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VICTOR CORREIA

O MUNDO PROBLEMÁTICO DAS


REDES SOCIAIS

EDITORA
INTRODUÇÃO
Outrora os seres humanos eram encarados como fazendo parte da criação divina,
sendo considerados pela maioria das pessoas como filhos de Deus, depois como fazendo
parte de uma religião, sendo considerados como filhos da Igreja, obtendo a misericórdia
e a bênção divina, depois sendo considerados como fazendo parte de um país,
adquirindo direitos. Depois de filhos de Deus, que lhe permitia a misericórdia divina e o
dever do amor entre os seres humanos, passaram a ser encarados cidadãos, no espaço
público, e portanto não apenas religioso, detentores de direitos, e a filiação deixou de
ser religiosa para ser político-jurídica (ou também, e sobretudo, político-jurídica). No
entanto, atualmente o espaço público passou a ser também virtual, do “espaço público”
passámos ao ”ciberespaço”, e de “cidadãos” passámos a ser “internautas”. Isso fez
surgir um novo tipo de cidadania, a cibercidadania, em que a voz dos cidadãos se
faz ouvir sobretudo através da Internet. Nos tempos de hoje a sociedade está cada vez
mais mediatizada pela Internet, pois tudo se diz e faz através dela, e em muitos casos
apenas através dela : informações, trabalho, negócios, compras, divertimentos, política,
religião, cultura, amizades, amores, etc.
Na Internet há a destacar principalmente as redes sociais, pois são o meio de
comunicação mais utilizado. As redes sociais passaram a definir o mundo de hoje, e
muitos dos que a elas não aderiram, ou que deixaram de as ter, são encarados com
estranheza, como se fossem ascetas, párias da sociedade, pessoas à margem e
desvinculadas do mundo “real”, isto é, virtual. O peso das redes sociais no mundo de
hoje é de tal maneira importante, que até os políticos as utilizam. Assim, por exemplo o
antigo presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump foi eleito recorrendo
principalmente às redes sociais para fazer a sua campanha eleitoral. Em Portugal, por
exemplo, em Agosto de 2021 a Conferência Episcopal Portuguesa viu-se obrigada a
intervir por causa de uma polémica surgida nas redes sociais sobre a leitura de um texto
da Bíblia, numa missa transmitida pela RTP, uma carta do apóstolo Paulo (Efésios 5,
22-23). Nessa carta o apóstolo Paulo diz que as mulheres devem ser submissas aos
maridos, e a transmissão dessa missa pela televisão portuguesa foi feita na mesma
ocasião em que os Talibãs no Afeganistão tinham tomado de novo o poder, os quais,
como é sabido, discriminam muito as mulheres. A polémica foi gerada nas redes sociais,
e a Conferência Episcopal Portuguesa deu portanto uma grande importância às redes
sociais.
O Homem é um ser social, mas conforme lembra Kant, é dotado de uma
“sociabilidade insociável”, socialmente insociável, ou dito de outra forma,
insociavelmente sociável. 1
Conforme também lembra Schopenhauer, e que permite
compreender melhor a afirmação de Kant, os seres humanos devem manter entre si uma
distância moderada para que a convivência seja possível : nem demasiado juntos uns
dos outros, nem demasiado distantes. 2
Através das redes sociais, aparentemente as pessoas estão mais distantes, pois
não se encontram fisicamente juntas umas com as outras, mas por outro lado,
aparentemente estão mais próximas, pois é muito mais fácil comunicarem umas com as
outras, diretamente, sem intermediários, e mesmo com pessoas que vivem longe
geograficamente. Ora, as redes sociais puseram as pessoas mais próximas ou mais
distantes umas das outras ? as chamadas “redes sociais” são realmente sociais ?
A redes sociais têm várias vantagens, mas também várias desvantagens e
problemas, de que iremos falar ao longo deste livro. Através das redes sociais as pessoas
comunicam mais umas com as outras, mas isso não significa que comuniquem melhor,
antes pelo contrário. Através das redes sociais as pessoas estão mais informadas, mas
isso não significa que estejam bem informadas, antes pelo contrário. Através das redes
sociais há muitos contactos entre as pessoas, mas isso não significa que as pessoas
tenham mais e melhores amizades, no verdadeiro sentido do conceito de amizade.
As redes sociais estão muito marcadas por esta ambivalência : por um lado
permitem que as pessoas sejam mais elas mesmas, devido ao anonimato e ao facto de
não se encontrarem frente a frente fisicamente umas com as outras, permitindo-lhes por
isso dizerem o que sentem e o que pensam (por exemplo através dos comentários
ofensivos ou dos discursos de ódio). Por outro lado, as redes sociais permitem que as
pessoas se escondam e construam sobre si, para os outros utilizadores, uma imagem
idealizada, fazendo-se passar por quem não são, de modo a cativarem melhor os outros
(por exemplo nas amizades e nos amores virtuais).
Nunca as pessoas comunicaram tanto umas com as outras como nas redes
sociais, mas por outro lado nunca se sentiram tão sós, por passarem tantas horas
seguidas presas e alienadas a uma realidade virtual. Nunca houve tanta informação
como nas redes sociais, mas por outro lado nunca houve tanta desinformação e tanta
poluição informativa. Os utilizadores das redes sociais são apanhados por muitas
armadilhas da comunicação e da informação, pois nem tudo o que se quer comunicar é

1
Kant, Ideia de uma história universal do ponto de vista cosmopolítico, Lisboa, Ed. Didática Editora,
1999, pp. 13-14.
2
Arthur Schopenhauer, Parerga e paralipomena, volume II, capítulo XXXI, seção 396, Porto Alegre, Ed.
Zouk, p. 28.
comunicação, nem tudo o que se quer informar é informação, a comunicação é por
vezes anti comunicação, e a informação é por vezes contra informação. O carater
público das redes sociais, isto é, o facto de serem mensagens todos e para todos, é uma
ilusão, pois nessa terra de ninguém que são as redes sociais, domina sobretudo o
egoísmo, o individualismo, o narcisismo, em que cada utilizador só pensa em ver e
exibir a sua opinião e os seus sentimentos, estabelecendo-se uma concorrência
desenfreada, não ao serviço do bem público, mas sim de si próprio, em que muitas vezes
parece que vale tudo, nem que os seus utilizadores tenham de se esconder atrás do ecrã
do computador, usarem um perfil ou um nome falso. Através das redes sociais,
conforme veremos ao longo deste livro, a comunicação acaba por ser uma ficção, uma
ligação imaginária, pois uma grande parte dessas pessoas nunca saem do mundo virtual,
vivendo uma vida irreal, assim como a informação, que também é muitas vezes falsa.
Os conteúdos do presente apresentam aquilo consideramos ser o mundo
problemático das redes sociais. Isso implica que há diversos mundos nas redes sociais, e
que um deles é um mundo problemático, e ao nos referirmos a “um deles” significa
portanto que não generalizamos. Nem toda a gente utiliza mal as redes sociais, e
conforme já dissemos, as redes sociais têm muitos aspetos positivos, mas há um grande
número dos seus utilizadores que a utilizam de forma descontrolada, exagerada,
irracional, irreal. Nas redes sociais há muitas duplas personalidades, muitos perfis
falsos, muitas mentiras, muitas deturpações da realidade, muita agressividade verbal,
egocentrismo, dependência, comportamento aditivo, mania, obsessão, depressão, baixa
auto estima, exibicionismo, voyeurismo, etc. Nas redes sociais o objetivo principal de
muitos utilizadores é o alarmismo, o sensacionalismo, a busca constante de atenção dos
outros a todo o custo, muitas vezes ultrapassando certos limites. Embora esses
comportamentos também existam fora das redes sociais, estas permitem aumentar e
mostrar esses comportamentos, em muitos casos facilitam-nos e incentivam-nos, sob o
pretexto da chamada liberdade de expressão.
Este livro tem portanto como objetivo falar sobre o mau uso das redes sociais,
mostrando em que consiste esse mau uso, e fazendo uma reflexão sobre ele. A
designação de “mau uso” possa ser considerada como um pleonasmo, pois o uso das
redes sociais é para muitas pessoas avaliado sempre como mau, chegando ao ponto de
muitas delas recusarem-se a ter redes sociais, e por conseguinte para essas pessoas não
tem sentido distinguir entre mau uso e bom uso. Existem as seguintes possibilidades
quanto à sua avaliação: o uso das redes sociais é sempre bom, logo não tem sentido falar
em mau uso; o seu uso é por um lado mau e por outro lado bom; o bom uso é afetado
pelo mau uso logo também entra no mau uso; o bom uso não é afetado; o bom uso afeta
em parte, e em parte não. Seja como for, embora reconheçamos que o uso das redes
sociais é também um bom uso, o mau uso das redes sociais está bastante generalizado, e
é aliás o uso predominante. Este livro mostra portanto as dificuldades, os problemas e as
desvantagens das redes sociais, ou seja, o seu mau uso, fazendo consequentemente
apelo a uma ética da comunicação e a uma melhor utilização das redes sociais.
Este livro é principalmente um resultado da experiência pessoal do seu autor nas
redes sociais, e de conversas com pessoas que tiveram ou têm também experiência nas
redes sociais. Não se baseia em reflexões de nenhum tratado específico sobre o tema,
nem em mestres e especialistas. O conhecimento atento do mundo de hoje, a análise
dos factos que a atualidade fornece, e a minha experiência pessoal com as redes sociais,
constituíram fundamentalmente o que foi necessário para a escrita deste livro. No
entanto, há que salientar também o importante contributo de algumas leituras que fiz de
alguns livros e artigos, que estão referidos na bibliografia deste livro, assim como outras
referências bibliográficas.
Finalmente há que salientar que ao falarmos neste livro sobre as redes sociais,
referimo-nos ao Facebook, ao Twitter, ao TikTok, ao Youtube, ao Linkedin, ao
Instagram, ao Pinterest, ao Google+, ao Tumblr, ao My Space, ao Mirc, ao Orkut, ao
Badoo, etc. Estes são exemplos das redes sociais mais utilizadas, e que são
consideradas geralmente as mais importantes. No entanto, a rede social mais utilizada
no mundo atualmente é o Facebook, que apesar de ter surgido na mesma época que o
Orkut, alcançou sua popularidade mundial depois do Orkut e do Twitter, e que devido
ao facto de ser a mais utilizada pelo público, é a principal rede social de referência deste
livro.
HOSTILIDADE E VIOLÊNCIA VERBAL
OS COMENTÁRIOS OFENSIVOS ENTRE OS UTILIZADORES

É muito habitual os utilizadores das redes sociais falarem sobre temas políticos,
económicos, morais, religiosos, urbanísticos, estéticos, ou sobre temas banais (futebol,
carros, gastronomia, etc.), até mesmo sobre a forma como uma pessoa está vestida, nas
fotos colocadas nas redes sociais, ou ainda sobre outras fotografias, que originam por
vezes muitos comentários entre os utilizadores das redes sociais, nomeadamente
determinadas formas de fazerem esses comentários. Referimo-nos aqui a comentários
entre utilizadores desconhecidos, ou entre conhecidos e amigos, uns reais e outros
virtuais, sobre aquilo que cada um deles diz nos textos e fotos que publica.
Esta situação acontece muito em utilizadores que tendem sistematicamente a
desestabilizar uma discussão, a atrapalhar o que o outro diz, e a provocar e a enfurecer
outros utilizadores das redes sociais. Há várias formas de o fazer : lançar a isca (uma
pequena mensagem incendiária, para provocar uma discussão polémica, mas não se
envolver na discussão); colocar notícias ou outro tipo de texto que sejam polémicos,
apenas para observar a reação dos membros de uma determinada página das redes
sociais; envolver-se nas discussões; levar a pessoa que é alvo do comentário a perder o
bom senso na discussão, fazendo-a descer a um nível baixo e conseguir que essa pessoa
se auto difame; repetir um conjunto de comentários provocantes que leve o seu
interlocutor à exaustão e a sair vencido da discussão, por já não aguentar mais tantos
comentários; um comentador fazer uso do seu bom nível intelectual em determinada
matéria diante dos utilizadores de uma determinada página, exibindo referências e
contradizendo os argumentos de outros comentadores, expondo-os ao ridículo de modo
a fazer notar a sua falta de conhecimentos em determinadas matérias; levantar questões
pertinentes ao tema, onde se esteja melhor preparado, mesmo que isso implique desviar-
se do cerne da questão, para continuar a exibir os sus dotes intelectuais; repetir um
conjunto de falácias que distorçam a argumentação; dizer que o outro interlocutor disse
coisas que não disse; distorcer os comentários, fazendo ver determinadas coisas que o
outro interlocutor não tinha a intenção de dizer; fazer afirmações descontextualizadas;
acusar o ofendido de ser aquilo que o ofensor é ou faz, considerando que é um erro ser
ou fazer isso, como se ele também não o fosse ou não o fizesse, de modo que, portanto,
quem faz esse comentário tire de si a identificação como tal; ludibriar os leitores,
colocando textos ou fotografias enganadoras, e material de natureza duvidosa, etc.
Há um truque nas redes sociais, muito utilizado principalmente no Facebook,
que consiste em colocar uma mensagem ofensiva de alguém, sobre os comentários dos
seus contactos e amigos. Parece que foi esse alguém que o escreveu, mas não foi. A
pessoa utilizada não vê, mas os seus contactos e amigos veem e pensam que foi essa
pessoa que o fez. Esta situação pode causar muitos mal-entendidos. Os comentários
muitas vezes também estão cheios de mal entendidos, pois o utilizador da rede social
queria dizer uma determinada coisa e foi mal interpretado. É bastante frequente certos
comentadores quererem apenas chamar a atenção, provocarem somente polémica, e
semearem a discórdia. Muitos comentadores nas redes sociais desafiam-se uns aos
outros a fazerem determinadas “proezas” e o objetivo é superar e aumentar a capacidade
de provocação lançada por outro comentador. Nestes casos, os comentadores testam os
seus próprios limites, havendo uma busca constante de aprovação e de valorização por
parte dos outros comentadores, principalmente quando estão perante amigos, com o
objetivo de demonstrarem que são “destemidos”, “poderosos”, “inteligentes”, que para
eles tudo é possível e que nada de mal lhes acontece mesmos quando ultrapassam esses
limites.
O objetivo de muitos comentadores nas redes sociais é apenas dar a sua opinião,
mais do que ouvir a alheia, vivem centrados em si mesmos, e a opinião dos outros é
somente uma oportunidade para expressarem a sua própria opinião, cada um só se ouve
a si próprio, ou só ouve quem diz o mesmo que ele, e entra facilmente em conflito com
quem discorda. Há muitos utilizadores das redes sociais que andam sempre à procura
dos enganos dos outros utilizadores em determinadas coisas que dizem (sobre notícias
de acontecimentos do dia a dia, sobre informações de caráter enciclopédico, etc.), e têm
muito o gosto e o hábito de os corrigir. Muitos dos que são corrigidos ficam zangados
ou envergonhados por terem sido corrigidos e alguns sentem-se humilhados.
Geralmente as pessoas não gostam de serem chamadas à atenção em público, muito
menos num meio com um público tão vasto como o das redes sociais, e isso também
provoca conflitos.
As redes sociais estão cheias de presunçosos e de sabichões, qualquer criatura
insignificante pode chamar a atenção, e aparece toda a idiotice. Muitos dos seus
utilizadores, devido à liberdade de escreverem sobre os mais variados assuntos e de o
poderem exibir, falam sempre sobre tudo, estão sempre em cima dos acontecimentos,
acham que sabem de tudo, mas não compreendem nem falam de nada em profundidade,
caindo na mera superficialidade, por vezes com uma máscara ou um artifício de
profundidade. Sempre houve pessoas presunçosas e muito convencidas de que tinham
razão, mas nunca se lhes tinha dado a palavra publicamente como acontece agora com
as redes sociais. Ao contrário dos procedimentos tradicionais sobre a formação da
opinião pública, as redes sociais derrubam indiretamente o pressuposto da competência
numa determinada matéria, a partir do momento em que todo e qualquer utilizador das
redes sociais pode ser considerado competente para julgar ou expressar uma
consideração. Alguns pensam que por terem alcançado uma formação numa
determinada área estão desde logo habilitados a exprimir considerações sobre tudo, e ao
circularem nas redes sociais manifestam as suas considerações com muita altivez e
arrogância, armando-se em sabichões sobre determinada matéria, como se fossem
especialistas sobre aquilo de que falam. Há casos em que um verdadeiro especialista
num determinado assunto é confrontado por um indivíduo que não percebe nada desse
assunto, mas este apesar de não saber nada do assunto recebe com desagrado as
observações do especialista (ou de alguém que percebe do assunto), e apesar de
ignorante não manifesta o mínimo de humildade, e em vez disso zanga-se e contesta,
respondendo que o que diz é um exercício do direito à liberdade de expressão e de
opinião.
Por exemplo, uns negam a existência ou o perigo do novo coronavírus, outros
defendem a sua existência e o seu perigo, e atacam quem o nega, ou vice-versa. Uns
negam a existência das alterações climáticas e o seu perigo, outros defendem a sua
existência. Há os que dizem que na Ciência não há verdade. Há os que pensam que as
suas opiniões têm tanto valor como as verdades da Ciência. Há os que não sabem de
Filosofia mas corrigem os outros como se soubessem muito. Há os que dizem coisas
erradas, e ainda levam a mal quando são corrigidos. Poucos indivíduos são capaz de
reconhecerem os seus erros, e em vez de agradecerem a quem os informou, ficam
ofendidos e ofendem. Muitos comentadores dos textos que aparecem nas redes sociais
fazem apreciações descabidas, comentários despropositados, dizem falsidades, coisas
sem nexo, banalidades, mas mesmo assim acham-se muito sabedores.
O mal não está apenas naquilo que dizem mas na forma como o dizem, pois não
recorrem a nenhuma argumentação, e em vez disso colocam por exemplo um desenho
irónico, ou apresentam argumentação fraca. Os comentários de muitos dos utilizadores
das redes sociais, estão cheios de muita argumentação falaciosa, e nesta argumentação
uma das técnicas mais usadas é a chamada falácia ad hominem (contra o homem).
Assim, por não se ter ou já não se ter mais argumentos, em vez de se atacar ou refutar a
tese do comentador, ataca-se o próprio comentador que a defende, com alusões ou
referências diretas a características pessoais, que poderão centrar-se por exemplo na sua
classe social, no seu partido político, na sua religião, na sua profissão, na sua orientação
sexual, etc. Muitas vezes os objetivos desses comentários consistem em desviar a
atenção daquilo que está a ser discutido. Assim, por exemplo nos comentários entre os
utilizadores que já se conhecem pessoalmente, ou sobre outros utilizadores que não se
conhecem pessoalmente mas cuja vida pessoal o comentador conhece, ou que é
conhecida publicamente, aparecem muitas vezes determinados comentários atacando,
desvalorizando ou ridicularizando aquilo que o outro comentador diz, chamando a
atenção para o facto de o outro comentador ou da pessoa criticada ser um ex presidiário,
um ex toxicodependente, um homem casado que tem amantes, etc. Mesmo que o outro
comentador ou a pessoa cuja vida pessoal é referida tenha razão naquilo que disse, o seu
opositor centra-se na sua vida pessoal como forma de o atacar.
Outra técnica usada acontece quando um dos interlocutores não consegue
argumentar, e leva então a discussão para a ironia. Alguns textos são irónicos, mas há
muitos tipos de ironia, que uns poderão considerar ofensiva e outros não, considerando-
a uma mera brincadeira. O outro comentador poderia entrar no jogo, e brincar também,
mas não o faz, e fica muito ofendido. Alguns comentadores não acatam as ironias, ficam
muito incomodados e ofendem-se facilmente. Por vezes alguns textos ou comentários de
certos comentadores, apesar de serem uma mera brincadeira, são imediatamente
encarados por outros comentadores como sendo agressivos. Portanto, por vezes o
problema não está apenas nas pessoas que fazem os comentários, mas também nas
pessoas que são alvo desses comentários, ou nas pessoas que não sendo alvo desses
comentários se apressam a atacar quem os fez.
Tanto os indivíduos cujos textos são comentados como os indivíduos que leem
os comentários são demasiado suscetíveis, e por vezes acontece mesmo que os
indivíduos que não têm nada a ver com a discussão, e que portanto não são visados, se
metem na discussão, pois também se ofendem demasiado facilmente com tudo, por
vezes por serem demasiado moralistas, ou por não serem nada moralistas. Outros
comentadores são demasiado suscetíveis por considerarem que há determinadas
matérias que são intocáveis, e que é uma falta de respeito criticá-las. Assim, por
exemplo em discussões sobre religião, muitos crentes sentem-se imediatamente
ofendidos, e a “sacralidade” da sua crença religiosa é um dos argumentos que costumam
utilizar para não serem confrontados com ideias contrárias (por exemplo sobre a
proibição de transfusões de sangue entre as Testemunhas de Jeová). Muitos crentes
religiosos apresentam o “argumento” da ofensa : “sinto-me ofendido”, por se tratar de
uma crença religiosa, como se as convicções religiosas não pudessem ser discutidas e
criticadas, ao contrário das outras convicções, como por exemplo as políticas.
Até mesmo em certas páginas das redes sociais cujos utilizadores têm interesses
comuns, e que foram criadas para esses utilizadores, verifica-se uma enorme falta de
respeito desses utilizadores uns pelos outros. Seria de esperar que nessas páginas, em
que existem pessoas com os mesmos gostos, e as mesmas formas de estar na vida, essas
pessoas não fossem tão agressivas umas com as outras, mas por vezes acontece
precisamente o contrário, como por exemplo em páginas nas redes sociais para pessoas
da mesma ideologia política, da mesma crença religiosa, ou da mesma orientação
sexual. Há muitas vezes uma grande insegurança na parte dessas pessoas, como por
exemplo nos homossexuais, que libertam as suas frustrações e a sua homofobia
internalizada, e se atacam uns aos outros, descarregando dentro das páginas das redes
sociais a hostilidade vinda da sociedade, atacando-se a si próprios por tudo e por nada.
Muitos dos comentários dos utilizadores das redes sociais, sejam quais forem os
temas, são insultuosos, vergonhosos, agressivos, os comentadores ficam muito
exaltados, e não são capazes de manter a serenidade nem de terem uma conversa séria.
São discussões em que cada pessoa diz o que quer, aquilo que lhe apetece, ou o que lhe
convém dizer, sem pensar no que diz, estando ali apenas para vencer a discussão, para
descarregar as suas frustrações, a sua raiva, ou para se exibir, nada a fazendo mudar,
mesmo que a argumentação do outro interlocutor seja uma boa argumentação e tenha
lógica aquilo que ele diz. Essa atitude acontece por exemplo nas discussões sobre
religião, pois ainda que um ateu tenha bons argumentos contra a existência de Deus,
nada fará mudar uma pessoa fanática religiosa, que se move não pela razão mas sim
pelas emoções.
Em alguns casos o comentador age sozinho, mas também pode acontecer seguir-
se um conjunto de comentários, uns atrás dos outros, em que acaba por se formar um
grupo virtual, que reage agressivamente àquilo que a outra pessoa disse, a insultam e a
ridicularizam. Isso acontece por exemplo entre adolescentes, que acabam muitas vezes
por ridicularizarem nas redes sociais um colega de Escola, e sempre que este aparece a
comentar qualquer coisa nas redes sociais, atacam-no verbalmente (e por vezes
fisicamente, fora das redes sociais). Em certos fóruns de discussão na Internet, para se
ter “mais razão” (com se aquilo que é dito por mais pessoas faça com que seja mais
razoável o que é dito), há técnicas em que o comentador obtém comentadores falsos,
isto é, indivíduos forjados por um único indivíduo, respondendo este através de vários
comentadores, que são falsos, pois são a mesma pessoa (este recurso é conhecido por
“clone”), fazendo as vítimas serem massacradas “por todos”, para dar mais peso aos
ataques que um determinado indivíduo faz.
Outros tipos de comentários nas redes sociais são aqueles que são feitos não
sobre os utilizadores desconhecidos e o que eles dizem mas sim sobre figuras públicas
(políticos, escritores, artistas, músicos, cantores, futebolistas, etc.). Temos assim por
exemplo um cantor que tenha feito uma cirurgia plástica ao nariz, e que coloca as suas
fotos nas redes sociais, e que é alvo de comentários depreciativos. Temos também por
exemplo alguém do Jet Set que tenha feito uma cirurgia plástica, que ao colocar nas
redes sociais fotos do seu novo visual, é alvo de ridicularização, piadas, comentários
depreciativos e desrespeitosos. No caso das redes sociais, a situação é muito pior do que
se a divulgação tivesse feita através de outros meios, pois os seus utilizadores vão
partilhando uns aos outros determinadas fotografias, como por exemplo da presença de
figuras públicas num determinado evento social, e como são de figuras públicas, a lei
não penaliza a divulgação dessas fotografias, muito menos quando foi a própria pessoa
que as colocou nas redes sociais.
Ainda sobre figuras públicas, um dos melhores exemplos são os comentários
abusivos, depreciativos e agressivos sobre o desempenho dos jogadores de futebol.
Existem jogadores de futebol famosos que abandonaram as redes sociais, devido aos
comentários ofensivos de adeptos do clube onde jogavam, ou de adeptos de clubes
rivais, mas pior do que isso é o facto de alguns jogadores terem abandonado o próprio
futebol, devido aos comentários ofensivos de que eram vítimas continuamente nas redes
sociais. Isso aconteceu por exemplo com o jogador Josh Hope, da Tamânia, na
Austrália, que fazia parte da equipa Melbourne Victory, que decidiu abandonar a sua
carreira. As redes sociais tinham muitos comentários agressivos sobre o seu
desempenho desportivo, apesar dele ser um brilhante jogador. Este jogador passou
pouco a pouco a ficar com ansiedade, medo de ir treinar, medo de entrar em campo e
poder cometer algum erro futebolístico (ou não necessariamente um erro, mas algum
desempenho que não agradasse aos adeptos do seu clube ou dos clubes rivais). Os
comentários ofensivos nas redes sociais começaram a afetar não apenas o seu
desempenho desportivo em campo mas também a sua saúde mental. Além disso, os
comentários nas redes sociais passaram a ser não apenas sobre o seu desempenho
desportivo, mas também comentários sobre coisas pessoais : sobre a sua aparência
física, nomeadamente sobre o seu penteado. Passou também a receber ameaças físicas, e
algumas de morte, e esse jogador não encontrou outra alternativa senão deixar uma
brilhante carreira no futebol.
Para certos utilizadores das redes sociais os comentários aos comentários que
outros fazem é uma diversão, um divertimento, uma maneira de obterem prazer na
indignação de outros utilizadores, ou de observarem a sua fragilidade mental e
emocional. Isso não significa necessariamente que os atingidos sejam pessoas frágeis no
seu dia a dia, mas o conteúdo de determinados comentários nas redes sociais, a forma
como são feitos esses comentários, a sua insistência, e as técnicas de ridicularizar
acabam por os fragilizar. Uma forma de evitar isso é a vítima bloquear o comentador
agressivo, mas por outro lado a pessoa atingida sente-se injustiçada e sente-se no seu
direito de responder. Outra forma de evitar isso é a pessoa que é alvo desses
comentários sair desse grupo na rede social, mas isso pode também ser interpretado
como acatamento das acusações, ou como um ato de cobardia. Outra forma de proteção
é a pessoa que é vítima de comentários ofensivos não permitir que ninguém publique
ou transfira nada para a sua página nas redes sociais, mas isso não impede que essa
pessoa continue a ser vítima desses comentários em páginas temáticas das redes sociais,
ou nas páginas de outros utilizadores.

O ASSÉDIO VIRTUAL

O assédio virtual designa-se também por cyberbullying, que é uma palavra que é
formada pelas palavras cyber (diminutivo de cybernetic, isto é, algo que possui
tecnologia avançada) e bullying (uma palavra originária da palavra inglesa bully que
significa valentão, brigão). A palavra bullying significa intimidar, amedrontar, agredir
verbalmente ou fisicamente, e aplica-se portanto também à palavra assédio.
O assédio ou bullying presencial tem os seus intervenientes juntos um do outro,
e é praticado por um indivíduo ou mais indivíduos, contra outro indivíduo ou mais
indivíduos, num espaço concreto, ao ar livre ou dentro de um edifício, podendo portanto
acontecer no dia a dia, por exemplo entre alunos de uma Escola, ou entre colegas de
trabalho. No que diz respeito ao estado de espírito, o assédio ou bullying, do lado do
emissor, caracteriza-se pela sua intenção, deliberação e persistência, e do lado do
recetor, caracteriza-se pela sua indesejabilidade.
As práticas do assédio, nuns casos virtual e noutros casos presencial, consistem
em perturbar, perseguir, incomodar, importunar, e tem as seguintes características :
assédio verbal (insultar, humilhar e apelidar alguém pejorativamente); assédio moral
(difamar, caluniar, difundir rumores); assédio psicológico (perseguir, amedrontar,
aterrorizar, intimidar, manipular, chantagear); assédio físico (ameaças e agressão
corporal); assédio material (furtar, roubar, destruir os bens pessoais de outrem); assédio
sexual (abuso e agressão).
Uma das formas de assédio a salientar é o moral, que é praticado por um
supervisor, direto ou indireto, no local de trabalho, expondo o trabalhador a situações
intimidantes e repetitivas, durante o tempo de trabalho, perante os colegas, ou em
privado, por exemplo no escritório do chefe. Outra forma de assédio a salientar é o
sexual, que se caracteriza por qualquer ação ou comportamento sexual que acontece
sem o consentimento da outra pessoa. Esse tipo de assédio engloba uma série de
comportamentos, que vão desde o contato físico até a um comentário com conotação

sexual. Com muita frequência, temos o assédio verbal, que pode acontecer em diversos
contextos e pode envolver tanto pessoas próximas como desconhecidas. Esta forma de
assédio caracteriza-se por constantes ridicularizações, vaias, insultos, provocações ou
ameaças a uma pessoa.
O assédio virtual é uma extensão destas formas de assédio, e distingue-se delas
por não ser presencial. Diferentemente das outras formas de assédio, o assédio virtual
ou cyberbulying é feito através da Internet, nomeadamente através das redes sociais
(exceto a agressão física e o dano a bens materiais), através de certas páginas, fóruns de
discussão, blogues, mas também através de correio eletrónico, ou através do telefone,
principalmente o telemóvel. Através do correio eletrónico ou do telefone/telemóvel
geralmente não há público a assistir, e não está permanentemente disponível como nas
redes sociais.
O assédio virtual através de correio eletrónico pode ser por exemplo uma pessoa
enviar continuamente e-mails a outra pessoa, com motivos amorosos ou sexuais, através
dos quais o destinatário recebe propostas de namoro, de casamento, ou de prática
sexual. Podem ser também e-mails de ódio, intimidantes ou ameaçadores em relação ao
destinatário, como forma de chantagem, em que por exemplo o autor do assédio diz à
pessoa assediada constantemente que só parará de a contactar se ela lhe der dinheiro
(neste caso os motivos podem ser passionais ou financeiros, ou os dois juntos). No
entanto, os motivos financeiros também aparecem no assédio independentemente de
outras motivações, como por exemplo nas rivalidades entre comerciantes, ou entre
famílias, por exemplo devido a problemas de partilha de heranças. Existem também, por
exemplo, motivos clubísticos : enviar mensagens de e-mail ofensivas a jogadores ou a
treinadores de futebol, por fãs de clubes rivais, e também pelos seus próprios fãs devido
ao facto de estarem insatisfeitos com o desempenho do jogador ou do treinador.
O texto do correio de ódio muitas vezes contém palavrões, ou pode
simplesmente conter uma mensagem negativa ou desafiante. O remetente pode também
enviar e-mails anónimos ou fazer-se passar por outro indivíduo (outro utilizador das
redes sociais, ou um indivíduo fictício) a fim de não ser identificado. Através do envio
de e-mails contínuos, o remetente satura a caixa de correio eletrónico do destinatário,
pressionando-o, e por vezes envia-lhe mensagens com vírus, danificando o software do
destinatário. Diferentemente das redes sociais, estas mensagens são privadas, mas
também são uma forma de assédio virtual.
O assédio que é feito través das redes sociais caracteriza-se pela facilidade e pela
rapidez, tal como os e-mails, mas permite alcançar grandes audiências, devido à
possibilidade de anonimato do agressor e dos outros utilizadores, e pelo facto da vítima
poder estar sujeita à agressão 24 horas por dia e em qualquer contexto em que se
encontre. Enquanto no dia a dia as provocações e as agressões verbais podem ocorrer
numa certa hora, e num certo espaço, o assédio virtual extravasa as barreiras
geográficas, pois o agressor tem a possibilidade de perseguir o seu alvo quer ele se
encontre na mesma zona geográfica, no mesmo país, ou numa zona geográfica e num
país diferente. Por outro lado, enquanto as agressões verbais do dia a dia podem
acontecer ocasionalmente, no espaço da Internet podem ser feitas de forma contínua por
duas razões : por um lado devido à maior frequência com que o agressor o pode fazer,
bastando-lhe recorrer à Internet, e por outro lado devido ao facto de escrever um texto
ou um comentário que pode ficar permanentemente disponível para o público. Em
suma, o assédio ou bullying tradicional está restrito a um espaço determinado, acontece
pontualmente, como por exemplo no espaço de convívio dentro de uma Escola, entre
alunos, enquanto através da Internet quem o vê não são apenas os alunos dessa Escola,
mas toda a gente, e fica visível durante o tempo todo.
Há também algumas situações em que o contacto, mesmo através das redes
sociais, pode ser privado, como por exemplo um homem acompanhar uma mulher em
todas as redes sociais e insistir em conversar com ela, através de mensagens privadas,
através do envio e troca de mensagens de texto ou imagens com conteúdo sexualmente
explícito. Este tipo de atitude é uma consequência do machismo da nossa sociedade, que
tem como pressuposto a ideia de que as mulheres estão sempre disponíveis ou que
devem estar sempre disponíveis para as solicitações dos homens. Por isso, muitas
mulheres que recusam costumam receber respostas ofensivas dos homens, que insistem
e não as largam.
Conforme referimos, os telefonemas contínuos a uma pessoa, ou o envio
insistente de mensagens escritas através do telemóvel, são também uma forma de
assédio virtual. Tanto o correio eletrónico, como o contacto por telemóvel, ou as
mensagens pessoais através das redes sociais, são privados, mas não os textos colocados
nas redes sociais, que toda a gente pode ler. Muitas pessoas que participam também em
fóruns de discussão na Internet vêem-se continuamente perseguidas por utilizadores que
fazem comentários ofensivos, tornando as vítimas alvo de ridicularização contínua e de
declarações falsas com o objetivo de serem constantemente humilhadas. Muitos
assediadores têm blogues na Internet, e divulgam mesmo dados pessoais das vítimas,
como nome, endereço, ou local de trabalho ou de estudo, em sites ou fóruns de
discussão, ou publicam material em seu nome, que as difama ou ridiculariza.
Assim, por exemplo muitos homens que não aceitam que uma mulher tivesse
terminado o namoro ou o casamento com eles, continuam a persegui-las, não apenas
enviando-lhes e-mails, mensagens escritas através do telemóvel, ou fazendo-lhes
telefonemas, mas colocando fotos ou vídeos da sua ex namorada, companheira ou
esposa, nas redes sociais, violando o direito à imagemm. Há mesmo homens que
ameaçam essas mulheres dizendo-lhe que colocarão fotos íntimas delas nas redes
sociais, ou fotos de outras situações da sua vida privada, se as mulheres não lhe derem
dinheiro. O agressor tem com objetivo vingar-se, envergonhar, perseguir, e utiliza então
todos os pretextos, como por exemplo as características físicas pessoais da vítima, com
o objetivo de enxovalhar a sua imagem e afetar a sua autoestima.
O assédio virtual acontece muito para com pessoas mais vulneráveis,
principalmente para com pessoas do sexo feminino, conforme já referimos, e também
entre adolescentes. O diminuição da influência da socialização familiar, devido ao facto
de nos tempos de hoje ambos os pais estarem todo o dia a trabalhar e passarem pouco
tempo com os filhos, e de haver menos gente na família, com muitos avós vivendo nas
suas próprias casas ou em lares, conduzem a uma autonomia muito maior dos
adolescentes. Entre adolescentes, estudantes e jovens em geral, esses conflitos são muito
comuns, por fazerem também parte da sua afirmação e da chamada “rebeldia juvenil”.
Por outro lado, atualmente quase todos os jovens têm um computador, ou um
telemóvel, e não conseguem passar sem eles, por isso estão mais ligados às relações
virtuais e mais vulneráveis ao assédio virtual. Para essa maior vulnerabilidade, contribui
também o facto de os adolescentes apresentarem características específicas, como por
exemplo o desenvolvimento rápido da sua identidade, da sua habilidade social, maior
aptidão e destreza digital, e a maior escolaridade nos tempos de hoje que lhes permite
também maior habilidade informática.
A curiosidade e a necessidade de explorar múltiplos contextos, não apenas
sociais mas também virtuais, e diversos estilos relacionais, traz aos adolescentes uma
maior exposição a diferentes relações interpessoais. Por conseguinte, a Internet
participa cada vez mais da socialização dos adolescentes, que são o grupo etário que
passa mais tempo nas redes sociais, e nelas expõe coisas pessoais. As redes sociais estão
profundamente integradas no quotidiano dos adolescentes, sendo então cada vez maior o
número de informações pessoais que são partilhadas entre eles.
Mas por outro lado, devido ao facto de serem ainda adolescentes, estes são os
mais propensos não apenas a receberem mas também a cometerem atos de assédio.
Sendo isso particularmente visível na tendência de muitos adolescentes para
comportamentos de indisciplina, como é próprio da sua idade, isso acontece também na
intimidação e na humilhação através redes sociais, e por vezes por motivos fúteis. Por
exemplo, teve grande impacto há uns anos o caso de uma adolescente britânica de 14
anos, Hannah Smith, que partilhou nas redes sociais o seu problema : ter um eczema
(inflamação na pele). Em vez de receber apoio, foi vítima de piadas dos seus colegas, e
até de indivíduos desconhecidos. Essa adolescente passou a ser continuamente
assediada nas redes sociais devido a esse pormenor físico, as piadas eram muitas e de
carater persistente, levando-a a cometer suicídio.
A lei sobre o assédio virtual, em Portugal, encontra-se definida pela lei tutelar
educativa (Lei nº. 166/1999, 14 de Setembro) a nível jurídico relativo aos menores, e
educacional através do Estatuto do Aluno e Ética Escolar (Lei nº. 51/2012, 5 de
Setembro). A nível geral, o assédio virtual pode constituir um delito penal, tipificado no
artigo 131 da lei 26.904, que entrou em vigor em 2013. Pode ter como consequência
penas de prisão que vão de seis meses a quatro anos, e sanções de entre seis meses a 24
meses.
Existem no entanto muitas questões em aberto sobre a criminalização do assédio
virtual. Nem sempre o remetente está identificado, pois é muito comum enviar e-mails
anónimos ou fazer-se passar por outra pessoa, seja um indivíduo diferente ou fictício, a
fim de evitar ser identificado, pois a natureza de determinadas mensagens, como por
exemplo de e-mail, resultaria em acusações criminais se o remetente fosse identificado.
Ora, existem determinadas técnicas informáticas, especialmente para quem sabe bem
lidar com a Internet, que fazem com que seja difícil ou impossível saber quem é o
remetente dessas mensagens.
Outro problema que se coloca para criminalizar o assediador é o seguinte : se
por um lado este fenómeno é entendido como um conjunto de comportamentos, por
outro, lado existem dúvidas sobre a quantidade de comportamentos necessários, para
que esses comportamentos se possam considerar assédio virtual. Embora a repetição
desses comportamentos seja uma das característica principais do assédio virtual,
mantém-se a indefinição acerca da sua duração : esse comportamento deverá durar
semanas ? meses ? anos? e quantos ? É difícil perceber onde está o limite entre o lícito
e o ilícito. Contudo, não será legítimo impor um limite temporal necessário para a
experiência do assédio virtual, nem um número mínimo/máximo de comportamentos.
Em vez disso, dever-se-á optar por uma definição suficientemente abrangente de modo
a incluir todas as experiências de assédio virtual. A vítima é quem está mais apta a
avaliar se a persistência, duração, intensidade e tipo dos comportamentos são suficientes
para se sentir assediada, e a ter medo, ansiedade, insegurança, embora isso seja
subjetivo e varie de vítima para vítima. No entanto, é sobretudo o seu caráter intrusivo e
agressivo que deve permitir discernir o comportamento ilícito, independentemente da
quantidade de vezes com que é feito.

OS DISCURSOS DE ÓDIO

O conceito de discurso de ódio assenta sobre os conceitos de discurso


(declarações feitas em público), e ódio (uma emoção mais forte do que a raiva). Para se
compreender melhor esse conceito, há que ver o conceito de crime de ódio. Este último
é um crime motivado por preconceito quando aquele que o realiza tem como alvo uma
vítima devido à sua pertença a um determinado grupo social. Também conhecido por
crime motivado por preconceito, é um crime que acontece quando o agressor atinge a
sua vítima devido ao facto desta pertencer originariamente a um determinado grupo ou a
uma comunidade, ou de a eles ter aderido.
Esses grupos e comunidades são por exemplo os estrangeiros, a etnia, a raça, a
cor da pele, a língua, os antepassados, a classe social, uma comunidade religiosa, um
partido político, as convicções filosóficas, o género, a orientação sexual, etc. No dia a
dia é impossível agredir fisicamente a totalidade dos indivíduos destes grupos e
comunidades, mas é possível agredir indivíduos em particular, ou um certo número de
indivíduos, por exemplo quando na rua vão a marchar num manifestação. Os incidentes
cometidos contra indivíduos por fazerem parte destes grupos e comunidades podem
envolver a agressão física, homicídios, danos contra a propriedade privada desses
indivíduos, como por exemplo riscar um carro, atirar pedras aos vidros de uma casa,
pintar cruzes suásticas em sinagogas, insultar, arremessar objetos, etc.
Os discursos de ódio podem ser ao vivo, por exemplo na rua certos indivíduos
insultarem estrangeiros por serem estrangeiros, ou o discurso de uma pessoa contra
uma determinada comunidade (por exemplo os discursos de Hitler contra os judeus). Os
discursos de ódio podem ser também a transposição dessas atitudes para os meios de
comunicação social. Embora neste caso não existam agressões físicas, nem o arremesso
de objetos, pois as pessoas não se encontram presencialmente junto das outras, há outras
formas de exprimir esse ódio. Essas formas são qualquer comunicação verbal , através
de qualquer meio que a permita : a imprensa, os meios audiovisuais, e a internet.
Através destes meios os discursos de ódio são tudo o que incite, provoque, incentive,
estimule, acentue ou chame outros a certas reações, marcadas pela hostilidade para com
esses grupos e comunidades, tendo como origem preconceitos que levam não apenas à
discriminação como também a atitudes agressivas naquilo que se diz (chamar nomes,
insultar, acusar, ameaçar, ridicularizar, humilhar, etc.).
Os discursos de ódio são todos os comentários, declarações ou textos racistas,
xenófobos, homofóbicos, antirreligiosos, antipolíticos, etc. Não são apenas ideias,
informações ou meras críticas, mas expressões ou palavras agressivas e ameaçadoras,
que originam conflitos e a demonização desses grupos e comunidades, muitas vezes
utilizados como bodes expiatórios dos problemas sociais, ou como escape psicológico
para um indivíduo descarregar as suas frustrações. Não se trata apenas de uma
discordância para com essas pessoas ou as ideias por elas defendidas mas ataques e
ofensas por palavras, devido ao facto dessas pessoas serem quem são, pensarem no que
pensam, acreditarem no que acreditam, etc. São discursos de intolerância,
discriminação, segregação.
Alguns discursos podem ser ofensivos de duas maneiras : subjetivamente
ofensivos, e objetivamente ofensivos, e daí decorrerá a noção de que se trata de um
discurso de ódio. Os discursos ofensivos subjetivamente podem ferir os sentimentos de
alguém, mas são apenas uma opinião, e não causam danos propriamente ditos. Podem
desencadear raiva, mas não basta que desencadeiem raiva. Os discursos ofensivos
objetivamente causam danos a quem é alvo desses discursos : difundir falsidades,
caluniar, chamar nomes ridículos e obscenos, insultar, chantagear, ameaçar com
violência física, etc.
Os conteúdos desses discursos variam muito, e é difícil determinar quais os que
são de ódio ou não. Por exemplo, o facto de uma pessoa dizer que a homossexualidade é
imoral e perigosa porque se opõe às crenças dessa pessoa pode ser para alguns uma
expressão legítima dos seus próprios valores aparentando-se à liberdade de expressão,
enquanto para outros trata-se antes de homofobia, que deveria ser considerada como um
discurso de ódio contra os homossexuais. Certas piadas sobre povos de outros paises
podem ser uma mera brincadeira, mas para outros indivíduos essas piadas podem ser
consideradas discursos de ódio. Para alguns indivíduos criticar as religiões, expor os
seus erros teológicos, e defender a separação entre a Igreja e o Estado, pode também ser
entendido como um discurso de ódio contra as religiões, enquanto para outros é apenas
a legítima expressão de um debate filosófico, ou de uma opinião.
Há quem seja intolerante em público mas não o seja em privado (devido ao facto
de criar pouco impacto, ou de a pessoa com ideias diferentes ser um familiar ou amigo
do possível intolerante); há quem seja intolerante em privado, mas não o seja em
público (com receio de retaliação); há quem seja intolerante em privado e em público;
há quem seja intolerante nas redes sociais mas que não o é nas relações presenciais no
dia a dia, ou que pelo menos não mostra essa intolerância, e vice versa. No entanto, por
vezes estes comportamentos não estão assim tão separados, pois há relações entre a
intolerância presencial e a intolerância nas redes sociais, pois por vezes os atos de
intolerância no dia a dia, como por exemplo a violência física, surgem na sequência dos
discursos de ódio nas redes sociais. Por outro lado, a violência física do dia a dia faz
aumentar os discursos de ódio nas redes sociais, pois cria-se uma onda de violência que
alastra a todos os campos, e muitas vezes os agressores servem-se também das redes
sociais para defenderem a sua violência e reagirem às críticas de que são alvo, ou para
prolongarem de forma verbal a sua violência física para com os indivíduos vítimas dos
seus ódio. Vários dados estatísticos indicam que há forte correlação entre discurso de
ódio e violência física, e que a segregação e a discriminação social no dia a dia foram
acompanhadas por discursos de ódio nas redes sociais, e vice-versa.
Há também a salientar o caso dos infiltrados, isto é, indivíduos que criam perfis
falsos, e percorrem certas páginas das redes sociais como “espias”, ou que o fazem por
bisbilhotice e voyeurismo, para verem apenas o que se passa, ou indivíduos que não
tendo nada a ver com a comunidade online, isto é, com um certo grupo de interesses nas
redes sociais, estão nesse grupo apenas para desestabilizar. Temos como exemplo, na
política, um indivíduo de extrema direita infiltrado numa comunidade de extrema
esquerda, e vice-versa, ou um infiltrado numa página de apoio a um político, sem ser
apoiante desse político; um religioso numa página de ateus, ou um ateu numa página de
religiosos. Alguns desses indivíduos não se sabe que estão nessas páginas, e outros
sabe-se pelo tipo de comentários que fazem aos textos que são publicados. Os
infiltrados não se infiltram na privacidade das pessoas, pois são páginas públicas e não
de uma pessoa, mas podem andar infiltrados para espiar indivíduos que fazem parte
dessas páginas, e até mesmo quando são grupos privados, muitos indivíduos não têm
nada a ver com os ideais desses grupos, e anda neles apenas para observar.
Enquanto os comentários ofensivos dos comentadores se dirigem principalmente
aos comentadores entre si, o assédio virtual dirige-se a uma pessoa concreta, e os
discursos de ódio dirigem-se a grupos ostracizados pela sociedade. No entanto, há
objetivos em comum entre os seus autores : buscar emoções fortes, fazer drama, e atacar
principalmente os mais vulneráveis, pois esses são mais suscetíveis; outros autores
dessas atitudes acreditam que estão protegendo a sua comunidade (religiosa, étnica,
etc.); outros fazem-no como desejo de vingança, em resposta a insultos pessoais. Os
comentários ofensivos e discursos de ódio visam especialmente as pessoas de uma
comunidade, mesmo que essas pessoas não tenham feito nada de mal (basta
pertencerem a essa comunidade). No caso dos discursos de ódio, o mais habitual são as
razões ideológicas (por exemplo de um individuo de extrema direita para com certas
comunidades e identidades).
Eis algumas das principais características dos protagonistas da hostilidade, do
assédio e dos discursos de ódio, que se reflete bastante nas redes sociais : o narcisismo
(a preocupação por ser notado e a necessidade de chamar a atenção); o maquiavelismo
(a tendência de enganar e manipular); a psicopatia (com total falta de empatia); o
sadismo (com o prazer de infligir dor ou humilhação no outro); a frustração perante as
situações do dia a dia (por exemplo em questões financeiras ou amorosas); a inveja do
sucesso dos outros, ou de coisas que os outros alcançaram e que também gostariam de
alcançar. No entanto, muitas vezes o comportamento das pessoas que criticam não é
moralmente melhor do que o das pessoas criticadas. Muitas dessas criticas são uma
forma de compensação das frustrações do criticante , ou uma forma de iludir o
comportamento de quem critica.
Uma característica muito comum aos protagonistas de comentários hostis, de
assédio virtual, e de discursos de ódio, é que raramente se encontrará um utilizador das
redes sociais capaz de expressar a sua verdadeira identidade e há muitos utilizadores
que não apresentam uma imagem de perfil real, poi escondem-se atrás de apelidos.
Estes utilizadores encapuzados das redes sociais entregam-se então a todos os excessos
com muito pouca chance de serem identificados ou mesmo punidos. A justificação
empregue é geralmente a do direito à privacidade, mas este direito está a ser mal usado,
pois essas atitudes causam danos individuais e sociais às pessoas e às comunidades
visadas. Quando a identidade psicológica, social, cultural, da pessoa é atacada, ocorrem
mensagens de desumanização muitos graves, que causam problemas emocionais.
Muitas pessoas que são vítimas dos comentários, do assédio virtual e dos discursos de
ódio, ficam com problemas de autoestima, ansiedade, depressão, fobia social,
insegurança, vergonha de não conseguirem resolver os ataques e a humilhação. A vítima
tem um sentimento de desamparo maior do que em outros tipos de agressão, pois o
ataque pode atingir a pessoa a qualquer momento, devido ao facto de estar
permanentemente publicado nas redes sociais. Quando há depressão extrema o assédio
virtual e o discurso de ódio podem levar mesmo a sua vítima ao suicídio. O maior risco
não é para os adultos mas para os jovens e adolescentes, pois são os que mais
frequentam as redes sociais, e lidam mais dificilmente com esses problemas, devido ao
facto de ainda terem pouca experiência de Vida.
AS RELAÇÕES AFETIVAS
AS AMIZADES VIRTUAIS

A palavra “virtual”, que empregaremos nos tês próximos subcapítulos


(“amizades virtuais”, “amores virtuais”, e “sexo virtual”) significa aquilo que é feito ou
simulado através de meios eletrónicos, e que existe potencialmente e não em ação. Há
várias formas de o fazer, e através de diversos meios eletrónicos, mas o computador é o
principal sustentáculo, com os seus vários aplicativos, entre os quais o acesso à Internet,
através da qual encontramos vários sites e redes sociais, que se prestam especialmente
às amizades, aos amores, e ao sexo virtuais. Aliás, segundo diversos estudos que têm
sido feitas, as relações afetivas, nomeadamente amizades, namoro e sexo, são aquilo que
as pessoas mais procuram através da Internet, principalmente nas redes sociais.
Comecemos então por falar das amizades através das redes sociais. Para muitos
indivíduos é difícil fazer amizades no dia a dia, por isso utilizam como recurso as redes
sociais, mas também é difícil fazer amizades reais e concretas através das redes sociais,
sendo por isso consideradas “amizades virtuais”. No entanto, a amizade virtual,
enquanto relacionamento online, é uma contradição nos próprios termos, pois um
relacionamento de amizade não é um relacionamento virtual, e por outro lado um
relacionamento virtual não é um relacionamento de amizade. Conforme afirma
Aristóteles, a amizade é uma troca concreta onde se aprende e pratica a arte de receber e
de dar, mas longe de ser concebida como um comércio. Segundo Aristóteles, “não é
nobre ansiar por receber favores, porque só os infelizes precisam de benfeitores, e a
amizade é antes de tudo liberdade. O estado mais virtuoso de ser “.3 Trata-se da amizade
por virtude, a amizade em sentido pleno. Essa amizade, diferentemente da amizade pelo
prazer ou pela utilidade, tende a ser mais duradoura, e é a verdadeira amizade, pois é
fundada no bem em si, desinteressada do interesse pessoal. Na amizade, no verdadeiro
sentido da palavra, o indivíduo “A” quer para o indivíduo “B” o que for bom para o
indivíduo “B”, porque quer o bem de “B”.
Também o filósofo romano Cícero reconhece que há muitas pessoas boas com as
quais entramos em contato nas nossas vidas do dia a dia a quem chamamos “amigos”,
sejam eles sócios de negócios, vizinhos ou qualquer tipo de conhecidos. No entanto,
Cícero faz uma distinção fundamental entre estas “amizades” comuns e úteis e aqueles
raros amigos aos quais nos ligamos num nível muito mais profundo. Estas amizades
são muito raras, pois exigem muito tempo e investimento de nós mesmos. Mas estes são
os amigos que mudam totalmente as nossas vidas, assim como nós mudamos a deles.
Cícero escreve: “Com exceção da sabedoria, estou inclinado a acreditar que os deuses
imortais não deram nada melhor à Humanidade do que a amizade” 4 (§VI, 20)
Conforme sublinha também Montaigne, “o que habitualmente chamamos amigos
e amizades não são senão conhecimentos e familiaridades contraídos quer por alguma
circunstância fortuita quer por um qualquer interesse, por meio dos quais as nossas
almas se mantêm em contacto. Na amizade de que falo, as almas mesclam-se e fundem-
se uma na outra em união tão absoluta que elas apagam a sutura que as juntou, de sorte
a não mais a encontrarem”. 5
Na vida real a amizade, no verdadeiro sentido da palavra, caracterizada pela
definição dos filósofos atrás citados, é algo difícil e raro. Muitos indivíduos a quem
outros chamam amigos, ou que consideram ser seus amigos, não passam de pessoas
conhecidas, com quem falam esporadicamente, muitas vezes por interesse, ou apenas
pela necessidade de terem alguém com quem falar, ou por serem membros de
associações desportivas, culturais, profissionais, são colegas, camaradas, companheiros,
etc. mas não amigos, aplicando-se portanto a palavra “amizade” em sentido muito
genérico e banal.
Nas relações de amizade desculpamos facilmente os nossos amigos, aceitamos
os seus defeitos, há uma confiança, que deve ser recíproca, que acontece dificilmente
com os “amigos virtuais”. Se a amizade é uma coisa difícil e rara no dia a dia, isto é, na
3
Aristóteles, Ética a Nicómaco, Lisboa, Ed. Quetzal, 2004, p. 48.
4
Cícero, A amizade, Coimbra, Ed. Instituto Nacional de Investigação Científica, 1993, §VI, 20.
5
Montaigne, Ensaios, Lisboa, Ed. Relógio d’Água, 2016, p. 105.
vida concreta e real, nas redes sociais ainda é mais difícil e raro. Nas redes sociais
muitos dos chamados “amigos” são pessoas que não se conhecem pessoalmente e que
nem nunca se conhecerão, e mesmo que alguns se venham a encontrar e a conhecer
pessoalmente, geralmente é difícil e raro que fiquem amigos. Muitos desses indivíduos,
certamente a sua maioria, ficam desiludidos pois vêm a constatar que aquilo que
pensavam que era uma amizade, afinal era apenas uma troca de contactos online, meras
apreciações de publicações, meros “gostos” nas publicações, meros comentários a
comentários, etc.
As redes sociais criam ilusórias amizades, e ilusórias expetativas de amizades,
pois há muitas pessoas que são muito “amigas” nas redes sociais mas que fora das redes
sociais fingem que não se conhecem. Há pessoas que colocam “gosto” e comentários
em praticamente todos os texto e fotos dos seus “amigos” nas redes sociais, que lhes
enviam beijos e abraços, símbolos de corações, etc., mas que quando os encontram fora
das redes sociais (na rua, num café, num evento social, etc.) fingem que não se
conhecem, e não trocam com entre si uma única palavra.
O contrário também acontece, isto é, enquanto muitas pessoas fingem que não
conhecem outras quando as encontram fora das redes sociais mas são muito amigas
delas nas redes sociais, também há pessoas que se conhecem e com quem convivem na
vida real, isto é, fora das redes sociais, mas que fingem que não se conhecem, ou com
quem não falam nas redes sociais, quando por exemplo o Facebook lhes sugere que
façam amizade com elas, ou quando, tendo-as aceite como amigas nas redes sociais,
ficam na sua lista de amigos como um mero nome, e não trocam qualquer palavra entre
si. Há mesmo muitas pessoas que apesar de serem amigas fora das redes sociais, têm
um certo receio ou vergonha de serem encontradas nas redes sociais. Muitas dessas
pessoas têm preferem falar com indivíduos que não conhecem, em vez de falarem com
um indivíduo que é seu amigo na vida real.
Algumas redes sociais permitem ter um elevado número daquilo a que chamam
“amigos”. Por exemplo, o Facebook permite que cada utilizador tenha até 5000 amigos.
Ora, como é possível ser amigo de milhares ou mesmo de centenas de pessoas ao
mesmo tempo ? em vez de amigos, são meros contactos, que muitos utilizadores vão
colecionando, muitos deles com o objetivo de se tornarem populares nas redes sociais, e
fazerem ver aos outros utilizadores que têm muitos “amigos”. Em alguns utilizadores
das redes sociais é quase uma competição, para verem quem tem mais “amigos”, e
sentirem-se por isso mais importantes. Há muitos utilizadores das redes sociais que dão
grande importância ao número de “gostos” que recebem nas suas publicações, mas
também ao número de “amigos” (amigos virtuais, pois não os conhecem na realidade), e
alguns aceitam como amigos outros utilizadores das redes sociais, não pelos interesses
em comum, mas devido ao facto de os indivíduos a quem aceitam terem muitos amigos
nas redes sociais.
Há indivíduos que, para ficarem mais populares e sentirem-se mais importantes,
“compram” amigos nas redes sociais, a indivíduos que lhe apresentam números de
possíveis indivíduos de quem possam ficar “amigos”. A própria plataforma de algumas
redes sociais, principalmente o Facebook, sugere aos seus utilizadores façam “amizade”
com o utilizador “A” ou “B”. Através dos algoritmos, com base em possíveis interesses
em comum, essas redes sociais sugerem frequentemente que se faça amizade com
determinadas pessoas, dizendo aos seus utilizadores: “Pessoas que você talvez
conheça”. A pouco e pouco os “amigos” vão-se multiplicando, muitos utilizadores
aceitam “amigos” de “amigos”, e assim sucessivamente, ou passam a ser “amigos” de
pessoas desconhecidas mas que o Facebook sugeriu como “amigos”, até que chegam a
centenas ou a milhares de “amigos”. O problema não está apenas em ser uma coisa
virtual e não presencial, pois mesmo que fosse presencial, isto é, mesmo que todos
esses “amigos” se encontrassem na vida real, seria impossível falar com todos, conviver
com todos, conhecer todos, ser amigo de todos.
Há pessoas que chegam mesmo a comemorar o seu aniversário através das redes
sociais, reunindo online os seus “amigos”. Riem, cantam a canção dos “Parabéns a
você”, batem palmas, e criam uma ilusória sensação de calor humano. Muitas não se
conhecem, mas para terem depois alguém a festejar também o seu aniversário através
das redes sociais, aparecem a esses encontros, e apenas por isso. No entanto, são
contactos à distância, sem a simpatia e a empatia, o toque, o abraço, o beijo, o olhar face
a face, a energia do aqui e agora. Além de serem contactos à distância, muitos deles são
contactos superficiais, efémeros, acidentais, e vazios de conteúdo. Muitas pessoas
ficam a conversar em frente do ecrã do seu computador, em consequência da sua
timidez ou da sua insegurança na vida real, ou devido ao facilitismo dos contactos à
distância, e pensam que têm amigos, mas na verdade não os têm.
As amizades duradouras são construídas em bases muito mais sólidas do que os
contactos nas redes sociais. Numa verdadeira amizade é preciso partilhar histórias e
momentos reais. A verdadeira amizade é partilha de valores, retribuição de atitudes,
reconhecimento mútuo, e ao longo da vida. As redes sociais podem ajudar alguns dos
seus utilizadores a manterem contato com indivíduos que já se conheciam
independentemente das redes sociai, principalmente os que estão fisicamente distantes,
numa cidade ou num país longínquo, mas não podem substituir as experiências e as
conversas partilhadas pessoalmente, a vivência lado a lado, a partilha mútua dos altos e
baixos das experiência de vida, as alegrias e tristezas, o toque, o contacto presencial, o
sorriso face a face, a energia que irradia do olhar presencial. É necessário conviver, ter
intimidade (falar sobre os seus problemas pessoais) entre os que são realmente amigos,
passearem juntos, irem a um bar tomar uma bebida, rir, chorar, estar face a face,
regozijar-se e lamentar-se pelos bons e maus momentos dos amigos, pelos seus sucessos
e insucessos.
O procedimento de determinadas redes sociais, nomeadamente o Facebook, ao
denominar “amigos” a pessoas encontradas e obtidas através de um algoritmo, muitas
das quais se desconhecem entre si, é um dos principais feitos da empresa que tutela o
Facebook, mas é uma fraude social, pois é um mundo de relações fantasiosas e de
relações maioritariamente falsas. Não basta um simples clique de um botão no
computador ou no telemóvel, para criar novas amizades. Não basta estar online para se
ser amigo. A amizade é muito mais do que isso, a amizade faz-se com trabalho, com
compromisso real e contínuo, e não mecanizado e eletrónico.
O facto de alguns utilizadores das redes sociais terem muitos “amigos”
raramente leva a fortes ligações afetivas, a ligações concretas e reais. Através de
inquéritos que têm sido realizados aos utilizadores das redes sociais, tem-se verificado
que muitíssimo poucas das ligações entre os seus utilizadores são realmente amizades, e
muito menos as pessoas em quem se confia. A generalidade dos utilizadores das redes
sociais, conforme tem sido também comprovado através de diversos estudos, são
indivíduos que não têm mais amigos reais desde que usam as redes sociais, são raros os
que passam da vida virtual para a vida real, e que constroem reais amizades através das
redes sociais. Até mesmo nos contactos entre indivíduos já conhecidos fora das redes
sociais, o uso das redes sociais não parece resultar em encontros mais frequentes.
Através das redes sociais muitos indivíduos pensam que têm muitos amigos à
sua volta, pensam que são populares, pretendidos e desejados pelos outros indivíduos,
mas na maior parte dos casos isso é uma ilusão, pois as ligações entre os utilizadores
das redes sociais são geralmente remotas e instáveis. Através das redes sociais os
contactos fazem-se e desfazem-se com muita facilidade e rapidez, a maioria dos
contactos são efémeros e geralmente ligados a interesses momentâneos. Além disso,
conforme já referimos, a generalidade das relações ditas de “amizade” cultivadas nas
redes sociais é feita à distância, e em muitos casos com grande distância geográfica. As
redes sociais permitem que muitas pessoas entrem em contacto com outras com grande
facilidade, mas também permitem que muitas pessoas afastem outras pessoas com muita
facilidade, apagando-as da sua página ou bloqueando-as, sem realmente as conhecerem
nem as quererem conhecer, pois qualquer mal entendido que tenha surgido não é
resolvido pelo diálogo, como seria próprio de amigos, ou raramente o é. Em suma, as
redes sociais distorcem o verdadeiro significado da amizade, fazem com que muitas
pessoas criem expetativas irreais e vivam na ilusão de que têm amigos.

OS AMORES VIRTUAIS

A busca do amor através da Internet não é apenas o resultado da busca do


amor, mas também de um contexto social. Com o final dos anos 1990 e a viragem do
século aconteceu uma dupla revolução nas sociedades ocidentais : por um lado,
aumentou o número de solteiros, que passou a ser duas vezes mais do que trinta anos
atrás, e por outro lado, a Internet passou a ser uma nova forma de comunicação entre as
pessoas. No mundo apressado de hoje, pragmático, imediatista, e individualista, em que
as pessoas estão cada vez mais independentes economicamente, mas também mais
sozinhas, a Internet, e em especial as redes sociais, têm sido um recurso para muitos
indivíduos. O mundo virtual tornou-se uma forma de viver ou sobreviver
psicologicamente diante de uma sociedade cada vez mais acelerada no ritmo de vida.
Há muitas pessoas que não têm tempo nem paciência para procurarem e encontrarem
alguém especial na vida do dia a dia, e então procuram na Internet essa possibilidade.
Os motivos para o registo num determinado site e em determinadas redes sociais
têm geralmente uma coisa em comum: a solidão e a necessidade de encontrar um (a)
companheiro (a), um (a) namorado (a), um cônjuge, e o facto de não haver lugares onde
seja fácil conhecer essa pessoa, principalmente nas grandes cidades, em que ninguém
conhece ninguém, em que cada pessoa faz a sua vida, e onde é difícil estabelecer
convívio e laços sociais. A separação, o divórcio, a viuvez, leva muitas pessoas a
quererem refazer a sua vida, e muitos dos que recorrem a sites de namoros e às redes
sociais, andam nessa busca procurando a mulher ou o homem dos seus sonhos, ou
procurando simplesmente uma companhia especial para o seu dia a dia.
Na Internet existem sites específicos para encontrar a alma gémea, o cônjuge
ideal, o namorado perfeito, e há também redes sociais que criam mesmo perfis sobre a
pessoa, que segundo a plataforma dessas redes sociais é o par ideal. Algumas dessas
redes sociais estão especificamente vocacionadas para as pessoas se apaixonarem,
namorarem ou casarem. O funcionamento desse sites e dessas redes sociais é simples e
eficaz : o candidato deve pôr uma foto, indicar a altura, o peso, a cor dos olhos, do
cabelo, a situação profissional e familiar, uma mensagem de apresentação, e depois o
candidato é contactado diretamente por pessoas interessadas no seu perfil. A
possibilidade desses contactos feitos através da Internet, sem haver a necessidade de
agentes intermediários, ao contrário do que sucede nas agências matrimoniais, parece
ser, à primeira vista, mais prático e mais cómodo.
Há certos sites e redes sociais que proporcionam buscas específicas, consoante
os gostos, os valores morais, as convicções políticas e religiosas, a forma como cada
indivíduo ocupa os seus tempos livres, a sua formação académica, a sua orientação
sexual, etc. Por exemplo o Meetic, um dos primeiros sites de namoro na Internet que
tinha outros sites concorrentes (e-Darling, Mundo Atraente, Be2, etc.), criou outro site,
a afinidade Meetic, que após muitas perguntas estabelece uma percentagem de
compatibilidade de 100% entre os utilizadores. Existem também sites para relações de
namoro extraconjugais (CasualDating, Gleeden, Badoo, BeCoquin, etc.). Por seu turno,
o Facebook tem também a funcionalidade “Facebook Dating” (na versão portuguesa,
“Facebook Encontros”), que cria uma lista para todos os gostos, e sugere utilizadores do
Facebook a outros utilizadores dessa rede social, como potenciais namorados. Mesmo
que o utilizador não se interesse por determinado indivíduo, o Facebook continua a
insistir, numa segunda ou terceira ronda, sugerindo-o de novo para ser seu namorado,
seu companheiro ou seu cônjuge
No entanto, este tipo de busca de um namorado, um companheiro, ou um
cônjuge, muitas vezes acaba por ser como uma espécie de mercado, ou mais
precisamente, assume a forma de uma transação económica, pois transforma as pessoas
numa espécie de produtos embalados, colocados em concorrência, semelhante a
produtos regidos pela lei da oferta e da procura. A pesquisa por um namorado, um
companheiro, um esposo, uma esposa, faz parte de uma espécie de “catálogo”. Alguns
sites ou redes sociais são como uma luta entre caçador e predador, pois a partir do
momento em que uma pessoa coloca um anúncio para encontrar alguém, graças à
rapidez com que tudo se passa na Internet, outra pessoa eventualmente interessada tem
apenas alguns segundos para lhe responder, se não perde a outra pessoa em pouco
tempo, pois há muita procura. Nas redes sociais quando um contacto “pisca” em
alguém, existem apenas algumas horas, no máximo um dia para reagir, e as pessoas não
esperam muito, parecendo isto uma espécie de “leilão”, em que quem reagir mais
depressa, e apresentar “melhor oferta” tem mais chances. O sentimento da singularidade
absoluta de cada indivíduo, que dantes era a condição do sentimento de amor, caiu em
desuso, deixando esses utilizadores das redes sociais reduzidos a uma massa de
parceiros potenciais, instantâneos e intercambiáveis.
Muitos indivíduos aceitam submissamente a sugestão das redes sociais, sobre o
companheiro, o namorado ou cônjuge, os algoritmos fazem tudo, neste luta de oferta e
procura, em que própria plataforma das redes sociais se considera capaz de escolher o
que é bom e melhor para cada indivíduo. Depois de ter recebido o contacto e o ter
aceite, esse indivíduo vai namorando à distância, e há muitos indivíduos que dizem que
se apaixonaram por outros simplesmente através das redes sociais. Isto significa que há
muitos que se apaixonam por outros mesmo sem se conhecerem pessoalmente, sem
nunca se terem visto ao vivo, e sem nunca se terem encontrado presencialmente, e
mesmo tendo visto o rosto um do outro através de fotos, há muitos indivíduos que
colocam nesses sites ou nessas redes sociais fotos que já estão desatualizadas (fotos de
quando o indivíduo era mais novo) e até mesmo fotos por vezes falsas, isto é, de outra
pessoa.
Muitos desses utilizadores têm apenas contactos virtuais, que são portanto meros
amores virtuais, pois nunca viram nem encontraram pessoalmente os utilizadores que
dizem amar nas redes sociais, pois hesitam ou recusam encontrar-se pessoalmente,
devido a timidez, a nervosismo, a ceticismo em relação ao amor, ou por receio de se
desiludirem, e preferem viver uma “paixão à distância”, vivendo como que num mundo
de sonho, que a realidade concreta e real poderia desfazer. Há mesmo utilizadores das
redes sociais que conversam todos os dias, ao longo de muitos meses e alguns até anos,
com outro utilizador, considerando-o como namorado, e que nunca se chegam a
conhecer, devido a uma qualquer justificação que um deles apresenta ao outro (falta de
dinheiro para viajar, muito trabalho, uma doença, etc.).
Através dos contactos por escrito nas redes sociais (que é a generalidade dos
contactos à distância), não se ouve a voz do outro indivíduo, o seu timbre, a sua
entoação de alegria ou de tristeza, a pressa ou a lentidão com que fala, o tom agudo ou
grave da voz, etc. Alguns utilizadores ligam o microfone do seu computador, por
exemplo através do Skype, ou falam através do telemóvel, mas não é realmente a
mesma coisa, pois a voz não é tão clara, está um pouco distorcida, o indivíduo está
nervoso a falar, e em alguns casos encena uma “voz sensual”, e portanto fingida .
Através das redes sociais pode ver-se a pessoa através da câmara do computador, mas a
pessoa olha para a câmara, e não para o rosto concreto da outra pessoa, não há o face a
face. Através das redes sociais pode-se olhar para uma câmara (muitos nem sequer
olham), mas não existe realmente a troca de olhares entre dois indivíduos, que faz com
que alguns fiquem rendidos um ao outro e se apaixonem, através da câmara do
computador não se notam determinados pormenores do rosto, a sua rugosidade, a sua
macieza, o seu brilho, a energia que dele irradia, etc. Através das redes sociais, por
mensagens escritas ou mesmo vendo o outro indivíduo através de uma câmara, ou
através de uma foto, não se sente o odor do outro indivíduo, nem há a sensação de se
respirar o mesmo ar que o outro respira.
Mesmo faltando tudo isso, há muitos indivíduos que dizem que se apaixonaram
por outro indivíduo através das redes sociais. Há até indivíduos que se apaixonam
loucamente depois de falarem através de um chat e de se verem um ao outro através da
câmara do computador ou do telemóvel, apesar de nunca se terem visto pessoalmente
nem nunca se terem tocado, mas devido ao facto de manterem um contacto assíduo
através da Internet, acabam por criar uma forte relação de dependência um do outro. É
uma mera dependência online, e que tem aliás um duplo efeito : dependem da Internet
através da pessoa que dizem que amam, e dependem da pessoa que dizem que amam
através da Internet, numa preferência clara ou velada pela imagem, pela aparência e
pela virtualidade, pela ideia que cada indivíduo faz do outro.
Há mesmo muitos casos em que quando a relação amorosa online termina, esses
indivíduos sentem dor e sofrem profundamente como se tivessem terminado uma
relação amorosa no mundo real, ficam profundamente angustiados quando essa relação
acaba, como se tivessem acabado uma relação na vida concreta. Ora, como pode alguém
apaixonar-se e amar outra pessoa sem nunca ter as experiências sensoriais de a tocar, de
a cumprimentar fisicamente, de sentir o seu cheiro, a sua forma de andar lado a lado na
rua, etc.? como pode alguém apaixonar-se e amar outro indivíduo sem haver o contacto
concreto do outro indivíduo ? e como podem esses indivíduos sofrerem e em alguns
casos chorarem o fim dessa “relação”, sem nunca terem estado juntos nem sequer uma
vez e não se terem conhecido pessoalmente ?! Isto é difícil compreender, mas acontece.
Há até mesmo alguns indivíduos que nunca se viram nem através de foto nem
através da câmara do computador. Alguns indivíduos não solicitam foto, porque dizem
que o físico não importa, mas depois de longas conversas afetuosas através das redes
sociais e de e-mails e de mensagens escritas através do telemóvel, quando recebem uma
foto, desaparecem imediatamente, e deixam simplesmente de responder à outra pessoa.
Trata-se de um desaparecimento repentino muito frequente nas redes sociais, por vezes
sem os que o fazem deixarem qualquer justificação, e que por vezes acontece também
mesmo que tenham recebido uma foto, mesmo quando gostavam do físico da outra
pessoa. Ao contrário dos “relacionamentos reais”, é fácil envolver-se num
“relacionamento virtual” e também é fácil sair dele. Durante semanas ou meses, muitos
utilizadores vão namorando virtualmente, mas de súbito são alvo do chamado ghosting ,
uma palavra derivada da palavra ghost (fantasma), que se tornou aliás usual devido ao
aumento do namoro online.
O ghosting acontece no terminar repentino do relacionamento, e é uma prática
bastante comum nas redes sociais e nos sites de relacionamento. A procura e a oferta de
indivíduos é tanta, que muitos indivíduos fazem de outros indivíduos seres meramente
descartáveis, e na prática consideram-nos como um mero número. Alguns dos
indivíduos que conhecem alguém através das redes sociais, um dia mais tarde
encontram-se pessoalmente, depois continuam a conversar através das redes sociais,
tudo parece ir muito bem, mas de repente faz-se silêncio : um dos indivíduos nunca
mais diz nada, abandona o outro indivíduo sem apresentar qualquer justificação, e muito
menos um pedido de desculpa. O outro indivíduo deixa de responder a mensagens de
texto e a chamadas, ou muda de número de telemóvel, e sem qualquer aviso desaparece.
Terminar repentinamente um relacionamento, sem razões aparentes, ou sem dar
nenhuma justificação, e cortando com todo o tipo de comunicação, deixando a pessoa
incontactável não é algo novo, mas as novas tecnologias tornaram essa prática muito
mais fácil e habitual. Muitos utilizadores de sites e de redes sociais para namoro
habituam-se a deixarem outras pessoas simplesmente não lhes dizendo absolutamente
nada, ou deixam de responder às suas mensagens, e consideram que essa atitude é
perfeitamente normal.
Conforme já referimos, essa atitude não é nova, mas as redes sociais, devido à
facilidade dos contactos, à sua rapidez, à imensa oferta e procura, à possibilidade de
passar de umas pessoas para outras, e ao facto de não se estar cara a cara com a outra
pessoa, facilita e estimula muito essa atitude. Não é nenhum mal mudar de ideias, mas
sim a forma como essa mudança é feita, pois geralmente não há consideração pelo outro
indivíduo nem pelos seus sentimentos. Todos os indivíduos têm o direito a terem
dúvidas, mas muitas vezes não se trata de dúvidas mas simplesmente de egoísmo e
cobardia, de grande falta de respeito pelo outro indivíduo. Através das redes sociais os
indivíduos estão mais acessíveis, mas na realidade acabam por estar mais dispersos e
inacessíveis, cada um para seu lado, e deixando o outro indivíduo abandonado, como se
na sua vida tivesse havido apenas um fantasma.
Quando ambos os utilizadores ainda continuam na mesma rede social, por vezes
o “fantasma” reaparece como uma assombração, através de um “gosto” ou de um
comentário, em total incoerência com a sua atitude ao ter deixar friamente e
repentinamente o outro indivíduo, e em alguns casos cobardemente, procurando que o
relacionamento volte, ou forçando o outro indivíduo a responder. Por vezes deixa-se o
indivíduo fazendo dele uma espécie de suplente, que é utilizado quando convém, e com
quem se volta a falar, a marcar e a desmarcar novo contacto. No mesmo tipo de
procedimento temos aquele que reaparecem semanas depois de terem feito o ghosting,
ou que enviam mensagens para todos os seus contactos, incluindo para a pessoa que foi
alvo do ghosting, como se nada tivesse acontecido.
A distância física entre as pessoas nas redes sociais, privadas do contacto
presencial e do olhar face a face, faz com muitos dos seus utilizadores encarem os
outros como meros instrumentos dos seus caprichos, como meras coisas ou objetos. Não
se trata apenas de egoísmo mas de uma absoluta falta de educação e de respeito pelas
mais elementares regras de comunicação e de consideração pelo outro indivíduo,
sobretudo no âmbito de relações amorosas ou que se dizem amorosas. Situações como
estas, que são cada vez mais comuns nas redes sociais, e que devido às características
das redes sociais são por elas proporcionadas e aumentadas, faz ter nostalgia dos tempos
em que a paixão e o amor eram vividos “ao vivo e a cores”, em encontros reais, aqui e
agora, e sem aplicações tecnológicas. Em suma, não um amor virtual mas um amor
rodeado de canções românticas, acompanhado de uma boa refeição, de uma boa bebida,
e sem a interrupção do telemóvel a tocar e a receber mensagens de outros indivíduos,
como sucede com muita frequência nos contactos obtidos através das redes sociais.
O SEXO VIRTUAL

Nos tempos de hoje há muita gente que procura também experiências sexuais
recorrendo à Internet e muito especificamente às redes sociais. Há muitos indivíduos
que recorrem a esses meios porque sentem necessidade de enriquecer o seu erotismo
pessoal, experimentarem formas alternativas de sexualidade, muitas delas impossíveis
de concretizar na vida real, por impedimentos morais, ou por viverem em localidades
distantes ou em meios geográficos pequenos onde o possam encontrar. Há também
muitos indivíduos que recorrem à Internet e particularmente às redes sociais para terem
experiências sexuais, devido à sua timidez para o procurarem presencialmente, e de
modo a superarem os seus conflitos e os preconceitos sociais. Há ainda indivíduos que
dizem que querem sair da sua rotina sexual, tendo novas experiências sexuais, que
determinados sites e redes sociais permitem facilmente. A Internet, e dentro dela certas
redes sociais, permitem ter determinadas experiências sexuais como o exibicionismo, o
voyeurismo, a homossexualidade, a transsexualidade, a bissexualidade, o
sadomasoquismo, o sexo a três, o sexo em grupo, o role play, etc., mesmo online, que
muitos indivíduos não conseguem realizar na vida real mas que realizam
imaginariamente através do computador, vendo através da câmara outros indivíduos
realizarem, naquele exato momento, apesar de estar cada um em sua casa, ou vendo
através de uma gravação, como sucede na visualização de sites eróticos.
Nas redes sociais pode-se também encontrar pessoas não apenas para ter sexo,
mas há redes sociais vocacionadas especificamente para a prática do sexo, como por
exemplo a rede social portuguesa CRsex, onde os utilizadores podem partilhar
experiências e conhecimentos, receber notícias sobre práticas sexuais, conhecer outras
pessoas, ao mesmo tempo que é uma plataforma para conteúdos ligados ao sexo,
nomeadamente workshops, dados por especialistas de diferentes áreas, tendo a
sexualidade como ponto de partida. Essa e outras redes sociais dão acesso a sexo fora
das redes sociais, e as redes sociais são uma forma dos seus utilizadores se encontrarem
fora delas, mas há também utilizadores que utilizam as redes sociais de outra forma, isto
é, observando e fazendo sexo “dentro” das próprias redes sociais.
Temos assim o chamado sexo virtual, que é também denominado sexo por
computador, sexo na Internet, Netsex, ou sexo cibernético, que é um encontro sexual em
que duas ou mais pessoas ligadas remotamente através de computadores, enviam uma
(s) à outras (s) mensagens escritas, visuais e auditivas, sexualmente explícitas,
descrevendo ou estimulando uma experiência sexual. O sexo virtual é realizado em
salas de conversação na Internet, tais como o IRC, talkers, ou web chats, e em sistemas
de mensagens instantâneas (SMS) eróticas através do telemóvel, de troca de vídeos
eróticos, de fotos eróticas, de jogos eróticos, etc. O uso de salas de conversação online
(chats), em que cada um dos utilizadores usa um nick (um nome fictício), é o mais
comum na procura do sexo virtual.
O sexo virtual também pode ser praticado usando a câmara do computador, que
existem em sistemas de conversação como o Skype, em certos jogos online, ou em
espaços virtuais como por exemplo o Second Life. O aumento das webcams, que são
usadas também em algumas redes sociais, dá ao sexo virtual um aspeto mais visual, pois
permite que muitas pessoas tirem a roupa e se mostrem nuas, ou que se mostrem a
masturbarem-se, ou a praticarem sexo com alguém para outros verem através da câmara
do computador, satisfazendo o desejo de exibicionismo e de voyeurismo. Os microfones
instalados nos computadores também permitem experiências eróticas auditivas, tais
como suspiros, respiração ofegante, gemidos, gritos, determinados vocábulos, chamar
nomes, etc., que em determinados indivíduos provocam excitação sexual. Muitos
utilizadores desses sites e dessas redes sociais, ao verem ou ouvirem outros a praticarem
sexo, masturbam-se, e alguns fazem-nos também diante das câmaras, ou ligam o
microfone do computador para outros verem e ouvirem. O Skype, a WhatsApp, e
determinadas redes sociais como por exemplo o Facebook, permitem que os seus
utilizadores enviem mensagens, liguem a câmara e o microfone, para terem essas
experiências sexuais, vazias de conteúdo real mas para muitos compensadoras da sua
ausência na via real.
Nunca foi tão banal, tão fácil, tão vulgar, tão rápido e tão imediato, praticar sexo
como nos tempos de hoje, graças às novas tecnologias, nomeadamente através de
determinados sites e de algumas redes sociais. Muitos indivíduos não recorrem à
Internet e especialmente às redes sociais para praticarem sexo apenas virtual, mas para
poderem conhecer alguém e praticarem sexo na vida real, conforme já foi referido. No
entanto, a procura de sexo através da Internet está cheia de falsidades : muitos
indivíduos enviam uns aos outros fotos falsas, para os aliciarem, e os convencerem
melhor a encontrarem-se pessoalmente, e outros enviam fotos que já têm alguns anos.
Há muitos que mentem na idade, e o anonimato e a distância através da Internet facilita
o à vontade para dizerem essa e muitas outras mentiras. Muitos entram em chats
eróticos com dois nicks diferentes para confundir os interlocutores. Muitos entram nas
salas de conversação com o nick de outros indivíduos, propositadamente, fazendo-se
passar por outro indivíduo. Muitos marcam encontros sexuais sem terem sequer visto a
outra pessoa numa foto, são os chamados encontros sexuais às cegas (os blind date).
Muitos marcam encontros sexuais, mas a finalidade da pessoa com quem marcaram o
encontro não era o sexo, mas sim o roubo, como tem acontecido com muitos indivíduos
que foram vítimas de indivíduos desconhecidos que entraram na sua casa supostamente
para terem sexo, mas a quem lhes roubaram dinheiro ou outros valores pessoais, e que
em alguns casos foram também vítimas de violência física.
Nas conversas através de programas de conversação online, para combinarem
encontros sexuais, há muitos indivíduos que dão moradas falsas, e quando um indivíduo
vai ter com o outro indivíduo não o encontra no local combinado, tendo-se tratado
portanto de um embuste. Outros indivíduos ficam à janela a ver quem vem, e ao ver que
a pessoa não lhes agrada, não lhes abre a porta. Outros indivíduos marcam encontros
para terem sexo, mas depois faltam aos encontros marcados. Há também muitos desses
indivíduos, apesar terem uma longa conversação para terem sexo, não avançam para
algo real, não se encontram pessoalmente, apesar de passarem muito tempo a teclar.
Após uma longa conversa erótica nunca se chegam a encontrar, e desligam de repente a
conversa, saem do chat, sem qualquer respeito pela pessoa com quem estavam a
conversar, pois aquilo que queriam não era um encontro real, mas apenas uma conversa
excitante, ou em alguns casos uma conversa que satisfizesse a sua curiosidade.
Os utilizadores das aplicações de conversação dessas redes sociais geralmente
não têm qualquer informação sobre a pessoa com quem estão a falar, pois em muitos
casos o principal objetivo é a simulação de uma experiência sexual. Por exemplo nos
fetiches de dominação-submissão, o dominador manda o submisso fazer o que ele
manda (ajoelhar-se, pôr as mãos atrás das costas, beijar o chão como se beijasse os pés
do dominador, etc.), mas tudo se passa diante do ecrã do computador, em que um vê o
outro fazer o que ele manda fazer. Outro exemplo relatado pelos seus praticantes, do
qual se vangloriam, é o facto de se masturbarem-se em frente à câmara do computador,
e verem-se uns aos outros a fazê-lo, e só isso dá-lhes prazer.
Nessas experiências não existe qualquer contacto físico, é tudo sexo virtual, mas
mesmo assim há muitos indivíduos que preferem o sexo virtual ao sexo presencial,
porque consideram que é mais estimulante para a imaginação e para o desejo, e alguns
deles atingem mais facilmente e mais intensamente o prazer através do sexo virtual.
Esta prática torna-se num substituto do sexo real e em muitos casos faz com que não se
dê atenção ao parceiro da vida real (o companheiro, o namorado, o cônjuge), nem se
tenha relações sexuais com ele, e nem a outros possíveis parceiros presenciais, devido
ao facto dessas pessoas passarem muito tempo no sexo virtual. Devido à prática
frequente e em alguns casos demasiada do sexo virtual, há mesmo indivíduos que
deixam de conseguir atingir o orgasmo sem ser através do sexo virtual, e alguns
consideram que esta é praticamente a única forma de sentirem excitação e obterem
prazer sexual. Muitos indivíduos, em vez de estarem sexualmente com alguém na vida
real, preferem estar em frente do computador, e dedicar todo o tempo a conversas
excitantes e à masturbação, através de determinadas redes sociais que permitem sexo
virtual como o principal meio de estimulação sexual. Esta prática afasta muitos
indivíduos da vida real, é uma das principais causas da crise da relação entre muitos
casais, e a causa de muitos divórcios.
Do ponto de vista psicológico o sexo virtual pode levar à alienação e à
despersonalização, quando ultrapassa a distância entre fantasia e mundo real, e quando
se torna a única forma de experiência sexual, não porque os indivíduos não consigam
experiências sexuais fora do mundo online, mas sim por se terem tornado demasiado
dependentes do mundo online. Assim, em vez da intimidade entre duas pessoas
presencialmente, o sexo virtual cria um mundo em que o indivíduo fica fechado no seu
mundo, em casa, sozinho, em frente a um computador, encerrado em prazeres
individuais e não partilhados, pois a outra pessoa realmente não está junto de si, levando
portanto a uma falsa sensação de intimidade entre as pessoas. Esta modalidade de sexo
torna-se oca, sem conteúdo, mas satisfatória para muitos indivíduos, ou porque não têm
outra modalidade, por exemplo devido à sua timidez, ou devido ao facto de viverem
geograficamente em meios isolados, ou porque apesar de poderem ter outra modalidade
de sexo preferem esta.
O sexo virtual traz consigo outros problemas. Um deles é a dependência, pois há
muitos utilizadores que recorrem a ele compulsivamente, e passam a ter mais sexo
virtual do que sexo na vida real, e alguns nem sequer têm sexo na vida real devido ao
facto de estarem viciados no sexo virtual, passando demasiadas horas em frente do
computador, a conversarem com outro indivíduo que está noutro computador. Há
indivíduos que passam horas seguidas a terem uma conversa excitante, e a
masturbarem-se em frente do computador, vivendo uma vida sexual vazia de conteúdo
real, mas só isso os excita sexualmente, e portanto não é apenas porque são tímidos ou
não conseguem encontrar alguém na vida real, mas sim porque, conforme já referimos,
sentem gosto no sexo virtual.
Outro problema ligados à pratica do sexo virtual, é o tráfico do cibersexo, em
que as vítimas são transportadas por traficantes para locais presenciais específicos, que
são locais com webcams e outros dispositivos conectados à Internet, com software de
streaming (uma forma de distribuição digital em oposição à descarga de dados), que
permite mais facilmente a visualização de sexo ao vivo naquele instante, num local
distante. As vítimas são então forçadas a realizar atos sexuais entre elas ou com outras
pessoas, por vezes com os próprios traficantes, em vídeos ao vivo, que são transmitidos
através da câmara de certos sites e de algumas redes sociais.
A perda da privacidade é outro risco, como sucede por exemplo com o Grindr
(um aplicativo de rede social para homossexuais e bissexuais), que permite saber a
localização exata de homossexuais ou bissexuais nas proximidades onde a pessoa se
encontra, e quantos existem (por exemplo numa rua, num condomínio, numa empresa,
num restaurante), bastando que estejam registados e que estejam online. Essa rede
social é um risco para a privacidade, mas também para a segurança desses indivíduos,
principalmente em países onde a homossexualidade é crime e é punida, pois podem
encontrar falsos interessados, tratando-se apenas de uma armadilha para os encontrar.
Alguns pesquisadores têm demonstrado como conseguem localizar qualquer
pessoa através da rede social do Grindr, em muito pouco tempo, criando contas falsas.
com localizações enganosas. Esses pesquisadores conseguiram localizar essas pessoas,
mesmo que o seu utilizador tivesse desligado a função que mostra a sua distância para o
potencial parceiro sexual. É também muito frequente os utilizadores do Grindr, quando
estão online, ao estarem por exemplo num restaurante, a procurarem parceiros sexuais,
ou a falarem com algum deles, outros utilizadores dessa rede social ficarem a saber que
há outro homossexual no restaurante, pois o mecanismo eletrónico dessa rede social
capta imediatamente a presença de um utilizador, permitindo automaticamente que
outro utilizador saiba que está perto dele um potencial interessado, e quem é essa
pessoa, como por exemplo a sua fotografia, o que acontece como forma de atrair
indivíduos interessados.
O contacto entre indivíduos que se conhecem, ou mesmo o contacto entre
indivíduos que não se conhecem (uma amizade virtual, um amor virtual), podem acabar
em chantagem, pois para isso basta que se partilhem fotografias ou vídeos íntimos de
cariz sexual, através de certas redes sociais, que podem depois ser utilizados para
extorquir dinheiro em troca da sua não divulgação. Há utilizadores que partilham
informações com indivíduos desconhecidos, e quando o material é enviado diretamente
(por exemplo fotos pessoais), perde-se o controle sobre aquilo que é enviado, e essas
fotos podem acabar nas mãos de qualquer pessoa.
Há indivíduos que na sequência de trocas de fotos para encontros sexuais,
publicam em determinados sites ou redes sociais fotos do corpo nu de alguém, para a
humilhar, ou para se vingarem de algo que os tenha desgostado, por exemplo o não
cumprimento de um dos parceiros daquilo que tinha sido combinado. Há também
indivíduos que exigem a uma pessoa ter sexo com ela, dizendo-lhe que se ela se recusar
publicarão fotografias ou vídeos íntimos dessa pessoa (que muitas vezes foram gravados
sem essa pessoas saber que estava a ser filmada). Há também a publicação de fotos de
mulheres nuas, que antigos companheiros, namorados ou maridos colocam em blogues,
sites e redes sociais, por ciúme, por vingança, etc., depois de elas terem terminado a
relação que mantinham com eles. Há também indivíduos que o fazem para exibirem
perante amigos a “mulher fabulosa” com quem andam ou andaram a ter relações
sexuais, para se vangloriarem da sua masculinidade e do facto de terem ou de terem tido
uma mulher tão atraente e “boa sexualmente”. Tudo isto traz como consequência a
perda de privacidade, perda essa que não refere apenas ao sexo mas a muitas outras
informações pessoais, que também são publicadas e partilhadas em sites, blogues, e
redes sociais. Devido à sua importância, dedicaremos todo o capítulo seguinte ao tema
da perda da privacidade.
A PERDA DA PRIVACIDADE

A EXPOSIÇÃO DA PRIVACIDADE PELOS PRÓPRIOS


UTILIZADORES

A privacidade enquanto problema coloca-se da seguinte maneira : ou o indivíduo


tem de a expor e não o quer fazer, e portanto essa exposição é para ele um problema, ou
o indivíduo não é obrigado a expô-la mas expõe-na pois isso não é para ele um
problema. O problema aqui está na perda da privacidade. No entanto,  nas redes sociais
o problema da perda da existe de duas maneiras : ou o próprio indivíduo a quem a
privacidade diz respeito expõe-na porque ele quer, ou a privacidade é invadida e violada
por outros indivíduos apesar do indivíduo a quem a privacidade diz respeito não o
querer. Em alguns casos um indivíduo invade a privacidade de outro sem que o outro se
aperceba, ou sem que o outro tenha consciência dos riscos, ou ainda sem que o outro
reaja negativamente, mas sim com indiferença. Vejamos neste capítulo a perda da
privacidade pelo indivíduo que a expõe em relação a si próprio, e no capítulo seguinte a
perda da privacidade devido à sua violação por outros indivíduos.
Na exposição da privacidade nas redes sociais, feita pelo seu próprio utilizador,
há que distinguir entre a que é solicitada pelas próprias redes sociais, como por
exemplo o Facebook, e a que o utilizador expõe por sua própria iniciativa. Na que é
solicitada pelas redes sociais, o utilizador é incentivado a colocar na sua página os
seguintes dados pessoais : idade, nome dos amigos (mesmo que estes não deem
autorização), aniversário, localidade onde vive, percurso escolar, carreira académica,
profissão, emprego atual, telefone, endereço de e-mail, músicas favoritas, filmes
favoritos, jogos favoritos, marcas de modas favoritas, livros favoritos. São muitos
dados, todos eles dizendo respeito à privacidade dos utilizadores, e embora não seja
obrigatório responder e ficarem gravados estes dados e acessíveis para todos os que os
quiser ler, muitos utilizadores acabam por preencher o “formulário” e assim ficam
respondidas e expostas em público todas estas informações.
Por outro lado, e mesmo que não estejam visíveis ao público, o sistema
informático de redes sociais como o Facebook contém muitas outras informações sobre
os seus utilizadores, tais como os tempos de conversas privadas com amigos através do
Messenger, os amigos cujas páginas os utilizadores visitam, a frequência com que
visitam essas páginas, as ligações que aceitam, os eventos em que participam, as fotos
transferidas para o Facebook, as publicações em que o utilizador clicou, onde comentou,
onde colocou “gosto”, etc. Muitos desses dados permitem muitas vezes saber de que
tipo de pessoa se trata, os seus gosto, as suas preferências, o seu modo de vida, a sua
faixa etária, os seus interesses políticos, os desportos que pratica, os seus hábitos de
consumo, etc., possibilitando a certas empresas obterem de algumas redes sociais o
perfil dos seus utilizadores e encontrarem potenciais compradores para determinados
produtos, enviando-lhes publicidade. Mesmo que os utilizadores não estivessem lá para
fazer compras, os anunciantes podiam usar os conhecimentos que algumas empresas
das redes sociais têm sobre os seus utilizadores, para os converterem em clientes.
Na situação referida anteriormente, embora a perda de privacidade proceda do
próprio utilizador das redes sociais, ela é feita involuntariamente. No entanto, também
acontece, e muito, a perda de privacidade voluntária, devido ao facto de ser o próprio
utilizador a expor-se publicamente, e ter consciência de que o faz. A nível geral a perda
da privacidade resulta da comunicação voluntária verbal da privacidade, que pode ser,
por exemplo, revelar a alguém factos da sua vida privada, através de uma conversa
presencial, de uma confidência por telefone, por carta, por e-mail, por chat, ou através
de confissão clínica, perante um médico ou um psicólogo, ou na confissão religiosa
perante um sacerdote ou um diretor espiritual. Muitas pessoas, apesar de sentirem
necessidade de preservar a privacidade, sentem também necessidade de falar de si
próprias, não apenas por desejo de protagonismo, de exibição ou de fama, mas também
por uma necessidade de terem alguém com quem falar sobre os seus anseios, as suas
angústias, as suas preocupações, os seus problemas, e portanto por razões psicológicas
(um “desabafo” pelos seus problemas). No entanto a vida quotidiana de alguns
indivíduos, os seus problemas pessoais, as suas dúvidas, as suas angústias e incertezas,
por vezes são expostas com tanta transparência e frequência nas redes sociais, que
algumas redes sociais parecem um autêntico confessionário, onde esses indivíduos vão
“confessar” a sua vida privada e o seu mundo interior.
A comunicação da privacidade feita pelo próprio indivíduo a quem a privacidade
diz respeito, acontece ou em privado em para auditórios muito vastos. Neste caso temos,
por exemplo, as revelações feitas através da televisão, em reality shows, e na Internet os
blogues, as redes sociais, os vídeos pessoais no YouTube. Através de determinados
programas da televisão, da rádio ou das chamadas “revistas de cor-de-rosa”, alguns
indivíduos expõem voluntariamente os dados pessoais e familiares, as suas preferências
e tendências, os hábitos de consumo, os ideais, os planos, os amores, as capacidades
financeiras. Uma entrevista concedida a um órgão de comunicação social pode também
ser uma forma de auto exposição da privacidade. Tendo em conta um público mais
vasto, como o da televisão, o conceito que melhor se aplica é o de testemunho (por
exemplo num programa de televisão sobre a violência doméstica, uma mulher que
testemunha factos da sua vida privada, enquanto vítima de violência doméstica). O
testemunho também se aplica a outras situações, como quando uma pessoa pede a outra
para testemunhar algo em Tribunal, e ao testemunhar a favor ou contra alguém, a pessoa
que testemunha pode comprometer também a sua própria privacidade.

A liberdade de comunicação de hoje aumenta a responsabilidade pessoal nas


mensagens e nos seus efeitos, originando por vezes alguns conflitos. Em algumas
situações prevalece a reserva da privacidade, enquanto noutras prevalece a necessidade
de comunicação, como forma de uma pessoa se sentir aliviada dos seus problemas.
Quando há conflito interior e tem de se optar, em algumas situações há maior conflito
do que noutras. A nossa vontade é superada por outras vontades (do próprio ou de
outros), ou pelo sentido do dever, por exemplo, no caso do dever de dar testemunho,
suscitando uma ética no dever de comunicação (o que deve comunicar, quando deve
comunicar, a quem deve comunicar e como deve comunicar).

Estes exemplos de comunicação que implicam com a nossa privacidade são


exteriorizações voluntárias (mesmo que o indivíduo se sinta influenciado por
determinadas condições sociais que o levam a revelar-se). Não se trata de um
automatismo da comunicação, mas de algo em que o indivíduo tem liberdade na
construção, reconstituição, e na forma de comunicação da sua privacidade. Devido ao
facto de ser uma comunicação voluntária da sua privacidade, é a revelação de uma
interioridade em que o sujeito por um lado se revela mas por outro lado se esconde ou
se pode esconder. O sujeito pode controlar aquilo que diz, ao perscrutar o seu interior
para o tornar revelado aos outros (e, portanto, ao exteriorizar-se) pode opacificar a sua
comunicação, criando zonas de sombra que são zonas de não dito, propositadamente,
intencionalmente, voluntariamente.

Atualmente, e mais do que nunca, vive-se sob o domínio dos meios de


comunicação social, que querem saber tudo, e sabê-lo de toda a gente. No nosso tempo,
a sociedade da informação e a cultura da transparência têm contribuído cada vez mais
para alterar as fronteiras entre o público e o privado e alargar a esfera do que é privado,
de tal modo que alguns assuntos tradicionalmente pertencentes à vida privada (por
exemplo, os problemas familiares) são hoje vistos e discutidos em público.

As redes sociais são hoje o principal meio através do qual bastantes pessoas
constroem uma imagem de si próprias e onde a generalidade das pessoas publica
somente os aspetos da realidade que lhes são favoráveis. As redes sociais são uma das
melhores oportunidades para as pessoas mostrarem aos outros uma visão idealizada das
suas vidas, aparentando uma vida cor de rosa, uma vida perfeita. Existe hoje uma
espécie de show do eu, em que as pessoas expostas são também elas próprias que se
expõem, com muita facilidade, através de fotografias que publicam nas redes sociais,
mostrando o seu dia a dia em casa, no trabalho, no lazer, em situações de intimidade
amorosa, uma foto sua na praia ou na piscina, a ida a um restaurante famoso, a última
viagem, a noite divertidíssima numa discoteca ao lado dos amigos, a sua gravidez, uma
foto do seu filho recém-nascido, uma foto das flores enviadas pelo namorado ou pelo
marido, etc. Estes e outros exemplos revelam um narcisismo e uma vaidade por vezes
obsessiva, em que se chega a cair mesmo no ridículo, sem que muitos utilizadores das
redes sociais tenham consciência do ridículo da sua auto exibição, e mesmo que tenham
consciência disso, não se incomodam.
Muitos utilizadores das redes sociais chegam a publicar fotos de si próprios
vestidos com roupas caras, tiradas nos provadores de roupas de lojas de roupa muito
cara, apesar de não a terem comprado. Já em 1967 Guy Debord dizia que estamos
vivendo numa sociedade do espetáculo, “em que a sociedade do espetáculo é a
afirmação da aparência, o que aparece é bom, o que é bom aparece, e que a sua função é
chegar nele próprio”.6 Nesta obra Debord fala sobre a questão do ter em vez do ser, pois
as pessoas cada vez mais querem ter um carro, uma casa, tecnologias de última marca,
aparelhagens, roupas caras, etc., para se mostrarem e darem uma aparência de poder, em
que quem mais tem e mais aparece é o melhor, e em que o mais importante é ostentar o
que se tem. Para muitos indivíduos não basta ter, o importante é mostrar aos outros
indivíduos que se tem determinadas coisas (uma vivenda, um carro caro, etc.), e sentem
mais prazer por terem algo, ao mostrarem que o têm. Em alguns casos não se tem mas
finge-se que se tem, publicando-se nas redes sociais fotos falsas de praias ditas
paradisíacas, em países exóticos, como se esses indivíduos tivessem lá estado, mas que
foram tiradas em praias do país onde esses indivíduos vivem.
A autoexposição da privacidade, real ou fictícia, banalizou-se através dos novos
meios de comunicação: os blogues, os programas de conversação como os chats, os
fóruns de discussão, os vídeos pessoais a circularem na Internet, como por exemplo no
YouTube, no TikTok, no Facebook, ou no Twitter. Os próprios órgãos de comunicação
social tradicionais passaram a praticar também a exposição da privacidade, tendo aliás
como objetivo principal fazerem programas em que mostram a privacidade, como os
programas de televisão de reality shows como o Big Brother, ou através da rádio, pois
há programas de rádio em qualquer pessoa pode telefonar para os estúdios da rádio e
relatar os seus problemas pessoais, e isso ser transmitido em direto para todos os
ouvintes.

Também os telemóveis, os programas de espionagem que podem existir através


de muitos deles, ou as conversas em voz alta no telemóvel feitas em pleno espaço
público, como por exemplo dentro dos transportes públicos, em que somos invadidos
com as conversas privadas das pessoas, que se expõem despreocupadamente, são
exemplos da exposição fácil e banal da privacidade no mundo de hoje. Através de

6
Guy Debord, A sociedade do espetáculo, Lisboa, Ed. Antígona, 2012, p. 16.
determinados programas televisivos e radiofónicos, das “revistas de cor-de-rosa”, e
sobretudo através das redes sociais, são os próprios indivíduos que expõem facilmente a
sua vida privada, por necessidade de descarga das suas tensões psicológicas, por
necessidade de lhes deem atenção ou por necessidade de terem protagonismo. Tudo se
passa como se a vida privada do homem comum seja hoje numa espécie de espetáculo,
que é apresentado em qualquer espaço público, situação esta que leva a generalidade
dos indivíduos a ser invadida no dia a dias pela privacidade de outros indivíduos,
incluindo dos que não são figuras públicas, mesmo que os que são alvo da exposição
dessa privacidade não o queiram. Apesar de não querermos ser incomodados com
trivialidades sobre a vida dos outros, muitas vezes é difícil evitar isso, pois somos
invadidos por notícias sobre essas mesmas trivialidades. Mesmo que nós próprios não
queiramos receber o espetáculo da privacidade, somos quase obrigados a recebê-lo no
dia a dia, pois tornou-se banal encontrarmos expostos nas ruas e nas montras das lojas
diversas revistas e jornais exibindo nas capas dessas revistas e desses jornais a vida
privada de outras pessoas, tanto de figuras públicas como de cidadãos comuns. Através
desses e de outros meios, muitas pessoas hoje publicitam ou deixam publicitar a sua
privacidade: os seus dados pessoais, familiares, as suas preferências, os seus gostos e
ideais, as suas tendências, os seus planos de vida e os seus sonhos, e é nas redes sociais
que isso mais acontece. Muitos utilizadores colocam aí todas essas coisas para os outros
utilizadores verem, não apenas os seus amigos, mas também os utilizadores que não
conhecem, satisfazendo a grande necessidade que têm de se mostrarem em público.
Alguns utilizadores das redes sociais fazem isso por vaidade, outros por necessidade de
que lhes deem atenção, outros por gosto de exibicionismo, outros com o objetivo de
serem populares e famosos.

Por outro lado, essa atitude acontece também porque a sociedade de hoje, direta
ou indiretamente, influencia, suscita e solicita a revelação fácil e indiferenciada da
privacidade. Dado que tudo se tornou mais visível através dos meios de comunicação
social, e dado que tudo se tornou ainda mais visível através das redes sociais, tudo se
tornou mais acessível por qualquer indivíduo, vendo o que os outros fazem e dizem,
entrando-se numa cadeia comunicacional em que por vezes se compete na exposição da
vida privada. A Globalização no mundo de hoje acabou por produzir efeitos nunca
dantes vistos nem imaginados, a todos os níveis. Com os meios de comunicação de
massa e as alterações produzidas pelas novas tecnologias, nomeadamente a Internet, e
nela as redes sociais, as barreiras geográficas deram lugar a um mundo universal, em
que todas as pessoas podem ter acesso às mesmas informações sobre tudo ou sobre uma
determinada pessoa, mesmo que essa pessoa não seja um político ou uma pessoa
famosa, e por vezes sem que a pessoa a quem essas informações dizem respeito saiba
dessa divulgação ou sem que tenha controlo sobre quando, como e a quem se podem
divulgar.

À luz do contexto generalizado da sociedade atual, em que a privacidade se


banalizou, há muitos utilizadores das redes sociais que andam constantemente a colocar
fotos suas, e a atualizar o seu estado. Cada vez que um utilizar de determinadas redes
sociais, como por exemplo o Facebook, atualiza o seu estado pondo no seu perfil uma
nova foto sua, o próprio programa informático das redes sociais comunica isso aos
amigos desse utilizador. Algumas redes sociais incentivam também os seus utilizadores
a partilharem a sua localização atual (“neste momento estou em tal local”), etc. Selfies,
tweets, e posts nas redes sociais, são uma maneira de muitas pessoas chamarem a
atenção sobre si mesmas, de lembrarem aos outros que existem, e fazendo-o
excessivamente. Este excesso de exposição nas redes sociais, feito por muitos dos seus
utilizadores, é uma forma de procurarem seguidores, “amigos”, estatuto, popularidade,
fama, prestígio. O contexto da sociedade atual faz com que muitos utilizadores das
redes sociais tenham desejo e vaidade de mostrarem constantemente as suas qualidades,
as suas proezas, o seus bens pessoais, e o facto de serem diretores ou presidentes de
determinadas instituições ou empresas. Esses utilizadores das redes sociais querem ser
vistos e aprovados constantemente, nunca estão satisfeitos com o que publicam sobre
si, nem com os bons comentários que recebem, nem com o número de seguidores, por
isso estão sempre a aparecer para se sentirem importantes. O problema não está apenas
na quantidade de vezes que aparecem, mas também na falta de qualidade daquilo que
publicam, isto é, no facto de exporem nas redes sociais um grande número de coisas
banais e insignificantes : as fotos dos pratos que cozinharam, a descrição daquilo que
comeram ao almoço, a informação sobre a roupa que compraram, etc., não se
apercebendo ou não querendo saber do ridículo das banalidades que expõem nas redes
sociais.

As redes sociais são um meio que direta ou indiretamente incentiva a exibição.


Enquanto no dia a dia , no mundo real, cada indivíduo anda por aí, sem ninguém reparar
nele, nas redes sociais muitos indivíduos aproveitam a oportunidade para se tornarem
visíveis, insistentemente visíveis, e para isso muitos querem agir, mostrar-se e
comunicar, mesmo que não tenham nada de importante para dizer. Na ânsia de
chamarem a atenção dos outros, com o espetáculo sobre si mesmos, através de muitos
posts, tuítes, fotos ou vídeos, no fundo o que muitos indivíduos estão a dizer é o
seguinte : “Olhem para mim”.

Muitos querem exibir o que têm ou o que fizeram, originando-se uma


concorrência sobre quem tem mais, sobre quem faz mais, sobre quem sabe mais, pois
muitos sentem que para serem ou fazerem algo só o são e o fazem se mostrarem, se
derem show de si próprios, se exibirem-se. Muitos consideram que não basta ter um (a)
namorado (a), é necessário mostrar que se tem. Não basta estar grávida, é necessário
mostrar que se está grávida. Não basta viajar, é necessário mostrar que se viaja. Não
basta ter sido promovido profissionalmente, é necessário mostrar que se foi promovido.
Não basta ter passado a ser o diretor ou o presidente de uma empresa ou de uma
associação, é necessário mostrar que agora se é o diretor ou o presidente. Não basta
fazer isto ou aquilo, é necessário exibi-lo, e a sociedade do mundo de hoje, sob a forte
influência das redes sociais, contribui muito para isso e faz aumentar essa atitude.

Uma coisa pode ser considerada como exibicionismo (por exemplo um


indivíduo que exibe os seus dotes e talentos), sendo considerado pouco modesto, ou ser
considerada como exibicionismo apenas quando a exibição se torna repetida e
insistente, como sucede por exemplo nas redes sociais. Tal como na vida real e não
virtual, uma pessoa que se veste muito bem, ou de maneira “excêntrica”, e em eventos
sociais, essa atitude pode ser considerada uma mera exibição, enquanto para outros pode
ser considerado exibicionismo. O mesmo acontece nas redes sociais, pois quando um
indivíduo aí coloca fotos das suas viagens a destinos paradisíacos, está a exibir um
facto, mas para outros pode desde logo ser considerado como exibicionismo (ou pelo
facto em sim, mesmo que o exiba apenas uma vez), ou devido ao facto de o exibir
muitas vezes.
Devido à facilidade de usar as redes sociais, qualquer indivíduo pode publicar aí
coisas que muitas vezes têm a ver com a sua privacidade (por exemplo, como passou as
suas férias, onde e com quem), mas esse indivíduo pode não encarar isso como
exposição da sua privacidade. De igual modo, o facto de o ter publicado nas redes
sociais para quem o faz pode não ser considerado como exibicionismo, enquanto para
muitos leitores pode ser considerado como exibicionismo. Nem toda a exibição diz
respeito à privacidade, e nem toda a privacidade passa pela exibição (pois há muitos
indivíduos que não a exibem), assim como nem toda a exibição é necessariamente
exibicionismo. O problema está no facto de a exibição de determinada coisa atingir um
elevado número de indivíduos, pois mostrar as fotos das suas viagens de preços altos a
familiares e a amigos, pode fazer parte da própria amizade, por ser normal comunicar
isso a amigos, enquanto pô-las nas redes sociais, exibindo as suas viagens e a suas
proezas (o facto de ter conseguido ir a um país muito distante e dificilmente alcançável)
é muitas vezes puro exibicionismo.
O exibicionismo não está apenas no facto de se exibir uma determinada coisa a
uma elevado número de indivíduos desconhecidos, nem no número de vezes com que a
pessoa a anda a exibir, mas também naquilo que se exibe. Por exemplo, há
determinados programas da televisão em que muitos indivíduos expõem factos da sua
via privada e íntima, como por exemplo os seus problemas familiares, o seu divórcio, a
sua doença incurável. Esses indivíduos dão um testemunho de vida, que pode não ser
considerado uma exibição, e muito menos um exibicionismo. Em termos concretos, esse
indivíduo não está a exibir a sua vida privada, mas simplesmente a relatá-la, mas para
muitos outros indivíduos isso pode ser considerado como exibição, e consoante aquilo
que expõe, a forma como o expõe, é muitas vezes considerado puro exibicionismo, ou
por esse indivíduo se considerar como um “herói” no meio de tantas tribulações que tem
sofrido ao longo da sua vida, ou para se vangloriar de feitos importantes que realizou
(por exemplo a sua travessia de barco durante um ano, à volta do mundo).
As redes sociais, mais do que qualquer outro meio, alimentam e promovem
muito esta tendência, e há mesmo páginas no Facebook vocacionadas para os seus
utilizadores exporem a sua vida privada. No entanto, há também situações em que
muitos utilizadores não têm voz ativa, sendo apanhados e usados por outros utilizadores,
que invadem e expõem a sua privacidade, conforme veremos no capítulo seguinte.

A VIOLAÇÃO DA PRIVACIDADE POR OUTROS UTILIZADORES

Na violação da privacidade pode-se distinguir-se entre as violações que vem já


de antigamente e as violações que são características do mundo de hoje. No que diz
respeito às primeiras, temos como exemplo uma que lhe está tradicionalmente associada
e que continua atual: a violação da residência (sendo a residência de uma pessoa um dos
elementos importantes da sua privacidade). Se o proprietário de uma casa, que a
arrendou legalmente, entrar dentro dela sem autorização do inquilino, ou combinar com
este uma visita à casa, para supostamente ver o seu estado de conservação, e se essa
casa continuar a ter o mesmo uso para a qual foi arrendada (habitação), se ao longo da
duração do contrato de arrendamento as deslocações do proprietário da casa forem
frequentes, sob sua exigência, o inquilino fica numa situação vulnerável perante o
proprietário que, a pretexto dessas justificações (ou sem nenhuma), comete uma
violação da privacidade do inquilino.

Porém, o que nos leva aqui a falar na violação da privacidade é a sua


diminuição, e em muitos casos a sua perda, no mundo de hoje, e o que há de novo e de
característico atualmente no desrespeito pelo direito à privacidade. Hoje em dia vive-se
outra realidade, pois existem outros tipos de invasão da privacidade, e de forma muito
mais intensa, certamente inimaginável pelos advogados norte-americanos que em 1890
fizeram surgir as bases legais do direito à privacidade. A situação de hoje também seria
nova para aqueles que participaram na elaboração do artigo 12 da Declaração
Universal dos Direitos do Homem, e do artigo 17 do Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos. A violação de e-mails particulares (de comunicação pessoal ou
profissional), a violação de dados pessoais sobre a conta bancária de cada pessoa, de
dados pessoais sobre a sua saúde, de dados pessoais sobre as suas convicções políticas e
religiosas, de ficheiros guardados em arquivos eletrónicos, o controlo das compras
efetuadas através de cartão multibanco, a facilidade em obter dados pessoais, por
exemplo através da navegação na Internet, as informações e gravações de conversas
telefónicas de voz ou digitalizadas, etc., mostram bem o risco que corre hoje em dia o
direito à privacidade, de todos os que tenham acesso a meios eletrónicos digitais ou
informáticos.

Não é apenas mostrando a vida privada nas redes sociais que se pode
desenvolver um comportamento obsessivo em relação à privacidade, pois a observação
da vida privada também é igualmente uma obsessão de muitos utilizadores das redes
sociais. A curiosidade sobre a vida de outras pessoas sempre despertou prazer na
Humanidade, por isso as “revistas cor de rosa” e determinados programas de televisão
expõem a privacidade de muitas pessoas. Não existe problema em olhar os perfis de
outras pessoas nas redes sociais, mas uma coisa é ter interesse no que outros utilizadores
publicam, outra é passar o tempo todo a perseguir a vida das pessoas, tornando-se num
stalker. O comportamento stalker consiste no ato de vigiar, buscar e perseguir a vida de
outra pessoa, por exemplo um(a) antigo(a) companheiro (a) ou namorado (a), feito
principalmente por pessoas que querem saber e controlar com frequência a vida de
outras pessoas. O hábito de stalkear pode ser progressivo e acarretar graves
consequências. Em algumas situações, pode fazer com que a pessoa que stalkeia adote
ações abusivas e altamente invasivas.
Essa atitude é muito facilitada pelo mecanismo eletrónico da Internet, como por
exemplo os motores de busca. As pegadas digitais de todos os seus utilizadores ficam
gravados na rede, e através destes serviços o grau de alcance daquilo que se localiza é
cada vez maior. Existem filtros de diversos tipos, através de palavras, tipos de arquivo,
números, localização espacial, entre outros, que vão proporcionando a construção de
perfis do seu utilizador e que praticamente impossibilitam a sua privacidade. Um dos
casos mais importantes são os chamados cookies, que são programas instalados em
computadores, usados para finalidades profissionais e pessoais, e que registam as
operações efetuadas pelos utentes. Os cookies dão a possibilidade de se desenhar o
perfil dos utilizadores dos computadores, através dos sites que visitam e da duração
dessas visitas. O envio maciço de spam para as caixas de correio eletrónico constitui
também uma pressão sobre a privacidade dos destinatários, sem estes terem a
possibilidade de reagir e responder a quem os enviou. Quem envia estas e outras
mensagens conhece o endereço do correio eletrónico do destinatário, embora este não
conheça o endereço do correio eletrónico de quem os enviou, e mesmo que responda à
mensagem, a resposta vem sempre devolvida, pois informaticamente o sistema está
preparado para que seja impossível a resposta ser entregue.

As redes sociais revolucionaram a comunicação entre os indivíduos,


promovendo a democratização do espaço público, possibilitando a todos tornarem-se
emissores e não apenas recetores de informação, neste caso de informação sobre si
próprios e sobre os outros. Por exemplo, embora o Facebook, na sua “Declaração de
Direitos e Responsabilidades” diga que garante a confidencialidade dos dados pessoais
dos seus utilizadores, na verdade isso não acontece, pois oferece a possibilidade de
serem partilhados. Embora a maioria dos utilizadores coloque no “Feed” de notícias
publicações apenas para os seus amigos, a noção de “amigos” é uma porta aberta, pois a
publicação primeiro torna-se semi pública, e depois, a pouco e pouco, torna-se pública,
bastando outros indivíduos partilharem-na. Por outro lado, na Internet o seu utilizador
por vezes não está livre de um mau funcionamento técnico, como já aconteceu por
exemplo em Setembro de 2012 no Facebook, quando mensagens estritamente privadas
enviadas da função de mensagens eram visíveis no histórico do computador (na linha do
tempo), misturadas com mensagens públicas, mensagens essas que foram invadidas por
muitos curiosos.

A fronteira entre o que pode ser tornado público e o que tem a ver com a
privacidade não é compreendida nem respeitada por todos. À medida que vamos
navegando nas redes sociais, vamos produzindo um enorme conjunto de conteúdos e
deixamos, ativa ou passivamente, um rasto de informações, que outros utilizadores
podem utilizar. Graças à evolução tecnológica, esta pegada digital assume-se cada vez
mais como ilimitada e contínua. Há muitas páginas pessoais, muitos blogues, muitas
bases de dados e muitos sites que são pirateados. As redes sociais hoje em dia são um
dos locais mais procurados para as intromissões na privacidade de outros indivíduos.
Qualquer pessoa pode fotografar outra pessoa, conhecida ou não conhecida, e pôr essa
fotografia a circular nas redes sociais, e sem que a pessoa fotografada o saiba ou o
consinta. Há pessoas que expõem fotografias suas nas redes sociais, mas a segurança
não é avaliada com a exposição e por conseguinte a fotografia da pessoa pode ser
utilizada para fins diversos.

Muitos utilizadores fotografam os seus amigos e outras pessoas, e publicam a


fotografia nas redes sociais sem pedirem autorização aos intervenientes nessas
fotografias. Todavia, a fotografia só pode ser publicada se as pessoas fotografadas o
consentirem. Portanto, isso é ilegal, pois o rosto das pessoas não pode ser exposto
publicamente sem a sua autorização. Se alguém estiver num evento público e decidir
fotografar um grupo de pessoas e publicar essa foto nas redes sociais, poderá fazê-lo
desde que os intervenientes não estejam focados ou destacados, e neste caso ainda mais
fácil é publicar fotos, mas mesmo assim não deixa de ser uma invasão da privacidade,
pois o objetivo não foi dar destaque ao evento público mas a uma determinada pessoa
que nele se encontrava.
A partir de uma fotografia, por exemplo, de uma festa de Natal de uma empresa,
que alguém anónimo publique nas redes sociais, é possível que toda a gente fique a
saber o local onde uma pessoa trabalha; se for num restaurante, fica-se a saber o local
onde almoça; se for numa discoteca, fica-se a saber que discoteca frequenta; se for num
grupo de amigos, fica-se a saber quem são os seus amigos, etc., que pode ser utlizada,
comentada, partilhada, etc. Outra prática em certas redes sociais é a da colocação de
fotografias de antigos namorados ou esposos, por exemplo fotografias de corpos nus ou
meios nus da pessoa com quem mantinham uma relação, por antigos namorados ou
esposos, que se pretendem vingar do fim de uma relação, de um namoro ou de um
casamento.

O roubo de identidade causa muitos danos à privacidade, pois basta criar um


perfil, com o nome e a foto de uma pessoa existente, e depois adicionar a mesma lista de
amigos. Muitos utilizadores das redes sociais aceitarão sem suspeita, e será fácil passar-
se por outra pessoa. Os “hackers” (pessoas com perfil falso), aguardam por
informações que para eles são de grande valor, com o objetivo de as utilizarem para fins
ilícitos. Crianças e adolescentes, devido à sua menor experiência de vida, maior
ingenuidade e fragilidade são ou podem ser alvo de pessoas maldosas e sem escrúpulos,
como por exemplo os abusadores sexuais

A maioria desses adolescentes não tem consciência ou não reconhece os perigos


das redes sociais, utilizando-as com toda a credulidade e inocência. Muitos adolescentes
usam essas páginas apenas para manterem contato com amigos, mas a maioria dos
adolescentes coloca nas redes sociais muita informação pessoal, não apenas o seu nome
mas as suas fotos, os seus endereços, a Escola que frequentam, etc. Há páginas de redes
sociais que fornecem informações necessárias que certos utilizadores precisam para
atingirem adolescentes vulneráveis. Muitas crianças e adolescentes também podem ser
alvo de conversas de ladrões, fazendo-se passar por seus amigos, mentindo na idade,
para saberem dos hábitos dos seus pais, como por exemplo se vão de férias, quando vão
de férias, se vão para longe, etc., e saberem então quando a casa está vazia e a
assaltarem

A publicidade personalizada é outro uso dos dados pessoais, e através dela e de


outros meios os especialistas em informática invadem os dados pessoais de muitos
utilizadores das redes sociais, enganando-os para obterem dinheiro, sendo portanto uma
nova forma de embuste. Geralmente os especialistas nessa prática usam uma identidade
falsa para ganharem a confiança da vítima potencial. Também acontece fazerem-se
passar por uma autoridade, por exemplo fazendo-se passar por um consultor de banco,
ou fazendo-se passar por amigo ou parente, invadindo contas e escrevendo para os
contactos do utilizador. Os fraudulentos fingem fornecer determinados serviços ou
informações, quando o utilizador segue as suas instruções ou divulga informações
técnicas, que dão acesso por vezes a informações privadas.

No mundo do trabalho, também há cada vez há mais empregadores que usam as


redes sociais para encontrarem candidatos a um cargo profissional, e para verificarem o
perfil do candidato antes de uma entrevista. Se um candidato a um trabalho se apresenta
como um trabalhador criativo mas o conteúdo do seu perfil nas redes sociais é pouco
convincente, ou se vai contra as ideias, crenças e preconceitos do empregador, as
possibilidades do candidato ser recrutado são menores. A página de cada utilizador das
redes sociais é uma espécie de portfólio, onde demonstra os seus conhecimentos, o seu
percurso, os seus interesses, e há empresas que invadem essa página e procuram todos
os pormenores sobre os candidatos. Muitos empregadores antes de fazerem entrevistas a
candidatos para um trabalho, já foram ao Facebook pesquisar informações sobre os
eventuais novos trabalhadores. Mesmo já depois de alguns empregados terem sido
admitidos, há empresas que os dispensaram, não lhes renovaram o contrato, devido ao
conteúdo da página no Facebook desse trabalhador, mesmo que ele tenha um bom
desempenho no seu local de trabalho e seja um bom trabalhador.

O próprio funcionamento da Internet também facilita muito a violação da


privacidade. Por exemplo se uma pessoa visita antigos contactos de e-mail, lê antigas
mensagens que não foram apagadas, ou se encontra ou visita uma pessoa algures na
Internet, os algoritmos guardam esse “interesse” do utilizador sobre outro utilizador, e
nas páginas do Facebook sugerem : “Pessoas que talvez conheças”. Mesmo que nunca
mais queiramos contactar com essa pessoa, é o próprio Facebook que vai ao encontro
dessa pessoa, na sequência de um contacto acidental com ela na Internet, contacto esse
que o Facebook grava, e depois lhe sugere o contacto. O utilizador acaba por encontrar
o outro utilizador e envia-lhe mensagem através do Messenger, ou através das redes
sociais, utilizando o seu nome, ou fazendo-se passar por outro utilizador, insistindo em
voltar a estabelecer contacto com alguém que não o pretende. Há muitas interligações
que esse estabelecem na Internet, entre e-mails, Whatsapp, Messenger, e redes sociais, e
de repente uma pessoa pode ser contactada por alguém com quem já não queira
contactar. Isto acontece muito por exemplo com antigos namorados, ou com antigos
parceiros, que continuam à procura dessa pessoa, ou que mesmo não estando à procura
dela se lembram dela, através de interligações que surgem na Internet, onde o nome
dessa pessoa se encontra, e que os algoritmos das redes sociais gravam e sugerem,
bastando uma pessoa ter visitado uma determinada página onde ambas as pessoas se
encontram, originando portanto uma violação da privacidade dessa pessoa, apesar dela
não desejar mais ser contactada.
OS GOSTOS E AS PARTILHAS

A OBSESSÃO PELOS GOSTOS E OS GOSTOS FALSOS

Os “gostos” (que nas redes sociais são também designados por “likes”, e no
Brasil por “curtidas”), consistem na valorização de um texto, de uma foto, de um vídeo,
de uma pintura, de um comentário, ou de outra publicação de determinado utilizador,
através de clique num pequenino desenho de um punho com o polegar levantado, em
sinal de aprovação ou gosto, ou de um clique num coração como sinal de que se ama o
que foi publicado. Conforme cada clique nesse sinal de aprovação que está junto da
publicação, fica registado o número de pessoas que o fizeram.
Muitas dessas publicações são de textos sobre política, religião, etc., escritos e
comentados pelos utilizadores das redes sociais, ou partilhados de outras fontes, como
por exemplo de jornais e revistas. Tal como referimos a propósito da exposição da vida
privada, muitos utilizadores das redes sociais publicam também relatos e fotos de
eventos onde estiveram, tais como viagens, casamentos, festas, espetáculos, cocktails,
piqueniques, etc., e até mesmo de eventos onde não estiveram, ou de locais onde nunca
foram. Por vezes o objetivo não é tanto a confissão da sua vida, mas a publicação de
textos e de fotos apenas para receberem “gostos”, isto é, aprovações, aplausos e elogios.
As redes sociais criaram e aumentaram também a competição entre as pessoas, para
mostrarem e verem quem tem mais coisas, como por exemplo, uma carro de última
marca, quem mais viajou, etc., mas também para se ver quem recebe mais gostos
naquilo que publica.
Da parte do leitor dessas publicações há diferentes motivos ao colocar um
“gosto”. Há quem que coloque um “gosto” nos textos mesmo sem os terem lido,
fazendo-o apenas por gostarem da própria pessoa que os colocou, ou por se
identificarem com essa pessoa e a sua maneira de pensar, ou ainda porque o texto é de
um amigo ou de um familiar. Há “gostos” na publicação de alguém que um utilizador
ama, com quem está relacionado maritalmente, ou por quem tem um interesse afetivo,
ou para chamar a atenção, ou se mostrar presente. Há outros utilizadores que o fazem
com segundas intenções (por exemplo um vendedor para com um potencial cliente, de
modo a cativá-lo). Sucede também, por vezes, alguém receber um “gosto” de um
indivíduo anónimo, apenas porque este recebeu também um “gosto” numa publicação
que o outro utilizador fez. Há também muitos utilizadores que colocam um “gosto” na
publicação apenas porque essa publicação já tem muitos “gostos”.
Da parte de quem coloca as publicações, há também uma procura de “gostos”.
As conexões sociais entre os seres humanos podem-se expressar de muitas e variadas
maneiras, incluindo através das redes sociais, mas mais do que uma conexão social,
trata-se frequentemente da busca de reconhecimento, por vezes de forma obsessiva nas
redes sociais. Tal como a exposição da vida privada por muitos dos utilizadores das
redes sociais, os “gostos” promovem uma cultura narcísica do indivíduo, na qual ele
expõe as coisas positivas e negativas sobre si, as suas conquistas e as suas vitórias, os
seus problemas e as suas fraquezas, as suas felicidades e infelicidades. Nas redes sociais
existe a tendência de muitos dos seus utilizadores para criarem um perfil valorizável
por outros utilizadores, através de uma imagem sobre si que nem sempre corresponde à
realidade, cujo objetivo é captar a aprovação e a admiração dos outros. Na busca de
reconhecimento nas redes sociais, muitos dos seus utilizadores deformam a realidade
naquilo que dizem sobre si, outros deformam o conteúdo do texto que publicam, por
vezes retirado fora de contexto, ou contendo apenas uma parte do todo, com o objetivo
das pessoas gostarem da sua publicação, colocando junto dela o sinal de “gosto”.
Há dois tipos de texto que podem obter um “gosto” : os que foram escritos pelos
próprios utilizadores, e os que não foram escritos por eles mas que eles subscrevem ao
publicá-los nas redes sociais, mas ambos os textos podem obter “gostos”. Há muitas
pessoas que não os publicam para obterem “gostos”, mas apenas pelo desejo de
informarem, ou como forma de empenho na defesa de causas sociais e políticas, mas
certamente que essas pessoas também não ficarão indiferente aos “gostos” recebidos
nos textos que publicaram. Há também muitas pessoas que publicam textos nas redes
sociais apenas pelo prazer de os publicarem, mas em muitas pessoas o principal prazer
é o de obterem “gostos” nas suas publicações. Por outro lado, há também utilizadores
das redes sociais que buscam “gostos” numa determinada publicação, para que a
publicação tenha um maior número de seguidores. Acontece ainda uma coisa
semelhante aos “gostos” nas publicações : a busca de seguidores do seu autor, pois
muitos utilizadores incentivam outros utilizadores a segui-los, e há mesmo utilizadores
que compram seguidores. Ao publicarem textos, fotos, vídeos, etc., muitos utilizadores
nada mais fazem do que procurarem seguidores e conquistarem fãs.
Quer na busca de “gostos” pelos textos ou imagens que colocam, quer na busca
de seguidores, muitos dos utilizadores das redes sociais procuram o reconhecimento de
outros utilizadores, querem ser vistos, amados e elogiados por aquilo que dizem, por
aquilo que são ou aparentam ser, e por textos e imagens que colocam mesmo quando
esses textos e imagens não são da sua autoria, procurando receber um “gosto” não na
publicação mas na pessoa que os colocou (textos literários muito belos, textos
sensacionalistas, textos a suscitarem a simpatia e a compaixão, etc.)
Subjacente a esta atitude está uma forma de carência afetiva, um amor próprio,
como na exposição da vida privada, que leva à procura constante de “gostos”, os quais
fazem com que muitos utilizadores se sintam amados, lisonjeados, orgulhosos. Receber
um “gosto” nas redes sociais não é a mesma coisa que receber de alguém um gesto de
amor, de amizade, ou de ternura na vida real, mas para muitos utilizadores isso dá-lhes
prazer, consolo, faz-lhes bem ao ego. Para muitos é uma compensação pelo facto de
não terem a aprovação e a atenção dos outros (ou de a terem muito pouco), na vida fora
das redes sociais.
Há muitos utilizadores, principalmente os mais jovens, que competem entre si
para verem quem recebe mais “gostos”, sentem uma certa pressão na corrida aos
“gostos”, e querem ter mais “gostos” que os outros utilizadores, pois os “gostos” fazem
com que se sintam populares, famosos e importantes. Por essa razão muitos utilizadores
das redes sociais ficam ansiosos ao compararem-se com outros utilizadores,
nomeadamente com o número de “gostos” que recebem, e esse número de “gostos”
para muitos utilizadores é de tal maneira importante que muitos que apagam
publicações suas que se tornaram impopulares, ou porque não se conseguem defender
dos comentários negativos que recebem, ou porque têm receio, ou porque acabam por
menosprezar a importância do texto que colocaram, e alguns indiretamente dando razão
aos que criticaram o texto que colocaram nas redes sociais, como se o objetivo não fosse
o conteúdo do texto, mas sim a reação a esse conteúdo.
A sensação de estarem sempre a serem observados e julgados pelo público
exerce uma enorme influência, e a falta de “gostos” faz com que muitos utilizadores
baixem a sua auto estima. Há mesmo utilizadores que ficam aborrecidos quando um
utilizador deixa de ser seu seguidor, pois é como se esse utilizador deixasse de gostar
deles ou de os admirar. Há muitos utilizadores das redes sociais que, dado o facto de a
sua publicação estar tão visível, são demasiado vulneráveis à aprovação dos outros, e
ficam muito dependentes daquilo que os outros pensam sobre a publicação ou seu autor.
Dado que nas redes sociais se está perante um público muito vasto, e dado que as redes
sociais são um mundo onde as críticas são constantes, muitos dos seus utilizadores
sentem uma enorme necessidade de aceitação, aprovação, atenção, por isso é tão
importante para eles receberem “gostos” pelos seus textos, pelas suas fotos e pelos seus
vídeos, e obterem seguidores. Cada “gosto” é um reforço da auto estima dos
utilizadores, por isso alguns deles ficam obcecados e ansiosos na expetativa de “gostos”,
e angustiados quando não recebem nenhum “gosto”, ou tristes quando o número de
“gostos” que obtém não é o que esperavam receber.
No entanto, em muitos casos os “gostos” são falsos. Já atrás referimos o facto de
muitos utilizadores colocarem “gostos” em textos que nem sequer leram (apenas porque
gostam ou conhecem a pessoa que os colocou, ou por serem textos de um amigo, de um
familiar, de um cliente, etc.). Outra coisa muito importante, que tem a ver com a pouca
ou nenhuma verdade dos “gostos” é o facto de muitos utilizadores gostarem apenas de
publicações que já têm um grande número de gostos, e deixarem-se portanto levar na
onda dos muitos “gostos” . O número de “gostos” que uma publicação obteve tem
grande influência na prática de colocar nela um “gosto”, os utilizadores têm a tendência
para colocarem mais “gostos” em quem tem mais “gostos”, sendo portanto um “gosto”
que não corresponde sinceramente a um “gosto”, mas que é devido à influência social e
ao impacto positivo causado pela publicação. Também nas fotografias e nos vídeos, há
muita gente que coloca um “gosto” não necessariamente pelo seu conteúdo, mas porque
já houve muitos utilizadores que também colocaram um “gosto”. Em vez de se
concentrarem na qualidade do conteúdo daquilo que foi publicado nas redes sociais,
muitos dos seus utilizadores concentram-se mais na popularidade da publicação. Esses
utilizadores dão mais atenção ao facto de serem publicações muito elogiadas, dão valor
à publicação não devido ao seu conteúdo, mas devido ao facto de haver muita gente a
gostar dessa publicação, desencadeando-se portanto uma atitude de “rebanho” em que
vão atrás uns dos outros. Muitas vezes os utilizadores nem sequer leem o texto, mas
colocam-lhe na mesma um “gosto”, pois partem do pressuposto de que se há muita
gente a gostar daquele texto, é porque esse texto é bom.
O texto pode ter pouco valor, como muitas vezes acontece, mas para muitos
utilizadores o que conta é a sua popularidade. Nem sempre os muitos “gostos”
significam que o texto tenha qualidade, e por outro lado, conforme já referimos, muitas
vezes há “gostos” falsos, falsidade essa que é de vários tipos. Assim, o facto de haver
textos ou outras coisas publicadas nas redes sociais que obtiveram muitos “gostos” não
significa que tenha de facto havido muita gente a gostar dessas publicações, pois há
redes sociais, como a Bubblenews, que permitem que os seus utilizadores ganhem
dinheiro em cada “gosto” que fazem numa publicação, incentivando o uso dessas redes
sociais ao pagarem pelos “gostos” recebidos, cujo objetivo é o dessas redes sociais
terem um público muito vasto, e por conseguinte atraírem mais empresas para
publicarem anúncios e os proprietários dessas redes sociais ganharem dinheiro com isso.
Outro exemplo importante de “gostos” falsos é o da compra de “gostos” na rede
social do Instagram, compra essa feita por artistas que nela colocam pinturas e outros
trabalhos artísticos, para através de “gostos”, apesar destes serem falsos, darem a
sensação de que são artistas muito populares, e assim obterem mais facilmente
compradores para as suas obras de arte. Ainda a propósito de artistas, outro exemplo é o
de algumas performances artísticas e musicais colocadas na rede social do Youtube
cujos utilizadores pedem aos seus amigos, aos seus colegas de turma na Escola ou na
Universidade, à sua família, aos seus colegas de trabalho, ou aos colegas de grupos
recreativos, para colocarem “gostos” na sua exibição artística ou musical.
Assim, “A” é amigo de “B”, e pede a “B” para este dizer aos seus amigos para
colocarem “gostos” numa música, numa dança, e no caso do Instagram, numa pintura,
colocada por “A”. Mas “A” pode também ter um amigo “C” a quem pede o mesmo, e
assim sucessivamente, e isso faz com que muitos “gostos” sejam falsos, pois quem
colocou um “gosto” na publicação colocou-o apenas por pedido ou sugestão de um
amigo, mesmo sem conhecer o conjunto do trabalho artístico ou o autor desse trabalho,
e em alguns casos até mesmo sem gostar da obra de arte onde colocou o “gosto”.
Ao longo do tempo muitos dos utilizadores das redes sociais vão acumulando
falsos admiradores, através dos “gostos” que vão obtendo nas suas exibições, e através
de seguidores, de modo a exercerem influência sobre o público, pois além da
performance artística, da pintura, da fotografa, da música, da dança, etc., fica também
visível o número de “gostos”. Muitos desses “gostos” e seguidores são meros
instrumentos para a obtenção de fama, mas uma fama fabricada, que dá aos utilizadores
das redes sociais uma falsa imagem de popularidade sobre a pessoa que tem muitos
“gostos”.
Conforme já referimos, muitos utilizadores das redes sociais preocupam-se
demasiado em saber se outros utilizadores gostaram ou não do que publicaram, e estão
sempre à procura de aprovação até mesmo na simples obtenção de um “gosto” colocado
num texto ou num comentário ao texto. Ora, essa necessidade de ser valorizado,
elogiado, amado, por vezes transforma-se mesmo numa obsessão. Há indivíduos que
sofrem de baixa auto estima, e encontram nos “gostos” às suas publicações nas redes
sociais uma compensação, mas dado que essa necessidade nunca está satisfeita, ficam
ansiosos, numa busca constante de “gostos”. Esta atitude é semelhante à experiência
realizada por B.F. Skinner, intitulada “caixa de Skinner”, em que este psicólogo
comportamental montou uma caixa que mantinha ratos presos que recebiam
recompensas (um reforço positivo) sempre que realizavam algo específico.  Quando
recebem um “gosto” os utilizadores têm um reforço positivo, e continuam a colocar
mais textos que receberão mais “gostos” e que os farão a continuar a pôr mais textos.
Ao usarem assim as redes sociais, muitos dos seus utilizadores são como as cobaias de
Skinner, e sem se aperceberem, vão perdendo a sua liberdade.
AS PARTILHAS E OUTRAS APROPRIAÇÕES ILEGAIS

vídeos adulterados, memes,


Vivemos numa época em que quase tudo é mostrado, exibido e partilhado, com
muita facilidade, conforme vimos no capítulo sobre a violação da privacidade, e o
aparecimento da Internet abriu uma nova maneira de partilhar todo o tipo de
informações, e não apenas informações pessoais. A ansiedade das pessoas em quererem
partilhar algo não é uma atitude nova, pois essa atitude é intrínseca à necessidade do ser
humano comunicar com os outros, mas nas redes sociais o problema está no enorme
volume de partilhas, na sua incidência, na facilidade com que isso é feito, e no tipo de
informação que se partilha. Assim como existe a obsessão pelos “gostos”, conforme
vimos no capítulo anterior, também existe a obsessão pelas partilhas, que aliás é em
muitos casos uma face da mesma moeda, pois muitos utilizadores partilham um texto ou
uma foto com o objetivo de obterem “gostos”.
As partilhas nas redes sociais são ferramentas que permitem que cada utilizador
partilhe conteúdos com os próprios amigos ou com outros utilizadores das redes sociais,
tais como como o Twitter ou o Facebook. É como se o mundo existisse de forma mais
real e mais concreta sempre que a partilham com os outros, e é como se a sua identidade
(por exemplo as suas preferências) ficasse mais definida e consciencializada sempre que
divulgam as suas experiências, tais como a partilha de fotos de viagens.
No entanto, muitas vezes não se trata apenas de textos ou de fotos do utilizador,
mas de outros utilizadores, que um qualquer utilizador encontra, ou vai buscar às redes
sociais. Geralmente os utilizadores ao partilharem uma determinada publicação fazem-
no porque dão valor ao que alguém escreveu, consideram isso importante para ser lido
por mais pessoas, e desejam criar uma espécie de “comunidade de leitores”, em que
toda a gente, cada vez mais gente, possa ler aquele texto. Ao partilhar o texto, quem o
partilha está a reconhecer o que alguém escreveu ou publicou nas redes sociais, mas
quem partilha está também muitas vezes a procurar reconhecimento por aquilo que
partilhou. Há muitos utilizadores que passam muito tempo a partilhar textos, vídeos e
fotografias nas redes sociais, não apenas porque se interessam por aquilo que partilham
(alguns até se interessam pouco ou nada), mas também, e alguns casos sobretudo, para
serem notados e se mostrarem presentes, e portanto para terem mais protagonismo.
Nas partilhas nas redes sociais cria-se uma cadeia causal, em que um partilha o
que o outro partilhou, e assim sucessivamente, mas por vezes os textos, fotos ou vídeos
são mal recebidos, isto é, uns utilizadores criticam os seus autores e não quem os
partilhou, outros criticam quem os partilhou e não os seus autores, e outros criticam
ambos. Por vezes os utilizadores não partilham textos, fotos ou vídeos porque gostam
deles, mas antes pelo contrário, pois são polémicos e contêm notícias que os indignam.
No entanto, nascem aqui muitos mal entendidos, pois por vezes não se sabe qual a
intenção do utilizador ao partilhar esses textos, fotos ou vídeos, e qual o contexto dos
mesmos. Muitos utilizadores partilham tudo sem qualquer critério, e sem consciência do
que estão a fazer, como sucedeu por exemplo com o conhecido caso do “Snapchat”, em
que mais de cem mil fotografias e vídeos foram roubados de diversas contas dos
utilizadores das redes sociais, e expostos na Internet para toda a gente ver.
A rede social do Instagram é especializada em publicar fotografias, pinturas, e
outras imagens. Há muitos utilizadores das redes sociais que querem mostrar momentos
que consideram “especiais” da sua vida, e preferem publicar uma foto no Instagram em
vez de, por exemplo, escreverem um tweet ou um texto longo sobre esses momentos.
Além disso o Instagram permite aos seus utilizadores combinarem imagens e textos
utilizando o recurso de uma legenda por baixo da imagem, como um álbum de
fotografias virtual. O Facebook também permite publicar fotografias e outras imagens,
mas a rede social do Instagram é mais procurada para esse tipo de publicações.
Os utilizadores são os responsáveis pelos conteúdos que publicam, mas muitas
vezes vão buscar ao Instagram imagens de que não são autores (como por exemplo
fotografias e pinturas), e partilham-nas. Na obtenção dessas imagens usam os três
procedimentos seguintes : não pedem autorização ao autor; publicam sem referência ao
nome do autor; publicam como se fossem eles os autores dessas imagens. O mesmo
acontece com muitos textos que circulam nas redes sociais, que os utilizadores publicam
como se fossem textos da sua autoria
Ora, a maioria das imagens, tais como por exemplo fotografias e pinturas, estão
protegidas por direitos de autor e pertencem à pessoa que tirou a fotografia, ou que pintou
o quadro, e a sua partilha é ilegal. Em redes sociais como o Pinterest, onde as fotografias
são partilhadas, os proprietários de material protegido por direitos de autor podem solicitar
que esse material seja retirado, e portanto o conteúdo foi excluído do Pinterest a pedido do
proprietário do mesmo. Quando um utilizador faz montagens ou colagens de fotografias,
como é o caso de GIFS ou memes, comete também uma ilegalidade, pois essas
fotografias que ele utiliza também têm direitos de autor.
Outras partilhas ilegais são as de versões em PDF da totalidade dos jornais e
revistas nacionais, partilhadas essas feitas através de e-mail, do WhatsApp, e das redes
sociais, violando claramente os direitos de autor. Esta partilha, além de ser crime contra
a propriedade intelectual, constitui uma ameaça à sobrevivência económica das
empresas dos jornais e revistas, à informação livre e responsável, e coloca em causa
muitos postos de trabalho dos jornalistas, pois as pessoas deixam de comprar os jornais
e as revistas em papel, devido ao facto de poderem ter acesso gratuito e rápido a essas
publicações, através da sua partilha por e-mail, pelo WhatsApp e pelas redes sociais. A
partilha dos textos da Imprensa tradicional nas redes sociais, põe em causa a
sobrevivência de jornais e revistas, e se tudo se publica nas redes sociais, não vale a
pena haver Imprensa em papel, e as notícias acabam por ficarem restritas ao mundo
digital, misturadas com as notícias que os cidadãos anónimos colocam, por vezes sem se
conseguir distinguir entre o jornalismo profissional e o jornalismo não profissional, as
notícias de conteúdo verdadeiro e as notícias de conteúdo falso. Há jornais e revistas
em papel que também se encontram online, mas apenas para assinantes, e mesmo assim
muitos piratas informáticos encontram maneira de lhes ter acesso, partilhando os textos
desses jornais e revistas nas redes sociais, sem autorização dos autores dos textos nem
dos diretores desses jornais e revistas, o que é portanto ilegal.
Uma das redes sociais mais importantes, onde existe também a apropriação
ilegal de publicações, é o Youtube, especializada em músicas e em vídeos. Há muitos
dos seus utilizadores que carregam, colocam e partilham publicações de que não foram
os criadores, e que não estão autorizados a utilizar, utilizando essas publicações como
sendo suas, e violando portanto os direitos de autor. Muitos proprietários dessas
publicações são levados a reclamar no caso da obra protegida por direitos de autor ser
publicada no Youtube sem a sua autorização. Os autores das obras enviam ao Youtube
uma solicitação de remoção, e a música, o filme, a performance de dança, os
videojogos, ou programas de TV de que são autores, são removidos do Youtube de
outros utilizadores que se apropriaram dessas obras colocando-os na sua página do
Youtube. Se tiver sido feita uma cópia de uma publicação num canal no Youtube,
mesmo que não seja a cópia de um conteúdo integral, isso também é uma violação dos
direitos de autor. Qualquer conteúdo que falsifique a identidade de uma pessoa ou de
canal também é ilegal. Utilizar o mesmo nome, alterando só alguns pormenores,
descrever o canal de forma semelhante ao original, utilizar a imagem e o nome de
artistas famosos, são os principais exemplos da apropriação ilegal e da violação dos
direitos de autor nas redes sociais. Alguns utilizadores do Youtube, mesmo depois de
terem sido advertidos por violarem os direitos de autor de outros utilizadores,
continuam a fazê-lo, e o seu canal no Youtube fica então sujeito ao encerramento, ou
privado das receitas das suas publicações, e em alguns casos tem também de se recorrer
aos Tribunais. Só assim redes sociais como o Youtube poderão continuar a ser um
serviço que protege a criatividade e os direitos dos autores das publicações, o que nem
sempre é fácil, devido ao facto de haver determinadas formas de contornar o problema,
principalmente utilizadas por especialistas e piratas informáticos.

 
PROBLEMAS DE COMUNICAÇÃO

A FALTA DE COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL

No capítulo que se segue referimo-nos à forma de comunicação mais


generalizada nas redes sociais : a forma escrita. É certo que por vezes pode-se ligar a
câmara do computador e em algumas das redes sociais, como por exemplo no
Facebook, pode ver-se a pessoa que está a comunicar, mas isso não é a mesma coisa que
a comunicação presencial. Através da câmara do computador não vemos a pessoa junto
de nós, esta mostra apenas o que quer mostrar, geralmente o rosto. Estando com uma
pessoa através de um ecrã não se sente a mesma atmosfera como quando se está lado a
lado com essa pessoa, não se recebe a energia do ato presencial de alguém comunicando
como quando está ao pé de nós. Nas redes sociais a forma de comunicação é quase
somente a escrita, faltando portanto a comunicação não verbal, e mesmo comunicando
com alguém tendo a câmara dos computadores ligada, perde-se muito da comunicação.
Muitos indivíduos utilizam as redes sociais anonimamente, pois não se conhecem uns
aos outros, mesmo quando o nome e o perfil não são falsos, ou conhecem-se pouco, e a
comunicação verbal escrita ao ser a forma de comunicação mais frequente, carece de
comunicação não verbal, comunicação essa que não é um mero acessório da
comunicação, mas algo essencial, e em muitos casos a sua componente mais importante
e autêntica.
Charles Darwin, no seu livro publicado em 1867, A expressão das emoções nos
homens e nos animais, revelou que existem formas de comunicação não verbal,
expressões corporais espontâneas, que são comuns a diferentes povos e culturas, e que
transmitem muito o ânimo e o estado de espírito dos indivíduos : o enrubescimento do
rosto, como sinal de vergonha; o brilho nos olhos quando se está contente; falar muito
depressa quando se está nervoso; o arregalar dos olhos e da boca, e a elevação das
sobrancelhas, no estado de surpresa; franzir o rosto quando a pessoa se concentra ou
tenta resolver algum problema; balançar a cabeça verticalmente em sinal de afirmação,
e horizontalmente em sinal de negação; encolher os ombros e virar para dentro os
cotovelos, em sinal de frustração, e portanto quando não se pode impedir algo, ou
quando não se consegue fazer alguma coisa: virar o lábio inferior para baixo e elevar o
lábio superior com uma súbita expiração, em manifestação de nojo; a boca firmemente
fechada, o rosto baixo e as sobrancelhas levemente franzidas, em expressão de
tenacidade; franzir o rosto, manter a cabeça e o corpo erguidos, aprumar os ombros e
cerrar os punhos, em estado de indignação; descer os cantos da boca, e elevar a
extremidade interna das sobrancelhas, quando se está abatido; etc. 7 Estes pormenores

7
Charles DARWIN, A expressão das emoções nos homens e nos animais, São Paulo, Ed. Companhia das
Letras, 2000, p. 23.
não se veem através da escrita, e mesmo que o indivíduo se mostre através da câmara do
computador, alguns destes pormenores são difíceis de ver.

No que diz respeito à comunicação não verbal, o melhor exemplo são os lapsos
de linguagem. Um definição para lapso de linguagem encontra-se descrita por Hotopf:
“Um lapso de linguagem, de acordo com o Shorter Oxford Dictionary, é um desvio, ou
erro não intencional, na escrita, na fala, etc.”.8 Uma outra definição afirma : “Um lapso
de linguagem (…) é um desvio involuntário no desempenho do falante a partir de uma
intenção fonológica, gramatical ou lexical que esteja em andamento”. 9 É de salientar
que ambas as definições apresentam as ideias de não-intencional, e de voluntário,
como caracterização dos lapsos de linguagem.

No entanto, quem estudou os lapsos de linguagem com mais profundidade foi


Sigmund Freud, na sua obra Psicopatologia da vida quotidiana, escrita em 1901. Freud
analisou diversos tipos de lapsos que acontecem diariamente nas nossas vidas, que são
consequências do nosso psiquismo, e que fogem ao nosso controle, como por exemplo
esquecer nomes próprios ou substituir palavras por outras, que surgem por influência de
algo que perturba o nosso inconsciente. Segundo Freud, essa autoexposição seria a
confissão involuntária de um conflito interior, escondido da nossa consciência e
escondido dos outros indivíduos. Para Freud, é a dimensão involuntária que dá valor
particular ao lapso : “No procedimento psicoterapêutico que utilizo para resolver e
eliminar os sintomas neuróticos, apresenta-se com frequência a tarefa de encontrar um
conteúdo mental nos discursos e nas ideias aparentemente casuais do paciente. Esse
conteúdo tenta ocultar-se, mas não consegue evitar trair-se inadvertidamente de
diversas maneiras. É para isso que, frequentemente, servem os lapsos. Por exemplo,
falando da tia, um paciente insiste em chamá-la minha mãe sem perceber o seu erro, ou
ainda, uma senhora que fala do marido como se fosse o irmão. Para esses pacientes, tia
e mãe, marido e irmão são, portanto, identificados, ligados por uma associação pela qual
se evocam mutuamente”.10

8
W.H.N. HOTOPF, “Semantic similarity as a factor in whole-word slip of the tongue”, in FROMKIN, V.,
(Ed.), Errors in Linguistic Performance : Slips of the Tongue, Ear, Pen, and Hand, London, Ed. Academic
Press, 1980, , p. 104.
9
BOOMER & LAVER, “Slips of the Tongue”, in FROMKIN V., (Ed.), Speech errors as linguistic evidence ,
Mouton, Ed. The Hague, 1973, p. 123.
10
Sigmund FREUD, Psicopatologia da vida quotidiana, Lisboa, Ed. Relógio d’Água, 2007. p.38.
Falamos aqui da comunicação em que o indivíduo, apesar de consciente dos seus
atos, não tem autocontrole nem liberdade na comunicação sobre ela. Nesta atitude, em
que o indivíduo deixa portanto escapar o seu estado de espírito, o indivíduo pode ou
não dar-se conta desse facto. Na realidade, isso não é integralmente inteligível, nem
integralmente transparente, oferece-se e recusa-se, exprime-se ou não se quer exprimir,
manifesta-se e dissimula-se, confusamente. Os outros indivíduos podem constatar a
autoexposição desse nosso estado de espírito, e nós não nos apercebermos nem dessa
autoexposição nem do facto de os outros indivíduos a estarem a constatar. Nesse caso
não existe conflito, pois não sabemos que isso está a acontecer em nós, nem que os
outros o estão a constatar. Ora, referimo-nos aqui à comunicação de estados de espírito
feita pelo próprio indivíduo, sobre si próprio: por um lado, porque o indivíduo não
queria que isso lhe acontecesse mas acontece-lhe, e por outro lado, porque os outros
indivíduos reparam isso nele (determinados gestos, tiques ou olhares), e esse indivíduo
vê que os outros reparam, e mesmo assim não consegue resolver a situação, ao contrário
do que deseja.

Estas e outras formas de comunicação involuntária não verbal, tanto faciais


como não faciais, podem ter diferentes causas, biológicas ou psicológicas, hereditárias
ou adquiridas. Uma das causas podem ser transtornos obsessivos compulsivos. Nesses
transtornos a pessoa tem pensamentos de natureza sexual, obsessões económicas,
escrúpulos religiosos, tendências agressivas, etc., que são difíceis de afastar da sua
mente, que se exteriorizam através de comportamentos, atitudes, gestos, rituais, e que
desvelam traços íntimos da sua personalidade. Noutro nível, estão os lapsos de
linguagem, e os atos falhados, provenientes do Inconsciente, segundo a Psicanálise.

Os lapsos são multifatoriais, pois há muitas mais razões para a pessoa se


equivocar, do que as que Freud apresenta. Eis algumas dessas razões : estar
concentrado num pensamento ou numa determinada tarefa, e responder a alguém;
sentir-se pressionado para falar depressa e não ter tempo para pensar; ser impulsivo de
caráter; falar muito; falar demasiado depressa; estar, de forma geral, sob stresse;
nervosismo; euforia; estar sujeito a estímulos que recordam a palavra que não se quer
proferir; ter bebido em excesso ou estar sob o efeito de estupefacientes; estar
demasiado preocupado em não cometer deslizes; ocorrer uma distração no momento
em que se está a falar; ser idoso (a quantidade de comunicações involuntárias como os
erros de linguagem, aumentam consoante a idade).
No entanto, seja qual for a sua causa, essas formas de comunicação existem
principalmente na comunicação frente a frente, com uma ou mais pessoas
presencialmente junto de nós, dizem muito de quem comunica, e permitem
compreender melhor a mensagem e o autor da mensagem. Ora, para as pessoas que
usam as redes sociais, não falando mas escrevendo apenas, que ficam no computador ou
no telemóvel sem ligarem a câmara nem falarem ao microfone, essas formas de
comunicação não são possíveis. Perde-se muito daquilo que a pessoa quer dizer ao
utilizar apenas a escrita, e o muito mais que a pessoa poderia dizer, estabelecendo uma
real e efetiva comunicação, é impossível através das redes sociais.

A passagem das interações sociais do mundo real para o mundo virtual origina a
ausência da linguagem corporal, pois quando comunicamos com alguém não o fazemos
apenas com palavras, todo o nosso corpo comunica, os gestos e as expressões que
fazemos são um complemento da comunicação verbal, muitas vezes dizemos uma coisa
e o nosso corpo comunica outra, como por exemplo quando um amigo ou um familiar
nos diz estar bem mas não está, pois a sua linguagem corporal diz-nos o contrário. As
pessoas hoje comunicam muito online, é frequente os jovens estarem lado a lado, junto
uns dos outros, mas não conversarem entre si, pois estão agarrados ao telemóvel,
enviando constantemente mensagens para outras pessoas, e além da perda do convívio
entre si perdem a capacidade de reconhecer e exprimir emoções corporais. A linguagem
não verbal, nomeadamente a linguagem corporal, é tão importante como a escrita e a
falada, mas está em risco de perder a sua importância, prejudicando a capacidade das
pessoas exprimirem e reconhecerem emoções, e nos tempo de hoje a excessiva
comunicação através das redes sociais é o principal responsável por isso.

As redes sociais trazem a possibilidade de muitos dos seus utilizadores


mostrarem aos outros somente o lado bom de si, ou mostrarem um acontecimento
negativo somente sob a sua própria perspetiva. Nas redes sociais é permitido, dentro do
possível, escrever o que se quiser, corrigir o que se achar necessário, mostrar o melhor
de si enquanto individuo. Na vida real somos mais espontâneos, vulneráveis,
imperfeitos e os olhares alheios estão preparados para nos julgar. Se uma pessoa não
lida bem com as próprias limitações e vulnerabilidades, é possível que prefira
comunicar e se sinta mais confiante no ambiente digital.
Todavia, a comunicação não-verbal é geralmente mais autêntica do que a
verbal, pois através dela transmitimos espontaneamente o nosso ânimo, o nosso estado
de espírito, e devido ao facto de não a conseguirmos controlar, ou de a controlarmos
menos, pomos para fora a nossa intimidade, aquela que está por trás da personalidade
construída através das redes sociais. Mesmo que o indivíduo não tenha construído um
perfil falso, devido ao facto de comunicar só através de mensagens escritas, como
sucede quase sempre nas redes sociais, o indivíduo revela apenas uma pequena parte de
si, e o conteúdo da mensagem também é muito menos compreendido. Isto dá origem a
muitos mal entendidos na comunicação, e portanto a uma falta de comunicação clara e
efetiva.

O EMPOBRECIMENTO DA LÍNGUA

Falemos agora da comunicação verbal. A linguagem é necessária para a


comunicação entre os seres vivos, e o ser humano sentiu necessidade de comunicar e
expressar os seus sentimentos e os seus pensamentos utilizando as línguas como
principal meio de comunicação. Tal como outras grandes realizações humanas, as
línguas fazem parte do património cultural e espiritual da Humanidade, são umas das
maiores e mais admiráveis invenções do ser humano, não apenas devido à sua
quantidade (pois ao longo da História existiram milhares de línguas, muito diferentes
umas das outras, e muitíssimas continuam a existir), mas também devido à sua riqueza.

A riqueza de uma língua está na sua complexidade, nas suas regras, na sua
conjugação verbal, nas suas nuances, nos seus múltiplos pormenores, nos seu múltiplos
sinónimos, nas suas diferentes formas de escrever-se a mesma ideia, etc. À semelhança
da riqueza de uma boa obra de arte do ponto de vista técnico e estilístico, a riqueza de
uma língua está na sua intensidade, na sua expressividade, e na sua complexidade. A
língua não é um mero transmissor de ideias, não é uma simples ferramenta, pois contém
uma enorme riqueza morfológica e semântica, e as formas de dizer as coisas são muito
diversas, ricas e complexas. A língua é uma das maiores construções culturais da
Humanidade, devido à musicalidade das palavras, às regras gramaticais, às muitas
subtilezas empregues, à sua beleza, etc. A extinção de uma língua é portanto uma
grande perda cultural para a Humanidade.
A criatividade e a inovação na forma de comunicar para um público vasto,
através dos avanços tecnológicos, nomeadamente através dos órgãos de comunicação
social (televisão, rádio, etc.), tornaram a comunicação mais rápida e fácil. O telefone
tornou também mais rápida a comunicação pessoal. A nível escrito o ser humano deixou
de utilizar apenas a tinta e o papel, passando a utilizar também as máquinas de
dactilografar. Atualmente, as máquinas de dactilografar foram substituídas por
computadores, que permitem mais facilmente escrever e enviar um texto. Por seu turno,
os telemóveis e as várias aplicações de conversação e escrita através da Internet, tais
como o Facebook, o Skype, o WhatsApp, entre outros, tornaram-se importantes meios
de comunicação e informação nos tempos de hoje. Muitas são as vantagens que estes
novos meios de comunicação oferecem aos seus utilizadores, tais como a comunicação
para quem se encontra muito distantes geograficamente, o facto de ser uma
comunicação feita de forma rápida, e o facto de ser económica.

Estes novos meios de comunicação quebraram as barreiras geográficas e


acabaram por criar uma linguagem universal, mas por outro lado as línguas estão
ameaçadas pela globalização do Inglês na Internet, que revelam que a globalização no
mundo de hoje não é apenas económica mas também linguística, e que a preocupação
com os interesses económicos acaba por vezes por se sobrepor às preocupações
linguísticas, pondo o uso da língua ao serviços desses interesses. Apesar do aumento da
escolaridade, nos tempos de hoje existem muitos atentados linguísticos, pois as línguas
tornaram-se demasiado funcionais, as pessoas escrevem cada vez mais como falam, e
utilizam muitas palavras que não existiam nas línguas. Isso deve-se a vários fatores,
como por exemplo as tecnologias que trazem palavras por vezes intraduzíveis, a
globalização cultural, que traz consigo povos de outros países com outras formas de
falar e de escrever que acabam por se incorporar na língua nacional, a globalização
económica, que trouxe também como consequência a globalização da língua inglesa.
A vida apressada do mundo de hoje contribui também para o pragmatismo, que
se reflete na forma despreocupada e pouco elegante de escrever, pois através das novas
tecnologias, principalmente os computadores, existem formas mais fáceis e rápidas de
escrever. A demanda do facilitismo trouxe também traduções feitas pela própria
Internet, e uma uniformização na forma de exprimir as ideias, forma essa que é
sugerida pelos próprios computadores, através dos seus programas de escrita e de
tradução, que empobrecem muito a língua,. Na aldeia global do mundo de hoje,
facilitada pelo desenvolvimento dos transportes, mas também pela Internet, viajamos
rapidamente de um lado ao outro, e a língua também viaja. Levamos ao outro indivíduo
a língua, e recebemos dele a sua língua, e o Inglês, ou o Português, por exemplo,
tendem a simplificar-se, pois as pessoas acabam por escrever quase todas da mesma
maneira.
A Internet trouxe novas formas de ler e escrever, novas práticas de comunicação,
e as respetivas palavras : download, blogue, deletar, emoji, trollar, tuitar, viral, nude,
meme, chat, etc. Com o aparecimento da Internet, muitas palavras nascidas através dela
passaram a ser incluídas em dicionários, e há várias palavras como por exemplo “e-
mail”, ou “chat”, que são incluídas sem sequer se colocar tradução. São palavras que
deixaram o mundo específico da Internet e que se estenderam para o uso da língua no
dia a dia, no qual as pessoas passaram a usar frequentemente essas palavras, tendo os
dicionários que passar a adotá-las. Assim, por exemplo na mais recente edição do seu
famoso dicionário, a editora norte-americana Merriam-Webster incluiu, entre outras
palavras, a palavra “meme”, que recebeu nesse dicionário o seguinte significado: uma
ideia, um estilo, um comportamento, ou um uso que se espalha de pessoa para pessoa
dentro de uma cultura.11

No entanto, o estilo de leitura que é promovido pela Internet, e pelas redes


sociais muito especificamente, coloca a rapidez e a eficácia acima de tudo, e isso pode
enfraquecer a capacidade para a leitura profunda, isto é, aquela que surgiu com o livro.
Isso é prejudicial para a capacidade de compreensão e de interpretação, pois deixam de
desenvolver-se as habilidades mentais que a leitura profunda propicia. As redes sociais
desabituaram as pessoas de lerem textos longos, pois a maior parte das mensagens nas
redes sociais é feita através de textos curtos, nomeadamente através dos seguintes
meios: Twitter (partilha de pequenas publicações, as quais são conhecidas como tweets);
Tumbrl (partilha de pequenas publicações semelhante ao Twitter); WhatsApp (envio de
mensagens instantâneas); Messenger (envio de mensagens instantâneas); Skype (meio
de conversação online); Mirc (meio de conversação online); mensagens pessoais
trocadas através do Facebook. O Twitter é um micro blogue que se tornou popular, por
permitir também publicações com o limite de 140 caracteres. Existem ainda os jogos
online, onde muitos dos seus utilizadores comunicam uns com os outros através de

11
VV., The Merriam-Webster Dictionary, Ed. Merriam.Webster, Springfield, 2016, p. 735
curtas mensagens escritas. Entre todos estes meios de comunicar, os mais populares são
o Mirc, o Skype, o WhatsApp, o Facebook e o Twitter.

Devido aos novos meios de comunicação através da Internet, nasceu o chamado


“Internetês”, que são novas formas de linguagem, compostas por abreviaturas das
palavras, e imagens de expressões faciais, que representam os sentimentos de felicidade,
ódio, alegria, tristeza, paixão, etc., tanto quanto possível. Trata-se de uma linguagem
moderna e supostamente fácil de compreender, sem regras e acentos tónicos, criada
pelos próprios utilizadores da Internet, com o objetivo de retirarem o que consideram
ser “supérfluo”, de modo a tornarem o diálogo mais rápido e dinâmico, como na língua
falada. O objetivo é utilizar a palavra escrita com a liberdade que existe na fala do dia a
dia, por isso os seu utilizadores abandonam normas ortográficas, usam os chamados
emoticons para expressarem emoções, economizando palavras e tempo. Bastante
utilizada nas redes sociais, a linguagem escrita é utilizada mais livremente, sem regras
de pontuação e de gramática, pois são os próprios utilizadores que criam as regras,
resultando numa forma de escrita bastante informal. O uso das vogais é quase
dispensável, dado que algumas das consoantes trazem em si mesmas um vocálico, como
por exemplo a palavra “depende”, que se torna em “dpnd”. Escrever as palavras em
letras maiúsculas é o equivalente a falar muito alto, e por vezes gritar. Pôr muitos
pontos de interrogação à frente de uma pergunta é o equivalente a espanto.

Dentro dessa linguagem tem de caber muita coisa, utilizando-se portanto


contrações, truncamentos, acrónimos, siglas e emoticons. A principal técnica é a da
subtração das palavras, isto é, as abreviaturas. Eis alguns exemplos : Omg – “meu Deus
!” (do Inglês : “Oh my God !”); Vc – Você; Hj – Hoje; S2 - Formato de coração; Add –
Adicionar; Tc - Teclar ; Add – Adicionar; Pq – Porque ou porquê; Dd – Donde;
Comigo – Cmg; Gente – Gnt; Ag – Agora; Td – Tudo; N – Não; S – Sim; Q – Que;
Qm – Quem; Mto - Muito; Tbm – Também; Fds – Fim de semana; Oiiiiiiiiii – Olá (a
quantidade de is depois da letra “O” é proporcional à alegria que a pessoa pretende
demonstrar); Bj – Beijo; Abs – Abraços; Xau - Até logo; Ops - Engano; Qdo – Quando;
Qt – Quanto; Msg – Mensagem; Jg – Jogo; + - Mais: - : Menos; Tou – Estou; Aski –
Acho que; Vdd – Verdade; Para – p/a.
Existe também o expressar de emoções ou de sentimentos de quem está falando,
através de símbolos disponíveis no teclado, como por exemplo : U.U - Olhos abertos;
) – Piscando; : )) – Feliz; : ( - Triste ; : / - Indeciso; :'( - Chorando; :@ - Raiva; : O –
Surpreso; :-/ - Indeciso; :-S – Confuso; P - Língua de fora. * - Beijo; : :)- Sorriso;
hahahahahaha: rir; LOL , ou KKKKKKKKKKKKKKKK- rir alto, gargalhadas., etc.,
etc.

também vira tbm e certeza vira


ctza.
Por conseguinte, quem entrar nas salas dos chats de certas redes sociais,
escrevendo as palavras com os devidos acentos, a pontuação correta, e outras regras
gramaticais devidamente respeitadas, mostra que não pertence àquele grupo, ou que não
está habituado a utilizar a sua linguagem, sentindo-se portanto excluído. O uso de gírias
nos chats é também muitas vezes muitas uma maneira de indicar a adesão a um
determinado grupo. O resultado disso é uma subcultura especializada baseada no uso da
própria linguagem, à qual só tem acesso quem a domina. Há um choque entre culturas e
gerações, um embate entre formas de comunicação. As pessoas mais idosas tendem a
conservar as tradições, entre as quais as linguísticas, e também elas ficam confusas
perante estas novas formas de comunicação para as quais não estavam preparadas.
As redes sociais são portanto o principal fator de simplificação e de
empobrecimento da língua no mundo de hoje. A nova forma de escrever, a que
popularmente se chama Internetês, é uma ameaça à língua padrão (gramática
normativa), e contribui para a iliteracia, pois deixa de se elaborar as frases, de as
construir, e de saber as regras da gramática. As línguas sempre evoluíram, mas com
estas mudanças não estamos perante o mesmo tipo de evolução. O Internetês empobrece
fortemente a língua, contamina a linguagem formal de maneira bastante abusiva, é uma
forma de decadência da língua, do seu enfraquecimento.
O Internetês está a alastrar para fora das próprias redes sociais e a influenciar a
linguagem usada noutros meios de comunicação. Por exemplo na televisão, no canal
Telecine, há filmes legendados de acordo com o Internetês, com o objetivo de atingir
telespetadores que não gostam de filmes legendados, agilizar a leitura e dar aos
telespetadores a possibilidade de se concentrarem mais nas imagens. Ao lermos as
redações dos jovens nas Escolas e nas Universidades, verificamos também como o
Internetês penetrou profundamente na forma de escrever dos jovens, que são os seu
principais utilizadores, pois confundem muitas vezes a utilização correta da língua com
as expressões que utilizam no Internetês. Muitas das respostas dos testes de avaliação
no Ensino Secundário contêm também frases em Internetês, pois alguns alunos não
sabem escrever na língua correta, por estarem muito habituados a ler e a escrever em
Internetês. Isso revela claramente a diminuição da aprendizagem e das capacidades
linguísticas no mundo de hoje. A aprendizagem da escrita depende da memória visual,
pois muitas pessoas escrevem uma palavra quando se lembram da sua grafia. Ora, ao
serem açambarcados pelo Internetês, como acontece nas redes sociais, e dado que estas
parte do quotidiano da maior parte dos jovens, muitos jovens dos tempos de hoje
escrevem mal as palavras, e nem sequer sabem escrever um texto.
Mas o Internetês não afeta apenas a capacidade de escrever. Quando Georges
Orwell no seu livro 1984 apresenta o conceito de novilíngua (o progressivo
truncamento e eventual desaparecimento de vocábulos), este é uma forma de controlo
de massas e de homogeneização cognitiva, pois o ser humano só consegue pensar
através das palavras que tem à sua disposição, daí resultando a destruição do significado
vocabular e a castração do pensamento. 12 Existe cada vez mais dificuldade em ler textos
longos e explicativos e principalmente uma grande dificuldade em reter mais do que
um dado do mesmo texto. O consumo rápido de informação que se traduz na leitura do
título e depois numa leitura na diagonal, não retendo, não analisando qualquer
informação, como acontece muito na Internet, e principalmente nas redes sociais, não
exercita a capacidade de compreensão, nem a memória, levando a erros de interpretação
e de julgamento, a par da dificuldade de distinguir um texto sobre um tema e a
publicidade aí misturada, que também produzem interferências de leitura e de
compreensão.
Conforme já referimos, nos tempos de hoje a prática da língua tornou-se muito
rápida, demasiado funcional, e semelhante a um uso descartável. Vivemos numa época
de comida rápida (“fast food”), deslocações rápidas entre regiões e países, casas e outras
coisas rápidas de fabricar, obras de arte feitas rapidamente, cursos universitários feitos
rapidamente, relacionamentos amorosos e sexuais rápidos. Hoje tudo é rápido, pronto a
usar, e a cultura da rapidez e do pronto a usar atinge também as formas de comunicação
(por exemplo, já não precisamos de esperar dias para receber uma carta, pois o e-mail
substituiu a carta). O que importa é o aqui e agora, aquilo que é imediato, e já ninguém
tem paciência para esperar. Na modernidade atual o internauta considera que já não tem
necessidade de escrever a palavra/frase toda, quando o recetor percebe o sentido da
12
Georges Orwell, 1984, Lisboa, Ed. Antígona, 2007
mensagem, se escrever apenas metade. Esta hipermodernidade, como lhe chama Gilles
Lipovetsky, no seu livro A era do vazio,13 exige rapidez. O tempo é para muitos o
recurso mais precioso de que dispõem. Além do fast food temos agora também a fast
language.

PROBLEMAS DE INFORMAÇÃO

13
Gilles Lipovetsky, A era do vazio, Lisboa, Ed. Antígona, 1988
O EXCESSO DE INFORMAÇÃO

A informação tem sido considerada tradicionalmente como uma coisa boa, que
se reflete em considerações tais como : “quanto mais informação, melhor”,
“conhecimento é poder”, “mais informado, melhor informado”. Por conseguinte, as
indústrias de publicações têm vindo a criar ao longo do tempo jornais e revistas, que
progressivamente se tornaram excessivos. No meio jornalístico profissional existe
também uma onda crescente de novas publicações, conhecida como “jornalismo de
informação”, que é um mundo de notícias contínuas, umas atrás das outras, numa
enorme competição entre os jornais e os jornalistas sobre a quantidade e a rapidez com
que as noticias são dadas, de modo a estarem sempre em cima do acontecimento e
conseguirem serem os primeiros a difundi-las.
Por outro lado, as novas tecnologias facilitaram muito o acesso à informação,
que deixou de ser portanto apanágio de uma minoria escolarizada. Atualmente quase 98
% da população sabe ler e escrever, e ter acesso à escolarização e à informação deixou
de ser uma forma de estatuto social. A estratificação da sociedade deixou de ter como
critério o acesso à informação, pois por um lado hoje quase toda a gente saber ler e
escrever, e por outro lado toda a gente tem acesso aos meios de comunicação social,
principalmente à televisão. Em todas as ruas, lojas, cafés e restaurantes, estamos
constantemente a ser invadidos com notícias. As ruas têm cartazes informativos e ecrãs
gigantes, onde também se informa o transeunte das notícias do dia, as estações do
metropolitano têm painéis onde passam também notícias, e nas ruas encontramos
quiosques onde basta passar e ler os títulos dos jornais aí expostos, e muitos cafés e
restaurantes têm a televisão ligada, onde frequentemente são transmitidos noticiários.
Assim, quem vá a um café ou comer a um restaurante, acaba por ouvir também as
notícias do dia a dia, transmitidas pela televisão do café ou do restaurante. Além disso,
existe hoje um aumento dos canais disponíveis de informações recebidas, não apenas
através dos meios mais antigos, como os jornais e as revistas em papel, ou através da
televisão e da rádio, mas também através da Internet, nas notícias dadas pelo Google, e
alguns jornais e revistas passaram a ser simultaneamente eletrónicos, e outros
exclusivamente eletrónicos.
Através das redes sociais, a informação também se tornou muito mais
disponível. Nos tempos de hoje mais de 60% das pessoas acedem a notícias através das
redes sociais, um número bastante elevado em comparação com os jornais e as revistas
tradicionais. Por um lado toda a gente passou a receber informação, e por outro lado
toda a gente passou a poder transmiti-la, toda a gente passou a ser recetor e emissor, e
portanto toda a gente, de certa forma, passou a ser jornalista. O cidadão comum passou
a enviar para as redações dos jornais fotos e relatos de acontecimentos, ou a enviar para
as televisões filmagens de acontecimentos, em vez de serem os jornalistas profissionais
a buscarem-nos. No entanto, e muito mais do que isso, muita gente coloca notícias nas
redes sociais, e há muitos indivíduos que fazem isso como uma forma de afirmação
pessoal e de protagonismo, ou para causarem sensacionalismo, não o fazendo portanto
apenas pelo desejo de informar. Assim, os critérios informativos de validação dos
conteúdos desaparecerem, já não há autoridades de validação do conteúdo informativo,
ao contrário que geralmente sucedia com os jornais e as revistas.
A prestação de informação é, da parte dos órgãos de comunicação social, uma
necessidade (por interesses económicos, por competição, etc.), mas também se tornou
numa necessidade de quem a recebe. A informação nos tempos de hoje tornou-se
mesmo uma forma de consumismo, e assim como há em muitas pessoas uma
necessidade compulsiva de comprar tudo e de consumir coisas insignificantes, como se
isso lhes desse um certo poder, também há em muitas pessoas uma necessidade, e em
alguns casos mais do que uma necessidade, uma compulsão de consumir notícias. Existe
em muitos indivíduos uma grande avidez por novidades, para eles o que interessa é
sempre a próxima novidade, o próximo assunto, a próxima notícia. Trata-se ou de mera
curiosidade, ou da busca de conflito, ou do desejo real de saber como vai o mundo, para
as pessoas se sentirem mais seguras, precavendo-se para com eventuais catástrofes, e
outras situações de insegurança que podem chegar a qualquer momento, ou para
discutirem os assuntos que a todos dizem respeito. Outras notícias são meras notícias,
informações banais, e outras importantes, ou importantes para uns e não importantes
para outros.
Mas muitas vezes não são assuntos que a todos dizem respeito, mas assuntos de
interesse pouco relevante. Muitas pessoas não conseguem estar paradas, sentem
necessidade de estarem sempre ativas, querem ver tudo, ouvir tudo, saber tudo,
transmitir tudo, e fazem-no também com notícias, com factos, mesmo com factos falsos,
ou com notícias em forma de espetáculo, notícias sensacionalistas, e alimentam disso o
seu dia a dia. Há em muitas pessoas não apenas uma natural necessidade de estarem
informadas, mas também uma compulsão para buscarem informações. À velocidade
com que tudo decorre nos tempos de hoje e com que tudo é transmitido, muita gente
tem a sensação de estar continuamente desatualizada, e a sensação de ter de saber de
tudo e ao mesmo tempo de não conseguir absorver tanta informação, por isso muita
gente tem também a sensação de constante falta de conhecimentos, por não conseguir
acompanhar tudo. Há pessoas que sofrem com isso, sentem-se angustiadas por não
conseguirem consumir e processar tantas informações, e outras pessoas têm uma
necessidade descontrolada de estarem sempre informadas o tempo todo, por isso nunca
se sente plenamente satisfeitas, pois é difícil estar-se sempre atualizado e poder-se saber
tudo o que se passa a nível nacional e internacional.
Esta atitude é denominada “síndrome de FOMO” (do Inglês : “fear of missing
out”), isto é, o medo de perder algo, ou o medo de ficar fora do que se passa no mundo,
assim como de ficar fora do mudo tecnológico e de não acompanhar o seu
desenvolvimento. Muitas pessoas padecem da necessidade de se manterem
constantemente atualizadas, sob pena de sentirem que estão a ficar de fora do próprio
mundo, que nos tempos de hoje está cada vez mais mediatizado e globalizado. Muitas
pessoas sentem-se excluídas do mundo se não puderem acompanhar o que vai no
mundo, e andam constantemente em busca de notícias, para se sentirem mais integradas
no mundo, e preencherem muitas vezes o vazio das suas vidas. Muita gente, como
forma de esquecer os seus próprios problemas, vive dos problemas dos outros, dos
problemas nacionais e internacionais, e esses problemas fazem com que muitas delas
sintam que têm menos problemas, ou que sintam que não são só elas que têm
problemas. A baixa autoestima, o défice de satisfação em necessidades psicológicas, o
vazio e a solidão faz com que muitas pessoas passem os dias presas à televisão, à rádio,
aos jornais, sobre o que vai acontecendo no mundo, preenchendo o seu vazio e a sua
solidão até mesmo com notícias banais. Muitas pessoas não conseguem tirar os olhos
dos ecrãs da televisão, dos tabloides e dos monitores dos computadores, e outras
consultam com muita frequência no telemóvel as notícias do Google, tornam-se
dependentes dos acontecimentos e das respetivas notícias.
Essa compulsão em aceder a notícias sobre tudo e todos, transmitidas por
televisões, TV com centenas de canais de todo o mundo, rádios, jornais, revistas, é um
facto do mundo contemporâneo. No entanto, através da Internet, sobretudo com as redes
sociais, essa atitude aumentou muito. As notícias, assim como textos informativos sobre
os mais diversos temas, tornaram-se de acesso fácil, rápido e económico, graças às
novas tecnologias, através de tablets, smartphones, computadores pessoais, telemóveis,
etc. As redes sociais são um dos principais veículos de informação nos tempos de hoje,
pois todos os dias somos invadidos com uma enxurrada de informações, através do
Facebook, do Twitter e do Google +, etc. Os utilizadores das redes sociais tornaram-se
também “jornalistas”, pois criam e partilham conteúdos informativos uns com os outros,
e isso aumenta ainda mais o problema da sobrecarga de informações, que já existe
noutros meios de comunicação social. Essas informações, noticiadas por todo e
qualquer indivíduo, têm muitas visões e perspetivas diferentes sobre os assuntos, sendo
por vezes difícil distinguir informação de opinião. Apesar de democratizar a
informação, a Internet também gera muito ruído, e com tantas opiniões discordantes
sobre um determinado assunto nas redes sociais, o resultado muitas vezes é o conflito.
Isso acontece porque as opiniões se baseiam, principalmente, em experiências pessoais,
e são pouco objetivas. Uma grande parte dessas informações chama a atenção e parece
ser muito interessante à primeira vista, mas muitas dessas informações não têm
importância nenhuma.
A Internet, principalmente as redes sociais, originam o excesso de informação e
de conhecimentos. Mesmo que uma pessoa não queira, basta entrar numa das redes
sociais, para ser continuamente invadida por textos sobre acontecimentos do dia a dia,
ou por textos sobre os mais variados temas : costumes, História, Política, Guerra,
Desporto, Natureza, Ciência, Literatura, Arte, etc. Muitas pessoas já não leem livros,
pois leem tudo na Internet, e as redes sociais também trazem muitas informações sobre
diversos temas, assim como notícias. Muitos utilizadores das redes sociais, além de
notícias, colocam nelas também textos sobre assuntos de cultura geral, gerando uma
onda de saber pronto a consumir, uma espécie de saber enciclopédico.
Como consequência temos uma sobrecarga informativa, que ultrapassa a
capacidade que o ser humano tem de receber tanta informação e tantos conhecimentos, e
de mentalmente os digerir e pensar. Há milhões de novos dados que são gerados todos
os dias através da Internet : notícias, reportagens, avisos, informações, curiosidades,
vídeos no Youtube, posts nas redes sociais, etc., etc. Estamos tão mergulhados nas
tecnologias que muitas vezes nem nos apercebemos sobre o quanto elas nos podem
sobrecarregar. Esta sobrecarga inclui a sobrecarga informativa, a sobrecarga sensorial, a
sobrecarga de comunicação e a sobrecarga de conhecimento. Esse problema não se
refere apenas à grande quantidade mas também à má qualidade da informação, que
resulta portanto numa “poluição de informação”. Essa poluição são as informações
irrelevantes, imprecisas, redundantes, desatualizadas, repetitivas, descontextualizadas,
não solicitadas, indesejadas, desnecessárias, medíocres, incontroláveis, perturbadoras,
de qualidade reduzida, originando a chamada “infoxicação”. O conceito de
“infoxicação” é um conceito criado e desenvolvido por Alfons Cornellà 14 para se referir
à relação entre o excesso de informação e a intoxicação. Trata-se portanto de um
neologismo criado em referência à dificuldade de gerir a imensa informação com que
somos invadidos diariamente. A poluição da informação é o equivalente digital à
poluição ambiental, é uma crise de proporções globais, semelhante às ameaças
experimentadas pelo meio ambiente.
Um dos exemplos mais atuais foi o excesso de informação causado pela
pandemia do novo coronavírus. Com esta pandemia apareceram inúmeras informações
nos órgãos de comunicação social tradicionais, mas principalmente nas redes sociais,
provocando grande alarido e muito alarmismo. Ora, tudo isso gerou informações que
contribuíram para a infoxicação. Fomos constantemente “bombardeados” por notícias,
reportagens, comentários, programas especiais, convidados e “especialistas” sobre o
novo coronavírus, e durante muitos meses seguidos falava-se sempre, e em alguns casos
apenas, nesse assunto. A informação era excessiva e causou um clima tóxico e
stressante, para muitas pessoas mais nocivo do que o próprio vírus. O excesso de
informação deve-se também à velocidade e à facilidade com que se propagam as
notícias no mundo de hoje, que acontecem à semelhança do próprio vírus. Para a
invasão do novo coronavírus há o sistema imunitário para o combater, mas para a
invasão do vírus das notícias muita gente não estava preparada nem sabia como o evitar
e o gerir.
Existe uma grande dificuldade de assimilar todo o conteúdo informativo ao qual
somos expostos diariamente, os muitos comentários nas redes sociais sobre as
informações. A necessidade que muita gente tem de fazer o seu ponto de vista
14
Alfons Cornellà, Les autopistes de la informació, Barcelona, Ed. Pòrtic, 1996.
sobressair, sobre as notícias, origina também uma sensação de caos (muita gente a fazê-
lo, sobre toda e qualquer notícia, como querem, quando querem). Jamais a quantidade
significou qualidade, quanto mais quantidade informativa (de que as redes sociais são o
principal exemplo), menos qualidade informativa, Assim como no dia a dia somos
inundados com muitos convites e incentivos para consumirmos produtos, de que a
publicidade um dos principais exemplos, somos também convidados e incentivados a
consumirmos informações, cada vez mais informações, mas não conseguimos responder
a tantos estímulos, tanto apelos, tantos incentivos, tantos convites. O nosso cérebro não
consegue tratar tantos dados, e a sobrecarga de informação origina erros cognitivos e
pode mesmo afetar a nossa memória. Os seres humanos têm uma capacidade limitada
para armazenar informações na sua memória. A exposição excessiva aos órgãos de
comunicação social, e atualmente às redes sociais, reduz a capacidade de processar
informações e esgota o cérebro humano. A nossa memória desempenha um papel
crítico, mas a nossa capacidade de filtrar informações e de lembrar o que é valioso, é
limitada. O excesso de informação afeta a memória, afeta a criatividade, e afeta a
capacidade de reflexão. Os seres humanos só podem processar informações limitadas
antes que a qualidade das suas decisões se comece a deteriorar, e portanto o excesso de
informações pode prejudicar também a tomada de decisões. Com tantas informações,
aparece também a dificuldade de distinguir o que é relevante do que não é relevante.
A redes sociais produzem muito ruído informativo, pois há muita gente a falar
ao mesmo tempo. Não temos tempo nem capacidade para assimilar e gerir tanta
informação, que nos causa uma espécie de paralisia e impotência para processarmos e
compreendermos tantos dados. O nosso cérebro não tem capacidade para receber tanta
informação, e por outro lado não sabemos o que fazer com ela. Muitas informações são
meras distrações, repetições, propaganda, provocações, e por vezes já não somos
capazes de distinguir se é uma coisa ou se é outra, e distinguirmos entre informação e
ruído informativo. Muitas pessoas ao confrontarem-se no dia a dia com o excesso de
informação acabam por se sentirem cansadas, confusas, stressadas, irritadas,
paralisadas, ansiosas, cheias de dúvidas, e angustiadas.
A banalização da informação, de que as redes sociais são um dos principais
fatores nos tempos de hoje, traz como consequência a atitude indiferente em relação a
temas que são importantes, tais como descobertas científicas, problemas de saúde,
questões de política, etc., e consequentemente a ausência de espírito crítico. A poluição
da informação torna também as pessoas menos sensíveis às notícias, pois já nem as
coisas que dantes eram polémicas causam polémica. Isto não se deve apenas ao facto de
nos tempos de hoje haver maior abertura de espírito e menos preconceitos, mas sim ao
facto de muitas pessoas já não quererem saber de muita coisa que as incomodava, pois
já leram muitas coisas, já ouviram muitas coisas, e portanto as coisas que causariam
polémica tornaram-se uma banalidade, sobretudo através das redes sociais. No meio de
tanta informação por vezes parece que vale tudo, até mesmo as notícias falsas, conforme
veremos no capítulo seguinte.

AS NOTÍCIAS FALSAS

Embora as notícias falsas sempre tivessem existido, é importante compreender


qual a novidade e as consequências trazidas pelo ambiente digital, nomeadamente as
redes sociais, que nos últimos anos se converteram nos principais meios de difusão de
notícias falsas à escala global. Mesmo que as notícias falsas não sejam uma coisa nova,
elas ganharam novas dimensões e uma nova importância, que é importante mostrar e
analisar.
Enquanto nos primeiros anos da Internet a informação falsa era colocada por
piratas informáticos, que conseguiam pôr notícias falsas em determinados sites, hoje
existe uma grande facilidade em criar websites que se apresentam ao público como
sendo fontes credíveis, utilizando meios que são facilmente confundíveis com sites de
meios de comunicação social reconhecidos. Com o surgimento da Internet e a facilidade
dos seus conteúdos alcançarem milhares de utilizadores de uma só vez, assim como a
rapidez da sua difusão, as notícias falsas nas redes sociais passaram a ter também uma
larga difusão. Na Imprensa tradicional (nos jornais, nas revistas, na rádio, na televisão)
havia a probabilidade de que aquilo que era lido, ouvido e visto pelo público fosse
verdade, e passasse pelo crivo da direção e da redação dos órgãos de informação, sob
pena desses órgãos de informação perderem a sua credibilidade. Ao contrário do que
acontece nas redes sociais, em que as pessoas publicam notícias falsas, o trabalho do
jornalismo implica várias etapas antes de o texto ser publicado : recolher a informação,
comparar a informação com outras informações, verificar os factos, reunir opiniões,
voltar a verificar os factos. Geralmente os jornalistas têm, segundo a lei, o direito de
acesso a fontes de informação oficiais, tais como o Governo, e têm o direito de
questionar essas fontes para obterem informações. Por outro lado, enquanto
profissionais, têm o dever de informar o público com rigor e isenção, mostrando os
vários lados de um assunto, sem favorecerem nem prejudicarem um ou outro. Ora, isto
não acontece com as notícias falsas espalhadas nas redes sociais.
Nos tempos de hoje, em vez de lerem conteúdos vindos de jornalistas, muita
gente lê notícias postas por todo e qualquer indivíduo, muitas vezes notícias
sensacionalistas que se tornam virais, e que portanto são automaticamente selecionadas
por algoritmos, com caracteres adaptados ao tamanho dos ecrãs dos telemóveis e dos
smartphones, e que a própria plataforma das redes sociais divulga automaticamente,
devido à sua popularidade e não devido à sua verdade. Muitas das plataformas
armazenam dados pessoais dos utilizadores, nomeadamente os interesses e preferências,
orientação ideológica e religiosa, tendências culturais, etc., que permitem criar vários
perfis de utilizadores. O acesso a estes dados possibilita a criação de algoritmos que por
seu turno vão fazer com que notícias fabricadas sejam dirigidas especificamente a um
determinado perfil de utilizador. Portanto, a origem da larga difusão de notícias falsas
reside na própria tecnologia informática, pois os algoritmos das redes sociais,
nomeadamente o Facebook, espalham prioritariamente as notícias mais populares,
muitas delas marcadas por puro sensacionalismo. O sistema informático das redes
sociais faz com que as notícias sensacionalistas sejam amplamente lidas, porque quanto
mais pessoas a leem mais o próprio sistema informático das redes sociais as divulga. Os
algoritmos adquiriram enorme sofisticação em identificarem o material que mais atrai
os utilizadores, e dão-lhes prioridade no topo dos feeds de notícias dos utilizadores, e as
notícias sensacionalistas continuam automaticamente a saltar para o topo dos feeds de
notícias.
A maioria dos utilizadores das redes sociais recebem essas notícias sem
verificaram a sua origem, pois partem do pressuposto de que a sua fonte é credível. A
generalidade do público das redes sociais perde pouco tempo a avaliar a credibilidade
da informação que recebe e partilha, e não põe sequer a hipótese dessa informação ser
falsa. As notícias podem não ter fundamento, e serem pura e simplesmente falsas, mas
se tiverem alguma ideia em que o utilizador das redes sociais já acreditava antes, a sua
tendência será a de dar mais valor a essas informações do que a outras que as
contrariam. Por outro lado, as pessoas deixam-se levar pelas informações dominantes, e
o simples facto de determinada informação ser bastante partilhada e comentada leva as
pessoas a pensarem que ela é verdadeira.
Antigamente só quem tinha poder económico para comprar papel, tinta e ter
tipografias, ou pagar às tipografias, podia fundar e ter um jornal ou uma revista, ou
montar uma emissora de rádio ou de televisão, e durante muito tempo apenas o Estado
podia ter uma emissora de televisão, e por conseguinte de notícias, dado que a televisão
era o principal transmissor de notícias. Ora, já não é preciso ter poder económico, já
nem é preciso o canal de televisão do Estado, para ser emissor de informação em larga
escala, pois nos dias de hoje todo e qualquer indivíduo, instituição ou empresa tem tal
poder. Cada utilizador da Internet tornou-se num “empresário de informação”, pois cada
um coloca uma informação, comenta e corrige aquilo que o outro diz, e não se sabe
quem está dizendo a verdade. As informações circulam livremente nas redes sociais, em
larga escala, sem qualquer critério jornalístico, todas as pessoas podem pôr uma notícia,
e portanto a fonte da notícia banalizou-se e perdeu importância.
Não se trata apenas do conteúdo da notícia muitas vezes ser falso, mas também
de muitas vezes quem a colocou ser anónimo ou de ter uma identidade falsa. As redes
sociais anularam a autoridade da fonte, e substituíram-na por fontes irreconhecíveis, por
isso é muito provável acreditar em informações tanto verdadeiras como falsas. As
notícias falsas têm reduzido o impacto não apenas da Imprensa tradicional, mas também
das notícias reais, têm competido com elas, e aumentado cada vez mais. As notícias
falsas circulam mais rapidamente do que outras notícias, a falsidade chega mais longe e
de modo mais rápido do que a verdade, têm maior quantidade de informação nova (pois
foram criadas precisamente para chamar a atenção), e por outro lado são notícias que
suscitam surpresa, medo, aversão. Assim, por exemplo na eleição presidencial dos
Estados Unidos, em 2026, as notícias falsas contra um dos dois principais candidatos
presidenciais, receberam maior difusão e envolvimento nas redes sociais do que nos
órgãos de comunicação tradicionais, e difundiram-se muito mais rapidamente.
Há vários tipos de notícias falsas. Por vezes são caricaturas, sátiras ou paródias,
mas muitas pessoas pensam que os conteúdos dos textos são verdadeiros. Outras vezes
são meias verdades, pois faltam dados à informação. Outras vezes essas estão cercadas
de notícias verdadeiras, de modo a parecer que também essas notícias são verdadeiras.
Muitas notícias são dadas com falsa conexão com o restante conteúdo de uma notícia.
Noutros casos o conteúdo é enganador, nem se sabe qual é a fonte da notícia, e por
vezes o próprio contexto também é enganador, dando azo a uma informação falsa.
Noutros casos ainda o conteúdo é manipulado e deturpado (por isso são notícias falsas),
como por exemplo as afirmações de determinados políticos, que são manipuladas,
deturpadas e extraídas fora do seu contexto.
Não se deve confundir o conceito de “notícias falsas” com outros conceitos
semelhantes, há quem confunda notícias falsas por exemplo com boatos, e diga que os
boatos sempre existiram. Ora, os boatos e as notícias falsas não são exatamente a
mesma coisa, pois um boato é uma notícia que corre publicamente, anonimamente, de
boca em boca, sem a sua veracidade estar confirmada, e que é muitas vezes um
mexerico, um dito maldoso, por exemplo sobre a vida privada de alguém, mas que pode
ser verdadeiro, enquanto uma notícia falsa, conforme a própria designação indica, é
falsa.
Não se deve também confundir o conteúdo da notícia e o objetivo da notícia,
pois há notícias falsas cujo objetivo não é enganar, enquanto outras notícias falsas são
intencionalmente falsas . Esta distinção tem a ver com a distinção entre erro jornalístico
e notícia falsa. O erro jornalístico é um erro humano, e foi feito não propositadamente,
contendo por exemplo uma falha sobre determinados pormenores a respeito de um
facto, enquanto a redação de uma notícia falsa é feita propositadamente. Por outro lado,
no erro jornalístico quem for atingido ou lesado tem ao seu dispor instrumentos próprios
para se defender, nomeadamente o direito de resposta no jornal onde houve esse erro
(em que a redação ou o jornalista depois pedem desculpa pelo engano), assim como as
entidades reguladoras e os tribunais.
Não se deve ainda confundir notícias falsas sobre assuntos da vida privada das
pessoas, nomeadamente de figuras públicas, e notícias falsas sobre assuntos de política.
As informações políticas falsas tendem a espalhar-se três vezes mais rápido do que
outras notícias falsas. Entre as notícias políticas falsas há também que distinguir entre
notícias colocadas por cidadãos comuns, e notícias colocadas por grupos de cidadãos ou
organizações políticas com responsabilidades públicas, e até pelos próprios políticos,
por exemplo na campanha para a eleição de um candidato presidencial, como sucedeu
na campanha das eleições para a presidência dos Estados Unidos da América, em 2016,
para a eleição de Donald Trump. Outro tipo de informações falsas são as dos
negacionistas por exemplo do Holocausto, que têm subjacente um desculpar do
nazismo.
Muitos utilizadores das redes sociais sentem necessidade de partilhar conteúdos
sensacionalistas, competindo entre si, de modo a provocarem escândalo, ou para
mostrarem quem é capaz de ser mais divertido. Alguns dos utilizadores das redes sociais
fazem isso apenas por protagonismo, para mostrarem-se cada vez mais presentes e
atuantes nas redes sociais, chamando a atenção dos outros, ou com objetivos políticos e
eleitorais. Essas notícias são colocadas com o objetivo de lançar a confusão,
desinformar, manipular, distorcer a realidade, criar uma realidade artificial, induzir o
leitor a assumir uma determinada opinião, crença, ou comportamento que contradiz os
factos. Muitas pessoas têm a tendência para partilharem conteúdos falsos devido ao
facto destes serem mais divertidos, em oposição ao tédio das informações baseadas em
factos. O entretenimento, como critério de partilha desses conteúdos é portanto outro
fator muito importante. Tais conteúdos são captadas por milhares de leitores, e o
sentimento de que outras pessoas precisam de saber daquele “facto”, ou de que gostarão
de ler determinada notícia, que consideram divertida, aumenta também a sua
divulgação, por isso algumas delas tornam-se virais, e ao serem partilhadas e
comentadas, conforme diz o provérbio, “quem conta um conto acrescenta um ponto”.
Com tudo isto, torna-se cada vez mais difícil distinguir o verdadeiro do falso.
As notícias falsas são imensas, tanto pela sua quantidade como pela sua
diversidade, pois embora geralmente digam respeito a temas políticos, têm também
muitas vezes a ver com outros assuntos, como por exemplo sobre as pandemias e as
vacinas, ao usarem pesquisas falsificadas para gerar temores em relação às vacinas,
criando-se por vezes teorias da conspiração, ou teorias negacionistas de factos
cientificamente comprovados, como por exemplo o impacto da ação humana no
aquecimento global e as alterações climáticas.
Eis mais alguns exemplos de notícias falsas : a candidata Hillary Clinton às
eleições presidenciais dos EUA foi mãe de uma criança fora do casamento; criou o
Estado islâmico; esteve prestes a ser presa durante a campanha das eleições
presidenciais por suspeita de fraude. O Papa Francisco apoiou o candidato republicano
nas eleições presidenciais norte-americanas. O ex presidente dos Estados Unidos da
América, Barack Obama, é muçulmano. Um grupo de refugiados levou a cabo violações
em massa num restaurante em Frankfurt, na Alemanha. A adolescência do ex primeiro
ministro do Reino Unido, David Cameron, foi cheia de drogas e atos obscenos. A
permanência do Reino Unido na União Europeia custava 470 milhões de dólares por
semana. O novo coronavírus foi fabricado num laboratório pelos chineses. A tecnologia
5G está na origem da propagação do novo coronavírus. Bill Gates financiou a criação
do novo coronavírus para lucrar com a vacina. As vacinas servirão não para prevenir a
infeção mas sim para implantar um microchip que tem por finalidade refazer o código
genético do ser humano.
Muitos leitores preferem acreditar em determinadas informações que não foram
verificadas, mas com as quais se identificam, por melhor se adaptarem às suas crenças,
às suas convicções políticas, ou por irem de acordo aos seus preconceitos. As notícias
falsas são geralmente apelativas emocionalmente, reforçam um ideal politico, uma
crença religiosa, uma convicção moral, ou uma opinião, e também por essa razão são
largamente partilhadas e comentadas, sem que as pessoas confirmem as suas fontes.
Quem lê esse tipo de notícias é levado a acreditar no que está escrito nelas,
principalmente se a notícia falar de um assunto favorável à crença ou à opinião do leitor.
Os seus leitores agarram-se essas notícias, verdadeiras ou falsas, façam sentido ou não,
para reforçarem a sua visão do mundo.
Mesmo que não sejam verdadeiras, muitas notícias acabam por adquirirem uma
aparência de verdade, pois uma mentira muitas vezes repetida acaba por se tornar
verdade. Mesmo que a notícia venha a ser desmentida, a reposição da verdade tende a
ter um impacto menor do que o da mentira propriamente dita. Muitos leitores até
mesmo depois de confrontados com a verdade, dado que estão tão influenciados por
essas notícias, continuam a manter as sua visão errada sobre uma determinada matéria,
ou sobre uma determinada pessoa. O ser humano tem a tendência para selecionar e
buscar a confirmação daquilo em que acredita, e para ignorar, desvalorizar ou
desqualificar aquilo que vai contra as suas convicções e os seus preconceitos, e isso
acontece também com as notícias.
Dado que a fonte da informação fica em segundo plano, e embora o seu
conteúdo não seja verdadeiro, a sua aparência de verdade é para muita gente mais
importante do que a própria verdade. O debate político faz uso de apelos emocionais,
originando-se na cultura política aquilo a que se chama “política da pós-verdade”. À luz
da “política da pós-verdade” acreditar que algo é verdade (mesmo que não o seja) é
mais importante do que os factos, se isso for útil. Não conta a verdade daquilo que se
diz, mas sim a utilidade daquilo que se diz, e por outro lado os factos objetivos têm
menos influência na formação da opinião pública do que os apelos emocionais e as
opiniões pessoais. A ética da comunicação fica em segundo plano, se com as notícias
falsas se obtiverem resultados considerados importantes, como por exemplo a eleição de
um candidato presidencial, como foi o caso da eleição do ex presidente dos Estados
Unidos, Donald Trump, ou com as notícias falsas que influenciaram a saída do Reino
Unido da União Europeia.
Os difusores das notícias falsas valorizam não o seu conteúdo, mas as suas
consequências, que eles consideram ser boas, baseados no princípio maquiavélico de
que “os fins justificam os meios”, mas as consequências das notícias falsas são nefastas,
pois podem arruinar a reputação das pessoas, quando são notícias falsas sobre a sua vida
privada, e podem também causar danos a instituições, ao Governo, a figuras de Estado,
e prejudicam a democracia e a cidadania, que se deve pautar pela transparência. Além
disso, podem contribuir para espalhar e fortalecer preconceitos, como por exemplo em
relação aos emigrantes, assim como espalhar teorias da conspiração, como por exemplo
sobre a alegada fabricação do coronavírus num laboratório da China, criar um clima de
suspeita e de incerteza, e influenciar negativamente os processos políticos, culturais,
económicos e sociais.
A desvalorização da verdade tende a enfraquecer a esfera pública democrática,
abrindo caminho para o charlatanismo, o obscurantismo, o totalitarismo e o radicalismo.
Os leitores devem ter um espírito mais crítico em relação àquilo que leem e partilham,
em relação ao que é dominante e facilmente propagado, para não se chegar a um ponto
em que se acredita em todo e qualquer coisa, sob a mera justificação de que tudo é
possível. Os utilizadores das redes sociais devem pôr em dúvida muita da informação
que delas recebem, tornando-se agentes ativos na sua denúncia, e mais conscientes
sobre o possível engano dessas notícias, em vez de serem os seus promotores,
exercendo portanto uma cidadania plena, em que contribuam para uma sociedade mais
justa, fundada na verdade e na fidelidade aos factos, e não na sua invenção e
manipulação.
A necessidade de fidelidade aos factos reporta-nos a Aristóteles, que na sua
Ética a Nicómaco dedica algumas páginas ao tema da sinceridade, afirmando a
determinada altura que "quem tiver uma obsessão pela verdade, e for sincero até em
questões insignificantes, sê-lo-á por maioria de razão também nas que são
importantes".15 Mas se por um lado esta sinceridade é, segundo Aristóteles, importante
para a construção da intersubjetividade e das relações privadas, por outro lado também
o é, e sobretudo, no espaço público, de que as redes sociais são o maior exemplo nos
tempos de hoje. Não são notícias falsas entre duas ou três pessoas, mas sim notícias
falsas que atingem e influenciam um público muito vasto, e por outro lado não são
15
Aristóteles, Ética a Nicómaco, Lisboa, Quetzal Editores, 2004, p. 102.
notícias apenas de temas banais, mas de temas de política, onde deve existir maior
responsabilidade e preocupação com a verdade.
Conforme lembra Hannah Arendt,16 exige-se um respeito pelos factos para que a
verdade em política se torne possível, e não acontecer como aconteceu nas eleições do
ex presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, cuja campanha esteve repleta de
notícias falsas, e que foi eleito com o forte contributo dessas notícias nas redes sociais.
O político sincero deve respeitar os factos atrevendo-se a denunciá-los, como se só
assim fosse possível defender a verdade tanto em si mesmo como na vida
comunitária. Dado que a verdade dos factos é política por natureza, não há liberdade
que não se apoie nessa capacidade de os testemunhar, pois é isso que dignifica o
uso público da razão. Se a verdade de nada serve se não tiver importância na
esfera pública, é preciso atender à vulnerabilidade que caracteriza os factos, o que
exige empenho e fidelidade aos factos. E s t a fidelidade à realidade, àquilo que é,
toma o político sincero, pressupondo que não há sinceridade sem uma crença firme
no que se diz. A violência e a persuas ão podem destruir a verdade, mas
não podem subs tituí- la, conforme defende es ta autora.
Se há que construir a verdade em política, como defende ainda Hannah
Arendt na sua obra Verdade e Política, há também que, segundo o pensamento desta
autora, assumir a coragem da fidelidade: ser fiel aos factos, àquilo que aconteceu
efetivamente. É assim que a mentira trai qualquer projeto político, pois assenta na
má-fé ao servir-se dos homens como meios e não como fins, segundo a lição
kantiana que pode servir de manifesto a qualquer política que se pretenda apresentar
como digna.

16
Hannah Arendt, Verdade e Política, Lisboa, Ed. Relógio d’Água, 1995, p. 25.
A CONSTRUÇÃO FICCIONAL DA
REALIDADE
O EU FICTÍCIO

A literatura é fértil na construção de eus fictícios, através de personagens que os


escritores inventam, e cujas personalidades e modos de vida correspondem muitas vezes
a personalidades e modos de vida que os próprios escritores desejariam ser e ter. Não se
trata aqui de incoerência, dado que o escritor não defende uma coisa e faz outra, pois
trata-se de literatura, isto é, o escritor pode pôr uma personagem a dizer uma coisa que
não tem nada a ver com aquilo que o escritor pensa, ou pode escrever um romance que
seja o contrário daquilo que o escritor deseja, pensa ou é. Em alguns casos o romance é
uma chamada de atenção, um alerta para com determinadas injustiças com as quais o
escritor de maneira nenhuma se identifica, e que ele não pratica na sua vida. Todavia,
noutros casos o romance fala de uma realidade que o escritor desejaria viver, sentir e ter
na sua vida real, sendo portanto uma transposição dos seus anseios e sonhos, uma forma
de compensação do que lhe falta, através da literatura.
Muitas dessas construções literárias poderiam existir na vida real, mas dado que
não existem na vida pessoal do escritor, ou da sociedade ideal com que ele sonha, e
`qual aspira, o escritor entrega-se a ela como um devaneio, uma sublimação dos seus
males vazios ou carências na vida quotidiana, ou como desejando ser mais ou ter mais
do que ele é ou tem, ser um outro indivíduo, ter uma outra identidade, que o escritor
não é nem tem na sua vida pessoal. Outras narrativas literárias são as que além de não
existirem na vida pessoal do escritor, ou na sociedade em que ele vive, não poderiam
existir, tratando-se de histórias de fadas, de seres mitológicos, etc., ou outras que não
existindo poderiam existir, como as de uma sociedade utópica.
A Internet também está cheia de narrativas literárias, através da chamada
“Webficção”, obras de ficção de que uma das mais populares foi “The Spot”, publicada
entre 1995 e 1997, narrada através de entradas de personagens pela interação dos
leitores. Na sua sequência surgiram outros sites, como por exemplo o “Ferndale” e o
“East Village”. Os livros publicados diretamente nas redes sociais, nomeadamente no
Facebook, são também uma forma de “Webficção”, propondo a interação do público
com o autor, além da interação entre os leitores, que acontece através de comentários.
Temos assim as chamadas “Facenovelas”, cujas narrativas são publicadas semanalmente
ou mensalmente.
As redes sociais oferecem por vezes um regresso ao mundo da infância, onde
muitos utilizadores vivem novamente como nos contos de fadas, como por exemplo o
desejo de encontrar o príncipe encantado, ou a princesa encantada. No entanto, as
narrativas de muitos utilizadores das redes sociais, mesmo que não sejam
propositadamente uma ficção literária, acabam por ser uma ficção sobre si mesmos e o
mundo, deixando passar uma imagem que não corresponde à realidade, e muitos
leitores deixam-se iludir e sonhar com as narrativas idealizadas que certos utilizadores
das redes sociais fazem sobre si próprios. Nesse caso, não significa que essas figuras
sejam impossíveis de existir, pois não se trata de fadas ou de seres mitológicos, mas de
pessoas reais. Todavia, a narrativa em torno dessas pessoas por vezes é de tal modo
idealizada, que também não existe na vida real mas virtual.
Já antes das redes sociais havia a possibilidade de idealização das pessoas, e de
construção de identidades que não correspondem à vida real. Por exemplo em conversas
na vida real, ou através de cartas que escreviam, as pessoas já podiam construir sobre si
para as outras pessoas um imagem que não correspondia à realidade No entanto, as
redes sociais aumentaram e contribuíram muito para essa atitude, devido ao anonimato
de muitos utilizadores ou de muitos serem desconhecidos, enquanto na vida do dia a dia
era difícil ter conversas com pessoas estranhas na rua. As redes sociais são como
imensas estradas, imensas ruas, caminhos diversos onde se vai navegando e
encontrando pessoas desconhecidas aqui e ali, e a quem se pode dizer facilmente um
“Olá”, ou onde se põe facilmente um comentário àquilo que outra pessoa diz em alguma
página das redes sociais. No caso de contactos entre amigos virtuais, entre indivíduos
que não se conhecem pessoalmente, alguns têm a intenção de se conhecerem
pessoalmente, e apresentam então aos outros utilizadores uma imagem muito idealizada
sobre si, e na falta de comunicação não verbal, na ausência de uma conversa face a face,
olhos nos olhos, através da qual muitas vezes se descobre a falta de verdade ou as meias
verdades do que as pessoas dizem, através das redes sociais as pessoas têm tempo para
pensar no que dizem, e muitas delas dizem coisas agradáveis sobre si mesmas, que nem
sempre correspondem à realidade.
Mas não é apenas no âmbito das relações mais pessoais que isso acontece. Por
exemplo numa página sobre assuntos políticos, ou na defesa de determinadas causas
humanitárias, muitos utilizadores das redes sociais mostram-se muito indignados
perante injustiças que eles próprios cometem ou cometeriam, ou defendem ideias de
sociedade muito justos, ideias politicamente corretas, que nem sempre correspondem
àquilo que eles próprios são, desejam, ou fazem na realidade. O ambiente das redes
sociais, que muitas vezes não se pauta pela equivalência entre aquilo que o seu
utilizador diz ser e aquilo que na verdade ele é, torna-se o local por excelência das
representações da identidade pessoal.
Muitos utilizadores das redes sociais constroem uma identidade ficcional que é
ou pode ser irrealizável pelo seu “eu” fora da redes sociais, ou exibem atributos e
qualidades que valorizem ou sobrevalorizam a sua identidade quotidiana, mesmo que
esses atributos e qualidades sejam falsos. Muitas vezes esses atributos e essas
qualidades nada têm de “real”, pois são antes, e sobretudo a construção do “parecer
ser”, sendo esta identidade apresentada em detrimento do “eu” real. A individualidade
essencial desses utilizadores das redes sociais, escondidos atrás dos computadores ou
dos telemóveis, é algo de secundário, e em vez disso escolhem como querem ser vistos,
apreciados e julgados pelos outros utilizadores, construindo uma personalidade para
melhor comunicar, seduzir, convencer, para ser aceite pelos outros indivíduos, ou para
ser popular. O mundo virtual, de que as redes sociais são o melhor exemplo, trazem
consigo uma ilusão de personalidade, fazem com que o seu utilizador sinta uma falsa
aceitação, uma falso brilho, um falso estatuto, que não consegue encontrar no mundo
virtual, trazendo a muitos utilizadores uma falsa felicidade.
As redes sociais, são um fator de grande sedução para muitos indivíduos, pois
através de uma comunicação á distância, e sem serem vistos, faz com que muitos
utilizadores escondam os seus reais gostos, as suas ideias, os seus interesses, ou seja, a
sua identidade, construindo uma “second life”, isto é, uma vida e uma personalidade
duplas, uma outra existência, uma outra pessoa, ou seja, uma máscara. Devido ao receio
de não serem aceites pelos outros, a insatisfação com o que são na realidade faz com
que muitos criem um “eu” baseado não no que são mas nas expetativas alheias. A
máscara, adotada pela pessoa em resposta às convenções e exigências sociais, faz com
que muitos indivíduos viam numa mentira, de que as redes sociais são um dos meios
mais propícios.
Há dois tipos de máscara : quando há utilizadores das redes sociais que são
racistas, xenófobos, misóginos, etc., mas não publicam o seu nome, a sua fotografia,
onde moram, etc. Esses utilizadores não querem dar a cara, de modo a poderem dizer
tudo aquilo que realmente pensam e sentem, terem atitudes de racismo, de xenofobia, de
misoginia, etc. Conviver com as outras pessoas no seu dia a dia, não é fácil para muitas
pessoas, principalmente quando a sociedade segue padrões de comportamento ético
socialmente esperados, e onde é mais difícil essas pessoas dizerem tudo o que querem,
por isso muitas pessoas recorrem às redes sociais para o fazerem. Ao fazê-lo não
constroem uma ficção sobre si, pois esses indivíduos embora escondidos, dizem o que
realmente pensam, sentem e são.
No entanto, muitos indivíduos nas redes sociais põem máscaras não para se
protegerem, isto é, não para poderem ter publicamente comportamentos de racismo,
xenofobia, misoginia, etc., ou por não haver liberdade de expressão, mas sim para
poderem dizer coisas muito boas, belas, ideais, exprimindo não exatamente o seu “eu”
pessoal, mas sim o tipo de informação que irá agradar, de modo a seduzirem os outros
ou terem aprovação social, mesmo que o que dizem não seja realmente o que eles
pensam, sendo portanto também uma máscara
Ambas as máscaras escondem, mas uma esconde quem o indivíduo é, no que
diz respeito por exemplo ao seu nome ou à sua foto, enquanto a outra é uma máscara de
um eu que não corresponde ao que esse indivíduo é na realidade, pois o que o indivíduo
diz é algo apenas considerado “politicamente correto”, e não o que o indivíduo
realmente sente e pensa. Uma é uma máscara de modo a que o utilizador das redes
sociais diga o que sente e pensa (por exemplo, o seu racismo), enquanto outra é uma
máscara para o utilizador poder exprimir não aquilo que ele é ou faz, mas aquilo que do
ponto de vista social deve ser pensado e dito.
“Persona” era a designação que se dava à máscara usada pelos atores no teatro
da Grécia antiga, para referir o personagem interpretado, sendo um instrumento de
grande importância para o desempenho do ator. Em comparação com a “persona”
grega, a máscara usada nas redes sociais é uma máscara adotada pelo indivíduo como
forma de adaptação aos conteúdos socialmente aceites e desejados (quando esse
indivíduo mostra aquilo que ele não é). A partir do momento em que esses utilizadores
das redes sociais assumem um papel e uma personagem, através de uma pessoa que
desejam ou gostariam de ser, criam uma outra identidade e uma outra personalidade,
adotando também uma máscara.
Conforme já referimos no capítulo “Hostilidade e violência verbal”, muitos
utilizadores das redes sociais são agressivos, provocadores, hostis, e há muitos que por
estarem perante um vasto público fazem-no para chamarem a atenção. Mas há também
utilizadores que querem chamar a atenção dos outros utilizadores de forma positiva, isto
é, querem agradar, mesmo que para isso tenham de construir um eu ficcional, uma
identidade virtual, mostrando-se muito simpáticos, compreensivos e justos, apesar de na
vida real não o serem. Muitos constroem uma outra identidade, tendem a ser melhores,
mais simpáticos e mais justos. Até mesmo na imagem física, para poderem relacionar-se
com outros indivíduos, muitos utilizadores cuidam muito da imagem que transmitem de
si mesmos, através de fotos, definições, aplicativos, e outros métodos de edição da
imagem (por exemplo o fotoshop).
Esses utilizadores das redes sociais criam um outro indivíduo (muito
compreensivo, simpático, justo, inteligente, culto, belo, etc.) para objetivos muito
diferentes : afetivos, profissionais, comerciais, de luta política, etc. Entra-se no terreno
da simulação, finge-se o que não se tem mas se deseja, mistura-se quem
verdadeiramente se é com quem se gostaria de ser, e muitos fazem-no como um jogo.
Neste jogo o objetivo é o de agradar a si próprio, sonhando e imaginando um mundo
além do mundo concreto do dia a dia, mas é também o de agradar aos outros
utilizadores das redes sociais, através de uma narrativa sobre si, que muitas vezes é
falsa.
Muitos utilizadores das redes sociais estão imensamente preocupados com a sua
reputação, e nunca publicam nas redes sociais coisas pelas quais se interessam mas que
poderiam entrar em confronto ou desagradar outros utilizadores. Muitos utilizadores das
redes sociais, nos textos que escrevem e nos comentários que fazem sobre os textos de
outros utilizadores, constroem e mostram de si uma imagem muito moralista, e
escondem quem realmente são e fazem. Muitos utilizadores das redes sociais colocam
textos que eles pensam que irão agradar, e nem sempre isso acontece para seduzir ou
agradar a alguém em especial (por exemplo para procurar um namoro, um companheiro,
um cônjuge, uma relação sexual, etc.), mas para seduzir ou agradar ao público em geral.
No entanto, a preocupação em criar e publicitar de si uma imagem que não corresponde
à realidade, existe em ambos os lados. Há indivíduos que são mais ficcionais em
narrativas sobre si mesmos quando se trata de objetivos amorosos, sexuais, etc.,
construindo sobre si uma imagem que não corresponde à sua verdadeira personalidade,
pois o seu objetivo é seduzirem para poderem obter um namoro, uma relação sexual,
um parceiro, um companheiro, um cônjuge. Há outros utilizadores que constroem uma
ficção sobre si mesmos em páginas não íntimas (páginas de procura de namoro, por
exemplo), mas sim em páginas públicas, em que se mostram muito justos e preocupados
com os males da sociedade. Tanto as relações mais privadas, como as sociais, originam
a construção de uma outra personalidade, que não corresponde àquilo que o outro
indivíduo é na realidade.
Trata-se de uma representação do eu, de uma construção de uma de
personalidade e de uma vida que, conforme já referimos, não corresponde à sua no
mundo real, mas que o indivíduo considera algo positivo, apesar de ser uma ficção.
Através das redes sociais muitos indivíduos realizam o sonho de serem tudo aquilo que
desejam ser na vida real, e nessa imagem idealizada não iludem apenas os outros, mas
também a si mesmos. Constroem uma realidade projetiva, como forma de evasão,
vivem uma realidade virtual e uma espécie de experiência ficcional comparável ao
mundo da literatura. Muitos indivíduos não leem contos nem romances, mas nas redes
sociais certas narrativas têm algo de semelhante aos contos e aos romances, não devido
à sua qualidade literária, que aliás é geralmente pobre, mas devido ao facto de serem
meras ficções. Muitos desses indivíduos, utilizadores das redes sociais, criam ficções
para os outros, mas também para si próprios, ao publicarem por exemplo textos e fotos
de viagens paradisíacas que nunca fizeram.
Para muitos indivíduos é uma forma de evasão, um escape do mundo do dia a
dia, e faz-lhes bem psicologicamente. É algo semelhante à religião, uma espécie de
consolo, pois não estão perante algo real, concreto, mas sim perante uma possibilidade
de viver, ser, ou fazer, que almejam ter, e que muitos esperam vir a ter. Mas em muitos
indivíduos é apenas uma experiência semelhante à literatura, independentemente da sua
concretização no dia a dia, cultivam um outro “eu” (alguns constroem mais do que um
eu, consoante a pessoa com quem falam, consoante a disposição, os objetivos, ou
consoante os seus gostos). As redes sociais são terreno fértil de uma realidade virtual,
uma espécie de construção de várias personagens, como nos romances, ou de vários
autores, como nos heterónimos, pois sabem que é impossível terem essa personalidade
ou essa existência na sua vida real. Esses indivíduos iludem-se a si próprios e aos outros
a quem se mostram nas redes sociais, como substituição do seu eu real por um eu
virtual, não apenas por objetivos utilitários (como por exemplo na criação de perfis
falsos para roubar informações ou para praticar assédio), ou para seduzir um eventual
parceiro amoroso ou sexual, mas também porque esses indivíduos pretendem viver uma
ficção de um eu para o público em geral. No entanto, como consequência de tantas
vezes esses indivíduos construírem e usarem uma ficção de si próprios, e de tanto
usarem uma máscara, por vezes é difícil distinguir a realidade da ficção, pois a máscara
acaba por ficar demasiado pegada à cara, confundindo-se a máscara com a cara e a cara
com a máscara. Em suma, o eu virtual passa a ser o eu real, e o eu real passa a ser o eu
virtual.

A SENSAÇÃO COMUNITÁRIA ILUSÓRIA

O Homem é um ser social, e a sua sociabilidade precisa de viver e de se sentir


ligada a comunidades. Nem toda a sociabilidade implica necessariamente a pertença a
um comunidade (por exemplo, a sociabilidade entre um casal, ou a sociabilidade entre
uma mãe e um filho não formam uma comunidade), mas as comunidades existem
através de laços sociais, vividos no dia a dia, ou existem através de interesses comuns.
A palavra “comunitário” significa aquilo que é relativo ou pertencente a uma
comunidade. Por sua vez, a palavra “comunidade” refere-se àquilo que é comum,
significa um grupo de seres humanos que partilham algo entre si, que se organizam sob
o mesmo conjunto de normas e aspirações, um grupo de indivíduos com relações
recíprocas, que se servem de meios comuns para atingirem objetivos comuns. A palavra
“comunidade” é empregue para denominar uma forma de associação, um grupo
integrado em que os seus membros se encontram ligados uns aos outros, como por
exemplo na religião (“comunidade religiosa”), e é extensiva a outros campos como por
exemplo em política (a “União Europeia” começou por se denominar “Comunidade
Económica Europeia”). No entanto, no seu sentido concreto o conceito de
“comunidade” aplica-se mais a grupos de vivência presencial, como por exemplo,
grupos desportivos, religiosos, culturais, etc. Embora nem sempre tenham de estar
juntos presencialmente, como por exemplo numa determinada religião, a reunião entre
os seus membros faz com que se sintam mais pertencentes a uma comunidade.
Nos tempos de hoje o conceito de “comunidade” estendeu-se também às
“comunidades virtuais”, que são sinónimo de “comunidades online”. As “comunidades
virtuais” são grupos de pessoas na Internet que mantém debates, interesses, identidades
e afinidades em comum, estabelecendo relações à distância. Temos assim os seguintes
tipos de comunidades virtuais : fóruns de compra e venda de produtos, em que os
consumidores realizam várias pesquisas antes de efetuarem uma compra, lendo as
opiniões de outros consumidores; páginas como o “Yahoo” onde os seus utilizadores
podem dar respostas a perguntas gerais que alguém tenha colocado; salas de “chat” em
que se fala de determinado (s) assunto (s); páginas onde os indivíduos partilham as suas
vidas, opiniões e interesses com os demais utilizadores (por exemplo no Facebook, no
Instagram, no Linkedin, no TikTok, etc.); páginas em que um grupo de pessoas tem
constante troca de informações e interação contínua, como por exemplo entre os
indivíduos de um determinado grupo profissional, que através das redes sociais
procuram elos de ligação maior, que por vezes são difíceis na vida real.
As comunidades online têm semelhanças com as utopias, pois não se encontram
em lugares físicos, não estão em nenhum lugar concreto, estando portanto em
conformidade com a etimologia da palavra “utopia”, que significa “não lugar”, ou
“lugar que não existe”. Associada à palavra “utopia” está também a ideia de uma
sociedade perfeita, em que todos vivem em harmonia em torno dos mesmos ideais. Ora,
através das redes sociais os seus utilizadores criam “comunidades virtuais” nas quais
constroem e vivem também formas de utopia. Nessas comunidades todos são livres de
se apresentarem de acordo com as suas aspirações e opiniões, que colocam junto de
outros indivíduos que têm as mesmas aspirações e as mesmas opiniões. A “comunidade
virtual” é uma espécie de comunidade perfeita, como uma utopia, em que cada
indivíduo ocupa livremente a página que melhor corresponde aos seus desejos e à suas
maneira de estar no mundo. O Facebook é disso um dos melhores exemplos, pois
promove uma ligação social que permite aos seus utilizadores aderirem a determinados
grupos com o quais se identificam. Não há uma relação “cara a cara” mas sim uma
comunidade em que toda a gente pensa e sente do mesmo modo (sob pena do indivíduo
ser expulso, bloqueado, ou de sair por si próprio, por não se sentir identificado com esse
grupo das redes sociais).
As pessoas sentem necessidade de vivenciarem as mesmas coisas, de se sentirem
“juntas”, pois isso faz com que se sintam melhor, não se sintam sozinhas na sua maneira
de sentir, pensar e viver, e portanto não se sintam anormais, recorrendo a páginas das
redes sociais para terem uma vivência comunitária difícil de obterem na vida real. As
redes sociais são uma forma de certos indivíduos buscarem vínculos e de viverem o
sentimento de pertença a uma causa, a um ideal, ou a uma forma de vida, em que cada
indivíduo se reconheça no outro indivíduo, partilhe e identifique-se com a vida, os
sentimentos e opiniões dos outros indivíduos, e reforce as publicações dos utilizadores
de determinados grupos com que se se identifica.
É habitual ver-se as redes sociais ligadas à designação de “comunidade, uma
designação que para muitos pressupõe a camaradagem e a união entre os seus
utilizadores, nomeadamente os que estão em certos grupos nas redes sociais, ou os que
têm um determinado grupo de amigos nas redes sociais, alguns deles nascidos através
da pertença a esses grupos. Quando determinadas situações ficam difíceis na vida real,
como por exemplo a doença, o desemprego, o falecimento de um ente querido, etc.,
rapidamente se percebe que o sentimento comunitário afinal não existe.
A nossa verdadeira comunidade é formada por alguns poucos amigos mais
próximos que nos conhecem muito bem, e a única forma de fomentar uma comunidade
real é viver a vida com as pessoas ao seu lado. Muitos indivíduos esquecem-se que a
vida concreta é o que acontece fora do computador ou do telemóvel. pois não existe
uma conversa nas redes sociais que substitua uma boa conversa na roda de amigos, ou
algo que se compare à sensação de viajar com pessoas amigas ou que nos são queridas.
Nas redes sociais as pessoas veem o mundo através de um ecrã e não pelos seus
próprios olhos.
Muitos indivíduos que fazem parte de um determinado grupo nas redes sociais e
que o frequentam assiduamente, publicam textos que outros indivíduos vão
comentando, muitos deles dão a sua opinião sobre o texto colocado por outro indivíduo
assim como sobre os comentários a esse texto, criando-se uma espécie de debate entre
esses utilizadores e dando a sensação de uma comunidade. No entanto cada um desses
indivíduos está sozinho em sua casa, e geralmente não conhece os membros desse
grupo das redes sociais que frequenta habitualmente. Há muitos indivíduos que vão às
páginas desses grupos ler o que outros disseram, e também para dizerem alguma coisa,
como se estivessem juntos e vivessem numa comunidade. Há mesmo muitos membros
de determinados grupos nas redes sociais que diariamente dão os bons dias uns aos
outros, ou as boas noites, agradecem determinadas palavras, desejam boa sorte uns aos
outros, enviam abraços, colocam símbolos de sorrisos como se estivessem a sorrir uns
para os outros, etc. Estes rituais de saudação e de boas palavras repete-se diariamente, e
no entanto muitas dessas pessoas (em alguns casos, todas elas) não se conhecem
pessoalmente, nunca se conheceram nem se conhecerão. As redes sociais fornecem uma
ilusória sensação comunitária, pois muitos dos seus utilizadores vivem e a sensação de
estarem juntos, como se estivessem presencialmente num grupo, mas na realidade não
há um relacionamento direto, há uma ausência do corpo físico. O encontro com o outro
indivíduo é mediado tecnologicamente, o acesso só pode ser feito através de fotos ou de
textos que cada utilizador vai escrevendo. Através das redes sociais muitos utilizadores
buscam um lugar seguro, pois a ilusão do grupo responde ao desejo de segurança e à
constituição e preservação da unidade. Essa ilusão é transmitida por exemplo pelo
Facebook, quando propõe aos seus utilizadores terem amigos (por isso muitos dos seus
utilizadores têm centenas e alguns deles milhares de amigos virtuais),
independentemente das origens familiares, da cultura, das fronteiras nacionais, etc.
Qualquer conflito nas redes sociais é suscetível de ser neutralizado, por exemplo se
alguém nas redes sociais se tornar irritante, pois basta excluí-lo ou bloqueá-lo para parar
de ter uma ligação com ele. Excluir, bloquear, denunciar, são atitudes confidenciais,
pois ninguém além daquele que o faz pode ver essas ações, e não será criticado ou
condenado por o fazer. Portanto, objetivo é o de viver num mundo pacificado, no qual
todos os conflitos são anulados ou suavizados. Nesse mundo todos são como amigos,
vivem o sentimento de afastamento de qualquer diferença e agressão, e a sensação é a
de um mundo sem conflitos. As redes sociais respondem a uma necessidade social de
um mundo ideal, ao proporem utopicamente um mundo em que a contradição, a
adversidade e o conflito é varrido. Através das redes muitos indivíduos podem entrar
mais facilmente num mundo em que concordam com o que os outros sentem e pensam.
Vivemos num tempo muito marcado pela instabilidade e pela efemeridade, desde os
produtos que consumimos, até às relações pessoais e comunitárias. A dissolução dos
laços comunitários tradicionais e a sensação de “falta de pertença” no mundo de hoje,
fazem com que muitas pessoas busquem, direta ou indiretamente, uma compensação nas
redes sociais. A sociedade de hoje já não se organiza conforme os parâmetros
tradicionais de localidade, parentesco, vizinhança, etc. Esta situação provocou uma
alteração importante na forma de comunicação entre as pessoas, na maneira como cada
uma pode interagir e estar em contacto com as outras à sua volta. É isso o que estamos a
viver nos tempos de hoje com as redes sociais, através das chamadas “comunidades
virtuais”, como nova forma de sociabilidade e de comunidade.
Muitas pessoas buscam as redes sociais por um lado devido à dissolução dos
laços comunitários tradicionais, mas por outro lado a frequência das redes sociais ainda
agrava ainda mais essa dissolução. Através das redes sociais os seus utilizadores criam
redes de contactos, publicam textos para todos lerem, comentam-se uns aos outros,
dizem o que querem, mas não formam uma comunidade propriamente dita. A maioria
das pessoas que fazem parte de determinados grupos nas redes sociais, na verdade não
tem vínculos entre si, vivem a sensação de estarem a viver uma partilha, protegendo-se
do medo de estarem sozinhas, mas na realidade essas pessoas estão sozinhas na mesma
e rodeadas de pessoas tão sozinhas quanto elas.
Muitas pessoas sentem-se sós e buscam as redes sociais, e outras sentem-se
marginalizadas, e buscam também as redes sociais em busca de pessoas que pensem e
sintam da mesma maneira que elas. Muitos indivíduos que fazem parte de determinadas
minorias na sociedade, tradicionalmente discriminadas, sentem também necessidade de
fazerem parte de determinadas páginas no Facebook, por exemplo para homossexuais,
nas quais encontrem outras pessoas como elas, que falem, pensem, vivem e sintam o
mesmo que elas (não nos referimos a páginas para encontros sexuais, mas a páginas
onde publicam notícias ou outros assuntos respeitantes aos problemas e estilos de vida
dos homossexuais). A aplicação da palavra “comunidade” para determinados grupos é
problemática e ambígua no mundo real, pois é duvidoso que por exemplo os
homossexuais só o facto de se sentirem atraídos por pessoas do mesmo sexo seja
suficiente para que se possam falar de “comunidade”, e ainda mais problemática e
ambígua é a aplicação da palavra “comunidade” quando se trata de indivíduos como por
exemplo os homossexuais que nem na vida real são propriamente uma comunidade,
pois são muito diferentes e por vezes opostos uns em relação aos outros.
Poder-se-ia pensar que quanto mais minoritário é um grupo, ou que quanto mais
discriminado é, mais fácil é ser uma comunidade, ou viver uma vida em comunidade,
mas nem sempre isso acontece. É possível haver uma vida mais comunitária, e serem
uma comunidade, se for um determinado grupo de pessoas a viverem juntas, como por
exemplo os monges de um mosteiro, enquanto para um grande número de indivíduos
(por exemplo os membros da União Europeia) é mais difícil falar em comunidade,
apesar da União Europeia ter tido antes a designação de “comunidade”, e ainda se
aplicar por vezes a designação de “comunidade” para a União Europeia”. No entanto,
não é pelo facto do grupo ter determinados sentimentos ou ideais em comum, que existe
necessariamente uma comunidade, como acontece com determinadas minorias como as
dos homossexuais, pois estão muito divididos entre si no que diz respeito aos seus
ideais, objetivos e formas de estar na vida.
O sentido comunitário é procurado e vivido por muitos indivíduos através das
redes sociais (muito facilitado pelo anonimato ou pelo facto de serem páginas fechadas
só para os seu membros), fazendo isso para se sentirem menos sós, isto é, para sentirem
que existem outros indivíduos como eles, ou para partilharem textos, fotos, e fazerem
comentários à publicações de outros indivíduos. No entanto, mesmo assim vive-se na
ilusão de uma comunidade, por um lado, conforme já referimos, devido às muitas e por
vezes grandes diferenças entre os indivíduos dessa “comunidade”, e por outro lado
porque, tal como outras “comunidades online”, esses indivíduos não se encontram na
vida real. Poderão uma vez ou outra realizarem encontros presenciais decorrentes das
conversas nas redes sociais, mas por um lado só alguns o fazem, e só algumas vezes, e
por outro lado estamos a falar de uma comunidade online, isto é, de um grupo de
indivíduos que só se manifestam entre si através das redes sociais, e em que muitos
deles nunca se viram nem falaram pessoalmente, e que nem nunca o farão.
Muitos indivíduos devido ao facto de terem problemas de vida em comunidade
no mundo real, uns porque são tímidos, outros porque há divisões entre eles, apesar de
serem discriminados, etc., buscam nas redes sociais uma forma de compensação, vivem
na vida online aquilo que não capazes de viver na vida real : um mundo harmonioso,
sem conflitos, em que supostamente todos estão no mesmo barco, e têm os mesmo
objetivos, mas conseguem fazer isso apenas nas redes sociais, e portanto vivem uma
ilusória comunidade. As redes sociais proporcionam uma enganadora zona de conforto e
segurança a muitos utilizadores onde aqueles que não sentem e pensam como eles não
estão presentes, e onde só estão presentes os que são como eles, e todo aquele que pensa
de modo diferente pode ser excluído com apenas um clique.
Na vida do dia a dia, como por exemplo no local de trabalho, não é possível
eliminar as pessoas das quais não se gosta, e portanto tem de se falar com elas, mas no
mundo online os indivíduos podem muito bem não falar com quem não gostam, e
portanto não desenvolvemos as habilidades necessárias ao convívio com as outras
pessoas. Através das redes sociais os seus utilizadores só frequentam as páginas que
querem, só falam com quem querem e só leem o que querem. Geralmente não se
escolhe os colegas de trabalho, tem de se conviver com eles, por razões profissionais,
assim como geralmente não se escolhe a turma de uma Escola ou de Universidade onde
se é colocado. Ora, nas redes sociais cada utilizador pode procurar grupos que se
ajustem à sua maneira de viver, sentir e pensar, que não existem na vida real, mas sim
online. Isso dá a muitos utilizadores a sensação de viverem numa comunidade, mas que
é afinal uma ilusão, pois além de grande parte das vezes não terem contacto presencial,
e além de se sentirem e continuarem sós, essa comunidade só teoricamente existe, e só é
possível existir virtualmente, pois se as pessoas da comunidade virtual passassem a
viver juntas, ou a encontrar-se presencialmente, ou a encontrarem-se presencialmente
mais vezes, começariam a surgir conflitos, o sentido comunitário terminaria. Quanto
mais juntas presencialmente as pessoas estão, e ainda mais em espaços concretos
fechados, mas difícil é viverem harmoniosamente (veja-se por exemplo os conflitos
surgidos em programas de televisão como o Big Brother). Em alternativa, as redes
sociais permitem viver num mundo fictício e imaginário, por ser só possível de viver
online. Parece que se vive em comunidade, mas na verdade é uma comunidade virtual,
uma comunidade sem lugar, à semelhança das utopias.

O ENCERRAMENTO NAS NOSSAS REPRESENTAÇÕES DO


MUNDO

A Filosofia ajuda-nos a compreender melhor este problema, graças a dois


conceitos teorizados por Kant na sua obra Crítica da Razão Pura. Kant distingue dois
conceitos fundamentais nesta sua obra : o númeno e o fenómeno. Segundo este filósofo,
o efeito de um objeto na capacidade de representar, na medida em que somos afetados
por ele, é uma sensação. A intuição, que se relaciona com o objeto através de uma
sensação, é chamada “empírica”. O objeto indeterminado da intuição empírica é
chamado “fenómeno”. Só conhecemos o mundo através do prisma da nossa estrutura
mental. Segundo Kant, as coisas como parecem para nós são chamadas “fenómenos”, e
uma coisa ou um objeto como ele é em si mesmo, sem análise pela mente humana, é
chamado um “númeno”.
À semelhança do fenómeno em Kant, a visão do mundo é uma “aparição”,
condicionada pela forma de o vermos enquanto seres humanos, pois não vemos as
mesmas coisas que um cão, não sentimos o sol com a mesma intensidade com que uma
o abelha sente, não sentimos o frio com a mesma intensidade com que um urso polar o
sente, etc. Segundo a ideia de númeno em Kant, a realidade das coisas em si mesmas é
impercetível por nós enquanto prisioneiros da nossa estrutura mental, tal como
acontecia com os prisioneiros da alegoria da caverna em Platão, que pensavam que o
mundo era aquilo que eles viam na caverna, desconhecendo a realidade para além
daquilo que viam.
Os seres humanos pensam, aprendem e orientam-se no mundo de acordo com a
sua visão sobre o mundo, não apenas sob o ponto de vista cognitivo enquanto seres
humanos, mas sob o ponto de vista cultural enquanto inseridos em sociedade. Ora, as
redes sociais atuam como filtros que separam a nossa perceção do mudo num único
fenómeno, fazendo-nos acreditar que o que percebemos é a única coisa válida, a única
realidade que existe. No mundo online existe aquilo a que se chama “bolha de filtro”, ou
“bule de filtragem”, que é o que acontece principalmente com o utilizador das redes
sociais, quando as publicações que nelas vê são passadas pelo crivo dos algoritmos de
personalização das publicações. Ao apoiar-se nos comportamento anteriores dos
utilizadores das redes sociais (as publicações onde cada utilizador colocou um “gosto”,
os textos lidos habitualmente, etc.) o próprio mecanismo informático das redes sociais
mostra aos seus utilizadores as publicações suscetíveis de lhes agradarem, encerrando-
os seus nas suas representações sobre o mundo, em vez de os abrirem ao mundo plural.
A plataforma das redes sociais apoia-se também bastante nas interações dos seus
utilizadores com os seus “amigos” ou contactos frequentes: quanto mais as frequências
nas redes sociais são homogéneas, mais os conteúdos propostos pelas próprias redes
sociais se assemelham. Os algoritmos das redes sociais entregam conteúdos diferentes a
pessoas diferentes, de modo a que cada utilizador encontre páginas e veja publicações
de quem pensa, sente e vive como ele. Ao clicar mais num determinado tipo de notícias,
ou num determinado perfil, o algoritmo assume que esse utilizador quer mais desse tipo
de notícias e de perfil, e envia-lhe textos com base nisso, mostra-nos apenas aquilo que
habitualmente ele vê, as opiniões e os conteúdos que aprecia, e mostra-lhe cada vez
menos assuntos e pessoas de outros grupos nas redes sociais. O objetivo é garantir que
cada utilizador fique dentro de um mundo onde as suas crenças, opiniões e convicções
não sejam menosprezadas, nem contrariadas por outros utilizadores.
No entanto, esse é um mudo que não existe na vida real, contribuindo por
conseguinte para a construção da visão ficcional da realidade, de que falámos no
capítulo anterior. A automatização da plataforma das redes sociais, canalizando os seus
utilizadores apenas para o mundo de cada um deles, cria e aumenta no utilizador a
capacidade de se colocar no lugar do que é diferente, pois só mostra um lado do
problema, originando a para a passividade do utilizador, e tornando-se obstáculo à
construção do espírito crítico. Assim, por exemplo, quanto mais textos e comentários
uma pessoa gosta no posicionamento político à direita, menos páginas e textos de
posicionamento político à esquerda essa pessoa encontrará nas redes sociais. Quanto
menos publicações políticas de esquerda uma pessoa tiver lido, mais se fortalecem as
suas posições políticas de direita. Nas redes sociais os elementos extremos de um grupo
levam a maioria a pensar como eles, por falta de contradição. O debate deixa de ser
possível, pois os utilizadores das redes sociais ficam encerrados nos seus ideias,
filtrados pelos algoritmos, raramente verão conteúdos divergente, ficando portanto
encerrados na sua visão sobre o mundo.
As pessoas que participam de grupos fechados nas redes sociais, são ainda mais
levadas a verem ideias iguais repetidas várias vezes pelas outras pessoas, reforçando
aquilo em que acreditam. Isso cria a chamada “câmara de eco”, também chamada
“câmara de eco ideológica”, que é uma metáfora que se refere a uma situação em que
informações, crenças ou ideias são aumentadas ou reforçadas pela sua comunicação e
pela sua repetição dentro de um sistema definido. Dentro de uma “câmara de eco” as
fontes geralmente são inquestionáveis e as opiniões concorrentes e divergentes são
desautorizadas ou censuradas. A “câmaras de eco” faz com que o indivíduo procure e
receba apenas informações conforme as suas opiniões e convicções. Este efeito também
evita que o utilizador das redes sociais procure saber e conhecer mais fora da sua zona
de intervenção, fechando-o num círculo de conteúdos que pouco variam.
Esta situação dá origem à polarização de pontos de vista e ao radicalismo, e é
um obstáculo ao debate e à deliberação. No mundo real é difícil não ver o que se dá a
ver, não ser confrontado com opiniões divergentes, mas isso não acontece no mundo
fechado das redes sociais. No mundo das redes sociais os seus utilizadores são
suscitados e induzidos a fazerem parte de grupos com opiniões iguais, e não são
confrontados com pontos de vista opostos, o que empobrece o debate de diferentes
pontos de vista. Ao ficarem de fora perante as opiniões diversas e de que não gostam,
os utilizadores das redes sociais, ao ficarem rodeados das publicações, páginas e perfis
apresentado pelos algoritmos, ficam encerrados num circuito fechado.
Através desse procedimento as redes sociais reduzem as experiências partilhadas
pelos membros da sociedade, pois cria e reforça a própria realidade de cada utilizador,
na sua visão parcial do mundo, aquela que escolhe habitualmente, rodeando-se de
pessoas que partilham as suas opiniões e os seus sentimentos. As pessoas têm a
tendência para verem as informações com as quais já concordavam, e as redes sociais
apesentam automaticamente informações de acordo com os pontos de vista fixados pela
frequência habitual de determinadas páginas pelos seus utilizadores. Isto é aquilo a que
também se chama o “viés de confirmação” , que é a tendência das pessoas em
pesquisarem, interpretarem e lembrarem-se de informações de maneira a confirmarem
crenças ou hipóteses iniciais. As pessoas demonstram o “viés de confirmação” quando
juntam ou recordam informações de maneira seletiva, ou quando as interpretam de uma
forma tendenciosa.
Alguns psicólogos aplicam a expressão “viés de confirmação” à atitude de uma
pessoa que junta informações de forma seletiva que apoiam aquilo em que ela já
acredita, ao mesmo tempo que ignora ou rejeita informações que apoiam uma conclusão
diferentes. Outros psicólogos empregam a expressão “viés de confirmação” de maneira
mais genérica, referindo-se à tendência das pessoas para preservarem crenças pré
existentes não apenas na pesquisa de informações, mas também na interpretação dessas
mesmas informações. Em ambos os casos o “viés de confirmação” pode levar as
pessoas a uma incapacidade para avaliarem o lado oposto de um argumento, pois ficam
com uma mente mais fechada e passiva, sem a habilidade para uma busca ativa da razão
de ser de uma ideia que elas pensam que está certa, e que para elas é inquestionável, que
pode muitas vezes levar ao radicalismo
No radicalismo do dia o ser humano fica prisioneiro de opiniões específicas, do
sectarismo e do partidarismo, aceita só a informação que condiz com a sua opinião ou
crença, e não está aberto à dúvida e ao questionamento. Ora, as redes sociais são muito
propensas a essa atitude, pois muitos utilizadores leem e frequentam apenas páginas e
grupos que têm a ver com as suas opiniões, em vez de atenderem a diferentes opiniões.
As câmaras de eco, as bolhas de filtragem, e o viés de informação não só proporcionam
como ainda aumentam mais essa atitude.
Esta atitude tem importantes repercussões negativas, pois a diversidade de
opiniões é necessária para a democracia deliberativa. Muitos utilizadores das redes
sociais utilizam-nas como forma de protesto, mas essa utilização procura utilizadores
específicos, não contribuindo para dar vida à democracia, dado que revela um
encerramento nas opiniões e crenças pessoais. Muitos utilizadores isolam-se de tal
forma que depois de terem criado uma pequena sociedade para seu próprio uso,
abandonam a sociedade como um todo. Essa tendência revela que as redes sociais estão
na origem de uma sociedade diferente da sociedade real, definindo um novo lugar para
o indivíduo, o de uma “comunidade ficcional”, conforme já referimos no capítulo
anterior. Assim como essa comunidade é ilusória, dado que é uma comunidade online,
também o encerramento nas representações pessoais sobre o mundo é ilusória, pois é
uma fuga à realidade concreta, que é feita de pluralidade de pontos de vista. Assim
como a paixão amorosa isola os indivíduos da sociedade, nas redes sociais o
encerramento dos seus utilizadores nas suas representações do mundo cria “aldeias
virtuais”. Assim como as aldeias estão muitas vezes isoladas do mundo, as “aldeias
virtuais”, estão também isoladas do mundo real. Este isolamento dá por vezes origem a
problemas psicológicos, conforme veremos no capítulo seguinte.
PROBLEMAS PSICOLÓGICOS

A DEPENDÊNCIA

A dependência é um hábito que acontece sob o efeito da repetição exagerada de


um determinado comportamento. Uma das dependências é em relação a pessoas,
nomeadamente a dependência emocional para com um (a) namorado (a), ou
companheiro (a), que leva ao ciúme, e outra grande dependência é em relação a
determinadas substâncias, a que também se chama “comportamento aditivo” ou “vício”
: o consumo exagerado de tabaco, de álcool, o consumo de droga, ou ainda a
dependência do jogo, como por exemplo os jogos de casino.
No entanto, nos tempos de hoje existe também a dependência para com as novas
tecnologias, como por exemplo a televisão (há pessoas que passam horas em frente à
televisão), ou o computador. Neste último destaca-se o uso dos jogos de computador, e
principalmente da Internet. Nesta última, além de ser também possível estar sempre
ligado a jogos, nomeadamente os jogos de dinheiro, existem em certas pessoas outras
dependências, como por exemplo o correio eletrónico (pessoas que estão sempre a
enviar e a receber e-mails). O “vício da Internet” diz respeito ao seu uso doentio,
abusivo, excessivo e problemático, ao qual se dá a designação de “ciberdependência”.
A dependência digital é um problema psicológico que se refere ao facto de
muitas pessoas não conseguirem ficar longe do seu computador ou do seu telemóvel,
trazendo como consequência determinadas tecnopatologias. Uma delas é a chamada
“apneia do WhatsApp”, em que o utilizador abre de forma compulsiva o WhatsApp,
com ou sem mensagens escritas. Outra dependência digital é a “síndrome da chamada
imaginária”, em que o utilizador sente o telemóvel vibrar mesmo que na verdade isso
não tenha acontecido, ou seja, o utilizador tem a impressão de ouvir o telemóvel tocar,
mas era apenas o seu cérebro a enviar mensagens inventadas. Uma outra dependência
digital é também a “síndrome do Google”, em que o cérebro se lembra de um
determinado dado em consequência do facto de poder aceder facilmente a essa
informação em qualquer momento.
Uma das formas mais usadas no acesso à Internet é o telemóvel, do qual muitas
pessoas estão também muito dependentes, não apenas para acederem à Internet mas
também para estarem sempre a enviar e a receber mensagens, ou a consultarem as redes
sociais. Esta tecnopatologia tem a designação de “nomofobia”, isto é, a ansiedade e a
fobia provocada pelo medo de ficar sem telemóvel, em consequência da dependência do
seu uso, que é considerada por muitos investigadores de psiquiatria como uma doença
psicológica do mundo moderno, provocada pela comunicação virtual, e que foi
acentuada pela generalização dos smartphones. Através da dependência do telemóvel
originaram-se outras dependências, como por exemplo a das selfies, pois há certos
indivíduos que têm uma compulsão para andarem sempre a tirar selfies.
Algumas das dependências da Internet já existiam antes desta existir,
nomeadamente as compras. No entanto, aqui o que está em causa é quando a utilização
implica o uso de uma ou várias aplicações da Internet (e-mails, chats, jogos em rede,
etc.) que não podiam ter lugar fora da Internet e de certas das suas aplicações e
funcionalidades, tais como blogues, fóruns, correio eletrónico, e as redes sociais. Ora,
quer através do computador portátil, quer através do iPad, quer através do telemóvel,
uma das principais dependências é a das redes sociais. Esta dependência é caracterizada
como uma necessidade de interagir com as redes sociais a todo momento, uma
necessidade constante de estar ligado ao Facebook, ao Twitter, ao TikTok, ao
Instagram, ao Youtube, etc.
Muitas pessoas sentem necessidade de estarem sempre ocupadas, não
conseguem estar paradas, precisam constantemente de ocuparem o seu tempo, e estão
sempre agarradas ao telemóvel. Mesmo que o seu tempo possa estar ocupado com
outras coisas, por exemplo a trabalhar, ocupam-no duplamente, preferencialmente com
a frequentação das redes sociais. Muitos utilizadores passam demasiadas horas, por
vezes horas seguidas, diante das redes sociais, e alguns estão de tal forma dependentes
delas que a primeira coisa que fazem de manhã ao acordarem é irem consultar as redes
sociais.
Muitos indivíduos põem de lado ou negligenciam as suas tarefas diárias (os
deveres profissionais, o estudo, o trabalho doméstico, etc.), assim como o convívio
presencial com os seus colegas e amigos, devido à dependência desses indivíduos para
com as redes sociais. Muitos deles comem, trabalham, estudam, estão presencialmente
com os amigos, assistem a programas de televisão, passeiam, conduzem e ao mesmo
tempo vão consultando as redes sociais, ou estão sempre a parar para as consultar, antes
de se deitarem para dormir, a última coisa que fazem é consultar as redes sociais, e de
manhã quando se levantam da cama, a primeira coisa que fazem é pegarem no
telemóvel e consultarem as redes sociais. Acontece também com frequência, por
exemplo numa mesa de restaurante onde há um grupo de amigos, apenas alguns deles
estarem conversando entre si, pois os outros estão com o telemóvel na mão, ligados às
redes sociais, e por vezes até estão todos quase sempre consultarem o telemóvel. Outra
situação bastante comum nos tempos de hoje é a seguinte : após um longo e cansativo
dia de trabalho, uma família senta-se num sofá da sala da sua casa, para descansar e
distrair-se, mas em vez dos membros dessa família conversarem uns com os outros
sobre o seu dia, em vez de trocarem afetos, ou de comentarem o filme que está passando
na televisão, cada um deles, marido e mulher, ou pais e filhos, estão com o
telemóvel na não, a consultarem as redes sociais, e a falarem com outros
utilizadores das redes sociais. Esta dependência das redes sociais afeta não apena
a vida social mas a vida de um casal e os relacionamentos amorosos, e muitos
pais em vez de darem mais atenção aos seus filhos, ou muitos filhos em vez de
darem mais atenção aos seus pais, preferem dar atenção aos utilizadores das redes
sociais, e muitos deles sem os conhecerem pessoalmente.
Há em muitos indivíduos uma compulsão para estarem ligados às redes sociais,
independentemente do que estejam fazendo : atualizam muitas vezes o seu perfil,
publicam através de fotos ou textos, diferentes momentos do seu dia a dia, com os mais
pequenos pormenores da sua vida quotidiana. Com as novas tecnologias, tais com o
telemóvel, e a vulgarização do acesso à Internet, desde que haja ligação eletrónica, as
redes sociais estão acessíveis a partir de qualquer lugar. Jantares com amigos ou
encontros familiares, são muitas vezes atrasados, alterados, ou cancelados por certos
utilizadores que passam quase o tempo todo em frente do computador ou do telemóvel,
em vez de desfrutarem das atividades sociais presenciais. Muitos estão de tal maneira
dependentes das redes sociais que já não são capazes de viver sem elas, e pior do que
isso, já não são capazes de distinguir entre o mundo real e o mundo virtual, entre o
mundo nas redes sociais e o mundo fora das redes sociais.
Há muitas pessoas que estão dependentes das redes sociais porque as usam
continuamente, e por outro lado usam-nas continuamente porque estão dependentes
delas, criando-se assim um círculo vicioso. Este círculo vicioso existe também no facto
de muitas pessoas frequentarem as redes sociais devido à sua inabilidade para o
convívio na vida real, mas por outro lado essa inabilidade fica piorada devido à
dependência das redes sociais. Ou seja : há muitas pessoas que frequentam demasiado
as redes sociais devido ao facto de serem introvertidas no mundo real, mas por outro
lado ficam introvertidas, ou ainda mais introvertidas, devido ao facto de frequentarem
demasiado as redes sociais. Este problema traz como consequência uma perda de
liberdade, como sucede noutras dependências.
A dependência das redes sociais, assim como a dependência de outras coisas,
leva a uma sensação de carência, que por seu turno leva a uma sensação de desagrado
quando há a cessação ou a redução do seu uso, ou quando o acesso às mesmas não é
possível, desagrado esse que é visível através determinadas estados de espírito como
tristeza, irritabilidade, raiva ou tédio, etc. Tais estados de espírito contribuem para
muitos problemas conjugais, profissionais, baixo rendimento escolar, etc. Há estudos
que indicam que o mesmo mecanismo que faz com que uma pessoa se torne dependente
de drogas, também pode provocar dependência das tecnologias. O nosso cérebro tem
uma área denominada “sistema de recompensa”, que é responsável por estimular e
promover certos comportamentos para a sobrevivência da espécie humana, por isso a
comida e o sexo atraem tanto. Ao consumir drogas, o “sistema de recompensa” é
estimulado e origina estados psicológicos ligados ao bem estar e à euforia, que acabam
por reforçar o consumo de droga.
Ora, numa pessoa viciada nas redes sociais, quanto mais “gostos” e seguidores
ela obtiver maior será sua satisfação, e isso estimula a sua dependência das redes
sociais. Há pessoas dependentes das redes sociais que têm sintomas de irritabilidade e
ansiedade ao ficarem muito tempo desconectadas, que são os mesmos sintomas que tem
um dependente químico em abstinência, e portanto a dependência das redes sociais no
cérebro humano tem semelhanças com vários tipos de drogas. As redes sociais têm
aliás a possibilidade de viciarem mais que as drogas, o tabaco ou o álcool, pois a
aquisição das redes sociais é grátis ou de baixo custo, rápida e acessível. Ora, em muitos
indivíduos o vício das redes sociais provoca outros problemas psicológicos, tais são o
stresse, a ansiedade e a depressão, de que falaremos nos capítulos seguintes.

O STRESSE E A ANSIEDADE

O conjunto das respostas físicas e psicológicas originado por determinados


estímulos externos podem conduzir a um desgaste psicológico, dado que os estímulos
são maiores do que os meios para os enfrentar. Por vezes o stresse e a ansiedade são
considerados sinónimos, e poderem estar relacionados, conforme mostraremos neste
texto, mas têm também algumas características que os diferenciam. Enquanto o stresse
tem uma origem claramente identificável e se foca em situações atuais, tais como a
sensação de que se é incapaz de lidar com o presente, na ansiedade a pessoa pode ter
sensações de ameaça ou de medo sem saber de onde vêm, e por outro lado as situações
negativas são antecipadas, provocando o medo de algo que ainda não aconteceu e por
conseguinte um olhar assustador em relação ao futuro.
A dependência das redes sociais provoca stresse, mas nelas há também outras
coisas, as quais causam ansiedade, ao exporem o seu utilizador a muitos e
desagradáveis estímulos : notícias negativas e sensacionalistas, comentários
desagradáveis e ofensivos de indivíduos desconhecidos, comentários inesperados de
indivíduos conhecidos, de quem seria de esperar boas palavras, discursos de ódio,
propostas comerciais suspeitas, etc. Tudo isso pressiona continuamente muitos
utilizador das redes sociais, e causa stresse e ansiedade. A sensação predominante não é
o medo mas a preocupação com os muitos estímulos, que por um lado muitos
utilizadores das redes sociais querem, mas por outro lado não querem, devido ao facto
de serem uma sobrecarga, de que muitos utilizadores são incapazes de se libertarem.
O síndrome de FOMO (abreviatura de fear of missing out, que é uma expressão
inglesa que significa o medo de perder algo ou de ficar de fora), é um problema
psicológico que resulta do medo de ficar de fora do mundo tecnológico e de não
conseguir acompanhar o desenvolvimento das novas tecnologias, e isso provoca stresse
e ansiedade. Há algo de semelhante que acontece nas redes sociais, que se  caracteriza
pelo medo constante de perder alguma notícia ou algum evento importante que dê a
oportunidade de interagir. Uma parte dos utilizadores das redes sociais têm a obsessão
em se exibirem publicando sempre as suas fotos de viagens, fotos de corpos esbeltos,
fotos ostentando roupas caras, relatos de compras que fizeram, relatos dos seus êxitos
alcançados, etc. Há mesmo utilizadores que publicam nas redes sociais fotos das suas
idas ao ginásio, dos seu procedimentos estéticos, das suas idas a restaurantes caros,
mostram produtos maravilhosos que têm na sua casa, e relatam outras coisas da sua vida
privada : aplicações financeiras, aulas de inglês, yoga, os cães e os gatos que têm, a sua
família maravilhosa, o seu namorado bonito, etc.
As redes sociais são o lugar onde muitos indivíduos se exibem facilmente, e
onde alguns mostram mais do que são ou do que têm. Tudo isso faz com que muitos
utilizadores das redes sociais comparem a sua vida com a dos outros, e que constatem
que os outros conseguem determinadas coisas e que eles não os conseguem acompanhar
nos mesmos “sucessos”, e isso também causa stresse e ansiedade, sobretudo devido aos
esforços para acompanhar os outros indivíduos e o medo de não conseguir atingir as
mesmas metas que eles. Muitos utilizadores das redes sociais têm a sensação de que a
vida de todos os outros indivíduos é fantástica, exceto a sua, e que a sua vida está
parada e que os seus esforços são insuficientes para conquistarem os seus sonhos. Ter
medo de não se estar a alcançar o suficiente, tanto nas tenologias, como na vida que se
tem em comparação com a dos outros, tem um impacto negativo no bem estar
psicológico de muitos utilizadores das redes sociais. Muitos indivíduos gostam
excessivamente de exibir os seus “sucessos” nas redes sociais, e há outros indivíduos
que têm a sensação de que o tempo lhes foge sem saberem como, sentem não fazem o
que queriam fazer e veem que outros indivíduos conseguem fazer. Há uma competição
desenfreada na vida do dia a dia, que se reflete especialmente nas redes sociais, e que
por elas é aumentada, e o confronto com a suposta vida de sucesso dos outros, o medo
de ficar de fora, de ser marginalizado, causa ansiedade.
Muitos utilizadores das redes sociais também não querem perder os comentários
dos outros utilizadores, querem estar sempre em cima de todos os acontecimentos e de
todos os comentários, e para muitos os próprios comentários já são um acontecimento,
seja ele positivo ou negativo. A postagem de uma nova foto que não recebe o símbolo
de “gosto” ou interações, traz também um certo sofrimento e ansiedade em muitos
utilizadores. Ficar à espera de resposta aos textos, comentários e fotos publicados nas
redes sociais, causa em muitos utilizadores ansiedade, devido ao facto de esperarem
bons comentários e a concordância dos outros utilizadores para com os seus textos e
comentários e fotos, e têm receio de serem mal recebidos pelos leitores, agravado pelo
facto da má receção ficar exposta para um grande número de utilizadores das redes
sociais. Muitos ficam à espera de verem se os outros disseram bem ou mal do seu texto,
do seu cometário a outro texto, ou da sua foto. Ora, esta espera, a expectativa e a
dependência dos comentários dos outros utilizadores faz também muitos utilizadores
das redes sociais ficarem ansiosos. Muitos utilizadores precisam dos bons comentários,
da concordância e do elogio dos outros utilizadores às suas publicações, e por outro lado
têm a sensação de estarem a ser observados e julgados negativamente, e quantos mais
amigos nas redes sociais tem o seu utilizador, mais essa sensação cresce, e essa
sensação causa também ansiedade. Muitos têm receio de não serem aceites pelos outros,
de não receberem um determinado número de “gostos”, de não receberem resposta de
uma mensagem dentro de um tempo determinado, tal como acontece também nas
mensagens por Whatsapp.
O Whatsapp é uma ferramenta útil para comunicar instantaneamente com outras
pessoas, em qualquer parte do mundo, mas por outro lado muitos dos seus utilizadores
têm a sensação de que precisam de estar sempre disponíveis, e de se serem rápidos a
responder. O excesso de mensagens, a sensação de ter de se estar sempre disponível, e a
pressão para responder, causam também stresse e ansiedade. Por outro lado, não é só a
ansiedade em ter de se responder, mas também a ansiedade na espera à mensagem
enviada no Whatsapp. Para muitos utilizadores o facto de receberem resposta às suas
mensagens aumentas-lhes a auto estima, assim como o facto de os utilizadores das redes
sociais tais como o Facebook, responderem e concordarem com as suas mensagens faz
bem ao seu ego. Há muitos utilizadores das redes sociais que sentem necessidade das
respostas dos outros utilizadores, só o facto destes lhes responderem já é algo
importante, pois precisam que os outros lhe deem atenção, e isso faz muitos utilizadores
andarem ansiosos e preocupados no caso de isso não acontecer.
Conforme referimos no capítulo anterior, há muitas pessoas que quando acordam
de manhã, a sua primeira ação do dia é pegarem no telemóvel e consultarem as redes
sociais. Muita gente não consegue passar um dia inteiro sem se ligar ao Facebook, e se
isso não acontecer para muitas pessoas é como estarem excluídas da sociedade. Muitos
utilizadores ficam nervosos com a possibilidade de perderem alguma coisa que está
acontecendo no mundo ou no seu circulo de amizades, querem consultar as redes sociais, e
vivem stressados com tantos textos novos e com tantas polémicas que continuamente aparecem
nas redes sociais, e ao mesmo tempo vivem ansiosos com receio de não encontrarem o que
desejam. Para muitas pessoas é um sofrimento desligarem-se das redes sociais, e quando
por algum motivo isso acontece (por perda de telemóvel, por falta de pagamento ao
servidor da Internet, por proibição do seu uso em determinados espaços, etc.), algumas
pessoas ficam ansiosas, sem saberem o que fazerem, e sem saberem o que se está a
passar. O stresse das redes sociais, devido à sobrecarga de informação, à pressão
contínua de muitos utilizadores, e o facto de outros utilizadores não conseguirem dar-
lhe resposta, tem como consequência o nervosismo, a frustração, a irritação, a
insatisfação, o medo de vir a perder o controle, levando portanto à ansiedade. Esta, por
sua vez, afeta o sono, a capacidade de atenção e a capacidade de se relacionar
socialmente na vida real, e está interligada com depressão, de que falaremos de seguida.

A DEPRESSÃO

O uso excessivo das redes sociais também está ligado à depressão. O Homem é
um ser social, mas a vida moderna tende a isolar as pessoas cada vez mais umas das
outras. Muitas pessoas que se sentem sozinhas e deprimidas procuram uma forma de
compensação através das redes sociais, criando um mundo virtual para consolar a sua
tristeza e a sua insatisfação com a realidade concreta do dia a dia. No entanto, apesar
das redes sociais servirem para muitas pessoas como uma forma de comunicação e de
escape, o seu uso pode piorar o problema da solidão, pois a tendência em muitas
pessoas é a de se afastarem cada vez mais das outras pessoas.
Muitas pessoas por se sentirem isoladas socialmente no dia a dia recorrem às
redes sociais, mas a sua utilização excessiva faz com que fiquem ainda mais isoladas do
mundo real, pois quanto mais tempo permanecem nas redes sociais menos tempo ou
disposição têm para estarem com os outros nas relações concretas e presenciais. A
interação social online pode substituir as interações presenciais para algumas pessoas,
em vez de agir como um suplemento, mas isso pode ter um impacto negativo nas
capacidades sociais de muitas pessoas, e fazer com que tenham sentimentos de solidão.
Muitas pessoas vão para as redes sociais porque estão sozinhas e deprimidas, mas por
outro lado ainda ficam mais sozinhas e deprimidas ao irem para as redes sociais. O uso
excessivo das redes sociais por um lado tem muitas vezes como origem a depressão,
mas por outro lado pode também causar depressão em quem não tinha depressão, pois
quem é dependente delas muitas vezes deixa de lado os seus compromissos, afasta-se
das pessoas, deixa de praticar os seus hobbies, e há mesmo alguns utilizadores ficam
acordados durante a noite, presos à Internet, o que é prejudicial para o seu bem estar
físico e psicológico. Alguns autores introduziram termos como a “depressão do
Facebook” ou o “toque fantasma” para descreverem novos sintomas ou problemas
psicológicos provocadas pelo uso excessivo das redes sociais. Por exemplo, a
“depressão do Facebook” consiste numa tristeza ou angústia profundas por não se estar
constantemente em contacto com os outros, sentir que se está desligado do mundo. Por
seu turno, o “toque fantasma” é descrito como a sensação de se ouvir o telemóvel tocar
ou a vibrar quando na realidade não toca nem vibra.
As redes sociais, em muitos casos, trazem alegria e prazer, mas também
provocam raiva, inveja principalmente porque muitos indivíduos acreditam que os
outros indivíduos são mais felizes do que eles. Fotos de viagens ao exterior, mulheres
com corpos belos, pessoas exibindo roupas de marca e famosos no seu dia a dia
glamouroso, publicações de férias caras, novas casas, novos carros, relacionamentos
felizes, e sucessos no âmbito profissional (mesmo que alguns deles sejam mentira)
podem despertar sentimentos de inveja, baixa autoestima e depressão. Muitos
indivíduos estão sempre a comparar as suas vidas com as dos outros, e perante a
exibição nas redes sociais de “vidas felizes”, muitos utilizadores ficam com um olhar
negativo sobre si mesmos, aumentando a sua sensação de incapacidade.
Até mesmo o facto de alguns utilizadores receberam muitos “gostos” nos seus
textos e partilhas nas redes sociais, pode levar à inveja de outros utilizadores, por não
receberem nenhum ou quase nenhum “gosto”, e em alguns casos pode também levar à
depressão. Buscando reconhecimento e validação nas redes sociais, há pessoas que
ficam aborrecidas quando não recebem tantos símbolos de “gosto” e tantos bons
comentários conforme esperavam, essas pessoas estão demasiado à mercê de
reconhecimento e validação, e sendo isso para muitas pessoas feito através das redes
sociais, ficam tristes quando não o têm . Há pessoas mais propensas a terem essa atitude
devido à sua baixa autoestima, à sua insatisfação pessoal, à sua carência de afeto, que
tentam preencher com o sinal de “gosto” , as partilhas das suas publicações e os
comentários elogiosos.
A comparação feita por muitos utilizadores entre a vida virtual e real, e da sua
vida com a de outros utilizadores, faz com tenham a sensação de que lhes falta algo, e
que se sintam infelizes e deprimidos. Há mesmo indivíduos que pouco a pouco entram
em depressão depois de receberem críticas sobre uma característica física sua, sobretudo
quando essas críticas são feitas de maneira tão pública como a das redes sociais. Em
muitos indivíduos esse tipo de críticas enfraquece a sua autoestima e provoca-lhes
insegurança e depressão, por exemplo em mulheres jovens que sentem a pressão social
para terem um corpo belo e perfeito. Um dos grupos mais vulneráveis são também os
adolescentes, pois têm ainda poucas defesas psicológicas para lidarem com tanta
pressão. Apesar dessa pressão poder acontecer em todas as idades, são os indivíduos
mais jovens as principais vítimas, pois são os que mais utilizam as redes sociais.
A interação com as redes sociais pode causar mesmo uma simples mudança de
humor que, de início, parece algo inofensivo, mas que com o tempo ganha proporção e
pode-se transformar num distúrbio emocional. As redes sociais influenciam
negativamente o humor, e causam sentimentos negativos também através das notícias
que deixam certas pessoas muito abaladas. Por fim, há que lembrar o facto de que as
hostilidades nas redes sociais (os comentários ofensivos entre os seus utilizadores, o
assédio virtual, e os discursos de ódio), de que já falámos mais atrás, podem também
originar raiva, tristeza e depressão.
PROBLEMAS ECONÓMICOS

A FRAUDE

A economia nas redes sociais é um novo ramo da economia que estuda o


impacto económico do que acontece nas redes sociais, tais como as conexões entre os
seus utilizadores, como por exemplo uma amizade, ou uma participação financeira no
caso de empresas, mas que acarretam também consequências económicas. Nos tempos
de hoje fazer compras através da Internet é algo prático e rápido, pois não é necessário
o comprador deslocar-se ao local onde está aquilo que pretende comprar, e além disso
existe uma boa relação entre custo-benefício. A Internet põe no mercado muitos
produtos mais baratos, com promoções e grande descontos, e dado o interesse dos
consumidores por promoções e descontos, sobretudo em momentos de economia difícil,
o comércio eletrónico tem crescido cada vez mais.
Na Internet as redes sociais são uma das formas das empresas se apresentarem
no dia a dia dos consumidores, e para algumas empresas as redes sociais são mesmo a
principal forma de publicitarem os seu produtos, aliciando os consumidores para
comprarem os seus produtos, e são também uma forma de os venderem, sobre o qual
falaremos especificamente no capítulo seguinte. Por seu turno, um utilizador das redes
sociais pode também recomendar o consumo de um determinado produto ou serviço a
outros utilizadores, ou a não utilizadores. O empenho de muitos consumidores nas redes
sociais é parte do algoritmo dos principais buscadores, melhorando a posição do
comércio eletrónico no volume das vendas.
No entanto, existem muitas fraudes, pois os cibercriminosos usam o nome de
grandes marcas para roubarem dinheiro dos utilizadores através de promoções atraentes
nas redes sociais, como por exemplo no Facebook, afetando uma grade quantidade de
empresas, lojistas e consumidores. Ao clicarem no link da oferta, muitos utilizadores
das redes sociais são automaticamente direcionados para um site muito semelhante ao
site oficial da loja de venda de determinados produtos, tornando difícil distinguir um
site do outro. Por outro lado, os cibercriminosos geralmente usam encurtadores de links
para ocultarem o verdadeiro endereço URL. Depois da suposta compra ter sido
efetuada, os responsáveis por essa “campanha de promoção” têm acesso a todos os
dados bancários do utilizador, que acabará por não receber o produto que pretendia
comprar. O utilizador depois de ter pago um determinado através de uma loja
eletrónica, a ser entregue pelos correios em sua casa, muitas vezes depara-se com uma
das seguintes situações : não recebe nada, ou recebe produtos que não correspondem ao
que pretendia.
Os cibercriminosos, ao criarem uma página falsa na Internet, criam também
falsos sorteios e falsas promoções de produtos, muitas vezes anunciados nas redes
sociais, para que os utilizadores das redes sociais coloquem um “gosto” nessa página e a
partilhem, fazendo aumentar o número de visualizações e de “gostos” nessa página. Em
muitos casos são criadas páginas com nomes de grandes empresas, para a divulgação de
sorteios, mas depois o nome da página é trocado por outro que possa oferecer produtos
de baixo custo. Muitos utilizadores das redes sociais partilham essas páginas de sorteios
devido ao facto de acreditarem na sorte e também por acreditarem nessas páginas, e não
pesquisam sobre a publicitação do sorteio ou a sua informação sem ser através das redes
sociais, principalmente o site oficial da empresa, e são portanto enganados.
O pishing (do Inglês, “pescaria”) é uma prática muito comum na Internet : o
utilizador recebe mensagens privadas, solicitando-lhe informações pessoais, geralmente
através de e-mails ou de sites, mas também pode ser feita através de outros meios,
nomeadamente as redes sociais. O autor do pishing utiliza determinadas técnicas para
atrair a atenção dos utilizadores das redes sociais e para fazê-los executarem uma
determinada operação online. Se o utilizador “morder a isca” poderá fornecer dados
bancárias ou outras informações confidenciais, pensando que os está a fornecer à
empresa certa e da qual é cliente.
Geralmente essas mensagens são criadas de modo a parecerem que foram
emitidas por empresas conhecidas, tais como bancos, operadores telefónicos,
administradoras de crédito, ou grandes empresas fornecedores de eletricidade, telefone,
televisão, internet, etc. As mensagens de pishing fazendo-se passar por um aviso por
exemplo de uma instituição bancária, podem levar o internauta a clicar num link para
atualizar a sua conta na instituição bancária, fornecendo a morada, o número de
telefone, etc. Ao fazê-lo, o internauta cairá num site falso mas muito parecido com o da
sua instituição bancária. Se o internauta não notar que aquele site é falso, poderá
fornecer dados sigilosos, principalmente, conforme já referimos, o número da sua conta
bancária e a respetiva senha de acesso.
Há também perfis falsos nas redes sociais, particulares ou coletivos, que estão
frequentemente a oferecer crédito de maneira fácil, apresentando como condição o
pagamento de dinheiro, recorrendo a falsas ou ilusórias justificações. Geralmente essas
“entidades” dizem que concedem empréstimos de dinheiro rapidamente, sem a
necessidade de burocracias, sem a necessidade de garantias, e de forma anónima para os
consumidores, mesmo àqueles que não conseguem obter crédito junto do sistema
financeiro bancário. Devido a essa facilidade, aos problemas financeiros de muitos
indivíduos, e à facilidade de concessão desse crédito, e ao aliciamento de quem está por
trás disso, muitos acabam por ser vítimas de fraude, pois não vêm a obter nenhum
crédito, ou obtêm só uma parte.
Aparecem também muito na Internet, especialmente em páginas e anúncios das
redes sociais, ofertas de emprego falso, em que as pessoas têm de pagar previamente
uma determinada quantia para encontrarem um emprego, assim como a promessa de
atendimentos grátis em hospitais privados, sorteios de produtos que os utilizadores
nunca receberão, apesar de lhes ter sido dito que foram contemplados com um
determinado prémio. A finalidade dessas ofertas é levar as pessoas ao pagamento de
serviços que afinal não existem, enviarem dados pessoais ou clicarem em links que
conduzam ao roubo das suas informações de acesso bancário.
Outra técnica é a de alguém utilizar o número de telefone de uma pessoa,
obtendo-o através das redes sociais, nos casos em que os utilizadores das redes sociais
escrevem no seu perfil o seu número de telefone. Os cibercriminosos, fazendo-se passar
por essa pessoa podem solicitar a uma operadora de telefones uma segunda via do seu
cartão de telemóvel. A partir daí todas as chamadas e mensagens escritas que a pessoa
receber, incluindo a palavra-passe que uma instituição bancária envia a essa pessoa,
para fazer transações através da Internet, são direcionadas para o segundo cartão.
Há mesmo quem, em vez de promover marcas de produtos, promove a própria
fraude, vendendo guias sobre como cometer fraude. Esses cibercriminosos (chamados
“influenciadores”), incentivam os internautas a seguirem os passos dos guias para
fazerem compras através da Internet, ou até mesmo obterem um empréstimo em nome
de outra pessoa, e também para obterem esse guia e serem ensinados, e para isso
também deverão pagar.

A PUBLICIDADE ENGANOSA

As redes sociais são palco de um número imenso de negócios, sendo possível


abrir uma “loja” por exemplo no Facebook, usar o Facebook Market, vender produtos
em campanhas ou em publicações, que trazem ao Facebook imenso lucro. Outra rede
social muito utilizada é a do Instagram, através da qual também é possível vender
produtos, oferecer consultoria para negócios, criar filtros para agências e empresas,
vender fotos, criar o seu próprio produto digital, etc.
No entanto, há também muitos lucros obtidos através da publicidade colocada
nas redes sociais, mas a rede social (por exemplo o Facebook) é também a própria
empresa onde um indivíduo a título particular, ou uma empresa, podem colocar um
anúncio, que são a grande fonte de receita económica do Facebook. Se por um lado o
Facebook se propõe fazer progredir a sociedade através da conexão entre as pessoas, por
outro lado lucra imenso com isso, erguendo um negócio demasiado poderoso à escala
planetária.
Existem ainda outras formas de publicidade, entre as quais a designada
“publicidade viral”, cuja designação está ligada à noção de que as ideias se espalham
como um vírus. A publicidade viral pode ser feita através de videoclipes, jogos
instantâneos interativos, e-books, softawares de marca, imagens, mensagens de texto, e-
mails, ou páginas nas redes sociais. Assim, por exemplo, basta termos pesquisado
através da Internet viagens para um determinado país, para nos dias seguintes sermos
invadidos por publicidade de viagens e hotéis nesse país, sempre que acedemos à
Internet. Se um indivíduo colocar por exemplo um “gosto” na página de um cantor nas
redes sociais, é bem provável que, sem ter dado autorização para isso, passe a receber
publicidade sobre os concertos desse cantor.
O crescimento das redes sociais contribuiu muito para a publicidade viral. Os
proprietários de certas redes sociais vendem dados pessoais dos utilizadores a empresas
de publicidade, que depois enviam os anúncios exatamente para um público-alvo. É a
partir dos conteúdos que os utilizadores colocam, gostam e partilham nas redes sociais,
que certas empresas conseguem vender espaços publicitários e gerar lucros, enquanto o
utilizador não ganha nada. Em algumas redes sociais as informações sobre os seus
utilizadores foram e são fornecidas a clientes, por exemplo a grandes empresas, que
pagam muito dinheiro para publicitarem produtos ou ideias a públicos potencialmente
interessados. Cada um dos “gostos” colocados em determinadas publicações das redes
sociais, as opiniões dos amigos nas redes sociais, os textos e vídeos que são partilhados,
são depois gravados e vendidos a empresas. São catalogadas imensas informações, tais
como os gostos, as opiniões, os hábitos, os tempos livres dos utilizadores das redes
sociais. Assim, por exemplo os dados de milhares de utilizadores permitem que a
Netflix faça publicidade de filmes e séries com base nos filmes assistidos por pessoas
que têm o mesmo perfil de um determinado utilizador.
Num dos capítulos anteriores falámos das notícias falsas e na desinformação
generalizada através das redes sociais. Muitas dessa desinformação é gerada pela
própria publicidade a favor de determinados candidatos a eleições políticas, anúncios
que são pagos por milionários, benfeitores, partidos políticos e candidatos presidenciais.
Portanto, não se trata apenas de anúncios para vender um produto falso ou com
qualidade muito menor em relação à anunciada, mas também de anúncios sobre um
partido político ou um candidato presidencial, que pretendendo ser uma notícia, são na
verdade um anúncio a favor de um partido político ou de um candidato presencial. Os
Estado Unidos da América são dos países que mais recorrem diretamente a anúncios
para fazerem campanha eleitoral, mesmo com desinformação, como sucedeu na
campanha para a eleição do ex presidente Donald Trump.
Existe outra prática que leva também à desinformação, que causa dúvidas sobre
o conteúdo, e que provoca o erro, usada na Internet, com especial predominância nas
redes sociais : o clickbait (do Inglês, “caça clique”). O clickbait é um conceito que diz
respeito aos conteúdos da Internet, que têm como objetivo gerar receitas de publicidade
na Internet, através de títulos sensacionalistas, de conteúdo provocador, respeitante a
bisbilhotices, escândalos, tragédias, etc., em detrimento da qualidade e da exatidão da
informação, para atrair muitos clientes e para estimular a sua partilha através das redes
sociais. Esses títulos deixam o leitor curioso, levando-o a clicar no conteúdo respetivo,
onde há também publicidade.
Esses títulos sensacionalistas são por exemplo de uma notícia sobre uma
determinada pessoa : “Você não vai acreditar no que ela fez em seguida …”, ou ainda
os seguintes exemplos : “Exclusivo : a verdade chocante sobre a espionagem norte
americana”; “Dez maneiras rápidas de ganhar dinheiro através da Internet”, etc. Os
títulos desses textos são exagerados e alarmistas, chocantes, com informação empolada,
adulterada, boatos, meias verdades, e por vezes com notícias falsas. O leitor clica
nesses títulos mas depois não encontra o que procura, pois são textos pobres de
conteúdo, que não correspondem àquilo que o título promete, pois o que é descrito não
é motivo para tanto alarme e exagero despertado pelo título. Muitas vezes o texto é
também acompanhado de uma imagem polémica para despertar a curiosidade do leitor.
O objetivo é incentivar os utilizadores a fazerem cliques nesses títulos, e então
serem direcionados para páginas que estão cheias de publicidade, gerando receitas para
os criadores dos clickbait e eventuais intermediários. Há uma finalidade comercial e não
informativa, pois o objetivo é atrair o acesso a determinadas páginas e assim faturar
com a publicidade digital. Essas “notícias” não são patrocinadas por motivos políticos
mas financiadas pela “indústria dos cliques” que grandes plataformas de informação
digital criaram. Os autores dessas páginas nas redes sociais podem ganhar muito
dinheiro, devido aos cliques dos seus utilizadores, e quanto mais seguidores essas
páginas tiverem mais elevado será o valor económico.
Por outro lado, o problema não está apenas nos conteúdos desinteressantes, nas
notícias alarmistas, nas meias verdades, nas falsas promessas, nem nos lucros fáceis,
mas também no facto de serem por vezes um meio para táticas mais arriscadas, que
podem roubar informações confidenciais ao utilizador da Internet, principalmente ao
utilizador das redes sociais, pois são uma das coisas mais frequentadas na Internet. Esta
situação é agravada pelo facto de a inteligência artificial nos tempos de hoje fazer com
hackers tenham mais facilidade em invadirem as redes sociais sem serem detetados,
dando-lhes acesso aos dados pessoais dos seus utilizadores.
As redes sociais não estão interessadas na dignidade económica dos seus
utilizadores, pois não querem saber se as marcas que o utilizador escolhe comprar são
escolhas do utilizador ou se são resultado das induções de comportamento enviadas
automaticamente através da plataforma das redes sociais. A nossa vida económica, as
nossas compras, os nossos investimentos, etc., estão a ser influenciados através da
Internet e muito particularmente através das redes sociais, através dos algoritmos, ou de
pessoas com perfis falsos. A ameaça que paira sobre nós já não é apenas a do “grande
irmão” totalitário descrito por Georges Orwell no seu livro 1984, mas a de uma grande
máquina digital omnipresente na vida do dia a dia, que opera em função dos interesses
económicos, vigiando-nos a todo o momento. A sociedade do século XXI está a tornar-
se numa sociedade totalmente interconectada e controlada eletronicamente, para o
consumismo. Estamos controlados por uma nova forma de economia, a economia
digital, com serviços criados à medida de cada utilizador das redes sociais. Resta saber
se conseguiremos controlar toda a fraude que aí reina ou se acabaremos por ser
dominados por ela.
PROBLEMAS DE GESTÃO DAS REDES
SOCIAIS

A GESTÃO DOS SEUS ADMINISTRADORES E MODERADORES

Um dos principais problemas de gestão da Internet é o monopólio não regulado


de gigantes tecnológicas como o Google, a Amazon, a Apple, e a Meta (a empresa que
que tutela a rede social do Facebook). Esta empresa é uma das que mais se destacam,
pois tem exercido o seu grande monopólio ao comprar empresas como o Instagram e o
WhatsApp, que se estavam a difundir largamente, e que portanto a empresa do
Facebook considerava como uma ameaça para a sua hegemonia. A Meta é um
monopólio praticamente não regulado, que abrange dois terços de todas as redes sociais
numa única plataforma. Um exemplo muito significativo desse desejo de monopólio é o
facto de a Meta ter banido um programador por ele ter desenvolvido uma ferramenta
que permitia aos utilizadores da rede social do Facebook excluírem o feed de notícias
dessa rede social. O objetivo dessa ferramenta era ajudar a reduzir o tempo que os
utilizadores passam nas redes sociais, e deixarem de seguir automaticamente todas as
páginas que o Facebook apresenta, impedindo ainda o envio aos utilizadores de
notificações de grupos e de páginas. Esse programador teve de suspender esse seu
serviço e além disso todas as suas contas do Facebook e do Instagram foram desativas
pelos gestores destas redes sociais
As redes sociais têm também gerado e continuam a gerar muita polémica devido
à gestão e à incúria dos seus administradores e moderadores como sucedeu por exemplo
no caso da empresa Cambridge Analytica, em 2018, que envolveu a recolha ilegal de
dados pessoais de oitenta e sete milhões de utilizadores do Facebook, para afetar os
dados das eleições para a presidência dos Estados Unidos da América em 2016. Mais
recentemente o Facebook tem sido criticado devido ao facto de ser negligente na
moderação de conteúdos, alguns deles com impacto negativo na saúde mental dos
adolescentes. Há quem defenda que os menores de idade deviam ser proibidos de
utilizar as redes sociais, assim como se devia proceder à regulamentação dos algoritmos
e à criação de uma agência independente para supervisionar as redes sociais. No
entanto, os administradores das redes sociais não se preocupam com isso, pois sabem
que se tomarem essas medidas, principalmente se mudarem o algoritmo para ser mais
seguro, os utilizadores passarão menos tempo nas redes sociais, clicarão em menos
anúncios, e portanto as empresas das redes sociais ganharão menos dinheiro.
Temos também por exemplo os anúncios russos comprados e publicados no
Facebook durante a campanha presidencial norte americana de 2016, que continham
notícias falsas contra a candidata presidencial Hillary Clinton e a favor do candidato
presidencial Donald Trump. Ora, o Facebook e outras redes sociais têm muitas receitas
económicas com o número de acessos e partilhas desses anúncios, que incluem notícias
falsas, e portanto os gestores das redes sociais acabam por não limitar ou não proibir a
circulação de muita informação falsa, que apesar de falsa lhes traz lucros. Muitos
anúncios e notícias que circulam nas redes sociais parecem ser de cidadãos comuns e de
associações cívicas preocupadas com a situação política dos respetivos países, mas
várias vezes são financiados por milionários, que contribuem para a campanha de
eleição de um determinado candidato a presidente de um determinado país, e nos
anúncios e na propaganda política ilusória, cheia de meias verdades ou de notícias
falsas, há receitas económicas para as empresas que gerem as redes sociais, que portanto
por vezes contornam ou não evitam devidamente essas publicações.
No capítulo do presente livro em que tratámos da hostilidade e da violência
verbal entre os utilizadores das redes sociais, defendemos que apesar do direito à
liberdade de expressão deve haver limites, nomeadamente para com os comentários
ofensivos entre os utilizadores, o assédio virtual, e os discursos de ódio, e que portanto
os gestores das redes sociais deviam intervir. No entanto, por vezes essa intervenção é
demasiado pesada, e por outro lado, para o mesmo tipo de situação grave, os gestores
intervêm em relação a uns utilizadores, em relação a outros não intervêm, e em certas
publicações não intervém de maneira nenhuma, parecendo haver portanto dois pesos e
duas medidas. Por exemplo, na recente guerra da Rússia contra a Ucrânia, o Facebook e
o Instagram autorizaram a publicação de discursos de ódio contra a Rússia e a
publicação de textos que pediam a morte do presidente da Rússia, Vladimir Puti,
Muitas vezes as redes sociais assemelham-se a uma espécie de mundo à parte,
sem lei, onde toda a gente pode dizer tudo o que quer, incluindo aquilo que não pode
dizer nos órgãos de comunicação social, ou em público, e os administradores e
moderadores das redes sociais têm também tendência para fazerem o que quiserem,
imporem a sua própria vontade, que consideram soberana, e definirem as suas próprias
regras, escudando-se no argumento de que são uma empresa privada, que pode fazer o
que entender dentro da sua própria empresa, esquecendo-se no entanto de que são uma
empresa de serviço público, e que por outro lado não são um serviço público qualquer,
mas que atinge uma grande parte da população mundial.
A este propósito põe-se o problema da legitimidade das redes sociais para
decidirem quais são as notícias verdadeiras e as notícias falsas, e quais são ou não os
conteúdos publicáveis. Dado que os seus moderadores controlam o acesso à informação
de grande parte do público, têm o poder de censura e de julgar o que é verdade e o que
não é verdade. Ora, será que pode ficar ao critério dos moderadores das redes sociais o
que pode ou não ser dito nelas ? será que a gestão dos conteúdos deve pura e
simplesmente ficar dependente da sensibilidade dos moderadores das redes sociais, que
decidem que não se pode publicar um determinado texto sobre política, religião, ou
sexualidade ?
Há também a salientar o tratamento preferencial que por exemplo o Facebook
dá por vezes às celebridades, as quais são consideradas utilizadores importantes e
portanto os seus textos não são censurados, ou são menos censurados, e estão mesmo
isentos de medidas de controle de conteúdos. Embora teoricamente isso não possa ou
não deva acontecer, na prática da gestão do Facebook há pessoas famosas (desportistas,
músicos, atores, políticos, jornalistas, ativistas, etc.) que não estão sujeitos ao mesmo
tipo de controle de conteúdos e de sanções que é feito para com os outros utilizadores
das redes sociais. Foi detetada nesta e noutras redes sociais a existência de uma “elite”
de políticos e de celebridades da cultura e do desporto, entre outros, a quem é permitido
atuar sem respeitarem as regras que os milhões de utilizadores comuns têm de respeitar.
Por exemplo, tem havido casos em que pessoas famosas partilham fotos nas
redes sociais do Facebook e do Instagram, em que aparecem com os seus corpos quase
sem nenhuma roupa (em topless, ou com o fato de banho demasiado justo), ou fotos em
cenas de intimidade e essas fotos não são removidas, ou demoram mais tempo a serem
removidas (pois os moderadores só o fazem após denúncias), e em caso de reincidência
as contas dessas pessoas famosas não são encerradas. Com outros utilizadores, que
fizessem essas publicações ou outras idênticas, o seu conteúdo seria eliminado
imediatamente e em alguns casos as suas contas seriam suspensas, logo que os
algoritmos o descobrissem.
As decisões dos administradores e moderadores das redes sociais são muitas
vezes arbitrárias, subjetivas, tendenciosas, relativas, e incompreensíveis, pois mudam de
dia para dia, de país para país, e de moderador para moderador. Muitas vezes os
moderadores das publicações nas redes sociais não levam em conta os contextos,
interpretam mal, e apagam muitos textos e muitas fotos, e também não deixam publicar
muitos anúncios Por um lado há muita coisa que não deixam publicar, e por outro lado
deixam alguns utilizadores publicar e outros não, e em alguns casos não deixam
publicar imagens de nudez mas deixam publicar discursos de ódio. Em nome do “direito
à liberdade de expressão” deixam publicar comentários ofensivos, assédio, insultos,
calúnias, notícias falsas, discursos de ódio, etc. mas há outras coisas não deixam
publicar, nomeadamente sobre sexualidade. Há políticas demasiado implacáveis em
relação à nudez, aplicando um critério moralista e puritano, altamente rigoroso, contra
muitas ilustrações, desde os órgãos sexuais até aos simples mamilos femininos (os
mamilos masculinos podem ser publicados), que são pura e simplesmente proibidos.
Até mesmo fotografias de mães a darem de mamar aos seus filhos, ou fotos de mamilos
a ilustrarem textos para consciencializarem as mulheres para o risco do cancro da
mama, são pura e simplesmente banidos. Também quando se trata de uma obra de arte
em que se vejam órgãos sexuais, uma escultura erótica de um grande artista, uma obra
dos grandes clássicos da pintura universal em que haja nudez, ou uma fotografia erótica
artística, e mesmo quando os objetivos são culturais, só o facto de se verem os órgãos
sexuais ou os seios de uma mulher, mesmo representados de forma delicada, são
proibidos. Assim, por exemplo, no final de 2017, uma mulher publicou no Facebook
uma foto da Vénus de Willendorf , uma escultura com cerca de 30 mil anos e que é uma
representação mitológica como símbolo da fertilidade. Ora, mesmo assim o Facebook
considerou-a pornográfica e apagou-a. No entanto, no Facebook assim como noutras
redes sociais há muitas imagens de violência física que os seus administradores e
moderadores deixam publicar, assim como imagens de consumo de droga, álcool, além
dos já referidos discursos de ódio, insultos e notícias falsas.
É certo que por vezes há censura também para estes casos, mas uns moderadores
censuram e outros não, e quando são apagados não se percebe quais os critérios : é para
evitar realmente discursos de ódio ou é para corresponder às expectativas e aos pedidos
de utilizadores das redes sociais ? há utilizadores que se forem denunciados por outros
utilizadores os moderadores das redes sociais congelam a sua conta, e por vezes até a
retiram. Ora, uma publicação é retirada devido ao seu conteúdo, ou devido ao facto de
ter sido denunciada ? por vezes acabam por passar publicações que tiveram a sorte de
não terem sido denunciadas, e que também deviam ser retiradas dado que outras
semelhantes o foram. Se três utilizadores denunciarem uma publicação ela é
imediatamente retirada, não porque o seu conteúdo seja objetivamente mau, mas por ter
sido denunciada por três utilizadores. Se houver quatro utilizadores que denunciam a
conta, ela pode ser bloqueada. Porquê esse número de utilizadores e não outro número ?
e será legítimo que haja utilizadores a denunciarem e os moderadores das redes sociais
imediatamente apliquem um castigo ?
Quando um utilizador das redes sociais denuncia uma publicação os
moderadores decidem se apagam ou não a publicação, e muitas vezes apagam-na. No
entanto, os critérios para os moderadores das redes sociais apagarem textos ou
bloquearem utilizadores, na sequência de denúncias de outros utilizadores, muitas vezes
são critérios pouco claros, geralmente pouco objetivos, e muitas vezes injustos. Pouco
importa o que um determinado utilizador quis dizer, nem sequer o contexto daquilo que
disse, o que importa é o que o outro utilizador (o denunciante) percebeu, sentiu ou
interpretou. A denúncia parece valer mais do que a publicação, o denunciante é visto
como mais importante do que a pessoa que é alvo da denúncia. Fica-se com a sensação
de que há uma má gestão e moderação das redes sociais, pois determinados textos e
fotos passam e outros não, e não se sabe como nem porquê, originado não apenas pela
gestão dos moderadores, mas também do “poder oculto” de utilizadores que andam
atrás de outros utilizadores a vasculhar e a denunciar.
Temos portanto aqui dois problemas : por um lado, será legítimo que o direito de
propriedade dos administradores e moderadores das redes sociais se imponha ao direito
à liberdade de expressão ? por outro lado, será essa liberdade de expressão um direito
para tudo ? Certamente que não, para ambos os casos, mas isto levanta o problema dos
gestores e moderadores das redes sociais censurarem demasiado os conteúdos sem
perderem tempo a avaliar a sua real nocividade, enquanto há outras coisas que deixam
publicar, como por exemplo as já referidas publicações a desejarem a morte do
presidente Putin devido à guerra na Ucrânia. Tudo isso faz com que os gestores e
moderadores das redes sociais tenham uma espécie de poder soberano, numa lógica de
extra judicialização das decisões, pois são eles próprios quem se pronuncia sobre o
caráter abusivo de certas publicação nas redes sociais, e não o poder judicial.
Ora, há uma coisa que deve estar acima das políticas de utilização das redes
sociais, e dos critérios dos seus administradores e moderadores : as leis do país. Por
conseguinte, as leis têm de se aplicar nas redes sociais assim como se aplicam no mundo
real, e com maior acuidade quando feitas para um vasto público : devem punir a calúnia,
a difamação, a injúria, o discurso de ódio, a notícia falsa, a propaganda nazi e fascista, o
incitamento à violência e ao suicídio, o bullying, o assédio virtual, a publicidade
enganosa, etc., mesmo que tenham sido feitas sob o pretexto da liberdade de expressão.
Ora, isso também nos conduz a outro problema : o da gestão do poder político em
relação às redes sociais, que é o que veremos seguidamente.

A GESTÃO DO PODER POLÍTICO

No passado, a grande maioria das sociedades democráticas mundiais


desenvolveu códigos e regras específicos para assegurar uma governação democrática
baseada em três poderes distintos e independentes: o poder legislativo, o poder
executivo, e o poder judicial, com base na teoria da separação do poderes, do filósofo
francês Montesquieu. No entanto, o político e escritor britânico Edmund Burke em 1790
usou pela primeira vez o termo "quarto poder" em referência à imprensa. Meio século
depois, foi a vez de Honoré de Balzac questionar também esta trilogia, afirmando que
existia um quarto poder, o dos meios de comunicação social. Mais de um século se
passou sem que esses quatro poderes fossem questionados, até ao surgimento das redes
sociais nos últimos dez anos, que passaram portanto a ser um quinto poder. Ora, este
poder entra muitas vezes em conflito com o que está estipulado nas diretrizes dos outros
poderes atrás referidos.
A intervenção do poder político nas redes sociais peca pela sua excessiva e
abusiva intervenção, ou pela sua falta de intervenção. Na verdade, a censura das redes
sociais, não procede apenas dos seu administradores e moderadores, mas também do
próprio poder político em alguns países. Assim, por exemplo em Cuba, quando
começaram em Havana e noutras cidades cubanas, protestos contra o seu Governo, em
Julho de 2021, a primeira medida adotada pelo Governo, foi bloquear o acesso ao
Facebook, ao Whatsaap, e ao Instagram. Na China, o Governo também tem silenciado
nas redes sociais os seus opositores, dissidentes e ativistas políticos. Na Rússia, o
Governo do presidente Putin também fez o mesmo.
Quando falamos hoje em “poder político “ este último não pode ser considerado
apenas como o poder de cada Estado, mas também como o poder político internacional
(A Organização das Nações Unidas, a União Europeia, etc.), que ao longo dos tempos
têm produzido documentos internacionais importantes, de modo a acautelarem muito do
que acontece no mundo, e atualmente também nas redes sociais. Certamente que o
poder político não pode nem deve intervir em todos os problemas do uso das redes
sociais de que falámos ao longo deste livro, pois esses problemas decorrem do mau uso
ao qual os utilizadores ficam sujeitos, mas há algumas matérias e alguns maus usos em
que o poder político deve intervir, não abusivamente, conforme nos exemplos atrás
referidos em que proíbe o acesso às redes sociais, mas de maneira a que os cidadãos as
possam utilizar, de maneira digna e ordenada. Já existem alguns documentos
internacionais e nacionais, de salvaguarda dos direitos, uns documentos mais antigos e
outros mais recentes, que se devem aplicar também à utilização das redes sociais.
Assim, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos afirma que
“qualquer defesa do ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à
discriminação hostilidade ou violência será proibida por lei” (artigo 20). A Convenção
sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial proíbe toda a incitação
ao racismo (artigo 4º.). A Convenção Americana de Direitos Humanos afirma também
que “a lei deve proibir toda a propaganda a favor da guerra, bem como toda a apologia
ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à
hostilidade, ao crime ou à violência” (artigo 13, parágrafo 7). A Convenção para a
prevenção e a repressão do crime de genocídio condena a incitação ao crime de
genocídio. A Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação sobre
as mulheres proíbe também toda e qualquer discriminação das mulheres.
Segundo o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, o artigo 10 da Convenção
Europeia garante o direito à livre expressão, mas esse direito não é absoluto, devido à
existência de outros direitos igualmente garantidos pela Convenção Europeia. O
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem declarou em vários julgamentos que
“tolerância e respeito pela igual dignidade de todos os seres humanos constituem um
dos fundamentos de uma sociedade democrática e plural. Sendo assim, por questão de
princípio, considera-se necessário que certas sociedades democráticas penalizem e
proíbam todas as formas de expressão que espalham, incitam, promovem ou justificam
ódio baseado em intolerância (incluindo intolerância religiosa)".17
Desde 2002, com uma emenda à Convenção sobre Crimes Cibernéticos, a União
Europeia obriga os seus Estados membros a considerarem como crime e a punirem os
discursos de ódio feitos através da Internet.  Em 2003 o Facebook, sob pressão de mais
de cem grupos de ativistas, incluindo o Projeto Sexismo Quotidiano, concordou em
mudar as suas políticas de discurso de ódio após dados divulgados sobre conteúdos que
promoviam a violência doméstica e sexual contra as mulheres. Em 2016 o Facebook, a
Google, a Microsoft, e o Twitter, concordaram em proceder a um código de conduta da
União Europeia, assinando um código de discurso de ódio, e obrigando-os a rever “a
maioria das notificações válidas para remoção de discursos de ódio” publicados nos
seus serviços dentro de 24 h.
Os comentários que incitarem ao ódio e à violência devem ser apagados, em
conformidade com a decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 16 de
Junho de 2015, e também os proprietários dos sites e dos blogues, assim como os
administradores das redes sociais, respondem perante a Justiça devido aos discursos de

17
Anne Weber, “Manual on Hate Speech”, Council of Europe, Brussels, Publishing Editions Council of
Europe, p. 12
ódio. Atualmente a maioria das democracias tem leis que restringem ou proíbem os
discursos de ódio. No entanto, os Estados Unidos não têm leis de discursos de ódio,
dado que o Supremo Tribunal dos Estados Unidos decidiu que as leis que criminalizam
os discursos de ódio violam o direito à liberdade de expressão contida na Primeira
Emenda da Constituição desse país.
Noutros países, principalmente nos europeus, há certos comentários nas redes
sociais, sobre determinados textos que são colocados nas suas páginas, ou sobre
determinados comentários feitos por outros utilizadores, ou sobre os utilizadores que
colocam esses textos ou esses comentários, são considerados crime : calúnias (imputar
falsamente a prática de algum crime a terceiros); divulgação de informações (fotos,
vídeos íntimos, etc.); que exponham publicamente factos da vida privada de outra
pessoa, sem a sua autorização; informações falsas sobre uma pessoa, que sejam
prejudiciais para a sua honra; difamação; injúrias; insultos graves.
O crime de difamação é um dos mais comuns, e é sempre feito de forma indireta,
isto é, alguém é ofendido ou acusado por uma pessoa que se dirige a terceiros. O
Código Penal Português, no seu artigo 180, no capítulo VI, intitulado : “Dos crimes
contra a honra” afirma que de uma forma geral poderá ser culpado quem : se dirigir a
terceiros e incriminar ou responsabilizar alguém, mesmo sob forma de suspeita,
ofendendo dessa forma a sua honra; se dirigir a terceiros e formular juízos sobre
alguém, ofendendo dessa forma a sua honra; reproduzir de alguma forma as ofensas à
honra de alguém, mesmo que inicialmente feitas por outra pessoa. No caso da ofensa ser
feita através de um meio que potencie a sua divulgação pública, como por exemplo a
Internet, a lei considera essa situação mais grave, e por isso a criminalização e a
penalização são mais elevadas.
A nova Lei dos Serviços Digitais (DAS) apresentada em 2020 pela Comissão
Europeia ao Conselho e ao Parlamento Europeu, define que “o que é ilegal offline
também deveria ser online”. Mais recentemente, segundo a Comissão Europeia,
plataformas digitais como o Facebook e o Twitter podem ser obrigadas a partilhar dados
com autoridades reguladoras da União Europeia, perante “preocupações concretas”
sobre desinformação, e as novas regras comunitárias passaram a incidir sobre
“conteúdos ilegais e prejudiciais”. Assim, as autoridades reguladoras na União
Europeia, nomeadamente de cada Estado membro, deverão investigar preocupações
concretas e atuar no combate à desinformação.
Por último, há também que referir a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na
Era Digital, que foi aprovada na Assembleia da República, promulgada pelo presidente
da República, e que entrou em vigor em 2021. Esta lei gerou muita controvérsia, não
reuniu a aprovação entre os especialistas, e alguns não hesitaram em considerá-la um
regresso à censura do período antes da revolução do 25 de Abril (o regime político do
Estado Novo). Assim, por exemplo o artigo sexto dessa lei estipulou o apoio do Estado
“à criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social
devidamente registados” e “incentiva a atribuição de selos de qualidade por entidades
fidedignas dotadas do estatuto de entidade pública”.
Por um lado, se os Governos nada fizerem, são acusados de permitirem muitos
dos problemas provenientes do mau uso das redes sociais, principalmente os discursos
de ódio, as notícias falsas, a difamação, o assédio, a invasão da privacidade, etc. Por
outro lado, se os Governos atuarem, são acusados de interferirem nas liberdades dos
cidadãos, principalmente no direito à liberdade de expressão, e de exercerem censura.
Este é portanto um problema de difícil resolução, principalmente quando as autoridades
tiverem de definir o que deve ou não ser censurado. É certo que deve haver liberdade de
expressão, mas a liberdade de expressão deve ter limites. Ora, deve-se limitar o quê ? de
que maneira ? havendo uma comissão para verificar, quem verifica os verificadores ?
São estes os principais problemas, de responsabilidade do poder político, que atua por
vezes negligentemente, e outras vezes autoritariamente, cuja resolução é portanto algo
muito subjetivo, dependendo da cultura de cada país, da época, da orientação política
dos Governos e da maioria na União Europeia, assim como da interpretação pessoal de
quem, a nível jurídico, aplica a lei.
EPÍLOGO

Assim que muitas pessoas perceberam que ao dizerem mal de alguém ou de algo
a certas pessoas, ou fazerem outras coisas que só o conseguem fazer a certas pessoas, o
podiam fazer a todas as pessoas através das redes sociais, foi fácil passarem a fazê-lo. O
enorme número do público recetor de comentários e críticas, a facilidade do acesso à
Internet, a rapidez com que as publicações se espalham, o alcance nacional e
internacional das publicações colocados por qualquer indivíduo nas redes sociais, a
possibilidade do anonimato, a impunidade sob pretexto do chamado “direito à liberdade
de expressão”, passaram a permitir facilmente que muitas coisas que dantes não se dizia
em público agora sejam dita. A fala nunca foi tão livre e menos intermediada como nos
tempos de hoje. Dantes as pessoas escreviam coisas para os jornais, que eram
previamente visionadas pelos diretores e chefes de redação dos jornais. Agora não é
assim, pois praticamente não há controle dos textos e comentários, a democratização da
comunicação permite que todos possam dizer o que sentem e pensam (e que por vezes
não sentem nem pensam, mas que dizem apenas para provocarem polémica ou para se
exibirem), e que o possam fazer para toda a gente ler. Praticamente não há limitação de
publicar textos como no caso dos livros ou da publicação de mensagens através dos
órgãos de comunicação social tradicionais. Nos jornais não entra qualquer pessoa, nos
estúdios da televisão e da rádio também não, mas nas redes sociais, sim. Qualquer
pessoa com aceso à Internet pode criar um perfil, escrever, comentar, anunciar, criticar,
partilhar, sem que seja requerida grande habilidade tecnológica.
Além da proteção de que os computadores servem de escudo, muitos
utilizadores das redes sociais consideram que não é preciso reflexão sobre o que estão
prestes a fazer, entram pelas redes sociais adentro, navegam livremente, escolhem as
páginas que querem, e acham que estão num espaço totalmente livre, que é de todos,
para fazerem e dizerem tudo o que quiserem. Na origem dessa atitude está o pressuposto
de que a Internet é uma Terra de Ninguém onde vale tudo. Sempre houve atos de
violência verbal, intolerância e discriminação a longo da História, mas nunca como nas
redes sociais. No anonimato permitido pelas redes sociais, há poucas possibilidades das
normas sociais verificarem e deterem as hostilidades, o assédio, os discursos de ódio, e
outros problemas como os descritos ao longo deste livro. Muitos utilizadores das redes
sociais escondem-se, não se sabe onde vivem, nem quem são, e portanto não têm receio
de retaliação. Durante o dia, na vida concreta e real, as pessoas curvam-se perante as
regras da sociedade, mas ao entrarem nas redes sociais é como entrarem dentro de outro
mundo, não o mundo do dia a dia, mas um mundo através de uma caixa, em que se pode
estar e participar sem se ser visto. As redes sociais possibilitam uma alternativa às
normas da sociedade do dia a dia, e longe do olhar das outras pessoas muitos dos seus
utilizadores soltam-se, de forma persistente, assediante, e por vezes violenta
verbalmente. Quase toda a gente se acha uma autoridade numa matéria, quase toda a
gente acha que tem razão, quase toda a gente se acha no seu direito de fazer o que quer,
de dizer o que quer, quando quer, como quer, a quem quer, apresentando simplesmente
como justificação o direito à liberdade de expressão.
O direito à liberdade de expressão está assegurado por vários tratados
internacionais. Devido a estes tratados, e à Constituição de cada país onde o direito à
liberdade de expressão é garantido, vários setores da opinião pública e algumas
associações defendem o direito dos indivíduos publicarem o que publicam nas redes
sociais. Assim, por exemplo, em Janeiro de 2020 várias associações de defesa das
liberdades digitais realizaram um Fórum internacional para se oporem à adoção de leis
que visam combater os discursos de ódio nas redes sociais. Segundo essas associações,
a possibilidade de as plataformas das redes sociais terem de pagar uma multa por
permitirem a publicação desses discursos leva-as a censurarem demasiado os textos que
são colocados nas redes sociais.
Por seu turno, alguns estudiosos têm criticado também a limitação dos
comentários e dos discursos de ódio, pois segundo eles, as leis contra esses comentários
e os discursos de ódio constituem uma discriminação de pontos de vista, e restringi-los
baseia-se em bases concetuais e empíricas questionáveis. Segundo esses defensores
daquilo que consideram ser a “liberdade de expressão”, permitir esses comentários e os
chamados discursos de ódio fornecem um visão mais precisa da condição humana, uma
oportunidade para mudar a mente das pessoas e identificar certas pessoas que podem
precisar de ser evitada em certas circunstâncias. Segundo esses indivíduos, os valores
iluministas como o da tolerância, que protegiam o direito à liberdade de expressão,
estão sob ameaça.
Um dos fundamentos filosóficos da defesa da liberdade de expressão é o da
metáfora do “mercado das ideias políticas”. Os defensores da liberdade de expressão
defendem que um mercado livre de ideias certamente ajudará a promover a descoberta
da verdade, e que a colisão das opiniões contrárias é a melhor maneira de fazer triunfar
a verdade, e que a verdade não aparece plenamente senão no seu confronto com o erro,
conforme afirma o filósofo John Stuart Mill, na sua obra Da liberdade.
No entanto, esses defensores da liberdade de expressão ignoram que Stuart Mill
defendeu também que certas condições tinham de ser estabelecidas para que realmente
um mercado livre de ideias levasse à descoberta da verdade, pois segundo Mill, as
pessoas tinham de ser respeitadoras e educadas. Não tem sentido pensar que
descobriremos a verdade permitindo que as pessoas expressem toda as opiniões que
quiserem. Muitos defensores da liberdade de expressão defendem que o próprio
discurso de ódio deve ser permitido, se não corre-se o risco de se perderem outras
liberdades.
Ora, ao contrário de quem assim pensa, consideramos que pode-se muito bem
concordar ou discordar de uma ideia, crença, ou forma de vida, sem se cair em discursos
de ódio e outros comentários ofensivos. O objetivo dos contestatários da proibição dos
discursos de ódio não é garantir a liberdade de expressão, isto é, o direito de expressar
as suas opiniões sem censura ou penalização legal, mas sim garantir-lhes licença para
falarem impunemente, e portanto, não se trata de liberdade de expressão, mas de
liberdade das consequências dessa liberdade.
Um cidadão sentindo-se lesado por aquilo que se publica nas redes sociais pode
exercer o seu direito de resposta nas redes sociais, mas por vezes é difícil que a sua
resposta apague o atentado contra o seu bom nome e a sua imagem (que nem em todos
os países é crime, e que por outro lado é difícil de apreciar). Quem faz a gestão das
redes sociais acaba por banir a conta de certos utilizadores, devido aos insultos, às
falsidades, às difamações, e às ameaças, mas o facto já foi consumado, e mesmo que as
redes sociais apaguem a conta desses utilizadores, os insultos ficaram feitos, as mentiras
espalharam-se, as ameaças realizaram-se, levando as suas vítimas a viverem por vezes
num clima de medo .
Ao permitirem a publicação de discursos de ódio, de comentários ofensivos, de
notícias falsas, de assédio virtual, e de incitamentos à violência, sem intervirem, e em
alguns casos só resolverem esse problema mais tarde, as redes sociais agravam esse
problema. Se a liberdade de expressão for sem limites, espalham-se insultos e notícias
falsas, e a sua difusão pode ter um impacto negativo na vida de muitas pessoas, e na
sociedade. A liberdade de expressão não é um direito absoluto, e não pode ser permitida
em casos de insultos, falsidades, ameaças, difamações, calúnias, e apelos à violência
física. A proibição dessas publicações é uma forma de garantir a própria liberdade de
expressão, pois essas publicações não têm como objetivo o diálogo. O discurso de ódio
quer silenciar a vítima, não permitir que ela se expresse livremente, na sua crença
religiosa, no seu ateísmo, na sua convicção política, na sua identidade cultural, na sua
orientação sexual, etc., fazendo-se uso da liberdade de expressão, para atacar outra
liberdade de expressão.
A liberdade de expressão deve ser limitada, conforme já a Declaração dos
Direitos Humanos de 1789 afirmava: “Liberdade é ser capaz de fazer qualquer coisa que
não prejudique os outros; assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não
tem limites, exceto aqueles que asseguram aos demais membros da sociedade o gozo
desses mesmos direitos. (...)“ A livre comunicação de pensamentos e opiniões é um dos
mais preciosos direitos humanos; qualquer cidadão pode, portanto, falar, escrever,
imprimir livremente, excetuando o abuso dessa liberdade nos casos determinados pela
lei ”. (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, artigos 4 e 11).
A propósito da liberdade de expressão colocam-se dois campos opostos. Um
exige limites à liberdade de expressão, porque segundo os seus defensores uma
liberdade só é real quando é limitada, e o outro quere-a ilimitada, dado que segundo os
seus defensores devido ao facto de se limitar a liberdade de expressão podem-se
cometer abusos. Este debate é muito atual. Por exemplo, em Setembro de 2005 o jornal
dinamarquês Jyllands-Posten publicou caricaturas do profeta Maomé, que foram
republicadas mundialmente em alguns jornais. Essas caricaturas causaram indignação
em várias comunidades muçulmanas, e originaram manifestações de protesto, algumas
delas violentas. Por outro lado, houve também manifestações a favor da liberdade de
expressão das caricaturas.
O direito à liberdade de expressão é limitado por outros direitos, como por
exemplo o direito à privacidade ou o direito à honra pessoal. A liberdade cessa, como
afirma o artigo 4 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, onde começa a
dos outros (“A liberdade consiste em fazer tudo que não prejudique os outros”). O
direito à liberdade de expressão é um facto, mas também existe o direito das pessoas de
não serem invadidas por hostilidades, assédio virtual, discursos de ódio e notícias falsas.
O direito de criticar os outros, através da liberdade de expressão, não significa
ridicularizá-los ou desrespeitá-los. Mesmo se discordaremos de certos atos ou de certas
ideias dos outros indivíduos, essa discordância e a forma como é feita têm limites.
Muitos indivíduos pensam que se alguém defende a tolerância, deve ser
tolerante até o fim, e não se impor restrições à liberdade de expressão, porque a partir do
momento em que coloca um limite na tolerância, segundo esses indivíduos quem o faz
nega-se a si mesmo mostrando-se intolerante. Por isso, segundo esses indivíduos, a
tolerância à liberdade de expressão deveria ser absoluta, pois se assim não fosse não
seria tolerância. Essa tolerância não poderia ter limites, sob pena de ser imediatamente
destruída. A tolerância para com a liberdade de expressão deveria ser ilimitada, e
portanto apenas a tolerância absoluta à liberdade de expressão seria realmente
tolerância,
No entanto, a tolerância para com a liberdade de expressão pode pôr em perigo
a liberdade de outros indivíduos, pois em caso contrário, inevitavelmente seríamos
levados a encontrar quem considere legítimo impor de forma brutal as suas convicções
políticas ou religiosas. Ser intolerante para com a intolerância, para com quem não
permite a liberdade de consciência e de crenças alheias, não é ser intolerante, é ser
coerente, pois isso implica que há pelo menos uma verdade que pode ser imposta, isto é,
a de que todos os seres humanos são livres. A tolerância tem limites, e o primeiro
grande limite é não permitir a ausência de liberdade de outros seres humanos.
A liberdade de expressão, pela qual devemos lutar, tem as suas limitações, pois
em caso contrário cairíamos no tolerantismo, isto é, a tolerância absoluta, que incluiria
a tolerância do desrespeito pelos direitos de outros seres humanos. Se nenhuma
liberdade de expressão estiver errada, então tudo é tolerável, e a ausência de ideais, de
convicções fortes, torna-nos indiferentes. Quando se tolera tudo, deixa de ter sentido
falar em tolerância, dado que a tolerância para ser tolerância tem de atuar dentro de
limites. A perda de referências torna a tolerância sem sentido, pois deixa de se saber o
que é e o que não é tolerável. Se toda a liberdade de expressão for tolerável, não há nada
a tolerar, porque não há razão para tolerar certas coisas em detrimento de outras. Em
nome da tolerância aceitaríamos tudo, sem determinar o valor do que toleramos. A
ausência de critérios nos quais basear os nossos julgamentos sobre o que deve ou não
deve ser tolerado, significaria indiferença. Ora, se houver indiferença, não se deve falar
em tolerância, pois a tolerância pressupõe que há coisas com as quais não se concorda.
Uma coisa é a tolerância, outra coisa é o tolerantismo; uma coisa é a liberdade, outra
coisa é o libertarianismo. Nem tudo é tolerável, justamente porque existem
comportamentos que não devem ser tolerados e, portanto, não devemos cair no
tolerantismo ou no libertarianismo.
Para não se cair no tolerantismo, delimitar o que se pode tolerar não é fácil, pois
para algumas pessoas certas tolerâncias já são tolerantismo. Como delimitar? Segundo
John Rawls, na sua obra Liberalismo político, a liberdade de consciência é limitada
pelo interesse comum pela ordem e segurança públicas. Mas esses limites, apresentados
de forma tão geral, parecem muito abstratos e indefinidos, pela forma como cada
Governo pode interpretar o interesse comum pela ordem e segurança públicas. John
Rawls afirma que se trata de limites razoáveis e que a manutenção da ordem e da
segurança públicas é um direito do Governo, necessário para garantir com
imparcialidade as condições de cooperação social. No entanto, a experiência histórica
mostra-nos como governos autoritários e até democráticos têm usado esse argumento
para negar ou limitar demais os direitos e as liberdades.
Para outros autores, a liberdade e o conceito de tolerância são limitados pelo
princípio de não prejudicar os outros indivíduos. Este princípio já foi definido por Stuart
Mill, na sua obra Da liberdade, segundo o qual a única justificação para uma
interferência na liberdade de uma pessoa é a prevenção de danos causados a outros
indivíduos (para evitar prejudicar os outros). Este princípio é justificado pelo respeito
que devemos ter pela liberdade dos outros indivíduos, para que eles possam livremente
ter a oportunidade de escolher entre as diferentes opções. No entanto, o problema surge
quando falamos sobre dano, pois o significado do conceito de dano não é claro. É um
dano físico, psicológico, moral, cultural, social ou económico? Por outro lado, o que é
considerado dano para algumas pessoas, para outras pessoas ou para outras culturas, não
o é.
Em resposta a isso propomos o critério da violação dos Direitos Humanos, como
o limite mais elementar da tolerância, mesmo que também nos tornemos intolerantes,
mas neste caso somos intolerantes para preservar os direitos. Seguindo este princípio, é
intolerável admitir a violação de direitos, pois pressupõe a violação do princípio do
respeito pelas pessoas. Se por um lado a tolerância significa admitir e permitir o que se
desaprova, por outro lado não se devem tolerar ações que envolvam a violação de
direitos, pois devemos respeitar os indivíduos cujos direitos são violentados, como é o
caso da violação feita sob a justificação do “direito à liberdade de expressão”.
BIBLIOGRAFIA

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- VV., The Merriam-Webster Dictionary, Ed. Merriam.Webster, Springfield,
2016
- VV., Wikipédia - enciclopédia online
ÍNDICE
Introdução

HOSTILIDADE E VIOLÊNCIA VERBAL


Os comentários ofensivos entre os utilizadores
O assédio virtual
Os discursos de ódio

AS RELAÇÕES AFETIVAS
As amizades virtuais
Os amores virtuais
O sexo virtual

A PERDA DA PRIVACIDADE
A exposição da privacidade pelos próprios utilizadores
A violação da privacidade por outros utilizadores

OS GOSTOS E AS PARTILHAS
A obsessão pelos gostos e os gostos falsos
As partilhas e outras apropriações ilegais

PROBLEMAS DE COMUNICAÇÃO
A falta de comunicação não verbal
O empobrecimento da língua

PROBLEMAS DE INFORMAÇÃO
O excesso de informação
As notícias falsas

A CONSTRUÇÃO FICCIONAL DA REALIDADE


O eu fictício
A sensação comunitária ilusória
O encerramento nas nossas representações do mundo
PROBLEMAS PSICOLÓGICOS
A dependência
O stresse e a ansiedade
A depressão

PROBLEMAS ECONÓMICOS
A fraude
A publicidade enganosa

PROBLEMAS DE GESTÃO DAS REDES SOCIAIS


A gestão dos seus administradores e moderadores
A gestão do poder político

Epílogo
Bibliografia
Índice

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