Resumo: revisões críticas de métodos de ensino de línguas antigas têm-se tornado cada vez
mais frequentes, em particular quando se trata do ensino de latim, cujos métodos mais
modernas, mas não, em geral, as línguas antigas, provavelmente devido a não mais serem
orientação.
1
Professor de Língua e Literatura Latinas do Departamento de Linguística, Faculdade de Ciências e Letras
(FCL), Universidade Estadual Paulista (UNESP), Araraquara-SP-Brasil. Email do autor:
jbtprado@uol.com.br. Dos grupos acadêmicos cadastrados no CNPq de que participa, o autor destaca: a)
“LINCEU” - Visões da Antigüidade Clássica (UNESP); b) Tradução e Estudo da Literatura Técnica e
Didática Romana (UFMG); c) Verve: Verbum Vertere - Estudos de Poética, Tradução e História da Tradução
de Textos Latinos e Gregos (USP).
2
Abstract: critical reviews of ancient language teaching methods have become increasingly
common, particularly when it comes to the teaching of Latin, whose most recent methods
propose both formal and didactic strategy updates, such as those developed for electronic
platforms, installed on computers or accessible online through the internet systems, and
those willing to apply didactic and pedagogical formulations typically used in the teaching
method for Latin teaching, based on the description and methods of analysis guided by the
ideas taken from the Saussurean and post-Saussurean Linguistics, has been developed. The
modern language teaching has greatly benefited from the modern Linguistics, but not
generally the ancient languages, probably due to the fact that they being not spoken in the
present. After many years of research and experimentation of the method developed in
FCL-UNESP-Araraquara, this text proposes the discussion of some of the necessary and
Linguistics being acquired by the student of the Latin language, such as the formulation of
learning exercises as well as a new dictionary suitable for this kind of approach and
orientation.
àqueles que só a podem aprender como língua estrangeira – condição comum a todos os
que vieram a estudá-la em Período posterior aos presumidos últimos falantes da língua de
Roma – daí, a necessidade de revisão dos (quase imutáveis) métodos de ensino desse
idioma. Isso já era assim desde pelo menos o século XVIII, quando o humanista português
Luis Antonio Verney, radicado na Itália, escreveu e publicou o seu Verdadeiro Método de
Portugal para lecionar diversas matérias (entre elas, o Latim), objeto de duas das 16
adotassem até então, suas críticas foram endereçadas à Gramática Latina do Pe. Manuel
Álvarez, cuja edição primeira datava do século XVI, portanto, cerca de duzentos anos antes
de seu tempo. A principal crítica que lhe fazia Verney era a de que o volume de Álvarez era
obscuro e grande demais, o que suscitava outras obras menores que a comentassem e
explicassem, além de ser escrita em latim uma obra destinada justamente a ensinar latim
2
Verney, L. A. (1746) apud GALLEGO MOYA, 2006: 246.
3
Trata-se do Verdadeiro Metodo de Estudar. Cartas sobre Retórica e Poética. Introdução e notas de M. L.
Gonçalves Pires, Lisboa, 1991. A edição original é de Nápoles e traz o título: Verdadeiro Metodo de Estudar
para ser util a Republica e a Igreja, proporcionado ao estilo e necessidade de Portugal, exposto em varias
cartas, escritas pelo R.P. *** Barbadinho da Congregacao de Italia, ao R.P. *** Doutor na Universidade de
Coimbra, 2 vols., Nápoles, 1746: informações colhidas passim em GALLEGO MOYA, 2006, p. 237-246.
4
GALLEGO MOYA, 2006: 240.
4
aos que o desconheciam. Uma de suas críticas mais frequentes e incisivas, porém, recai
sobre o exagerado número de “regras inúteis – em verso, em prosa latina e em prosa vulgar
– e a quantidade de versos ardilosos em latim que aparecem nessa obra e que o estudante
deve memorizar”5.
Não é sem mais que o autor estima ser muito difícil persuadir os mestres de então6 a
adotarem práticas renovadas em seu ensino de latim, o que está demonstrado pelo teor das
palavras que dedica ao tema, e que serviram como epígrafe a este texto. Espera-se, ao
menos, que os “mestres” e estudantes do início deste século XXI possam experimentar um
tempo em que tais resistências já tenham sido há muito vencidas, e em que todos tenham já
boa disposição e vontade de sempre rever práticas e avaliar eficácia e pertinência dos
métodos empregados.
Como quer que seja, Verney propõe um modo de vencer as dificuldades impostas ao
aprendizado de um idioma que, por sua contingência de língua do passado e não mais
O método de ensino criado por Lima, cujos princípios são descritos em seu livro
Uma estranha língua? Questões de linguagem e de método (1995), e cuja prática tem
5
GALLEGO MOYA, 2006: 245. Trad. deste autor.
6
As críticas de Verney dirigem-se às práticas da pedagogia do latim fundamentalmente em terras
portuguesas, mas, por tomar em consideração outras gramáticas produzidas na Europa, seu alcance passa a ser
mais vasto e generalizante.
7
Ibidem; v. também n. 47 à mesma pág.
5
norteado o ensino da língua de Roma nos cursos de Latim do Curso de Letras da Unesp de
Araraquara8, tem como pressuposto básico postura crítica semelhante à de Verney, ou seja,
modo compreensivo a língua dos antigos romanos. Mais que isso, para Lima, é possível
por trás da variabilidade mórfica do uso, de tal modo a identificar e separar unidades
pequeno número, de sorte que o número de unidades a serem controladas por meio de que
expediente se deseje – seja a memória, seja outro suporte qualquer – veja-se reduzido a um
Tal idéia levou, por exemplo, à identificação de uma unidade de base do sistema da
língua latina, apta a funcionar como matriz geradora de unidades lexicais: o tema,
verbos, o que lhe pressupõe semelhante tratamento descritivo). O tema será, assim, o termo
com que se designará uma entidade formal da estrutura linguística, constituída de raiz (ou
radical) acrescida de uma vogal, que servirá para classificá-lo em paradigmas sujeitos a
8
Outros materiais que com ele se relacionam diretamente são: a) em matéria de teoria e discussão de práticas
pedagógicas no ensino do latim: LIMA, A.D., PRADO, J.B.T. et al. Latim: da fala à língua. Araraquara:
FCL-UNESP, 1992; b) uma aplicação prática do método discutido por Lima e voltada ao ensino-
aprendizagem propedêutica da língua latina nos Cursos de Letras: PRADO, J.B.T. Língua Latina I:
anotações de aula. Araquarara: FCL-UNESP, 2007 (versão 2.2, divulgada em meio digital, aos estudantes
que iniciam o estudo do latim no Curso de Letras da UNESP-Araraquara).
9
Por isso mesmo chamados, na aplicação prática do método de Lima (sc. Língua Latina I: anotações de
aula; q.v. nota anterior), morfemas funcionais (mas também seria possível designá-los por casuais, se se
6
e que, por essa razão, será chamada vogal temática (ex.: leaena-, palavra de tema -a-; oui-,
palavra de tema -i-; lupo-, palavra de tema -o-; e assim por diante).
itens que não o fazem – ocorrências em que inexiste vogal indexadora do paradigma de
classe – nos casos em que venha a faltar essa vogal, dizia-se, o tema será identificado ao
radical (ou raiz); vale dizer, tema e radical serão idênticos. Nesses casos, por oposição aos
temas propriamente ditos – todos vocálicos por natureza e definição – esses itens serão
identificados por suas consoantes de fechamento, o que produzirá um tema, por assim dizer,
consonantal.
aproveitando nomenclatura e descrição sugeridas por Carvalho (1973: 596), pode-se definir
tema como uma palavra puramente semântica, isto é, uma palavra teórica,
plenamente com qualquer das realizações concretas do léxico, muito embora esteja ela
presente de forma virtual num dado conjunto de realizações. A palavra semântica que é o
tema é dedutível a partir de seu contraste e oposição com uma palavra lexical, que é uma
unidade concreta, completa e funcional do léxico, e em que, por sua vez, estão presentes,
virtualmente, palavras semânticas que são os temas. Um tema será, desse modo, uma
unidade da estrutura linguística do latim, fato que impõe uma nova abordagem na descrição
do idioma latino, bem como – e em decorrência disso – de uma nova forma de organizar as
pretende fazer referência aos casos latinos de que eles fazem parte e, ao mesmo tempo, indicam; ou, ainda,
flexionais, para indicar que funcionam por mecanismo de flexão léxico-vocabular).
7
necessária renovação da didática do latim, e que vai conduzir à proposta de uma solução
estudo da forma que a Lingüística, na esteira de Saussure, confere ao estudo das línguas
particulares:
sedimentação pelo uso, trabalho empreendido por parte do estudante. Cumpre acrescentar
que, embora haja que se reconhecer a existência de vários latins (i.e., os que emergem de
10
LIMA, 1995: 114. Nessa passagem, a partir da oposição metodológica, teórica e de objeto entre filologia
clássica e linguística saussureana, Lima funda seu argumento definitivo para o emprego de textos latinos
legítimos no ensino-aprendizagem do latim, legitimidade verificável na condição de cada autor antigo como
falante nativo do idioma de Roma; ao fazê-lo, também “une pólos opostos”, por assim dizer, numa elegante
proposta de reencontro entre ambas disciplinas, uma vez que quede claro o lugar ocupado por cada uma no
processo. A irreconciliabilidade entre elas, de que ali fala Lima, é questão de método, objeto e teoria, mas não
de “produto”: o texto recuperado pelo filólogo é o terreno sobre o qual se debruça o linguista e, por
conseguinte, o professor de latim na preparação de seu material didático.
8
modernos, o latim que serve de suporte e veículo à cultura dos antigos romanos é aquele
cujas falas só chegaram aos tempos modernos através dos textos que o melhor trabalho
Assim sendo, não há senão que começar por eles, o que implicará sempre um
clássico já determina qual seja tal sincronia: o dos textos produzidos no período chamado
amplo, por isso, não é ocioso sublinhar que é bem razoável conceber que o melhor começo
seja empreendido por aqueles textos que, embora investidos de graus variados de outros
níveis possíveis de leitura – sc. retórico, poético, político, filosófico etc. – remetem, pelo
menos em seu nível mais superficial e imediato, a significados e sentidos o mais possível
toda e qualquer idioma já requeira. Dessa forma, e procedendo de forma a pensar numa
progressão metodológica que se inicia sempre com aquele aluno que deve aprender as
primeiras oposições estruturais do sistema dessa língua antiga, poder-se-á tomar a cada vez
pequenos textos, como, por exemplo, o de Fedro, II, 1, 1-2 conforme segue:
11
PHAEDRUS, 1969.
12
Trad. do autor, em redondilha maior.
9
linguístico, mas só no limite do que é dado simular de falas latinas legítimas, ou seja,
daquelas que tenham sido enunciadas no longínquo passado em que o latim era língua
materna de romanos e romanizados, bem como língua de comunicação oral dos aculturados
e colonizados, de modo a permitir que nele se expressasse, por exemplo, esse escravo
liberto da Macedônia, dela tornado senhor, que foi Fedro, de tal forma que tal maestria lhe
permitiu vir a ser o maior dentre os fabulistas latinos. Em outras palavras, se esse pequeno
texto for recortado por um aparato interrogativo de pronomes, advérbios e locuções, a fim
tradição atribuiu o nome declinação. Logra-se isso, por exemplo, da forma como sugere o
já citado Lima (1995: 128-9), e cujo exemplo, atualizado neste texto, pode ser
texto de Fedro13, que formam um singelo, porém não por isso menos eficiente diálogo:
13
Lima indica esse mesmo procedimento na passagem referida, valendo-se, porém, de outra passagem de
texto latino (extraída do De Agri Cultura, de Catão).
14
Os colchetes pretendem indicar, aqui, a porção de enunciado que pertence à “resposta completa”, ou seja,
àquela porção do enunciado que retoma e refaz os mesmos componentes morfossintáticos já contidos no
enunciado interrogativo. Fora dos colchetes, portanto, figura a “resposta essencial”, ou seja, o termo ou
sintagma sobre o qual recai e interrogação inicial e que é seu alvo principal.
10
desdouro de cometer falsidades ideológicas sobre o que se conhece da Roma antiga, e isso é
momento e ao sujeito propiciados por cada situação, mas sempre de acordo com certos
admitir que nada substitui a motivação pessoal, com a qual se superam barreiras e se
vencem obstáculos, motivo pelo qual se admite que, a isso, se submetem os métodos de
ensino. Assim também se torna válida sua recíproca: sem a concorrência da vontade, nem o
melhor método já concebido para uma dada situação poderá aplacar eventuais
15
O conceito gerativo de competência é uma concepção dinâmica do conceito saussureano de língua, que, por
isso, passa a ser concebida não mais como estado, mas já como processo. O aspecto competência encara a
língua como a instância responsável pela capacidade de, a partir de um conjunto finito de regras – sua
gramática – codificar e decodificar um número potencialmente infinito de enunciados. Desse ponto de vista,
que é mais sintagmático que paradigmático, a performance é entendida como a atualização desse processo, ou
seja, é o fazer que, de fato, produz os enunciados de forma potencialmente inesgotável (cf. GREIMAS, A.;
COURTÉS, A., 1983: 61-4, s.v. Competência).
11
discursiva que ele pretende gerar, pois, dessa forma, valerá para o estudante – qualquer
estudante – o que Apuleio afirma a respeito de certo jovem que, tendo perdido os pais, foi
criado por um tio, de quem sofreu uma deletéria influência, a ponto de só falar cartaginês,
imperial, não ser capaz nem mesmo desejar aprender a falar latim16.
Assim, ao estudante das séries iniciais de latim bastará apresentar tais dados,
organizados desta ou de maneira ainda mais sintética e em que se insista ainda mais na
unidade formal que as flexões exibem entre si, com o fito de evidenciar as matrizes
flexional, como se empreende, por ex., na descrição do sistema desinencial do nome latina,
contido nas lições da aplicação prática das lições teóricas de Lima (1995), que vem a ser o
indicação e descrição de todas as classes flexionais, quais sejam, pelo menos a dos nomes
substantivos e adjetivos, bem como a dos verbos17, precisam ser revistas e reelaboradas, de
16
Cf. APULEYO, Apologia, 98: Loquitur nunquam nisi Punice et si quid adhuc a matre graecissat; enim
Latine loqui neque uult neque potest. “Ele nunca fala senão cartaginês e, se ainda sabe algo de grego, veio da
mãe; de fato, não sabe nem quer aprender falar em latim.” (Trad. e grifos do autor deste artigo).
17
Os verbos não se incluem, é óbvio, nos mesmos paradigmas flexionais dos nomes, embora funcionem a
partir do mesmo sistema de flexão alternante (morfemas distribuídos em conjuntos de “conjugações”, com
variantes de modo-tempo e pessoa-número) em base semântica estável (tema). É oportuno mencionar que se
excluíram desse rol os pronomes porque, por pertencerem, ao mesmo tempo, às dimensões textual e
discursiva da língua, deveriam ter tratamento privilegiado, compatível com seu papel de agentes coesivos e
articuladores de sentido. Além disso, constituem uma classe de itens em que o uso tanto mesclou variantes
12
modo a abandonar a tradicional (porém de todo arbitrária) descrição – praticada pela forma
do nominativo singular, em geral seguida da porção radical de cada item, terminada pelo
Com o se sabe, esse método de composição do lema ou entrada dos itens lexicais,
de latim empregam esse termo sempre no plural para etiquetar grupos de variações formais,
o que gera uma confusão entre níveis descritivos, já que a declinação é propriedade da
língua latina, ao passo que as variantes morfêmicas são dados do uso do idioma), por
exemplo, é que os termos do léxico não podem ser evocados por uma única configuração
mórfica estática, já que tais configurações assumirão formas variadas de acordo com o
valor expressivo que um termo tiver em relação ao contexto frasal em que vier a ocorrer.
Em razão disso – e segue-se, aqui, a solução para a questão declinatória, sem a necessidade
elencá-los através de uma unidade abstrata estrutural, vale dizer, o tema, virtualmente
mórficas, oriundas de temas nominais – aqueles em -o-/-a- e também -i- – como também conservou flexões
de sincronias anteriores àquela do período clássico (e.g., o morfema -ius, relator de genitivo singular); q.v.
PRADO, 2013. A solução será, por exemplo, proceder à descrição deles por meio de macro-lexias, de forma a
que todas as variantes mórficas possíveis fossem assinaladas em entradas independentes, para, por mecanismo
de remissão, apontarem o signo de cobertura lexical máxima – a ser consignado, idealmente, pelo tema,
como o deveriam ser, aliás, todos os signos latinos de categorias flexivas, devido à natureza declinatória do
idioma. Um tal signo comportaria a descrição dos traços sêmicos mais relevantes, sem dispensar, no presente
caso, ponderações acerca de seu emprego, sem as quais a descrição dicionarizada dos pronomes, dado o seu
caráter único dentro dos sistemas linguísticos, quedaria incompleta e, portanto, estéril.
13
termos históricos, no entanto, ocorreu que somente foi possível chegar a semelhante
terem sido organizados os primeiros dicionários de latim, que fundaram uma tradição
perpetuada após as primeiras práticas adotadas e reproduzidas ao longo dos séculos. Por
esse motivo, e também devido ao fato de já os gramáticos latinos terem fixado uma das
formas desinenciais – a de nominativo singular – para figurar como lema (rótulo) formal
tais entradas por meio da forma de nominativo singular, seguida de uma porção do tema da
pelo uso do idioma latino, com diferentes substâncias da expressão, na quase totalidade dos
o tema do signo em questão (esse é o caso, p. ex., de lupus, -i, s.m., “lobo”, que serve a
identificar o grupo temático -o-, por oposição, por exemplo, a manus, -us, s.m., “mão”, que
de uso do latim; b) à forma histórica com que gramáticos latinos pensaram a lematização
dos itens nominais do léxico; c) ao fato de que, em geral, as formas de nominativo singular
podem apresentar diferença considerável em relação ao tema mais produtivo de cada termo,
existe uma vantagem estratégica em que cada item nominal do léxico seja descrito também
latim, porém, de forma diferente da deles, cada entrada no nominativo deveria ser seguida
1. para os temas vocálicos, com o nominativo singular seguido de vogal temática. Por
exemplo: ancilla (-a-), s.f.: “criada”; acies (-e-): s.f.: “ponta, gume”; ouis (-i-), s.f.:
“ovelha”; dominus (-o-), s.m.: “patrão”; manus (-u-), s.f.: “mão”, etc.;
cultura romana); miles (milĕt-), s.m.: soldado; dux (duc-), s.m., “general”; plebs18
(pleb-i-), s.f.: a plebe romana; fraus (fraud-), s.f..: engano, trapaça; rex (reg-), s.m.:
vocabular consiste em registrar a forma alotemática dos itens lexicais que tenham sofrido
“erosão” fonética ao longo da sucessão das várias sincronias do latim, de tal forma a
assinalar tais variações mórficas diretamente na informação do tema que vem descrita entre
parênteses, por exemplo desta forma: princeps (princĭp-), s.m.: “príncipe”; miles (milĭt-),
s.m.: soldado; caput (capĭt-), s.n.: cabeça; corpus (corpŏr-), s.n.: corpo; uellus (uellĕr-), s.n.:
velo, tosão, e assim por diante. Tal procedimento descritivo também representa uma útil
18
Está claro que plebs e assemelhados merecem tratamento descritivo diferenciado, já que: a) de acordo com
dados de fonética histórica, sabe-se ter sido pronunciado pleps – forma, aliás, atestada em fontes escritas (p.
ex.: em Sal., Rep. 1.7.2; em Liv., A.V.C., III.27; em inscrições, como no C.I.L. II.34.53, etc.) – porque, em
latim, quando um fonema sonoro é seguido de outro surdo, acaba por ter seu traço sonoro neutralizado, o que
resulta no surgimento de seu homorgânico surdo (dessa forma, o fonema /b/ passa a /p/ em presença do /s/ de
nom. sg.). Em algumas sincronias do latim, plebi- foi empregado como vocábulo de tema -i-, fato atestado
pela forma do genitivo plural plebium (cf. ERNOUT, 1974, p. 39 para o ensurdecimento do fonema sonoro;
também p. 37, para o gen. pl. -ium). A fim de registrar a flutuação da vogal temática -i-, que sofreu síncope
sistemática na forma de nominativo singular, a adoção de uma forma convencionada na descrição do tema
bastará para indicar esse e demais fatos correlatos, por exemplo, desta forma: pleb-i- , ou seja, com o destacar
a vogal temática da raiz por meio de hífen. O caso de pleb-i-, entretanto, é algo particular, porque, a partir de
determinada época, o tema cindiu-se nas variantes plebe-/pleb-i- (ibid. p. 68). Sendo assim, os casos mais
típicos e que melhor ilustram tal fenômeno pertencem ao grupo dos antigos temas -i- que sofreram síncope da
vogal temática nas flexões de singular (e que deveriam vir representados da forma como aqui se indica),
como, p. ex.: ment-i- (nom. sg. mens); mort-i- (nom. sg. mors); part-i- (nom. sg. pars), etc. (ibid. p. 55).
15
dessa forma indicado, é potencialmente muito superior à do tema histórico inicial (presente,
procedimento – porque mais consistente e embasado nos dados tornados disponíveis pelo
esforço da melhor filologia – consiste em indicar apenas o tema nos dicionários de latim,
singular), com que frequentam os textos do período clássico do idioma da Roma antiga.
Sublinhe-se também que, sobretudo nos temas consonantais, suas formas rádico-
temáticas, ou seja, aquelas que, na proposta de lematização aqui veiculada, figuram entre
parênteses, são as que maior probabilidade têm de ocorrer nos enunciados, simplesmente
porque o número de formas que é possível gerar a partir delas é muito superior à da
ocorrência do nominativo singular, numa razão de, aproximadamente, 9:2 (nove formas
singular e plural dos cinco casos funcionais do latim, descontada a forma do nominativo
Por último, resta observar que, à semelhança de como se procedeu neste artigo com
que deve trabalhar um método de latim deve, idealmente, ser constituído a partir do
das lições. O fundamento para sua constituição e incremento deverá proceder da fonte
textual escolhida para a formação da propedêutica do latim. Dessa forma, se a seleção do(s)
16
texto(s) inicial(is) for balizada pelo critério de menor índice de abstração, em favor da
aluno que inicia seus estudos em latim19, o vocabulário das seções do material deverá ser
constituído por itens que frequentem e integrem o córpus escolhido e ser incrementado aos
por consequência, uma natural expansão dos dados léxicos com os quais trabalhe o
Referências Bibliográficas:
Romanorum Mexicana).
2. BRUNO, H; DEZOTTI, J.D.; FIORIN, J.L.; LIMA, A.D.; PRADO, J.B.T. Latim: da
19
Convém, neste ponto, sinalizar que NADA impede, a rigor, que seja escolhido qualquer texto latino, desde
que, pelas razões já apontadas anteriormente, a seleção seja feita com base no critério de legitimidade
linguística do autor que o escreveu, pautada na condição de ter sido ele falante de latim, por oposição, por
exemplo, àqueles que o aprenderam nos bancos da escola e que já não se exprimiram nesse idioma como
língua natural de comunicação, mas, se o fizeram, foi como resultado de convenção comunicativa adotada em
determinados momentos da história. Esse, sem dúvida, será também um dos latins de que se dispõe, mas um
outro, cuja alteridade e natureza não chegam a qualificá-lo para servir de base ao estudo do idioma dos
antigos romanos e latinos, embora ele possa oferecer, é claro, outros interesses que motivem estudos de outras
ordens, em momentos posteriores a do estudo propedêutico desse idioma.
17
Klincksieck, 1974.
EdUNESP, 1995.
Guaglianone (ed.), 1969. In: PHI 5.3. Latin texts and Bible versions. The Packard
10. PRADO, J.B.T. El sistema pronominal latino: su descripción y cómo enseñarlo. In: