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4. R2 ASSESSORIA
carloscguedes@gmail.com
RESUMO
Era a próximo do meio-dia quando a terra tremeu pela primeira vez, várias pessoas estavam
nas ruas e muitas mais dentro de casa. Antes que pudessem se recuperar do susto, um
novo tremor e depois outro. As construções que não ruíram total ou parcialmente no
primeiro evento, vieram ao chão, no segundo e no terceiro. Poucas edificações se
mantiveram de pé. Nas ruas, as pessoas que sobreviveram ao cismo, correram em direção
aos espaços abertos, em especial ao largo em frente ao Tejo. Lá, a esperança de sobreviver
foi solapada por grandes ondas que invadiram e lavaram o que sobrou da cidade. Por
alguns minutos, tsunamis de até trinta metros de altura, invadiram e inundaram o que
restava da já destruída Lisboa. Como se não fosse suficiente, um incêndio causado pelas
velas e outras chamas derrubadas no cismo, queimaram por cerca de cinco dias. Este foi o
cenário que mudou a história da gestão de desastres para a humanidade. Até este momento
a intepretação destes eventos era de que a ira de Deus estava voltada para os homens. A
mudança ocorre quando Marquês de Pombal, afasta de Deus a responsabilidade da
tragédia e assume para si a gestão do desastre. Este artigo pretende discutir os passos
adotados na gestão do terremoto e como estes influenciaram na alteração do urbanismo de
Lisboa e por consequência das colônias portuguesas.
Na tradição católica, o “dia de todos os santos” é comemorado com grande fervor, sendo o
momento em que são honrados os santos da Igreja dos mais aos menos conhecidos.
Em Portugal, no século XVIII, era um grande momento festivo. As cidades eram enfeitadas,
missas preparadas para receber os fiéis durante todo o dia, velas acessas por toda a
cidade. E seria um momento absolutamente comum, se não fosse aquele, o dia do grande
Sismo de Lisboa. (ASSUNÇÃO 2010)
O dia havia amanhecido calmo. Não havia sinais de um desastre pairando no ar. As
festividades estavam ocorrendo desde a primeira hora da manhã: missas e homenagens
aos santos da Igreja, eram vistos em todas as partes. Nas casas, refeições eram
preparadas. Nas ruas, pessoas deslocavam-se calmamente. Por se tratar de um feriado,
não havia muita gente trabalhando, exceto em serviços essenciais.
Com o terremoto, paredes caíram, telhados desmoronaram, pessoas ficaram presas nas
casas, as vezes completamente ruídas, outras, em escombros, tentando sair. Aquelas que
saiam as ruas, corriam risco de serem atingidas por partes de outras casas que também
desmoronaram. Velas tombadas e fornos acessos completavam o cenário de horror,
ateando fogo no que sobrava das já fragilizadas construções. (PAICE, 2010)
Há relatos que afirmam que os incêndios não foram causados somente pela ação das velas.
De acordo com Sousa (1990), uma carta anônima relataria que
Os incêndios duraram cerca de seis dias, mas por meses ainda foram sentidos pequenos
tremores de terra, alguns seguidos de pequenas tsunamis. nenhum destes eventos,
entretanto, foram tão intensos quando os do dia 1º de novembro. (PAICE, 2010)
Lisboa estava arrasada. As pessoas assustadas. Por todos os lados religiosos vociferavam
sobre a ira divina e o mal que acometia a sociedade, culpa dos pecados da ganância,
luxuria e claro, pela presença dos judeus. Sem saber o que fazer e para onde ir, várias
pessoas buscaram meios de sair da cidade e segundo Paice (2010), as estradas estavam
repletas de andarilhos sujos e machucados, caminhando sem direção.
Naquele dia, por sorte ou destino, as filhas do Rei Dom José I, haviam solicitado que após a
missa fossem passar o feriado em Belém, numa das muitas casas de campo da coroa.
Graças a isso, quando o tremor se abateu sobre a cidade, o Rei, não foi atingido. Os
reflexos puderam ser sentidos em Belém, é fato, mas com muito menos intensidade e risco.
O rei, apesar de ter vivido um abalo mais leve que o de Lisboa, se recusou a voltar para o
interior do palácio de campo, ordenando que tendas fossem armadas nos jardins. Entre sua
comitiva, os padres que acompanhavam a família real, incentivavam que todos rezassem
por seus pecados, os grandes causadores do desastre, pedindo perdão e misericórdia a
Deus.
Dom José I, era um homem de 40 anos, que havia se tornado rei, há cinco anos. Possuía
pouca experiência em liderar seu reino e não sabia por onde começar ou o que fazer diante
de um cenário apocalíptico como aquele. (SHRADY, 2011)
Antes do terremoto, Lisboa era, apesar de ter aproximadamente seis séculos, uma cidade
medieval, cuja estrutura urbana mantinha-se desorganizada e sem planejamento. As ruas
eram estreitas, sujas e tortuosas. Poucas eram as que já possuíam proporções adequadas e
visavam um ambiente mais urbanizado, na maioria das vezes, localizadas nos bairros mais
novos.
As edificações religiosas, eram o centro dos novos bairros, em torno delas, eram
construídas as ruas, vielas, becos e nestes, casas de até três pavimentos, sem afastamento
uma das outras, com estrutura precária e pouca manutenção. Apesar do crescimento
constante da cidade, muitas casas tinham sido demolidas e reconstruídas, porém seguiam o
mesmo modelo irregular de ocupação do território.
Apesar de toda energia cosmopolita que enebriava Lisboa, com pessoas de todos os cantos
do mundo, a mentalidade do português ainda era muito fechada, presa em valores
conservadores, norteados pela Igreja Católica. Quanto à arquitetura e o urbanismo, apesar
de monumentos grandiosos comporem o cenário lisboeta, as ruas eram cheias de lixo e a
zona baixa da cidade, frequentemente sofria com as inundações e os lamaçais (SRHADY,
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2011). A cidade era mal organizada, sem planejamento urbano e com poucas ou nenhuma
regra construtiva que determinasse ou padronizassem normas para as edificações.
Naturalmente que os bairros mais ricos, não viviam esse ambiente insalubre. Casas
enormes, suntuosas construções ornadas com azulejos, grandes jardins e espaços de
convivência, eram ladeadas por casebres miseráveis. A cidade era o espelho da sociedade,
e a sociedade portuguesa naquele momento era estratificada, complexa e desigual.
Quando retornava para Lisboa, da conversa com rei em Belém, Carvalho se deparou com
um cenário de total desolação:
O cenário pós apocalíptico do terremoto era composto por uma cidade arrasada. Fumaça,
poeira, cheiro de morte e putrefação por todos os cantos. As pessoas, se retiravam da
cidade, não somente por medo do que pudesse acontecer de pior com elas: havia uma
ameaça real de que o castelo de São Jorge pudesse pegar fogo, caso isso ocorresse seria o
fim, já que o deposito de pólvora da nação estava localizado naquele local – mas porque
não havia pra onde retornar. Não existia casa ou abrigo e a maior parte dos pontos de
referência, haviam ruído. Junto a isso, das cadeias saíram vários condenados que
saquearam e cometeram inúmeros crimes antes de, também, encontrarem um modo de sair
da cidade.
Imbuído dos poderes reais, Carvalho precisava começar de algum lugar. Seu trabalho
estava longe de ser tão “simples” quanto enterrar mortos e dar de comer aos vivos. Era
Um dos problemas iniciais era conseguir controlar o fogo. A cidade não possuía uma
brigada de incêndio e as pessoas que comumente trabalhavam no combate às chamas, ou
estavam mortas ou em fuga. Além disso, as ruas estavam tomadas de entulho, e transitar
sobre eles era praticamente impossível. (SHRADY, 2011)
Antes de poder fazer alguma coisa para organizar estoques de comida para
os sobreviventes ou providenciar os enterros das incontáveis milhares de
vítimas, Carvalho precisava estabelecer a ordem. (SHRADY, 2011 p.49)
As tropas que se dirigiam de outras regiões para Lisboa, receberam a ordem de trazerem de
volta os homens que fugiam da cidade, para que estes trabalhassem no resgate e na
reconstrução. Também mandou que se erguessem barracas por toda Lisboa, para que
ninguém ficasse desamparado e todos pudessem ter um lugar para repousar. Ordenou que
fossem estabelecidos pontos de alimentação pela cidade, e que todos os mantimentos que
tivessem escapados ilesos do desastre, fossem recolhidos pela guarda e distribuído para a
população de forma igualitária. “por toda cidade foram instaladas às pressas cozinhas de
campanha e fornos de pão” (SHRADY, 2011 p.55)
Carvalho teve que tomar uma decisão quanto ao que fazer com os corpos recolhidos. A
Igreja dizia que cada pessoa deveria ser enterrada através dos rituais religiosos, porém, não
havia tempo ou espaço para que isso pudesse acontecer. Carvalho então solicitou que a
Igreja abrisse mão desta prática e permitisse que as pessoas fossem sepultadas no mar. A
solicitação foi aceita e várias embarcações foram direcionadas ao mar aberto.
A igreja, apesar de aceitar algumas condições, continuava pregando sobre a ira divina e o
apocalipse, exortando aos fiéis que buscassem de Deus a misericórdia para com seus
pecados. Muitas pessoas acreditavam neste discurso, o que gerava uma rixa interna em
relação aos sobreviventes: quem tem mais pecados? Quem é o pior? Morte aos judeus!
Uma onda de violência acompanhava o discurso da igreja, já que Portugal era uma das
nações mais religiosas do mundo e onde ainda vigorava a inquisição.
Entretanto, Carvalho proibiu qualquer nova construção de pedra até que todos os entulhos
tivessem sido retirados e fossem redigidos um novo código de normas construtivas e um
plano urbano. Era preciso reconstruir a cidade das cinzas, (ASSUNÇÃO, 2010) porém, com
segurança.
Optaram por demolir por completo a cidade e reconstruir sobre os escombros, alargando as
ruas mais estreitas, abrindo becos sem saída, respeitando quando possível as propriedades,
mas garantindo a mobilidade e a segurança. Já em março de 1756, foram apresentadas
plantas para reconstrução da cidade, com medidas preventivas e soluções para problemas
burocráticos.
Em maio de 1758, foi autorizado o início dos trabalhos de reconstrução. A cidade, numa
nova fase da gestão do desastre, foi idealizada, buscando um planejamento urbano
integrado e inovações, tais como como técnicas de construção contra terremotos, incêndios,
buscando a salubridade e a higiene.
Segundo França (1978) o uso das gaiolas pombalinas, as fundações com estacas de
madeiras e a realização de ensaios para simular os efeitos de novos tremores, estavam
entre as medidas tomadas. Ainda segundo o autor citado, teria sido realizado no Terreiro do
Paço, por Carlos Mardel, um ensaio para averiguar a segurança contra novos tremores: foi
colocado uma estrutura nos moldes da gaiola pombalina sobre um estrado e ao redor deste
um destacamento militar marchava desordenadamente, simulando os efeitos do terremoto.
A proposta era demonstrar que a gaiola aguentava mais de vinte minutos nesta situação
extrema. (FRANÇA, 1978)
Buscando resolver as questões ligadas a prevenção de novos incêndios, foi adotado o uso
de paredes “quebra-fogo”, ou seja, subindo as empenas de alvenaria entre edifícios de um a
dois metros, a propagação do fogo de um prédio a outro seria dificultada. Além disso, a
“gaiola pombalina” inserida no interior das paredes, oferecia reforço estrutural aos
elementos de madeira, protegidos pela alvenaria. (FRANÇA, 1978)
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Atendendo as necessidades de renovação na salubridade e segurança, medidas também
foram implementadas. Destaca-se aqui a criação de alfurges e esgotos. Também criaram
limitações quanto a altura dos imóveis em relação à largura das ruas, além de determinar o
modo seguro de instalar as chaminés, sempre do lado dos logradouros.
Sousa (1928) apresenta uma série de instruções que foram adotadas após o terremoto, para
realização de novas construções em Lisboa:
- As vigas dos pisos terão que ser de casquinha (0,13 x 0,18 m), em
quadrado, assentes em freixais de carvalho ou asinho de secção 0,15 x
0,10 m, pregados com pregos forjados de 0,20 a 0,30 m de comprimento e
ligados às paredes por ferrolhos. O seu comprimento será de 2,0 m nos
cunhais e 0,80 a 1,0 m nos membros;
- O pinho deverá ser empregado verde e toda a madeira não exposta ao ar,
deverá apresentar-se bem conservada. (SOUSA, 1928 p.32)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desastre de Lisboa é certamente um dos mais complexos dos últimos séculos. Não só por
se tratar de três eventos adversos num mesmo curto espaço de tempo e lugar. Mas,
também pela própria gestão: enfrentando a mentalidade da época, discutindo com a igreja,
recriando uma cidade mais moderna, tentando respeitar a propriedade alheia. Foi,
certamente, um momento impressionante.
As ações de Carvalho, podem parecer cruéis em alguns aspectos e talvez, até exageradas.
Mas seria anacronismo tentarmos pensar com a mentalidade de hoje e julgarmos as
medidas tomadas.
Carvalho, ainda que de maneira insipiente e intuitiva realizou os mesmos passos da gestão
de desastres, que são aplicados hoje, no século XXI: Planejamento, mitigação, preparação,
resposta e recuperação. Todas essas etapas são percebidas na gestão do terremoto.
É fato que a reconstrução total de Lisboa demorou cerca de cem anos. E isso é
compreensível, tanto pelas tecnologias construtivas da época, quanto pelo fato de que a
cidade estava sem mão de obra, sem recursos e principalmente, no que tange aos primeiros
anos, vivendo um processo de luto.
Se a população total de Lisboa era cerca de duzentas mil pessoas, há relatos de que
morreram cerca de noventa mil pessoas (PAICE, 2010) ou seja, todas as famílias perderam
alguém, seja um membro próximo ou um conhecido. O processo de luto, tornou todas as
coisas mais lentas. Entretanto, mesmo com todas as adversidades, meses após o desastre
já tinha sido desenvolvido um plano de ação que começou a ser implementado em menos
de dois anos.
É possível que novos desastres como o terremoto ocorram em Lisboa, já aconteceram antes
de 1755 e continuaram acontecendo após. Mas, se Portugal aprendeu algo com o grande
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desastre é que é necessário estar preparado para eventos adversos. Planejar ações de
resposta rápida, criar mecanismos de segurança para mitigar danos e estabelecer
protocolos para recuperação e reconstrução.
REFERÊNCIAS
PAICE, Edward. A ira de Deus: A incrível história do terremoto que devastou Lisboa
em 1755. Trad. Márcio Ferrari. Rio de Janeiro: Record, 2010.
SHRADY, Nicholas. O último dia do mundo: Fúria, ruína e razão no grande terremoto
de Lisboa de 1755. Trad. Paula Berinson. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011