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DOI: 10.1590/1413-81232022271.

19852021 7

A dimensão espacial e o lugar social da loucura:

artigo article
por uma cidade aberta

The spatial dimension and the social place of madness:


for an open city

Leticia Paladino (https://orcid.org/0000-0001-7151-7689) 1


Paulo Duarte de Carvalho Amarante (https://orcid.org/0000-0001-6778-2834) 1

Abstract The Brazilian Psychiatric Reform Resumo O processo de Reforma Psiquiátrica


(BPR) process proposes a break with the asylum Brasileira (RPB) propõe o rompimento com o pa-
paradigm in several dimensions. Thinking about radigma manicomial em diversas dimensões. Pen-
care spaces and the right to the city are import- sar nos espaços de cuidado e no direito à cidade
ant flags for this issue. Bearing that in mind, a constituem bandeiras importantes para tal. Dessa
theoretical-conceptual framework was construct- forma, construímos um arcabouço teórico-concei-
ed, aiming to discuss and systematize the rela- tual objetivando discutir e sistematizar a relação
tionship between the architecture of care spaces da arquitetura dos espaços de cuidado destinados
geared toward madness and the production of à loucura e à produção de subjetividades e relações.
subjectivities and relationships. Thus, based on Assim, a partir da arqueogenealogia, organizamos
archeo-genealogy, a dialogue was organized be- um diálogo entre conceitos e autores que abordem o
tween concepts and authors that approach space espaço e a arquitetura como dispositivos de produ-
and architecture as devices for the production ção de subjetividades e relações, tais como, institui-
of subjectivities and relationships, such as total ções totais e mortificação do eu (Erving Goffman)
institutions and self-mortification (Erving Goff- e síndrome espaço-comportamental (Mirian de
man) and space-behavioral syndrome (Mirian Carvalho), e experiências como as de Maura Lopes
de Carvalho), as well as experiences such as those Cançado e Lima Barreto. Objetivamos, ainda, dis-
by Maura Lopes Cançado and Lima Barreto. It cutir e desenhar, pelas lentes de campos diversos de
is also the aim of this study to discuss and draw, saber, um ideal de cidade que nos ajude a enfrentar
through the lens of different fields of knowledge, o paradigma manicomial e fortalecer o processo de
an ideal city that will aid in facing the asylum RPB: a cidade aberta, aquela que inclui a diferen-
paradigm and strengthening the BPR process: the ça. Ao localizarmos a importância da discussão
open city, that which includes difference. Locat- das arquiteturas, dos espaços e da cidade que cons-
ing the importance of discussing the architectures, truímos para o processo de RPB, propomos, como
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Laboratório de Estudos e
Pesquisas em Saúde Mental spaces, and the city built for the BPR process, this resultado deste artigo, construir e adicionar uma
e Atenção Psicossocial, article proposes to build and add a new dimension nova dimensão de análise de tal processo às já exis-
Escola Nacional de Saúde of analysis of such a process to those that already tentes: a dimensão espacial.
Pública Sergio Arouca,
Fundação Oswaldo Cruz. exist: the spatial dimension. Palavras-chave Cidades, Arquitetura hospitalar,
R. Leopoldo Bulhões 1480, Key words Cities, Architecture, Mental health, Saúde mental, Reforma dos serviços de saúde
Manguinhos. 21041-210 Healthcare reform
Rio de Janeiro RJ Brasil.
leticiapaladino@gmail.com
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Paladino L, Amarante PDC

Introdução Enquanto a Reforma Sanitária propunha


uma ruptura com o modelo da História Natural
A loucura entre espaços da Doença e defendia que saúde-doença era de
e tecnologias de poder fato um processo com determinantes sociais e
por isso um direito da sociedade e um dever do
Como nos mostra Foucault1, a loucura é Estado4, a Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB)
uma construção social imersa em um discurso propunha o deslocamento do olhar da loucura
de poder. A arquitetura, enquanto campo, e suas para o sujeito que a experiencia. Assim, no final
expressões espaciais também fazem parte desse da década de 1970 e início da de 1980, o Brasil
discurso ou seja, produzem relações de poder que tem no cerne da sua reconstrução democrática
sustentam um determinado paradigma. Ao longo e dos movimentos que emergem nesse período
da história europeia-ocidental esses dois discursos o sujeito cidadão. Cidadão esse que tem direito
andaram juntos e foram sofrendo mudanças. O à cidade. Tão importante quanto pleitear esse
período de transformação mais importante des- direito à cidade para os loucos – tanto aqueles
ses dois discursos e de suas associações encontra- egressos de longa internação quanto aqueles que
se na Modernidade. A loucura vista pelos olhos ainda terão experiências com a loucura – é enten-
da psiquiatria moderna nascente é a ruptura do der que cidade, que espaços de cuidado dentro da
sujeito com a razão e é no enclausuramento que cidade e que tipo de ocupação da cidade quere-
se vislumbra um meio de recuperá-la. Através do mos promover ao longo do processo de RPB. Afi-
dispositivo arquitetônico do manicômio, a loucu- nal, qual a importância dos espaços de cuidado?
ra ganhou um novo lugar no imaginário social ao Qual o papel que as arquiteturas desses espaços
mesmo tempo que um novo lugar na cidade. Fi- desempenham? Seriam eles capazes de produzir
cando relegado a essa peça específica do território e propiciar subjetividades específicas, como o
na cidade, o louco vai sendo forçado a ocupar esse sujeito-cidadão ou o sujeito-sujeitado? Qual é o
lugar como um lugar natural de sua existência. papel que a cidade desempenha nisso tudo? Que
Os manicômios são, para Venturini2, um proposta de cidade, que acolha as diferentes ex-
espaço de internamento que priva o sujeito de periências subjetivas, podemos construir ao lon-
autonomia, com uma arquitetura onde há “(...) go da RPB?
uma convergência de múltiplas intenções que É com a proposição de construir um arca-
querem encarcerar, separar um dentro e um fora, bouço teórico-conceitual que nos ajude a pensar
erigir barreiras (...)” (p. 119). A cidade moderna é e analisar essas questões ao longo do processo de
concebida para ser ampla, organizada e bela, co- RPB que o artigo teve como objetivos discutir e
locando às margens (ou dentro das barreiras) da sistematizar a relação da arquitetura dos espaços
cidade tudo e todos que não correspondam ou – aqui especificamente os destinados à loucura
atrapalhem esses ideais. As cidades como objeto – com a produção de subjetividades e relações,
de intervenção da medicina e a própria medica- assim como objetivou construir, a partir de uma
lização da loucura estruturaram o terreno propí- discussão teórica, um ideal de cidade que nos
cio para que diferentes problemas sociais fossem ajude a enfrentar o paradigma manicomial e for-
enquadrados como loucura e afastados da cidade taleça o processo de RPB. Dessa forma, a partir
rumo aos manicômios3. da arqueogenealogia, organizamos um diálogo
Essa dinâmica entre loucura, enclausura- entre conceitos e autores que abordem o espaço e
mento e exclusão da cidade sofreu modificações a arquitetura como dispositivos de produção de
e ajustes, mas a tática do enclausuramento não subjetividades e relações e, posteriormente, ex-
foi posta em questão até o pós-Segunda Guerra ploramos, a partir de diversos campos, concep-
Mundial em meados do século XX. Esse tensio- ções de cidade.
namento entre o paradigma psiquiátrico que Ao longo dos anos de estudo, tornou-se cla-
veio sendo construído ao longo da sociedade ro que abordar a questão dos espaços, arquite-
moderna e esse novo paradigma que tenta rom- turas e discussão de cidade no processo de RPB
pê-lo, começa nos países que estavam no centro é, além de um desafio, necessário e relevante à
desta guerra, mas o movimento se espalha e al- medida que dá centralidade a uma temática que
cança o Brasil na década de 1970. Um país em comumente habita a periferia das discussões. Tal
efervescência política, em meio a ditadura cívi- processo, sendo entendido como um processo
co-militar, mas que encontrava seus espaços para social complexo5 que, portanto, é vivo, dinâmico,
pensar a Reforma Sanitária e um Movimento de perpassa diferentes âmbitos e deve estar sempre
Reforma Psiquiátrica. sendo analisado, deveria dar centralidade à dis-
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cussão arquitetural e espacial como um dos pi- segurou-me pelo braço: “– Não pode mais sair.”
lares de superação do paradigma manicomial. Trocaram meu vestido pelo uniforme, puseram-me
Assim, surge como um desdobramento orgânico no pátio. Só o cinema será capaz de mostrar o que
ao longo da construção do trabalho, a proposta é o IP9 (p. 195).
de adicionar uma nova dimensão às dimensões já Ao falar a partir da sua própria experiência
existentes e propostas por Amarante6,7 para anali- por internações em Institutos Psiquiátricos em
sar o processo de RPB: a dimensão espacial. Minas Gerais e no Rio de Janeiro entre o final dos
anos de 1940 e 1950, Cançado9 relata um proces-
Espaços produzindo subjetividades e relações so de perda de identidade que ocorre em insti-
tuições totais. Tal processo acompanha o interno
Iniciaremos a construção do arcabouço teóri- desde a primeira vez que adentra a instituição.
co acerca dos espaços, arquiteturas e produção de Assim, tiram dela o seu vestido, obrigando-a a
subjetividades e relações através do espaço mais usar outra roupa, ou melhor, o mesmo uniforme
extremo da experiência-arquitetural: as institui- que todos os outros internos e proferem a sen-
ções totais, dentre elas, os manicômios. Erving tença: “Não pode mais sair”.
Goffman, quando foi realizar o seu trabalho de Nas instituições totais é comum, já na ad-
campo entre 1955 e 1956 no Hospital St. Elizabe- missão, o interno iniciar o processo de mortifi-
ths, uma instituição federal com pouco mais de cação do eu ao ser obrigado a trocar suas roupas
sete mil internos em Washington D.C, objetivava por um uniforme da instituição, ao ganhar um
primordialmente abordar o mundo do interno número de identificação, ao perder o direito de
e a sua vivência. Ou seja, ele queria conhecer o possuir objetos pessoais e de ter um espaço pró-
mundo social do internado e de como ele o vivia, prio, ao perder o direito de comer a hora e o que
experienciava-o. Desse trabalho de campo surge quiser, ao perder o direito de tomar banho a hora
Manicômios, prisões e conventos em que Goffman8 que quiser, ao perder o direito de dormir quando
logo nos lembra de um aspecto da nossa socieda- quiser, ao perder o direito de transitar por onde
de moderna: o de exercer diversas atividades, tais quiser e quando quiser, enfim, um eu mortificado.
como, dormir, brincar e trabalhar, em diferentes O grau de interferência dessas instituições
lugares, com diferentes coparticipantes e sob di- totais na vida e no cotidiano dos internos é tão
ferentes autoridades. Às instituições que trans- expressivo que, por mais que todos nós constru-
gridem essas barreiras que separam essas três amos nos espaços em que habitamos os nossos
esferas da vida são caracterizadas por ele como próprios “espaços pessoais”10, o grau de interfe-
instituições totais. Assim, o autor diz que rência se faz tamanho que os espaços pessoais
Uma instituição total pode ser definida como são invadidos ou coibidos de existir – como no
um local de residência e trabalho onde um grande caso da proibição de objetos pessoais ou a deter-
número de indivíduos com situação semelhante, minação de realizar certas tarefas em momentos
separados da sociedade mais ampla por considerá- pré-estabelecidos. O espaço pessoal tal qual define
vel período de tempo, levam uma vida fechada e Sommer10, seria ao mesmo tempo um território
formalmente administrada8 (p. 11). portátil, afinal, podemos leva-lo para onde for-
Uma das características das instituições totais mos, e também seria “(...) uma área com limites
é o seu caráter de “fechamento” ao mundo social, invisíveis que cercam o corpo das pessoas, e na
impondo barreiras, inclusive físicas (muros altos qual os estranhos não podem entrar”10 (p. 32).
e portas fechadas, por exemplo), que impedem Um dos horrores de qualquer reclusão é nunca
a relação do interno com o mundo exterior. Tais se poder estar só. No meio daquela multidão, há
instituições são destinadas àqueles que a socie- sempre um que nos vem falar isto ou aquilo. No
dade entende como inúteis ou representantes Hospício eu ressenti esse incômodo que só pode
de uma certa ameaça à comunidade, por isso as ser compreendido por quem já se viu recolhido a
prisões, mas também os manicômios. Em ditas qualquer prisão; lá, porém, é pior do que em outra
instituições, as pessoas que nela ficam internadas, qualquer (...)11 (p. 166).
passam por um processo de subjetivação deno- Lima Barreto esteve internado no Hospício
minado mortificação do eu8. Nacional de Alienados, na Praia Vermelha, em in-
Fui internada no IP. Minha primeira impres- ternações entre os anos de 1910 e início de 1920.
são foi de pânico. Abriram-me uma porta, vi-me O sentimento que Lima Barreto transpõe para
diretamente no refeitório. As mesas cinzentas de o papel, faz-nos lembrar que aquilo que parece
pedra, algumas doentes despenteadas, com os ca- simples e básico em nossas relações pode sim-
belos em pé, fizeram-me recuar. Uma enfermeira plesmente ser ignorado ao adentrar essas insti-
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tuições. O território do eu é violado, ou seja, “(...) munidades Terapêuticas, o que na experiência de


a fronteira que o indivíduo estabelece entre seu ser Trieste torna-se inviável. Logo, seria necessário
e o ambiente é invadida e as encarnações do eu são acabar com o hospital psiquiátrico. Mas em 1964
profanadas”8 (p. 31). ele falava do sistema de “porta aberta”, um espaço
Contemporâneo de Goffman, Russell Barton, sem grade, sem portões, o que daria “(...) ao do-
psiquiatra estadunidense que atuava em Hospi- ente a percepção de estar vivendo num lugar de
tais Psiquiátricos, cunhou, a partir de observa- tratamento onde pode conquistar gradativamen-
ções e estudos do próprio ambiente de trabalho, te a sua relação com os ‘outros’, com quem cuida
o termo neurose institucional. A escolha pelo ter- dele, com seus companheiros”13 (p. 31). A mesma
mo neurose reflete a sua formação em psiquiatria pergunta que rondará a cabeça de Basaglia nos
(à época embasada nas estruturas da psicanáli- anos seguintes é a que fazemos agora: é possível
se) ao mesmo tempo que demarca o objetivo do produzir um cuidado antimanicomial em uma
autor que é o de compreender a neurose insti- instituição com características asilares?
tucional como uma doença. Esta, apesar de não Essa pergunta que cercava os pensamentos
ter uma única causa certa e definida, é associada de Basaglia parece estar ainda nos dias atuais
com alguns fatores do ambiente, dentre eles, a ar- nos pensamentos de muitos militantes, teóricos
quitetura em que o interno vive e se caracteriza e profissionais do campo. Uma dessas pessoas é
pelos seguintes sintomas: apatia, falta de iniciati- Mirian de Carvalho, doutora em Filosofia que
va, perda de interesse, falta de expressão de sen- desenvolveu pesquisas com arquitetos do Pro-
timentos e falta de interesse no futuro. Às vezes, grama de Pós-Graduação em Arquitetura da
toda essa apatia dá lugar a episódios pontuais de Universidade Federal do Rio de Janeiro sobre os
agressão que, normalmente, são atribuídos à “do- problemas pertencentes à relação entre ambiente
ença mental.”12 construído e comportamento espacial. Partindo
Se observarmos, constataremos que há uma da hipótese de que o espaço construído interfe-
proximidade entre os sintomas da neurose ins- re no comportamento dos que transitam nele,
titucional e alguns sintomas classificados como Carvalho14 realizou observação participante em
psiquiátricos. Assim, ao caracterizá-los como sin- instituições psiquiátricas. Um dos desdobramen-
tomas que ocorrem em consequência de uma vi- tos dessa pesquisa aponta para uma interferência
vência em um hospital psiquiátrico, deslocamos significativa desses espaços no comportamento
a ideia de recaída do interno para algo produzi- dos usuários das instituições, no que ela vai de-
do dentro da própria instituição. Apesar de nos nominar de síndrome espaço-comportamental.
distanciarmos de Barton em alguns momentos Um eu mortificado é aquele que não habita
de sua categorização, principalmente no que se o espaço da instituição e sim, apenas nela mora.
refere a trata-la como doença, o que colocaria o Afinal, ao contrário do espaço de moradia, “no
interno sob mais uma camada do poder médico, espaço habitável o indivíduo faz escolhas, modi-
esse deslocamento se apresenta como um avanço fica o ambiente, podendo sair e entrar livremente
na questão. (...)”15 (p. 126). Os manicômios, como uma ins-
Franco Basaglia, em uma Comunicação no I tituição total, por concepção, são constituídos
Congresso Internacional de Psiquiatria Social em para que eles modifiquem os sujeitos, enquanto
Londres quando era diretor do hospital psiquiá- que o contrário é interditado. As normas ditas
trico em Gorizia, no ano de 1964, retoma Barton ou não-ditas que fazem parte dessas instituições
para falar dos efeitos da neurose institucional. e atravessam a vida dos internos são capazes de
Assim, quando o doente entra no asilo, aliena- produzir “respostas comportamentais relaciona-
do pela enfermidade, pela perda das relações pesso- das com espaços mal projetados”16 (p. 322).
ais com o outro e, portanto, pela perda de si mes- A imbricação entre loucura e arquitetura
mo, em vez de encontrar ali um lugar onde possa faz com que seja urgente trabalhar os espaços
libertar-se das imposições dos outros sobre si e re- que destinamos ao cuidado daqueles que estão
construir seu mundo pessoal, depara-se com novas em sofrimento psíquico, por isso, “(...) a doença
regras que impelem a objetificar-se cada vez mais, mental torna-se um observatório indispensável
até identificar-se com ela13 (p. 25). para o arquiteto e para quem quer analisar cri-
O que Basaglia está defendendo é a impossi- ticamente a perda progressiva do tecido social
bilidade de um tratamento em uma instituição e dos espaços experimentados pela cidade”17 (p.
com as características asilares. Nesse momento 57). Carvalho14 alerta para a importância de se
ele ainda acreditava que era possível uma certa realizar estudos no âmbito do processo da RPB
reforma e transformação desses espaços em Co- por considerar que a crescente implantação de
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serviços substitutivos deve garantir os preceitos ção daqueles que são considerados loucos como
deste processo. Acreditamos que esses estudos no controle e na normatização da cidade que ha-
colaborariam com o desenvolvimento de estra- bitam.
tégias e políticas que rompessem com a lógica A loucura no Brasil nem sempre foi a lou-
manicomial e tivessem no seu âmago a ocupação cura do manicômio. Esse processo é produzido
da cidade. pari passu com a expansão e transformação das
grandes cidades em cidades modernas baseadas
Por uma cidade onde desconhecidos nos ideais burgueses. E é em nome desses ideais
se encontrem que “bairros inteiros passam a ser desapropria-
dos e demolidos, empurrando para a periferia as
Foucault18 nos faz pensar, no espaço enquanto classes pobres e minorias, em privilégio de uma
expressão das tecnologias de poder e que, portan- classe burguesa”23 (p. 206). Tal reorganização das
to, dá-se em um certo contexto, não sendo uma grandes cidades no Brasil ocorre no século XIX
simples expressão de uma época. Esta premissa após a chegada da Família Real com o objetivo
também é defendida pela socióloga francesa Ma- de transformá-las aos moldes das grandes metró-
rion Segaud que trabalha com a interseção entre poles europeias. Assim, o saber médico desem-
sociologia, antropologia e arquitetura. A autora penha um papel fundamental na normatização
afirma “que o espaço não é uma noção homogê- das cidades, transformando-as em um espaço
nea, mensurável, existente a priori, independen- de atuação de suas práticas e, em consequência,
temente das culturas, dos tempos históricos e das transformando a sociedade em seu objeto de in-
representações que uns e outros fazem dela”19 (p. tervenção3. É neste contexto, que diferentes párias
20-21). Nessa perspectiva antropológica conside- sociais são enquadradas como “desarrazoados” e
ra-se que a relação do indivíduo e do grupo com empurrados para os manicômios que também
o espaço corrobora com a identidade de cada ficavam nas periferias da “cidade moderna bela e
um. Assim, a pedagogia do espaço é a forma de organizada” em uma dinâmica de medicalização
entender os espaços como instrumentos de saber da loucura, que configurava uma questão social e
e poder, que possuem uma eficácia social que é higienista capturada pelo interesse científico e o
frequente na nossa sociedade ao mesmo tempo discurso do progresso24.
que pode ser problemática. Ao longo desse processo de medicalização e
Quando no século XVIII a arquitetura so- exclusão da loucura da cidade, foram diferentes
fre uma especialização enquanto campo que se os espaços ocupados pelos loucos – embora a
articula com as questões da sociedade – saúde e finalidade de segregação perpassasse todos eles.
urbanismo –, percebemos um deslocamento do Assim, desde a inauguração do Hospício de Pe-
foco do poder da figura soberana para as pes- dro II em 1852 foram inaugurados, até 1886,
soas, para os seus corpos e para os seus cotidia- mais oito estabelecimentos iguais a esse nas
nos. Com isso, a arquitetura passa a incidir nos grandes cidades brasileiras. O tempo passava,
espaços que permeiam a vida, tais como a casa, os hospícios lotavam e o poder médico ganhava
a escola e o hospital. A arquitetura torna-se “a cada vez mais centralidade. O advento da Repú-
arte que determina e articula o espaço”20 (p. 6), blica traz novas transformações nas cidades bra-
afinal, a “arquitetura é, antes de mais nada, cons- sileiras e o Rio de Janeiro, como capital, passará
trução; mas, construção concebida com o propó- por mais uma transformação urbana. Em 1902,
sito primordial de ordenar e organizar o espaço na presidência de Rodrigues Alves e no governo
para determinada finalidade e com determinada do prefeito Francisco Pereira Passos, são inicia-
intenção”21 (p. 246). O que presenciamos é a as- das grandes reformas urbanas e de saneamento.
sociação entre o poder disciplinar e o biopoder, Novamente tentando se equiparar às cidades eu-
articulação que no Brasil começa a ocorrer for- ropeias com suas grandes avenidas, despejou-se,
temente no século XIX. Nesta relação, as técnicas sem nenhuma compensação financeira, mora-
disciplinares funcionam como um instrumento dores dos cortiços da região central e portuária
de regulação da vida e de normalização dela, pois com o pretexto de reestruturação. Na sua grande
o biopoder como “um poder que tem a tarefa de maioria, os moradores da região eram negros,
se encarregar da vida terá necessidade de meca- desempregados e pobres que não cabiam mais
nismos contínuos, reguladores e corretivos”22 (p. nessa nova cidade. As Colônias ganhavam, assim,
134). É essa mesma relação ou associação entre novos candidatos. Nos anos seguintes a criação
os poderes que encontramos tanto nos espaços de Colônias se amplia e se espalha para outras ci-
específicos destinados ao controle e à normatiza- dades da República. Sabemos onde esse processo
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nos levará: às superlotações, a incontáveis infrin- Mas a cidade nem sempre teve sua principal
gimentos dos direitos humanos, a iatrogenias, à característica na aglomeração de pessoas e mui-
segregação extrema, enfim, às barbacenas. to menos no seu potencial econômico e indus-
A Reforma Psiquiátrica Brasileira, deflagra- trial. Na Grécia Antiga, por exemplo, o conceito
da nos anos 1970 por profissionais, usuários e de pólis implicava no fato de política e cidade se
familiares, acadêmicos e membros da sociedade manterem ligadas, afinal esse era o espaço onde
civil, instaurou um processo de transformação as pessoas conseguiam expressar uma unidade.
em diversos âmbitos e instâncias com inspiração Pagot27 indica que foi a concepção romana de
em outras experiências de Reformas Psiquiátri- cidade que influenciou as urbanizações contem-
cas pelo mundo visando a superação do paradig- porâneas e não a concepção grega, já que a cidade
ma manicomial. Uma das estratégias para essa romana criou a geometria do espaço não se base-
superação era a ocupação e a retomada da cida- ando na união e sim na divisão.
de pelas diferentes vivências da loucura. Assim, Se enveredarmos para o campo da Geogra-
experiências locais de assistência constroem-se fia, esbarramos com a definição de Milton San-
como dispositivos de base territorial, projetos tos, que considera que a “(...) cidade constituiu
de desinstitucionalização são implantados para uma forma particular de organização do espaço,
proporcionar aos egressos de longas internações uma paisagem e, por outro lado, preside às rela-
o retorno ao convívio na cidade e experiências de ções de um espaço maior, em seu derredor, que
arte e cultura e economia solidária também ga- é sua zona de influência”28 (p. 7). Já o geógrafo
nham destaque nesse processo. francês Pierre George traz um conceito de cidade
Quando nos referimos as noções de território que conversa com o tempo histórico e com a so-
e territorialidade, não estamos aludindo somente ciedade. Assim, a cidade seria ao mesmo tempo
a articulação dos conceitos de distância, acessibi- um acontecimento histórico e geográfico, onde
lidade e tempo, o que é comumente trabalhado sua forma representa o elo entre o passado e o
nas análises de distribuição de serviços de saúde. presente29. Henri Lefebvre, sociólogo francês de
Estamos propondo uma noção de território que orientação marxista, ao falar de cidade, diz bus-
englobe os sentidos, os significados e as produ- car na filosofia algo que os outros campos não
ções de relações de um determinado lugar. Esse são capazes de lhe dar: a totalidade da cidade.
território que é, ao mesmo tempo, físico e sim- Pensando nessa totalidade ele afirma que
bólico, está em constante construção e disputa, a cidade projeta no terreno uma sociedade,
portanto, ao ocupar a cidade é necessário pensar uma totalidade social ou uma sociedade conside-
que cidade queremos e é por isso que ao longo rada como totalidade, compreendida sua cultura,
desse processo de RPB, necessitamos revisitar e instituições, ética, valores, em resumo, suas supe-
(re)construir possibilidades ideais de cidade que restruturas, incluindo sua base econômica e as rela-
possam funcionar como um elemento norteador. ções sociais que constituem sua estrutura propria-
Certamente há tantas maneiras de conceber mente dita30. (p. 141)
cidade quanto há cidades25, mas então, como sa- Seguindo o pensamento de Lefebvre, se pro-
ber que cidade devemos construir no processo de jetamos na cidade a nossa cultura e as nossas
RPB? Ou por qual concepção ideal de cidade de- relações, isso nos diz que projetamos também
vemos lutar? Além de inúmeras, as concepções de na cidade as nossas segregações. Dessa maneira,
cidade são disputadas pelos campos de saber que mulheres, negras, negros, pessoas LGBTQI+, po-
a concebem. A compreensão mais básica e acessí- bres, loucas e loucos e suas intersecções ocupam
vel a todos nós pode ser encontrada no dicioná- lugares à margem na cidade (metaforicamente e
rio. Em uma busca em três dicionários diferentes concretamente). Mesmo sabendo que esse não é
– Aurélio, Michaelis e Priberam –, encontramos o tema principal desse artigo, é mandatório que
definições bem próximas, que enfatizam a exis- fique registrado que, historicamente, os grupos
tência de grande quantidade de pessoas e focam minoritários ocuparam mais os asilos, os mani-
no fato dessas pessoas trabalharem em indústrias cômios e os hospitais psiquiátricos – e não es-
e serviços, em oposição ao que acontece no cam- queçamos das cadeias –, em uma ação perversa
po. Dessa forma, Ferreira26 define cidade como de enclausurar pelas vias do poder médico toda a
“complexo demográfico formado, social e econo- sorte de indesejáveis à sociedade industrial bur-
micamente, por uma importante concentração guesa. Barros et al.31, em um estudo sobre os mo-
populacional não agrícola, dedicada a atividades radores dos hospitais psiquiátricos de São Paulo,
de caráter mercantil, industrial, financeiro e cul- constataram que, em relação ao censo demográ-
tural; urbe”. fico do estado, há uma maior proporção de ne-
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gros nos hospitais psiquiátricos por não terem suas relações sociais, políticas, econômicas e religio-
renda e/ou lugar para morar. Isso constata que sas. Sua experiência ao longo do tempo é determi-
a população negra sofre historicamente proces- nada pela necessidade humana de se agregar, de se
sos ininterruptos de abandono e apartamento social. inter-relacionar, de se organizar em torno do bem
O lugar por excelência do abandono e exclusão é o -estar comum; de produzir e trocar bens e serviços,
manicômio, assim como outras instituições totais. de criar cultura e arte; de manifestar sentimentos e
Os dados consolidados comprovaram que à popu- anseios que só se concretizam na diversidade que a
lação negra cabe a injusta posição de prioritária no vida urbana proporciona27. (p. 23)
ranking da exclusão social nos hospitais psiquiátri- Em suma, o que propomos é uma cidade que
cos do estado de São Paulo31 (p. 1240). promova o encontro com o desconhecido, com o
Assim, se a cidade reserva um lugar às suas diferente, que o aceite, que seja uma construção
margens para os excluídos, temos, desde a criação coletiva, uma cidade que seja permeável. Acredita-
dos primeiros hospitais psiquiátricos, a distância mos que a concepção de cidade aberta seja a que
dos grandes centros urbanos como uma condi- mais abraça todos esses ideais e por isso, propo-
ção. Era assim no Hospital de Bicêtre – dirigido mos que adotemos essa cidade aberta como uma
por Philippe Pinel –, era assim no Hospício de diretriz ao pensar em estratégias e políticas de saú-
Pedro II quando da sua criação. Se Sennett25 de- de mental nas diferentes dimensões do processo
fine cidade como “uma povoação humana onde de RPB. Pelo encontro. Por uma cidade aberta.
é provável que desconhecidos se encontrem” (p.
39), esses modos de construção e planejamento
das cidades modernas tentam promover o oposto. Considerações finais:
Dessa forma, cheia de muros, barreiras, divisões construindo a dimensão espacial
reais ou imaginárias, tornam-se cidades que não da Reforma Psiquiátrica Brasileira
estão preparadas para os diferentes.2 Em seu livro
mais recente, Construir e Habitar: ética para uma Se conseguimos construir e apontar para a po-
cidade aberta, Sennett32 discute a possibilidade de tencialidade das arquiteturas e dos espaços na
as construções promoverem mais encontros entre produção de relações e subjetividades; se somos
desconhecidos, no que ele chama de cidade aberta: capazes de entender que as análises, as políticas
uma cidade que é permeável, com espaços convi- e a implantação de estratégias devem discutir
dativos e que, em suma, inclui a diferença. Pensan- essa potencialidade; se conseguimos pensar em
do no desafio de construir uma cidade que possa um ideal de cidade que nos ajudaria e orientaria
promover tais encontros, Sennett32 divide a cidade tanto no campo prático quanto epistemológico
em duas: a cidade em sua forma construída, a ville, de superação do paradigma manicomial, não se-
e a cidade em sua forma de experiência vivida, a ria interessante que essa discussão pudesse estar
cité. O autor chama atenção para a dualidade e a estruturada como uma ferramenta de análise?
disputa dessas duas formas de cidade e, inclusive, Como dar centralidade a essa discussão no pro-
lança um questionamento a si próprio, indagando cesso de RPB?
se a resposta para criar uma cidade aberta seria Como já foi mencionado na introdução
dar mais poder aos cidadãos. Como diz McGuirk33 do artigo, entendemos a Reforma Psiquiátrica
fica claro que Brasileira enquanto um processo permanente e
“Construir e habitar” é a tentativa de Sennett contínuo, pautado na mobilização social no que
de responder a essa pergunta. E ele tem quase que Rotelli et al.5 ao falar das reformas psiquiátricas,
um apego Taoista à harmonia e ao equilíbrio. Dê denomina de processo social complexo. Tal pro-
aos arquitetos e planejadores muito controle e a cité cesso social complexo já foi analisado e catego-
sofre; tenha muita fé nos cidadãos e a a ville definha. rizado por muitos teóricos do campo através de
A cidade aberta que Sennett imagina é uma que re- diferentes pontos e categorias de análise. Ama-
quer que nós aceitemos a diferença, mesmo que nós rante6,7, dentre autores influentes e importantes
não nos identifiquemos com ela. do campo, objetivando uma reflexão sistemati-
A partir desse ideal de cidade de Sennett32, po- zada sobre o processo de RPB, propõe analisa-lo
demos pensar em uma cidade que é um ímã, ou através de dimensões. Afinal, “(...) um processo
seja, uma cidade que é “um campo magnético, que social complexo se constitui enquanto entrela-
atrai, reúne e concentra os homens”34 (p. 12), mas çamento de dimensões simultâneas, que ora se
que, ao mesmo tempo, também é uma cidade que alimentam, ora são conflitantes; que produzem
(...) é fruto do trabalho coletivo de uma socieda- pulsações, paradoxos, contradições, consensos,
de. Nela está materializada a história de um povo, tensões.”7 (p. 63)
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Paladino L, Amarante PDC

Dessa forma, o autor propõe quatro dimen- saúde mental através do rompimento com a cen-
sões essenciais: a teórico-conceitual ou epistemo- tralidade dos espaços de cuidado estritamente de
lógica que, através da ruptura com os preceitos saúde e com as estruturas arquitetônicas mani-
basilares da psiquiatria clássica e a visão biológica comiais. É importante ressaltar, que para que a
reducionista da história natural da doença, cons- dimensão espacial se cumpra é necessário não só
trói o seu próprio campo teórico-conceitual que modificar as arquiteturas ou os espaços, mas sim,
procura o diálogo entre os diferentes campos e trabalhar as outras dimensões para que se rompa
disciplinas que estão relacionadas ao cuidado da de fato o paradigma manicomial, evitando que
loucura; a sociocultural que procura transformar se produzam práticas manicomiais em serviços
o imaginário social da loucura construído histo- substitutivos.
ricamente, onde o louco ocupa uma posição des- Tanto quanto há maneiras singulares e inú-
qualificada e, às vezes, é categorizado pelo estigma meras de experienciar a loucura, há possibili-
da periculosidade; a jurídico-política que procura dades múltiplas de construções de espaços de
construir novas pactuações de poder através da cuidado em saúde mental. Por isso, não pode-
ação de protagonistas e diferentes atores desse mos cair na armadilha de desejar um modelo de
processo que possam impulsionar e embasar, por espaço construído predefinido e engessado por
meio da política e da esfera jurídica, uma trans- alguma lei ou política pública. Isso representaria
formação social; a técnico-assistencial que está o fim da criatividade e desrespeitaria os sentidos
relacionada com a prática e a teoria, ou seja, com de cada território, onde o a experiência-loucu-
a práxis, onde se propõe uma nova organização ra e os significados de assistência e cuidado são
de serviços que possa promover rede de apoio, próprios daquele lugar. É claro que precisamos
espaços de sociabilidade, geração de renda, mora- trabalhar melhor os parâmetros para o que de-
dia e produção de vida6,35. Ao que tudo aponta, a finimos como dispositivos substitutivos e isso se
discussão dos espaços estaria mais conectada com faz urgente. Ainda mais na atualidade, momento
esta última dimensão. Mesmo sabendo que as di- em que os hospitais psiquiátricos voltam à Rede
mensões são dinâmicas e não estanques, acredi- de Atenção Psicossocial e o conceito de serviço
tamos que esta dimensão e nem nenhuma outra substitutivo vem sendo dirimido.
consigam dar conta da centralidade necessária Mas por que introduzir uma nova dimensão
que a discussão dos espaços da loucura merece. se podemos debater e analisar as questões dos es-
Dito isto, propomos que pensemos em uma nova paços de cuidado através das outras já propostas?
dimensão para discutir o processo de Reforma Bom, além de poder debater com mais especifi-
Psiquiátrica Brasileira: a dimensão espacial. cidades a questão, estaríamos dando ao espaço
Essa dimensão abarca tudo o que discutimos construído um lugar de destaque e chamando
ao longo desse artigo, portanto, para trabalhar a atenção para o campo da saúde mental e saúde
dimensão espacial da reforma é necessário enten- coletiva de que esse é um fator fundamental no
der a arquitetura como um campo de saber ca- nosso processo de reforma. Fator esse que, mui-
paz de conceber espaços que produzem relações tas vezes, passa desapercebido ou que toma um
e subjetividades; a partir disso, é preciso pensar lugar periférico nas discussões. E, então, quais
quais relações e subjetividades estamos tentando são os desafios dessa dimensão? O maior desafio
produzir e facilitar; é necessário entender que os enfrentado por essa dimensão, sem dúvida, é a
espaços em si e suas arquiteturas físicas e concre- superação do paradigma manicomial-arquitetô-
tas fazem parte de processos subjetivos e que por nico.
isso merecem atenção; que os espaços de cuidado Se o processo da Reforma Psiquiátrica Bra-
em saúde mental devem ser pensado juntamen- sileira é complexo e, portanto, vivo e dinâmico,
te com o ideal de cidade que se pretende e tentar também são as dimensões construídas e elegidas
construir os dois de uma forma dialógico é es- para sua análise. Dito isto, esperamos que essa
sencial; que o território físico e simbólico devem discussão e aprofundamento da dimensão espa-
ser levados em consideração; e que os espaços da cial não se encerre nesse artigo. Nós continuare-
loucura devem estar para além da construção de mos a desenvolvê-la e almejamos que as articula-
dispositivos de assistência em saúde mental, em ções feitas aqui se desdobrem como um convite
uma lógica intersetorial e integral de saúde. para que outros estudiosos se interessem e cola-
Assim, a dimensão espacial procura trans- borem com a expansão dessa dimensão e, conse-
formar o paradigma manicomial de cuidado em quente, fortalecimento da luta antimanicomial.
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Ciência & Saúde Coletiva, 27(1):7-16, 2022


Colaboradores Referências

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Artigo apresentado em 31/10/2020


Aprovado em 16/10/2021
Versão final apresentada em 18/10/2021

Editores-chefes: Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura


da Silva

CC BY Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons

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