e afins” já existia antes da internet. E não há
argumentação racional que possa suplantá-la. Trata-se daquilo que os
psicólogos cognitivos chamam de “viés da confirmação”, ou seja, “quando
alguém é confrontado por informações que contrariam sua visáo de mundo,
as chances de que aceitará o novo dado como um fato, mudará sua opinião,
ou questionará o próprio sistema de crenças são um tanto baixas”. Isto porque
aceitar as informações que confirmam as nossas crenças fala mais alto do que
“rejeitar aquelas que as contradizem”.

A mente funciona por reconhecimento de padrões, sendo atraída por padrões


já conhecidos em detrimento dos desconhecidos. Justo por isso, gasta-
se muito menos esforço e energia mental diante da mesmidade do que diante
da alteridade, uma vez que esta última nos obriga a romper hábitos e criar
novos hábitos de pensamento. C. S. Peirce (CP 5.398) nos ensinou que
hábitos de pensamento funcionam como disposições e guias para a ação.
Portanto, mudar hábitos de pensamento implica mudança nos modos de agir.
Essa trajetória também ajuda a explicar porque evitamos novas informações
que não se alinham com aquilo que cremos ser verdade, pois isso nos
desobriga de pensar diferente, sentir diferente e, consequentemente, agir
diferente.

Diante disso, é plausível a hipótese de que, mesmo que os algoritmos fossem


eliminados (o que é impossível), as pessoas ainda tenderiam a criar suas
próprias bolhas de filtro como garantia de aproximação de pessoas que
funcionam como espelhos de suas crenças, o que só fortalece as crenças na
medida em que o espelho cumpre a função de devolver as mesmas crenças de
modo redobrado, e assim progressivamente.

Distinções entre redes sociais e motores de


busca
Para averiguar sobre o efetivo funcionamento das bolhas, Nikolov et al.
(2015) realizaram uma cuidadosa pesquisa quantitativa utilizando a
metodologia de mineração de uma enorme quantidade de dados relativos a
cliques na web. A proposta era verificar a relação entre a diversidade de
fontes de informação oferecida aos usuários tanto no nível individual quanto
coletivo e as buscas no Twitter. O método utilizou, como primeiro passo,
uma enorme coleção de cliques na rede, mais dois conjuntos de dados
suplementares de links compartilhados no Twitter e na AOL. Esses dados
foram tratados com algoritmos de mineração. Para medir a diversidade de
exposições no contexto das notícias, foi criado um conjunto de dados
separado apenas para os cliques em notícias. O método envolveu também o
tratamento dos dados pela via do conceito de entropia, cuja complexidade
não cabe aqui descrever. O que importa é colocar ênfase nas conclusões a que
a pesquisa chegou.

Antes de tudo, foi evidenciado que a diversidade de informações alcançada


por meio das mídias sociais é mais baixa do que aquela que se obtém através
de uma base de buscas. Assim, há menos probabilidade para a diversidade
das fontes de informação nas mídias sociais do que nos motores de busca. Â
medida que cresce o papel das mídias sociais na difusão de informações, há
também um perigo crescente de reforço das bolhas de filtro. Isso se repete no
caso do tráfico de notícias.

Portanto, pessoas que procuram notícias e informações nas mídias sociais têm
mais risco de cair na armadilha das bolhas coletivas do que aquelas que usam
os motores de busca. Essa diferença também evidencia um crescimento
das bolhas coletivas compartilhadas por indivíduos com a mesma forma
mental. Dada a importância do consumo de notícias para o desenvolvimento
do discurso cívico, essa evidência é especialmente relevante para a hipótese
da influência das bolhas no fortalecimento de preconceitos.

Evidentemente, tais resultados não podem levar a uma concepção idealizada


dos motores de busca. Embora não se possa negar que eles provocam um
certo efeito democratizante para as escolhas de informação, de outro lado, os
sinais de classificação dos algoritmos são baseados na popularidade e guiados
para fins mercadológicos. Por exemplo, a maior fonte de fundos do YouTube
vem da publicidade. Portanto, mesmo que os algoritmos de busca não
favoreçam a formação de bolhas, na mesma proporção com que os
compartilhamentos em rede o fazem, o problema aí apenas muda de figura.
Além disso, por não terem o hábito de checar a precisão do conteúdo daquilo
que recebem, os usuários tendem a crer que os motores de busca só ofertam
informações imparciais.

Outros lados da questão


Contudo, contra os perigos de um mero negativismo apressado e
apocalíptico, é preciso considerar que pesquisas também têm chegado
a conclusões relativizadoras, revelando que muitos consumidores podem
também usar os filtros para expandir seu gosto, por exemplo, por músicas ou
livros. Além A disso, sabe-se que o Google permite que o usuário feche os
atributos de personificação, caso queira, por meio do apagamento do arquivo
de sua história de buscas e pela não permissão de que o Google possa se
lembrar de suas tags de buscas e links visitados no futuro. Muito depende,
portanto, da aprendizagem do usuário quanto aos prejuízos que advêm e aos
benefícios que pode obter. Isso é conquistado pelo esforço consciente de
avaliar a que tipo de informação está se expondo e de pensar criticamente se
há engajamento em um campo ampliado de conteúdos. Entretanto, isso
envolve, evidentemente, que o usuário tenha tido uma formação educacional
segura que o habilite a colocar seus preconceitos à prova, conforme será mais
detalhadamente discutido mais à frente.

E preciso também tomar conhecimento da existência de sites na internet, tais


como, apenas para exemplificar, allsides.com e hifromtheotherside.com
que oferecem ao usuário distintas perspectivas sobre um mesmo assunto,
muitas delas contraditórias em relação às suas crenças. Existem também apps
de notícias, como Read Across the Aislé, que revelam se o leitor está exposto
ou não a múltiplas perspectivas, inclusive ao permitir que sejam conhecidos
os links que estão ocultos em sua timeline.

Em síntese: o que parece ser necessário, entre outros fatores, é compreender


que estamos diante de uma transformação profunda nos modos como
as informações são produzidas, recebidas e reproduzidas. Sem isso, pode-se
cair em visões catastrofistas que, muitas vezes, advêm de uma
percepção inadvertidamente conservadora preenchida de expectativas de que
a informação se comporte exatamente de acordo com seus modos de
produção pré-internet. Conforme Di Felice (2018) nos alerta, no universo
digital, não se trata mais apenas das mudanças na estrutura e na quantidade
de informação, mas na própria cultura da informação, cujas experiências são
qualitativamente distintas daquelas que eram próprias da época dos small
data. Agora o oceano de dados dos milhões de informações emitidas por
pessoas, coisas, robôs e dispositivos nâo podem mais ser gerenciadas por
humanos, mas sim por algoritmos, sofiwares e inteligência artificial.
Isso náo significa negar que estamos agora vivendo em bolhas filtradas, nas
quais impera a homofilia. Esta leva à aceitação automática apenas daquilo
que funciona como espelho de nós mesmos o que produz a impressão
equivocada, 3 tida como legítima, de que nossas idéias são as corretas e
aquelas que predominam. Embora haja uma tendência do ser humano para
buscar e escolher aquilo que mais sintoniza com suas crenças, desde a era da
cultura de massas, cujo império hegemônico dominou até os anos 1970,
passamos a sofrer os impactos de uma mudança de escala no acesso à
informação. Essas mudanças estão se intensificando crescentemente em meio
à avalanche ininterrupta de informação que recebemos nesta era digital.

Diante disso, o outro lado da moeda também deve ser considerado. Quer
dizer, a formação de bolhas não depende apenas de escolhas, mas são
também formas de filtragem que, inclusive, de um lado, neutralizam a
ansiedade que o excesso informacional tende a provocar, de outro, também
ajudam a administrar as invasões à privacidade. O problema é que estamos
em meio a contradições irresolvíveis, pois, ao mesmo tempo que as bolhas
tendem a diminuir as instabilidades provocados pelo acúmulo de informação,
quanto mais impermeáveis elas se tornam, tanto mais agenciam a proliferação
de paisagens falsas que provocam efeitos sensíveis na vida real,
especialmente na política, campo sobre o qual recaem as maiores
preocupações acerca das fake news (notícias falsas), como será discutido no
próximo capítulo. Isso se torna ainda mais preocupante diante de pesquisas
reveladoras de que, nos domínios que estão fora do discurso político, há
menos evidências de interferências das bolhas. Sistemas de recomendação,
por exemplo, apresentam mais diversidade de efeitos sobre as compras do
usuário (HOSANAGER et al., 2013), uma diversidade que não se repete
quando se trata de conteúdo político. Isso relativiza a crença de que a lógica
do mercado seja aquela que ocupa o papel de antagonista principal ao uso
saudável das redes.

O que fazer para furar as bolhas


Um dos maiores problemas relativos às bolhas consiste em que a grande
maioria dos usuários das redes não tem a menor ideia acerca de como as
mídias, especialmente as mídias digitais, funcionam. Adquirem os
dispositivos, instalam os aplicativos de seu interesse, fazem uso dos
benefícios que lhes são oferecidos sem qualquer preocupação com as perdas
que sofrem e os riscos que correm. Os recursos são utilizados em horizontes
aparentemente abertos, no desconhecimento de que esses horizontes estão se
configurando em bolhas cada vez mais impermeáveis. E preciso furar essas
bolhas. Mas que caminhos são oferecidos para isso?

Muitos têm chamado atenção para a necessidade política de formatos


regulatórios para as mídias digitais. Sem dúvida, regulamentos independentes
e imparciais são bem-vindos, todavia, as mídias digitais se constituem em
um campo extremamente amplo e intricado. Nele, nem tudo pode ser
submetido a fronteiras regulatórias, além de que fica difícil manter o passo
com a velocidade das mudanças que ininterruptamente se processam na
paisagem midiática (CHAPMAN, 2017). Como remediar esse problema?

Tem sido bastante citado pelos especialistas, o livro Net Smart: How to
Thrive Online (Net inteligente: como prosperar online), de um dos
mais conhecidos gurus do universo digital, Howard Rheingold (2012). A
partir da longa e larga experiência do autor com o funcionamento,
especialmente social, das redes, o livro está recheado de indicações de
caminhos na direção de um uso inteligente, humano e razoável desse meio
complexo. Para isso, o primeiro passo é abandonar a posição de receptores
passivos. Neste ponto, é fundamental a diferença que se estabelece entre a
interatividade meramente reativa e a interatividade participativa (PRIMO,
2000). Esta implica pensar sobre o que estamos fazendo, quais são nossos
objetivos, que contribuições essa atividade pode trazer. Para isso, não é
preciso transformar o uso das redes em uma atividade sisuda. São muitas as
possibilidades que a internet oferece, inclusive a do entretenimento prazeroso
que não precisa ser abandonado. O importante é ter algum tipo de controle
sobre a distração alienada e sobre o desenvolvimento de hábitos saudáveis.
Segundo Rheingold, saudável é aquilo que conduz ao crescimento da
confiança, da colaboração e da inteligência por meio das redes. Isso envolve
dois tipos de competência, tanto a competência técnica para o uso das
ferramentas disponíveis quanto a competência para a interação e
o engajamento social.

Dentro no mesmo espírito foi também lançado no Brasil o livro Como sair
das bolhas (FERRARI, 2018), com sinalizações dos caminhos e dos
meios disponíveis para furar as bolhas e delas escapar para desdobrar pontos
de vista e, sobretudo, responsabilizar-se por aquilo em que se crê
(SANTAELLA, 2018a). Existe nas redes um grande número de publicações
com aconselhamentos de modos profícuos para furar as bolhas. Schreder
(2018) nos apresenta três: (a) conheça seus vizinhos nas redes; (b) mantenha
uma dieta midiática equilibrada; (c) navegue pelo feed de outras pessoas. Um
site2 dedicado ao tema avança para cinco modos, enquanto Seiter (2017) vai
ainda além, ao apresentar doze modos cujo conteúdo está mais voltado para
combater preconceitos contra a diversidade racial.

Aconselhamentos são sempre promissores diante das preocupações


especialmente junto aos educadores relativas aos efeitos que o mau uso das
redes tem provocado. Sem dúvida é esse o campo, o da educação, no qual é
cabível depositar esperanças. O nome que se dá a isso é educação para as
mídias e nas mídias, um conceito dinâmico que envolve a busca de
procedimentos adequados para os desafios tecnológicos, sociais, culturais e
políticos que se apresentam e que não podem ser enfrentados com promessas
mágicas e ingênuas.

As pessoas formam opiniões e crenças por razões complexas e melhor


equipar os cidadãos com habilidades cognitivas para analisar conteúdos e
contextos não significa que eles o farão em todos os momentos ou que razões
cognitivas podem vencer fatores morais e socio-emocionais. Portanto,
auxiliar as pessoas a desenvolver uma formação crítica para as mídias não
deve ser uma panaceia contra todas as doenças digitais, mas deve ser a
primeira defesa. (CHAPMAN, 2017)

Tal defesa só funciona por meio de pesquisa confiável, recursos e


experiências a serem compartilhados e reusados. Os projetos devem
ser escalonados e readaptados de acordo com a diversidade de cada situação.
Ainda

17:40 Q ° 1 ••• de acordo com Chapman (ibid.), há uma década, supunha-se


que as crianças deveríam ficar a salvo, protegidas da internet. Hoje, ao
contrário, o caminho é tornar as crianças resilientes e empoderadas com as
habilidades, o conhecimento e o suporte que as auxiliarão a navegar tão
seguramente quanto possível. Essa é a tarefa da educação para e nas redes.
Uma tarefa que exige aprendizado contínuo, envolvendo mudança de hábitos
estabelecidos e a reação rápida a problemas à medida que emergem.

De acordo com Boyd (2017), saber em quais fontes confiar é um princípio


básico da educação midiática. Encorajar os estudantes a buscar as fontes de -
informação de qualidade significa encorajá-los a pesquisar criticamente
quem está publicando o conteúdo, se é respeitado e quais poderiam
porventura ser suas parcialidades. Para a autora (ibid.) é preciso tornar as
pessoas capazes de prestar atenção às diferentes perspectivas que se
apresentam e buscar sentido em uma paisagem informacional complicada,
muitas vezes, esmagadora. Para que isso possa ser atingido, não adianta
retornar aos padrões educacionais herdados da tradição, pois todo o contexto
social está passando por uma virada.

Durante algum tempo também se acreditou que a educação para e nas mídias
deveria estar sob a responsabilidade de setores estritamente educativos. Isso
mudou drasticamente, pois o maior papel cabe agora à sociedade civil,
por meio do engajamento de um número cada vez maior de setores, projetos
e participantes. E por isso também que não basta considerar os intermediários
da informação, seja nas mídias tradicionais ou nas novas mídias, como os
únicos responsáveis pelos problemas. Ao contrário, é uma tarefa coletiva,
nada fácil, que reclama por ações criativas como antídotos à propaganda
enganadora, às falas de ódio, aos conteúdos preconceituosos e às notícias
falsas.

O que tem de ser evitado são as variações que vão do pessimismo


catastrofista, passam pelos medos infundados até chegar ao outro extremo de
um otimismo cego. E preciso compreender como as mídias funcionam, como
estão alicerçadas em modelos de negócio totalmente distintos dos
tradicionais. E preciso se dar conta da maneira pela qual os dados são
coletados e utilizados. Sem isso, não pode haver escolha bem informada
sobre conteúdos consumidos e compartilhados, em quaisquer dos ambientes
em que o usuário se encontrar, seja ele um site de vendas, seja de notícias, de
mídia social ou de busca.

A formação educacional para e nas redes é, assim, a chave para o


desenvolvimento de habilidades que tornam o usuário confiante na tarefa
de interrogar sobre a precisão de uma informação e desafiar representações
injustas, visóes extremistas, violências simbólicas e brincadeiras ofensivas.
Sobretudo, merece ser considerado que a educação para e nas mídias deve
estar inserida em ambientes de formação educacional no seu sentido mais
amplo, aquela que é capaz de desenvolver a sutileza da sensibilidade, a arte
do cuidado com a alteridade e a ética da curiosidade em relação às
complexidades psíquicas e sociais que nos constituem como humanos.

II A propagação de notícias falsas


Notícias falsas costumam ser definidas como notícias, estórias, boatos,
fofocas ou rumores que sao deliberadamente criados para ludibriar ou
fornecer informações enganadoras. Elas visam influenciar as crenças das
pessoas, manipulá-las politicamente ou causar confusões em prol de
interesses escusos.

Muitos comentadores têm chamado atenção para o fato de que a falsidade das
notícias não é um fenômeno inteiramente novo, pois já existia no tempo
dos gregos (MORGAN, 2018) e, mais recentemente, desde que o tema entrou
em pauta, não têm faltado artigos sobre o histórico das notícias falsas através
do tempo (MALIK, 2017, ver também VICTOR, 2017; HARARI, 2018),
inclusive um artigo oportuno com a indicação de livros cuja leitura é
substancial para a verificação bem fundamentada de que notícias falsas
sempre existiram sobretudo em momentos históricos cruciais (MILLER,
2017).

De fato, se a expressão significar a criação de informação falsa movida pelo


propósito de enganar, o conceito está longe de ser novo. Basta pensar na
longa história dos tabloides, das fofocas acerca da vida das celebridades, das
táticas de estilo das revistas para fisgar seu público. Sabe-se também como as
estratégias de sedução e persuasão da publicidade sempre funcionaram. Em
quaisquer dos casos, são mensagens de forte apelo visual, cujas chamadas são
tão inacreditáveis que se tornam irresistíveis. Nas redes, esses mesmos
princípios continuam presentes.

Embora estratégias de enganação não sejam emergências recentes, resultantes


dos efeitos pretensamente maléficos da internet e suas redes de
dispositivos, mídias, plataformas, cair no engodo, no extremo oposto, de que
nada é novo sob os céus da internet é sempre contraproducente para se
entender o que está realmente acontecendo.

0 que é novo
O que difere agora é o modo como as notícias sâo produzidas, disseminadas e
interpretadas. Tradicionalmente, na era hegemônica da comunicação
de massas, as notícias eram fabricadas em fontes restritas, relativamente
confiáveis na medida em que deveríam seguir práticas baseadas em códigos
estritos de deontologia, ou seja, o conjunto de deveres, princípios e normas
adotadas por um determinado grupo profissional, nesse caso, a profissão de
jornalista. A partir da emergência da internet, da cultura digital e das redes
sociais, surgiram novos modos de publicar, compartilhar e consumir
informação e notícias que são pouco submetidos a regulações ou padrões
editoriais.

A internet e as redes sociais instauraram uma lógica inédita imensamente


facilitadora para a publicação e o compartilhamento. Tal lógica atingiu seu
pico a partir das mídias móveis que permitem a publicação e interação de
qualquer ponto do espaço, no momento em que se desejar. Qualquer pessoa
pode abrir um site, um blog ou um perfil em quaisquer plataformas que
quiser. As mídias não são mais consumidas à maneira que foi consolidada
pelas mídias massivas, hoje chamadas de mídias convencionais. O verbo, a
imagem e o som, quase sempre juntos, são agora criados, compartilhados,
aceitos, comentados ou atacados e defendidos de numerosas maneiras, em
diversas plataformas, por milhões de pessoas.

As notícias procedem das mais variadas e múltiplas fontes e, muitas vezes


por falta de compreensão dos modos pelos quais as redes funcionam, ou
por confusão diante do acúmulo de informações, torna-se mais difícil saber se
as estórias ou as notícias são confiáveis ou não. Uma vez que compartilhar é
uma das regras ou um dos apelos do funcionamento das redes sociais, geram-
se aí as condições para a disseminação de falsas notícias e de boatos. Por
isso, costuma-se dizer que as mídias sociais favorecem a fofoca, a novidade
pela novidade, a velocidade da açâo impensada e do compartilhamento
leviano. A autoridade e a habilidade para publicar agora passam de máo em
mâo. Links do Facebook e do Twitter se parecem uns aos outros, pois náo são
aquilatados com valoraçáo diferenciada. Não há regras para a aceitabilidade
do que se pensa e se fala quando as normas desvanecem. Foram erodidos os
princípios daquilo que uma conversação deve ser.

Inteiramente novo, portanto, é o modo inédito de operar e a grande mudança


de escala propiciada pelo poder de difusão do computador habilitado pelas
plataformas de redes sociais. As redes operam de acordo com a lógica
dos caça-cliques (clickbaits) em que o conteúdo online é valorizado pelo
volume de tráfico de um post ou de um site. Assim, pouco importa se a
mensagem é falsa e mentirosa, sua onipresença acaba por causar impacto,
pois basta uma olhadela para ser capturado por sua insistência. O usuário
compartilha sem nem mesmo ler o conteúdo, só passando os olhos na
chamada e na imagem, cujo poder de atração as colocam no foco central da
atenção. Além disso, são mensagens que buscam intensificar a reação
emocional do receptor, provocando um efeito que deve ir bem além do
simples “curtir”. Esse é o poder de engajamento de que o sensacionalismo
está alimentado, ou seja, o poder que advém da exploração de sensibilidades
ingênuas e intempestivas. O sensacional atrai o clique que atrai mais
compartilhamentos. Quanto mais tráfico houver, tanto maior será a
difusão do engano cujo modo de propagação é regido, sobretudo, pelo apelo
emocional não filtrado pela razoabilidade do bom senso.

A bem da verdade, a imprensa em geral sempre teve e continua tendo um


pendor para o sensacionalismo. O consumo de notícias, seja no jornal, na
TV aberta ou fechada, no rádio e agora no smartphone é incentivado pelas
más notícias. Quanto mais trágica tanto melhor. Na moderna economia da
atenção, essa tendência se intensificou. Segundo Hervey (2017), más notícias
são as únicas notícias porque elas são viciantes. O que é bom fica invisível,
pois não se constitui em informação vendável. Nem é preciso recorrer a
Freud ou a Bataille para buscar explicações mais complexas sobre o papel do
inconsciente na vida psíquica. Os fatos falam por si. Portanto, a irresistível
atração que o sensacionalismo exerce sobre as emoçóes humanas está longe
de ser uma invenção da internet, embora esta tenha levado isso ao extremo,
com a adição agora da dificuldade de se diferenciar o trágico factual do
trágico fantasiado.
As variações das Notícias Falsas (NFs)
Vivemos em um mundo no qual a desconfiança e a desinformação estão
criando um ambiente perfeito para a proliferação de Fake News (Notícias
Falsas — NFs), motivada por interesses que visam manipular atitudes,
opiniões e ações. Quando a confusão e a falta de confiança nas fontes se
instalam, as portas ficam -abertas para que a desinformação tome o comando.
Todas as espécies de conteúdos duvidosos e mesmo perigosos se propagam
longe do controle das formas de escrutínio tradicionais. “As mídias digitais
fornecem o material de base (os dados) e as infraestruturas (mídias sociais),
enquanto a analítica (analytics) dos dados está evoluindo para o mais preciso
mecanismo de alvo que jamais foi visto” (CHAPMAN, 2017).

Ainda de acordo com a autora, as NFs, que atualmente se propagam pela


internet, apresentam três traços caracterizadores: desinformação,
desconfiança e manipulação. Elas são criadas para influenciar a visão que as
pessoas têm dos fatos, para causar confusão desinteressada ou interessada ou
para alimentar um programa político. Entretanto, o campo das notícias falsas
não é tão redondo quanto se costuma postular. Ele é diversificado e fuzzy
(difuso). Existe um conjunto de problemas: (a) conteúdo político que é
deliberadamente falso; (b) mensagens que são muito enganadoras, mas não
necessariamente falsas; (c) memes que não são nem verdadeiros nem falsos,
porém capazes de produzir uma impressão negativa ou incorreta. Muitos
conteúdos não apresentam relação factual que possa ser verificada, por
exemplo, quando a opinião é mascarada como fato. Há níveis diferenciados
de malignidade. Por isso, é conveniente diferenciar com mais precisão as
árvores da floresta, como se segue.

Menos prejudiciais são as notícias paródicas produzidas para provocar o riso


do entretenimento fácil. Rir é sempre bom, certamente, basta ver o caso
dos memes no Brasil, uma criação popular crivada de imaginação visual. O
problema aparece quando escorregam para o preconceito ou para a mentira.
Nesse caso, o riso sadio se converte em riso cúmplice. Além disso, há tipos
de parodia que, por nao serem compreendidas como tal, podem produzir
efeitos indesejáveis. Um bom exemplo é o site O Sensacionalista que tem
como slogan “um jornal isento de verdade”. Esse site produz notícias falsas
deliberadamente com a finalidade de criticar, por meio do humor satírico,
assuntos internacionais e nacionais. Entretanto, usuários desatentos acabam
acreditando no que leem o que provoca o efeito invertido da crítica para a
crença em uma mentira.

Existem também os chamados caça-cliques, iscas de cliques, histórias com


chamadas e imagens sensacionalistas fabricadas especificamente para
capturar a atenção do usuário na direção de sites propagandísticos com
finalidades -consumistas. Muitas vezes, esse tipo de conteúdo não é preciso e
até mesmo pode conter inverdades.

Outro caso é aquele das notícias híbridas, quer dizer, matérias muitas vezes
corretas, mas atrapalhadas pela falsidade sensacionalista das chamadas. E
bastante conhecida a força que os títulos e as imagens têm para fisgar a
atenção dos usuários das redes. Não é senão ao poder das imagens que se
deve o enorme sucesso do Instagram. No caso dos títulos, quanto mais
sensacional ele for, mais atração produzirá. Portanto, mesmo um jornalismo
que se pretende confiável pode cair na armadilha da falsificação.

Há ainda o caso de jornalismo online apressado e mal fundamentado que


sofre da publicação de histórias não confiáveis, aquelas que não passaram
pela necessária verificação dos fatos. Muitas vezes isso resulta da competição
injusta, no sentido do ineditismo da notícia, entre um jornalismo que se quer
respeitável e as notícias levianas, mal fundamentadas que ganham as redes
com uma velocidade ímpar.

Em sua dissertação de mestrado, Reule (2008 apud AQUINO


BITTENCOURT e BECKER ALEXANDRE, 2018) apresentou uma
discussão avant la lettre sobre o funcionamento dos rumores, antes que eles
tivessem se tornado uma grande preocupação devido ao seu poder
proliferante que hoje fere os princípios da civilidade. Segundo a autora, os
rumores nascem de uma informação não confirmada e que pode causar
problemas graves quando sua falsidade se revela.

Há ainda o exemplo das mensagens que sâo construídas com algum engenho
para confirmar parcialidades e preconceitos. Seu alvo é sempre dirigido
àqueles que se regozijam no conforto da rigidez de seus modos de pensar e
sentir, como garantias para maneiras de agir imutáveis.
O tipo mais prejudicial nesse elenco falsificador encontra-se nas propagandas
intencionalmente enganadoras com a finalidade de promover pontos de
vista tendenciosos, quase sempre para alimentar causas e programas políticos.
De fato, a área mais afetada pelas NFs é inegavelmente a da política,
justamente esse campo de atuação e decisão de que dependem os destinos da
democracia nesta era do pós-digital. A democracia implica que as pessoas
estejam devidamente informadas sobre temas candentes de modo a serem
capazes de debater e tomar decisões.

Dentro da mesma linha de busca diferenciadora, Claire Wandle (apud


MERELES, 2017), apresentou sete tipos de notícias falsas que
devemos identificar nas redes: (a) sátira ou paródia que, embora não tenha
intenção de causar mal, tem potencial para enganar; (b) conteúdo enganoso
utilizado contra um assunto ou pessoa; (c) falso contexto quando um
conteúdo genuíno é inserido em um contexto falso; (d) conteúdo impostor
quando é colocado na boca de fontes pessoais ou coletivas informações que
não são suas; (e) conteúdo manipulado em que uma informação verdadeira é
manipulada para enganar o público; (f) conteúdo fabricado inteiramente falso
construído com o intuito de desinformar e causar dano.

A partir de ponderações bastante lúcidas sobre os usos e abusos a que a


expressão fake news vem sendo submetida, Frias Filho (2018, p. 43)
concluiu que essa expressão deveria ser compreendida como “toda
informação que, sendo de modo comprovável falsa, seja capaz de prejudicar
terceiros e tenha sido forjada e/ou posta em circulação por negligência ou má-
fé, neste caso com vistas ao lucro fácil ou à manipulação política.” O autor
completa com o apelo à prudência que exige “tudo indicar, isolar a prática,
diferenciando-a da mera expressão de pontos de vista falsos ou errôneos,
assim como do entrechoque de visões extremadas. Cabe também discernir
entre a divulgação ocasional de notícias falsas e sua emissão reiterada,
sistemática, a fim de configurar a má-fé” (ibid.).

O que se pode inferir das discussões levadas a cabo sobre o tema é que a
falsidade funciona em toda a sua potência propagadora porque as
pessoas tendem irrefreavelmente a se recolher dentro das bolhas de seus
preconceitos. Tornam-se, assim, presas fáceis de interesses dos quais nao
conseguem se dar conta. Por estarem retidas dentro de suas próprias cavernas
platônicas tornam-se incapazes de furar o bolsâo de suas crenças fixas para
enxergar algumas clareiras fora delas. Portanto, são as bolhas que expandem
o poder exercido pelas NFs. A rigor, as bolhas não são as causadoras diretas
das NFs. Elas as incubam e ajudam no seu processo de propagação. As
pegadas, que vamos deixando no uso que fazemos das redes, fornecem
insights valiosos tanto para o marketing quanto para as campanhas eleitorais.

Pesquisas para amparar ações eficazes


A pesquisa realizada por Vosoughi, Roy e Arai (2018) sobre “The spread oj
true and false news online” (A propagação de notícias verdadeiras e falsas
online) chegou a resultados curiosos que dão muito o que pensar. A proposta
foi a de investigar a distinção na difusão de notícias falsas e de notícias
verdadeiras no Twitter, de 2006 a 2017. O volume de dados recolhido foi
imenso e tratado com algoritmos de big data. A diferença entre o verdadeiro,
o falso e o meio falso/meio verdadeiro foi calibrada de acordo com a consulta
a agências de checagem de fatos. A pesquisa cobriu-se de justificativas pois,
segundo os autores, embora as NFs sejam muito comentadas com exemplos
ad hoc, faltam pesquisas empíricas sobre a facilidade com que elas se
espalham comparativamente às notícias verdadeiras. Mais do que isso: quais
os fatores relativos aos julgamentos humanos capazes de explicar essa
diferença?

Os autores começam com o diagnóstico de uma certa imprecisão na própria


definição de “news” (notícias) e avançam para a fluidez semântica daquilo
que é genericamente chamado de “fake news”, expressão que pode cobrir os
sentidos de notícias falsificadas, notícias falsas, rumores, cascata de rumores
etc. Além disso, o que é falso ou não acabou por perder muito de seu
significado sob a influência das estratégicas políticas de rotular suas próprias
tendências como confiáveis em detrimento das tendências contrárias. Por
isso, aproveitando-se de uma sutil diferença existente na língua inglesa,
passaram a usar “false news” em lugar de “fake news”. Trata-se de uma
maneira de colocar em relevo a veracidade das histórias que podem ser
verificadas como verdadeiras ou não. Esse relevo foi fundamental aos
procedimentos da pesquisa na medida em que a distinção nítida entre o
verdadeiro e o falso era crucial para a medição da quantidade e do tempo de
propagação de uma e da outra.

“News”, por sua vez, foram definidas de modo amplo. Em lugar de tomar
como ponto de partida as fontes institucionais, foram consideradas
como notícias tudo aquilo que é publicado assertivamente, no Twitter, como
sendo notícia, suplementado por fontes confiáveis. Rumores, por outro lado,
são inerentemente sociais e envolvem o compartilhamento entre as pessoas
com a alegação de ser notícia. Cascadas de rumores têm início quando uma
afirmação, tanto verbal quanto fotográfica ou por meio de um link, é feita
sobre um tópico desencadeando uma ou mais cascadas e criando um padrão
de propagação de rumores.

Sobre tais bases foi feita a investigação da difusão diferencial de notícias


verdadeiras, falsas e meio verdadeiras/meio falsas que assim foram
classificadas por terem sido submetidas à aferição de seis organizações de
checagem de fatos. Só então passaram pela metodologia quantitativa. Tudo
isso garantiu a confiabilidade dos resultados que foram sumariamente os
seguintes: política é a categoria que mais se propaga, seguida de lendas
urbanas, negócios, terrorismo, ciência, entretenimento e desastres naturais.

Quando as difusóes do verdadeiro e do falso foram comparadas, a falsidade é


significativamente difundida com mais rapidez, extensão, profundidade
e amplitude em todas as categorias. Quando foi estimado um modelo para
a probabilidade de se retuitar uma notícia, a falsidade é 70% mais provável
do que a verdade.

Para comparar o conteúdo emocional das respostas às notícias falsas e às


verdadeiras, os pesquisadores utilizaram o léxico curado pelo National
Research Council Canada, que apresenta 140 mil palavras associadas a oito
tipos de emoções: raiva, medo, antecipação, confiança, surpresa, tristeza,
alegria e desgosto. Então, os dados foram vetorialmente analisados de acordo
com esses oito tipos. A pesquisa já havia revelado que a novidade é um
grande chamariz para a propagação das notícias e que as notícias falsas
parecem sempre mais novas aos usuários do que as verdadeiras. Por isso
mesmo, nas NFs, a emoção vencedora foi a da surpresa, seguida pelo
desgosto e pelo medo. O espectro de emoções inspiradas pelas notícias
verdadeiras, por seu lado, varia entre grande tristeza, antecipação, alegria e
confiança.
Por fim, a pesquisa ainda revelou que os humanos são muito mais
responsáveis do que os robôs pela proliferação de notícias falsas. Não é
difícil supor que isso se dá porque os robôs não são acionados por emoções, a
grande gasolina que move o psiquismo humano. Ao final, os pesquisadores
aconselham que compreender como as notícias falsas se propagam é um
passo importante para saber como se livrar delas, uma tarefa substancial
quando se pensa que a verdade e a precisão estão implicadas em quase todas
as atividades humanas.

Como se livrar das NFs?


Existem sites especializados em auxiliar nos processos educativos contra as
NFs3. Neles pode-se encontrar uma lista de conselhos úteis, tais como: (a)
olhar com atenção e atentar para a confiabilidade das fontes; (b) ir além das
chamadas e reconhecer sinais de sensacionalismo; (c) procurar por outras
fontes; (d) verificar os fatos, sua data de publicação; (e) conferir se o
conteúdo afeta seus preconceitos; (f) reconhecer quando se trata de
brincadeira e conferir se vem de uma fonte piadista.

Conselhos não faltam. Mais ou menos similares aos citados acima, a


Federação Internacional das Associações e Instituições de bibliotecária
(IFLA) publicou algumas dicas para ajudar na identificação de NFs; (a)
considerar a fonte da informação; (b) ler além do título; (c) checar se os
autores existem e são confiáveis; (d) procurar fontes de apoio confirmadoras
das notícias; (e) checar a data da publicação, se está atualizada; (f) questionar
se não passa de uma piada; (g) revisar preconceitos afetando seus
julgamentos; (g) consultar especialistas em

busca de mais conhecimento sobre o assunto. Costa (2018, p. 13-14) também


apresenta uma lista de alertas para se evitar as armadilhas das FNs.

A organização Childnet4, ligada ao UK Safer Internet Centre levantou os


principais desafios que hoje se apresentam à luta contra as NFs: (a)
a desinformação que pode vir mascarada por um design e imagens
altamente atraentes; (b) o sensacionalismo dos caça-cliques; (c) o alvo direto
no perfil do usuário em função da bolha em que se insere; (d) NFs como
fonte para ganho financeiro.

A partir do levantamento desses desafios, o desenvolvimento de pensamento


crítico foi eleito como o antídoto mais eficaz contra os efeitos nefastos das
NFs. Além disso, métodos estão sendo buscados especialmente com alvo
no desenvolvimento da resiliéncia de um público infantil e jovem. Para isso,
o foco principal está voltado para a questão da confiança. Em quem confiar e
com que meios? Guias para professores na sua ação pedagógica foram
desenvolvidos com recursos adicionais, uma espécie de lista primeiros
socorros foi distribuída, a saber:

Sites de checagem: www.politifact.com ou www.snopes.com e para checar


imagens: Google Reverse Image Search.

Roteiro de como criar urna noticia falsa como demonstrativo de quão fácil é
realizar essa atividade: www.react365.com

Ensinamentos sobre o poder de manipulação da imagem: Safer Internet Day


2017 Education Packs.

As diferenças entre ver e acreditar: youth photography campaign

Felizmente, assistimos a uma multiplicação de sites internacionais e nacionais


dedicados à criação de antídotos à proliferação de NFs, cujos endereços para
consulta, são, por exemplo:

Fact Check: factcheck.org/

BBC Reality Check: bbc.com/news/reality-check

Channel 4 Fact Check: channel4.com/news/factcheck

A proximidade das eleições no Brasil e o perigo que corre da invasão de NFs


têm sido assunto contínuo de matérias jornalísticas. Pácete (2018), por
exemplo, apresenta algumas das plataformas em prol da checagem como Aos
Fatos e a Lupa, da Revista Piauí. Além disso, menciona o novo projeto do
Facebook, o Vaza, Falsiane\, curso online contra NFs voltado ao público em
geral. Outra iniciativa é “o desenvolvimento de um bot no Messenger que
orientará as pessoas sobre como trafegar no universo de informações na
internet para que elas próprias possam checar informações. O nome do bot é
Fátima - que remete a “FactMa”, abreviação de FactMachine” (ibid.).

Multiplicam-se os endereços em que a questão é colocada na ordem do dia.


Alguns deles, com comentários, podem ser encontrados no livro de
Ferrari (2018). Bastante recente é também o artigo de Aquino Bittencourt e
Becker Alexandre (2018, p. 146-149), no qual as autoras desenvolvem uma
discussão atualizada sobre instituições de checagem no Brasil, baseada em
um cuidadoso levantamento de fontes, recheado de links. Com sua mira na
política, há três agências no país realizando trabalho sério de verificação dos
fatos: Truco, Agência t Lupa e Aos Fatos. A primeira delas pertence à
Agência Pública, a segunda está encubada na Revista Piauí e a terceira é um
site.

Para organizar suas atividades de verificação, a Lupa estabeleceu uma


interessante classificação, uma peneira fina das gradações do verdadeiro ao
falso: (a) verdadeiro, a informação está comprovadamente correta; (b)
verdadeiro, mas ...a informação está correta, mas o leitor merece mais
informações; (c) ainda é cedo para dizer, a informação pode vir a ser
verdadeira, mas ainda não é; (d) exagerado, a informação está no caminho
correto, mas houve exagero; (e) contraditório, a informação contradiz outra
difundida antes pela mesma fonte; (f) insustentável, não há dados públicos
que comprovem a informação; (g) falso, a informação está comprovadamente
incorreta; (h) de olho, etiqueta de monitoramento (ibid., p. 147).

Essas três iniciativas são as únicas parceiras do Google no Brasil no projeto


que insere um selo de verificação das informações no Google Notícias,
novidade que chegou em fevereiro de 2017 ao país (GOOGLE BLOG, 2017).
Ainda, Pública, Lupa e Aos Fatos integram a International Fact-Checking
Network (IFCN), rede organizada pelo Poynteer Institute for Media Studies
que reúne as principais ações na área no mundo. Dentre as atividades da
IFCN estão o monitoramento do trabalho de checagem, a organização de
congressos para o debate do tema, a proposição de um código de conduta aos
checadores e a oferta de suporte, treinamentos e informações acerca dos
procedimentos de fact-checking aos seus membros, (ibid., p 148)

Além disso, as autoras chamam atençáo para outras ações jornalísticas


envolvidas na checagem de fatos no país, como aquelas desenvolvidas pela
Folha de S. Paulo, a Zero Hora e algumas em sites de notícias. A tarefa
é complementada por cursos gratuitos de capacitação para jornalistas e
outros interessados em procedimentos de checagem (ibid.). Existem ainda
práticas de aconselhamento e instruções voltadas para a sociedade, visando
criar sinalizações para evitar o descuido.

Quanto mais se aproximam as eleições de 2018 no Brasil, mais ações são


implementadas. No dia 28 de junho 2018, durante o Congresso
Internacional de Jornalismo Investigativo, realizado pela Associação
Brasileira de Jornalismo Investigativo, foi lançado o Comprova, ligado ao
First Drafi da Universidade de Harvard. Trata-se da junção de 24 veículos de
imprensa que atuam no Brasil, ▼ inclusive o Poder 360, que investigará a
desinformação online durante as eleições de 2018. Em 06 de agosto-2018, o
projeto promete publicar suas análises da desinformação nas redes. Essas
análises passarão por checadores de três redações distintas. A esperança é que
o Comprova adquira papel tão relevante a ponto de se tornar o primeiro lugar
que a pessoa vai olhar quando recebe um WhatsApp (RODRIGUES e
GOMES, 2018; LAGO e MONNERAT, 2018).

Pouco depois, em 30 de julho-2018, o G1 lançou a seção Fato ou Fake com o


propósito de alertar os usuários sobre conteúdos duvidosos nas
redes, esclarecendo sobre o que é notícia (fato) e o que é falso (fake). O
monitoramento promete ser diário e para a apuração dos fatos devem
participar equipes do Gl, O Globo, Extra, Época, Valor, CBN, GloboNews e
TV Globo. “Também haverá um “bot” (robô) no Facebook e no Twitter que
responderá o que é falso ou verdadeiro, caso o assunto já tenha sido
verificado pelos jornalistas da Globo. Além disso, por meio de um número de
WhatsApp, usuários cadastrados poderão ver os links das checagens
realizadas”5.

Em suma: iniciativas têm se multiplicado não apenas no Brasil como também


no restante do mundo. O que está em causa, no frigir dos ovos, são os riscos
de dissolvência dos princípios de civilidade, estes que se constituem em
valores magnos e que nao podem ser perdidos mesmo em um mundo no qual
todas as cartas do jogo estão embaralhadas. E preciso, portanto,
encontrar caminhos para que as cartas encontrem novas formas de
composição.

Boyd (2017) é bastante radical nos seus julgamentos. De fato, desde 2016, as
NFs se tornaram uma obsessão e os especialistas estão prontos para colocar
a culpa na estupidez humana. A pesquisadora, entretanto, considera
insuficiente o solucionismo em voga: mais especialistas são necessários para
rotular o falso, é preciso investir na educação para e nas mídias, as mídias
sociais têm a obrigação de deter a propagação das NFs. Ela não crê que isso
seja suficiente para segurar a avalanche. Além da rotulação do falso é preciso
ligar um sistema de alerta para o fato de que aquilo que está em questão é a
capacidade humana de fazer sentido, confiar e compreender o papel de cada
um e de todos em um mundo em metamorfose.

Tocando na mesma tecla, para Frias Filho (2018, p. 44), “o mais eficiente
anteparo contra as fake news - a melhor barreira de proteção da veracidade -
(C continua sendo a educação básica de qualidade, apta a estimular o
discernimento na escolha das leituras e um saudável ceticismo na forma de
absorvê-las”. Portanto, tanto contra as bolhas, que servem de alimento para as
FNs, quanto contra a sua cega disseminação não pode haver melhor proteção
do que o processo educativo pessoal, coletivo e público.

III Uma era da pós-verdade?


Em setembro de 2016, a matéria de capa da revista britânica The Economist
tinha como título “Arte das mentiras: Política pós-verdade na era das
mídias sociais”. A matéria colocava em discussão a campanha eleitoral do
praticante maior dessa arte, Donald Trump, e o plebiscito Brexit, este também
envolvido em uma torrente de notícias falsas. Com a palavra “pós-verdade”, a
revista pretendia colocar em “evidência o cerne do que há de novo na
política: a verdade já não é falseada ou contestada; tornou-se secundária”. No
passado, as mentiras políticas visavam criar “uma visão enganosa do mundo.
As mentiras de homens como Trump não funcionam assim. Seu intuito não é
convencer, e sim reforçar preconceitos”6.

Ora, onde os preconceitos proliferam? O título da matéria dá a resposta: nas


mídias sociais. Daí para frente, o adjetivo “pós-verdade” foi se tornando cada
vez mais popular para ganhar sua plena notoriedade após a vitória de Trump
em outubro de 2016. De fato, o uso da palavra cresceu 2,000% nesse ano
em comparação ao ano anterior, 2015. Não deu outra: a partir de uma
lista selecionada para capturar o ethos, o humor, as preocupações e para
refletir as principais tendências e eventos sociais, culturais, políticos,
econômicos e tecnológicos de 2016, “pós-verdade” (post-truth) foi escolhida
como palavra internacional desse ano pelo Dicionário Oxford
(OxfordDictionaries). O adjetivo foi eleito por denotar “circunstâncias nas
quais fatos objetivos são menos influentes na formação da opinião pública do
que apelos à emoção e à crença pessoal”. O nome deveria fazer jus àquilo que
o Dicionário chamou de doze meses “politicamente altamente inflamados”7.

O Dicionário chamava atenção para o fato de que o conceito de pós-verdade


não era novo. Já havia sido utilizado por Steve Tesich na revista The
Nation (1992) para se referir ao escândalo do Iran e da Guerra do Golfo,
lamentando que “como povos livres, livremente decidimos que queremos
viver em algum mundo de “pós-verdade”. Em 2004, Ralph Keyes publicou
um livro sob o título de The post-truth era.

A expressão "política da pós-verdade" parece ter sido cunhada por um


blogueiro, David Roberts, no dia 1 de abril de 2010 para nomear uma cultura
política em que a política propriamente dita, ou seja, a opinião pública e as
narrativas midiáticas se desconectaram inteiramente das policies, ou seja da
policy, ou seja, das feerrramentas pelas quais são debatidas, estruturadas e
implementadas as políticas públicas e, ao fim e ao cabo, a própria substância
da legislação em Estados democráticos de direito. (BUCCI, 2018, p. 27)

Para o Dicionário, por sua vez, a “pós-verdade” deve ser entendida em dois $
sentidos diferentes: de um lado, o significado “depois que a verdade tenha
se tornado conhecida”, de outro lado, o significado inaugurado pelo artigo
de Tesich, a saber, o fato de que a verdade se tornou irrelevante (ibid.).
Assim, no seu sentido expandido, o prefixo “pós” não mais significa apenas
“depois de um evento ou situação específica” como, por exemplo, na
expressão “pós-guerra”, mas também implica “um tempo em que um
conceito se tornou irrelevante ou sem importância”, com foi o caso de pós-
nacional, em 1945 (ibid.).

Essa distinção é bastante crucial quando se sabe quanta ambiguidade, com


teor inclusive político, existe em torno do prefixo “pós” desde os debates
sobre pós-moderno e pós-modernidade, especialmente nos anos 1980 (ver
HARVEY, 1989) e hoje em torno do pós-digital (ver SANTAELLA, 2016).
Na questão da pós-verdade, o presidente do Dicionário Oxford, Casper
Grathwohl, considerou que a munição para o seu advento é dada pelas mídias
sociais no seu papel de nova fonte de notícias e de crescente desconfiança nos
fatos veiculados pelo establishment, completando com a afirmação de que
não ficaria surpreso se “pós-verdade” viesse a se tornar uma das palavras
definidoras do nosso tempo, muito particularmente no seu sentido de “pós-
verdade política” (ibid.).

No extrato que foi publicado de seu novo livro 21 Lessons for the 21st
century\ aparece a seguinte declaração do famoso escritor Yuval Noah
Harari: “Nao importa o lado em que nos colocamos, parece que, de fato,
estamos vivendo em urna terrificante era da pós-verdade, quando não apenas
incidentes militares, mas historias e naçóes inteiras podem ser falsas”.
Entretanto, Harari relativiza esse desastre ao chamar atenção ao fato, para ele
inexorável, de que nos humanos

sempre vivemos em urna era da pós-verdade. 0 Homo sapiens é uma espécie


da pós-verdade, cujo poder depende da criação e crença em ficções. Desde a
era da pedra, mitos foram reforçados a serviço da união da coletividade
humana. Realmente, o Homo sapiens conquistou este planeta graças,
sobretudo, à habilidade humana única de criar e disseminar ficções. Somos os
únicos mamíferos que podemos cooperar com inúmeros estranhos
porque podemos inventar histórias ficcionais, espalhá-las e convencer
milhões de outros a acreditar nelas. Na medida em que todos acreditam nas
mesmas ficções, obedecemos às mesmas leis e podemos, então, colaborar
efetivamente (ibid.)

O autor complementa seu argumento com afirmações sobre situações 3


recentes em que cada nação cria sua própria mitologia nacional,
“enquanto movimentos como o comunismo, o fascismo e o liberalismo
desenvolveram elaborados credos autorreforçadores”. Cita, então, o exemplo
do grande mago das mídias na era moderna, o propangandista do nazismo,
Joseph Goebbels, cujo método pode ser sintetizado na seguinte frase: “uma
mentira dita uma única vez permanece como mentira, mas uma mentira
repetida milhares de vezes torna-se verdade”.

Idêntica lógica de fixação da ficção falsa opera no marketing e na


publicidade. A confiabilidade em uma marca depende da repetição incansável
da mesma história ficcional até levar as pessoas a se convencerem de que elas
são verdadeiras. A Coca Cola, por exemplo, por décadas investiu bilhões de
dólares para se aliar à ideia de” juventude, saúde e esportes - e bilhões de
humanos subconscientemente acreditam nessa aliança” (ibid., ver também
SANTAELLA, 2018b).

Harari tem razão quanto à existência e disseminação da mentira como fruto


do poder humano para criar histórias oportunistas, uma vez que a organização

das massas depende da crença em alguma mitologia. Contudo, ele não é o


primeiro nem o único a considerar a anterioridade do fenômeno da pós-
verdade. O que Harari deixa de considerar, pelo menos nesse extrato citado, é
o diferencial que se instalou na disseminação da mentira a partir do tsunami
das redes e dos aplicativos da internet: mentiras repetidas, compartilhadas
e comentadas milhões de vezes dissolvem todas as fronteiras que as separam
de uma possível verdade. Se assim for, a expressão “pós-verdade” merece,
antes de tudo, um escrutínio cuidadoso e prudente.

A pós-verdade no tsunami das fake news


Segundo Perosa (2017), as notícias falsas se transformaram em verdadeira
indústria de alta produtividade, tornando-se terreno fértil para o império da
pós-verdade. A autora menciona três fatores que colaboram para isso: (a) a
alta polarização política que trabalha contra o debate racional e o apreço pelo
-consenso até o ponto de colocar os nervos à flor da pele e causar
tumulto, principalmente em períodos de campanhas eleitorais; (b) a
descentralização da informação, que a internet distribui por muitos canais de
comunicação diferenciados, alternativos e independentes. Isso seria louvável,
caso muitos desses canais não se estreitassem em uma agenda política ligada
a tendências propagandistas e ideológicas, sem marcar seus compromissos
com a informação factual; (c) o ceticismo generalizado do público em relação
às instituições políticas e democráticas representadas pelo governo, os
partidos e a mídia tradicional. Esta última sofre constantes ataques das mídias
alternativas que a desqualifica como mentirosa e, principalmente, cooptada
com o sistema, o que alimenta o sentimento de desconfiança generalizada em
relação às mídias convencionais.

Quebraram-se, assim, para as pessoas, as instituições tradicionais não apenas


de transmissão de informação, mas também aquelas responsáveis pela
divulgação do conhecimento. Isso tem levado, por exemplo, ao extremo da
descrença na crise climática e até a aberrações lastimáveis como a da terra
plana de que resultam crenças parcialmente verdadeiras, majoritariamente
falsas até as redondamente falsas. Os ambientes cognitivos tornam-se de tal
maneira confusos e caóticos que fica muito difícil lidar e, porventura,
controlar a disseminação de pós-verdade cujo poder de proliferação aumenta
em situações ultrapartidárias, quando a veracidade ou a falsidade da
informação é o que menos importa (ibid.). Mesmo no caso de artigos com
alguma base na realidade dos fatos, os veículos ultrapartidários dão conta de
distorcer formando ecossistemas nebulosos quanto aos fatos, mas potentes na
inculcação confirmadora de crenças. E por isso que, para o professor do MIT,
Ethan Zuckerman, não basta checar os fatos. E preciso desmascarar os
interesses que estão em jogo por trás desses sites ou posts (apud PEROSA,
ibid.).

Isso tudo não revela outra coisa senão a crise de valores provocada, entre
outros fatores, pela sobredeterminação que a emoção exerce na
racionalidade humana, pela ausência do debate público e de formas de
consenso que as redes sociais pulverizaram, em suma, problemas que o ajuste
de algoritmos, por si só, não consegue resolver e que, ao fim e ao cabo,
evidenciam o sintoma maior, para o qual muitos especialistas têm chamado
atenção: o desfalque das democracias -representativas.

Fisher et al. (2017, 2018) desenvolveram pesquisas sobre o comportamento


humano em conversações politicamente polarizadas, de resto, um tipo
de comportamento que acaba por reverberar em quaisquer tipos de
conversação antagônica. A animosidade das divergências políticas tende a se
intensificar porque o crescimento das mídias transformou o modo de
consumir informação o qual se dá por meio de notícias personalizadas para
servir às preferências políticas da pessoa. Quanto mais o conteúdo induz à
indignação mais aumentam suas chances de se propagar naquilo que os
autores chamam de “ambientes tóxicos”, quer dizer, ambientes em que a
discussão não visa ao desenvolvimento de um argumento, mas sim, discutir
para ganhar.

Para analisar esses ambientes, os autores estabeleceram a diferença entre


questões para as quais existem respostas objetivamente certas e outras
que dependem, de um lado, de gosto, de outro, questões para as quais não
existe uma resposta correta única, pois elas dependem da opinião. Estas
podem ser opostas, sem que ninguém esteja exatamente errado. Tais
situações estão sendo empíricamente estudadas pela psicologia e pela ciência
cognitiva cujas conclusões em nível básico evidenciam a distinção entre
pessoas mais objetivistas e pessoas mais relativistas. Os primeiros tendem a
responder de uma maneira mais fechada, porque, se acreditam na
objetividade, julgam inócuo ouvir aqueles que pensam diferentemente, pois,
eles deverão, em princípio, estar errados.

Como teste dessa teoria, Fisher et al. (ibid.) fizeram experimentos nos quais
adultos participavam online de conversações políticas polarizadas sobre
temas polêmicos. Um grupo de participantes foi estimulado a discutir para
ganhar em um ambiente competitivo. O outro grupo foi encorajado a discutir
para aprender. Os resultados do primeiro grupo apenas confirmaram suas
certezas, enquanto, no segundo grupo, os resultados tomaram a direção da
compreensão. Entretanto, depois do experimento, a pergunta sobre crença em
uma verdade objetiva, que foi dirigida aos participantes de ambos os lados,
obteve como resultado que as pessoas “ficaram mais objetivistas após
discutirem para ganhar do que ficaram após argumentar para aprender” (ibid.,
p. 69). Assim, o modo de discussão adotado muda nossa compreensão acerca
de uma questão.

Quanto mais argumentamos para vencer, mais sentimos que há uma única
resposta objetivamente correta e que todas as outras estão equivocadas. Em
▼ contrapartida, quanto mais argumentamos para aprender, mais sentimos
que não há uma única verdade objetiva e que diferentes respostas podem
estar igualmente corretas (ibid.).

Ao fim e ao cabo, pesquisas experimentais chegam à oposição fundamental


que vem sendo debatida há anos pela filosofia da ciência: a oposição
entre objetivismo e relativismo. O recente aquecimento da pós-verdade não
poderia deixar incólume o campo da ciência, tanto é que discussões
controversas sobre o tema têm aparecido com nova frequência em periódicos
filosóficos e científicos.

A guerra na ciência
O ponto de partida para se compreender minimamente de onde vêm as atuais
controvérsias encontra-se na reviravolta provocada pela obra A estrutura das
revoluções científicas de Thomas Kuhn (1962) nas precedentes concepções
da história e filosofia da ciência. Antes de Kuhn, a ciência era concebida
como reunião de fatos, teorias e métodos, cujo desenvolvimento se dá de
forma gradativa, através de contribuições isoladas que vão se
adicionando cumulativamente ao estoque de conhecimento e técnicas
existentes. Assim, a história da ciência se preocupava com os obstáculos e
avanços no desenvolvimento científico, registrando autoria e cronologia de
descobertas e denunciando os erros, superstições e mitos que impediam uma
acumulação mais rápida do conhecimento. Foi justamente contra essa visão
linear e progressiva que a obra de Kuhn se insurgiu, produzindo uma
verdadeira revolução na historiografia da ciência.

A tese kuhniana, em síntese, é a de que o avanço científico ocorre por saltos,


ou seja, por episódios de desenvolvimento não-cumulativo, nos quais
as realizações científicas universalmente reconhecidas entram em crise,
sendo substituídas total ou parcialmente por outras, que se mostram
incompatíveis com o que antes era aceito como inquestionável. As
realizações científicas universalmente reconhecidas podem ser
compreendidas sob o nome de paradigmas, e os episódios de
desenvolvimento não-cumulativo que colocam esse -reconhecimento em
crise, como mudanças de paradigma. O termo paradigma suscitou muitas
discussões que levaram Kuhn a substituí-lo por “matriz disciplinar”.

Sem entrarmos na discussão do imenso impacto e das controvérsias


provocadas pela obra de Kuhn, para os nossos propósitos basta colocar ênfase
no fato de que sua tese acabou por evidenciar, para além das
preocupações epistemológicas, a interpenetração da ciência nas dimensões
históricas, sociológicas e psicológicas. Desse modo, a obra acabou por
reverberar nas discussões sobre relativismo que tomaram conta dos debates
sobre pós-modernidade dos anos 1970 em diante (ver RORTY, 1991). Assim,
no campo da sociologia da ciência, desenvolveu-se uma corrente de
pensamento que ficou conhecida como Ciência, Tecnologia e Sociedade
(CTS) a qual tem se aproveitado do pensamento de Kuhn, nem sempre com
muita fidelidade. Para a CTS, “fenômenos como globalização, nova
economia, sociedade de risco e a própria relação da humanidade com o
entorno natural só se entendem quando

forem postos em relação com as atuais condições do processo tecnocientífico


e com os marcos de poderes, interesses e valores em que se
desenvolvem” (BAZZO, ed„ 2003).

O que se tem aí é uma corrente de pensamento que concebe a ciência e o


desenvolvimento tecnológico sob o ponto de vista dos efeitos sociais que
eles provocam e das causas que os determinam. Isso explica a pouca
fidelidade que mantém com o pensamento de Kuhn e outros filósofos da
ciência, como Lakatos e Feyerabend, por exemplo. Estes conhecem a ciência
por dentro e, sem negar a historicidade de seus processos, são capazes de
penetrar nos procedimentos, protocolos, métodos e justificativas constitutivos
dos atributos que são próprios da ciência e que um olhar de fora não dá conta
de captar.

Por isso mesmo, o verdadeiro ou falso na ciência é uma questão a ser


resolvida internamente e não por critérios que lhe são estranhos. Vem daí
a crítica que Oliveira (2018) disfere contra o movimento CTS e suas posições
leve ou intensamente relativistas em oposição ao possível objetivismo da
ciência.

A CTS não se destaca pela coesão, dividindo-se em várias linhagens em


disputa. Para nossos propósitos, é suficiente caracterizá-la em termos gerais,
dizendo que nela predominam, de uma forma ou de outra, posições
relativistas, antirrealistas e irracionalistas. Relativistas porque negam o
caráter objetivo do conhecimento científico, e desconstroem a ideia
de verdade, passando a admitir o uso do termo apenas entre aspas. 0
antirrealismo figura da maneira mais direta e explícita na vertente
construtivista, centrada na tese de que não apenas o conhecimento científico é
uma construção social (o que ninguém de bom-senso contesta), mas também
que o objeto do conhecimento, os fenômenos que a ciência procura explicar,
são construções sociais. 0 irracionalismo, por sua vez, consiste na
interpretação do desenvolvimento da ciência não como um processo dotado
de certa racionalidade, mas como uma disputa de interesses, cujo resultado é
fruto da correlação de forças, (ibid.)

Aquele que o movimento tomou como um de seus arautos mais prestigiosos


foi Bruno Latour, autor que se notabilizou pela defesa de que fatos não
existem em si, mas são construídos por comunidades de cientistas. Contudo,
em 1994, o biólogo Paul Gross e o matemático Norman Levitt acusaram
Latour e outros sócio-contrutivistas pelo descrédito na profissão do cientista e
pela obstrução da confiança na ciência. A acusação acionou um debate sob o
nome de “Science Wars” (Guerras da Ciência) que durou anos (VRIEZE,
2017).

O debate acirrou os ânimos e, entre outras coisas, conduziu à exacerbação do


relativismo, à desconstrução da ideia de verdade na ciência e consequente
perda de sua credibilidade até o ponto da “proliferação de teorias
conspiratórias e lendas urbanas envolvendo total desrespeito pelas
evidências” (OLIVEIRA, ibid.). Diante disso, Latour deu alguns passos para
trás, ao reconhecer que a crítica da ciência forneceu munição a um
pensamento anticientífico. Felizmente, as reconsiderações de Latour se deram
antes que o CTS começasse a ser tomado como antecessor da era da pós-
verdade ou conforme foi muito bem lembrado por Oliveira: “Não seria o CTS
um movimento pós-verdade avant la lettré! Não terá servido de apoio para o
negacionismo do clima?”

Em entrevista recente sobre o tema concedida a Vrieze (ibid.), Latour afirma


que é preciso reganhar a autoridade da ciência. Na situação atual, os
cientistas devem reaver sua respeitabilidade. Entretanto, isso ainda implica
“apresentar a ciência em ação. Concordo que seja um risco, porque tornamos
as incertezas e controvérsias explícitas”.

O contexto está aquecido e os especialistas se preocupam com o papel que o


desprezo à ciência pode estar desempenhando para a constituição de uma era
da pós-verdade. Prova disso é o editorial intitulado Post-truth? em uma das
revistas mais importantes no campo da CTS, de punho do próprio editor,
Sergio Sismondo (2017), no qual ele reivindica que a CTS não pode
ser responsabilizada pelo surgimento da política da pós-verdade. Os debates
internos desse movimento acerca da natureza do conhecimento não têm nada
a ver com essa política. Mesmo assim, a clima político atual exige, mais do
que nunca, análises empíricamente informadas sobre a expertise científica e a
forma de vida da ciência (COLLINS et al., 2017).

Contraditoriamente, há autores que defendem veementemente a intimidade da


ciência com a pós-verdade. E o caso do enfant terrible da CTS, Steve
Fuller, que se intitula filósofo pós-moderno e tem publicado artigos mais
opinativos do que argumentativos nos quais atira pedras contra a ciência. O
artigo sob o título de “Science has always been a bit post-truth” (A ciência
sempre foi um pouco pós-verdade), publicado no The Guardián, tem início
com uma interpretação tendenciosa de Kuhn e continua com boutades do
tipo: “o que aproxima da pós-verdade a concepção kuhniana da ciência é que
a ciência não é mais o árbitro do poder legitimado, mas muito mais a máscara
da legitimidade que é vestida por todos que perseguem o poder” (FULLER,
2016).

Em um outro artigo ainda mais incisivo, sob o título de “In defense of post-
truth” (Em defesa da pós-verdade), Fuller (2017) lança seus ataques contra os
filósofos, ao declarar que “os filósofos veem a verdade por aquilo que ela é:
o nome de urna marca sempre em busca de um produto que todos sâo
compelidos a comprar”. E por isso que “os filósofos apelam para a verdade
quando tentam persuadir não filósofos, estejam eles em tribunais ou em salas
de aula”, continua o autor para completar com a afirmação de que “a verdade
acaba sendo qualquer coisa que é decidida pelo juiz que está no poder no
caso em questão”.

Evidentemente tais pontos de vista não poderiam passar despercebidos aos


praticantes e aos filósofos da ciência. Afinal, quando Foucault aliou o saber
ao poder, conforme será discutido mais à frente, ele não reduziu o
saber inteiramente ao poder. Em meio a numerosos artigos que vêm
colocando a pós-verdade em discussão no campo da produção de
conhecimento9, Baker e Oreskes (2017a, 2017b) responderam aos
pronunciamentos de Fuller, no contexto de uma crítica ao conceito da ciência
como jogo, conceito este comumente empregado nos estudos teóricos da
ciência.

No artigo sob o título de “Ai no game: Post-truth and the obligations


ofscience studies” (Não é jogo: Pós-verdade e as obrigações dos estudos da
ciência) Baker e Oreskes defendem que “caracterizar a ciência como jogo é
epistemológica e politicamente problemático, (...) pois nega a caráter público
do conhecimento factual sobre um mundo comumente acessível”. Pior que
isso, tal caracterização não permite, de um lado, a crítica a argumentos
científicos, de outro, a possibilidade de ação coletiva construída no
conhecimento público. Contra isso, a ciência deve usar de modo confortável
conceitos como verdade, fatos, a realidade lá fora e a aceitação de que a
avaliação de reivindicações do conhecimento deve necessariamente implicar
julgamentos normativos. “Padrões normativos são indispensáveis em um
mundo no qual os resultados das interações dentro das comunidades
científicas importam imensamente às pessoas que estão fora dessas
comunidades”. Quando termos avaliativos como “legitimidade,
desinformação, precedência, evidência, adequação, reprodutibilidade, natural
vs sobrenatural e, sim, verdade” são relativizados e esvaziados de sentido, o
vencedor nesse jogo particular é quase sempre o status quo do poder. Por isso
mesmo, “para a política democrática contemporânea, a ciência importa”
(ibid., 2017a).

Oliveira (2018) termina seu artigo com ponderações prudentes ao afirmar


que, embora tenha partido da hipótese plausível de que a CTS tenha
contribuído para o advento da pós-verdade, isso não significa que a hipótese
seja verdadeira. “Outra hipótese é a de que o relativismo da CTS e o
fenômeno da pós-verdade sejam ambos frutos de um processo histórico mais
profundo”. Por isso, o autor deixa a resposta em aberto, lançando a decisão
para necessárias investigações futuras mais amplas sobre o tema.

IV A reivindicação da verdade no
jornalismo
Sempre foi tarefa precipua do jornalismo reivindicar para si a veracidade dos
fatos noticiados, fatos no sentido de acontecimentos existentes, quer
dizer, situações que ocorreram ou estão ocorrendo. Diante da torrente de
notícias, muitas vezes enganadoras, que hoje engrossa e viaja a velocidades
inéditas pelas redes, essa tradicional tarefa do jornalismo veio à tona com
força jamais vista. Contudo, não faltam críticos que têm alertado para falhas
cometidas pelo jornalismo convencional, esse mesmo jornalismo que hoje
aponta dedos acusatorios para as redes sociais como se o seu próprio passado
não apresentasse máculas.

Tirando proveito do seu vasto conhecimento histórico, Harari (2018) não


poupou comentários sobre mentiras, nada mais, nada menos do que
mentiras, que foram sustentadas pelo jornalismo institucional, antes que as
redes ocupassem o centro das atenções. Basta citar, por exemplo, o caso
notório de Saddam Hussein que envolveu nações devidamente apoiadas por
notícias proclamadas como verdadeiras. Com menos fleuma do que aquela
que Harari costuma apresentar, Clark (2016), visivelmente irritado, apontou
para essa mesma questão do Iraque, mentira que não foi “criada, disseminada
e repetida por 'blogueiros obscuros’ e ‘nova mídia’, mas por políticos
ocidentais da mais fina estirpe, de partidos ‘sérios’, e ‘especialistas’
aprovados pelos altos padrões de seriedade e respeitabilidade a serviço de
BBC/ITV/CNN etc., e colunistas de jornal os mais ‘sérios’ e ‘respeitáveis’
dos veículos mais idem e idem”. Em suma,

As mesmas pessoas - políticos, jornalistas, "especialistas", mercenários ativos


em várias áreas - que disseminaram tantas falsas notícias por tanto tempo e
que ainda vivem incorporados no establishment político e nas mídia-
empresas ocidentais, mesmo depois dos fracassos no Iraque e na Líbia,
puseram-se agora a espernear contra "mentiras", pela suficiente razão de que
já não controlam a narrativa, como antes, (ibid.)

Alguns dos autores que assinaram artigos no dossiê da Revista Usp 116
(2018), dedicado ao tema da pós-verdade e o jornalismo, náo deixam
de relembrar justamente casos pregressos do jornalismo institucional situados
longe da veracidade dos fatos. Genesini (2018, p. 48) aponta para a
ingenuidade daqueles que sustentam que as notícias falsas são responsáveis
por estarmos vivendo em um mundo pós-verdadeiro. “O real é que tal mundo
nunca existiu. A impossível e improvável expectativa de que algum dia as
notícias falsas desaparecerão não trará de volta o nirvana de uma verdade
perdida que nunca houve”.

Imprecisões entre a verdade e a inverdade


Ademais, o que é verdade vs o que é inverdade não admite precisão similar
àquela do dois mais dois são quatro. Por isso mesmo, Claire Wardle, diretora
de pesquisa do First Draft, instituto ligado à Universidade de Harvard,
prefere não usar o termo fake news, porque, segundo ela, ele não dá conta da
complexidade da questão. Prefere por isso utilizar a palavra disinformation
“(informação maliciosa), criação deliberada de mentiras para atingir um
objetivo; e misinformation (desinformação), o compartilhamento impensado
de informação falsa” (apud LAGO e MONNERAT, 2018). Wardle duvida da
busca de legislação sobre o tema das notícias falsas, dado o amplo espectro
do problema. Antes de tudo, é preciso enfrentar o desafio da definição, pois
não se pode legislar quando não se tem clareza sobre o que significa
desinformação e conteúdo enganoso. E muito raro termos “absoluta certeza
de que algo é verdade e 100% de certeza de que algo é completamente falso”.
A maior parte do conteúdo, que Wardle chama de “desinformação em forma
de notícia “é do tipo que induz ao erro”, sem que tenha sido estritamente
fabricado (ibid.).

Genesini (2018, p. 55) entra no mesmo coro, opinando que a saída não é
exigir que haja mais intervenção e regulação de autoridades externas.
“Aceitamos como razoável quando o controle começa, mas nunca sabemos
onde e quando acaba. O risco de transformar-se em censura e cerceamento à
liberdade de expressão é real e sempre presente”.

Chapman (apud SUDHIR, 2017) também comenta que está se tornando cada
vez mais difícil distinguir entre fato e opinião já que, nas redes, o relato
dos fatos comumente fica mesclado a inserções de pessoalidade e marcas
de subjetividade disfarçadas ou explícitas que só os especialistas em análise
do discurso podem diagnosticar com agudeza. Realmente, como lembra
Genesini (ibid., p. 52), a questão crucial é intrincada. “A parte da ‘verdade’
que pode ser efetivamente verificada, preto no branco, é pequena. A verdade
efetivamente factual é, feliz ou infelizmente, limitada e incapaz de refletir
aspectos relevantes da realidade”. Mais do que isso:
Fica clara a dificuldade em carimbar muitas afirmações taxativamente de
verdadeiras e falsas. Muitos enunciados têm contexto, têm timing, têm
subtextos, usam números e estatísticas como argumento para sustentar um
ponto de vista. Em alguns casos é possível ser exato. Em muitos outros, o
trabalho de checagem é muito mais de análise e agregação de
informações que um veredito final (ibid., p. 53).

As sutilezas não param aí. Comentando comparativamente sobre a imprensa e


o Judiciário, Mesquita (2018, p. 37) afirma que é possível “não denunciar
um culpado e ignorar um fato existente sem ser necessariamente acusado de
mentir”. Uma denúncia levada a uma redação não pode ser escondida
impunemente, “mas pode-se facilmente escolher a quais dossiês dar-lhe ou
não ‘acesso’ e, uma vez dentro das redações, decidir quais serão publicados,
cercados ou não de todos os emocionantes recursos de son et lumière
possíveis”. Tudo isso porque as linguagens humanas e as ações a que elas nos
conduzem são ardilosas. E isso que a continuidade dos comentários de
Mesquita (ibid., p. 37) a seguir nos revela:

Pode-se fazer minguar uma culpa muito grande falando baixo e pouco dela
ou inflar uma culpa muito pequena falando alto e insistentemente nela. Pode-
se "relacionar", "envolver" ou "ligar" fortemente alguém a alguém mesmo
que essa ligação seja tênue e fortuita, com a mera justaposição de matérias.
Pode-se descontextualizar um fato para fazê-lo parecer o que não é, condenar
à não existência midiática alguém que vive de voto, brincar com a
inversão da relevância do que alguém disse ou deixou de dizer até fazer do
sujeito o avesso de si mesmo. Pode-se promover o linchamento moral de
quem não declamar pela cartilha "correta" até que a mentira deixe de ser uma
questão moral e se transforme numa questão de sobrevivência.

Além disso, de fato, a precisão absoluta da linguagem em relação àquilo que


ela se refere é impossível. Isso nos faz lembrar da lógica da vagueza que
foi desenvolvida por Charles Sanders Peirce (ver SANTAELLA, 2010, p.
339-368).

A inelutável vagueza das linguagens

A lógica proposicional, com suas tabelas do verdadeiro e falso, buscou


domesticar a imprecisão, a indeterminação, a incerteza, a vagueza e
a ambiguidade que são inalienavelmente constitutivas das línguas naturais
e provavelmente, em alguma medida, também constitutivas de quaisquer
outros sistemas de linguagens, visuais, sonoros e audiovisuais.

Embora o pensamento de C. S. Peirce tenha estado plantado na lógica, trata-


A se de uma lógica de tipo especial, a lógica semiótica, segundo a qual a
vagueza " não é meramente uma opacidade de superfície. Ela está no núcleo
da língua e das linguagens, na própria essência do pensamento. Peirce negou
que a vagueza seja devida a um defeito da fala, dos signos ou do pensamento,
pois além de ser epistêmica e lógica, a vagueza é também objetiva, pois a
própria realidade também é irredutivelmente geral e vaga. Há, pelo menos,
duas fontes da vagueza: (a) aquela que deriva da indeterminação de nossas
crenças e hábitos; (b) aquela que deriva do real e de sua mutabilidade
constante.

E da natureza de toda linguagem apresentar, indicar ou representar algo. Mas


a linguagem só funciona como tal quando encontra um intérprete responsável
por um ato interpretativo que instaura uma relação comunicativa. E por isso
que a vagueza, como uma das figuras da indeterminação, só poderia
ser erradicada, como quer a lógica simbólica, quando os termos e expressões
são arrancados do terreno da vida dos signos, vida que viceja nos
processos interpretativos em intercursos comunicacionais.

Conclusão: nenhuma comunicação entre indivíduos pode se livrar da


vagueza, pois estamos destinados a interpretar e a interpretação sempre
envolve nossos desejos e seus conflitos. Não há signos seguros na
comunicação, pois eles envolvem sugestões, adivinhações e negociações de
sentido. Nas palavras de Peirce:

Nenhuma comunicação de uma pessoa a outra pode ser inteiramente definida,


isto é, não-vaga. Podemos razoavelmente esperar que os fisiologistas poderão
algum dia encontrar os meios de comparar as qualidades dos sentimentos de
uma pessoa com os de uma outra pessoa, de modo que não seria justo insistir
sobre suas incomparabilidades como uma inevitável fonte de mal-entendidos.
Além de que isso não afeta o propósito intelectual da comunicação. Mas
qualquer que seja o grau ou qualquer outra possibilidade de variação contínua
que subsista, precisão absoluta é impossível. Muito mais do que isso deve ser
vago, pois nenhuma interpretação que uma pessoa tem das palavras baseia-se
na mesma experiência de outra pessoa. Mesmo nas nossas concepções mais
intelectuais, quanto mais lutamos para sermos precisos, mais inatingível a
precisão parece (CP 5.506).

Discorrer sobre a vagueza constitutiva de toda linguagem e


consequentemente de todo ato comunicativo, como na passagem acima,
não deveria, entretanto, levar ao extremo de negar a objetividade de que a
linguagem também é capaz. Uma negação extremada encontra-se, por
exemplo, na declaração de uma das curadoras da Bienal de São Paulo-2018,
Sofia Borges (apud SALLES, 2018, p. 16), quando afirma ter, por anos,
procurado “através da imagem, desvendar o estado de representação das
coisas até que entendi se tratar de uma questão sem solução”. A partir disso a
curadora conclui que “a linguagem é em si trágica, porque ambígua, e não se
pode usar uma matéria para falar de outra”.

Embora, de fato, toda linguagem, verbal, visual, audiovisual, seja portadora


de algum grau de ambiguidade, a questão não é tão insolúvel quanto
poderia parecer. Aliás, é disso que a semiótica trata para nos ajudar a
compreender que cada tipo de linguagem, no caso a imagem, tem um modo
de referência, de significação e de interpretação que lhe é próprio. Desse
modo, a fotografia não significa do mesmo modo que o discurso verbal, o
poder de significação de um gráfico é distinto daquele de um desenho, e
assim por diante.

Afinal, toda linguagem fala direta ou indiretamente, explícita ou


implicitamente de algo. Há aí uma relação objetiva, embora sujeita à
vagueza, pois é impossível a precisão exata nessa relação. Conforme será
melhor explicitado mais à frente, a relação entre a linguagem e aquilo a que
ela se refere pode variar, principalmente, entre ser uma relação de
possibilidade, uma relação existencial ou factual e uma relação de lei ou
baseada em convenções, o que traz consequências para o seu modo de
significar e de ser interpretada. E de uma relação existencial, por exemplo,
que trata o magnífico ensaio de Hannad Arendt, “Verdade e política” (1972,
p. 282-325) ao versar sobre a verdade factual, ou melhor, a verdade dos fatos.
Nesta proclamada era da pós-verdade, é imprescindível a oportunidade de se
voltar para esse texto de Arendt, como foi devidamente lembrado por
Genesini (2018, p. 57) quando afirma que

a maioria das fake news não pode ser classificada simplesmente como falsa
ou verdadeira. 0 que pode reduzir seu efeito danoso são análises e pontos de
vistas diversos e bem fundamentados. Não há pessoa ou instituição que faça
isso com mais autoridade e mérito do que o bom - e mesmo o médio e
medíocre jornalismo. Portanto, a solução para o problema das fake news e do
Facebook não é menos, mas é mais jornalismo. Hannah Arendt, se estivesse
viva, certamente concordaria.

Aí está uma afirmação irrecusável quando se sabe que o jornalismo é o 3


responsável mais legítimo pelo campo ou atividade humana que lida com
um tipo específico de semiose ou processo de significação que tem, na
existência dos fatos, dos acontecimentos, das ocorrências vividas, seu objeto
de referência, de registro e de interpretação. Foi justamente isso que Arendt
(ibid.) tratou sob o nome de “verdade factual” e que Bucci (2018)
competentemente discutiu à luz da questão da pós-verdade, conforme será
tratado no próximo capítulo10

V A verdade fatual e o jornalismo


No texto sobre “Verdade e política” (1972, p. 282-325), Arendt discute a
questão da verdade, nas suas relações com a política, em dois eixos
principais: (a) a verdade racional e a verdade factual; (b) a verdade e a
opinião. A autora não propõe discutir a legitimidade intrínseca do primeiro
eixo, pois sua intenção é “descobrir que dano é o poder político capaz de
infligir à verdade” (ibid., p. 287). Assim, por verdade racional é entendida
aquela que é produzida pela mente humana na matemática, na ciência, na
filosofia até às espécies comuns desse tipo de verdade. A verdade factual, por
sua vez, é aquela que está mais sujeita aos assédios do poder. Portanto é esta
que será objeto de discussão na maior parte de seu texto.

Se tomarmos por base alguns elementos da semiótica de Peirce, ou seja, sua


classificação dos modos de ser das linguagens, que ele chama de processos
de signos ou semioses, estes apresentam-se sob três grandes modos de
referência: a apresentação, a indicação e a representação (ver NOTH e
SANTAELLA, 2018, p. 35-90). O primeiro modo, que chamo de
apresentação, é mais característico da arte e da literatura, e está ausente da
discussão de Arendt. Os outros dois, a saber, a indicação e a representação,
ajustam-se com justeza ao modo de ser da fatualidade e da racionalidade
repectivamente, correspondendo, portanto, à verdade factual e à verdade
racional. Deixarei o primeiro modo, o da apresentação, que levaria a uma
espécie de verdade do possível, característico da arte e literatura, e o modo da
representação, que é próprio da ciência e da filosofia, para serem tratados no
capítulo 6. Com isso, o presente capítulo estará dedicado ao
acompanhamento das idéias de Arendt, que buscarei fortalecer com as noções
semióticas relativas à potência indiciai daquilo que Arendt chama
de “verdade fatual”, tendo em vista evidenciar a relação desse tipo de verdade
com o jornalismo. “Nenhuma permanência, nenhuma perseverança da
existência podem ser concebidas sem homens decididos a testemunhar aquilo
que é e que lhes aparece porque é”, diz Arendt (ibid., p. 285). Compreendo
que esses homens são os jornalistas, por profissão e por vocação.

0 que é verdade fatual


Enquanto, na ciência, o contrário de uma asserção tida como racionalmente
verdadeira é fruto do erro ou da ignorância, e, na filosofia, é ilusão ou
opinião, “a falsidade deliberada, a mentira cabal somente entra em cena no
domínio das afirmações fatuais”. Arendt mal podia supor a que ponto a
mentira organizada seria levada hoje, com as redes sociais, a desempenhar
seu papel de arma adequada contra a verdade factual. Mas afinal, o que é a
verdade factual? Podem os fatos existirem independentes da interpretação e
da opinião? Arendt está ciente da impossibilidade da determinação dos fatos
sem interpretação, “visto que é mister colhê-los de um caos de puros
acontecimentos (e decerto os princípios de escolha não são dados fatuais) e
depois adequá-los a uma estória que só pode ser narrada em uma certa
perspectiva, que nada tem a ver com a ocorrência original”. Todavia, isso não
pode constituir argumento “contra a $ existência de matéria fatual, e
tampouco pode servir como uma justificação para apagar as linhas divisórias
entre fato, opinião e interpretação, ou como uma desculpa para o historiador
manipular os fatos a seu bel-prazer” (ibid., p. 296).
Para essas afirmações, a semiótica lhe dá respaldo. Fatos constituem-se em
objetos de referência das semioses indexicais. O que isso quer dizer? Há
signos indiciais genuínos, como um dedo apontando, uma fotografia não
manipulada, um sinal vermelho, uma chamada de alerta. Que tipo de signo é
esse? E aquele que está em uma conexão existencial com seu objeto de
referência. Ele, de fato, aponta para algo que está ou esteve lá, constituindo-
se assim uma relação dual, de fato existente no tempo e no espaço, entre o
signo e seu objeto. Mas existe também um outro tipo de indexicalidade que é
chamada “designativa” quando o discurso verbal ou misto (acompanhado ou
náo de imagens) tem como objeto de referência um acontecimento, uma
situação, uma ocorrência que existiu no tempo e no espaço. O objeto a que o
discurso se refere não é fruto da imaginação ou dos humores de quem
enuncia o discurso. Nem é fruto da abstração racional. Ao contrário, aquilo a
que o discurso se reporta, de fato, existiu, aconteceu no fluxo do tempo e em
um corte do espaço, produzindo efeitos reais no mundo da natureza e dos
homens. Esse é o campo semiótico que é precipuo do jornalismo e, então, do
historiador.

Embora todo discurso seja por natureza interpretativo e traga, mesmo que
involuntariamente, marcas da pessoalidade de quem o enuncia, o fato,
o acontecimento, a situação a que o discurso se reporta são
indestrutíveis. Inegavelmente, ocorreram. A tarefa do jornalismo é reportar,
trazê-los à luz por meio de interpretações tanto quanto possível lúcidas. Mas,
infelizmente, a verdade dos fatos pode ser tripudiada, vilipendiada,
manipulada até se converter em mentira deslavada. E por isso que não passa
de idiotice proclamar a existência de fatos alternativos, como quis a
conselheira de Trump, a Sra. Kellyanne Conway que, diante da chuvarada de
críticas, corrigiu a tolice por “fatos adicionais ou informação alternativa”.
Fatos adicionais sempre há. Quanto à informação alternativa, a questão é
mais complexa, pois depende do recorte da realidade que é selecionado e que,
muitas vezes, pode deliberadamente levar a distorções. O que é ainda mais
complexo e precisa ser considerado é que toda ocorrência ou situação
existente atualiza uma dentre outras potencialidades 3 inerentes. Para Arendt,
os fatos são contingentes porque poderiam sempre ter sido diferentes. Mas,
uma vez dada a ocorrência, trata-se de fait accompli (fato consumado). Não
há como mudar o passado a bel prazer a não ser pela mentira ou pelas falhas
da memória.
Por isso, “a marca distintiva da verdade fatual consiste em que seu contrário
não é o erro, nem a ilusão, nem a opinião, nenhum dos quais se reflete sobre
a veracidade pessoal, e sim a falsidade deliberada, a mentira”. Não se pode
negar que o erro também é possível no que diz respeito à verdade factual.
Afinal, errar é humano, como professa o falibilismo que rege a filosofia
peirciana, o que não

significa que, por isso, tenhamos que abandonar a busca da verdade. Ao


contrário, significa aumentar o rigor dessa busca. “O problema é que,
com relação a fatos, há uma outra alternativa, e esta, a falsidade deliberada,
nao pertence ao mesmo gênero que as proposições, as quais certas ou
equivocadas, não pretendem nada mais que dizer o que é ou como alguma
coisa que é me parece” (ibid., p. 308). O mais importante nisso tudo é bem
lembrado por Arendt (ibid., p. 318) quando afirma que

o resultado de uma substituição coerente e total da verdade dos fatos por


mentiras não é passarem estas a ser aceitas como verdade, e a verdade ser
difamada como mentira, porém um processo de destruição do sentido
mediante o qual nos orientamos no mundo real -incluindo-se entre os meios
mentais para esse fim a categoria de oposição entre verdade e falsidade.

O que tudo isso me leva a advogar, apoiada em Arendt, é que existe urna
verdade fatual, ou seja, há uma correspondência que deve ser buscada, na
medida do possível, entre os acontecimentos e os discursos que os reportam.
Uma correspondência que precisa ser rigorosamente buscada a despeito dos
ardis da linguagem. Caso contrário, o jornalismo e a historiografia perderiam
sua razão de ser e as interpretações não passariam de um troca-troca de jogos
de linguagem. Embora os jogos sejam constitutivos dos discursos, todo
discurso está determinado por aquilo que ele visa reportar. No caso da
verdade fatual, que podemos também chamar de semiose indiciai, aquilo que
é reportado, de fato, aconteceu no mundo dos vivos. E quando o discurso
ignora, desrespeita, distorce, manipula os fatos, entramos, sem dúvida no
universo da pós-verdade. Isso significa que, para responder à questão
colocada no título deste pequeno " livro, no campo da verdade factual, a pós-
verdade é e sempre foi verdadeira. Quer dizer, deve haver uma verdade,
aquela dos fatos ocorridos, que as fake news estão hoje levando à derrocada,
o que legitima a denominação de “pós-verdade”.
E por isso que existe hoje tanto movimento voltado para a checagem dos
fatos, justo porque eles existem. Alguns têm considerado que as
inúmeras instituições voltadas para essa atividade representam uma espécie
de revanche do jornalismo convencional contra as redes sociais. Se levarmos
em conta que a verdade fatual tem por base um dado de existência, tal
julgamento não convém.

Pouco importa se a checagem dos fatos vem do jornalismo tradicional, do


jornalismo digital, de instituições convencionais, de ongs ou de qualquer
fonte que seja. O que elas representam, na realidade, é a defesa da verdade do
próprio jornalismo. Quando essa verdade é vilipendiada, entramos,
certamente, no campo da pós-verdade. Portanto, quando se trata do
jornalismo, não custa repetir, a resposta à pergunta proposta no título deste
livro é: sim, a pós-verdade é verdadeira. Não se pode dizer o mesmo em
outros tipos de semiose, conforme será discutido no próximo capítulo. Tendo
a verdade factual esclarecida, podemos passar para um outro tópico
importante no texto de Arendt: a relação entre a verdade e a política.

A verdade na cena da política


Arendt abre o seu artigo com uma afirmação ao mesmo tempo perturbadora e
indubitável. Para ela, não se pode colocar em dúvida “que verdade e
política não se dão bem uma com a outra, e até hoje ninguém que eu saiba,
incluiu entre as virtudes políticas a sinceridade”. Mas por que as mentiras
“são ferramentas necessárias e justificáveis ao ofício não só do político ou
demagogo, como também do estadista?” Mais que isso: não será a verdade
impotente tão desprezível quanto o poder que não dá atenção à verdade?
Nisto o pragmaticismo de Peirce estaria em perfeita conjunção com o
pensamento de Arendt, pois, para o filósofo, o significado dos conceitos
intelectuais corresponde aos efeitos sensíveis, ou seja, às marcas que deixam
na realidade, no longo curso do tempo. Por isso, para ele, a essência da
verdade consiste em sua resistência a ser ignorada (CP 2.139).

O problema da verdade factual, contudo, é que ela é muito mais vulnerável


do que a verdade racional. Isto porque poder e fatos convivem no
mesmo domínio da realidade. Esse é o argumento de Arendt (ibid., p. 287).
“A verdade factual é pequena, frágil, efêmera. Como um primeiro registro
dos acontecimentos, um primeiro - e precário - esforço de conhecer o que se
passa no mundo, a verdade factual é mais vulnerável a falsificações e
manipulações” (BUCCI, 2018, p. 24). As possibilidades de sobrevivência dos
fatos aos assédios do poder são por demais escassas, sob o perigo que eles
correm de serem eliminados do mundo. Esta é também a lição implícita no
filme Blow up, de Antonioni (1966)). Se não houver registro do fato, ele não
existiu. Ademais, se dissimulado pela mentira, poderá ser difícil redescobrir
um fato, pois eles existem no tempo e no espaço. Se não forem gravados em
algum tipo de memória, viram poeiras perdidas no tempo. Apesar de poderem
ser mantidos separados, fatos e opiniões também pertencem ao mesmo
domínio da realidade.

Fatos informam opiniões, e as opiniões, inspiradas por diferentes interesses e


paixões, podem diferir amplamente e ainda serem legítimas no que respeita à
sua verdade fatual. A liberdade de opinião é uma farsa, a não ser que a
informação fatal seja garantida e que os próprios fatos não sejam
questionados. Em outras palavras, a verdade fatual informa o
pensamento político como a verdade racional informa a especulação
filosófica. (ARENDT, 1972, p. 295-296)

Isso não implica negar a possibilidade da opinião imparcial, competente e


representativa de uma posição exterior ao domínio político, pois,
infelizmente, a verdade, quando impotente, é sempre perdedora em um
choque frontal com o poder. Felizmente, por outro lado, a verdade fatual
possui uma força própria: não existe substituto viável para ela. A persuasão e
a violência podem destruir a verdade, tanto racional quanto religiosa e
também fatual, mas jamais poderão substituí-la (ibid., p. 320).

A relação, discutida por Arendt. entre jornalismo e política é explorada


detalhadamente por Bucci (2018, p. 25-26). Existe uma separação
posicionai entre a verdade fatual e a ação política. O adjetivo “posicionai”
entra aí para evidenciar que não se trata de uma separação entre ambas, mas
de posições distintas ocupadas no espectro social, ou melhor, “uma cisão de
métodos; uma coisa é a esfera abrangida pela política; outra bem distinta, é
aquela em que os fatos são apurados, investigados, pesquisados, narrados,
historiados” (BUCCI, ibid., p. 25). Enquanto a política se apropria dos fatos,
as representações desses fatos são elaboradas em outros domínios,
especialmente no jornalismo. Portanto, a tarefa de “apontar a verdade, bem
como a função de difundi-la, não tem seu lugar no domínio político. A
política se vale - e deve mesmo se valer - da verdade factual, mas, para tanto,
precisa ir buscá-la fora de seus domínios” (ibid.).

A política lida com conflitos e interesses extraídos do coletivo nas suas


agregações e oposições. Não é dela a função de proclamar a verdade, pois
esta requer independência. Portanto, conforme Bucci (ibid.) esclarece, para
Arendt, aqueles que buscam a verdade fatual devem estar situados fora da
política. A política, por seu lado, para evitar fanatismos irracionais precisa
ancorar suas decisões nos fatos, estes apurados e elaborados fora dela. Isso
significa que, para evitar ser corrompida, a política deve se colocar à escuta
das vozes problematizadoras que provêm da imprensa e dos cientistas
políticos quando estes estimulam os debates em torno da justa interpretação
dos eventos. A relevância do papel da imprensa é inquestionável, pois, sem
os jornalistas “não poderiamos nos movimentar em um mundo em contínua
mudança, e, no sentido mais literal possível, nunca saberiamos onde nos
encontraríamos”. Mas, a rigor, o dizer da verdade abrange mais do que a
informação diária suprida pelos jornalistas, além de que a imprensa deve estar
protegida do poder governamental e da pressão social (ARENDT, 1972, p.
322).

Para Lipmann (1997, apud BUCCI, ibid., p. 23), “a função da notícia é


sinalizar um evento. A função da verdade é trazer luz para fatos
ocultos, relacioná-los a outros, e traçar o retrato da realidade a partir do qual
os homens possam atuar”. Bucci explicita que sinalizar um evento significa
noticiá-lo, avisar sobre o que se passa para ajudar “o cidadão a modular suas
expectativas em relação ao futuro próximo”. Mais do que isso não cabe à
imprensa, mas à filosofia, sobre a qual darei breves pinceladas no próximo
capítulo.

Para ficarmos na imprensa e política e para evitar que se entenda o campo de


ambas como apartados, Bucci (ibid., p. 26) evidencia suas relações
indissolúveis, mas nem sempre idílicas: embora o domínio da imprensa não
esteja contido no domínio político, ela não deixa de ter um olho ali dentro.
Embora a política não seja inquilina da imprensa, vive tentando lhe pôr o pé
na porta.

Os conflitos, oposições e mesmo complementaridades entre jornalismo e


política se reduziríam ao desenho diferencial de seus campos caso o
mundo informacional não estivesse hoje sendo atravessado por um tsunami
que está levando de roldão e dissolvendo no ar qualquer expectativa de
solidez tanto da imprensa, quanto da política mesmo quando são bem-
intencionadas. As bolhas e as fake news, em prol da disseminação de crenças
enrijecidas por idéias fixas e inflexíveis, trabalham para minar a
confiabilidade de quaisquer fontes de registros e transmissão da efetiva
ocorrência dos fatos.

Mesmo que assim seja, em quaisquer campos e esferas das atividades


humanas em que estivermos, os refúgios da verdade não podem ser
abandonados sob pena de deserção da longa história da busca desinteressada
da verdade, aquilo que Arendt (ibid., p. 324) reclama sob o nome de
objetividade - “essa curiosa paixão (...) pela integridade intelectual a qualquer
preço. Sem ela ciência alguma jamais poderia ter existido”. Com isso, ficam
abertas as portas para que, no próximo capítulo, passemos brevemente a tratar
de outras verdades: a verdade provisória da ciência, o pensamento da verdade
na filosofia e, por fim, as verdades possíveis da arte e da literatura. Antes
mesmo de colocar essas variações da verdade em discussão, já posso adiantar
que, para esses campos, a nomenclatura da pós-verdade não cabe. Portanto,
na ciência, na filosofia e nas artes, a pós-verdade é falsa. Vejamos o porquê.

VI Outras verdades
Dou início a este capítulo ainda na companhia de Hannah Arendt, quando,
ecoando Nietzsche, afirma que “entre os modos existenciais de dizer a
verdade sobrelevam-se a solidão do filósofo, o isolamento do cientista e do
artista, a imparcialidade do historiador e do juiz e a independência do
descobridor de fatos, da testemunha e do relator” (ARENDT, 1972, p. 320).

Uma leitura semiótica da frase acima nos redireciona para tipos diferenciados
de verdade. O historiador, o juiz, o descobridor de fatos, a testemunha e
o relator estão, de urna forma ou de outra, ligados e responsabilizados pela
verdade dos fatos, ou seja, aquela que, no capítulo anterior, foi caracterizada
sob a égide de uma relação indexical em que o discurso verbal ou híbrido dá
expressão a ocorrências vividas. Esse não é o caso do cientista, nem é o do
filósofo e nem é igualmente o do artista.

Frente aos oceánicos contextos da ciência, da filosofia e da arte, a ambição


deste capítulo é bem modesta. Em breves pinceladas, pretende-se evidenciar
por que é improcedente e incabível a nomeação de “pós-verdade” para esses
três campos, sendo, inclusive um insulto para as ciências.

Arendt faz a distinção entre verdade fatual e verdade racional. Esta última
deve se referir tanto ao universo da ciência quanto ao da filosofia. Embora
ambas trabalhem com a razão, assim o fazem de modo diverso, uma distinção
que busco caracterizar como as verdades provisórias da ciência e a reflexão
sobre a verdade na filosofia. O que une ambas, a semiótica peirciana nos
ajuda a esclarecer. A classificação mais geral, que Peirce estabeleceu dos
tipos de referência de que as linguagens são capazes, apresenta uma distinção
entre (a) referências possíveis (a serem apreciadas mais à frente), (b)
existenciais e (c) gerais. Das existenciais provêm as verdades de fato,
esboçadas no capítulo anterior. Das gerais provêm as verdades racionais. As
verdades de fato mantêm uma relação dual entre os fatos e a expressão que
recebem em discursos que os indicam e que os dão a conhecer. Entre o
discurso e os fatos que eles indicam, há uma relação dual, existencial. De
outro lado, as relações entre a verdade racional e seu objeto são muito mais
complexas. No caso da ciência, elas são mediadas por sistemas codificados
de leis que são expressas em teorias caracterizadas por redes de conceitos
interligados, métodos para atingir seus objetivos, procedimentos, protocolos e
justificativas. Comecemos, portanto, pela ciência.

As verdades provisórias da ciência


Segundo Newton da Costa (1977, p. 40), “conhecimento científico é crença
verdadeira e justificada”. Falar em verdade e justificação, contudo, é tocar
nas questões mais discutidas por um dos ramos da filosofia da ciência:
a epistemología. Do grego episteme, conhecimento, e logos, explicação,
a epistemología é o estudo da natureza do conhecimento e da
justificação, específicamente, o estudo dos traços definidores, das condições
substantivas e dos limites do conhecimento e da justificação. Temas
fundamentais da epistemología são: (a) a natureza do conhecimento; (b) a
origem do conhecimento; (c) os tipos de conhecimento; (d) as formas do
conhecimento; (e) as condições das crenças, (f) as condições da verdade, (g)
as condições da justificação etc.

Infelizmente costuma-se confundir o fazer da ciência com um mero


cientificismo e, pior do que isso, confundir esse fazer com a apropriação
perversa que a lógica do capitalismo extrai dos seus efeitos e produtos.
Embora essa apropriação exista, ela não diz respeito aos critérios internos de
verdade estabelecidos pelas práticas científicas.

Junto com o enorme desenvolvimento das ciências e com a multiplicação de


seus ramos a partir do final do século XIX, multiplicaram-se também
as tendências epistemológicas voltadas para a discussão da natureza da
ciência, da validade de seus métodos e das justificativas que legitimam suas
conclusões. Não obstante as controvérsias, não são colocados em xeque os
rigores de que a ciência deve se cercar para validar suas conclusões.

Não há dúvida de que existem pseudociências, isto é, procedimentos,


discursos e crenças que pretendem se fazer passar por ciência, sem ter
seu estatuto. Existem também, como nos lembra Schulz (2018), invasões
no território da ciência, como aquelas que se dão em práticas ilegítimas
de publicação desobedientes aos critérios que garantem a qualidade e
confiabilidade da produção. Há ainda os predadores da ciência que maquiam
ou falseiam os resultados de suas investigações, incentivados pelo
produtivismo. São todos eles, ao fim e ao cabo, falseadores da ciência ou
praticantes de uma ciência de baixo nível. Isso, no entanto, não justifica a
nomenclatura de pós-verdade para a ciência, pois a ciência contém dentre
seus procedimentos filtrar o joio do trigo e diagnosticar os falsificadores com
as devidas sansões.

E evidente que as ondas da pós-verdade não estão deixando ilesa nenhuma


área de atividade humana, atingindo, inclusive, questões de cunho
científico. Assim são as crenças acerca do terraplanismo e do criacionismo,
por exemplo. Entretanto, tais crenças e comodismos, que frutificam na
ignorância, não atingem o fazer da ciência para o qual não cabe a pecha de
pós-verdade. Por que não? Pelo simples fato de que a ciência não trabalha
com verdades indiscutíveis, mas discutíveis (LATOUR apud SCHULTZ,
2018). Quando uma nova ideia, teoria, método ou solução são propostos, é
necessário apresentá-los no tribunal dos pares e defendê-los frente a
discordâncias, o que não se dá “no grito, na força ou por argumentos de
autoridade” (MELO, 2018). Ao contrário,

Para convencer os demais cientistas, procuramos realizar experimentos que


podem nos provar errados. Se tal experimento não cumpre essa tarefa, nossa
teoria ganha força; se o experimento mostra nosso equívoco, temos que
modificar nossa teoria ou até mesmo abandoná-la. É esse aspecto
fundamental que faz com que os resultados científicos sejam confiáveis,
(ibid.)

Isso significa que, na ciência, toda verdade é provisória. Isto porque a ciência
é alimentada pela pesquisa e pela investigação cujo objetivo não é chegar
à verdade total e para sempre verdadeira, mas sim, atingir, como diria Peirce,
um novo estado da crença que, mais cedo ou mais tarde, levará a uma nova
dúvida, e assim por diante. Uma investigação pode ser considerada finalizada
quando ela é capaz de resolver uma dúvida ou problema, quer dizer, ao obter
uma nova crença sobre a questão proposta, sem que isso signifique o ganho
de uma verdade para sempre inquestionável.

Na sua defesa do método da ciência em oposição aos outros métodos de


fixação de crenças, a saber o método da tenacidade, o da autoridade e o
método a priori, Peirce (1972, ver também SANTAELLA, 2004) afirma que
o método da ciência apresenta dois aspectos básicos: (a) o de ter, de fato,
levado ao estabelecimento de teorias amplamente aceitas; (b) o de nos forçar
a atentar para a permanência externa das coisas, isto é atentar para a
evidência de que a realidade insiste. Além disso, o método atende ao impulso
social do ser humano. Embora sua investigação possa ser realizada na busca
solitária de resoluções para suas dúvidas, o cientista não se fecha em casulos.
Ao contrário, usa as opiniões e experiências conflitantes para despertar
dúvidas genuínas em relação à verdade de crenças estabelecidas. Seu impulso
social está voltado para a comunidade da espécie humana e não para a
satisfação autocomplacente de pequenos ou grandes grupos.

Justamente porque lida apenas com verdades provisórias é que não cabem à
ciência os rótulos de pós-verdade, como também não cabem à filosofia.

0 pensamento da verdade na filosofia


Há séculos a questão da verdade tem sido objeto das reflexões filosóficas,
desde que Platão a pensou como inseparável do bem e do belo. Nenhum
tratado, por mais extenso que seja, poderia dar conta das modulações que a
verdade foi adquirindo na passagem do tempo, especialmente porque as
filosofias são, em maior ou menor medida, sistemas de escritura do mundo,
não admitindo a atomização e isolamento de um conceito desgarrado do
conjunto.

Na absoluta impossibilidade de irmos muito longe no assunto, mas, ao


mesmo tempo, diante da necessidade de discorrer sobre o diferencial da
filosofia no tratamento da verdade, este tópico irá se limitar a mencionar
alguns filósofos do século XX como exemplos capazes de fornecer munição
para a afirmação de que a filosofia tem desempenhado, ao longo dos séculos,
o papel de pensar sobre a verdade. Qual a natureza da verdade? Quais seus
limites e intensidades? Essas e outras perguntas não são fáceis de serem
respondidas requerendo a demora paciente do discurso reflexivo, alimentado
na leitura, diálogo e confronto com o discurso do outro.

Segundo Arendt (ibid.), ciência e filosofia colocam-se sob o domínio da


verdade racional, aquela que provém dos poderes benignos da razão.
Embora ambas se caracterizem sob esse prisma, o racional da ciência não é o
mesmo da filosofia. Enquanto a primeira é sustentada pelo método e seus
sucedâneos, a segunda é sustentada pela reflexão. Para que isso se evidencie,
basta apresentar em brevíssimas pinceladas as idéias de dois filósofos que se
notabilizaram no século passado, entre outros fatores, por suas concepções
sobre a verdade: Michel Foucault e Richard Rorty.

A escolha desses dois filósofos é de certo modo arbitrária. Existem inúmeros


outros filósofos que poderíam ser apresentados para ocuparem a posição a
que ambos estão sendo chamados. Entretanto, trata-se de dois pensadores
que colocaram a verdade em proeminência, a partir de genealogias de
pensamentos muito distintas, um no contexto da filosofia continental pós-
estruturalista, o outro na esteira neo-pragmatista norte americana, no contexto
dos debates sobre pós-modernidade.

Foucault abandonou os tradicionais privilégios de um sujeito do


conhecimento, um ego transcendente sem história, e,
consequentemente, abandonou também a relação sujeito-objeto do
conhecimento como universal e necessária. Pensou, então, a verdade como
inseparável dos vários lugares em que ela se forma, relacionando sua
produção com as formas de subjetivação, os domínios de objetos, discursos
saberes e poderes. A verdade, portanto, não tem caráter essencialista, pois
não está dissociada do tempo e do espaço das práticas concretas.

Ainda mais original e fincada na ética é a derradeira concepção de verdade


foucaultiana, aquela que comparece na obra A coragem da verdade (2004),
na qual a verdade é inseparável da vontade e da ação, pois molda nossas
condutas. Mas por que a verdade exige coragem? Se ela funciona como norte
da sabedoria, a verdade precisa ser dita, em quaisquer circunstâncias, mesmo
quando expressá-la está cercado de perigos.

Rorty foi um grande admirador de Dewey e deste tomou como princípio que
“a filosofia não pode oferecer nada mais que hipóteses, e essas hipóteses
têm valor apenas à medida que tornam as mentes humanas mais sensíveis à
vida ao seu redor” (DEWEY apud RORTY, 2005, p. xiii).

A concepção que Rorty tinha de verdade consiste em sua recusa em


compreender a relação palavra-mundo como ajustamento, correspondência
ou representação acurada (ibid., p. x). Isso se deve ao seu abandono de
qualquer procura de correspondência entre pensamento-linguagem e mundo
(RORTY, 1991). Assim, em lugar da aspiração pelas essências
suprassensíveis ou pelas profundidades inefáveis, para Rorty, a finalidade da
investigação não é atingir a verdade, mas sim solucionar problemas, pois, em
meio a tensões transientes de dinâmicas em evolução, os horizontes da
investigação estão em constante expansão. Portanto, todo trabalho filosófico
deve se direcionar para a busca de acordos intersubjetivos, sem a ilusão da
promessa de validade universal. Essa é a chave da contribuição que pode ser
prestada pelos filósofos para a conversação da humanidade consigo mesma.
Uma conversação que segue caminhos imprevisíveis, mas sempre na mira da
superação de problemas que não cessam de gerar novos problemas.
As verdades possíveis da arte e da literatura
A semiótica triádica de Peirce nos ajuda a pensar em uma outra modalidade
da verdade que não é nem fatual ou indiciai, nem é produzida pelas

potencialidades do pensamento racional como se dá na ciência e na filosofía,


cada uma à sua maneira, mas ambas sempre críticas de quaisquer
pressupostos de verdades indubitáveis e universalistas.

A modalidade que foge da dicotomía entre fato e razão é aquela do sensorio,


do sensível e da sensibilidade. Trata-se fenomenologicamente do territorio
em que imperam a possibilidade, a indeterminação, a ambiguidade, que
rebate semioticamente ñas formas de quase-representação, ou melhor,
de presentificação, processos de linguagem em que vem à tona a potência
da presença, cujas formas de manifestação mais privilegiadas encontram-se
ñas artes, na literatura, na música e na poesia.

Karl Marx, atento ao papel que as artes desempenham na educação dos cinco
sentidos, considerava que a afirmação humana no mundo objetivo não se
da “apenas no pensar, mas também com todos os sentidos”. Para isso, são as
artes que entram em cena.

...é primeiramente a música que desperta o sentido musical do homem; para o


ouvido não musical, a mais bela música não tem sentido algum. (...) É
somente graças à riqueza objetivamente desenvolvida da essência humana
que a riqueza da sensibilidade humana subjetiva é em parte cultivada, e é em
parte criada, que o ouvido torna-se musical, que o olho percebe a beleza da
forma, em resumo, que os sentidos tornam-se capazes de gozo humano,
tornam-se sentidos que se confirmam como forças essenciais humanas
(MARX, 1974, p. 18).

As artes e a literatura abrem os olhos do espírito humano para aquilo que


ainda não se sabe e que ainda não foi experimentado ou sentido, criando
as condições para se olhar com olhos novos, como queria Oswald de
Andrade. Não é preciso ir muito longe nos argumentos para se concluir que
não existe lugar para a pós-verdade no universo da regeneração da
sensibilidade que é conquistada pela ação das artes do som, da visualidade e
da escrita. Olhar com olhos novos o mundo ao redor e sonhar com mundos
possíveis, aqueles que poderiam e deveriam ser, eis por que o único
compromisso das artes com a verdade é enunciar e fazer ver verdades
possíveis, algo que só pode ser atingido quando os signos são tomados em
sua radicalidade.

A originalidade é, pois, o preço que se deve pagar pela esperança de ser


acolhido (e não somente compreendido) por quem nos lê. Essa é uma
comunicação de luxo, já que muitos pormenores são necessários para dizer
poucas coisas com exatidão, mas esse luxo é vital, pois, desde que a
comunicação é afetiva (esta é a disposição profunda da literatura),
a banalidade se torna para ela a mais pesada das ameaças. (BARTHES, 1970,
p. 20)

Ao abrir linhas de fuga da banalidade e dos clichês, muito especialmente no


mundo contemporâneo sobrecarregado de mensagens midiáticas,
produtos estereotipados de consumo simbólico que circulam pelos
dispositivos de subjetivação, as artes e a literatura funcionam como as
barreiras mais intransponíveis contra a invasão da pós-verdade, pois é difícil
enganar sensibilidades regeneradas.

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9 https://iainews.iai.tv/articles/issue-54-the-limits-of-reason-auid-791

10 Devo meus agradecimentos a Eugenio Bucci por ter generosamente


colocado em minhas mãos os lúcidos textos elaborados como base para
seu concurso de Livre-Docência na ECA/USP, em que as questões
relativas à pós-verdade estão discutidas em mais detalhes do que
comparecem na sua publicação de 2018 na Revista USP. Devo também
confessar que foi esse texto de Bucci que me fez retornar ao brilhante e
esclarecedor artigo de Hannad Arendt sobre Verdade e política (1972).

Coleção Interrogações
Vivemos saturados de informações em sociedades arquicomplexas. Desde as
labutas da vida cotidiana até as tarefas mais especializadas, tudo parece
ter perdido a solidez em um emaranhado de incertezas. Interrogações não
faltam ao amanhecer de cada dia. Esta coleção, que A Estação das Letras e
Cores Editora lança ao público em geral, busca colocar em discussão
questões candentes com que a realidade social, na teia entrecruzada de seus
fios políticos, culturais, tecnológicos, psíquicos e educacionais, está nos
desafiando. Estratégias responsivas não são possíveis sem que os impasses
sejam devidamente pensados. Não se trata de buscar respostas acabadas, mas
sim desenvolver o apetite pela reflexão capaz de alimentar o pensamento
crítico.

Sobre a autora
Lucia Santaella é pesquisadora 1 A do CNPq, professora titular na pós-
graduação em Comunicação e Semiótica e coordenadora da pós-graduação
em Tecnologias da Inteligência e Design Digital (PUCSP). Doutora em
Teoria Literária pela PUCSP e Livre-docente em Ciências da Comunicação
pela USP. Foi professora convidada em várias universidades no exterior. Já
levou à defesa 248 mestres e doutores. Publicou 46 livros e organizou 19,
além da publicação de mais de 400 artigos no Brasil e no exterior. Recebeu
os prêmios Jabuti (2002, 2009, 2011, 2014), o prêmio Sérgio Motta (2005) e
o prêmio Luiz Beltrão (2010).

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