Você está na página 1de 11

EIXO TEMÁTICO 03 - Arquitetura e documentação: a pesquisa na

área da história da Arquitetura e do Urbanismo

O TERREMOTO DE LISBOA E A GESTÃO DE DESASTRES

GONÇALVES, Helena R. A. M. (1); VON KRUGUER, Paulo G. (2); GONÇALVES,


Rafael M. (3); GUEDES, Carlos H. S. (4); DE MORAES, Miguel A.N.(5)

1. UFMG. MACPS
Helena.rosmaninho@gmail.com

2. UFMG. MACPS
paulovonkruger@gmail.com

3. UFMG. MACPS
rafaelgmoreira1@gmail.com

4. R2 ASSESSORIA
carloscguedes@gmail.com

5.NEWTON PAIVA. Campus Exatas-Eng. Civil


migueldemoraes@gmail.com

RESUMO
Era a próximo do meio-dia quando a terra tremeu pela primeira vez, várias pessoas estavam
nas ruas e muitas mais dentro de casa. Antes que pudessem se recuperar do susto, um
novo tremor e depois outro. As construções que não ruíram total ou parcialmente no
primeiro evento, vieram ao chão, no segundo e no terceiro. Poucas edificações se
mantiveram de pé. Nas ruas, as pessoas que sobreviveram ao cismo, correram em direção
aos espaços abertos, em especial ao largo em frente ao Tejo. Lá, a esperança de sobreviver
foi solapada por grandes ondas que invadiram e lavaram o que sobrou da cidade. Por
alguns minutos, tsunamis de até trinta metros de altura, invadiram e inundaram o que
restava da já destruída Lisboa. Como se não fosse suficiente, um incêndio causado pelas
velas e outras chamas derrubadas no cismo, queimaram por cerca de cinco dias. Este foi o
cenário que mudou a história da gestão de desastres para a humanidade. Até este momento
a intepretação destes eventos era de que a ira de Deus estava voltada para os homens. A
mudança ocorre quando Marquês de Pombal, afasta de Deus a responsabilidade da
tragédia e assume para si a gestão do desastre. Este artigo pretende discutir os passos
adotados na gestão do terremoto e como estes influenciaram na alteração do urbanismo de
Lisboa e por consequência das colônias portuguesas.

Palavras-chave: Desastre; Terremoto, Lisboa; Urbanismo

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021
O TERREMOTO DE LISBOA E A GESTÃO DE DESASTRES

Na tradição católica, o “dia de todos os santos” é comemorado com grande fervor, sendo o
momento em que são honrados os santos da Igreja dos mais aos menos conhecidos.

Em Portugal, no século XVIII, era um grande momento festivo. As cidades eram enfeitadas,
missas preparadas para receber os fiéis durante todo o dia, velas acessas por toda a
cidade. E seria um momento absolutamente comum, se não fosse aquele, o dia do grande
Sismo de Lisboa. (ASSUNÇÃO 2010)

O dia havia amanhecido calmo. Não havia sinais de um desastre pairando no ar. As
festividades estavam ocorrendo desde a primeira hora da manhã: missas e homenagens
aos santos da Igreja, eram vistos em todas as partes. Nas casas, refeições eram
preparadas. Nas ruas, pessoas deslocavam-se calmamente. Por se tratar de um feriado,
não havia muita gente trabalhando, exceto em serviços essenciais.

Às 9h e 40min da manhã, sentiu-se o primeiro abalo, precedido de um som intenso.


seguiram-se três tremores distintos. O primeiro, menos intenso, durou aproximadamente um
minuto e meio, seguido por um período de silêncio e poeira. O segundo movimento, foi mais
intenso e durou cerca de dois minutos, produzindo danos maiores, dada a violência do
tremor. Após nova pausa, o terceiro tremor, de maior intensidade e violência, durando três
minutos. (TAVARES, 2006)

Com o terremoto, paredes caíram, telhados desmoronaram, pessoas ficaram presas nas
casas, as vezes completamente ruídas, outras, em escombros, tentando sair. Aquelas que
saiam as ruas, corriam risco de serem atingidas por partes de outras casas que também
desmoronaram. Velas tombadas e fornos acessos completavam o cenário de horror,
ateando fogo no que sobrava das já fragilizadas construções. (PAICE, 2010)

Há relatos que afirmam que os incêndios não foram causados somente pela ação das velas.
De acordo com Sousa (1990), uma carta anônima relataria que

vários patifes fugidos da cadeia da Galé, contígua à igreja Patriarcal, que se


havia desmoronado, dos quais um mouro, confessou antes de ser
enforcado, que deitara fogo à cidade em sete locais distintos, um desertor
francês confessou também que fez o mesmo em três locais distintos, um
dos quais a Casa da Índia, adjacente ao palácio. (SOUSA, NOZES. 1990
p.65)

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021
Mas o tremor e os incêndios não foram os únicos eventos adversos do dia. Sousa relata que
por volta das 11 horas, as águas do Rio Tejo baixaram e a maré começou a subir,
ultrapassando o porto até atingir o terreiro do paço, com uma “onda gigante de seis metros
de altura”. (SOUSA, NOZES, 1990 p. 45) A zona mais exposta ao rio, foi completamente
atingida pelo tsunami. Essa região, foi buscada por muitos, que conseguiram escapar dos
desmoronamentos, como local seguro, uma vez que era composta de grandes largos.
(SHRADY, 2011)

Os incêndios duraram cerca de seis dias, mas por meses ainda foram sentidos pequenos
tremores de terra, alguns seguidos de pequenas tsunamis. nenhum destes eventos,
entretanto, foram tão intensos quando os do dia 1º de novembro. (PAICE, 2010)

Lisboa estava arrasada. As pessoas assustadas. Por todos os lados religiosos vociferavam
sobre a ira divina e o mal que acometia a sociedade, culpa dos pecados da ganância,
luxuria e claro, pela presença dos judeus. Sem saber o que fazer e para onde ir, várias
pessoas buscaram meios de sair da cidade e segundo Paice (2010), as estradas estavam
repletas de andarilhos sujos e machucados, caminhando sem direção.

Naquele dia, por sorte ou destino, as filhas do Rei Dom José I, haviam solicitado que após a
missa fossem passar o feriado em Belém, numa das muitas casas de campo da coroa.
Graças a isso, quando o tremor se abateu sobre a cidade, o Rei, não foi atingido. Os
reflexos puderam ser sentidos em Belém, é fato, mas com muito menos intensidade e risco.

Mal o séquito real tinha se instalado na propriedade do rei em Belém


quando o primeiro abalo do terremoto surpreendeu os monarcas em seus
respectivos aposentos: as princesas no oratório, e cortesãos, antigos
servidores, padres e criados em vários cantos do palácio. Membros da
realeza, nobres, homens do clero e plebeus, todos correram como puderam
e, presume-se - com pouca deferência pela hierarquia social - em direção
ao ar livre, no jardim. houve pânico, histeria, choque e confusão, mas,
espantosamente, todos saíram não apenas vivos, mas completamente
ilesos. (SHRADY, 2011 p.35)

O rei, apesar de ter vivido um abalo mais leve que o de Lisboa, se recusou a voltar para o
interior do palácio de campo, ordenando que tendas fossem armadas nos jardins. Entre sua
comitiva, os padres que acompanhavam a família real, incentivavam que todos rezassem
por seus pecados, os grandes causadores do desastre, pedindo perdão e misericórdia a
Deus.

Às 11 da manhã o rei e sua corte assistiram horrorizados à investida dos


tsunamis contra a praia de Belém. Alguns falavam em fugir da cidade
violentamente atingida, para a suposta segurança do interior, ou, num
movimento ainda mais audacioso, transferir a capital para Coimbra, ao

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021
norte, ou talvez, para o Rio de Janeiro. Lisboa, afinal não existia mais. ao
mesmo tempo, os padres persistiam em suas orações; as princesas
choravam sem trégua; e o rei, carrancudo e impotente, fez precisamente
aquilo que nenhum monarca jamais deveria fazer: encolheu se de medo.
(SHRADY, 2011 p.38)

Dom José I, era um homem de 40 anos, que havia se tornado rei, há cinco anos. Possuía
pouca experiência em liderar seu reino e não sabia por onde começar ou o que fazer diante
de um cenário apocalíptico como aquele. (SHRADY, 2011)

Depois dessa exibição pouco nobre de inércia e desespero que ameaçava


abandonar Lisboa à providência divina e aos 4 elementos, chegou a Belém
um dos secretários de Estado do rei, Sebastião José de Carvalho e Melo,
mais conhecido como Marquês de Pombal. Levado à presença do rei,
Carvalho ficou chocado com a cena de confusão e as piedosas invocações,
e por ver o monarca num estado de tão evidente angústia. O diálogo que se
seguiu embora apócrifo, teve enorme significado e definiu a resposta para a
crise com a precisão de um aforismo:
_ O que deve ser feito para enfrentar esta imposição da justiça divina? -
perguntou o rei
_ Enterrar os mortos e alimentar os vivos - respondeu Carvalho. (SHRADY,
2011 p.38)
E investido do poder real, Carvalho, tomou para si a responsabilidade de reconstruir Lisboa,
gerindo a catástrofe e deixando seu nome marcado na história da Gestão de riscos e
desastres.

Lisboa antes do terremoto.

Antes do terremoto, Lisboa era, apesar de ter aproximadamente seis séculos, uma cidade
medieval, cuja estrutura urbana mantinha-se desorganizada e sem planejamento. As ruas
eram estreitas, sujas e tortuosas. Poucas eram as que já possuíam proporções adequadas e
visavam um ambiente mais urbanizado, na maioria das vezes, localizadas nos bairros mais
novos.

As edificações religiosas, eram o centro dos novos bairros, em torno delas, eram
construídas as ruas, vielas, becos e nestes, casas de até três pavimentos, sem afastamento
uma das outras, com estrutura precária e pouca manutenção. Apesar do crescimento
constante da cidade, muitas casas tinham sido demolidas e reconstruídas, porém seguiam o
mesmo modelo irregular de ocupação do território.

Apesar de toda energia cosmopolita que enebriava Lisboa, com pessoas de todos os cantos
do mundo, a mentalidade do português ainda era muito fechada, presa em valores
conservadores, norteados pela Igreja Católica. Quanto à arquitetura e o urbanismo, apesar
de monumentos grandiosos comporem o cenário lisboeta, as ruas eram cheias de lixo e a
zona baixa da cidade, frequentemente sofria com as inundações e os lamaçais (SRHADY,
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
2011). A cidade era mal organizada, sem planejamento urbano e com poucas ou nenhuma
regra construtiva que determinasse ou padronizassem normas para as edificações.

Naturalmente que os bairros mais ricos, não viviam esse ambiente insalubre. Casas
enormes, suntuosas construções ornadas com azulejos, grandes jardins e espaços de
convivência, eram ladeadas por casebres miseráveis. A cidade era o espelho da sociedade,
e a sociedade portuguesa naquele momento era estratificada, complexa e desigual.

Grandes obras, entretanto, decoravam a cidade: mosteiros, igrejas, a ópera, palácios e


espaços públicos demonstravam a riqueza de uma nação que por séculos explorava outros
povos. O comércio de escravos e a extração de ouro e pedras preciosas das colônias,
deixavam o país rico, porém esvaziado de homens que migravam em busca de
oportunidades e riquezas, a agricultura e a pecuária, também eram fracas e a indústria
praticamente não existia. Portugal importava a maior parte dos alimentos e produtos
consumidos no seu interior. O que a tornava uma nação rica de povo muito pobre.

Lisboa depois do terremoto.

Quando retornava para Lisboa, da conversa com rei em Belém, Carvalho se deparou com
um cenário de total desolação:

Centenas de focos de incêndio, atiçados pelos ventos contínuos do


nordeste, viraram uma conflagração. E o êxodo tinha começado. As ruas –
ou o que restava delas – pululavam de sobreviventes, alguns seminus,
cobertos de sangue e poeira, enlouquecidos e delirando, todos tentando
freneticamente fugir da cidade para o campo aberto. Alguns seguravam
firmemente crucifixos e ícones santificados, além de qualquer mísero objeto
que tivessem conseguido resgatar dos escombros. (SHRADY, 2011 p.48)

O cenário pós apocalíptico do terremoto era composto por uma cidade arrasada. Fumaça,
poeira, cheiro de morte e putrefação por todos os cantos. As pessoas, se retiravam da
cidade, não somente por medo do que pudesse acontecer de pior com elas: havia uma
ameaça real de que o castelo de São Jorge pudesse pegar fogo, caso isso ocorresse seria o
fim, já que o deposito de pólvora da nação estava localizado naquele local – mas porque
não havia pra onde retornar. Não existia casa ou abrigo e a maior parte dos pontos de
referência, haviam ruído. Junto a isso, das cadeias saíram vários condenados que
saquearam e cometeram inúmeros crimes antes de, também, encontrarem um modo de sair
da cidade.

Imbuído dos poderes reais, Carvalho precisava começar de algum lugar. Seu trabalho
estava longe de ser tão “simples” quanto enterrar mortos e dar de comer aos vivos. Era

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021
necessário entender o tamanho do desastre, compreender quais recursos ainda estavam
disponíveis e saber organizar, criar um sistema de comando que conseguisse produzir os
efeitos desejados, sem desperdício de recursos humanos e financeiros.

Um dos problemas iniciais era conseguir controlar o fogo. A cidade não possuía uma
brigada de incêndio e as pessoas que comumente trabalhavam no combate às chamas, ou
estavam mortas ou em fuga. Além disso, as ruas estavam tomadas de entulho, e transitar
sobre eles era praticamente impossível. (SHRADY, 2011)

Antes de poder fazer alguma coisa para organizar estoques de comida para
os sobreviventes ou providenciar os enterros das incontáveis milhares de
vítimas, Carvalho precisava estabelecer a ordem. (SHRADY, 2011 p.49)

Carvalho determinou que as tropas fossem mobilizadas, mandou que os comandantes


agrupassem seus homens e os distribuíssem entre apagar incêndios, resgatar feridos,
montar guarda nas propriedades reais, propriedades da igreja, instituições financeiras e
instituições comerciais, evitando os ataques dos criminosos. As tropas, foram reforçadas
por soldados de toda Portugal. Aos criminosos, apanhados saqueando ou cometendo outros
crimes, Carvalho ordenou que fossem julgados de forma rápida e verbal, os condenados
foram enforcados e ficaram pendurados por dias, em vias públicas, servindo de exemplo
para que novos crimes não fossem cometidos. Apesar de ser uma medida extrema e
absurda, o resultado foi que cessaram os crimes.

As tropas que se dirigiam de outras regiões para Lisboa, receberam a ordem de trazerem de
volta os homens que fugiam da cidade, para que estes trabalhassem no resgate e na
reconstrução. Também mandou que se erguessem barracas por toda Lisboa, para que
ninguém ficasse desamparado e todos pudessem ter um lugar para repousar. Ordenou que
fossem estabelecidos pontos de alimentação pela cidade, e que todos os mantimentos que
tivessem escapados ilesos do desastre, fossem recolhidos pela guarda e distribuído para a
população de forma igualitária. “por toda cidade foram instaladas às pressas cozinhas de
campanha e fornos de pão” (SHRADY, 2011 p.55)

O medo da falta de abrigo e da fome, foram supridos com as medidas tomadas.

Os navios que chegavam com cargas de grãos, peixes e carne foram


obrigados a vender sua mercadoria com isenção de taxas. E em uma
tentativa de frear a exploração, os donos de loja foram obrigados a
cobrar os preços que vigoravam antes do desastre; aqueles que
desobedeciam acabavam no grupo de trabalhos forçados, limpando
os entulhos. Com essas providencias, não houve fome em parte
alguma (SHRADY, 2011 p.55)

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021
Buscando resolver problemas imediatos e prevenir novos desastres, era necessário livrar
Lisboa dos riscos da peste. Por toda a cidade milhares corpos estavam entulhados. Os
cadáveres de pessoas e animais resgatados dos escombros eram amontoados por todos os
cantos. Os incêndios aliviavam o cheiro de decomposição. Por muitos dias a cidade ardeu
em chamas e muitos corpos foram incinerados, o que evitou o risco da peste, mas trouxe
um fim cruel para as pessoas que ainda estavam vivas sob os escombros. (SHRADY, 2011)

Carvalho teve que tomar uma decisão quanto ao que fazer com os corpos recolhidos. A
Igreja dizia que cada pessoa deveria ser enterrada através dos rituais religiosos, porém, não
havia tempo ou espaço para que isso pudesse acontecer. Carvalho então solicitou que a
Igreja abrisse mão desta prática e permitisse que as pessoas fossem sepultadas no mar. A
solicitação foi aceita e várias embarcações foram direcionadas ao mar aberto.

A igreja, apesar de aceitar algumas condições, continuava pregando sobre a ira divina e o
apocalipse, exortando aos fiéis que buscassem de Deus a misericórdia para com seus
pecados. Muitas pessoas acreditavam neste discurso, o que gerava uma rixa interna em
relação aos sobreviventes: quem tem mais pecados? Quem é o pior? Morte aos judeus!
Uma onda de violência acompanhava o discurso da igreja, já que Portugal era uma das
nações mais religiosas do mundo e onde ainda vigorava a inquisição.

Com o tempo, as coisas foram se acalmando. As medidas emergenciais: resgatar os feridos,


providenciar abrigo e alimento, enterrar os mortos, tratar dos doentes, assegurar a paz,
foram tomadas, mas era necessário implementar novas medidas.

Limpar as ruas, retirar os entulhos, terminar de derrubar construções instáveis e em risco.


Medidas necessárias e fundamentais para evitar maiores danos. A organização de Carvalho
foi importante para conseguir avançar, rumo à reconstrução da cidade. Logo, as barracas de
lona começaram a ser substituídas por barracas de madeira, oferecendo maior conforto aos
que estavam alojados.

Entretanto, Carvalho proibiu qualquer nova construção de pedra até que todos os entulhos
tivessem sido retirados e fossem redigidos um novo código de normas construtivas e um
plano urbano. Era preciso reconstruir a cidade das cinzas, (ASSUNÇÃO, 2010) porém, com
segurança.

Carvalho nomeou então o Engenheiro-Mor, Manuel da Maia, para planejar a reconstrução.


Era preciso encontrar uma solução que atendesse às necessidades de segurança e
habitabilidade.

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021
No início de dezembro de 1755, Manuel da Maia, apresentou cinco propostas diferentes
para reconstrução de Lisboa: reconstruir a cidade tal qual era antes; reconstruir mantendo a
altura dos edifícios, porém, alargando as ruas; reconstruir a cidade, restringindo a altura dos
edifícios ao máximo de dois pisos, e alargando as ruas estreitas; demolir por completo a
parte atingida pelo desastre e construir sobre os escombros; abandonar a cidade e construir
outra, entre Belém e Pedrouços.

Optaram por demolir por completo a cidade e reconstruir sobre os escombros, alargando as
ruas mais estreitas, abrindo becos sem saída, respeitando quando possível as propriedades,
mas garantindo a mobilidade e a segurança. Já em março de 1756, foram apresentadas
plantas para reconstrução da cidade, com medidas preventivas e soluções para problemas
burocráticos.

Em maio de 1758, foi autorizado o início dos trabalhos de reconstrução. A cidade, numa
nova fase da gestão do desastre, foi idealizada, buscando um planejamento urbano
integrado e inovações, tais como como técnicas de construção contra terremotos, incêndios,
buscando a salubridade e a higiene.

Para evitar novas intercorrências, foram desenvolvidas técnicas antissísmicas, destacando


entre elas:

Para evitar novos desmoronamentos em função dos terremotos, as


edificações adotaram o modelo de gaiolas pombalinas, fundação com
estacas de madeira, após ensaios e estudos dinâmicos com o auxílio de
cavalos trotando próximos às construções. (FRANÇA, 1978, p. 45)

Segundo França (1978) o uso das gaiolas pombalinas, as fundações com estacas de
madeiras e a realização de ensaios para simular os efeitos de novos tremores, estavam
entre as medidas tomadas. Ainda segundo o autor citado, teria sido realizado no Terreiro do
Paço, por Carlos Mardel, um ensaio para averiguar a segurança contra novos tremores: foi
colocado uma estrutura nos moldes da gaiola pombalina sobre um estrado e ao redor deste
um destacamento militar marchava desordenadamente, simulando os efeitos do terremoto.
A proposta era demonstrar que a gaiola aguentava mais de vinte minutos nesta situação
extrema. (FRANÇA, 1978)

Buscando resolver as questões ligadas a prevenção de novos incêndios, foi adotado o uso
de paredes “quebra-fogo”, ou seja, subindo as empenas de alvenaria entre edifícios de um a
dois metros, a propagação do fogo de um prédio a outro seria dificultada. Além disso, a
“gaiola pombalina” inserida no interior das paredes, oferecia reforço estrutural aos
elementos de madeira, protegidos pela alvenaria. (FRANÇA, 1978)
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
Atendendo as necessidades de renovação na salubridade e segurança, medidas também
foram implementadas. Destaca-se aqui a criação de alfurges e esgotos. Também criaram
limitações quanto a altura dos imóveis em relação à largura das ruas, além de determinar o
modo seguro de instalar as chaminés, sempre do lado dos logradouros.

Carvalho também implementou a padronização, como mecanismo de segurança. Um


exemplo disso é o uso do palmo (22,5 cm) como medida unitária. (FRANÇA, 1978) Várias
peças também passaram a ser pré-fabricadas: cantarias, grades, azulejos, balaustradas,
portas e guarnições.

Sousa (1928) apresenta uma série de instruções que foram adotadas após o terremoto, para
realização de novas construções em Lisboa:

- O número máximo de pisos será de 3 com águas furtadas, o primeiro com


janelas de sacada, o segundo e terceiro e ainda águas furtadas com janelas
de peito. Excepção a esta regra será apenas a Praça do Rossio que alterna
janelas de sacada com janelas de peito no primeiro andar;

- Os tectos deverão ser de esteira e os vigamentos amarrados nos freixais e


estes por sua vez amarrados nos centros das paredes;

- As águas furtadas deverão ter trapeiras (janelas sobre telhados), para


arejamento e conservação das madeiras;

- As vigas dos pisos terão que ser de casquinha (0,13 x 0,18 m), em
quadrado, assentes em freixais de carvalho ou asinho de secção 0,15 x
0,10 m, pregados com pregos forjados de 0,20 a 0,30 m de comprimento e
ligados às paredes por ferrolhos. O seu comprimento será de 2,0 m nos
cunhais e 0,80 a 1,0 m nos membros;

- As vigas dos telhados serão em castanho com 0,10 a 0,13 m de diâmetro


e o guarda pó e ripa será em casquinha;

- Todas as vigas serão colocadas em cavidades forradas de madeira para


maior conservação.

- Os tabiques serão de casquinha, os prumos, travessanhos e escoras em


carvalho, sobro ou asinho;

- As gaiolas serão compostas por prumos com secção 0,15x0,13 m e


travessanhos com secção 0,10x0,13 m, em carvalho ou asinho. Os
travessanhos serão ligados às paredes por meio de “mãos de madeira” e os
prumos ligados entre si pelos freixais. Nos vãos, os prumos serão ligados
uns aos outros pelas vergas com os respectivos pendurais;

- Os alicerces serão assentes numa grade de troncos de pinho, ligada às


estacas por meio de pregos de 0,30 m;

- O pinho deverá ser empregado verde e toda a madeira não exposta ao ar,
deverá apresentar-se bem conservada. (SOUSA, 1928 p.32)

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021
Essa nova forma de construir, proporcionou a segurança necessária para que as pessoas
recomeçassem suas vidas, diante de tudo que perderam e do receio de novos tremores,
mas com a certeza de que foram implementadas medidas de proteção e gestão de riscos e
de desastre.

A estrutura urbanística de Lisboa foi completamente alterada. A reconstrução total durou


mais de cem anos, todavia, os pilares da recuperação da cidade, a gestão imediata do
desastre, foi estruturado no ano seguinte ao terremoto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desastre de Lisboa é certamente um dos mais complexos dos últimos séculos. Não só por
se tratar de três eventos adversos num mesmo curto espaço de tempo e lugar. Mas,
também pela própria gestão: enfrentando a mentalidade da época, discutindo com a igreja,
recriando uma cidade mais moderna, tentando respeitar a propriedade alheia. Foi,
certamente, um momento impressionante.

As ações de Carvalho, podem parecer cruéis em alguns aspectos e talvez, até exageradas.
Mas seria anacronismo tentarmos pensar com a mentalidade de hoje e julgarmos as
medidas tomadas.

Carvalho, ainda que de maneira insipiente e intuitiva realizou os mesmos passos da gestão
de desastres, que são aplicados hoje, no século XXI: Planejamento, mitigação, preparação,
resposta e recuperação. Todas essas etapas são percebidas na gestão do terremoto.

É fato que a reconstrução total de Lisboa demorou cerca de cem anos. E isso é
compreensível, tanto pelas tecnologias construtivas da época, quanto pelo fato de que a
cidade estava sem mão de obra, sem recursos e principalmente, no que tange aos primeiros
anos, vivendo um processo de luto.

Se a população total de Lisboa era cerca de duzentas mil pessoas, há relatos de que
morreram cerca de noventa mil pessoas (PAICE, 2010) ou seja, todas as famílias perderam
alguém, seja um membro próximo ou um conhecido. O processo de luto, tornou todas as
coisas mais lentas. Entretanto, mesmo com todas as adversidades, meses após o desastre
já tinha sido desenvolvido um plano de ação que começou a ser implementado em menos
de dois anos.

É possível que novos desastres como o terremoto ocorram em Lisboa, já aconteceram antes
de 1755 e continuaram acontecendo após. Mas, se Portugal aprendeu algo com o grande
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
desastre é que é necessário estar preparado para eventos adversos. Planejar ações de
resposta rápida, criar mecanismos de segurança para mitigar danos e estabelecer
protocolos para recuperação e reconstrução.

REFERÊNCIAS

ASSUNÇÃO, Paulo. A reconstrução da cidade de Lisboa e os tratados de


arquitetura.Revista Integração, v.16, n.60, p.15-33, 2010

CARTA ANÓNIMA. Lisboa, 19 de novembro de 1755. In: SOUSA, Maria Leonor


Machado de; NOZES, Judite da Conceição Evaristo (org.). O terramoto de 1755:
testemunhos britânicos. Lisboa: Ed. Lisóptima/The British Historical Society of
Portugal, 1990. p. 149-153.

FRANÇA, José Augusto. A reconstrução de Lisboa e a arquitectura pombalina.


Lisboa: Instituto de Cultura Portuguesa, 1978

O terramoto de Lisboa de 1755: colecções de textos do século XVIII. Hist. cienc.


saude-Manguinhos [online]. 2007, vol.14, n.1, pp.285-323.ISSN 0104-5970.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702007000100014.

PAICE, Edward. A ira de Deus: A incrível história do terremoto que devastou Lisboa
em 1755. Trad. Márcio Ferrari. Rio de Janeiro: Record, 2010.

SHRADY, Nicholas. O último dia do mundo: Fúria, ruína e razão no grande terremoto
de Lisboa de 1755. Trad. Paula Berinson. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011

SOUSA, M. L. M. e Nozes, J; Testemunhos Britânicos; MCMXC; 269 p.

Tavares, Rui; O Pequeno Livro do Grande Terramoto; 2006; 223 p.

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021

Você também pode gostar