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MISSIOLOGIA FUNDAMENTAL
UMA ANÁLISE DA GRANDE COMISSÃO À LUZ DE MATEUS 28.18-20
RECIFE
2021
INTRODUÇÃO
Um dos principais textos bíblicos que motivou a Igreja ao longo da história a pregar
o Evangelho de Cristo foi Mateus 28.18-20, conhecido como “A Grande Comissão”.
Por relatar o mandato do Senhor Jesus aos seus discípulos, e consequentemente a
toda Igreja Cristã, esse texto serviu como base para os maiores avanços
missionários em todo o mundo, e continua sendo frequentemente usado como base
missiológica para que igrejas, agências missionárias e vários outros órgãos possam
cumprir o chamado do Mestre, espalhando sua Glória em todas as nações.
Entretanto, observando o uso desta passagem pela Igreja Cristã ao longo de sua
história, principalmente nos últimos séculos e décadas, percebem-se alguns desvios
do verdadeiro sentido da Grande Comissão. Falhas de tradução do texto bíblico,
explicações teológicas contrárias à verdadeira intenção do autor bíblico, entre outros
motivos, podem ter contribuído para que o atual entendimento dessa passagem
esteja distorcido.
ANÁLISE DO CONTEXTO
A autoria deste Evangelho é identificada por toda tradição cristã como sendo
escrito por Mateus, também chamado Levi, o publicano, que convertido chamado
pelo Senhor se tornou um dos apóstolos. Segundo a tradição dos pais da igreja,
como Eusébio e outros, bem como de todos os teólogos como os reformadores, não
há dúvida de que Mateus tenha escrito o Evangelho. Somente a partir do século 18
os críticos começaram a questionar a autoria, porém, sem embasamento
comprovado.
O propósito pelo qual Mateus escreveu este relato foi inspirar os crentes ao
serviço grato e fiel de promover o Reino de Deus ao apresentar Jesus como o Rei
tão esperado e apresentar o Reino que ele trouxe como cumprimento do plano da
redenção de Deus. Diante disso, é clara a relação do propósito deste Evangelho
com o texto de Mateus 28.18-20.
MATEUS 28.18
A chamada Grande Comissão tem início com a expressão: “καὶ προσελθὼν
ὁ Ἰησοῦς” e começa com uma conjunção lógico, conectiva. Esta conjunção
relaciona a perícope com o que fora narrado anteriormente, como uma sequência
dos fatos, do aparecimento de Jesus aos seus discípulos na Galileia. O verbo
“προσελθὼν” é um particípio aoristo, que aponta uma ação praticada pelo sujeito,
antes da ação do verbo principal. Ou seja, antes de praticar a ação mais importante
da sentença, Jesus aproximou-se dos seus discípulos, visto que ele é o sujeito.
Isso não implica que ele não tivesse a autoridade ou que tenha sido perdida
em algum momento. Como Deus, toda autoridade sempre esteve em suas mãos.
Entretanto, como símbolo de sua vitória, como Deus-homem sobre o pecado, sobre
Satanás e sobre a morte, Cristo recebeu o poder e o domínio por direito e por seu
mérito consumado. Como um Rei que vai à batalha e volta vitorioso dela, trazendo
seus despojos e inimigos humilhados, com sua vitória sobre a morte, Cristo recebeu
todo o domínio de seu reinado. O Reino estava plenamente inaugurado sobre os
homens e todas as demais obras de suas mãos.
Ele não usurpou tal autoridade. Ele não a tomou para si, embora fosse seu
por direito. Ele não “usou de usurpação o ser igual a Deus”, mas ele recebeu do pai,
de modo passivo, toda autoridade. O Único que poderia de conferir isso era o
próprio Pai, e foi isso que ele entregou nas mãos de Cristo.
Seu domínio não tem fim, ele não está limitado à esfera espiritual, ou
somente terrena, mas Ele diz que que a autoridade foi recebida no céu e da terra,
indicando que o domínio desse Rei não tem fim, ele se estende por toda a criação,
seja espiritual, seja material. A autoridade que ele tem sobre todas as coisas é de
posse, tudo é seu por direito, ele comprou e pagou por seu direito na cruz.
MATEUS 28.19
A sentença inicial deste versículo é “πορευθέντες οὖν μαθητεύσατε πάντα τὰ
*
ἔθνη”, ela começa com um verbo particípio aoristo, que indica uma oração única,
mas que ocorre anterior à ação do verbo principal. Ele pode ser traduzido como um
gerúndio na língua portuguesa, já que é uma ação contínua no presente, em
desenvolvimento Ele acompanha o verbo seguinte, que é o verbo principal da
oração “μαθητεύσατε”, este é um aoristo, imperativo, ativo, que aponta para uma
ordem que deve ser obedecida. O objeto direto da oração é expresso em “πάντα τὰ
ἔθνη”, que compreende a extensão da ordem dada aos discípulos.
O restante do versículo compreende toda a oração “βαπτίζοντες αὐτοὺς εἰς
τὸ ὄνομα τοῦ πατρὸς καὶ τοῦ υἱοῦ καὶ τοῦ ἁγίου πνεύματος,” O verbo da oração é
“βαπτίζοντες”, que tem uma ação anterior à do verbo principal, por ser um particípio
presente. Geralmente é traduzido como uma ação em curso, no gerúndio. Enquanto
faziam discípulos, ao mesmo tempo deveriam batizar.
O pronome pessoal “αὐτοὺς” aponta o objeto direto da oração, quem recebe
a ação do verbo. Os substantivos genitivos “πατρὸς”, “υἱοῦ” e “ἁγίου πνεύματος”
apontam ideia de posse, no caso, a quem pertence o nome no qual os discípulos
deveriam ser batizados.
Existe um problema na maioria das traduções, quanto ao modo de traduzir
para a língua portuguesa o verbo “πορευθέντες”, a maioria o traduz como um
imperativo, “Ide!”, porém, o verbo é um particípio aoristo, cuja ação vem antes da
ação do verbo principal, devendo ser traduzida como uma ação presente, no
gerúndio “indo”. Todas as versões traduzem o verbo “μαθητεύσατε” como um
imperativo, que nesse caso é, exceto pela versão católica que traz uma tradução
mais aberta. Já a tradução do verbo batizar, é feita pela maioria das traduções como
um gerúndio, menos na versão católica que coloca o verbo como um imperativo.
Nesse caso, se o primeiro verbo da perícope que é indo tivesse que ser traduzido
como um imperativo, de fato, esse também deveria. Porém, não é o caso.
Diferente do que algumas traduções colocam, o verbo ir, não está no
imperativo (Ide!), mas no gerúndio, o que indica que o foco de Jesus não está em
simplesmente ir, mas no que o verbo principal indica que é fazer discípulos. Nós não
cumprimos os ide de Jesus, nós cumprimos a ordem de fazer discípulos.
A extensão dessa tarefa não se limita a uma região específica, mas a todas
as nações da terra, a fim de que em todo o mundo existam representantes diante do
Cordeiro de Deus.
Esse ato de batizar é feito não em nome dos discípulos, ou apóstolos, mas
em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A ideia de nome representa
autoridade, é pela autoridade da Trindade que os discípulos são batizados e
inseridos no povo de Deus. Deus é o seu Deus e eles são seu povo. Um pacto é
estabelecido, não importando a qual nação eles pertençam.
MATEUS 28.20
Outro verbo que merece destaque é “εἰμι”, cuja estado está no presente, em
uma ação em curso. Assim traduzem todas as versões, exceto a NVI, que coloca o
verbo no futuro, precisando, portanto, de correção.
Outro verbo que faz parte do modo como eles deveriam fazer discípulos é
“Ensinando”. Assim como os demais, o modo do verbo acompanha o verbo
principal. Portanto, simultaneamente a fazer discípulos, ir e batizar os convertidos,
eles deveriam ensinar aquilo que Jesus já havia ordenado em seu ministério,
enquanto esteve com seus discípulos.
Por fim, é perceptível, que assim como eles cumpririam essa tarefa pela
autoridade do Senhor, eles também o fariam com a promessa de que ele mesmo
estaria presente todos os dias, já ali. É a presença espiritual de Cristo com os seus
discípulos que os encoraja a cumprir a missão, e ao mesmo tempo que os capacita
a isso. Por isso, sem ele, nada podemos fazer. A promessa do Senhor não termina
somente com o término do ministério dos apóstolos, mas perdura por todos os
séculos, até que todas as coisas estejam consumadas. A promessa de Jesus, é que
hoje, com aqueles que são seus discípulos, ele permanece presente.
CONCLUSÃO