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ETIOPATOGENIA DOS TRANSTORNOS DE HUMOR.

USO CLÍNICO DOS ANTIDEPRESSIVOS E DOS


ESTABILIZANTES DO HUMOR. USO CLÍNICO E
INDICAÇÕES DA ELETROCONVULSOTERAPIA.

MULHER PASSANDO ROUPA, 1904 - PABLO PICASSO


GABRIEL JOSÉ TORRES DA SILVA
LEONARDO GAZZANEO TOURINHO
LUCAS VICENTE RODRIGUES
STHYLLA DA CONCEIÇÃO ANTÃO
ZION CARVALHO DA SILVA

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DE ALAGOAS


PSIQUIATRIA | PROF. DR. FLÁVIO SOARES
PABLO PICASSO

‘’COLORES, COMO CARACTERÍSTICAS, SIGUEN LOS CAMBIOS DE LAS EMOCIONES’’


AUTO-RETRATO, 1901 - PABLO PICASSO


PABLO RUYZ Y PICASSO É UM FAMOSO ARTISTA ESPANHOL RECONHECIDO POR SUAS
CONTRIBUIÇÕES PARA O CUBISMO. ANTES DISSO, PORÉM, ENTRE 1901 E 1904, O
ARTISTA PASSOU PELO SEU "PERÍODO AZUL", QUE MARCA O INÍCIO DA TRANSIÇÃO
DE UMA ARTE MAIS ACADEMICISTA PARA UM ESTILO PRÓPRIO. DURANTE ESTA FASE,
PICASSO, INFLUENCIADO PELO SUICÍDIO DE SEU MELHOR AMIGO, PINTOU UMA
SÉRIE DE OBRAS MARCADAMENTE MELANCÓLICAS, EM QUE A COR AZUL SE FAZ EM
DESTAQUE. À ÉPOCA, ESTAS NÃO FORAM MUITO APRECIADAS, LEVANDO O ARTISTA A
UMA MÁ SITUAÇÃO ECONÔMICA, QUE TROUXE AINDA MAIS FRUSTRAÇÕES A SEU
PERÍODO DE HUMOR DEPRIMIDO. APESAR DISSO, LHE AJUDARAM A PASSAR POR
ESTE E, ATUALMENTE, MUITO CONTRIBUEM PARA O ESTUDO DOS TRANSTORNOS DO
HUMOR, DO PROCESSO DE LUTO E SUAS REPERCUSSÕES SOBRE AS EMOÇÕES.
Sumário
INTRODUÇÃO.....................................................................................................6

SEÇÃO 01. ETIOPATOGENIA DOS TRANSTORNOS DE HUMOR....................................7


1.0 ASPECTOS FUNDAMENTAIS DO SISTEMA LÍMBICO.............................................................8
2.0 HIPÓTESE NEUROADRENÉRGICA DOS TRANSTORNOS DO HUMOR......................................10
2.1 ALTERAÇÕES EM SISTEMAS MONOAMINÉRGICOS.............................................................10
2.2 ALTERAÇÕES EM RECEPTORES MONOAMINÉRGICOS.........................................................11
2.3 ALTERAÇÕES EM FATORES NEUROTRÓFICOS - A HIPÓTESE DO BDNF..................................11
2.4 ALTERAÇÕES IMUNO-ENDÓCRINAS E OS TRANSTORNOS DO HUMOR..................................13
2.5 A HIPÓESE GLUTAMATÉRGICA........................................................................................13

SEÇÃO 02: USOS CLÍNICOS DE ANTIDEPRESSIVOS...............................................15


1.0 ANTIDEPRESSIVOS – VISÃO GERAL E CLASSES...............................................................16
2.0 MECANISMOS DE AÇÃO DE ANTIDEPRESSIVOS SELECIONADOS.......................................18
2.1. IMIPRAMINA................................................................................................................18
2.1.1 MECANISMO DE AÇÃO.................................................................................................18
2.1.2 INDICAÇÕES CLÍNICAS...............................................................................................19
2.1.3 POSOLOGIA...............................................................................................................19
2.1.4 EFEITOS ADVERSOS E INTERAÇÕES..............................................................................19
2.2. FLUOXETINA...............................................................................................................20
2.2.1 MECANISMO DE AÇÃO................................................................................................20
2.2.2 INDICAÇÕES CLÍNICAS..............................................................................................20
2.2.3 POSOLOGIA...............................................................................................................21
2.2.4 EFEITOS ADVERSOS E INTERAÇÕES.............................................................................21
2.3. VENLAFAXINA.............................................................................................................21
2.3.1 MECANISMO DE AÇÃO................................................................................................21
2.3.2 INDICAÇÕES CLÍNICAS..............................................................................................22
2.3.3 POSOLOGIA..............................................................................................................22
2.3.4 EFEITOS ADVERSOS E INTERAÇÕES............................................................................22

2
Sumário
2.4.MIRTAZAPINA..............................................................................................................22
2.4.1 MECANISMO DE AÇÃO................................................................................................22
2.4.2 INDICAÇÃO CLÍNICA E POSOLOGIA..............................................................................23
2.4.3 EFEITOS ADVERSOS E INTERAÇÕES............................................................................23

SEÇÃO 03. ESTABILIZANTES DO HUMOR: O CARBONATO DE LÍTIO E SEUS USOS.....24


1.0 CARBONATO DE LÍTIO - INTRODUÇÃO..............................................................................25
2.0 MECANISMOS DE AÇÃO DO CARBONATO DE LÍTIO...........................................................25
3.0 USOS CLÍNICOS...........................................................................................................26
3.1 TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR.....................................................................................26
3.2 OUTRAS APLICAÇÕES DO LÍTIO......................................................................................27
4.0 CUIDADOS DE USO.......................................................................................................28
5.0 POSOLOGIA ...............................................................................................................29
6.0 EFEITOS ADVERSOS E PRINCIPAIS INTERAÇÕES.............................................................29

SEÇÃO 04: USOS CLÍNICOS E INDICAÇÕES DA ELETROCONVULSOTERAPIA.............30


1.0 INTRODUÇÃO...............................................................................................................31
2.0 MECANISMOS DE AÇÃO.................................................................................................31
2.1. HIPÓTESE NEUROFISIOLÓGICA......................................................................................31
2.2. HIPÓTESE NEUROBIOQUÍMICA......................................................................................32
2.3. HIPÓTESE NEUROPLÁSTICA.........................................................................................33
3.0 INDICAÇÕES CLÍNICAS.................................................................................................33
3.1 TRANSTORNO DEPRESSIVO MAIOR.................................................................................33
3.2 CATATONIA.................................................................................................................33
3.3 EPISÓDIOS MANÍACOS.................................................................................................34
3.4 ESQUIZOFRENIAS........................................................................................................34
3.5 OUTRAS INDICAÇÕES...................................................................................................35
4.0 EVENTOS ADVERSOS...................................................................................................35
4.1 EFEITOS COGNITIVOS...................................................................................................35

REFERÊNCIAS..................................................................................................36

3
Índice de Figuras
FIGURA 1. CARACTERÍSTICAS DOS POLOS DOS DISTÚRBIOS DO HUMOR...........................6

FIGURA 2. REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DOS COMPONENTES DO SISTEMA LÍMBICO.....8

FIGURA 3. FUNÇÕES INIBITÓRIAS DA HABÊNULA SOBRE AS MONOAMINAS......................9

FIGURA 4. REPRESENTAÇÃO DA SINAPSE SEROTONINÉRGICA........................................10

FIGURA 5. AÇÕES NEUROTRÓFICAS DO BDNF SOBRE OS DENDRITOS..............................12

FIGURA 6. REPRESENTAÇÃO DA ALÇA DE FEEDBACK DA PRODUÇÃO DE CORTISOL............13

FIGURA 7. ESQUEMA DAS PRINCIPAIS HIPÓTESES CONTIDAS NA TEORIA


NEUROADRENÉRGICA................................................................................................14

FIGURA 8. ALGUNS MARCOS HISTÓRICOS DO DESENVOLVIMENTO DOS


ANTIDEPRESSIVOS....................................................................................................16

FIGURA 9. MECANISMO DE AÇÃO DA IMIPRAMINA SOBRE O NET...................................18

FIGURA 10. MECANISMO DE AÇÃO DA FLUOXETINA SOBRE O SERT................................20

FIGURA 11. ALVOS DE AÇÃO FARMACOLÓGICA DA MIRTAZAPINA....................................22

FIGURA 12. MECANISMOS INTRACELULARES ACEITOS PARA AÇÃO DO LÍTIO...................25

FIGURA 13. REPRESENTAÇÃO DOS EFEITOS DO LÍTIO SOBRE A SÍNTESE DE


NEUROTROFINAS......................................................................................................26

FIGURA 14. SÍNTESE DOS MECANISMOS NEUROBIOQUÍMICOS DA


ELETROCONVULSOTERAPIA........................................................................................32

FIGURA 15. PRINCIPAIS INDICAÇÕES CLÍNICAS DA ELETROCONVULSOTERAPIA..............34

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Índice de Tabelas
TABELA 1. CLASSIFICAÇÃO DOS ANTIDEPRESSIVOS E SEUS PRINCIPAIS
REPRESENTANTES....................................................................................................................17

TABELA 2. PRINCIPAIS EFEITOS ADVERSOS E INTERAÇÕES DA IMIPRAMINA.............................19

TABELA 3. PRINCIPAIS EFEITOS E INTERAÇÕES RELACIONADOS À FLUOXETINA.........................21

TABELA 4. PRINCIPAIS EFEITOS E INTERAÇÕES RELACIONADOS À MIRTAZAPINA......................23

TABELA 5. INDICAÇÕES CLÍNICAS DO CARBONATO DE LÍTIO E SEUS EFEITOS DESEJADOS.........27

TABELA 6. CUIDADOS NO USO DO LÍTIO E AS RESPECTIVAS MEDIDAS......................................28

TABELA 7. PRINCIPAIS EFEITOS ADVERSOS E INTERAÇÕES DO CARBONATO DE LÍTIO................29

TABELA 8. PRINCIPAIS EFEITOS ADVERSOS ASSOCIADOS À ELETROCONVULSOTERAPIA...........35

5
condição com laços etiopatogênicos com
depressões unipolares e com o espectro
da esquizofrenia. Apresentam episódios
depressivos maiores intercalados com
períodos de mania ou hipomania.
Para melhor aproveitar o material,
No Transtorno Bipolar Tipo I, há ao
é necessário recapitular conceitos sobre
menos um episódio de mania ao longo do
Transtornos do Humor, que incluem
curso da doença, enquanto no Tipo II, há
Transtornos Unipolares (depressões
somente depressão maior e hipomania.
unipolares) e os Transtornos Bipolares.
Ao longo deste material, em
Das depressões unipolares,
diversas ocasiões serão reforçados os
destacam-se o Transtorno Depressivo
fenômenos presentes nestes transtornos,
Maior, Transtorno Depressivo Persistente e
para tornar didática a compreensão da
o Transtorno Disfórico Pré-Menstrual. São
etiopatogenia e de aspectos terapêuticos
caracterizados por apresentarem períodos
dos transtornos de humor.
depressivos que não são intercalados com
Dessa forma, segue-se uma breve
aqueles de mania/hipomania. revisão dos principais fenômenos clínicos
Entre as Desordens Bipolares, encontrados nos pólos destes transtornos
destaca-se o Transtorno Afetivo Bipolar, do humor:

6
MULHER EM AZUL, 1902 - PABLO PICASSO

1.ETIOPATOGENIA DOS
TRANSTORNOS DE HUMOR
foi Papez em 1937, que introduziu o
conceito de que seus componentes teriam
papel determinante no processamento
emocional e resposta comportamental
humanas (o dito ‘’Circuito de Papez’’).
Hoje, sabe-se que esse sistema é
Destacamos que os transtornos de ainda mais amplo e inclui áreas corticais
humor possuem patogenia complexa, que e subcorticais. Assim, abordaremos alguns
integra aspectos genéticos, psicossociais breves aspectos que permitam a
e biológicos. Contudo, para elucidar a compreensão da função destas áreas.
terapia destes distúrbios, enfocaremos Dentre as áreas corticais, o córtex
na hipótese neuroadrenérgica dos cingulado anterior se relaciona ao
transtornos do humor. processamento emocional, em especial
Logo, podemos recapitular alguns da tristeza. O córtex insular anterior
conceitos acerca do sistema límbico, o relaciona-se com a empatia, sensação de
conjunto de estruturas neuroanatômicas nojo e percepção subjetiva das emoções.
cujo papel é regular a expressão das Por fim, o córtex pré-frontal orbitofrontal
emoções e funções cognitivas. age como ‘’regulador’’ do processamento
A existência de um ‘’lobo límbico’’ e expressão das emoções, além da ação
foi levantada por Broca desde 1850, mas na manutenção da atenção, reforçando a

8
integração anatômica e funcional das Outros núcleos límbicos incluem a
funções psíquicas. área septal e o núcleo accumbens, que
As áreas límbicas subcorticais fazem parte do sistema mesolímbico, um
incluem hipotálamo, núcleos da base e a sistema secretor de dopamina
área septal. O hipotálamo é uma área relacionado ao prazer. Merece destaque
diencefálica com múltiplas funções, que a habênula apresenta uma ação
inclusive regulação visceral e expressão inibitória sobre este sistema e os sistemas
de respostas como raiva e medo (que se serotoninérgicos, o que justifica esta ser
integram às respostas autonômicas). muito estudada atualmente no âmbito de
Há núcleos da base componentes futuras terapêuticas mais direcionadas.
do corpo estriado (putâmen, globo pálido Merece destaque a amígdala, que
e núcleo caudado), cujas funções incluem se relaciona à expressão do medo, desejo
um circuito motor voluntário, um circuito sexual e reconhecimento de emoções,
límbico e o circuito pré-frontal, vinculado sendo a área límbica mais complexa e
à manutenção da atenção e supressão densa em neurotransmissores, incluindo a
comportamental. Desse modo, há várias serotonina, o que ajuda a explicar o uso
intersecções entre, psicomotricidade, dos antidepressivos em várias condições
vontade, atenção voluntária e emoções. como transtornos fóbico-ansiosos.

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Para concluir, vale destacar que
2.1. Alterações em Sistemas
uma série de áreas estão relacionadas à Monoaminérgicos
memória, como hipocampo (relacionado à
consolidação da memória), corpos Sistemas de monoaminas incluem
mamilares e várias áreas corticais. Essas, células produtoras de Serotonina (5-HT),
não estão dissociadas do sistema límbico Dopamina (DA) e Norepinefrina (NE). Tais
e, pelo contrário, recebem numerosas neurônios se distribuem em núcleos, que
conexões de estruturas como a amígdala se projetam ao sistema límbico e córtex.
o que se traduz em uma nítida influência Com o uso de antidepressivos
dos afetos sobre a memória e a cognição. Inibidores da Monoaminoxidase (IMAO) e
Após esta revisão conceitual, será Tricíclicos, foi que se começou a perceber
simples entender aspectos funcionais das que tais sistemas poderiam ter influência
hipóteses monoaminérgicas e como estas sobre os transtornos de humor. As teorias
ajudam a elucidar a gênese de fenômenos antes centralizavam em um transmissor,
presentes nos transtornos de humor. como a depleção da NE ou da 5-HT.

A compreensão da neuroquímica
dos transtornos de humor evoluiu muito
nos últimos 50 anos. Desde a descoberta
dos efeitos no humor da iproniazida,
vários esforços foram mobilizados para
entender a biologia destes sintomas.
Infelizmente, ainda não elucidam
totalmente as interfaces dos quadros de
humor. Porém, hipóteses envolvendo
monoaminas, seus receptores, fatores de Figura 4. Representação da sinapse

crescimento, alterações no cortisol e no serotoninérgica

transmissor glutamato, permitem uma


visão integrada da sua patogenia e Com o avançar das pesquisas, foi

norteiam as práticas psiquiátricas atuais. possível hipotetizar interações entre

10
estas monoaminas, já que a serotonina complementares para entender os efeitos
parece regular a secreção de NE e DA. crônicos dos antidepressivos.
Essas hipóteses foram bem recebidas,
pois poderiam integrar os dois pólos de
2.2 Alterações em Receptores
um transtorno de humor, assumindo que Monoaminérgicos
podem ter uma patogenia compartilhada.
Isso se encaixa com evidências de A ideia de que as monoaminas
que a função de estruturas como a presentes na fenda sináptica, por si só,
Habênula tem sua função aumentada no não levavam a uma melhora imediata dos
paciente deprimido. Como vimos, esta quadros depressivos, levaram à hipótese
inibe a ação das monoaminas, levando à de que, de fato, não estivessem atuando
menor ativação de centros de prazer. corretamente em seus receptores.
Estas evidências parecem explicar Nesse sentido, a hipótese dos
fenômenos como anedonia, hipobulia, receptores monoaminérgicos postula que
pensamentos negativos hipertenazes e há um período de adaptação dos
bradicinesia, afinal, com a queda das receptores 5-HT, DA e NE para que voltem
monoaminas, os sistemas de recompensa a ter sua excitabilidade desejada, só
e circuitos psicomotores são afetados. então levando à melhora clínica.
Aliás, a hipótese poderia também De fato, o tratamento crônico,
elucidar aspectos clínicos do Transtorno leva a alterações nos receptores para as
Obsessivo-Compulsivo e dos transtornos monoaminas, que tendem a reduzir sua
fóbico-ansiosos, que também respondem sensibilidade para estes transmissores.
ao uso de antidepressivos. Contudo, essa teoria não traz
Porém, havia inconsistências neste evidências suficientes que justifiquem
modelo, porque ele não explica porque que isto faz parte da resposta terapêutica
alguns pacientes respondem a um às drogas e não de uma simples resposta
antidepressivo, enquanto outros não. farmacodinâmica a uma grande exposição
Além disso, a hipótese não explica porque às monoaminas. Dessa forma, mais
levam semanas para que medicações hipóteses foram formuladas para embasar
antidepressivas ajam, se a elevação em mais a teoria monoaminérgica.
monoaminas se dá em poucas horas.
As alterações isoladas no sistema 2.3 Alterações Neurotróficas - A
das monoaminas não forneciam uma Hipótese do BDNF
justificativa para estas questões. Logo,
desenvolveram-se novas hipóteses A descoberta no século atual do
Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro

11
(BDNF, na sigla em inglês), permitiu Além disso, a neuroimagem
expandir os horizontes sobre a patogenia funcional evidenciou uma atrofia em
e tratamento de transtornos de humor. áreas límbicas importantes, como o
Após sua descoberta, o BDNF teve hipotálamo, o tálamo, o córtex
ações atribuídas que incluíam o aumento órbito-frontal, lobo temporal e corpo
da neurogênese e aumento das sinapses estriado. Alguns estudos apontam para
entre neurônios corticais e do hipocampo. algum grau de reversão desta atrofia após
A depleção neste fator de crescimento, o tratamento clínico bem sucedido de
conforme a hipótese, resultaria na perda transtornos do humor.
do suporte neuronal para a sobrevida dos Com o comprometimento de áreas
neurônios e realização de suas sinapses. vinculadas ao controle de impulsos e da
Evidências clínicas demonstraram cognição, a dificuldade em frear impulsos
que tanto a psicoterapia quanto o uso de suicidas e prejuízos à memória e
fármacos, permitiram o aumento deste inteligência encontrariam explicação.
fator em pacientes com algum transtorno Esta teoria não é excludente com
de humor (seja unipolar ou bipolar). a hipótese monoaminérgica, pois a

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privação dos fatores de crescimento O cortisol é tido como ‘’hormônio
poderia recair justamente sobre as do estresse’’, pois reduz a síntese de
sinapses do sistema neuroadrenérgico. diversas substâncias corporais, para que
Além disso, o tratamento se poupe energia e se vença o estressor.
farmacológico dos transtornos do humor Se esse for removido, o feedback neural e
passa a elevar os níveis de BDNF a partir hormonal pode restaurar a homeostase.
da segunda semana, o que coincide com o Mas se o stress persistir, o encéfalo pode
período em que o paciente começa a sofrer com a privação de vários fatores de
esboçar uma resposta clínica positiva. crescimento, incluindo o BDNF.
Dessa forma, é evidente que os
níveis de BDNF parecem se correlacionar
à atrofia de áreas límbicas e, dessa
maneira, a transtornos de humor. Mas
qual seria a explicação para essa queda
do BDNF? É com esse questionamento que
recorremos à imuno-endocrinologia.

2.4 Alterações Imuno-Endócrinas e os


Transtornos de Humor

Com os conhecimentos atuais de


imunologia e suas interações com a
neurologia, endocrinologia e a psicologia, Figura 6. Representação da alça de
aspectos antes obscuros sobre os feedback da produção de cortisol
transtornos de humor, caminham para sua
elucidação. Com essa depleção, há as
Os estudos atuais apontam que o consequências já descritas. Observamos
estresse ambiental e a inflamação crônica um avanço nesta hipótese, por incluir
podem levar ao aumento do cortisol. estressores de ordem ambiental.
Isso porque os mediadores da
inflamação e o estresse psíquico suscitam
2.5 A Hipótese Glutamatérgica
a liberação de cortisol. Pois ativam uma
cascata a nível hipotálamo-hipofisário,
Em alguns pacientes com
que culmina com a produção de ACTH e
transtornos depressivos, os níveis de
estímulo à liberação do cortisol adrenal.
BDNF se encontram normais ou elevados,
o que aponta que aspectos da teoria

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monoaminérgica podem não ser tais hipóteses entre si e com os fatores
universais, haja vista que há interações psicossociais, levando à compreensão
com diversos outros neurotransmissores global do que estas doenças representam.
nesses quadros, entre eles, o glutamato. Outra perspectiva é integrar os
Glutamato é um neurotransmissor estudos genéticos à etiopatogenia dos
excitatório cujos níveis estão aumentados transtornos do humor. Já se verificaram
em algumas áreas límbicas nos pacientes alterações de genes vinculados ao BDNF,
com transtornos de humor. O mecanismo cortisol, glutamato e transporte e síntese
como este se correlaciona com as de monoaminas nos transtornos de humor.
monoaminas e com o quadro depressivo A compreensão destas alterações poderá
ainda não está totalmente claro. trazer maior entendimento da patogenia
Contudo, antidepressivos atuais de transtornos do humor e suas terapias.
também agem reduzindo as sinapses Apesar de ainda não totalmente
glutamatérgicas. Além disso, o uso da elucidadas, teorias da neurobiologia em
cetamina (que bloqueia receptores para o muito simplificam a nossa compreensão
glutamato), em doses subanestésicas, das terapêuticas psiquiátricas disponíveis.
evidenciou efeitos terapêuticos no humor. Assim, daremos seguimento abordando
Infelizmente, será necessário drogas antidepressivas, estabilizadores de
aguardar novas pesquisas que relacionem humor e a eletroconvulsoterapia.

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ANTIDEPRESSIVOS
2.USOS CLÍNICOS DE
MULHER DE DE BRAÇOS CRUZADOS, 1902 - PABLO PICASSO
terapêuticos, o desenvolvimento de
antidepressivos cresceu aceleradamente.
Nos anos 1980 foram lançados os
Inibidores Seletivos de Recaptação da
Serotonina (ISRS). Posteriormente, foram
produzidos os antidepressivos Inibidores
Antidepressivos são um grupo de Seletivos da Recaptação da Serotonina e
fármacos que visam aumentar ou regular Norepinefrina (ISRNS), também chamados
ações monoaminérgicas. Apesar do nome, antidepressivos duais.
as indicações destes fármacos são muito Hoje, há antidepressivos cuja ação
variadas na psiquiatria. principal não reflete sobre a recaptação
A descoberta destas medicações da serotonina, mas sim sobre outras
se iniciou ao acaso, ao se perceber que a monoaminas ou outros transmissores, o
iproniazida, em teste para o tratamento que difere das quatro classes principais, e
da tuberculose, traria efeitos no humor. por isso são conhecidos como ‘’atípicos’’.
Há relatos de que ‘’a droga milagrosa’’ De fato, há muitas maneiras de
levava doentes a ‘’dançar pelo hospital’’. estudar os antidepressivos e hoje, há
Ela foi a precursora dos Inibidores mais de 30 fármacos disponíveis para o
da Monoaminoxidase (IMAO), na década uso clínico. Para tornar isto didático, as
de 1950. Sabendo como a iproniazida principais classes farmacológicas serão
agia, foi possível pesquisar drogas como resumidas por uma tabela com relação
Fenelzina e Moclobemida. aos seus mecanismos de ação.
A segunda classe descoberta Em seguida, enfatizaremos alguns
foram Antidepressivos Tricíclicos (ADTs), fármacos que são mais disponíveis e
com grande desenvolvimento na década certamente farão parte do nosso uso nos
de 1960. Na medida em que pareciam próximos atendimentos da disciplina e ao
saber onde agir para obter os efeitos longo da carreira profissional.

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Tabela 1. Classificação dos Antidepressivos e Seus Principais Representantes

CLASSE DE MECANISMO PRINCIPAIS


ANTIDEPRESSIVOS DE AÇÃO REPRESENTANTES
Fluoxetina
Inibidores Seletivos da Bloqueiam a recaptação Citalopram
Recaptação da Serotonina da Serotonina (5-HT), Escitalopram
(ISRS) aumentando sua ação Paroxetina
Sertralina

Inibidores Seletivos da Bloqueiam a recaptação Venlafaxina


Recaptação da Serotonina tanto da 5-HT quanto da Desvenlafaxina
e Noradrenalina (ISRNS) Norepinefrina (NE) Levomilnaciprana
Duloxetina

Aminas Secundárias
Inibem a recaptação da Desipramina
5-HT e NE. Aminas Nortriptilina
Antidepressivos secundárias tem mais
Tricíclicos (ADTs) ação na NE e as aminas Aminas Terciárias
terciárias com mais ação Imipramina
em 5-HT Amitriptilina
Clomipramina

Inibidores da Inibem a enzima MAO, Fenelzina


Monoaminoxidase (IMAO) que degrada NE, Isocarboxazida
Dopamina (DA) e 5-HT Selegilina

Antagonistas α-2 e Mirtazapina


antagonista seletivo 5-HT Mianserina

Outras Classes que Agem Inibe a Recaptação de NE Reboxetina


Sobre o Sistema das
Bloqueio da Recaptação Bupropiona
Monoaminas
de NE e DA

Antagonista de 5-HT e α-1, Trazodona


e inibidores da recaptação Nefazodona

Agonista da Melatonina e Agomelatina


Fármacos que Agem com agonista seletivo 5-HT
Destaque Sobre Outros
Neurotransmissores Estimulante de Receptor μ Tianeptina
Opióide? (Ação Incerta)

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Os ADTs são capazes de bloquear a
recaptação de norepinefrina e de
serotonina através da inibição dos
transportadores para noradrenalina (NET)

Após a divisão, detalharemos os e serotonina (SERT), que têm esta ação.

mecanismos, usos e efeitos adversos de Alguns como a clomipramina agem

quatro principais fármacos: imipramina, muito sobre a SERT (é usada no TOC, cuja

fluoxetina, venlafaxina e mirtazapina. 5-HT tem papel predominante na

Mas antes, vale destacar que, para fisiopatologia) e outras como a

fins de planejamento terapêutico, a nortriptilina, agem mais sobre a NET.

escolha do antidepressivo irá variar pela Como a imipramina age mais sobre 5-HT,

indicação clínica, mas também por mas a desipramina tem maior ação na NE,

aspectos práticos como custo, efeitos as ações são balanceadas entre as duas.

colaterais, interações medicamentosas,


histórico terapêutico e comorbidades.

2.1 Imipramina

A imipramina pertence ao grupo


de Antidepressivos Tricíclicos (ADTs). Esta
classe hoje é reservada aos casos que não
respondem aos ISRS ou ISRNS, pois a
posologia é menos cômoda e pode trazer
mais efeitos adversos.

2.1.1 Mecanismo de Ação

Os Tricíclicos são bem-absorvidos


por via oral, tem meia-vida longa e em Figura 9. Mecanismo de ação da
geral são administrados à noite (por seus imipramina sobre o NET
efeitos sedativos). São metabolizados
pelo sistema CYP2D6, o mesmo que A imipramina e os outros ADTs têm
metaboliza a fluoxetina. Em seu ação anticolinérgica e bloqueadora do
metabolismo, a imipramina forma a receptor H1 da histamina, além de
desipramina, que também possui ação. bloquear o receptor α1 adrenérgico.

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Pode haver disfunção sexual
2.1.2 Indicações Clínicas
(menos comum que nos ISRS) e ganho
ponderal. Os ADTs estão associados com a
Indicada nos transtornos
precipitação da mania na bipolaridade.
unipolares do humor, eventualmente no
Terbinafina e antipsicóticos podem
transtorno do pânico e outros transtornos
elevar a concentração da imipramina. A
ansiosos. Outras indicações são a dor
nicotina pode reduzir o efeito dos ADTs e
crônica (a NE age modulando a dor) e
o álcool e benzodiazepínicos elevam sua
enurese em crianças acima de 5 anos.
sedação. ADTs potencializam a varfarina e
simpaticomiméticos, além de inibir os
2.1.3 Posologia
anti-adrenérgicos e contraceptivos.
Podem gerar a síndrome serotoninérgica,
A sua introdução é feita de modo
se juntos a IMAOs, ISRNS ou ISRS.
gradual, com 25 mg 1-3 vezes ao dia. Nos
Os ADTs têm faixa terapêutica
transtornos unipolares do humor, é
estreita e suas intoxicações são comuns.
elevada até 150-200 mg/dia (nos
Os sinais são sonolência, sopor, tetania,
internados, pode chegar a 300 mg), sendo
síndrome serotoninérgica, taquiarritmias
a manutenção usual de 50-100 mg.
e choque. Pode-se induzir o vômito ou
No transtorno do pânico, deve se
realizar lavagem gástrica. O bicarbonato
iniciar com 10 mg, aumentando até a
de sódio ajuda na excreção do fármaco.
resposta desejada (75-150 mg/dia).
Fornecer suprimentos de ADTs
Em idosos, uma dose-teto usual de
limitados é uma estratégia a adotar nos
50 mg/dia em geral limita seu uso. As
pacientes com ideação suicida, evitando
formulações disponíveis são comprimidos
o uso destes fármacos para este fim.
de 10 mg, 25 mg, 75 mg e 150 mg.

Tabela 2. Principais efeitos adversos e


2.1.4 Efeitos Adversos e Interações interações da Imipramina

Efeito Exemplos
Os efeitos do bloqueio colinérgico
Efeitos Xerostomia, taquicardia,
muscarínico incluem xerostomia, visão
Adversos hipotensão, ganho de peso,
turva, retenção urinária e taquicardia. sedação e disfunção sexual
Outro aspecto é que o α1-bloqueio Interações Terbinafina, nicotina,
está associado a hipotensão, tonturas e Relevantes álcool, varfarina, IMAOs
clonidina, contraceptivos
taquicardia reflexa. O bloqueio H1
histaminérgico pode levar à sedação, Toxicidade Taquicardia, arritmias,
sopor, sonolência e choque
logo, é preferível indicar seu uso noturno.

19
Conforme visto, há evidências de
2.2 Fluoxetina
que esse efeito se associe à elevação dos
níveis de BDNF ao longo do tratamento.
A fluoxetina foi sintetizada pela
Apesar de seletivos, ainda há ação dos
primeira vez nos anos 1970, sendo que
ISRS em sistemas noradrenérgicos e
sua seletividade marcante pela via da
dopaminérgicos, embora discreta.
5-HT e seus menores efeitos colaterais,
Logo, como a 5-HT age sobre a
fazem dela uma droga muito prescrita.
regulação do humor, alimentação, sono,
memória e aprendizagem, há efeitos nos
2.2.1 Mecanismo de Ação
transtornos de humor. Mas também, por
haver vias serotoninérgicas em áreas
A fluoxetina é metabolizada no
correlatas ao medo e circuito da vontade,
produto ativo, a norfluoxetina, que possui
são úteis nos Transtornos Ansiosos e no
grande meia-vida, de 3-6 dias (deve-se
Espectro Obsessivo-Compulsivo.
suspendê-la por quatro semanas para
introduzir um IMAO). Ela possui alto
volume de distribuição. 2.2.2 Indicações Clínicas

Como outros ISRS, age sobre o


A fluoxetina está indicada para os
SERT. Este transportador é responsável
transtornos depressivos unipolares (seu
por captar a serotonina extracelular e,
uso na depressão bipolar é controverso),
uma vez que a fluoxetina se liga em um
trazendo bons resultados na remissão de
sítio alostérico, impede sua ação. Logo, a
episódios agudos de Depressão Maior (é
serotonina permanece na fenda sináptica.
útil também na distimia persistente).
Com relação a outras indicações,
é de escolha no Transtorno Obsessivo
Compulsivo, Anorexia Nervosa e Bulimia.
Também é indicada nos
transtornos ansiosos e relacionados ao
estresse, como: Transtorno do Estresse
Pós-Traumático, Transtorno do Pânico e
Transtorno de Ansiedade Generalizada.
Nestes em especial, pode-se também
utilizar fármacos benzodiazepínicos.
Outra indicação bastante precisa
da Fluoxetina é no Transtorno Disfórico
Figura 10. Mecanismo de ação da
Pré-Menstrual (TDPM).
Fluoxetina sobre o SERT

20
assim como nos ADTs, a hemodiálise não
2.2.3 Posologia
tem efetividade.

A dose varia de acordo com a


Tabela 3. Principais efeitos e
indicação, mas não com a idade. Nas
interações relacionados à fluoxetina
depressões, a dose inicial é de 20 mg/dia
(podendo-se elevar até 60 mg/dia). Já na Efeito Exemplos
bulimia, é de 60 mg/dia; no TOC, entre Efeitos Diarréia, náusea, vômitos,
20-60 mg/da; e no TDPM, de 20 mg/dia. Adversos disgeusia, insônia,
euforia, cefaléia,
A fluoxetina está disponível em faringite, fadiga, perda de
suspensões de 20 mg/ml, comprimidos de peso, disfunção sexual
20 mg ou cápsulas de 10 mg. Não se Interações Varfarina, IMAOs,
indica uma dose superior a 80 mg/dia. Relevantes Tioridazina, Álcool e
Anti-Inflamatórios

2.2.4 Efeitos Adversos e Interações


2.3 Venlafaxina

Efeitos mais comuns são diarréia,


A venlafaxina é parte do grupo dos
náusea, cefaléia, insônia e fadiga. Há
ISRNS, que tem uma ação semelhante aos
também diminuição de peso, xerostomia,
tricíclicos, mas se destacam por sua
dispepsia, vômitos, disgeusia, pesadelos,
seletividade e menores efeitos adversos.
disfunção sexual e sonolência. São raras,
a euforia, bruxismo, hipomania ou mania.
Se associada a outros fármacos 2.3.1 Mecanismo de Ação

serotoninérgicos, há o risco de ‘’síndrome


serotoninérgica’’, em que há agitação, A venlafaxina é metabolizada em

tremores, convulsões, delirium e coma. desvenlafaxina, tendo meia-vida de 8 a

Pode haver aumento da ação da varfarina 11 horas, e permitindo um uso único

(raro) e não é indicada em conjunto com diário.

a tioridazina. A fluoxetina parece elevar Age bloqueando o SERT e o NET,

o risco de hemorragia gástrica e por isso, elevando o tônus da 5-HT e da NE. A

os pacientes devem ser advertidos acerca afinidade da venlafaxina é maior pelo

do risco do uso crônico em associação SERT, já a da desvenlafaxina, sobre NET.

com Anti-Inflamatórios e o Álcool. Sua quase nula interação com

Intoxicações por fluoxetina e receptores adrenérgicos, histaminérgicos

demais ISRS são raras e benignas, com e colinérgicos a torna preferível aos ADTs,

tratamento apenas suportivo. Pela ampla em face da grande redução de prováveis

distribuição tecidual deste fármaco, eventos adversos relacionados a seu uso.

21
2.3.2 Indicações Clínicas 2.4 Mirtazapina

A venlafaxina está indicada na A mirtazapina é um antidepressivo


depressão unipolar, no Transtorno de com uma ação distinta, pois não age na
Ansiedade Generalizada, Transtorno de recaptação destas monoaminas, mas sim
Ansiedade Social e Transtorno do Pânico. estimulando sua síntese e realizando
antagonismo em alguns receptores.

2.3.3 Posologia
2.4.1 Mecanismo de Ação

As doses são semelhantes para as A mirtazapina é um antagonista do


indicações, sendo a dose inicial usual de receptor α2 adrenérgico. Quando este
75 mg/dia, uma vez ao dia, podendo-se está ativo, sinaliza a redução da produção
elevar até 225 mg/dia. As formulações de NE e 5-HT. Logo, bloqueando sua ação,
são cápsulas duras de 37,5; 75 e 150 mg. há maior produção tanto de
noradrenalina quanto de serotonina.
Ela também bloqueia o receptor
2.3.4 Efeitos Adversos e Interações
histaminérgico H1, levando a ação
sedativa e ganho de peso. O terceiro
Incluem náusea, diarréia, vômitos,
mecanismo de ação deste fármaco é pela
cefaléia e impotência sexual (como os
inibição dos receptores 5-HT2 e 5-HT3.
ISRS). Há também perda de apetite,
insônia, taquicardia, perda ou ganho de
peso. São semelhantes aos dos ADTs, mas
sem hipotensão, sedação e xerostomia.
As interações incluem fármacos
que elevam o intervalo QT como
antibióticos e alguns antipsicóticos. Além
de antidepressivos, em especial IMAO,
pelo risco de síndrome serotoninérgica.
A intoxicação pela venlafaxina é
incomum e menos fatal que a dos ADTs.
Pode promover taquicardia, convulsões,
Figura 11. Alvos de ação farmacológica
midríase, sonolência e vômitos. O manejo
da Mirtazapina
é sintomático e pode-se induzir vômitos
ou realizar lavagem gástrica.

22
Os receptores 5-HT2, em especial Pesadelos, ansiedade, confusão,
5-HT2C, quando ativados têm ação insônia, tremor, hipotensão ortostática,
ansiogênica e podem reduzir o controle artralgias e lombalgias podem advir de
de impulsos (inclusive suicidas). Assim suas ações antiadrenérgicas. A
sendo, estão envolvidos na fisiopatologia mirtazapina não leva a disfunção sexual,
da depressão e ansiedade (motivo pelo evento comum nos ADTs, ISRS e ISRNS.
qual antidepressivos isoladamente podem No geral, são mais bem toleradas
piorar a ansiedade no início da terapia). em relação a efeitos digestivos do que os
Por outro lado, receptores 5-HT1, ISRS e ISRNS, visto que há bloqueio do
em especial 5-HT1B, são pouco ativados receptor 5-HT3 encontrado em grande
nas depressões, estando envolvidos com número no trato gastrointestinal. Porém,
os sintomas já descritos. Ao bloquear os não é raro que haja náuseas e diarréias.
receptores 5-HT2 e 5-HT3, a mirtazapina Entre as interações farmacológicas
permite que a serotonina produzida aja mais relevantes estão o álcool e
sobre o 5-HT1, tendo ação mais focal que benzodiazepínicos (elevam os efeitos
os ‘’antidepressivos clássicos’’. depressores no sistema nervoso), IMAO e
outros antidepressivos (risco de síndrome
serotoninérgica), além de indutores
2.4.2 Indicação Clínica e Posologia
enzimáticos como a carbamazepina.
As intoxicações por mirtazapina
Indicada no Transtorno Depressivo
são raras, tem como tratamento o
Maior. A dose varia entre 15-45 mg, sendo
manejo sintomático e lavagem gástrica ou
a dose inicial usual entre 15-30 mg, em
uso do carvão ativado. Elas cursam com
dose única, antes de dormir. Apresenta-se
desorientação, sedação, taquicardia e
em comprimidos de 15, 30 e 45 mg.
hiper ou hipotensão.
Como os demais antidepressivos,
sua interrupção, quando indicada, deve
Tabela 4. Principais efeitos e interações
ser gradual. No geral, a manutenção
relacionados à mirtazapina
deste e de outros antidepressivos é de ao
menos 6 a 12 meses no Transtorno Efeito Exemplos
Depressivo Maior. Efeitos sedação, sonolência,
Adversos ganho ponderal, náusea,
mialgia, lombalgia,
2.4.3 Efeitos Adversos e Interações xerostomia, hipotensão
ortostática

Pelo bloqueio de receptores H1, Interações Álcool, Benzodiazepínicos,


Relevantes Carbamazepina e IMAO
são muito comuns sedação, sonolência,
cefaléia, xerostomia e ganho de peso.

23
DOIS FIGURAS, 1904 - PABLO PICASSO

3.ESTABILIZANTES DO HUMOR: O
CARBONATO DE LÍTIO E SEUS USOS
O Lítio (Li) é um elemento da O lítio tem boa absorção oral,
família IA, sendo a apresentação em uso atinge níveis plasmáticos máximos entre
clínico o Carbonato de Lítio (Li2CO3). Seu 30 minutos e 2 horas. Sua entrada no
uso é como um estabilizador de humor, compartimento intracelular é lenta, não
grupo que compõe junto de fármacos é metabolizado e é eliminado inalterado
anticonvulsivantes como lamotrigina, através da urina, com depuração
carbamazepina e ácido valpróico. equivalente a 20% do valor da creatinina
Tal grupo é muito empregado no e meia-vida média de 20 horas.
Transtorno Afetivo Bipolar, uma vez que Os mecanismos de ação do lítio
tem ação tanto nos episódios de não são ainda totalmente esclarecidos.
mania/hipomania quanto nos depressivos. Porém, hoje, com o estudo dos fatores de
Abordaremos neste resumo acerca crescimento neuronais, pode-se entender
do Carbonato de Lítio, seu mecanismo de melhor como age o carbonato de lítio.
ação, indicações e eventos adversos, O lítio age a nível intracelular
reforçando os cuidados necessários à gerando depleção do segundo mensageiro
monitorização terapêutica. inositol fosfato (IP3). Isso leva a menor

25
ativação da glicogênio sintase quinase
3-beta (GSK3). Ela se associa a ativação
de vias que culminam com o desgaste
celular e apoptose. Logo, o lítio é
neuroprotetor e eleva a plasticidade.
Quando a GSK3 é inibida pelo lítio,
também há maior produção de BDNF e da Os usos do lítio são representados
proteína anti-apoptótica BCL-2. Isso pelo Transtorno Afetivo Bipolar (TAB), em
aumenta a neurogênese e a plasticidade, algumas ocasiões da depressão unipolar e
levando a melhor regulação sináptica no no risco de suicídio.
sistema das monoaminas e no GABA, que
conforme vimos, estão implicados com
3.1 Transtorno Afetivo Bipolar
ambos os pólos dos transtornos de humor.
Vale destacar que o carbonato de
Cabe relembrar que o transtorno
lítio apresenta um período de latência
bipolar se caracteriza pela alternância de
até que suas ações tragam melhora
períodos de humor depressivo e períodos
clínica, o que pode se observar em cerca
de hipomania/mania.
de uma ou duas semanas.

26
Ainda não é clara a fisiopatologia
3.2 Outras Aplicações do Lítio
da mania/hipomania, mas se assume que
se dêem pela desregulação de sinapses
O carbonato de lítio também
(inclusive monoaminérgicas) por privação
demonstra eficácia no tratamento da
de fatores de crescimento como BDNF.
depressão recorrente. Outro de seus usos
O tratamento do TAB, em especial
está relacionado com a depressão
da depressão bipolar, é mais complexo e
unipolar refratária ao uso de ISRS ou
ainda controverso, pois é apontado que o
Antidepressivos Tricíclicos, pois sua ação
uso de antidepressivos tricíclicos e duais
estabilizadora do humor potencializa a
está associado a uma precipitação do
terapêutica que está em curso.
humor maníaco e os ISRS não trazem a
O lítio ainda está indicado como
eficácia desejada. Isso não indica que
suplemento no tratamento da depressão
antidepressivos não podem ser usados,
maior aguda. Ele também é o único dos
mas que seu uso deve ser cauteloso.
estabilizadores do humor cuja eficácia na
Nesse viés, o lítio traz ações
prevenção do suicídio é reconhecida, o
farmacológicas úteis em ambos os pólos
que é útil especialmente considerando
do TAB, sendo muito indicado para estes
que o transtorno bipolar é o de mais alto
pacientes, especialmente no tipo I. Seu
risco de suicídio (pode ocorrer tanto na
uso de manutenção previne episódios
mania/hipomania quanto na depressão).
maníacos e depressivos e seu sucesso na
remissão da mania chega a 60-80%.
Tabela 5. Indicações clínicas do
Na fase depressiva, o lítio têm
carbonato de lítio e seus efeitos
efeitos positivos, especialmente por sua
desejados
ação anti-suicida, constituindo uma boa
Indicação Efeitos Esperados
opção terapêutica. Mas a melhor terapia
neste pólo ainda é controversa, já que - Reversão da Mania Aguda
Transtorno - Ação antidepressiva
antipsicóticos como lurasidona também Bipolar - Prevenção de novos
são ‘’de primeira escolha’’. períodos de distimia
Como conclusões, destacamos que Depressão Controle dos episódios de
para muitos especialistas, o lítio ainda é Recorrente distimia

o estabilizador do humor mais efetivo no Depressão Potencialização da ação


Maior de antidepressivos
TAB. Além disso, a terapêutica deste
Aguda
transtorno raramente se faz com
Prevenção Maior controle de atos
monoterapia, associando-se com
do Suicídio impulsivos
frequência a fármacos antipsicóticos e
até benzodiazepínicos.

27
que a lactante em uso do lítio continue o
aleitamento, pois passa através do leite e
seus efeitos em >12 anos são incertos.
Ele também não é indicado se
suspeita ou confirmação da Síndrome de
Brugada (SB) ou em uso de diuréticos e

É necessário ter em mente com fármacos cardiovasculares. Por fim, em

relação a avaliações necessárias durante idosos, pode haver maior sensibilidade ao

seu uso. Em primeiro lugar, deve-se lítio, o que indica menor dose-alvo.

solicitar a litemia de forma regular, pois


ela orienta doses desejadas do fármaco. Tabela 6. Cuidados no uso do lítio e as

Outra questão diz respeito à respectivas medidas

função renal (solicitar uréia e creatinina), Cuidados Medidas Tomadas


pois a eliminação é exclusiva pela urina e
Vigilância da Solicitação regular da
a depender da depuração, ajustes podem Dose litemia
ser precisos. O paciente também deve ser Depuração Solicitar Uréia e
orientado a não se desidratar (a Renal do Lítio Creatinina Semestrais
desidratação eleva os riscos tóxicos). Risco Solicitar TSH e T4 livre
A avaliação da função tireoidiana Tireotóxico semestrais/anuais

(solicitar níveis de TSH e T4 livre), é Homeostase Solicitar eletrólitos


indicada, pois é frequente a diminuição do Ca e Na regularmente

da função tireoidiana com o uso, embora Ganho de Peso - Orientação regular


e Síndrome - Solicitar Hemograma,
essa não seja progressiva.
Metabólica Glicemia e Perfil
Por suas ações como cátion, ele Lipídico a critério.
pode promover alguma redução nas Efeitos - Solicitar β-HCG
concentrações de sódio e cálcio, então a Teratogênicos - Suspender o uso (se
possível) no 1°
dosagem sérica de eletrólitos também trimestre
deve ser realizada ao longo da terapia.
Potencial risco - Parar aleitamento
Também está associado a ganho de se >12 anos - Evitar a prescrição
peso, então a avaliação regular do nesta faixa etária
paciente é importante, podendo-se Toxicidade se - Evitar ou não indicar
solicitar exames de perfil metabólico. SB ou Uso de o fármaco neste grupo
Diuréticos de pacientes
Merece destaque que o fármaco é
- Evitar atingir as doses
teratogênico e não está indicado para
Uso em Idosos terapêuticas máximas
gestantes, sendo importante solicitar o (maior toxicidade)
β-HCG antes da terapia. Não se indica

28
Na mania aguda, as doses séricas Efeitos adversos, incluem tremor,
recomendadas são de 0,8-1,4 mEq/L, o polidipsia, bócio, diarréia e náusea. Há
que equivale a doses de 600 mg (dois ganho de peso, dispnéia, acne e distensão
comprimidos de 300 mg) a cada 8 horas. abdominal. É raro diabetes insipidus
A litemia deve ser monitorada duas vezes nefrogênico, alopécia, retenção fluida,
por semana durante esse período. disgeusia e depressão ou euforia.
A terapia de manutenção está Nas interações, destacam-se
indicada na prevenção de novos episódios diuréticos e antipsicóticos típicos.
de distimia no paciente bipolar. O alvo é Anti-Inflamatórios Não Esteroidais podem
entre 0,6-1,2 mEq/L, equivalente a entre elevar a litemia, induzindo toxicidade.
900 e 1350 mg/dia. Logo, toma-se um Níveis acima de 1,5 mEq/L estão
comprimido três ou quatro vezes ao dia. associados a risco de toxicidade. Pode
Com relação ao seu uso nos haver náuseas, tremor, sedação, ataxia,
episódios depressivos, eles podem ser distonia, e, acima de >3-4 mEq/L, morte.
ajustados mediante a litemia e a resposta Na intoxicação, deve-se suspender
clínica. No geral, o alvo é entre 0,5-1,0 o lítio por até 48 horas, avaliar o
mEq/L, equivalente a 600-900 mg, paciente, fornecer fluidos. Se necessário,
tomando-se um comprimido de 300 mg pode-se realizar a hemodiálise.
duas ou três vezes ao dia.
Na descontinuidade da medicação, Tabela 7. Principais efeitos adversos e
deve-se subtraí-la de forma gradual (evita interações do carbonato de lítio
síndrome da retirada) por cerca de três
Efeito Sinais/Sintomas
meses, reduzindo 25% da dose/semana.
Doses Náusea, vômitos, tremor,
Além dos comprimidos com 300 Tóxicas diarréia, sedação, ataxia,
mg, há a formulação de liberação distonia, coma e morte
prolongada, com 450 mg do fármaco. Ela Efeitos Tremor, polidipsia, náusea,
traz como vantagens um esquema Adversos hipotireoidismo, ganho de
peso, acne, edema e
posológico mais cômodo (doses únicas ou diabetes nefritogênico
duplas). Contudo, ela é menos acessível
Interações Antipsicóticos típicos,
ao paciente e serviços de saúde. Relevantes Diuréticos e AINEs

29
NU AZUL, 1902 - PABLO PICASSO

4.USOS CLÍNICOS E INDICAÇÕES DA


ELETROCONVULSOTERAPIA
A Eletroconvulsoterapia (ECT) se
trata de uma alternativa terapêutica Uma série de hipóteses de cunho

segura e com grande projeção futura. O biológicas hoje fornecem a base do

estigma de seu uso no passado, que era conhecimento sobre a técnica. Estas são

feito sem relaxantes musculares ou divididas em hipótese neurofisiológica,

anestesia, além da possível perda de neurobioquímica e neuroplástica. Assim,

memória com seu uso, fez com que fosse enfocaremos o material nestas hipóteses.

rejeitada e pouco estudada por anos.


Hoje, as máquinas de ECT utilizam 2.1 Hipótese Neurofisiológica
ondas de pulso Breve e Ultrabreve,
permitindo a redução de efeitos Conforme a hipótese, uma vez que
cognitivos. Logo, há uma expectativa de o impulso elétrico transmitido pelos
que se elucidem os mecanismos desta eletrodos altera o meio interno e íons do
terapia e ela passe a ser mais empregada encéfalo, desenvolvem-se as alterações
nos casos que lhe cabem. em algumas variáveis fisiológicas.
Esta tecnologia usa de impulsos Essas incluem aumento duradouro
elétricos que promovem alterações no do fluxo sanguíneo cerebral e correção do
meio iônico encefálico e modulando metabolismo da glicose em áreas como
algumas funções, levando a efeitos córtex pré–frontal e temporal, amígdala e
terapêuticos. As convulsões induzidas são outras estruturas límbicas. Há evidências
generalizadas, mas atingem de que o hipofluxo cerebral nessas áreas,
preferencialmente o local do eletrodo e junto ao metabolismo anômalo da glicose
regiões críticas como córtex, núcleos da favoreçam distúrbios do humor e psicose.
base subcórtex, tálamo e áreas límbicas. Outra variável seria a variação da
Apesar destas explicações, muitos pressão arterial durante a fase de ictus
mecanismos da técnica ainda não são da ECT, o que leva a aumento transitório
totalmente explicados. Nesse sentido, o na permeabilidade da Barreira
material terá enfoque em abordar os Hematoencefálica, levando fatores como
conhecimentos atuais acerca do BDNF ao microambiente. Ao que parece,
funcionamento da ECT, para entender esses benefícios só ocorrem com a
suas indicações e efeitos adversos. estimulação repetida na ECT.

31
Por fim, observam-se alterações destes é feita. Ao que parece, há maior
no Eletroencefalograma (EEG), em áreas transcrição gênica de moléculas como
específicas do encéfalo. Essas mudanças BDNF e o FGF-1, que estão associados à
podem estar associadas a resposta, pois o neurogênese e neuroplasticidade, além
aumento da atividade teta (4-7 Hz) se de regulação negativa do receptor NMDA
apresentou nos pacientes com remissão (receptor gabaérgico que tem papel na
da psicose. Observou-se ainda um EEG gênese dos distúrbios de humor).
mais homogêneo de pacientes com tipos Acerca dos fatores de
distintos de depressão após a ECT. crescimento, proteínas pró-apoptóticas
como BAD tem sua síntese reduzida,
enquanto fatores de crescimento como
2.2 Hipótese Neurobioquímica
BDNF, VEGF, GDNF e FGF são aumentados.
Isso parece ser o maior responsável pelos
Essa hipótese versa que após a
efeitos da ECT nos distúrbios do humor.
indução convulsiva, há uma modulação na
Outro aspecto é a redução de
neurotransmissão e expressão gênica do
moléculas inflamatórias como IL-1, IL-6 e
cérebro, alterando neurotransmissores,
TNF-α, que como vimos, se associam aos
fatores de crescimento e hormônios.
distúrbios de humor e também tem seu
Com relação aos genes, uma
papel na patogenia das esquizofrenias.
variedade de alterações na expressão

32
A ECT também reduz a ativação
do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal,
levando menor produção de cortisol, que
está elevado nos transtornos do humor.
Nos neurotransmissores, parece
promover menor ação α-2 adrenérgica,
otimiza algumas das vias dopaminérgicas Indicações da ECT são variadas,
e permitir melhora na função da 5-HT. mas o estigma acerca dessa técnica é
Outras ações da ECT incluem o limitante na adesão terapêutica de
aumento do neuropeptídeo Y, que tem muitos pacientes. Listaremos as
ações anticonvulsivantes e cuja falta indicações em que a ECT está aprovada:
pode estar associada aos transtornos de
humor e esquizofrenias. Também reduz os
3.1 Transtorno Depressivo Maior
níveis de glutamato, que pode levar ao
estresse oxidativo e degeneração neural.
O Transtorno Depressivo Maior
(TDM) é a indicação mais comum de ECT
2.3 Hipótese Neuroplástica e se sugere que não há um número de
drogas tentadas antes para determinar
A neuroplasticidade diz respeito à quando se indicar a ECT no TDM.
capacidade de adaptação morfológica e Na Depressão Maior com Sintomas
funcional das células neurais. Ao que se Psicóticos, a indicação de ECT precoce
indica, a ECT eleva o volume de células e em geral é bastante precisa, uma vez que
melhora as funções em áreas como o traz um melhor desfecho.
córtex pré-frontal e áreas límbicas Outra grande indicação para esta
relacionadas à regulação do humor. terapia é no paciente com alto risco de
Isso se dá pelo aumento do suicídio, quer seja depressivo ou não. Isso
número de sinapses (sinaptogênese), porque a ECT possui ação anti-suicida.
neurônios (neurogênese), células gliais De todo modo, a escolha por esta
(gliogênese) e vasos (angiogênese). modalidade terapêutica recairá sobre a
Parece haver uma ação seletiva análise clínica do paciente, ponderando
em áreas envolvidas com a depressão os riscos e benefícios naquela condição.
maior como a rede fronto-parietal e a
rede de modo padrão, associando-se à
3.2 Catatonia
melhora nos sintomas. Outras redes
relacionadas à gênese das esquizofrenias
A catatonia é um estado marcado
parecem ter sua função melhor regulada.
por alterações da vontade, linguagem e

33
psicomotricidade, como negativismo, Se o paciente for indicado para a
catalepsia, mutismo, flexibilidade ECT e responder positivamente, pode-se
cerácea e obediência automática. indicar a manutenção do tratamento caso
Ela é mais frequente na Depressão haja dificuldades em obter a eutimia
Maior, mas pode estar presente na mania, apenas através da farmacoterapia.
esquizofrenia, autismo ou doenças
clínicas. É responsiva a ECT e é indicada
3.4 Esquizofrenias
se os benzodiazepínicos (primeira linha),
não trazem a resposta esperada.
Nessas condições, a ECT está
indicada na esquizofrenia com sintomas
3.3 Episódios Maníacos positivos graves e transtorno
esquizoafetivo não responsivos aos
Reservadas aos muito enfermos e antipsicóticos, além da catatonia.
que não respondem aos estabilizantes de Quando utilizada, a ECT é usada
humor, ou precisam de uma resposta junta ao antipsicótico. Destaca-se que
rápida, pois a excitação maníaca pode ser nestas ocasiões, em geral são precisas
fatal ou traz risco iminente de catatonia. algumas sessões em sequência.

34
afetar a memória ou outros elementos da
3.5 Outras Indicações
cognição e serem agudos, subagudos ou
persistentes.
Outros usos são no paciente com
A ECT pode prejudicar a
alto risco suicida, no Parkinson, síndrome
consolidação de informações, levando a
neuroléptica maligna e Alzheimer.
amnésia anterógrada, mas também pode
Em gestantes, é segura em todos
promover amnésia retrógrada. Não
os trimestres da gestação, mas se deve
parece haver prejuízo para a memória
mobilizar uma equipe multiprofissional
implícita (aprendizado de habilidades).
para seu uso. Nos idosos, a resposta à ECT
De fato, após o período de ictus
tende a ser bastante elevada.
da ECT, tanto a memória quanto a
atenção e, eventualmente, a orientação,
podem estar alteradas, mas é transitório.
A amnésia retrógrada e anterógrada
tendem a ter sua recuperação em tempo
de semanas ou meses, mas não é raro que
a hipomnésia seja uma queixa.
Contudo, vale salientar que a ECT
Durante ou após a ECT, pode haver
pode trazer melhoras cognitivas, na
efeitos da anestesia, do anticolinérgico,
medida em que pode reverter prejuízos
relaxante muscular, do estímulo elétrico
cognitivos de condições como o TDM.
ou da convulsão. Eles incluem cefaléia,
Hoje o risco de eventos é bem menor e se
mialgias, xerostomia e náuseas.
os pacientes forem corretamente
Com relação à elevação do fluxo
orientados, podem preferir pela técnica.
sanguíneo cerebral, é possível que haja
edema cerebral benigno. Há dúvida se
Tabela 8. Principais Efeitos Adversos
relatos de Acidente Vascular Cerebral
associados à Eletroconvulsoterapia
isquêmico possam ser atribuídos a ela.
O risco de hemorragia de Grupo de Principais
Efeitos Representantes
eventuais aneurismas prévios é dedutível
Não Cognitivo Cefaléia, mialgia,
pela elevação do fluxo sanguíneo, mas
xerostomia, náuseas
não aparenta ser clinicamente observado.
Cognitivo Desorientação,
Agudos ou amnésia e
Subagudos hipoprosexia pós-ictal
4.1 Efeitos Cognitivos
Cognitivos Certo grau de
Crônicos amnésia
Os efeitos cognitivos são os mais retroanterógrada
irritantes relacionados à ECT. Eles podem

35
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