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22/07/2022 13:22 Diversidade: o valor das ações afirmativas para a ciência | Nexo Jornal

COLUNA

LILIA
SCHWARCZ
(/colunistas/autor/Lilia-
Schwarcz)

Diversidade: o
valor das ações
afirmativas para a
ciência
18 de jul de 2022

TEMAS

SOCIEDADE (/TEMA/SOCIEDADE)

BRASIL (/TEMA/BRASIL)

É essencial que os agentes políticos levem em


consideração as evidências numa eventual
revisão da Lei de Cotas, uma das políticas
públicas mais importantes das últimas
décadas

A proximidade das eleições nos faz refletir sobre a


importância da ciência no desenvolvimento de políticas
públicas que serão essenciais para a reconstrução do país. Ao
discutir esse assunto, porém, é essencial pensar que a
diversidade é condição para a produção de ciência de
qualidade, na graduação e na pós-graduação.

As cotas transformaram os cursos de graduação nas


universidades federais
(https://pp.nexojornal.com.br/opiniao/2022/As-
universidades-federais-depois-das-cotas) e estaduais em
termos sociais e étnico-raciais. A pós-graduação, contudo,
não alcançou os mesmos resultados. Dados de Censo de 2010
https://www.nexojornal.com.br/colunistas/2022/Diversidade-o-valor-das-ações-afirmativas-para-a-ciência 1/5
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(https://www.scielo.br/j/edur/a/tkrr6kbbwzbs946mc96xG
Wp/?lang=pt) indicavam uma relação de 19 negros (pretos e
pardos) para cada grupo de 100 doutores brancos. Dados da
Plataforma Lattes analisados por mim
(https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/12384#preview-
link0) em 2017 também apontam para 79% de doutores
autodeclarados brancos.

A diversidade é um forte argumento em favor de ações


afirmativas na pós-graduação. Evidências apontam que ela
proporciona excelência e inovação, pois pessoas com
diferentes identidades e experiências podem trazer novas
questões de pesquisa, desenvolver outras abordagens
metodológicas e analíticas para a solução de problemas.
Logo, ela é fundamental para que façamos uma boa ciência
(https://www.nature.com/articles/513279a) .

É nesse cenário de desigualdade que alguns programas de


pós-graduação e universidades públicas começaram a criar
ações afirmativas para promover o acesso de grupos
vulneráveis. A Uneb (Universidade do Estado da Bahia) foi a
primeira universidade pública a criar, em 2002, uma ação
afirmativa para pós-graduação. No entanto, apenas a partir
de 2012 (https://www.obaap.com.br/dados/linha-do-
tempo/) essas políticas passaram a ser criadas com maior
intensidade.

Em 2016, o Ministério da Educação editou a Portaria


Normativa 13/2016 (https://www.obaap.com.br/politicas-
de-inclusao-na-pos-graduacao-os-bastidores-e-o-historico-
da-edicao-da-portaria-normativa-13-2016/) , que
determinou que instituições federais de ensino superior
deveriam apresentar propostas para a inclusão de pretos e
pardos, indígenas e pessoas com deficiência na pós-
graduação. A portaria exerceu um papel indutor
(https://www.obaap.com.br/politicas-de-inclusao-na-pos-
graduacao-os-bastidores-e-o-historico-da-edicao-da-
portaria-normativa-13-2016/) e órgãos colegiados de
programas e universidades discutiram a inclusão de vários
grupos na pós-graduação.

‘A FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS


BASEADAS EM EVIDÊNCIAS É
EXTREMAMENTE IMPORTANTE PARA UM
FUTURO MENOS DESIGUAL.’

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22/07/2022 13:22 Diversidade: o valor das ações afirmativas para a ciência | Nexo Jornal

A análise da criação de ações afirmativas na pós-graduação


não é um trabalho simples e enfrenta entraves, pois existem
mais de 4.000 programas reconhecidos pela Capes
(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior). Como os programas são autônomos para definir
seus critérios de admissão e preparar seus editais, isso faz
com que as informações fiquem espalhadas em milhares de
sites, daí a escassez de dados centralizados sobre tais
políticas.

O obaap (Observatório de Ações Afirmativas na Pós-


Graduação) (https://www.obaap.com.br) é uma iniciativa de
pesquisa e divulgação científica que visa reunir informações
que estavam dispersas, permitindo que dados fiquem
organizados e acessíveis a qualquer pessoa ou instituição
interessada. Um mecanismo de busca permite a tomadores
de decisão localizar editais
(https://www.obaap.com.br/editais/) e resoluções
(https://www.obaap.com.br/resolucoes/) e, a partir daí,
identificar modelos para formular políticas.

Com base no monitoramento periódico de editais e


resoluções publicados até 2021, identificamos que 54% dos
programas acadêmicos de universidades públicas (1.531)
adotam alguma modalidade de ação afirmativa, indicando
um avanço expressivo em relação aos dados levantados
previamente
(https://www.scielo.br/j/cp/a/dyyLjXzMKQCwnbz4DwZCG
dK/abstract/?lang=pt) . Nota-se a predominância da
modalidade de cotas (adotada por 73% dos programas), bem
como a inclusão de um espectro diverso de beneficiários, tais
como pretos, pardos, indígenas, pessoas com deficiência,
quilombolas, trans, entre outros.

Logo, os dados indicam que as ações afirmativas já são uma


realidade na graduação e na pós-graduação. Porém, não
basta garantir apenas o acesso dos estudantes: é crucial que
universidades, governos e agências de fomento pensem em
políticas para a sua permanência.

Nos últimos anos, as universidades públicas foram


impactadas por uma série de cortes orçamentários
(https://brasil.elpais.com/brasil/2019/05/02/politica/15568
19618_348570.html) e mudanças nos critérios para
distribuição de bolsas de iniciação científica e pós-graduação
(https://brasil.elpais.com/brasil/2019/09/03/politica/15675
42296_718545.html) . Os cortes afetaram o funcionamento
(https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/09/com-

https://www.nexojornal.com.br/colunistas/2022/Diversidade-o-valor-das-ações-afirmativas-para-a-ciência 3/5
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corte-nas-federais-salas-de-aula-ficam-sem-luz-e-
restaurante-perde-bife.shtml) das instituições e foram
acompanhados de declarações e atos que desmereciam
(https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,mec-
cortara-verba-de-universidade-por-balburdia-e-ja-mira-unb-
uff-e-ufba,70002809579) o investimento público em
ciências. Segundo a SBPC (Sociedade Brasileira pelo
Progresso da Ciência), mudanças nas regras da Capes
(https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2020/03/novos-
criterios-da-capes-vao-cortar-bolsas-ate-de-cursos-de-
excelencia.shtml) resultaram na eliminação de mais de 8.000
bolsas
(https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2020/07/06
/capes-corta-10-das-bolsas-e-penaliza-regioes-mais-pobres-
diz-estudo.htm) de pesquisa em todas as áreas do
conhecimento.

A retirada de recursos das universidades públicas prejudica a


ciência, pois essas instituições agrupam a maior parte da
pesquisa e do conhecimento científico produzido no país
(https://jornal.usp.br/universidade/politicas-cientificas/15-
universidades-publicas-produzem-60-da-ciencia-brasileira/)
. Os cortes também afetam as políticas de permanência e
assistência estudantil, afetando sobretudo aqueles que mais
precisam de apoio governamental, em sua maioria,
estudantes cotistas da graduação e pós-graduação.

Soma-se a isso a discussão da revisão da Lei de Cotas


(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2012/lei/l12711.htm) , que reserva vagas em cursos de
graduação de instituições federais e beneficia estudantes de
escolas públicas, baixa renda e autodeclarados pretos,
pardos, indígenas e com deficiência.

A lei prevê a necessidade de revisão da política após 10 anos,


não havendo previsão de prazo de vigência temporária.
Assim, ela permanece em vigor até ser modificada ou
revogada por outra, seguindo o disposto no artigo 2 da Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei nº
4.657/42 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/Del4657compilado.htm) ). Destaca-se ainda que o caso da
Lei de Cotas é diferente da Lei 12.990/14, que dispõe sobre
cotas nos concursos federais, pois esta última prevê,
expressamente, que sua vigência é de 10 anos. Portanto, não
é possível interpretar que a política da Lei de Cotas será
suspensa ou extinta após o prazo de 10 anos ou caso o
Congresso não faça sua revisão.

https://www.nexojornal.com.br/colunistas/2022/Diversidade-o-valor-das-ações-afirmativas-para-a-ciência 4/5
22/07/2022 13:22 Diversidade: o valor das ações afirmativas para a ciência | Nexo Jornal

Sem dúvida a revisão da Lei de Cotas será incluída no debate


eleitoral. Como o tema conta com ampla produção científica,
é essencial que os agentes políticos levem em consideração as
evidências numa eventual revisão de uma das políticas
públicas mais importantes das últimas décadas.

A formulação de políticas públicas informadas pela ciência e


baseadas em evidências é extremamente importante para a
construção de um futuro sustentável e menos desigual.
Quanto mais diversa for a ciência, mais ela será inovadora e
capaz de apoiar o desenvolvimento de políticas públicas mais
efetivas para os diferentes problemas que afetam a
população.

Esta coluna foi escrita para a campanha


#ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Anna
Carolina Venturini é pós-doutoranda no Cebrap (Centro
Brasileiro de Análise e Planejamento) e coordenadora do
Obaap).

Lilia Schwarcz é professora da USP e global


scholar em Princeton. É autora, entre outros, de “O
espetáculo das raças”, “As barbas do imperador”,
“Brasil: uma biografia”, "Lima Barreto, triste
visionário”, “Dicionário da escravidão e liberdade”,
com Flavio Gomes, e “Sobre o autoritarismo
brasileiro”. Foi curadora de uma série de
exposições dentre as quais: “Um olhar sobre o
Brasil”, “Histórias Mestiças”, “Histórias da
sexualidade” e “Histórias afro-atlânticas".
Atualmente é curadora adjunta do Masp para
histórias.

Os artigos publicados pelos colunistas são de


responsabilidade exclusiva de seus autores e não
representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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