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Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Os Cafés Históricos do Porto na


1ª metade do século XX

Ana Rita Marques Marinho Hierro Lopes

Trabalho realizado para a unidade curricular de Métodos e Técnicas


de Investigação em História da Arte, leccionada pelo professor Nuno
Resende

Porto
2013
Introdução

Este trabalho é sobre os Cafés Históricos do Porto durante a 1ª metade do século


XX e surge no âmbito da unidade curricular de Métodos e Técnicas de Investigação em
História da Arte. Sendo um tema sugerido pelo professor, achei-o pertinente devido ao
seu carácter explicativo sobre as condições socioculturais e artísticas desta cronologia.
Escolhi-o também devido às mudanças e acontecimentos que frequentemente ocorrem
nos nossos dias nestes estabelecimentos, conservando-os no seu estado original ou
transformando-os através de franchisings.

O principal objectivo deste trabalho é caracterizar uma tipologia de cafés que


surge na cidade do Porto na 1ª metade de XX, percebendo as suas diferenças e
semelhanças e fazer um paralelo com a situação actual da baixa portuense.

Para realizar este trabalho, usei a Metodologia da Norma Portuguesa 401.


Comecei por fazer um levantamento geral dos cafés desta cronologia na bibliografia
seleccionada e, a partir daí, seleccionei os que me parecem mais relevantes em termos
arquitectónicos e sociológicos. Para a redacção deste trabalho não utilizei o Acordo
Ortográfico em vigor.

O corpo do trabalho divide-se em duas partes, em que a primeira faz uma breve
exposição sobre os cafés escolhidos e a sua arquitectura, interior e exterior, e a segunda
reflecte sobre o estado actual dos mesmos.

Cafés Históricos do Porto

Desde o século XIX que os cafés do Porto funcionam como espaço social e
cultural da sociedade portuense e são o reflexo das veias de arquitectura deste tempo e
também os elementos de decoração interiores e exterioresi. Alguns do cafés que mais
marcaram a vida portuense na 1ª metade do século XX foram: A Brasileira, o Majestic,
o Imperial, o Palladium, o Monumental, o Avenida, o Sport, o Guarany e o Astória.

A Brasileira abre a 4 de Maio de 1903 com Adriano Teles, um farmacêutico


português que esteve emigrado no Brasil, na Rua Sá da Bandeira. Ao regressar abre
então este estabelecimento com o objectivo de vender café a peso importado do Brasil.
A Brasileira rapidamente ganha sucesso graças às chávenas oferecidas aos clientes e

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através da publicidade espalhado pela Invictaii, gerando vendas altas e uma procura pelo
verdadeiro sabor do café. Grande parte dos clientes habituais eram artistas de teatro,
visto a proximidade ao Teatro Sá da Bandeiraiii. Ao longo dos anos, A Brasileira foi
aumentando o seu espaço criando um salão de café e até uma publicação quinzenária
homónima que durou 3 décadasiv, mas actualmente, após dificuldades financeiras, o
espaço está ocupado pelo franchising Caffè di Roma. Contudo, ninguém é indiferente a
arquitectura exterior deste café que torna a sua fachada um ex-libris do Portov. Imbuída
no espírito da Arte Déco, usa e abusa do ferro forjado na fachada do café e
interiormente há espelhos nas paredes e ornamentação com estuque pintado e motivos
vegetalistas.

O café Majestic é um dos mais significativos exemplos da Arte nova na cidade


do Porto, sendo inaugurado em 1921 na Rua de Santa Catarina. Desde a decoração aos
equipamentos típicos de um café, o Majestic é conhecido pelo luxo e pela sua veia
cultural, pois os seus clientes eram pessoas ligadas às Belas Artes, como por exemplo
Júlio Resende. Ainda hoje é considerado como um dos mais belos do mundo,
destacando-se pelo tecto em estuque, pelos vários espelhos de cristal nas paredes,
cadeiras com ornamentos e mesas com tampos de mármore, provando que resistiu à
mudança do estilo clássico para o modernovi. Para além da sala de casa há um jardim na
parte traseira e ainda um piso inferiorvii. O café Majestic é um exemplo de uma marca
intemporal da cidade do Porto, visto que os cafés vizinhos foram sendo fechados para
dar lugar a outros negóciosviii.

O café Imperial situa-se à frente da praça da Liberdade, aberto da década de 30


na Avenida dos Aliados. A fachada deste café causava grande impacto graças à porta
giratória de cobre e cristal que permitia o acesso ao interior e à estátua, uma águia em
bronze. Já no interior, o café dividia-se em duas partes, uma para venda de café, tabaco
e publicações e outra para o seu consumo e vendaix. Este último consista numa sala
espaçosa com diversas mesas e cadeiras. As paredes estavam cobertas com vidros e com
um friso com relevos e por cima dos balcões existentes havia um vitral tipicamente
Decó, com pinturas de cenas relacionadas com o cultivo, transporte, transformação e
consumo do caféx. No andar inferior existia uma sala com bilhares e no 1º piso existia
outra sala e um bar com um terraço. Nos nossos dias, o café Imperial deixou de existir
com esse nome, e passou a ser um franchinsing da cadeia de fast food McDonald's.

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Apesar de não se ter desfeito da decoração original, este espaço conta com novos
equipamentos funcionais.

O café Palladium situava-se na Rua de Santa Catarina, no antigo edifício dos


Armazéns Nascimento, projectado pelo arquitecto Marques da Silvaxi. Este café também
tinha a sua decoração inspirada na Arte Decó. Havia colunas de vidro cor-de-rosa
espelhado e com gravações a ácido e também néons que iluminavam o interior e o
exteriorxii. Tinha três andares: no piso térreo funcionava o salão de café e chá, no
segundo piso estavam os bilhares e no terceiro funcionava um cabaret. Para além disso,
eram frequentes os concertos com orquestra para animação. “Café de Café só o do
Palladium” era o seu slogan publicitário que atraiu várias personalidades como Júlio
Resende e José Régio. Tal como o café Imperial, actualmente este espaço encontra-se
ocupado por uma loja FNAC e outra da cadeia de roupa C&A.

O café Guarany é um dos melhores exemplos do típico café portuense da 1º


metade do século XX. Situado na Avenida dos Aliados e com o projecto do arquitecto
Rogério de Azevedoxiii, o Guarany tem características semelhantes a outros como, por
exemplo, o Imperial, distribuindo pelo seu espaço vários relevos em mármore do artista
Henrique Moreiraxiv e elementos decorativos tipicamente Decó. No rés-do-chão
funcionava a sala principal de café e na cave funcionava o restaurante que oferecia um
sofisticado sistema de ventilação, arrefecendo ou aquecendo o espaço xv. Seguindo a
moda da altura, contava com concertos de orquestras frequentemente. Contudo, para
rentabilizar o espaço, foi tornado também restaurante, o que fez com que fosse
necessária uma adaptação do equipamento. Foi-lhe ainda acrescentado uma esplanada
na parte exterior do espaço, para rentabilizar a largura do passeio da Avenida dos
Aliadosxvi. Actualmente, encontra-se restaurado segundo os moldes da sua inauguração,
funcionando como café e restaurante.

O café Sport abre a 23 de Setembro de 1929, assumindo um estilo moderno.


Como indica o nome tem uma ligação com o desporto, sendo possível verificar isso
através dos painéis do artista António Costa que estão presentes no interior do espaço,
representando várias modalidades desportivas, entre elas o golf e o ténisxvii. Era descrito
como “moderno, estranho e bizarro”, mas queria diversificar o tipo de clientes devido a
“importância do divertimento de massas que gerava uma até então desconhecida classe
de ídolos”xviii. Ao exemplo de outros cafés é adicionada uma sala com bilhares em 1936

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e em 1943 o salão principal é remodelação, sendo acrescentados espelhos nas paredes e
um vitral no fundo, fazendo com que o estilo modernista e bizarro se desvanecesse.
Encerrou na década de 60.

O café Monumental na Avenida dos Aliados inaugura a 10 de Janeiro de 1930. É


aclamado pela imprensa como "o café excede, em luxo e conforto, tudo o que se poderia
prever de melhor e maior. é único, é formidável. É monumental"xix. Esta aclamação
também se deve à organização do espaço, visto que na cave funcionava o restaurante e o
bar, ao nível da rua o café (com palco para orquestras de jazz e de música clássica,
seguindo a moda da altura) e no 1º andar uma sala com 24 bilhares. Na decoração
interior, havia numerosos espelhos nas paredes e motivos vegetalistasxx. Em termos de
equipamentos, trouxe uma novidade, um secador de mãos automático e um sistema
sonoro com altifalantes que emitam som em todos os andares. Actualmente este espaço
está ocupado por um stand da Ford.

Por ultimo, o café Astória surge a 12 de Março de 1932, próximo da estação de


S. Bento no edifício das cardosas. Anuncia-se como café-cervejaria e segue o mesmo
modelo de construção do café Monumentalxxi: bar e cervejaria no rés-do-chão, café e
salão de chá no 1º piso e sala de jogos no 2º andar. Os clientes que frequentavam este
café eram em grande quantidade viajantes e por esse mesmo motivo, o Astória ajustava
os horários das refeições aos horários dos comboiosxxii. Encerra a 15 de Abril de 1972,
mas encontra-se actualmente em construção na mesma rua. Em termos de decoração, o
café Astória adequava-se ao estilo modernista.

Situação Actual

Há uns anos atrás assistia-se a uma decadência na baixa portuense. Como Maria
Costa afirma, "Ao fim da tarde, terminado o horário de trabalho, a Baixa morre. É esse
o principal factor, dificilmente contrariável, do progressivo desaparecimento dos cafés
da baixa e da sua proliferação nas zonas periféricas"xxiii.

Porém, hoje em dia, verifica-se uma perspectiva completamente diferente. A


aposta de entidades como, por exemplo, a Porto vivo, transformou a baixa do Porto,
fazendo com que o interesse público seja cada vez maior. Apesar de algumas lojas mais
tradicionais, como mercearias e outros, se depararem com dificuldades face às novas
superfícies comerciais, os cafés e outros espaços de lazer atraem cada vez mais o

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público jovem e os estrangeiros. Exemplo disso são os novos espaços que surgem,
franchizados ou por iniciativa própria. Cafés como o Moustache, o Costa, as Três
Marias, entre outros, voltam a trazer uma espécie de saudosismo do que a sociedade
portuense vivia na 1ª metade do século XX directamente para o século XXI, fazendo
destes espaços um local de convívio e um veículo de troca de ideias.

Conclusão

Os cafés do Porto, antes chamados de botequins, demonstram parte das opções


estilísticas desta cidade. Um ponto comum entre estes cafés era o facto de estarem
imbuírem em não só elementos de arquitectura mas também elementos pictóricos e
esculturais, fazendo com que o ambiente destes espaços se torne boémio e significado
de uma cultura na sociedade portuense, e, não menos importante, um ponto de atracção
entre os turistas que visitam a nossa cidade actualmente. É curiosa observar também que
já no século XIX, existiam modas, como os concertos de orquestras e a remodelação
modernista a partir de 1930 e até uma certa rivalidade entre cafés.

Quanto ao trabalho, os objectivos que delineie foram cumpridos, havendo a


caracterização dos principais cafés históricos do Porto e uma reflexão sobre o seu estado
actual.

Em relação à metodologia, penso que foi adequada. Apesar de a informação


sobre este tema ser um pouco dispersa, penso que seleccionei a mais pertinente, obtendo
um texto claro e informativo.

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Bibliografia

Bibliografia consultada

AGUIAR BRANCO, Luís – As lojas do Porto. Porto: Afrontamento, 2009, Vol. 1.

COSTA, Maria Teresa Castro – Os cafés do Porto [on-line]. [Consult. 6 Jun. 2013]
Disponível em http://apha.pt/boletim/boletim2/pdf/CafesDoPorto.pdf

DIAS, Marina Tavares; MARQUES, Mário Morais – Porto Desaparecido. Lisboa:


Quimera, 2002.

Créditos fotográficos

Fig. 1 - Cartaz de publicidade do café Monumental in DIAS, Marina Tavares;


MARQUES, Mário Morais – Porto Desaparecido. Lisboa: Quimera, 2002. P. 164.

Fig. 2 – Interior do café Guarany na década de 60 in DIAS, Marina Tavares;


MARQUES, Mário Morais – Porto Desaparecido. Lisboa: Quimera, 2002. P. 166.

Fig. 3 - Fotografia do café A Brasileira com o fundador Adriano Teles in DIAS,


Marina Tavares; MARQUES, Mário Morais – Porto Desaparecido. Lisboa: Quimera,
2002. P. 187.

Fig. 4 - Detalhe da decoração do café A Brasileira, com o monograma do fundador


Adriano Teles in DIAS, Marina Tavares; MARQUES, Mário Morais – Porto
Desaparecido. Lisboa: Quimera, 2002. P. 189.

Fig. 5 - O interior do café Imperial in DIAS, Marina Tavares; MARQUES, Mário


Morais – Porto Desaparecido. Lisboa: Quimera, 2002. P. 170.

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Índice

Introdução 2

Cafés Históricos do Porto 2

- Situação Actual 5

Conclusão 6

Bibliografia 7

Apêndices 9

Notas 12

8
Apêndices

Fig. 1 – Cartaz de publicidade do café Monumental.

Fig. 2 – Interior do café Guarany na década de 60.

9
Fig. 3 – Fotografia do café A Brasileira com o fundador Adriano Teles.

Fig. 4 – Detalhe da decoração do café A Brasileira, com o monograma do fundador


Adriano Teles.

10
Fig. 5 – O interior do café Imperial.

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Notas

COSTA, Maria Teresa Castro – Os cafés do Porto [on-line]. [Consult. 6 Jun. 2013] Disponível em
i

http://apha.pt/boletim/boletim2/pdf/CafesDoPorto.pdf

O slogan d’A Brasileira, “O melhor café é o da Brazileira” encontra-se espalhado pela cidade em
ii

cartazes e em painéis pintados.

COSTA, Maria Teresa Castro – Os cafés do Porto [on-line]. [Consult. 6 Jun. 2013] Disponível em
iii

http://apha.pt/boletim/boletim2/pdf/CafesDoPorto.pdf

DIAS, Marina Tavares; MARQUES, Mário Morais – Porto Desaparecido. Lisboa: Quimera, 2002. P.
iv

175
v
DIAS, Marina Tavares; MARQUES, Mário Morais – Porto Desaparecido. Lisboa: Quimera, 2002. P.
179
vi
Ibidem. P. 172

COSTA, Maria Teresa Castro – Os cafés do Porto [on-line]. [Consult. 6 Jun. 2013] Disponível em
vii

http://apha.pt/boletim/boletim2/pdf/CafesDoPorto.pdf

DIAS, Marina Tavares; MARQUES, Mário Morais – Porto Desaparecido. Lisboa: Quimera, 2002. P.
viii

172
ix
Ibidem. P. 169
x
Ibidem.

COSTA, Maria Teresa Castro – Os cafés do Porto [on-line]. [Consult. 6 Jun. 2013] Disponível em
xi

http://apha.pt/boletim/boletim2/pdf/CafesDoPorto.pdf

DIAS, Marina Tavares; MARQUES, Mário Morais – Porto Desaparecido. Lisboa: Quimera, 2002. P.
xii

175.
xiii
Ibidem. P. 167
xiv
Ibidem. P. 167
xv
Ibidem.
xvi
Ibidem. P. 164
xvii
Ibidem. P. 163
xviii
Ibidem.
xix
Ibidem. P. 164
xx
Ibidem.
xxi
Ibidem. P. 169
xxii
Ibidem.

12
COSTA, Maria Teresa Castro – Os cafés do Porto [on-line]. [Consult. 6 Jun. 2013] Disponível em
xxiii

http://apha.pt/boletim/boletim2/pdf/CafesDoPorto.pdf

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