Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
AS PARTICULARIDADES
DO INVESTIMENTO EM
INFRAESTRUTURA
Venilton Tadini1
Igor Rocha2
U
ma análise de longo prazo da
economia brasileira mostra que
o papel do Estado na articulação PONTOS PRINCIPAIS
1
Economista, mestre pelo IPE-USP. É ex-diretor do BNDES e ex-diretor da Secretaria do Tesouro. Atualmente, é presiden-
te-executivo da Abdib.
2
Economista, PhD pela Universidade de Cambridge e Diretor de Planejamento e Economia da Abdib.
mento pode ser visto com a promulgação das para aproximadamente 11% nos anos 2000.
leis relacionadas à concessão de serviços pú- A despeito da atração da iniciativa pri-
blicos (Lei 8.987/95 – Lei de Concessões - e Lei vada ao setor, o Brasil tem apresentado grande
11.079/04 – Lei de PPPs), bem como de outras dificuldade de alcançar investimentos compatí-
normas que regulam as parcerias entre o setor veis com as suas necessidades. Nos últimos trin-
público e o privado. No entanto, diversos pro- ta anos, o país abusou do câmbio valorizado e de
blemas estruturais relacionados, por exemplo, taxas de juros exuberantes para manter a estabi-
a projetos maduros, garantias, financiabilidade lização. Essa política corroeu a competitividade
e Project Finance não foram equacionados para da indústria, juntamente com a falta de investi-
dar dinamismo ao setor. mento em infraestrutura.
Uma avaliação mais apurada revela que, Dados levantados pela ABDIB revelam
em raras exceções, os atuais programas de in- que com a crise, no ano de 2016, os investimen-
vestimento são remanescentes do planejamento tos em infraestrutura no Brasil recuaram espeta-
estatal da década de 70. Infelizmente, não hou- cularmente chegando a cerca de R$ 106 bilhões,
ve uma estratégia de desenvolvimento definida, ou seja, 1,7% do PIB. Para o ano de 2017, a ABDIB
com programas de investimentos articulados e projeta 1,5% do PIB em investimentos em infra-
prioritários, que pudessem indicar o rumo e le- estrutura no país. No agregado do setor, núme-
var ao aumento da eficiência da economia e à ros inferiores a 3% sequer repõem a depreciação
melhora da competitividade. dos ativos. O Brasil precisa investir ao menos 5%
No presente, segundo dados do World do PIB - R$ 300 bilhões ao ano - na próxima dé-
Economic Forum, o Brasil, em comparação cada para recuperar a infraestrutura do país.
com outros países em desenvolvimento, inves- O atraso em alcançar os níveis de inves-
te pouco em infraestrutura. Menos de 2% do timento e expansão da infraestrutura de eco-
PIB têm sido investidos, enquanto em outros nomias no mesmo estágio de desenvolvimento
emergentes como Índia e China, tal montante afeta a competitividade dos produtos brasileiros
atinge cerca de 4% e 13% do PIB, respectiva- no mercado internacional. Alavancar os inves-
mente. O Brasil saiu do ápice do desenvolvi- timentos em infraestrutura não é tarefa fácil e
mento do setor nos anos de 1970, quando che- exige um planejamento de risco e retorno equa-
gou a se investir 5,4% do PIB, para menos da cionado pelo Poder Público que contenha regras
metade, 2,4% do PIB, na última década. Dados claras, segurança jurídica e atratividade à inicia-
mostram que na década de 1970 o investimen- tiva privada. Ademais, é necessária uma política
to em infraestrutura era de aproximadamen- macroeconômica que vise estimular os poten-
te 24% da formação bruta de capital. Este caiu ciais investimentos.
De fato a crise eco-
Gráfico 1 – Investimento em Infraestrutura no Brasil
nômica que atingiu o país
25 23,7 entre 2015 e 2016 dificul-
tou ainda mais o ambiente
20
de negócios e os projetos.
17,2 Em dois anos a atividade
econômica caiu 7,2%, pior
15 número desde a década
12,2
11,4
10,8
de 1930. Tanto fatores eco-
10,4
10 nômicos internacionais
quanto domésticos, reti-
5,4 ram a demanda levando
5 3,6 a uma severa retração dos
2,3 2,2 2,4
1,7 investimentos. Tal cenário,
0 conjugado a um ambiente
70 80 90 2000 2010 2016
político conturbado, com
Inv Infra (% PIB) Inv Infra / FBKF
uma crise institucional la-
Fonte: Bielschowky (2002), Frischtak & Davies (2014), IBGE e ABDIB. tente, solapou o ambiente
favorável ao setor empre-
2,4 2,4
2,4
2,3 2,3
2,2 2,1
2,0
1,8 1,8 1,8
1,7 1,7
1,5 1,5
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Fonte: ABDIB.
Nota: Inclui energia, transportes, saneamento e telecomunicações. Óleo e gás não incluído.
Áustria
Irlanda
Espanha
Estônia
Dinamarca
Suíça
Luxemburgo
República Checa
Holanda
Finlândia
Eslovênia
Malta
Grécia
Portugal
Bélgica
Alemanha
Reino Unido
Letônia
Eslováquia
Bulgária
Hungria
fraestrutura da região.
Isso equivale a 5,1% do
PIB anualmente, muito
Fonte: Eurostat acima dos 0,4% do PIB
provenientes do setor
Cabe ressaltar que todos os projetos que possu- privado. Além disso, as taxas de investimento
íam outorgas apresentaram ágios expressivos, em infraestrutura pública variam amplamente
cabendo destacar, por exemplo, os terminais em sub-regiões e economias. No leste asiático, o
portuários e a concessão de petróleo e gás. No investimento em infraestrutura é dominado pelo
entanto, a recuperação do setor de infraestrutura setor público, em contrapartida, o investimento
perpassa a solução de diversos gargalos estrutu- em infraestrutura do setor público não é tão do-
rais que façam com que o setor possa se expan- minante no sul da Ásia, sendo o setor privado
dir de forma sustentável. Mesmo com o impor- responsável por uma parcela considerável de in-
tante advento do Programa
Gráfico 4 - Investimento público e privado na infraestrutura (2010-2014) (em % PIB)
de Parcerias de Investimentos
(PPI) lançado pelo governo Bloco 25 países asiáticos
as suas necessidades.
Uma análise compara- Ásia Central
Gráfico 5 - Investimento público e privado na Infraestrutura em (% PIB) na América Latina – (média 2008 – 2013)
7,0
6,0
6,0
5,1 5,1
5,0 4,8
4,5
4,3 4,3
3,9
4,0 3,8
3,5
3,2 3,2 3,3
3,0 3,1 3,0
2,9
3,0 2,8 2,7
2,2 2,3
2,0 2,1 2,0 2,0
2,0 1,6
1,7
1,8
1,7
1,6 1,6
1,5 1,5
1,4
1,1 1,2 1,1
0,9
1,0 0,6
0,8
0,6
0,5 0,5
0,2 0,2
0,0
Paraguai
Brasil
Uruguai
Panamá
Perú
Colômbia
El Salvador
Nicarágua
Bolívia
Costa Rica
Chile
Guatemala
Argentina
México
Honduras
Na América Latina, igualmente aos países asi- dialmente, o Estado tem tido uma participação
áticos, os investimentos em infraestrutura têm central nos investimentos em infraestrutura. As-
sido, normalmente, impulsionados pelo setor sim, é imperativo se reconhecer a importância
público (gráfico 5). Em países como o Peru, o in- do setor público, seja como investidor ou como
vestimento público em infraestrutura representa financiador da infraestrutura nacional. Um ajus-
3% do PIB, com um investimento total de 4,8% te fiscal que sobrepuje o investimento público
em relação ao PIB. em um momento em que o país precisa de todas
O Brasil,
entre os maiores Tabela 1 - Investimento público e privado na infraestrutura no Brasil em % do PIB
países da Amé-
rica Latina, é um
dos únicos onde Investimento Público e Privado na Infraestrutura no Brasil em % do PIB
o investimento
privado tem sido Ano Público Privado Total
maior que o pú- 2013 0,93% 1,47% 2,40%
blico, alocando
2014 0,94% 1,44% 2,38%
assim ao ente
2015 0,71% 1,42% 2,13%
privado a res-
ponsabilidade 2016 0,57% 1,18% 1,75%
pelo investimen- Fonte: Abdib
Gráfico 7 - Investimento total do setor público (setor público como um todo) (em R$ bilhões)
250
228,1
215,5
200 190,3
177,1
172,6
163,4
150 143,9
133,9
109,4
100
77,2
70
56,9
48,3 44,5 50,8
50 39 36,9
31,9 33,5
24,5 26,4 30,5
0
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Fonte: Ipea
70
60 57,4
50 46,4
39,7
40
34,2
32,5 32,2
29,6 29,6
30
21,5
20 17,5
14,6 14,1
12,7
11,3 10,8 11,6
9,6
10 7,8 8,3
5,7 6
3,7
0
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Fonte: Ipea
portos, aeroportos e hidrovias) somam R$ 10,1 na prestação dos serviços, deterioração da infra-
bilhões, representando queda de quase 50% em estrutura e aumento do custo Brasil. Tal como no
relação ao investimento previsto na proposta de Governo Federal, os Estados sofrem com a crise
orçamento para o ano de 2014. fiscal com impacto direto na sua capacidade de
Como visto, o investimento do setor pú- investimentos.
blico é essencial para a retomada do crescimento Em paralelo à retomada do investimento
econômico e ao longo dos anos, o Governo Fede- público, o governo, como órgão regulador, deve
ral, os Estados e os Municípios vêm diminuindo através de uma regulação eficiente, com regras
de forma progressiva seus valores em investi- claras e previsibilidade, oferecer ao mercado pri-
mentos, incluindo o setor de infraestrutura. vado a possiblidade de continuidade nos investi-
Dados do Instituto de Pesquisa Econômi- mentos, sobretudo em infraestrutura. A parceria
ca Aplicada – Ipea demonstram a queda acentu- entre o investimento público e o privado é, e se
ada desses investimentos de R$ 228 bilhões no faz necessária, para a retomada do crescimento
ano de 2014 para R$ 144 bilhões em 2016, uma econômico, para que o Brasil possa resgatar seu
redução de 37% nos investimentos totais do se- caminho de desenvolvimento sustentável que
tor público. Essa queda acentuada dos investi- foi perdido ao longo dos últimos anos.
mentos é reflexo da crise fiscal que o Estado bra-
sileiro vive em todos os seus níveis. Recuperar a
capacidade de investimentos, por meio de políti- Referências Bibliográficas:
cas públicas, com equilíbrio das contas públicas,
é o grande desafio dos próximos anos.
No que tange aos Estados, os investimen- BACHA, E. L; BONELLI, R. (2004), “Accounting for Bra-
tos totais, incluindo infraestrutura, também apre- zil’s growth experience: 1940-2002”. Rio de Janeiro:Ipea,
2004 (Texto para Discussao, 1.018).
sentam expressiva queda ao longo dos últimos
anos. Dados do Ipea demonstram a redução do BATISTA,, J. C. A. (1987), “A estratégia de ajustamento do
investimento em 2016 para R$ 32 bilhões, núme- segundo plano nacional de desenvolvimento”. Revista de
ros próximos ao ano de 2011. A redução desses Economia Política. São Paulo, v.7, n.2.
investimentos tem como consequência a piora