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FRATERNIDADE SECULAR CHARLES DE FOUCAULD

Contribuição para o Processo Sinodal

A SINODALIDADE, UM CAMINHO DE ENCONTRO

I. A FRATERNIDADE E A VIVENCIA DA SINODALIDADE

“A Fraternidade Secular Charles De Foucauld reúne homens e mulheres de todas


as etnias, de todos os meios sociais, de estados de vida diferentes, que em
seguimento a Carlos de Foucauld desejam ajudar-se para seguir Jesus e viver o
Evangelho” (Diretório da Fraternidade).

A Fraternidade Secular se apresenta como um grupo de pessoas que valoriza a


pluralidade de opiniões e de maneiras de ser a partir do Evangelho. Vivemos de
certa forma a sinodalidade principalmente no ouvir, há sempre uma ampla consulta
de todas e todos os seus membros como forma de discernimento em decisões que
afetam a caminhada da Fraternidade. Quem se junta à caminhada da Fraternidade
percebe como traço essencial o desejo de construir juntos. O “poder” na
Fraternidade tem o sentido de preservar a unidade na diversidade e não é exercido
de forma hierárquica e impositiva. Enfrentamos as dificuldades de caminhar como
qualquer grupo humano com as limitações, retrocessos e avanços procurando ouvir e
respeitar pontos de vista e posturas diferentes.
O caminho de sinodalidade proposto pelo papa retoma os desafios colocados à
Igreja pelo Concílio Vaticano II. Desse modo, insiste na perspectiva da
Eclesiologia de comunhão e remete aos primórdios da Igreja primitiva.

Especificamente para as Fraternidades reforça o caminho da simplicidade, a busca


de vivências mais fraternas entre os irmãos e irmãs e nos alerta para a superação
das tentações do autoritarismo, centralismo, clericalismo e todas as formas que
desvirtuem o caminho de espiritualidade do Ir. Carlos e que o Papa retoma de
modo corajoso sobre este tema. Com isso, a direção das Fraternidades deve ser
orientada para o espírito da partilha, da participação ativa de todos e todas, pelo
processo de decisões comum no grupo e co-responsabilidade nas tarefas.

Em linhas gerais, os membros da Fraternidade têm se integrado a lugares eclesiais


onde a perspectiva de uma Igreja de comunhão está mais presente, tais como
CEBs, Comissão de Justiça e Paz, pastorais sociais e celebração nas casas.

Internamente buscam tomar decisões em conjunto, promovem reuniões mensais


orientadas à revisão de vida e mantêm, de modo natural, o espírito de partilha.

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Outra importante característica da Fraternidade é a circularidade do serviço da
coordenação.

A Fraternidade realiza Assembléias com a participação ativa de todos os


membros; vive uma espiritualidade que tenta ser libertadora, isto é, a contemplação
e oração estão unidas à inserção na realidade para transformá-la a partir do Projeto
do Reino.

O modelo de Igreja hegemônico em nossas comunidades paroquiais insiste em


manter-se antagônico à proposta Conciliar. Normalmente nossas comunidades são
marcadas por forte centralismo do clero. Há pouco diálogo e as pregações reforçam
o moralismo. A vida pastoral está marcada pelo desprezo à evangélica opção pelos
pobres. As igrejas católicas se transformaram em centros pentecostais ou reforçam
o interesse por suntuosos templos. Normalmente se colocam ao lado dos poderes
constituídos e quase sempre apóiam grupos empresariais que objetivam o lucro e
reforçam as exclusões sociais, seja diretamente, por participação, ou indiretamente,
por omissão. Mata-se a profecia e os carismas da comunidade. Tais características
impedem o diálogo, dado o profundo abismo entre as opções feitas e o caminho
orientado pelo Papa Francisco. Neste sentido, a Fraternidade opta pela “Igreja das
catacumbas”, pelos grupos de resistência e por formas de participação popular que
supram a ausência de espaços institucionais mais abertos e participativos.

II. EU, OS COMPANHEIROS E AS COMPANHEIRAS

➢ Na Igreja e na sociedade caminhamos lado a lado na mesma rua. Em sua


igreja específica quem são aqueles que “caminham juntos”?

Há aqui duas vertentes importantes do caminhar juntos na Igreja. De um lado,


aqueles que andam com os poderosos, que repetem na vida eclesial suas práticas de
poder, são centralizadores e clericais e tem dificuldade de diálogo excluindo os
mais críticos, os mais questionadores, estes são excluídos de qualquer ação comum.

De outro, os que caminham com os excluídos, mesmo divergindo em algumas


questões se unem por uma causa. Como cristãos engajados participam de
diferentes pastorais eclesiais e sociais. São mais próximas dos movimentos sociais,
tais como movimentos que lutam por Reforma Agrária, a exemplo do MST;
apoiamos solidariamente a luta indígena, inseridos na defesa dos catadores de
material reciclável. Apóiam projetos de campanhas de solidariedade no combate à
miséria e à fome. Mais especificamente no terreno eclesial participam ou apóiam
as CEBs, pastoral indigenista, da saúde, carcerária.

Para caminharmos juntos como Igreja participativa há que se repensar o papel da


participação da mulher em todas as instâncias de decisão da vida eclesial inclusive
nos ministérios; por que não ministras ordenadas ao diaconato e ao sacerdócio?
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Assim como o papel dos leigos casados ou não nos ministérios como presbíteros e
bispos.

Uma Igreja inclusiva não será intolerante. Divorciados e divorciadas, casais em


segunda união, LGBTQI+ devem sentir-se bem em nossas comunidades. Toda
pessoa tem direito de expressar seus sonhos, viver sua afetividade sem medo,
exercerem ministérios como sinal de aceitação.

➢ Quando se diz “nossa igreja” – quem pertence a ela? Quem pede para irem
juntos?
Quando se diz “nossa Igreja” acentuamos aquilo que popularmente tratamos de
“Igreja de caminhada”. Quer dizer, Igreja que está sempre a caminho. Esta faz sua
jornada lado a lado com o povo. Envolve-se nas suas lutas, chora com suas
tristezas, alegra-se com suas conquistas. Trata-se daquela Igreja Samaritana que
não deixa ninguém à margem. Como diz o Papa Francisco, pastores e pastoras que
trazem em suas túnicas o cheiro das ovelhas. Pertence a esta Igreja todos aqueles e
aquelas que decidem caminhar juntos, sem preconceito de raça, orientação sexual,
opção religiosa. Fazem parte: idosos, jovens, mulheres, homem, heterossexuais,
homossexuais, pessoas de diferentes Igrejas. À “nossa Igreja” pertencem todos os
que lutam a serviço do Reino e que estão a caminho.

➢ Quais pessoas ou grupos são intencionalmente ou realmente deixados de


fora?
É possível identificar preconceitos, estereótipos que dificultam nossa caminhada
como, por exemplo, o papel das mulheres na Igreja, a acolhida dos LGBTQI+, os
migrantes e moradores em situação de rua, drogaditos, os que saíram das prisões...

Na perspectiva de uma Igreja de caminhada, não há que se falar de grupos


deixados de fora. Tratamos de perspectivas e identidades. Normalmente, é o povo
de caminhada que geralmente é expulso ou excluído intencionalmente das
estruturas eclesiásticas. Falta abertura e diálogo. Nos ambientes eclesiais mais
inclusivos, a perspectiva é plural, acolhedora e dialogal. Segue-se a eclesiologia de
comunhão.

III. OUVIR:

➢ Ouvir é o primeiro passo. Mas requer estar sem preconceitos, mente e


corações abertos. A quem sua Igreja especial tem o “dever de ouvir”?

Há um texto bíblico que não deixa dúvidas: “Eu vi muito bem a miséria do meu
povo. Ouvi o seu clamor contra seus opressores, e conheço os seus sofrimentos. Por
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isso, desci para libertá-lo” (Ex. 3,7b-8a). A realidade do mundo com os seus
desafios têm a primazia para orientar qualquer percurso pastoral e eclesial. Trata-
se aqui da fé como ato segundo. Ver, ouvir e sentir a situação do povo constitui-se
como elemento essencial para a vivência da fé e a prática do amor. Ouvir e
acolher os excluídos: todos aqueles e aquelas que a sociedade não aceita devido a
sua condição social, racial, cultural, sexual, as vítimas da drogadição, moradores
em situação de rua, os/as que são excluídos da vida eclesial: divorciados e
divorciadas, os LGBTQI+, ...

➢ Como os leigos, especialmente jovens e mulheres, são ouvidos?

Por mais que o Papa tenha se esforçado em incentivar maior participação na vida
da Igreja, os desafios ainda persistem. A Igreja, na sua maioria, ainda permanece
clerical. As decisões são centralizadas nas mãos dos bispos e párocos. Quando há
conselhos pastorais, são meramente consultivos. Há pouca transparência financeira
na vida das comunidades e os/as leigos/as são, como dizia a Conferência do Rio
em 1955, meros “auxiliares do clero”.As coordenações, em geral, são escolhidas
por membros dos grupos ou indicadas pelos padres. Mesmo os diáconos
permanentes, que poderiam ser uma inovação, há quem os equipare a “mini
padres”. A consulta nas paróquias carrega alto grau de burocratização, nunca chega
às bases. As mulheres são maioria. Elas é que dão vida às Igrejas, porém, são as
mais excluídas dos processos de participação e decisão. Há paróquias em que até
Ministras Extraordinárias da Sagrada Eucaristia, quando atuam nas missas, são
proibidas de subir ao presbitério. Outras resistem à participação de coroinhas
mulheres. A juventude, embora em grande número, perdeu o papel protagonista e
consciente que tinha no passado quando tínhamos a Ação Católica e,
posteriormente, a Pastoral da Juventude. Contudo, precisamos reconhecer os
esforços de muitos para superar tais limites. As CEBs continuam vivas e atuantes.
O Conselho Nacional de Leigos tem trabalhado de forma vigorosa para inverter o
processo de clericalismo nas Igrejas. As pastorais sociais são também exemplos de
mudança nas quais mulheres e jovens são ouvidos.

➢ Como a contribuição de mulheres e homens consagrados é integrada?

Em função do forte crescimento do clero diocesano, as comunidades religiosas


masculinas e femininas perderam espaço. A presença da vida religiosa destaca-se
por Congregações que atuam na área de educação, em especial ofertando o ensino
privado em lugares que atendem à classe média e rica. Contudo, há inúmeras
congregações femininas que têm realizado importante papel de inserção em
comunidades da periferia. Dão o seu testemunho e recuperam a dimensão de

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sororidade junto a todo o Povo de Deus. Elas também têm fortalecido a pastoral e
animado a vida missionária das paróquias.

➢ Qual é o espaço para a voz das minorias, dos párias e dos excluídos?

Conforme já elencado em respostas anteriores, o espaço é pequeno. Exceto os


grupos de caminhada que procuram caminhar junto às minorias e excluídos.

➢ É possível identificar preconceitos e estereótipos que dificultam a escuta?

Os preconceitos acontecem de modo sutil e discreto, mas estão presentes. Por


exemplo: a população brasileira é predominantemente negra. Quantos bispos
negros temos no Brasil? Por acaso o Espírito Santo só escolhe brancos? Quem são
as pessoas que assumem a liturgia nas celebrações solenes da Igreja, tais como
Páscoa e Natal? Há relatos de padre que pediu para a mulher deixar a equipe de
leitores da comunidade por ela ter o dialeto nordestino. A questão da
homossexualidade no clero é algo visível e envolve grande parte do presbitério das
dioceses brasileiras, contudo, os leigos e leigas com a mesma orientação sexual
têm sido excluídos da comunhão eucarística e da participação nas comunidades.
Outro problema a ser enfrentado é a questão dos padres casados. Estima-se a
quantidade de sete mil padres só no Brasil. Onde estão? Quais são os espaços de
participação deles na vida da Igreja?

➢ Como é que o contexto social e cultural em que você vive é ouvido?

O contexto das varias paróquias do Brasil é marcado por muitas contradições


sociais e econômicas. Nas regiões metropolitanas residem desde a classe média
com condições de manter uma boa qualidade de vida até os mais ricos do país. De
outro lado, encontram-se as periferias com todos os desafios existentes nas grandes
metrópoles brasileiras. Além destas periferias, há as periferias das periferias. A
população vive e sobrevive com os empregos e subempregos e voltam à noite para
o seio da família. Atualmente cresce o número de pessoas em situação de rua,
agravado não só pela pandemia, mas principalmente pela política genocida do
governo Bolsonaro. A economia do país se direcionou para o aumento do abismo
entre ricos e pobres. O crescimento da inflação trouxe a redução da capacidade de
consumo do brasileiro e os mais afetados foram os empobrecidos, que hoje, voltam
a ter como principal preocupação, garantir o alimento na mesa.

Em meio a esta realidade, como a Igreja transmite a Boa Nova do Reino? Parece-
nos que grande parte da comunidade católica abandonou as periferias. Há uma

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exagerada preocupação com a vida intra eclesial, a missão foi colocada em segundo
plano. A Igreja deixa de ser fermento.

IV. CELEBRAÇÕES:

➢ Celebrando juntos - Qual a importância da celebração da Eucaristia para


nossa fé?
Pensando especialmente nas futuras gerações de habitantes de grandes centros
urbanos, a Eucaristia pode continuar a ser um ‘momento forte’ de vivência cristã.
Depende de nós e da hierarquia fazer corajosamente algumas ‘mudanças de
ênfase’.

➢ Que outras formas de adoração nos inspiram?

Uma mudança de ênfase poderia ser aqui introduzida, para as futuras gerações.
‘Jesus não pediu para ser adorado, mas pediu para ser seguido’. A palavra
‘adoração’ poderia ser mais entendida como ‘seguimento’.

➢ Como combinamos oração e vida?

‘Combinar oração e vida’ parece supor que as duas estejam separadas (poderá, é
claro, haver ‘momentos fortes’ em que a ‘oração verbalizada’ tenha ênfase). Para
as futuras gerações, outra ênfase seria a de que ‘viver’ (com interioridade, numa
busca de atenção constante para os efeitos dos mínimos atos e atitudes) já é ‘orar’.

➢ Você se identifica com o ritual da Eucaristia?

A Eucaristia é o fundamento de nossa fé. Ainda falta muita orientação para a real
compreensão desta celebração e para uma vivência de acordo com a fé que diz que
Cristo está realmente presente no pão.
Necessidade de se repensar os rituais para que sejam menos racionais e mais
próximos da vida da comunidade. A Eucaristia como expressão da presença do
Cristo misturado na realidade em que se vive. Possibilidade de que vários
participantes da comunidade assumam a presidência das celebrações não enquanto
substitutos eventuais de um ministro consagrado mas como cristãos leigos
batizados, responsáveis sem ser de “segunda categoria”. Daí se repensar também o
clericalismo e formas de superá-lo tanto no clero como nos fiéis.

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Liberdade e criatividade no rito. Humanização dos sacramentos por demais formais,
humanizar o ritual para ser mais acolhedor. Falta partilha na celebração. A presença
do sacerdote na comunidade deveria ser de participação mais em comunhão com
seus membros, partindo de uma consensualidade e comensalidade. A Eucaristia não
pode ser símbolo de poder ou satisfazer apenas a piedade devocional.

O ritual da Eucaristia, para a população urbana dos grandes centros poderia ter
momentos de grandes grupos (nas atuais igrejas, paroquiais ou não). A ênfase,
contudo, deveria ser em encontros de pequenos grupos. Nesses encontros, um casal
presidiria a celebração, alternando a recitação dos textos do rito inicial, rito
sacramental e rito final, em perspectiva mais abrangente do ‘sacerdócio comum
dos fiéis’. Dessa forma, a sensibilidade atual para o caráter universal do
chamamento (ainda não presente quando o texto do chamamento dos apóstolos foi
criado) teria expressão plena. O caráter mais tradicional (papa, bispos e padres)
teria seu lugar em celebrações para grupos maiores.

V. CORRESPONSABILIDADE:

➢ Tenha um testemunho corajoso! - Quem vemos como pessoas cuja fé


convence?
A humildade é uma característica primordial de quem tem a função de testemunhar
a sua fé. Muitas vezes somos impedidos de ser ecumênicos em nossas ações, pois
enfrentamos lideres com idéias mais conservadoras dentro da Igreja. Em nossas
ações cotidianas é onde falamos de nossa fé, dando exemplos de atitudes
comprometidas com a comunidade, fortalecendo a comunhão entre seus membros.

Quem relaciona fé com atitudes comprometidas para uma vida mais digna?
Pessoas de coragem, sem heroísmos, pobres que agregam em torno de si
companheiros e companheiras de causas comuns, pessoas que não buscam
promoção pessoal, gente que não quer mudar a fé de ninguém. Pessoas que não se
curvam à institucionalização da fé mas valorizam uma comunidade de fé
comprometida, que vivem o evangelho da amizade. Gente que vive seus momentos
mais difíceis (doenças, perdas) com fé, paciência, testemunhando o Deus
misericordioso.

Várias testemunhas nos inspiram. Alguns bispos deram com coragem seu
testemunho, tais como D. Hélder Câmara, D. Pedro Casaldáliga, D. Luciano
Mendes de Almeida e vários outros que deixaram sua marca na Igreja do Brasil.
Também recordamos nossos mártires, que derramaram seu sangue pela causa do
Reino.

Além dessas testemunhas que já gozam da vida eterna, recordamos tantas


lideranças de comunidades que, no dia a dia, dão sinal de esperança e vida para a
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Igreja. Às vezes muitos esperam grandes fatos, mas é no cotidiano do dia a dia, na
simplicidade que encontramos grandes gestos. Como diz o poeta africano: “Gente
simples, fazendo coisas pequenas, em lugares pouco importantes conseguem
mudanças extraordinárias”.

➢ Onde nos envolvemos pessoalmente?

Aqui elencamos as lutas populares, o dia a dia da comunidade, a vida familiar, os


espaços comunitários de convivência, a relação com a vizinhança. Contudo, cabe
destacar a capacidade de irmos além e encontrarmos os mais fracos e oprimidos.
Aproximarmos dos encarcerados, dos catadores de material reciclável, dos
trabalhadores nos assentamentos e acampamentos dos sem-terra, da visita aos
enfermos, das aldeias indígenas. Enfim, sermos de fato “Igreja em saída”.

➢ Sentimos que temos uma tarefa na Igreja que nos é confiada pessoalmente?

A Fraternidade Secular Charles de Foucauld tem membros engajados


pastoralmente e outros não. Todos valorizam a fé, a comunidade e a caminhada do
Povo de Deus, porém, os contextos, motivação e oportunidades variam. Muitos e
muitas de nós, mais do que um chamado a servir a Igreja instituição servimos à
Igreja comunidade, Povo de Deus.

➢ Onde estamos impedidos, onde estamos apoiados?

Certa vez numa turma de primeira eucaristia o catequista


perguntou: - Crianças, quantos são os sacramentos?
Uma delas disse:

- Depende! Para as meninas, são seis e para os homens, sete.

Como disse Jesus: “Deus escondeu estas coisas aos sábios e inteligentes e revelou
aos pequeninos” Mt. 11,25.

O que impede as mulheres de participarem do ministério ordenado? Não estaria na


hora da Igreja repensar? Quais as reais dificuldades do exercício do mesmo
ministério a homens casados? Ocorre que muitos estão privados de exercerem os
seus dons a serviço da comunidade, por mera disciplina ou tradicionalismo sem
sentido.

Há circunstâncias diversas que também priva uma maior participação, como o


centralismo da vida eclesial no ambiente paroquial. Também ocorrem práticas
autoritárias nos espaços eclesiais, seja por parte de presbíteros ou leigos/as. Falta
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acolhida: as pessoas tornam-se massas dispersas, isoladas. Há pouca iniciativa para
tornar os fiéis mais próximos. Por isso, faz-se necessária uma pastoral mais
personalizada junto aos membros que participam da Igreja.

Falta a muitas comunidades e movimentos eclesiais o sentido do diálogo, acolher


os refratários, aprender com o diferente; é preciso estar abertos ao novo num
diálogo aberto e desarmado com a sociedade e seus problemas e soluções. Parece
muitas vezes que os membros da Igreja se apresentam como os únicos que tem
respostas para as angustias existenciais, quando os “de fora” são muito mais
generosos e com o “pé no chão”.

➢ Onde a fé fala em atos?

Dentre as várias expressões ditas por Ir. Carlos, uma tornou-se inspiradora para os
cristãos: “gritar o Evangelho com a vida”. O testemunho dos irmãozinhos e
irmãzinhas de Jesus que buscam seguir as intuições de Charles de Foucauld
demonstra como a fé fala em atos. Não são necessárias longas pregações. Não se
evangeliza com grandes eventos. Não se proclama a fé com marketing. Muitas
vezes, tais métodos tendem ao contrário, distanciam as pessoas do essencial.
Divulgam-se pessoas e estruturas e fala-se pouco para a existência humana. Gritar
o Evangelho com a vida se faz na simplicidade, no testemunho silencioso do dia a
dia. Ocorre por meio da solidariedade aos que necessitam, na escuta aos que
sofrem, no cotidiano vivido com alegria e fé. Acontece com hospitalidade aos que
buscam acolhimento. A fé está relacionada à prática da justiça e à superação do
medo.

A Igreja não pode estar alheia aos problemas da pobreza, discriminação, racismo,
preconceito, degradação ambiental, são temas que devem ser tratados na
comunidade. A Igreja não é uma entidade que paira no ar, ou ser apenas uma Igreja
preocupada com sua própria sobrevivência e dinâmica.

VI. COM OUTRAS DENOMINAÇÕES CRISTÃS: CRESCENDO


ECUMENICAMENTE

A acolhida, a integração entre membros de outras denominações cristãs são muitas


vezes mais visíveis em algumas comunidades não católicas do que na comunidade
católica. O resgate dos excluídos para dentro de suas igrejas é uma atitude muitas
vezes mais comum nas outras denominações cristãs do que na Igreja Católica. Há
ainda um sentimento de “superioridade” católica que dificulta a aceitação por parte
de alguns membros de seus grupos muitas vezes intolerantes com os outros. A
tentação do proselitismo está sempre presente em todas as denominações religiosas.

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VII. AUTORIDADE E PARTICIPAÇÃO:

➢ Participação intensiva - Que formas de ampla participação de crentes


comprometidos existem em nossa Igreja?

Destacam-se as CEBs, pastorais sociais, grupos de estudos bíblicos, equipes de


liturgia, catequese, organismos eclesiais e a diversidade de grupos e pastorais
atuantes nas paróquias.

Embora percebamos o empenho de alguns crentes comprometidos com estas


instâncias, nem sempre as lideranças leigas são valorizadas, há muito autoritarismo
na Igreja, algumas pessoas trabalham em equipe, mas são poucas; o que se percebe
é o monitoramento pela instituição que dificulta a promoção de alguns trabalhos
pastorais.

➢ Quais deveria haver?

Permitir a ordenação de mulheres; revogar a obrigação do celibato aos presbíteros;


reforçar o papel do diaconato permanente para o serviço da caridade; reconhecer
com maior vigor o trabalho desenvolvido por religiosas e religiosos; priorizar a
organização das CEBs nas dioceses como “célula inicial da estrutura eclesial e
foco de evangelização e, atualmente, fator primordial da promoção humana e do
desenvolvimento” (Med.15, III, a, 1).

➢ Que experiências temos?

Pastorais, CEBs, Fraternidades, organismos eclesiais, iniciativas diversas, reuniões


e celebrações nas casas, a Fraternidade Leiga .

➢ Como e por quem a liderança deve ser percebida e comissionada?

Pela própria comunidade. Há experiências neste sentido. Recordamos a rica


experiência das redes de comunidades de Santa Maria em Brasília onde a
comunidade era quem elegia os Ministros da Palavra e da Eucaristia a partir da
percepção dos dons e do serviço prestado por estas lideranças nas comunidades.

Também é importante mudar os critérios e o método de escolha dos bispos. É


preciso descentralizar tais escolhas e permitir uma participação mais ampla dos
nomes de pessoas indicadas para o exercício do múnus episcopal. O Papa
Francisco tem tomado importantes iniciativas para o desenvolvimento das Igrejas e

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nem sempre tem encontrado eco nas dioceses. Repetem-se as palavras do Papa e as
práticas são inversamente proporcionais. A escolha dos bispos atuais nem sempre
permitem maior amadurecimento da vida eclesial numa perspectiva sinodal.

➢ Como a autoridade é exercida dentro da nossa igreja?


Muito forte ainda o autoritarismo do clero com relação à tomada de decisão que
afetam diretamente a comunidade, não se permite o protagonismo do leigo, as
decisões são tomadas unilateralmente, sem consulta às bases. Uma mudança
deveria ser feita em instancias mais altas, mexendo na hierarquia de poder.

A comunidade pode e deve opinar e decidir sobre escolhas que afetam seu
cotidiano. O padre ou o bispo não deveria ter a palavra final. Zelar pelo evangelho
não é a mesma coisa que em nome dele mandar para outros obedecerem. Há bons
exemplos para a prática de comunhão na Igreja, mas se reduzem a poucas
experiências. (recordamos aqui a rica experiência da diocese de Crateús na época
de Dom Fragoso).

➢ Como é a prática de trabalho em equipe e co-responsabilidade?

Depende da dinâmica incentivada na vida das paróquias e comunidades. Os grupos


de base se destacam no exercício da responsabilidade comum dos trabalhos e da
co-responsabilidade. Os setores mais conservadores tendem a centralizar as
decisões e os demais membros da Igreja tornam-se meros executores de tarefas
com a “prerrogativa” da obediência que se deve ter à hierarquia.

➢ Como os serviços laicos e a responsabilidade dos fiéis são promovidos?

Às vezes há consultas aos fiéis; muitas decisões são tomadas pelas autoridades. Ou
os leigos são co-participantes e responsáveis, ou executores de ordens pré-
estabelecidas pela hierarquia da Igreja. Na prestação de contas das paróquias é
importante que também os leigos participem delas; também na elaboração das
atividades organizacionais das paróquias e dioceses. Muito importante também é a
capacitação teológica, bíblica e pastoral dos leigos e leigas com cursos de formação
que vão além de meros cursinhos paroquiais.

VIII. DISTINGUINDO E DECIDINDO

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A formação de uma equipe de coordenadores leigos para decidir juntamente com o
clero as ações que são importantes para a Igreja e para a comunidade muitas vezes
não representa a vontade da maioria dos fiéis conscientes. Esse tipo de eleição não
está sob judice de uma decisão democrática, pois nem todos participam desta eleição.
As tomadas de decisões ficam a cargo deste grupo, muitas vezes elitista e pouco
inclusivo, deixando à margem as necessidades urgentes e necessárias. Buscar a
transparência, tanto nas ações como na prestação de contas, envolver a comunidade
em projetos de inclusão e desenvolvimento social e pastoral. Voltar a Igreja nas suas
origens para que seja de fato uma Igreja do povo e para o povo.

IX. FORMANDO NA SINODALIDADE

Somente a formação para uma Igreja sinodal em todas as suas instâncias (pastoral,
paroquial, diocesana, movimentos, catequese, Comunidades de Base, conselho
paroquial e diocesano) pode verdadeiramente estar á serviço do Reino e não da
estrutura eclesial. Sinodalidade supõe muita conversa e muita escuta verdadeira;
precisamos abrir canais de participação e confiança com as autoridades da Igreja;
todos os batizados têm de caminhar juntos, como Povo de Deus, independente de
pertencerem aos diversos Movimentos ou Espiritualidades, ação sem sectarismos:
Unidos na diversidade! Uma Igreja de fato aberta, à serviço do encontro das pessoas,
menos hierárquica e menos autoritária. Uma Igreja Sinodal, que seus membros
lavem os pés uns dos outros a exemplo de Jesus.

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