Você está na página 1de 332

(https://md.claretiano.edu.

br

/hisartartintartbra-gs0015-fev-2022-grad-ead/)

1. Introdução
Boas-vindas! Você está iniciando o estudo de   História da Arte: Arte
Internacional e Arte Brasileira, uma das disciplinas que compõem os cursos
de graduação na modalidade EaD.

A presente disciplina está dividida em cinco ciclos de aprendizagem, cada um


deles correspondendo a um grupo de conteúdos e objetivos especí�cos.

O aluno de Licenciatura em Artes Visuais terá oportunidade de estudar as mu-


danças que ocorreram no campo das artes visuais internacionais após a
Segunda Guerra Mundial. A desmaterialização da arte, as novas linguagens,
como o expressionismo abstrato, Body Art,  Land Art, arte conceitual, dentre
outros, serão abordados. É de suma importância o estudo das novas lingua-
gens contemporâneas e do contexto histórico em que elas surgiram e se de-
senvolveram, visto que ainda sofremos in�uência direta em nossa contempo-
raneidade.

Em relação à arte brasileira, a disciplina aborda a arte produzida no Brasil a


partir da criação da colonização portuguesa. Veremos o Barroco Brasileiro, o
impacto da criação da Academia Nacional de Belas Artes, num primeiro mo-
mento. Após este estudo, serão abordados o modernismo e a Semana de Arte
Moderna de 1922, mostrando a in�uência das vanguardas europeias na arte
brasileira.

Além disso, a disciplina tratará do estudo do concretismo e neoconcretismo,


que quebra a tendência �gurativa da arte moderna brasileira, explorando ten-
dências construtivas na arte. Também serão abordadas as linguagens con-
temporâneas brasileiras e seus principais artistas.
Por �m, os estudos desta disciplina objetivam contribuir para o conhecimento
histórico e artístico do aluno de Licenciatura em Artes no que diz respeito à
arte contemporânea e à arte brasileira.

2. Informações da Disciplina
Ementa
O estudo da História da Arte: Arte Internacional e Arte Brasileira proporciona
ao futuro arte-educador a re�exão em relação ao contexto histórico do mundo
pós-Segunda Guerra Mundial. Aborda o surgimento das vanguardas europeias
e estadunidenses abstratas, como o expressionismo abstrato norte-americano,
o expressionismo abstrato europeu, a   Hard-edge, a   Color-�eld painting   e o
concretismo. Destaca, também, os principais artistas das vanguardas conhe-
cidas como Pop Art, Op Art, hiper-realismo, minimalismo, Land Art  até a arte
conceitual e as instalações. De forma cronológica, esta disciplina contextuali-
za historicamente e apresenta a transvanguarda, arte povera, o neoexpressio-
nismo alemão, a �guração livre francesa, a nova pintura britânica e o gra�te.
A arte brasileira também é discutida e contextualizada desde os artefatos in-
dígenas, perpassando o modernismo até a arte contemporânea.

Objetivo Geral
Compreender a importância dos contextos históricos nas manifestações artís-
ticas na contemporaneidade e também na história da arte brasileira.

Objetivos Especí�cos
• Compreender as diferentes transformações ocorridas na arte paralele-
mente aos eventos históricos mais importantes e que in�uenciaram dire-
tamente essas transformações.
• Conhecer os artistas que mais se destacaram em cada período e um pou-
co de sua estética.
• Sintetizar tais conhecimentos a �m de aplicá-los em sua prática como
arte-educador.
(https://md.claretiano.edu.br

/hisartartintartbra-gs0015-fev-2022-grad-ead/)

Ciclo 1 – Arte Internacional no Pós-Guerras Mundiais

Maria Gabriela Mielzynska

Objetivos
• Reconhecer o contexto histórico que permitiu a mudança do “eixo artís-
tico” internacional da Europa para os EUA.
• Compreender como o expressionismo abstrato e outros movimentos ar-
tísticos abstracionistas colocaram os EUA na vanguarda artística mun-
dial.
• Identi�car as estéticas pessoais de expressionistas abstratos e outros
abstracionistas do pós-Segunda Guerra nos EUA e na Europa.
• Compreender como a Arte  Pop   estreitou a relação das artes plásticas
com a cultura de massa e como deu início ao chamado pós-
modernismo.
• Identi�car as estéticas pessoais dos principais artistas pop da Inglaterra
e, principalmente, dos EUA, a “Meca” do Pop.
• Conhecer a Op Art e o minimalismo – correntes abstracionistas geomé-
tricas surgidas na década de 1960 – e as estéticas pessoais de seus prin-
cipais artistas.

Conteúdos
• Arte moderna no pós-Segunda Guerra Mundial: expressionismo abstra-
to norte-americano.
• Expressionismo abstrato, lírico ou informal na Europa.
• Hard-edge e color-�eld painting.
• O início do pós-modernismo.
• Pop Art.
• Op Art.
• Minimalismo.

Problematização
Quais as principais manifestações artísticas que surgiram após a Segunda
Guerra Mundial? Quais as principais características e artistas da  Pop Art? O
que é o minimalismo? Quais as principais mudanças na arte nas décadas de
1950 e 1960? Existem semelhanças entre o expressionismo abstrato estadu-
nidense e o europeu?

1. Introdução
Neste primeiro ciclo de aprendizagem, veremos o contexto histórico do mundo
ocidente e sua organização pós-Segunda Guerra Mundial. Conheceremos o ex-
pressionismo abstrato europeu e estadunidense, o hard-edge, color �eld pain-
ting, Pop Arte, Op Art e minimalismo.

Bons estudos!

2. Contexto Histórico: da Segunda Guerra


Mundial ao Final da década de 1960
Se a Segunda Guerra Mundial fez que todo o mundo passasse por drásticas
mudanças de paradigmas nos mais diversos campos (econômico, político, �-
losó�co, comportamental etc.), a arte não foi uma exceção a esta re-
gra. Podemos dizer que, como um dos re�exos das mudanças pelas quais pas-
sou o mundo, seu próprio “centro” mudou de lugar: foi do “velho” para o “novo
mundo”.

Assim, se a maior parte do que se produzia de relevante em termos de artes


plásticas se concentrava até então na Europa, cujo principal centro cultural
era Paris, tal papel passou para a América, especialmente Nova York, no pós-
guerra.
Os EUA passaram, então, a ditar não apenas moda, mas a ditar a economia, a
ditar a política e também a ditar arte. Foi este país o polo dos dois principais
movimentos artísticos que estudaremos a seguir: o Expressionismo Abstrato e
a Pop Art. Mas, antes de prosseguirmos, passemos por uma introdução histó-
rica indispensável para entendermos melhor como ocorreu essa mudança no
“centro do mundo”.

Para iniciar nossos estudos, vamos listar alguns acontecimentos importantes


do período em questão. Acompanhe.

Em 1939:

• Alemanha e URSS assinam o “Pacto de Não Agressão”.


• A Itália invade a Albânia.
• A Alemanha invade a Polônia em 1º de setembro (Figura 1); Inglaterra e
França reagem e tem início a Segunda Guerra Mundial.

Figura 1 Soldados alemães marchando em Varsóvia após a conquista da Polônia, em setembro de 1939.

Em 1940:

• A Alemanha invade a Dinamarca, a Noruega, a Holanda, a Bélgica,


Luxemburgo e a França (Figura 2).
Figura 2 Soldados alemães passam sob o Arco do Triunfo em Paris após a invasão da França em 1940.

Em 1941:

1. A Alemanha invade a Rússia.


2. No dia 7 de dezembro, os japoneses bombardeiam a base militar norte-
americana de Pearl Harbor (Figura 3), no Havaí, e entram em guerra com
os EUA.
3. Alemanha e Itália declaram guerra aos EUA.
4. Início do Projeto Manhattan para desenvolvimento da bomba atômica.
Figura 3 Base norte-americana de Pearl Harbor após ataque japonês, em 7 de dezembro de 1941.

Em 1942:

• O Exército alemão chega a Stalingrado, dando início à batalha de mesmo


nome. Esta seria a mais sangrenta de toda a história, causando cerca de 1
milhão e meio de mortes entre civis e militares. Vencida pelos soviéticos,
que contaram com melhor estratégia e auxílio das condições naturais –
como o frio do inverno russo, esta batalha, terminada em 1943, represen-
tou a “virada” na frente leste da guerra, dando início à marcha soviética
para oeste até a Alemanha. A Figura 4 retrata os soldados alemães que fo-
ram presos em Stalingrado.
Figura 4 Soldados alemães prisioneiros em Stalingrado.

Em 1943:

• Os aliados começam a invasão da Itália.

Em 1944:

• Em 6 de junho ocorre o Dia D, desembarque de tropas aliadas na


Normandia (Figura 5), norte da França, e início da ofensiva contra a
Alemanha a partir do noroeste da Europa.

Figura 5 Soldados norte-americanos prontos para desembarcar em praia da Normandia no Dia D.

Em 1945:

1. Em 7 de maio, a Alemanha rende-se. Termina a guerra na Europa.


2. A Alemanha é dividida em quatro zonas pelos aliados (EUA, França,
Inglaterra e URSS); a EUA, França e Inglaterra cabe a administração das
zonas ocidentais, à URSS cabe o território que �caria conhecido depois
como Alemanha Oriental. A cidade de Berlim, localizada dentro da
Alemanha Oriental, também é dividida em quatro zonas, �cando as oci-
dentais a cargo de EUA, França e Inglaterra e a oriental a cargo da União
Soviética.
3. Outras regiões também são divididas em zonas de in�uência. Uma delas
é a Coreia, que após a expulsão dos japoneses pelos aliados, foi dividida
ao meio pelo paralelo 38 (linha imaginária paralela ao equador, a norte
deste): ao norte, a Coreia do Norte, zona de in�uência da URSS; a sul, a
Coreia do Sul, sob in�uência norte-americana.
4. Em 6 de agosto, os EUA lançam a bomba atômica sobre Hiroshima
(Figura 6); em 9 de agosto, a bomba é lançada sobre Nagasaki; em 14 de
agosto, o Japão rende-se. Termina a Segunda Guerra Mundial.

Figura 6 Área de Hiroshima arrasada após explosão da bomba atômica.

5. É criada a Organização das Nações Unidas – ONU.


Em 1946:

• Criação do termo “cortina de ferro”, cunhado por Winston Churchill, que


fora Primeiro Ministro da Grã-Bretanha até 1945, para designar a zona de
in�uência soviética no leste europeu.

Em 1948:

1. Começa a ser implementado o Plano Marshall, com os EUA destinando 17


bilhões de dólares para a reconstrução da Europa Ocidental.
2. É criado pela ONU o Estado de Israel.
3. A URSS embarga o tráfego terrestre e aéreo entre Berlim e o Ocidente
(embargo que seria mantido até setembro de 1949); a tensão entre EUA e
URSS por conta deste incidente acirra as divergências; teme-se o início
da Terceira Guerra Mundial; tem início a Guerra Fria – disputa entre EUA
e URSS por zonas de in�uência em todo o mundo, com a URSS apoiando e
estimulando revoluções comunistas e os EUA apoiando “contrarrevolu-
ções” capitalistas, algumas vezes com intervenções efetivas dos dois la-
dos.
4. Os governos provisórios dos países ocupados pelos soviéticos no leste eu-
ropeu vão sendo substituídos por comandos o�cialmente alinhados a
Moscou.

Em 1949:

• Mao Tse Tung proclama a República Popular da China (Figura 7). Tem
início o comunismo na China continental.
Figura 7 Mao discursando durante a fundação da República Popular da China, em 1949.

• A URSS testa a sua primeira bomba atômica.


• Criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte - OTAN, liga militar
unindo os EUA aos seus aliados no oeste europeu.

Em 1950:

• O Exército da Coreia do Norte invade a Coreia do Sul e ocupa Seul; forças


da ONU sob comando dos EUA retomam a capital sul-coreana e invadem
a Coreia do Norte, cruzando o paralelo 38; forças chinesas e soviéticas
passam a auxiliar a Coreia do Norte e o con�ito reequilibra-se, até o ar-
mistício (�m do con�ito) em 1953.

Em 1953:

• Morte de Stálin; Nikita Krushchev é nomeado Primeiro Secretário do


Comitê Central do Partido Comunista Soviético.
• Na célebre Batalha de Dien Bien Phu, os franceses são derrotados pelos
guerrilheiros comunistas do Vietnã.

Em 1954:

• A Indochina é dividida em quatro estados: o Vietnã do Norte, comunista e


pró-soviético; o Camboja e o Laos, simpatizantes do regime comunista, e o
Vietnã do Sul, separado do Vietnã do Norte pelo paralelo 17 (linha imagi-
nária paralela ao Equador, a norte deste) e de governo pró-ocidental.
• Na Argélia, a Frente de Libertação Nacional – FLN dá início à guerra con-
tra os franceses pela independência do país.

Em 1955:
• A URSS forma o Pacto de Varsóvia, aliança político-militar agregando o�-
cialmente os países comunistas do leste europeu.

Em 1956:

• Insurreição contra os soviéticos, pela democracia na Hungria (Figura 8);


Budapeste é bombardeada e os líderes da revolta mortos ou presos pela
URSS.

Figura 8 Tanques soviéticos invadem Budapeste para reprimir insurreição húngara contra a URSS em 1956.

Em 1957:

• A URSS lança o Sputnik I, o primeiro satélite espacial, e o Sputnik II com


uma cadela da raça Laika (Figura 9), o primeiro ser vivo a ser lançado ao
espaço.
Figura 9 Cadelinha Laika no Sputnik II.

Em 1959:

• Liderados por Fidel Castro, os revolucionários cubanos assumem o poder


(Figura 10).

Figura 10 Castro e outros revolucionários cubanos des�lam em Havana após a tomada do poder em 1959.

Em 1960:
• A França concede a independência à Argélia.
• A China rompe com a URSS.

Em 1961:

• Exilados Cubanos tentam sem sucesso a invasão de Cuba pela Baía dos
Porcos.
• Construção do Muro de Berlim (Figura 11), que separou a cidade em duas
zonas: a ocidental (capitalista) e a oriental (comunista).

Figura 11 O Muro de Berlim sendo construído, em 1961.

• Yuri Gagarin (URSS) é o primeiro homem a circundar a terra pelo espaço.

Em 1962:

• A URSS instala mísseis em Cuba, podendo assim atingir facilmente os


EUA; os norte-americanos reagem e tem início a “Crise dos mísseis”, que
terminou com a retirada dos mísseis soviéticos.
Em 1963:

• O presidente norte-americano John Kennedy é assassinado (Figura 12);


Lyndon Johnson assume a presidência.

Figura 12 O presidente norte-americano John F. Kennedy sendo baleado.

Em 1964:

• Começa a Guerra do Vietnã, em que os EUA apoiam militarmente o gover-


no sul-vietnamita (capitalista) contra o governo norte-coreano (comunis-
ta).
• Os Beatles chegam aos EUA e lideram a “invasão inglesa” (Figura 13).
Figura 13 Foto dos Beatles nos EUA em 1964.

Em 1967:

• Guerra dos Seis Dias envolvendo Israel e países Árabes.


• Ernesto “Che” Guevara, líder revolucionário argentino atuante em Cuba e
em grande parte da América Espanhola, é morto na Bolívia.

Em 1968:

• O líder negro Martin Luther King é assassinado nos EUA.


• Em maio de 1968, ocorre em Paris uma onda de protestos de estudantes e
operários contra o sistema educacional, o governo e as condições sociais
da França, que �cou denominada como Maio de 68 (Figura 14).
Figura 14 Estudantes em confronto com a polícia em protestos do Maio de 68 em Paris.

• Primavera de Praga (curto período de insurreição do governo tcheco con-


tra a dominação soviética). Observe na Figura 15 os manifestantes tche-
cos durante a Primavera de Praga.

Figura 15 Manifestantes tchecos (apoiados pelo exército do país) durante a "Primavera de Praga", em 1968.

A Segunda Guerra Mundial


Dentre os acontecimentos ocorridos no período de 1939 a 1968, podemos citar
dois de grande destaque: a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria.

Em março de 1939, Hitler desmembrou a Tchecoslováquia, contrariando todos


os acordos diplomáticos �rmados entre as grandes potências europeias. Pouco
depois, assinou um “Pacto de Não Agressão” com a URSS e invadiu a Polônia
em 1º de setembro. E, conforme prometido, França e Inglaterra declararam
guerra à Alemanha.

A invasão da Polônia foi rápida e arrasadora. Em 1940, os alemães invadiram a


Dinamarca e a Noruega, os países baixos e, depois, a França. Restava, então,
apenas um grande inimigo a ser subjugado no Oeste da Europa: a Inglaterra.
Esta soube defender-se e, �cando a guerra contra a Inglaterra “estagnada”, res-
tava aos alemães, a leste, um único grande inimigo a ser vencido: a URSS.

Logo, apesar do imenso território russo, o exército de Hitler já estava às portas


de algumas das principais cidades russas, como Stalingrado e Moscou.
Começou, porém, a reviravolta. As tropas alemãs haviam sido atraídas pelo
exército vermelho, que procurava di�cultar as linhas de suprimento alemãs.
Além disso, a geogra�a passou a ser um poderoso inimigo dos nazistas, com
as distâncias de milhares de quilômetros e o terrível frio russo, visto que
quando os alemães chegaram às portas das principais cidades russas, come-
çava o mês de dezembro, e com ele o inverno. Além de tudo, a força do exército
vermelho fora subestimada por Hitler.

Resta, ainda, outra grande chave para o desfecho da guerra: os EUA. Não pode-
mos nos esquecer de que a guerra não era travada apenas pelos alemães con-
tra outros países europeus, mas que a Alemanha fazia parte do chamado
“Eixo”, que unia principalmente alemães, italianos e japoneses.

Sendo o interesse alemão e italiano a dominação da Europa, o interesse japo-


nês voltava-se principalmente para a dominação do Pací�co. Nisto, o imperia-
lismo japonês esbarrava nos interesses dos EUA.

O choque de interesses foi de�nitivamente de�agrado com o ataque nipônico


à base militar norte-americana de Pearl Harbor, no Havaí, em 7 de dezembro
de 1941. Os japoneses, cuja força militar fora inicialmente subestimada pelos
norte-americanos, rapidamente conquistaram 4 milhões de quilômetros qua-
drados, mas pouco antes da metade de 1942 já começava o “re�uxo”. O início
da derrocada japonesa aconteceu já com as primeiras derrotas e, quanto aos
alemães, sua primeira grande derrota aconteceu em Stalingrado, quando mais
de 300 mil soldados alemães foram mortos. Começou, então, a contraofensiva
soviética que trataria de “empurrar” os alemães de volta para o oeste e que
chegaria em 1945 até Berlim.

Na frente sul da guerra, ocorreu a tomada pelos Aliados do norte da África e,


em 1943, de quase toda a Itália. Faltava o início da contraofensiva pelo noroes-
te da Europa. Este aconteceu no famoso “Dia D”, 6 de junho de 1944. Atacados
por leste, oeste e sul, os domínios nazistas começaram a cair, até que, em 2 de
maio de 1945, o exército soviético hasteasse a bandeira vermelha sobre Berlim.
Alguns dias depois, norte-americanos, ingleses e franceses chegavam tam-
bém à arrasada capital da Alemanha.

No pací�co, os norte-americanos foram gradualmente retomando as conquis-


tas japonesas até encurralar o Japão numa posição de desespero, chegada à
total insustentabilidade após o lançamento da bomba atômica sobre
Hiroshima e Nagasaki. No dia 14 de agosto, o Japão apresentou aos EUA a sua
rendição e a Segunda Guerra Mundial chegou ao �m.

Bomba atômica
A bomba atômica é uma arma explosiva que faz uso de uma reação nuclear para atingir seu
poderio destrutivo. Tanto na Alemanha nazista quanto nos EUA, para onde haviam ido
muitos cientistas europeus fugidos do nazismo e do fascismo, tentou-se construir a primei-
ra bomba atômica para uso durante a Segunda Guerra, algo que obviamente a de�niria, ten-
do em vista o poderio bélico de tal arma. Mas, como sabemos, apenas os americanos conse-
guiram construir a bomba ainda durante a guerra, causando imediatamente quase 200 mil
mortes, sem contar os efeitos da radiação, mais lentos. Após a primeira versão da bomba,
outras muito mais potentes apareceram. Estas foram, entre outras, a Bomba H e a bomba de
nêutrons. Em 1961, por exemplo, foi testada pela URSS uma bomba cujo poderio destrutivo
era cinco mil vezes maior do que o da bomba de Hiroshima, sendo também dez vezes maior
do que o poderio de todas as bombas utilizadas juntas em toda a Segunda Guerra Mundial.

A Guerra Fria
A con�rmação dos EUA como principal potência capitalista do mundo, seu
poderio militar coroado com a utilização da bomba atômica; em contrapartida,
a demonstração de força dada ao mundo pelo exército soviético, a expansão
das zonas de in�uência da URSS; e, �nalmente, a derrocada de�nitiva, devido
à guerra, dos países da Europa Ocidental enquanto grandes potências industri-
ais deram ensejo a um novo cenário mundial que acabava de nascer: a Guerra
Fria.

O mundo não seria mais dividido em diversas zonas de in�uência, mas em


duas principais: uma capitalista, ligada aos norte-americanos, e outra socia-
lista, ligada aos soviéticos. Como exemplos dos primeiros passos dessa bipola-
rização, podemos citar alguns importantes acontecimentos que se seguiram
ao desfecho da Segunda Guerra.

Inicialmente, talvez possamos tomar a divisão da Alemanha ocupada pelos


aliados como um paradigma do que seria o mundo a partir de então. O país foi
dividido em quatro zonas: uma francesa, uma inglesa, uma norte-americana e
uma soviética. O mesmo ocorreu com a cidade de Berlim. Contudo, as quatro
zonas logo traduziram a formação das novas alianças do pós-guerra e, de qua-
tro, acabaram se transformando em duas: uma capitalista, comandada pelos
EUA, e outra socialista, comandada pela URSS.

Um exemplo da liderança capitalista dos EUA na Europa Ocidental foi o Plano


Marshall, que, por meio de vultosos empréstimos, não apenas buscou
“recolocá-la de pé”, mas também fazê-la próspera a ponto de evitar que o co-
munismo se disseminasse ali.

Em todos os cantos do mundo, as disputas entre capitalistas e comunistas


também tinham eco. Na China, por exemplo, os comunistas tomaram o poder
sob a liderança de Mao Tsé Tung em 1949. Na Coreia, teve início uma guerra
que duraria de 1950 a 1953. E até a América foi atingida pela bipolarização: em
1959, os revolucionários cubanos liderados por Fidel Castro depuseram o dita-
dor Fulgêncio Batista e logo passaram a ser apoiados pela URSS.

No bloco comunista, a década de 1960 começou com um afastamento entre


chineses e soviéticos. No contexto da Guerra Fria, podemos destacar entre ou-
tros pontos a Crise dos Mísseis em Cuba, a Crise do Muro de Berlim, a Guerra
do Vietnã e, ainda, no que concerne às dissidências dentro do próprio bloco
comunista, a Primavera de Praga.

A Crise do Muro de Berlim ocorreu em 1961, quando, para evitar a migração da


população para a parte ocidental da cidade (capitalista e próspera), o governo
da Alemanha Oriental, tutelado pela URSS, resolveu erguer um muro dividindo
a cidade em duas partes. Já a Crise dos Mísseis ocorreu em 1962, quando a
URSS decidiu posicionar mísseis balísticos de médio e curto alcance em Cuba,
o que causou a reação norte-americana e quase de�agrou um con�ito entre as
duas superpotências.
A Guerra do Vietnã foi de�agrada quando, depois da expulsão dos colonizado-
res franceses, os comunistas tomaram o poder em quase toda a Indochina,
com exceção do Vietnã do Sul, capitalista e apoiado pelos EUA, mas que sofria
com o assédio do Vietnã do Norte e de seus próprios guerrilheiros comunistas,
chamados de “vietcongs”. É evidente que o interesse norte-americano referia-
se à manutenção de um governo pró-EUA no Vietnã do Sul, e o envolvimento
total dos EUA no con�ito deu-se em 1964, quando foram enviados 150 mil sol-
dados norte-americanos ao país.

Rapidamente, o que os norte-americanos imaginaram que seria uma guerra


rápida tornou-se um pesadelo: em 1967, o número de soldados norte-
americanos na região já chegava a 400 mil e, ainda assim, não se chegava a
vitórias signi�cativas. Nos EUA, a televisão mostrava pela primeira vez a
guerra ao vivo, exercendo papel fundamental na formação da opinião pública:
os norte-americanos, vendo o insucesso de seu exército, começaram a questi-
onar a necessidade da presença dos EUA, o que resultou na retirada das tropas
em 1973.

Dentro do bloco comunista europeu, a URSS exigia total submissão dos gover-
nos de seus “países satélites”. Foi o que ocasionou em 1968 a “Primavera de
Praga”, quando, tentando uma democratização e um afastamento de Moscou,
os tchecos foram duramente reprimidos pelas forças militares soviéticas.

A “febre de juventude”
Um outro dado a ser destacado das décadas de 1950 e 1960 é a revolução que
estas representaram no comportamento e na cultura popular, principalmente
no que diz respeito à juventude.
Figura 16 Chuck Berry.

Figura 18 Jerry Lee Lewis.


Figura 17 Little Richard.

Figura 19 Elvis Presley.

Na década de 1950, nomes como Chuck Berry (Figura 16), Little Richard
(Figura 17), Jerry Lee Lewis (Figura 18) e Elvis Presley (Figura 19), entre outros,
revolucionaram a música pop e toda a cultura jovem criando o rock n’ roll. Já
na década de 1960, a revolução foi catalisada com bandas como Beatles e
Rolling Stones, entre várias outras, e com um espírito juvenil que, em termos
de comportamento, desembocaria na contestação dos valores da moderna so-
ciedade de consumo por movimentos como o dos hippies e, na esfera política,
em movimentos contestatórios como o chamado “Maio de 68” francês.

O movimento de “Maio de 68” ocorreu quando estudantes franceses resolve-


ram protestar contra o conservadorismo e a precariedade das estruturas esco-
lares/universitárias e em prol das ideologias de esquerda. Aos poucos, o clima
de ebulição foi tomando corpo e recebendo a adesão de outros setores da soci-
edade civil. Não muito tempo depois, o movimento foi dispersado, mas se �r-
mou como exemplo para as mobilizações populares vindouras de todo o mun-
do, inclusive no Brasil, que, em 1968, teve uma importante participação dos es-
tudantes na luta contra a ditadura militar (Figura 20).

Figura 20 Manifestantes (estudantes na sua maioria) protestando contra a ditadura militar na “Passeata dos 100 mil”,

ocorrida no Rio de Janeiro em 1968.

Conhecer o contexto histórico é fundamental para o estudo da história da arte,


pois não há como dissociar os acontecimentos da humanidade das manifesta-
ções dos artistas em relação a esses acontecimentos. A seguir, conheceremos
como esses acontecimentos se manifestaram na arte e os principais artistas
envolvidos.

3. Arte no pós-Guerras Mundiais


A partir da nova organização das potências mundiais, os Estados Unidos sur-
gem em destaque como potência econômica, bélica e também artística. O cen-
tro cultural ocidental, localizado na Europa até o �nal das vanguardas artísti-
cas, expande-se para a América do Norte, apresentando tendências e novos
artistas ao mundo. E, um dos movimentos artístico dessa época, o expressio-
nismo abstrato, será tratado agora.

Expressionismo Abstrato Norte-Americano


Como vimos anteriormente, as mudanças radicais provocadas nos mais diver-
sos campos pela Segunda Guerra Mundial �zeram com que, na esfera da arte,
o “centro criativo” do mundo saísse da Europa, que tinha em Paris seu princi-
pal polo artístico, e passasse para o chamado “Novo Mundo”, mais especi�ca-
mente para os EUA ou, mais especi�camente ainda, para Nova York. Foi neste
contexto que surgiu o primeiro grande movimento artístico de origem norte-
americana: o Expressionismo Abstrato.

É importante que, inicialmente, diferenciemos o Expressionismo Abstrato do


Expressionismo praticado nas primeiras décadas do século 20, especialmente
pelos alemães. E isso não é tão difícil, já que grande parte da produção do
Expressionismo do começo do século 20 era �gurativa.

Entretanto, foi no seio do próprio Expressionismo praticado na Alemanha no


início do século 20 que surgiram as primeiras pinturas efetivamente abstratas
da história da arte: as obras do russo Wassily Kandinsky (1866-1944), que fez
parte, entre outros, do grupo expressionista denominado O Cavaleiro Azul (Der
Blaue Reiter), de Munique.

Deve-se ressaltar então que, apesar de ter surgido no seio do Expressionismo


alemão e de ser abstrata, a pintura de Kandinsky não pode ser chamada de
“expressionista abstrata”, já que este nome se liga à escola norte-americana
surgida na década de 1940. Há, evidentemente, diferenças básicas entre o
Expressionismo Abstrato norte-americano e o abstracionismo de Kandinsky:
estas se encontram não apenas em aspectos formais, mas, especialmente, na
motivação �losó�ca e mesmo espiritual da arte de Kandinsky, diferente da
dos expressionistas abstratos do pós-Segunda Guerra. Trata-se, porém, especi-
almente, de uma convenção teórica.

De qualquer forma, não se pode negar um traço comum: o Expressionismo


Abstrato surgido na década de 1940 também tinha como principal objetivo a
expressão da vida interior e das emoções por meio da arte abstrata. Para tanto,
utilizava-se de técnicas que, em geral, apontavam para uma pintura gestual,
peculiar especialmente a uma das �guras centrais do movimento, Jackson
Pollock, que abordaremos mais adiante.

Devemos acrescentar que, no Expressionismo Abstrato, as imagens não resul-


tavam de ideias preconcebidas, mas surgiam dentro do próprio processo cria-
tivo, segundo a intuição do artista, e não segundo um plano de trabalho.
Assim, a tela passou a ser uma “arena” para a ação. Isto, especialmente, em ar-
tistas como Pollock, que fazia o que os estudiosos chamaram de action pain-
ting, ou seja, uma pintura da ação ou gestual em que o corpo e os movimentos
do artista para a distribuição intuitiva, emocional e muitas vezes vigorosa das
tintas passaram a ser os principais elementos.
Figura 21 Exemplo de dripping: Jackson Pollock pintando em seu estúdio em Nova York, em 1949.

Tal pintura gestual era realizada segundo vários procedimentos, como o cha-
mado dripping (Figura 21), que consistia em borrifar, gotejar ou mesmo atirar a
tinta sobre a tela, que no caso de Pollock era esticada no chão do ateliê, e pela
utilização de instrumentos como bastões ou colheres de pedreiros, além dos
pincéis. Vejamos nas Figuras 22 e 23 imagens de Pollock pintando em seu es-
túdio.

Figura 22 Pollock pintando em seu estúdio.


Figura 23 Pollock pintando em seu estúdio em 1950.

A seguir, vejamos os principais artistas do Expressionismo Abstrato norte-


americano.

Jackson Pollock

Jackson Pollock (1912-1956), considerado por muitos críticos internacionais


como o maior artista norte-americano do século 20, foi o principal nome da
pintura expressionista abstrata dos EUA, e também um dos grandes pilares
deste tipo de expressão artística em todo o mundo.

Sua linguagem artística começou a ganhar os contornos que a tornariam céle-


bre durante a Segunda Guerra, quando Pollock conheceu os surrealistas euro-
peus exilados nos EUA e os escritos de André Breton (1896-1966) sobre o auto-
matismo na criação artística. E foi exatamente na década de s 1940, também
sob a in�uência de Pablo Picasso (1881-1973), Max Ernst (1891-1976) e Joan
Miró (1893-1983), que Pollock encontrou a sua identidade artística.
Pollock iniciou, então, a fase mais conhecida de sua carreira e desenvolveu
seu vocabulário individual: linhas sinuosas que se entrelaçam num rendado
complexo e cores traçadas sobre um fundo que se projeta como plano de valor
equivalente ao das formas. Durante o período mais criativo de sua trajetória,
mais ou menos entre 1947 e 1951, elaborou obras em escala monumental
(Figura 24).

Figura 24 Exemplo do caráter "monumental" das telas de Pollock: visitantes do MoMA (Museu de Arte Moderna de

Nova York) em frente à obra Onde: number 31, de 1950.

A obra de Pollock pode ser considerada como o marco fundamental que proje-
tou o Expressionismo Abstrato nova-iorquino dentro do mundo da arte no
pós-Segunda Guerra. Pollock morreu aos 44 anos, em um acidente de automó-
vel. Observe nas Figuras 25 e 26 algumas de suas obras.
Figura 25 Number 1, Jackson Pollock, 1948.

Figura 26 Number 8, Jackson Pollock, 1949.

Willem de Kooning
Outro dos principais artistas do Expressionismo Abstrato norte-americano foi
o holandês Willem de Kooning (1904-1997). Tendo estudado na juventude na
Academia de Belas Artes de Roterdã, chegou aos EUA em 1926. Ali procurou
aprimorar-se, enquanto ganhava a vida trabalhando com pintura de interiores
e decoração. Em 1948, realizou sua primeira exposição de notoriedade, e daí
por diante sua fama e valor no mercado de arte cresceram exponencialmente.
Vejamos nas Figuras 27 e 28 duas das obras de Kooning.

Figura 27 Gotham News, Willem de Kooning, 1955, 175 X 200,5 cm.

O artista, no entanto, não se ateve apenas ao Expressionismo Abstrato como


linguagem artística. Algumas de suas obras mais famosas, por exemplo, são,
apesar de próximas do Expressionismo Abstrato em termos estilísticos, �gu-
rativas.

Figura 28 Mulher V, Willem de Kooning, 1952-1953.

Barnett Newman

Nascido em Nova York, o “berço” do Expressionismo Abstrato, Newman


(1905-1970) começou a ganhar notoriedade em sua carreira na década de 1940,
ainda dentro desta corrente (Figura 29). Depois, passou a ser preferencialmen-
te associado a outros movimentos, tais como o Color-�eld Painting, que vere-
mos mais adiante.

Figura 29 Sem título, aquarela expressionista abstrata de Barnett Newman, 1944, 31 x 51 cm.

Mark Rothko

O russo Mark Rothko (1903-1970), imigrante que chegou aos EUA com 10 anos
de idade, foi outro artista que iniciou sua carreira no Expressionismo Abstrato
e depois o abandonou, partindo para uma pintura mais ligada às formas geo-
métricas. Seu trabalho celebrizou-se pelos largos e desfocados retângulos co-
loridos, ora escuros e delicados, ora de cores incandescentes e emotivas.

Observe na Figura 30 uma obra de Rothko ligada ao Expressionismo Abstrato


e, na Figura 31, uma obra com o estilo mais geométrico que passaria a marcar
o artista a partir do �nal da década de 1940.

Figura 30 Sem título, Mark Rothko, 1947, 121 x 90 cm.


Figura 31 No.3/No.13 (magenta, preto, verde sobre laranja), Mark

Rothko, 1949.

Arshile Gorky

O armênio Arshile Gorky, nascido entre 1902 e 1905 e morto em 1948, emigrou
para os EUA ainda criança, com os pais. Ali, estudou arte até na década de
1930 e recebeu a in�uência do Surrealismo. Realizando, no início da carreira,
obras �gurativas, Gorky também passou pelo Expressionismo Abstrato.
Observe na Figura 32 uma das obras de Gorky.

Figura 32 Water of the Flowry Mill, 1944, 107,5 x 124 cm.

Expressionismo Abstrato na Europa


A Europa do pós-Segunda Guerra acolheu o Expressionismo Abstrato norte-
americano e, por assim dizer, “multiplicou-o” em diversas tendências/corren-
tes. Com isso, tivemos, nas décadas de 1940 e 1950, entre outros movimentos
abstracionistas europeus:

Tachismo

Vertente abstracionista francesa encabeçada por Wols, Hans Hartung e


Georges Mathieu, entre outros. O termo “tachismo” é derivado da palavra fran-
cesa tache, que signi�ca mancha.

Correntes Abstracionistas
Tanto o Tachismo quanto outras correntes abstracionistas não geométricas europeias do
Pós-Segunda Guerra, também, são chamadas de Abstracionismo Lírico, ou ainda de
Informalismo ou Arte Informal, no sentido de “forma livre”.

Observe na Figura 33 uma obra deste movimento.

Figura 33 Exemplo de Tachismo: Oui, Oui, Oui, Wols, 1946-1947.

Art Brut

Tendência surgida por volta de 1950 que repudiava qualquer forma tradicional
e também pregava a espontaneidade acima de tudo. O nome Art Brut foi cu-
nhado pelo pintor Jean Dubuffet para designar as formas de expressão não
apenas espontâneas, como também as irre�etidas, realizadas por artistas
amadores, crianças e psicóticos, por exemplo.

A seguir, vejamos os principais artistas do Expressionismo Abstrato na


Europa.

Wols

Wols é o pseudônimo que foi adotado pelo pintor e fotógrafo alemão Alfred
Otto Wolfgang Schulze (1913-1951). Wols foi um dos pioneiros do Tachismo,
tendo sido bastante in�uenciado também, especialmente no início de sua car-
reira, pelo Surrealismo. Observe na Figura 34 uma das obras deste artista.

Figura 34 O Catalão, Wols, 1947-1948.


Hartung

Pintor e gravador, o alemão Hans Hartung (1904-1989) foi uma �gura seminal
no cenário artístico parisiense do pós-guerra.

De 1924 a 1928, cursou várias academias europeias, principalmente na


Alemanha. Depois, perseguido pelos nazistas, �xou-se em Paris. Durante a
Segunda Guerra, lutou na África (na Legião Estrangeira) e na Europa, tendo
perdido uma das pernas em batalha. Em 1945, foi considerado cidadão fran-
cês.

In�uenciado pelo Expressionismo Abstrato, por Kandinsky e Paul Klee


(1879-1940), Hartung começou a trabalhar com o Abstracionismo na década
de 1920, desenvolvendo uma caligra�a que se preocupava em transmitir esta-
dos de espírito. Esta transmissão acontecia com uma espécie de escrita auto-
mática, próxima do Surrealismo, que também aproximava Hartung do que se
convencionou chamar de action painting. Vejamos na Figura 35 uma de suas
obras.
Figura 35 T-I954-20, Hans Hartung.

Mathieu

Georges Mathieu, nascido na França em 1921, é outro dos nomes importantes


do Abstracionismo Lírico europeu do pós-guerra. Apesar de ter sempre atuado
na Europa, o “tachista” Mathieu é também constantemente chamado de
Expressionista Abstrato, muito ligado à pintura gestual (ou action painting,
procedimento muito utilizado por Pollock, por exemplo) devido à sua pintura
realizada de maneira rápida e impulsiva, como é possível observar na Figura
36.

Figura 36 Tempestades desconhecidas, Mathieu, 146 x 114 cm

Soulages

O francês Pierre Soulages, nascido em 1919, deu início à sua carreira artística
imediatamente após o �nal da Segunda Guerra Mundial, em Paris. Com o tem-
po, passou a ser conhecido como o “pintor do preto” devido à sua predileção
por esta cor que, segundo o próprio artista, é ao mesmo tempo “uma cor e uma
não cor”. Vejamos na Figura 37 uma de suas obras.

Figura 37 Pintura, Soulages, 1958, 161 x 113 cm

Saura

Autodidata, o espanhol Antonio Saura (1930-1998) iniciou sua carreira ainda


jovem, logo após uma longa convalescência. Suas maiores in�uências até en-
tão eram Miró e o Surrealismo. Entretanto, logo o Abstracionismo Lírico to-
mou conta de sua obra, especialmente após uma estadia em Paris na década
de  1950.  Vejamos a Figura 38.
Figura 38 Hia, Antonio Saura, 1958, 162 x 130 cm.

Dubuffet

Jean Dubuffet (1901-1985) foi um dos principais nomes da corrente que �cou
conhecida como Art Brut, algo que poderia ser traduzido como “arte bruta”. Tal
designação se deveu, especialmente no caso de Dubuffet, ao mundo primitivo
e irracional criado pelo artista em suas obras, que contavam não apenas com
materiais tradicionais, mas também outros como areia, cimento etc. A partir
do �nal da década de 1960, Dubuffet ocupou-se cada vez mais com a escultura.
Observe na Figura 39 uma de suas obras.
Figura 39 Alma do Underground, Jean Dubuffet, 1959, 149,6 x 195 cm, óleo sobre chapa de alumínio.

Hard-Edge e Color-Field Painting


Já em meados da década de 1950, foram surgindo outras correntes abstracio-
nistas nos EUA muito mais ligadas ao geometrismo do que o Expressionismo
Abstrato. Entre elas estavam o que se chamou de Hard-edge e Color-�eld
Painting.

O termo Hard-edge (Figura 40) foi cunhado para designar uma pintura muito
mais impessoal do que o Expressionismo Abstrato, e que tinha nas grandes
áreas planas de cor, em geral divididas em formas geométricas, sua principal
marca.

As grandes áreas planas de cor também foram, como o próprio nome diz, o fo-
co central da Color-�eld Painting (Figura 41), que tinha a peculiaridade de bus-
car trabalhar com especial cuidado os valores psicológicos das cores.
Figura 40 Exemplo de Hard-edge: Interações da Cor, Josef

Albers, 1963.
Figura 41 Pintura de Mark Rothko: exemplo de Color-�eld

Painting.

De qualquer forma, mesmo sendo o Hard-edge e o Color-�eld Painting reações


ao Expressionismo Abstrato, isso não signi�ca que muitos dos nomes mais
importantes dessas correntes não tenham sido anteriormente ligados ao
Expressionismo Abstrato, como inclusive já vimos anteriormente. Como
exemplo disso, podemos citar Barnett Newman e Mark Rothko.

Outros nomes importantes no Hard-edge e no Color-�eld Painting foram Josef


Albers, Ellsworth Kelly, Frank Stella, Morris Louis, Kenneth Noland e outros
dois artistas que veremos mais adiante, ao falarmos da Op Art: Victor Vasarely
e Bridget Riley.

A seguir, vejamos os principais artistas do Hard-edge e do Color-�eld Painting.


Acompanhe.

Albers

O artista, matemático e educador alemão Josef Albers (1888-1976) é um bom


exemplo de como os EUA souberam absorver sabiamente a “mão de obra” qua-
li�cadíssima que saía da Europa com a ascensão dos regimes autoritários na
década de 1930 e fazer desta mão de obra instrumento para seu próprio cresci-
mento cultural.

Albers adentrou à Bauhaus em 1920 como estudante. Pouco depois, em 1925,


quando a instituição já se mudava para Dessau, foi promovido a professor.
Com a ascensão dos nazistas, foi para os EUA em 1933 e passou a lecionar,
tendo como alunos nomes como Robert Rauschenberg e Cy Twombly.

Já na década de 1950, Albers tornou-se um dos principais nomes da abstração


geométrica norte-americana. Vejamos na Figura 42 uma de suas obras.
Figura 42 Homenagem ao quadrado, Josef Albers, 1965.

Kelly

O norte-americano Ellsworth Kelly, nascido em 1923, é um artista cuja carreira


começou a ganhar fama na década de 1950. Tendo estudado na França e sido
in�uenciado pelos contatos com o Surrealismo e o Neoplasticismo, Kelly de-
senvolveu um abstracionismo que não deixa de ser também associado ao
Minimalismo, que abordaremos mais adiante. Observe na Figura 43 o estilo de
Kelly.
Figura 43 Azul sobre laranja, litogra�a de Ellsworth Kelly, 1964-65, 89 x 60 cm.

Noland

Kenneth Noland nascido em 1924 foi fortemente in�uenciado pelo


Neoplasticismo de Piet Mondrian (1872-1944) e por Josef Albers. A arte de
Noland conta principalmente com grandes quadros baseados na cor e na sim-
plicidade geométrica. Para conseguir mais precisão, o artista chegou a utilizar
rolos em vez de pincéis, chegando a resultados que, muitas vezes, lembram
grandes alvos (Figura 44).

Figura 44 Turnsole, Keneth Noland, 1961.

Stella

Nascido em 1936, Frank Stella teve em Kenneth Noland uma de suas princi-
pais in�uências. Stella é considerado também um dos precursores do
Minimalismo, que abordaremos mais adiante. Na Figura 45, podemos obser-
var o estilo de Stella.

Figura 45 Hyena Stomp, Frank Stella, 1962.

Morris Louis

A principal característica das obras de Morris Louis (1912-1962) foi o abandono


da pintura gestual, comum ao Expressionismo Abstrato, para a adoção de áre-
as de tinta diluída em que há a utilização psicológica das cores, muitas vezes
colocadas lado a lado e em tons próximos como em um arco-íris, como mostra
exemplo da Figura 46.
Figura 46 Alpha-Pi, Morris Louis, 1960, 260,4 x 449,6 cm.

4. Arte Pop
A Arte Pop foi um movimento que, iniciado na Inglaterra no �nal da década de
1950, teve grande impulso nos EUA, devido às condições socioeconômicas
norte-americanas do pós-Segunda Guerra que permitiram o �orescimento da
cultura de massa e de uma arte que dialogasse com este fenômeno.

Baseada na publicidade, no jornalismo, na sociedade de consumo, nos moder-


nos meios de comunicação e mesmo em procedimentos da “anti-arte” dadaís-
ta, mas sem a mesma acidez crítica do Dadaísmo, a Arte Pop buscava levar ao
“erudito” universo das Artes Plásticas um pouco do turbilhão que a cultura de
massa produzia com cada vez mais força. Com isso, constituiu-se em um ver-
dadeiro marco no início do que se convencionou chamar de Pós-modernismo.

Pós-modernismo
É chamado de “pós-moderna” a arte que, de diversas formas, transcendeu os paradigmas, os
desa�os e os conceitos da Arte Moderna, que teve início com as vanguardas do início do sé-
culo 20 e perdurou até a década de 1960. Assim, se a arte moderna fora marcada pela ideia
de progresso, utopia e desconstrução dos cânones da História da Arte, a pós-moderna – que
para muitos foi “inaugurada” com a Pop Art – é marcada pela fragmentação, pelo pluralis-
mo, pelo ecletismo e por uma relação mais individualista e também mais complexa do ho-
mem com o mundo em que vive. Tal relação, pautada por um capitalismo chamado de “pós-
industrial”, gera também, evidentemente, uma nova relação do homem com o objeto e, con-
sequentemente, do homem com a arte.   Os conceitos de Pós-modernismo e Pós-
modernidade não se limitam ao mundo das artes. Surgiram em campos das ciências hu-
manas tais como a Sociologia, a História e a Filoso�a e ainda são muito discutidos, havendo
inclusive estudiosos que questionam bastante a sua pertinência.
O início na Inglaterra
Uma espécie de debut da Arte Pop ocorreu na Inglaterra, com a obra O que
exatamente é isso que torna os lares de hoje tão diferentes, tão atraentes? em 
1956 (Figura 47), de Richard Hamilton. A obra, como o próprio nome indica,
mostra um apartamento da década de 1950 com vários bens de consumo e ele-
mentos relativos à cultura de massa.

Figura 47 O que exatamente é isso que torna os lares de hoje tão diferentes, tão atraentes?, Richard Hamilton, 1956.
Arte Pop
Se é que é possível o estabelecimento do marco inicial de um movimento artístico, pode-se
dizer que, no caso da Arte Pop, este marco foi a obra: O que exatamente é isso que torna os
lares de hoje tão diferentes, tão atraentes? (Figura 47). Esta obra concentra, numa pequena
colagem, várias das premissas da estética pop, num processo de criação que dialoga, por
exemplo, com os dadaístas, mas tendo evidentemente outro sentido. Na obra estão presen-
tes a sociedade de consumo e todos os seus desdobramentos cotidianos, como:
1) a imagem idealizada de um corpo perfeito e “malhado” (a perfeição seria conseguida, no
caso do homem, com exercícios físicos, num procedimento tipo academia/ingestão de pro-
dutos para aumento da massa muscular e, no caso da mulher, com cosméticos, roupas e ar-
tigos de beleza em geral);
2) a pulp �ction, no quadro na parede de trás;
3) a televisão e os eletrodomésticos em geral, como o gravador e o aspirador de pó;
4) o jornal sobre o sofá;
5) o cinema ao fundo, depois da janela de trás, com Al Jolson, que atuou em O cantor de
Jazz, um dos primeiros �lmes falados, considerado o primeiro longa-metragem
sonoro da história do cinema, no cartaz;
6) referências pseudo-eruditas no quadro ao lado daquele da pulp �ction;
7) as marcas em geral (lê-se Ford ao fundo) e o olhar “publicitário” das �guras representa-
das;
8) a corrida espacial e o deslumbramento com o progresso cientí�co: o teto é a “lua”, algo
que remete aos foguetes e à conquista do espaço.

Pulp �ction
Eram chamadas de pulp �ction as histórias de detetives, �cção cientí�ca, romance ou sim-
plesmente fantasiosas publicadas em larga escala e papel barato nos EUA a partir da déca-
da de 1920. O nome deve-se ao tipo de papel usado, de má qualidade (pulp), o que barateava
o custo e permitia o consumo em larga escala. Quentin Tarantino lançou em 1994 um �lme
chamado Pulp Fiction, vencedor da Palma de Ouro no festival de Cannes em 1994, devido ao
seu aspecto pop, violento, transgressor e até absurdo, assim como as histórias da literatura
Pulp norte-americana.

Hamilton fazia parte do grupo que foi o impulso inicial da Arte Pop, algo que,
como já vimos anteriormente, ocorreu primeiro na Inglaterra para apenas de-
pois ser recriado e reforçado pela cultura norte-americana. Neste grupo esta-
vam também Eduardo Paolozzi e Peter Blake. Mais adiante, falaremos tam-
bém do inglês posteriormente radicado nos EUA, David Hockney.

Richard Hamilton

Nascido em 1922, Richard Hamilton trabalhou como desenhista técnico du-


rante a Segunda Guerra Mundial e somente depois pôde efetivamente entrar
para o mundo das artes, sendo um dos pioneiros da Pop Art.
Internacionalmente aclamado, assim como outros artistas pop que veremos
mais adiante, sempre manteve uma estreita ligação com a cultura de massa.
Exemplo disso é sua relação com a música, traduzida em trabalhos como a ca-
pa do famoso disco dos Beatles: Álbum Branco de 1968 (Figura 48); e em obras
como Swingeing London III (Figura 49), que faz uma releitura da foto jornalís-
tica da famosa prisão de Mick Jagger por porte de drogas em 1967.

Beatles: Álbum Branco (1968) 


É praticamente desnecessário falar sobre os Beatles, a mais famosa banda de rock do sécu-
lo 20 e talvez o maior “fenômeno pop” de todos os tempos. Vale apenas lembrar que, forma-
do no início da década de 1960 por quatro rapazes da cidade inglesa de Liverpool e tendo
durado até 1970, a banda representou parte do que de mais alto nível já se produziu na mú-
sica pop e revolucionou a história de toda a cultura popular a ponto de poder-se dividir al-
guns assuntos, como o rock, por exemplo, em antes e depois dos Beatles.  The Beatles, co-
nhecido como Álbum Branco por ter uma capa branca apenas com o nome da banda, foi
lançado em 22 de novembro de 1968. É um disco duplo e conta com trinta canções. É consi-
derado um dos dez discos mais importantes de todos os tempos.

Swingeing London
Swingeing London é o nome de uma série de obras de Hamilton que têm como tema a efer-
vescência da cultura jovem na capital inglesa na segunda metade dos anos 1960. Londres
�cou então conhecida como Swinging London, algo que poderia ser traduzido como
“Londres balançante”, devido às bandas de rock, ao colorido das roupas e ao clima de libera-
lidade, que incluiu o uso de drogas da juventude. Há uma comédia que dá uma visão diver-
tida e, evidentemente, caricata do que foi a Swingin London. É o primeiro �lme da série
Austin Powers (1999), do comediante Mike Myers, que conta algumas das aventuras do
“psicodélico” agente secreto.

 
Figura 48 Capa do "Álbum Branco" dos Beatles, 1968.

Figura 49 Swingeing London III, Richard Hamilton, 1972.

Mick Jagger 
Mick Jagger, nascido em 1943, é o líder dos Rolling Stones. A banda, existente até hoje, foi a
segunda grande força do rock inglês dos anos 1960, atuando como uma espécie de “antago-
nista” dos Beatles, mostrando-se mais transgressora em termos comportamentais.

Peter Blake

Peter Blake, nascido em 1932, foi outro artista que se celebrizou não apenas
por suas pinturas, mas também por criações como, por exemplo, capas de dis-
co. É dele a capa de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (Figura 51), também
dos Beatles, talvez a mais famosa capa de disco de todos os tempos. Contudo,
seu envolvimento com a música não parou por aí. Em 2006, por exemplo,
Blake desenhou a capa de um disco da banda Oasis (Figura 50).

Sargent Pepper’s Lonely Hearts Club Band


Lançado em 1967, Sargent Pepper’s Lonely Hearts Club Band é considerado por muitos co-
mo o mais importante álbum da história da música pop. Isto porque o disco norteou muito
do que seria produzido no rock e no pop a partir de então, em vários aspectos, tais como ar-
ranjos, produção, gravação e composição. Nada mais adequado do que a Pop Art para per-
mitir que uma capa de disco seja analisada enquanto obra de arte. Nesta obra (Figura 51),
que permite inúmeras e riquíssimas interpretações, Peter Blake trabalhou com grande cria-
tividade imagens de ícones da cultura popular, colocando-as lado a lado com a imagem dos
Beatles. Trata-se de uma espécie de colagem em que vemos, coloridas ou em preto e branco,
�guras como Marlon Brando, Marilyn Monroe, Fred Astaire, Edgar Alan Poe, Oliver Hardy e
Stan Laurel (o gordo e o magro), Oscar Wilde, entre vários outros, importantes para a cultura
popular ou erudita, dentro e fora da Grã-Bretanha, como se estivessem amontoadas em uma
espécie de museu de cera. Podemos perceber que inclusive os próprios Beatles na sua ver-
são “inicial”, com seus famosos terninhos, são retratados como bonecos de cera, como se �-
zessem parte do “passado”. Isto se con�rma com a forma como é escrito o nome Beatles:
com um arranjo �oral no chão, como em uma espécie de “cemitério”: trata-se, portanto, do
“enterro” dos membros da banda como eles haviam sido até então e do nascimento de uma
“nova banda”: a Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (traduzido seria algo como Banda de
Corações Solitários do Sargento Pimenta), personagens assumidos pelos Beatles neste disco
como possibilidade de autorreinvenção.
Figura 50 Capa do disco “Stop the Clocks”, Peter Blake, 2006.

Figura 51 Capa do disco “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, Peter Blake, 1967.

Oasis
A banda inglesa Oasis foi formada em 1994 em Manchester, liderada pelos irmãos Noel e
Liam Gallagher. Trata-se do principal nome do movimento que na década de 1990 foi cha-
mado de Britpop, ou seja, o “pop vindo da Grã-Bretanha”. A grande inspiração do Oasis é e
sempre será, admitem os próprios integrantes do grupo, a música dos Beatles.

Em sua arte, Blake tem como uma das características a utilização de releitu-
ras de artistas como, por exemplo, Édouard Manet (1832-1883) e Keneth
Noland. Observe na Figura 52 a obra On the Balcony (No Balcão), que dialoga
com O Balcão de Manet (o personagem de óculos escuros segura o quadro de
Manet).

Figura 52 No Balcão, Peter Blake, 1957.

Paolozzi

O escocês Eduardo Paolozzi (1924-2005) foi um dos primeiros escultores a se


destacar dentro do universo da Pop Art. Uma das marcas de Paolozzi são os
seres antropomór�cos que parecem híbridos (meio vivos e meio máquinas) e,
por vezes, lembram estranhos e/ou assustadores robôs. Observe na Figura 53
uma das obras de Paolozzi.

Figura 53 Quatro Torres, Eduardo Paolozzi, 1962.

David Hockney
David Hockney, nascido em 1937, é um dos mais ilustres representantes do
British Pop, ou seja, do grupo de artistas britânicos que aderiram à Pop Art.

Hockney ofereceu ao Pop com sua pintura um inigualável toque irônico, no


qual se percebe uma forte presença do humor inglês. Depois de mudar-se para
Los Angeles, em 1964, sua arte perdeu bastante dessa característica, voltando-
se mais para um aspecto narrativo e para um realismo que, no entanto, não
deixaram de conter certa magia e arti�cialidade. Neste período, Hockney utili-
zou como temática cenas, paisagens e interiores californianos. Vejamos seu
estilo na Figura 54.

Figura 54 Retrato de um artista: piscina com duas �guras, David Hockney, 1971.

EUA: onde o Pop “se encontrou”


Como vimos anteriormente, foi nos EUA que a Arte Pop encontrou seu nicho
ideal. Por ser o país do paraíso da indústria cultural e da sociedade de consu-
mo, é signi�cativo que mesmo em algumas obras pop inglesas a inspiração te-
nha sido a cultura norte-americana.

Como vimos, até o �nal da década de 1950, reinavam nos EUA o


Expressionismo Abstrato e outras correntes abstracionistas. A Arte Pop, com o
seu �gurativismo despojado, teve início então como um movimento que ia na
contracorrente do abstracionismo que o país já estava tomando para si como
sua linguagem pictórica o�cial, por ter sido o Expressionismo Abstrato, por
exemplo, o primeiro tipo de arte originário dos EUA a ser reconhecido interna-
cionalmente.

Assim, mesmo sendo a arte abstrata respeitada e muitas vezes até tomada co-
mo in�uência para vários artistas pop, a Pop Art nascia como uma espécie de
retorno à �gura. É interessante que também sejam citadas as in�uências de
nomes como Marcel Duchamp (1887-1968), como, aliás, não poderia deixar de
ser, já que este passou um período nos EUA, difundindo portanto o seu ideário
de “anti-arte”, de Kurt Schwitters (1887-1948) e de outros dadaístas.

É importante ressaltarmos a diferença básica que havia entre o espírito pop e


o Dadá: a Arte Pop pegou a crítica mais ácida à sociedade burguesa, aquela re-
alizada pelos dadaístas, e transformou-a em “ode”, ou pelo menos em obras
supostamente neutras em relação aos temas representados. Isso contrariava
tanto ideários como o do Dadaísmo que artistas como Duchamp, por exemplo,
que pôde acompanhar o surgimento da Pop Art no �m da sua vida, não poupa-
ram críticas ao movimento.

A seguir, vejamos mais sobre a Arte Pop e os seus principais artistas.


Acompanhe.

Jasper Johns

Jasper Johns, nascido em 1930, é um importante artista abstrato norte-


americano, considerado também um dos pioneiros da Arte Pop. Talvez as
obras mais conhecidas de Johns sejam suas “bandeiras norte-americanas”
(Figura 55), que foram tratadas pelo artista como mote para pinturas abstratas
sem, no entanto, deixarem de carregar certo teor pop.
Figura 55 Três bandeiras, Jasper Johns, 1958, 79 x 115 cm.

Robert Rauschenberg

Robert Rauschenberg (1925-2008), antes de ser tido pela crítica como um dos
importantes nomes do universo da Pop Art, voltou suas atenções para o
Expressionismo Abstrato. Posteriormente, uniu seu interesse pela pintura ges-
tual abstrata ao “assemblagismo”. Vejamos na Figura 56 uma das obras de
Rauschenberg.
Figura 56 Retroactive I (Kennedy), Robert Rauschenberg.

Andy Warhol

Andy Warhol (1928-1987) foi um dos principais – se não o principal – expoen-


tes da Arte Pop norte-americana.

Começando sua carreira como artista comercial (1949-1960), utilizou técnicas


e imagens ligadas a esta atividade nas suas obras. As primeiras foram bandas
desenhadas ou anúncios estilizados. Depois, Warhol produziu trabalhos com
imagens repetidas (Figura 57), utilizando carimbos de borracha ou de madeira
que o levaram mais tarde a reproduções feitas com serigra�a sobre tela.

Figura 57 Elvis Triplo, Andy Warhol, 1963, 208,3 x 180,3 cm.

Sua obra é composta principalmente de retratos, imagens documentais como


choques de automóveis (Figura 58), cadeiras elétricas etc., artigos de consumo
(Figura 59) e �ores. Tudo transpirando uma fria impessoalidade que pode soar
cruel para alguns, irônica para outros, mas à qual é impossível “escapar ileso”.

Figura 58 Pink Car Crash, Andy Warhol, 1962.

Figura 59 Sopas Campbell’s I, Andy Warhol, 1968, 91,8 x 61,3 cm.


A partir de meados da década de 1960, Warhol expandiu suas atividades tam-
bém para a produção de �lmes e dedicou-se à Factory, uma espécie de ate-
liê/ponto de encontro que funcionava como polo da vanguarda artística nova-
iorquina das décadas de 1960 e 1970.

Filmes Experimentais
Warhol produziu o que se convencionou chamar de “�lmes experimentais”, ou seja, que não
tinham propriamente uma ligação com o aspecto narrativo, ou pelo menos não com o que
há de mais comum na narrativa cinematográ�ca. Exemplos destes �lmes “experimentais”
são Sleep e Empire, ambos do �nal da década de 1960. Sleep mostra um homem dormindo
por oito horas seguidas (o �lme dura oito horas) e Empire mostra o Empire State Building,
um dos prédios mais altos e famosos de Nova York, também ininterruptamente durante oi-
to horas. A Factory, que em português signi�ca fábrica, ateliê e polo de reunião da vanguar-
da nova-iorquina nos anos 1960 e 1970, misturava em um mesmo espaço diversos campos e
tendências, atuando não apenas como polo cultural, mas também como ponto de encontro
de amigos. Por ali passaram não apenas nomes ligados às artes plásticas, como também à
moda, à música pop, ao cinema e celebridades em geral. Exemplo disto foi a banda Velvet
Underground, liderada por Lou Reed, que teve seu primeiro disco – ao lado da modelo ale-
mã Nico – produzido por Andy Warhol.

Outra atribuição que não se pode esquecer de fazer a Warhol é a sua relação
com a mídia e a utilização que o artista fazia de uma “persona” pública para
atrair atenção para si, tornando-se, em alguns casos, ele mesmo um persona-
gem ou obra de arte(Figura 60).
Figura 60 Autorretrato como drag, fotogra�a Polaroid de Andy Warhol, 1981.

Podemos a�rmar que, assim como Marcel Duchamp o fora décadas antes,
Warhol foi um dos artistas mais in�uentes e revolucionários da segunda me-
tade do século 20. Assim, falar de pós-modernismo nas artes plásticas é, em
grande medida, começar falando de Warhol.

Roy Lichtenstein

Roy Lichtenstein (1923-1997), artista que sempre foi inspirado pelas histórias
em quadrinhos e pelos anúncios publicitários, mais do que um dos mais famo-
sos representantes da Pop Art, talvez possa ser de�nido como um dos que me-
lhor compreenderam e deram vazão às premissas do “universo pop”. No me-
lhor estilo americano de �cção barata e de ação, sua arte representa a interse-
ção perfeita da erudição das artes plásticas com a cultura de massa. Vejamos
uma de suas obras na Figura 61.

Figura 61 Whaam!, Roy Lichtenstein, 1963, 172 x 269 cm.

James Rosenquist

Tendo começado, assim como Warhol, como artista comercial, James


Rosenquist, nascido em 1933, trouxe sua habilidade técnica em desenho e em
pintura para as suas obras de arte de grandes dimensões. Destaca-se entre
elas F-111 (Figura 62), posteriormente conhecida como American �ghter-
bomber, que lembra na temática Whaam!, de Liechtenstein. Observe na Figura
63 outra de suas obras.

Figura 62 A obra F-111 de James Rosenquist exposta no MoMA, 1964-65, 305 x 2621,5 cm.
Figura 63 Presidente eleito, James Rosenquist, 1960-61, 226 x 366 cm.

Claes Oldenburg

Em torno de 1961, o norte-americano de origem sueca Claes Oldemburg, nasci-


do em 1929, apareceu no cenário da Arte Pop promovendo happenings. Depois,
dedicou-se à manufatura de obras que representavam realisticamente artigos
de restaurantes baratos, como hambúrguer (Figura 64), pedaços de bolo, sun-
days etc., peças que foram �cando maiores até parecerem fazer parte de um
pesadelo surrealista.

Figura 64 Hambúrguer gigante, Claes Oldenburg, 1962.

Oldenburg continuou brincando com esse jogo de simulacros quando usou


procedimentos parecidos para representar desvirtuadamente objetos cotidia-
nos. Um bom exemplo é a privada (Figura 65) feita de maneira relativamente
realista que �cava mole por causa do material usado (vinil e enchimentos).
Figura 65 Privada mole, Claes Oldenburg.

5. Abstracionismo Geomátrico: a Op Art


A Op Art surgiu em meados da década de 1960, encabeçada por nomes como a
inglesa Bridget Riley, o americano Richard Anuszkiewicz e o franco-húngaro
Victor Vasarely.

No Op, todos os elementos, sempre ligados à abstração geométrica, são volta-


dos à produção da sensação de “pulsação” da pintura no espectador e a diver-
sas outras ilusões de ótica. Por isto o nome Op Art, que nada mais é do que
uma abreviação de Optical Art, ou seja, Arte Óptica. Observe na Figura 66 uma
obra de Bridget Riley.
Figura 66 Blaze 1, Bridget Riley.

Podemos a�rmar que a busca de linguagens artísticas que trabalhassem com


a exacerbação dos sentidos, no caso da Op Art, o sentido da visão, foi uma
marca registrada da década de 1960, em que os mais diversos paradigmas cul-
turais eram questionados e quebrados. Este é um dos motivos pelos quais, ao
nos deparamos com as obras Op, fazemos uma relação imediata com o cha-
mado Psicodelismo do �nal da década de 1960.

A seguir, vejamos mais sobre a Op Art e seus principais artistas. Acompanhe.

Bridget Riley
A inglesa Bridget Riley, nascida em 1931, é um dos principais nomes da Op Art
mundial. Começou a celebrizar-se em meados da década de 1960, especial-
mente a partir de 1965, quando, com a mostra The Responsive Eye, inaugurou
a Op Art em Nova York. Vejamos na Figura 67 uma das obras de Op Art feita
por Bridget Riley.
Figura 67 Movimento com quadrados, Bridget Riley.

Richard Anuszkiewicz
Tendo estudado no Instituto de Artes de Cleveland e na Universidade de Yale
com Josef Albers (que já abordamos anteriormente e que foi um dos grandes
mentores tanto dos artistas Op quanto da maioria daqueles que optaram pela
abstração geométrica nos EUA na década de 1960), Richard Anuszkiewicz,
nascido em 1930, começou a celebrizar-se em meados da década de 1960,
quando foi chamado pela Life Magazine de o “novo mágico de Op”. Vejamos na
Figura 68 uma de suas obras.
Figura 68 Sem título, Richard Anuszkiewicz, 1968, 38 x 38 cm.

Victor Vasarely
O húngaro Victor Vasarely (1906-1997) é considerado por muitos como o “pai”
do Op, estilo a que o artista chegou, e segundo o qual produziu grande parte de
suas obras, depois de ter passado pelo �gurativismo na década de 1940, e ter
trabalhado por muitos anos como designer grá�co. Observe na Figura 69 uma
das obras de Victor Vasarely.
Figura 69 Vega Nor, Victor Vasarely, 1969.

6. Minimalismo
Podemos de�nir a Minimal Art ou Minimalismo como uma tendência da pin-
tura e escultura abstrata norte-americana das décadas de  1960 e, principal-
mente, 1970, que visa à diminuição de todos os efeitos expressivos da arte a al-
gumas poucas categorias formais que devem, por sua vez, integrar-se no espa-
ço circundante.

As in�uências das propostas do Minimalismo, com seus componentes artísti-


cos tais como estruturas em grade, composições em série, componentes mo-
dulares e materiais industriais, atuaram fortemente sobre as artes em geral e
foram integradas a movimentos como a Arte Conceitual e as Instalações.

Podemos citar como principais nomes do Minimalismo nas Artes Plásticas


Donald Judd, Carl Andre, Richard Serra, Sol LeWitt e os já citados Ellsworth
Kelly e Kenneth Noland. Vejamos, a seguir, maiores detalhes sobre cada um
deles.

Donald Judd
Donald Judd (1928-1994) começou sua carreira como crítico de arte de revistas
nova-iorquinas e realizou sua primeira exposição no �nal da década de 1950,
quando ainda pintava quadros expressionistas abstratos. A partir do �nal da
década de 1960 é que sua arte começou a tomar os contornos minimalistas
que a tornariam famosa, com as esculturas de formas geométricas em repeti-
ção e grande rigor formal. Vejamos o estilo de Judd nas Figuras 70 e 71.
Figura 70 Sem título, 1979, Donald Judd.
Figura 71 Sem título, Donald Judd.

Carl Andre
O norte-americano Carl Andre, nascido em 1935, natural do estado de
Massachusetts, chegou a Nova York em 1956 e logo conheceu Frank Stella e
realizou suas primeiras esculturas em madeira. Durante o início da década de
1960, trabalhou em empregos “não artísticos” e, em 1970, teve sua primeira
grande exposição, tornando-se um dos grandes nomes do Minimalismo inter-
nacional.
Figura 72 Sem título, Carl Andre.

Richard Serra
Richard Serra, nascido em 1939, é famoso pelas enormes esculturas em aço,
tão grandes que é possível até caminhar dentro delas, colocadas geralmente
em espaços públicos (Figura 73).

Figura 73 Switch, Richard Serra, 1999.

Serra é hoje um artista extremamente conceituado internacionalmente, sendo


constantemente homenageado com mostras nas instituições artísticas mais
importantes e recebendo encomendas para projetar obras em espaços públi-
cos de várias cidades ao redor do mundo.

Sol LeWitt
O escultor norte-americano Sol LeWitt (1928-2007) foi outro dos principais
protagonistas do Minimalismo. Começou a celebrizar-se na década de 1960,
com estruturas derivadas do cubo. Suas obras trabalham as relações entre
percepção, superfície e volume. Observe seu estilo na Figura 74.
Figura 74 123454321+, Sol LeWitt.

7. Expressionismo abstrato
O Expressionismo Abstrato é considerado fundamental na história da arte: é o
início da Era Contemporânea. Diante disso, recomendamos que assista aos ví-
deos indicados.

 Curiosidades sobre o expressionismo abstrato

Os vídeos a seguir, sintetizam as inovações do expressionismo abstrato


para o contexto da história da arte mundial. Além disso, apresentam
imagens e detalhamento sobre as diferentes manifestações expressio-
nistas.

• PINTURA DE AÇÃO: o começo da Arte Contemporânea.


(https://www.youtube.com/watch?v=cGx63srJFOk&t=67s.)
• EXPRESSIONISMO ABSTRATO: quem inventou este conceito?
(https://www.youtube.com/watch?v=DSzOMwxZSXM)
• CAMPOS DE COR: a arte da tragédia humana universal
(https://www.youtube.com/watch?v=EJHSW8j7iaU).

Neste momento, re�ita sobre sua aprendizagem, respondendo à questão a se-


guir.

8. Considerações
Como estudado até ágora, no período pós-Guerras Mundiais, o centro criativo
do mundo desloca-se para os Estados Unidos, divulgando, popularizando e
apresentando manifestações estéticas inéditas até o �nal da modernidade, co-
mo a pintura gestual de Jackson Pollock (1912 - 1956) e a Arte Pop de Andy
Wahol (1928 - 1987).

No próximo ciclo, conheceremos como se deram a transição e as primeiras


manifestações artísticas da contemporaneidade.
(https://md.claretiano.edu.br

/hisartartintartbra-gs0015-fev-2022-grad-ead/)

Ciclo 2 – Arte Internacional Contemporânea

Maria Gabriela Mielzynska

Objetivos
• Reconhecer o contexto histórico que originou as manifestações artísti-
cas pós-modernas.
• Compreender a arte conceitual, a Land Art e a in�uência destas na arte
pós-moderna.
• Identi�car as principais manifestações artísticas das décadas de 1970 e
1980 ao redor do mundo, em países como Itália, Alemanha, França e
EUA.
• Compreender manifestações artísticas tipicamente contemporâneas,
tais como a videoarte e as videoinstalações.
• Perceber como o panorama histórico da atualidade é traduzido nas ma-
nifestações artísticas contemporâneas.

Conteúdos
• Arte conceitual e instalações.
• Land Art.
• Hiper-realismo.
• Concretismo.
• Transvanguarda e arte Povera na Itália.
• Neoexpressionismo alemão.
• Figuração livre francesa.
• Nova pintura britânica.
• Gra�te e pintura na nova arte norte-americana e mundial.
• O pós-modernismo nas décadas de 1970 e 1980: releituras.
Problematização
O que é a arte conceitual? Qual foi a proposta desse ideal que revolucionou a
arte e a in�uência até os dias de hoje? O que é o gra�te? Quais são as princi-
pais características dessa linguagem artística? Quais os principais artistas
da arte internacional no período entre as décadas de 1970 até a década de
1990?

1. Introdução
Neste ciclo de aprendizagem, daremos continuidade ao estudo do contexto
histórico e das manifestações artísticas que se destacaram nas décadas de
1970 até a década 1990 nos Estados Unidos e também na Europa. Partiremos
das manifestações com materiais e suportes tradicionais, chegando até as pri-
meiras inserções da tecnologia de vídeo na arte.

2. Contexto histórico de 1970 até os anos 2000


Neste tópico, vamos entender os acontecimentos no cenário mundial a partir
da década de 1970 até os anos 2000 e identi�car os principais fatos que in�u-
enciaram a arte dessas décadas.

Listamos, a seguir, alguns �lmes para que você aprofunde seu arcabouço teó-
rico e cultural.

Forest Gump: o contador de histórias (1994): para entender melhor a história dos EUA e,
consequentemente, de grande parte do mundo, da década de 1950 até a década de 1980, veja
esta fábula cinematográ�ca, com Tom Hanks no papel-título.
Adeus Lenin (2002): este �lme alemão mostra de maneira bastante lírica e di-
vertida os acontecimentos que levaram à queda do Muro de Berlim e o �m do
Comunismo na Cortina de Ferro.
Basquiat – traços de uma vida (1996): este longa-metragem de �cção conta um
pouco da história de um artista que teve uma carreira meteórica. O �lme tem di-
reção de Julian Schnabel, também artista plástico e um dos mais célebres da
arte contemporânea norte-americana.
Para conhecer um pouco mais sobre o trabalho de Basquiat, recomendamos
que assista o vídeo a seguir. Trata-se do episódio �nal de State of the Art, uma
série de documentários sobre as artes visuais dos anos 1980.

 Aprofunde seus Conhecimentos

Para ver algumas das obras de vídeo-arte de Bill Viola, recomendamos


que acesse os seguintes links:

• The re�ecting pool (http://www.youtube.com/watch?v=D_ur-


rt8X0l8)
• Five angels for the millennium (http://www.youtube.com
/watch?v=LaQhdOrF-EI&feature=related)
• Ocean without a shore (http://www.youtube.com/wat-
ch?v=eTakwOpWqG4&feature=related)
• Heaven and earth (http://www.youtube.com/wat-
ch?v=csx4kSa9GyE&feature=related)

A partir das bases lançadas na década de 1960, abriu-se uma enorme teia de
tendências, correntes, discussões estéticas e possibilidades in�nitas que for-
mariam a pluralíssima “colcha de retalhos” que é a arte pós-moderna.

Começaremos com uma corrente que dá sustentação a muitas das manifesta-


ções artísticas contemporâneas: a Arte Conceitual. Antes, porém, listamos al-
guns importantes acontecimentos ocorridos do �nal da década de 1960 ao ano
2000. Acompanhe.

Em 1969:
• Nos EUA, multiplicam-se os protestos contra a Guerra do Vietnã.
• Em 20 de julho, a Apollo 11 aterrissa seu módulo lunar na superfície da
Lua. Em 21 de julho, Neil Armstrong é o primeiro homem a pisar na Lua
(Figura 1).

O Festival de Woodstock (Figura 2) celebra o auge do movimento hippie.

Figura 1 Neil Armstrong andando na lua na missão da Apollo 11

em 1969.
Figura 2 Jovens no festival de Woodstock, em agosto de 1969.

Em 1970:

O Brasil passa pelo seu “milagre econômico” e por seu período de maior re-
pressão política.

Em 1972:

É assinado em 23 de janeiro um acordo de cessar-fogo entre os Estados


Unidos e o Vietnã do Norte.

Em 1973:

O Xá Reza Pahlevi (Irã) nacionaliza todas as companhias estrangeiras de pe-


tróleo.

Os países árabes produtores de petróleo decretam o embargo de todo o forneci-


mento do produto para os EUA, Europa Ocidental e Japão, alegando retaliação
devido ao apoio destes a Israel na Guerra do Yom Kippur; posteriormente, a
Organização dos Países Exportadores de Petróleo - OPEP, liderada pelos ára-
bes, aumenta drasticamente os preços do produto e dá início a uma grave cri-
se energética no mundo industrializado.

Salvador Allende (1908-1973), presidente do Chile desde 1970 e que, socialista,


fora eleito democraticamente, é deposto por uma junta militar liderada pelo
general Pinochet e auxiliada pela CIA (que combateu com ferocidade as ten-
dências esquerdistas na América Latina durante a Guerra Fria), supostamente
se suicidando durante o golpe.

Guerra do Yom Kippur


A Guerra do Yom Kippur aconteceu em outubro de 1973 (Figura 3) e envolveu, de um lado,
Egito e Síria e, do outro, Israel. Têm esse nome porque teve início durante o Yom Kippur, o
“Dia do perdão”, feriado sagrado no qual os judeus jejuam, rezam e reavaliam suas condutas
pessoais.
A guerra foi motivada pelas tensões entre árabes e israelenses e pela vitória de Israel em
uma guerra de 1967, também iniciada pelos árabes, mas na qual Israel conquistou vários
territórios.
A Guerra do Yom Kippur durou cerca de vinte dias apenas e, tendo se iniciado com um ata-
que egípcio e sírio, terminou com uma rápida e fulminante vitória de Israel.

Figura 3 Soldados em ataque ao Palácio Presidencial do Chile durante golpe militar que depôs o presidente de esquer-

da Salvador Allende em 1973.

Em 1974:

O Primeiro Choque do Petróleo, de�agrado no ano anterior, eleva drasticamen-


te a in�ação mundial, fazendo com que a maioria das economias industriali-
zadas passe por um período de estagnação.

O presidente norte-americano Richard Nixon renuncia em 9 de Agosto (Figura


4), evitando assim o impeachment que o tiraria do cargo devido ao caso
Watergate.
Em 1979:

No Irã, a Revolução Islâmica depõe o Xá Reza Pahlevi e coloca o Aiatolá


Khomeini no poder (Figura 5); funcionários da embaixada norte-americana
são tomados como reféns.

Figura 4 Richard Nixon anuncia pela televisão  a renúncia à

Presidência dos Estados Unidos.


Figura 5 O Aiatolá Khomeini chega a Teerã em 1979 para ins-

taurar a República Islâmica.

Em 1980:

A União Soviética invade o Afeganistão e luta contra as Guerrilhas Mujahedin.

Como re�exo da intensi�cação tardia da Guerra Fria devido à invasão soviéti-


ca ao Afeganistão, os EUA e alguns aliados boicotam os Jogos Olímpicos de
Moscou.

Em 1981:

O Irã liberta reféns norte-americanos capturados em 1979.

Identi�cação dos primeiros casos de uma nova doença fatal, sexualmente


transmissível, que pouco depois seria chamada de Síndrome da Imuno-
De�ciência Adquirida – AIDS.

A IBM lança o primeiro Personal Computer – PC (Figura 6).


Figura 6 O primeiro IBM PC, de 1981.

Em 1983:

Lançamento do Compact Disc - CD no mercado.

Em 1984:

É lançado no mercado o micro-computador Apple Macintosh com mouse


(Figura 7).

Figura 7 O primeiro Macintosh com mouse.

Franceses e norte-americanos identi�cam o vírus da AIDS.

Nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, a URSS e o bloco socialista “dão o troco”
nos EUA, boicotando a competição, que fora boicotada quatro anos antes, em
Moscou, pelos norte-americanos.

Em 1985:

Mikail Gorbachev sobe à liderança da URSS.

Ronald Reagan e Gorbachev (Figura 8) fazem reunião diplomática em


Genebra.

Figura 8 Reagan e Gorbachev reunidos em Genebra em 1985.

Em 1986:

Ocorre em Chernobyl, na URSS, o pior desastre nuclear de todos os tempos.

Chernobyl
A explosão de um reator nuclear na usina de Chernobyl, na Ucrânia, foi responsável pelo
espalhamento de uma gigantesca nuvem de radiatividade por toda a Europa. Para se ter
uma ideia, a quantidade de radiatividade liberada foi cinco vezes maior do que aquela pro-
duzida pela bomba atômica em Hiroshima. As consequências de tal cenário ocorreram a
curto (com a morte da maioria dos funcionários da usina, por exemplo) e longo prazo, com a
contaminação de animais, vegetação e pessoas em uma vasta área.

Em 1987:

Gorbachev inicia a implementação dos seus programas Perestroika (reestru-


turação) e Glasnot (transparência).

Reagan e Gorbachev assinam em Washington um tratado que limita o número


de armas nucleares de curto e médio alcance na Europa.

Em 1988:

Tem início na Polônia uma série de greves gerais organizadas (Figura 9) pelo
Sindicato Independente Solidariedade, liderado por Lech Walesa.

Sindicato Independente Solidariedade


O Solidariedade foi a primeira organização sindical não comunista e independente do esta-
do da Polônia comunista. Foi fundado em 1980 para, a princípio, defender melhores condi-
ções para os trabalhadores da área naval. No entanto, aos poucos, foi tornando-se um dos
principais instrumentos e símbolos da luta pela liberdade e democracia na Polônia, tendo
sua atuação ecoado por todo o leste europeu (mesmo tendo sido ferozmente combatido pelo
governo).

Figura 9 Protestos na Polônia pela redemocratização.

As tropas soviéticas retiram-se do Afeganistão após nove anos de ocupação.


Gorbachev decreta a redução do contingente militar soviético em 10% das tro-
pas.

Em 1989:

Um governo não comunista assume o poder na Tchecoslováquia.

Milhares de estudantes fazem protestos pró-democracia por sete semanas na


Praça da Paz Celestial em Pequim, sendo duramente reprimidos pelo governo
chinês no episódio que �cou conhecido como “Massacre da Praça da Paz
Celestial” (Figura 10).

Figura 10 Imagem que se tornou uma das mais famosas e emblemáticas do �nal do século XX: estudante chinês en-

frenta tanques em protestos pela democracia no "Massacre da Praça da Paz Celestial".

Na Polônia, os membros do Sindicato Independente Solidariedade sobem ao


poder.
Cai o Muro de Berlim (Figura 11).

Figura 11 Manifestantes destroem o Muro de Berlim em 1989.

A Hungria democratiza-se.

Em 1990:

O Iraque invade o Kuwait, provocando em janeiro do ano seguinte a primeira


Guerra do Golfo.

A Alemanha celebra a sua uni�cação.

Lech Walesa é eleito presidente da Polônia.

Em 1991:
No dia 16 de fevereiro, tem início a Guerra do Golfo Pérsico (Figura 12), na qual
uma coalizão internacional liderada pelos EUA reage à invasão do Kwait pelo
Iraque. O debut da guerra se deu, na noite do dia 16, com o maior bombardeio
de todos os tempos. No total, foram lançadas 18 mil toneladas de explosivos,
que representavam uma capacidade de fogo 50% maior do que a da bomba atô-
mica lançada sobre Hiroshima em 1945.

Figura 12 Uma das imagens mais comuns mostradas na televisão durante a Guerra do Golfo: em um visual próximo

ao dos videogames, vê-se um alvo prestes a ser atingido em imagem captada pela câmera de um avião bombardeiro

norte-americano.

A World Wide Web - WWW, criação da Organização Europeia de Pesquisa


Nuclear - CERN, promete revolucionar as comunicações fazendo uso da
Internet, rede de computadores utilizada até então apenas por militares ou pe-
la comunidade cientí�ca.
Milhares de búlgaros comemoram o �m do Partido Comunista, que estivera no
poder por quatro décadas.

O exército soviético inicia sua retirada das três repúblicas bálticas – Estônia,
Letônia e Lituânia.

A URSS decide retirar suas tropas de Cuba.

A URSS aprova a lei sobre a privatização da propriedade.

Primeiras eleições presidenciais na Rússia, com vitória de Boris Yeltsin.

Um golpe de Estado destitui Gorbachev do poder na URSS. A resistência, lide-


rada por Boris Yeltsin, restitui Gorbachev, mas é Yeltsin quem sai fortalecido
do episódio.

Declaradas as independências de diversos países – entre eles Ucrânia,


Armênia, Uzbequistão e Tadjiquistão – em relação à URSS.

É extinta a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Eclode a Guerra dos Bálcãs.

Em 1992:

Começa a guerra civil na Bósnia-Herzegovina.

Em 1993:

Entra em vigor o Mercado Comum Europeu.

Em 1994:

Um relatório divulgado pela Organização Meteorológica Mundial alerta que o


buraco na camada de ozônio atingiu seus níveis máximos.
Em 1999:

No dia 1º de janeiro, é lançado o euro como moeda única para onze países da
União Europeia.

A República Tcheca, a Polônia e a Hungria convertem-se nos primeiros ex-


membros do Pacto de Varsóvia a ingressar na OTAN.

O euro iguala-se ao dólar como moeda preferida pelos investidores internacio-


nais.

Em 2000:

Milhares de pessoas comemoram a passagem de ano dentro de escritórios por


causa do “Bug do milênio”, que poderia afetar os sistemas informatizados.

Após denúncias de fraude e um longo impasse judicial, George W. Bush é de-


clarado o presidente eleito dos EUA.

Eleições nos EUA em 2000


Devido ao complexo sistema eleitoral norte-americano, em que o candidato
eleito não é aquele que obtém o maior número de votos, mas o que – falando
grosso modo – obtém maior número de vitórias estaduais, a apertada eleição
de 2000 terminou com a vitória de Bush mesmo tendo Gore obtido mais votos
(Figura 13). Mesmo assim, muitos foram os que contestaram a vitória do repu-
blicano, devido principalmente a denúncias de fraudes especialmente no esta-
do da Flórida (então governado pelo seu irmão).
Figura 13 Capa da revista norte-americana “Newsweek”, que mostrava o impasse entre os candidatos Al Gore (demo-

crata) e George W. Bush (republicano) nas eleições presidenciais.

Na década de 1970, o centro das atenções, do ponto de vista militar, político e


também econômico, continuava sendo a Guerra Fria. A tendência, entretanto,
era de “distensão” entre as duas superpotências - Estados Unidos e União
Soviética -, ou seja, de desenvolvimento de mecanismos para uma verdadeira
coexistência pací�ca, e não apenas para uma “paz armada”, como acontecera
até o �nal da década de 1960.
No �nal da década de 1960, os EUA já percebiam algumas das limitações que o
contexto internacional impunha à sua política externa. Em resumo, o fracasso
da incursão militar norte-americana na Indochina parecia iminente não ape-
nas para o governo, mas principalmente para o povo dos EUA. Este foi o prin-
cipal motivo da não reeleição de Lyndon Johnson para a presidência da repú-
blica, tendo sido eleito o republicano Richard Nixon com a promessa de tirar
os EUA da guerra.

A estratégia de Nixon para conseguir que os EUA não perdessem a sua in-
�uência na Ásia foi política, e não militar. O governo norte-americano
aproveitou-se da drástica ruptura ocorrida e cada vez mais agravada entre a
China e a URSS na década de 1960 para, estabelecendo o que se convencionou
chamar de “diplomacia triangular” – ou seja, por meio de uma reaproximação
com a China que dava maior poder de barganha diplomática tanto para chine-
ses quanto para americanos no que concernisse à URSS –, manter viva a sua
in�uência no continente asiático.

Todo este contexto, que apontava para a distensão, não deixou evidentemente
de fazer EUA e URSS marcarem �rmemente sua posição geopolítica em diver-
sas questões. Exemplo disso é o apoio dado pelos norte-americanos na década
de 1970 às ditaduras militares da América Latina, apoio que visava manter o
“quintal” dos EUA longe do “perigo vermelho” (o caso mais �agrante ocorreu
no Chile – em 1973 – , quando, com apoio logístico da CIA, o general Augusto
Pinochet derrubou o governo de esquerda – democraticamente eleito – de
Salvador Allende, dando início a uma sangrenta linha-dura ditatorial).

Augusto Pinochet (1915-2006)


Foi ditador do Chile de 1973 a 1990. Comandante do alto escalão do exército, liderou o golpe
militar que derrubou o presidente esquerdista Salvador Allende, mesmo tendo sido homem
de con�ança deste. Com o �m do regime militar no Chile, Pinochet continuou ocupando um
importante papel na política do país, até ter este poder abalado devido à evolução da demo-
cracia dentro do próprio Chile e às pressões internacionais devidas aos crimes cometidos
durante a ditadura. Em 1998, por exemplo, Pinochet chegou a ser preso por um longo perío-
do na Inglaterra, e quase foi extraditado para a Espanha, que pretendia julgá-lo pelos crimes
cometidos contra cidadãos espanhóis.

De qualquer forma, depois do caso Watergate e da renúncia de Nixon em 1974,


durante os governos de Gerald Ford (1974-1976) e do democrata Jimmy Carter
(1976-1980), as negociações de paz com os soviéticos intensi�caram-se ainda
mais. Isto até a chegada do republicano Ronald Reagan à presidência em 1980,
quando se ensaiou uma volta à Guerra Fria devido à agressividade da política
externa de Reagan e ao imperialismo soviético, que voltava à baila com a in-
vasão do Afeganistão em 1979.

Todavia, o recrudescimento continuou ganhando fôlego até aproximadamente


1985-1986, quando ocorreu uma grande mudança na política da URSS, devido à
crise que levaria à derrocada do comunismo.

A crise teve como mote todo um complexo conjunto de fatores econômicos e


políticos. No aspecto econômico, se durante o período do terror stalinista a
“mão pesada” do governo �zera da URSS uma das maiores potências industri-
ais do mundo, a partir da década de 1970 este potencial foi declinando, até
chegar, no início da década de 1980, a níveis insustentáveis. Mas não apenas a
produtividade da indústria e da agricultura caiu.

Ocorreu que, a partir da década de 1960 e especialmente na década de 1970,


áreas que exigiam pouco investimento, tais como a extração de petróleo e car-
vão, foram ganhando força na economia soviética, porque tinham um retorno
monetário mais rápido. Com isso, aos poucos a URSS foi caminhando para se
tornar um país exportador de matéria-prima, �cando cada vez mais depen-
dente de importações.

Ao mesmo tempo, desde o �nal da década de 1970, a URSS vinha sofrendo


pressão de seus aliados socialistas para permitir-lhes um maior grau de auto-
nomia. Não apenas na esfera econômica, mas principalmente na política.

Começaram a despontar em países do bloco socialista movimentos populares


fortes, representativos e “legalistas”, ou seja, que buscavam se manter vivos e
galgando a realização de suas reivindicações políticas e/ou nacionalistas não
pela via da força ou do terror, mas pelo diálogo, mobilização popular pací�ca e
negociação com as autoridades comunistas.

O mais importante desses movimentos populares apareceu no começo da dé-


cada de 1980 na Polônia, onde o sindicato Solidariedade, liderado por Lech
Walesa (que depois chegaria à presidência do país) e de grande respaldo entre
os trabalhadores, reivindicava a participação do operariado nas decisões go-
vernamentais, ou em última instância um “Socialismo Democrático”. A partir
do exemplo polonês, outros movimentos similares ganharam força no leste
europeu. Há, entretanto, outro fator central na derrocada do Comunismo, um
“fator interno” à URSS: a chegada de Mikhail Gorbachev ao poder.

Gorbachev, que subiu ao poder em 1985, liderava um grupo de líderes mais jo-
vens, mais abertos às mudanças e dispostos a implementá-las visando não o
�m do Comunismo, mas antes de tudo salvar a própria URSS, que já beirava o
colapso. Já na passagem de 1985 para 1986, Gorbachev anunciou seu amplo
plano de transformações, sintetizado nos conceitos de Perestroika e de
Glasnost.

Perestroika signi�ca “reestruturação” e, no caso soviético, referia-se especial-


mente à reestruturação da economia, que se fazia tão necessária. Glasnost sig-
ni�ca “transparência” e referia-se à reestruturação na política soviética, "vici-
ada" pela burocracia e pela corrupção após 70 anos de regime comunista fe-
chado. No plano externo, Gorbachev atuou no sentido da aproximação em re-
lação aos EUA.

Enquanto na URSS, apesar da resistência de uma grande e arraigada parcela


da burocracia o�cial e do Partido Comunista, as reformas econômicas e políti-
cas iam sendo implementadas, na chamada “Cortina de Ferro” o jugo soviético
também ia se afrouxando. Com isso, os países comunistas do leste europeu
aproveitaram para galgar a autonomia há tanto reivindicada, ao mesmo tem-
po em que iam sendo criados os espaços para a volta à democracia.

É difícil precisar qual foi o país que primeiro deu seu “grito de liberdade” no
Leste Europeu. De qualquer forma, é sabido que a partir de 1989 foram caindo,
quase simultaneamente, os regimes comunistas aliados a Moscou, numa es-
pécie de “efeito dominó” que culminaria com a queda do regime na própria
URSS.

Não deixaram de existir casos em que a crise nos países do bloco socialista
europeu, oriunda do �nal de décadas sob o jugo soviético, foi desastrosa. O que
aconteceu, por exemplo, na Iugoslávia.

A Iugoslávia era formada por repúblicas povoadas por várias etnias, adeptas
de religiões também diversas que, sob a “mão de ferro” do regime comunista,
mantiveram relações forçosamente pací�cas entre si e entre as etnias que as
habitavam. Tratava-se, no entanto, de um verdadeiro “barril de pólvora” que,
“explosivo” há séculos, já fora responsável por verdadeiros genocídios e atuara
como elemento “catalisador” de con�itos de âmbito continental, como a
Primeira Guerra Mundial. Na década de 1990, o “barril” explodiu de vez com
sangrentos con�itos nos Bálcãs, promovidos especialmente pela Sérvia, prin-
cipal país da região que visava, de uma maneira ou de outra, manter seus vizi-
nhos sob seu jugo.

Em 1990, enquanto a URSS “desmoronava”, nos EUA o republicano Ronald


Reagan fazia o seu sucessor, George Bush. Bush foi o primeiro presidente
norte-americano a ser literalmente “o homem mais poderoso do mundo”, já
que chegava ao �m junto com a URSS a bipolaridade global entre as duas su-
perpotências.

A princípio, falou-se de uma plurilateralidade de poder, ou seja, de um poder


mundial dividido não mais apenas entre dois, mas entre vários países e, real-
mente, fatores como a globalização da economia mundial, que após o �m da
Guerra Fria se acelerou exponencialmente, vinham para con�rmar esta hipó-
tese. Entretanto, o que se viu foi a con�rmação da enorme supremacia dos
EUA sobre todo o mundo. Ou, em outras palavras, de uma “Nova Ordem
Mundial”, expressão cunhada pelo próprio Bush para designar a política e a
economia internacionais depois do �m da Guerra Fria que, a rigor, mostrar-se-
ia signi�car uma “Nova Supremacia Mundial”.

Vale ainda citar, do começo da década de 1990, um gesto a�rmativo do gover-


no norte-americano que visava, entre outras coisas, anunciar a todo o mundo
que o país seria a partir de então o grande líder mundial: trata-se da Guerra do
Golfo.

O Iraque, liderado por Sadam Husseim, ditador que fora apoiado anteriormente
pelos EUA contra o Irã, invadiu o Kwait em 1990. Isto, porém, representava
uma ameaça ao equilíbrio de forças no Oriente Médio e à estabilidade do mer-
cado mundial de petróleo. Reagindo contra o Iraque, os EUA puderam dar ao
mundo mostras do seu imenso poderio bélico.

Há, ainda, outro aspecto a ser ressaltado: a “globalização”. Tende muitas vezes
o “senso comum” a propagar a noção de que “globalização” é intercâmbio de
culturas, possibilidade de conexão imediata entre dois indivíduos em lados
opostos do globo etc. Entretanto, se a evolução tecnológica, principalmente na
área das comunicações, não deixa de ser um dos instrumentos da globaliza-
ção, uma visão minimamente aprofundada demonstra que este não é o mote
principal do processo. O mote é econômico, sendo a evolução tecnológica ape-
nas um instrumento utilizado pelo capital para incrementar-se, instrumento
no qual o próprio capital, por razões óbvias, investe.

Como você veri�cou durante a leitura, a Guerra Fria e as disputas econômicas


e ideológicas marcaram essas décadas. O mesmo ocorreu na arte, que foi mar-
cada por um forte teor conceitual, conforme veremos mais adiante.

3. Arte de 1970 até os anos 2000


Após conhecer o contexto histórico dessas três décadas, conheceremos, agora,
as principais tendências artísticas e a poética pessoal dos artistas que mais se
destacaram.

Arte Conceitual
Como já estudado, a partir da Arte Pop, na década de 1960, as vanguardas ar-
tísticas começaram a se multiplicar em progressão geométrica, algo propicia-
do tanto pelas conquistas libertárias de antes quanto pela multiplicidade de
caminhos que se abriam aos jovens artistas de então. Partindo desta diversi-
dade, falemos de algumas das tendências mais importantes, começando pela
Arte Conceitual.

A Arte Conceitual é aquela em que a ideia, ou seja, o conceito, e o processo ar-


tístico são mais importantes do que a obra em si, ou pelo menos do que o as-
pecto material da obra. Isso porque, em Arte Conceitual, o conceito é a própria
obra.

A mostra inaugural da Arte Conceitual foi realizada na Suíça, em 1969, e reu-


niu conceitos, processos, situações, informações e documentos. No catálogo,
a�rmava-se que o artista não tinha mais que se limitar à matéria, passando a
ser o principal valor da arte o “conceito”.

Mais duas outras exposições vieram con�rmar a nova tendência. Em uma de-
las, em 1969, na Alemanha, não existiu “exposição” no sentido tradicional da
palavra, mas só o catálogo – encarado como conteúdo e suporte da mostra. A
outra aconteceu no ano seguinte no Museu de Arte Moderna de Nova York.

Podemos dizer, portanto, que com a Arte Conceitual a necessidade de uma “ar-
te feita à mão” foi reduzida a zero, passando a ser valorizada a arte que existia
mais nas mentes do artista e do espectador do que propriamente na tela ou em
outro suporte. Este fenômeno foi chamado pelos artistas de “desmaterializa-
ção da arte objeto”.

Há muitos artistas que podemos destacar como os principais nomes da Arte


Conceitual. Seria impossível fazer uma lista de todos os principais nomes,
porque toda ou quase toda a arte que surgiu a partir de então de alguma forma
dialoga ou tangencia a Arte Conceitual. Citaremos apenas três: John
Baldessari, Joseph Beuys e Marcel Broodtahers.

John Baldessari

O norte-americano John Baldessari, nascido em 1931, é um dos artistas que


mais expõem no mundo. Tem a ironia e o absurdo como dois dos principais
componentes de sua linguagem artística, elementos também presentes nas
obras de vários outros artistas conceituais.

Aqui temos um exemplo de como funciona a Arte Conceitual. Esta obra de


John Baldessari, ilustrada na Figura 14, é chamada de Beethoven’s Trumpet. A
palavra Trumpet, no caso, é usada para designar os antigos instrumentos de
surdez, que tinham formato de corneta. A obra, “interativa”, como podemos ver
na imagem com a espectadora dentro do instrumento de surdez, faz sentido a
partir de uma “ideia”, de um “conceito”: se o espectador souber previamente
que o compositor Ludwig van Beethoven �cou surdo a certa altura da vida, e
melhor ainda se souber que, para o compositor, foram confeccionados vários
trumpets, ou seja, instrumentos de surdez.

Figura 14 Beethoven’s Trumpet, John Baldessari.

Joseph Beuys

O alemão Joseph Beuys (1921-1986) a�rmava que o tema central das suas
obras era a geração e a conservação do calor e da energia. Tal temática, que
pode soar bastante estranha a princípio, era motivada entre outros fatores por
algo ocorrido em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial: o avião de bombar-
deio que o próprio Beuys pilotava foi abatido na Crimeia e sua vida foi salva
pelos tártaros da região, que o untaram com banha e o embrulharam em ca-
madas de feltro.

Durante a sua juventude e ao estudar arte, Beuys também se envolveu com os


ensinamentos esotéricos de Rudolph Steiner (1861-1925) sobre mitologia, reli-
gião e antroposo�a. Passou, então, a procurar a integração da arte e da vida
por meio de performances.

Aqui temos outro exemplo do “conceitual” na arte: motivado por questões polí-
ticas relacionadas às raízes dos EUA e pela sua própria biogra�a, na perfor-
mance I like America and America likes me (Eu gosto da América e a América
gosta de mim) (Figura 15), Beuys passou três dias em uma sala de uma galeria
de arte Nova York convivendo com um coiote (símbolo dos Estados Unidos
“selvagens”), enrolado em feltro como o fora pelos tártaros mais de três déca-
das antes.

Figura 15 Fotogra�a da performance “I like America and America likes me”, de Joseph Beuys, em galeria de arte de

Nova York em 1974.

Uma das principais características das obras de Beuys é a mistura de motivos


e ideias de culturas e mitologias diversas. Muitos dos seus trabalhos da déca-
da de 1960 foram constituídos por várias peças, a �m de criar a impressão de
pontos de vista divergentes e ao mesmo tempo inter-relacionados.

Podemos considerar Beuys como um dos principais porta-vozes do Pós-


modernismo no sentido de interrogação da própria essência das artes plásti-
cas.
Marcel Broodthaers

Poeta, fotógrafo, cineasta e artista plástico, o belga Marcel Broodthaers


(1924-1976) escrevia poesias desde seus 16 anos. Foi muito in�uenciado pelo
Surrealismo, particularmente por Magritte, que criava obras em que a imagem
e a escrita entravam em contradição. Em 1963, Broodhaers decidiu dedicar-se
à arte, criando obras constituídas por objetos, palavras, letras, desenhos primi-
tivos, livros, catálogos, telas �xas nas paredes e relevos em plástico. Algumas
obras de Broodthaers foram expostas na Bienal Internacional de São Paulo de
2006. Um exemplo de trabalho do artista é a obra Grande caçarola de mariscos
(Figura 16).

Figura 16 Grande caçarola de mariscos, Marcel Broodthaers.

Land Art
A Land Art foi outro dos movimentos artísticos que surgiram no �nal da déca-
da de 1960, e talvez um dos mais ousados deles. Trata-se do tipo de arte em
que, utilizando os espaços naturais como material de con�guração artística
(principalmente em locais remotos e desertos), os criadores traçam imensas
linhas com terra, gesso ou outros materiais sobre o solo, empilham pedras, ti-
jolos ou areia e realizam intervenções geralmente efêmeras que, frequente-
mente, são registradas em fotogra�as e videoteipes. Alguns dos nomes mais
famosos a fazerem parte, ou ao menos tangenciarem essa corrente artística
são Robert Smithson, Richard Long e Christo.

Robert Smithson

Robert Smithson (1938-1973) apareceu no meio artístico em 1968, quando co-


meçou uma série de projetos chamados de Sites (lugares) e Nonsites (não lu-
gares), que representam seus primeiros passos na Land Art (ou o que ele cos-
tumava chamar de Earthworks – trabalhos da terra). Estas primeiras obras
utilizavam terra e materiais rochosos (escolhidos em lugares urbanos e indus-
triais) exibidos em caixas.

Aos poucos, o trabalho do artista evoluiu para obras ambientais de maior por-
te, sendo a mais famosa delas Spiral Jetty (Figura 17), completada em 1970.
Este projeto consistia numa formação espiralada, imensa, feita de terra, ro-
chas e cristais de salitre, que se estendia da costa até o Grande Lago Salgado,
em Utah (EUA). O artista faleceu em 1973 num acidente de avião, enquanto
trabalhava em um projeto no Texas.
Figura 17 Spiral Jetty, Robert Smithson.

Richard Long

Richard Long, nascido em 1945, utiliza-se de marcas simples e registra suas


ações e emoções com meios e materiais artísticos básicos: materiais naturais,
geralmente pedras, dispostos ao longo de uma trilha, perto do local onde fo-
ram encontrados, formando uma escultura, que é então registrada por uma fo-
togra�a e um título.

As pedras (muitas vezes lavradas) também podem ser transportadas para es-
paços domésticos ou galerias e dispostas no chão em formas de�nidas, sobre-
tudo em círculos e linhas. Esses meios formam a base da sua arte, conjunta-
mente com obras mais recentes que envolvem barro e água, uma extensão na-
tural de suas experiências ao ar livre. Observe Earthquake Circle, uma das
obras de Richard Long (Figura 18).
Figura 18 Earthquake Circle, Richard Long, 1991, 6 m (diâmetro).

Christo

Christo, nascido em 1935, originário da Europa Oriental, é o artista que se cele-


brizou por “embrulhar” coisas e lugares, justi�cando a aplicação do tecido às
suas obras como referências às tendas do seu povo nômade.

Um exemplo das “embrulhadas” do artista foi a cobertura do Reichstag de


Berlim, em 1995, o prédio �cou “embrulhado” durante duas semanas do verão
europeu (Figura 19). A obra evocava o brilho de um iceberg, um barco de velas
brancas cheias de ar, uma nave espacial ou uma montanha mágica, mas
Christo insistia que seu trabalho não continha nenhuma mensagem e que o
signi�cado teria que ser desvendado por cada espectador de forma pessoal e
individual.
Figura 19 Reichstag embrulhado, Christo e Jeanne-Claude, 1995.

Reichstag
Reichstag foi o nome do parlamento alemão desde a uni�cação do país, em meados do sé-
culo 19, até a Segunda Guerra Mundial. Consequentemente, foi o nome dado ao prédio que
abrigava o parlamento. O Reichstag (prédio) foi incendiado pelos nazistas em 1933, num ato
deliberadamente anti-democrático (de destruição simbólica – e também real – do poder po-
lítico do parlamento) que já anunciava a violência da ditadura que vigoraria nos anos se-
guintes na Alemanha.

4. Décadas de 1970 e 1980


A arte moderna, desde o seu aparecimento na virada do século 19 para o 20,
ligou-se à concepção de progresso da sociedade industrial e à ideologia do
“novo”. Essas questões, presentes de maneira relativamente contínua até a dé-
cada de 1960, acabaram sendo problematizadas e �caram mais complexas a
partir de então, principalmente devido à crise no próprio conceito de arte, que
atingiu praticamente todas as vertentes.

Entre os movimentos artísticos da década de 1970 e, en�m, em toda a arte pós-


moderna, é difícil a determinação de um denominador comum no sentido es-
tilístico – formal –, pois há um grande hibridismo – que abrange desde o uso
de várias técnicas até a incorporação de diferentes materiais. O que nos resta
então para traçar uma espécie de mapa da arte setentista e, en�m, da que apa-
receu desde então, são as conceituações genéricas, tais como a “desmateriali-
zação” da década de 1970, por exemplo, da qual falamos anteriormente ao tra-
tar da Arte Conceitual.

Já a partir da década de 1980, um elemento comum a várias tendências foi a


ideia da originalidade “retrabalhada” pela possibilidade pós-moderna de apro-
priação livre do passado, em releituras ou obras que de maneira muito clara
dialogam, comentam, criticam, ironizam, homenageiam ou fazem referência
direta, seja lá como for, a tudo que já fora produzido até então. Para muitos es-
tudiosos, a rejeição à ideia “moderna do novo” é exatamente o que marca o
“pós-moderno”.
Na década de 1980, houve – deve-se deixar claro mais uma vez que estamos
restringindo o nosso “mapeamento” às tais “conceituações genéricas” – uma
virada no curso das proposições citadas anteriormente como marcas setentis-
tas. A materialidade deixada de lado na década anterior foi recuperada e o su-
porte, a pintura, as tintas, o corpo humano e, en�m, a arte �gurativa entraram
de novo no palco das artes.

Outro aspecto importante é que a arte passou a se voltar cada vez mais para a
individualidade e subjetividade de cada artista, o que di�culta tremendamente
a sistematização da arte pós-moderna como objeto de estudo. A seguir, veja-
mos alguns países que foram lançadores de importantes tendências do Pós-
modernismo.

Itália: Transvanguarda
A Transvanguarda foi uma corrente artística italiana consagrada na Bienal de
Veneza de 1980 que promovia um retorno à “representação”, valor artístico que
�cara em segundo plano com a “desmaterialização” da década anterior.

Ocorrendo desde 1895, a Bienal de Veneza é até hoje a principal mostra perió-
dica de arte do mundo.

As primeiras edições deram mais destaque às artes decorativas, mas tal des-
taque foi sendo abandonado principalmente a partir de 1907, quando começa-
ram a ser utilizados os pavilhões internacionais, cada um representando um
dos países participantes.

Depois da Primeira Guerra Mundial, a mostra passou a ser uma das grandes
“vitrines mundiais” da Arte Moderna e, a partir da década de 1950, tudo o que
surgiu de mais inovador nas artes plásticas passou por ali.

Outro elemento da Transvanguarda foi a re�exão sobre a arte do passado e,


muitas vezes, a releitura desta. Ou seja, esta corrente teve dois dos principais
elementos que já citamos entre os pontos de�nidores da arte pós-moderna.

Entre os principais representantes da Transvanguarda, podemos citar Sandro


Chia, Mimmo Paladino e Francesco Clemente. A seguir, vejamos algumas das
características de cada um deles.

Sandro Chia

O �orentino Sandro Chia, nascido em 1946, é conhecido especialmente por su-


as obras com personagens de corpos maciços e bojudos. Tal estilo combina
formas inspiradas em Picasso com um caráter onírico inspirado em Chagall.

O russo Marc Chagall (1887-1985) foi um artista que teve toda a sua obra per-
meada pela cultura, pelas tradições e pelos mitos de seu país, mesmo tendo o
artista se mudado da Rússia para Paris em 1910 (Figura 20). O que Paris pro-
porcionou a Chagall foi o contato com os Cubistas, com a efervescência cultu-
ral das vanguardas e com outros artistas que buscavam uma linguagem pictó-
rica moderna e própria; entretanto, seus temas nunca deixaram de referir-se
tanto às suas origens quanto à poesia e ao lado onírico, duas de suas marcas
principais.
Figura 20 Pintor com �lhos e sapo, Sandro Chia, 1984, 218,5 x 202 cm.

Mimmo Paladino

Na arte de Mimmo Paladino, nascido em 1948, é frequente a utilização tanto


da pintura a óleo sobre tela quanto das técnicas do mosaico, do afresco e da ta-
peçaria, como demonstra a Figura 21. Suas obras contam com a atmosfera
mágica da Itália meridional, com elementos religiosos e históricos tanto da
cultura italiana quanto de culturas orientais e com várias outras referências,
mas tudo é misturado e diluído em um ar de ambiguidade que torna difícil o
estabelecimento exato de uma genealogia artística.
Figura 21 San Emilio, Mimmo Paladino, 1992, 90 x 70 cm.

Francesco Clemente

Já as obras de Clemente, nascido em 1952, são metáforas complexas, profun-


damente baseadas em sua própria biogra�a. Há referências a Nápoles, sua ci-
dade natal, à literatura nas décadas de 1960 e 1970, às tradições judaico-cristã
e oriental (o artista passou um longo tempo na Índia) e há também a utiliza-
ção da técnica do afresco com grande proximidade daquela usada em
Pompeia.

Vale destacar que Clemente se transformou em um dos pintores mais in�uen-


tes dos últimos tempos. Observe na Figura 22 uma de suas obras.
Figura 22 Água e vinho, Francesco Clemente, 1981, guache s. papel, 243 x 248 cm.

Neoexpressionismo alemão
O Neoexpressionismo alemão, como o próprio nome sugere, foi uma espécie
de retomada pós-moderna de elementos do Expressionismo; não exatamente
em aspectos pontuais ou formais, mas especialmente no que diz respeito ao
seu “espírito”.

Seus artistas – Kiefer, Immendorf, Baselitz e Richter, entre outros –


aproximaram-se do Expressionismo especialmente no sentido da predomi-
nância das questões existenciais e do sujeito como foco predominante das
obras além, evidentemente, da presença de outros temas – os sociais, por
exemplo. Assim, não apenas a retomada do estilo que privilegia a “deforma-
ção” e a “poética do feio” está na raiz do Neoexpressionismo, mas, especial-
mente, a busca do ato criador e do sujeito enquanto motes essenciais da arte.

A seguir, vejamos as principais características de alguns artistas integrantes


desde movimento. Acompanhe.

Anselm Kiefer

Nascido em 1945, ou seja, no ano que �cou conhecido na Alemanha como “ano
0” – momento do �m da Segunda Guerra Mundial – , Kiefer é um dos artistas
mais controvertidos da sua geração. O mote inicial de sua arte vincula-se for-
temente ao passado nazista da Alemanha, ponto do qual o artista geralmente
parte para então re�etir sobre o destino da cultura ocidental como um todo.
Assim, procurando estabelecer elos entre os mitos alemães – de outros povos
também – e a cultura universal, Kiefer cria uma arte que atua como metáfora
re�exiva da própria história da humanidade, como, por exemplo, a obra
Crepúsculo do Oeste (Figura 23).
Figura 23 Crepúsculo do Oeste, Anselm Kiefer, 1989.

Georg Baselitz

Tal como Kiefer, Baselitz, nascido em 1938, também tem em sua temática uma
forte presença/lembrança do passado nazista da Alemanha e da Segunda
Guerra, algo reforçado pelo fato de ter o artista, durante o con�ito, presenciado
o bombardeio de Dresden.
Bombardeio de Dresden
O bombardeio de Dresden foi uma das maiores ações militares dos aliados contra a
Alemanha. Ocorreu em fevereiro de 1945 e constitui-se em um ataque maciço por via aérea
à cidade de Dresden, importante centro industrial, político e cultural da Alemanha. Após o
bombardeio, a cidade (junto com seus monumentos históricos e artísticos) �cou completa-
mente destruída.

O início da carreira do artista foi conturbado. Sua primeira exposição em


Berlim (1963) causou escândalo, e dois quadros foram con�scados sob a alega-
ção de serem pornográ�cos.

Por volta de 1969, Baselitz adotou aquela que seria a sua marca registrada: as
�guras de cabeça para baixo. Estas atuam como a tradução do repúdio do ar-
tista tanto ao lado destrutivo da cultura ocidental quanto às formas tradicio-
nais da arte. A obra Homem nu (Figura 24) é um exemplo de seu trabalho.

Figura 24 Homem nu, Georg Baselitz, 1975, 200 x 162 cm.

Jörg Immendorff

Immendorff (1945-2007) começou sua carreira usando como temas primeira-


mente a classe trabalhadora e depois a guerra do Vietnã. Posteriormente, pas-
sou a se preocupar com a temática das duas Alemanhas, algo que �ca claro
em obras como as da série Café Deutschland (Figura 25), iniciada em 1977 e
que conta com dezesseis grandes pinturas. No �nal de sua vida, Immendorff
encontrou di�culdades para pintar devido a uma doença neurológica degene-
rativa, que acabou causando a sua morte.

Figura 25 Obra da série "Café Deutschland", Jörg Immendorf, 1984, 285 x 330 cm.

Gerhard Richter

Tendo estudado na Alemanha Oriental entre 1952 e 1957, Gerhard Richter, nas-
cido em 1932, antes de se tornar artista pro�ssional, trabalhou como pintor de
cartazes, cenógrafo de teatro e técnico de laboratório de fotogra�as. A lingua-
gem fotográ�ca, inclusive, exerceu forte in�uência na sua arte, especialmente
em obras que se parecem com simples fotogra�as, mas que contam com a
pintura a óleo, como é o caso da obra City Life (Figura 26). Richter, também, re-
alizou obras abstratas e, atualmente, vive nos EUA.

Figura 26 City Life, Gerhard Richter, 2000, óleo s. fotogra�a, 12,2 x 12,2 cm.

A Figuração Livre Francesa


Enquanto na Itália ganhava fama a Transvanguarda e na Alemanha o
Neoexpressionismo, na França tomava corpo, principalmente no início da dé-
cada de 1980, o movimento que �cou conhecido como “Figuração Livre”. Seus
participantes, Robert Combas, Gérard Garouste, Jean-Charles Blais, entre ou-
tros, reivindicavam o direito à espontaneidade, dialogavam com as mais vari-
adas mitologias e também com a cultura de massa (televisão, histórias em
quadrinhos etc., o que não impediu a apropriação de elementos tradicionais ou
ligados à tradição erudita).

Gérard Garouste

Gérard Garouste, nascido em 1946, surgiu no cenário da pintura francesa no �-


nal da década de 1970. Na década de 1980, celebrizou-se por uma pintura �gu-
rativa de temática mitológica e alegórica.

Uma de suas obras, o Balaão, representado na Figura 27, é o personagem bíbli-


co que, instado por Deus a abençoar o povo de Israel, agia de maneira contrá-
ria, chegando a ouvir a vontade divina por meio da boca da sua jumenta.
Figura 27 Balaão, Gérard Garouste, 2005.

Robert Combas

Nascido em 1957, Robert Combas realiza uma pintura de tendência expressio-


nista com ênfase na �gura humana. Observe na Figura 28 uma de suas obras.
Figura 28 Jacqueline Cora, Robert Combas, 1985, 169 x 124,5 cm.

Jean-Charles Blais

Jean-Charles Blais, nascido em 1956, também tem como uma das principais
características de seu trabalho a tendência expressionista, especialmente pa-
ra a representação do corpo humano, como, por exemplo, na obra Belo (Figura
29).

Figura 29 Belo, Jean-Charles Blais, 1983, pastel s. papel, 36,5 x 26,5 cm.

EUA
Os Estados Unidos também participaram do “retorno” à pintura ocorrido na
década de 1980. Recorrendo muitas vezes à narração e a imagens teatrais e
alimentando-se do cruzamento da cultura de rua com a cultura erudita da pin-
tura em tela (casos de Jean-Michel Basquiat e Keith Haring), os artistas surgi-
dos neste contexto, mais do que um grupo – se os víssemos assim percebería-
mos tratar-se de um grupo muito mais heterogêneo do que o da
Transvanguarda ou o da Figuração Livre – podem, devido às suas fortes espe-
ci�cidades individuais, que di�cultam muito a aproximação crítica de suas es-
téticas, ser encarados mais como uma “geração”. Entre os artistas mais impor-
tantes desta geração �guram nomes como o de Julian Schnabel, Jeff Koons,
Eric Fischl e Cy Twombly e Jean-Michel Basquiat.

Começaremos a abordar os artistas individualmente falando de Jean-Michel


Basquiat. Antes, no entanto, faz-se necessária a abertura de um apêndice, ten-
do em vista a forte ligação deste e de outros artistas com a cultura de rua. E
onde lê-se “cultura de rua” lê-se também “gra�te”. Vejamos um pouco sobre es-
sa cultura.

Gra�te

O uso de tinta em spray popularizou-se nos EUA a partir de aproximadamente


1969, quando adolescentes das periferias das grandes cidades, como Nova
York e Los Angeles, começaram a pichar muros e paredes, tanto de residênci-
as quanto de espaços comerciais e públicos. Durante um primeiro momento,
todo o “trabalho” feito com spray reduziu-se a nomes e siglas. Mais tarde, co-
meçaram a aparecer imagens mais trabalhadas, geralmente ziguezagues, es-
trelas, tabuleiros e arabescos. Pouco depois, na virada da década de 1970 para
a década de 1980, apareceu então o elemento que seria o grande incentivador
do gra�te: o movimento Hip-hop (Figura 30).

O Hip-hop é a cultura de rua surgida nas grandes metrópoles americanas para


legitimar e “dar uma cara” a jovens representantes das minorias étnicas. A
princípio, tratava-se de um movimento exclusivamente ligado à cultura negra.
No entanto, aos poucos, mesmo tendo se mantido a “cara negra”, outras mino-
rias, como os latinos, foram aderindo ao movimento.

A explosão do Hip-hop em todos os EUA e a sua difusão pelo mundo, já na dé-


cada de 1980, (por exemplo, jovens paulistanos dançavam break – uma das
primeiras danças ligadas ao Hip-hop – na estação São Bento do Metrô) ocor-
reu por meio do “braço musical” do movimento, o Rythm And Poetry – RAP
(Figura 31). Já por volta de 1985, multiplicavam-se os muros “gra�tados” em
todo o mundo.

Figura 30 Jovens gra�teiros nova-iorquinos no �nal da década

de 1970 (foto de Martha Cooper).

Figura 31 O primeiro disco de RAP lançado no Brasil, em 1988.


Nos EUA, os primeiros espaços a serem adotados pelos gra�teiros para a sua
arte foram as estações de metrô, incluindo-se aí os próprios trens. É impossí-
vel pensar-se no metrô de Nova York na década de 1980 sem o gra�te (Figura
32). Antes, no entanto, houve bastante perseguição aos artistas de rua.

Figura 32 Trem do metrô de Nova York gra�tado na década de 1980.

Ficaram famosos, por exemplo, dois dos primeiros trens a serem “gra�tados”:
o Freedom Train (Trem da Liberdade), ilustrado em 1976 por ocasião do
Bicentenário da Independência dos EUA, e o Trem de Natal, gra�tado em de-
zembro de 1977. Ao chegar às estações, os trens eram aplaudidos espontanea-
mente, fato que não poupou os gra�teiros de serem presos por vandalismo. O
cenário, como já vimos, mudou nos anos 1980, quando o gra�te começou a en-
trar nos museus. Uma espécie de debut desta “incorporação” ocorreu na
Documenta de Kassel, que apresentou trabalhos de dois artistas intimamente
ligados à cultura de rua, e que hoje têm renome internacional: Basquiat e
Haring.

A Documenta de Kassel é uma das mais importantes mostras de arte contem-


porânea do mundo. Sua primeira edição ocorreu em 1955 e, como o próprio no-
me diz, ocorre na cidade alemã de Kassel. Sua periodicidade é de cinco em
cinco anos.
Basquiat

Falemos, então, de Basquiat (1960-1988). Filho de imigrantes haitianos que


passou grande parte da vida no Brooklyn, sua carreira artística começou com
gra�tes em muros e portões de ferro, trabalhos que muitas vezes eram assina-
dos com a sigla SAMO (Same old shit). Por volta de 1982, Basquiat foi “adotado”
pelo mercado de arte e suas pinturas em tela �zeram-no uma espécie de “que-
ridinho da América”. A fama do artista aumentou ainda mais com a sua par-
ceria com Andy Warhol (Figura 35), caminhada que foi interrompida em 1988,
quando Basquiat morreu de overdose. Apresentamos, nas Figuras 33 e 34, du-
as  obras de Basquiat.

Figura 33 In Italian, Jean-Michel Basquiat, 1983.


Figura 34 Mona Lisa, Jean-Michel Basquiat, 1984.

Figura 35 Andy Warhol e Basquiat lado a lado.

Keith Haring
Keith Haring (1958-1990) foi um artista de formação mais acadêmica do que
Basquiat. Sua carreira ganhou força por meio da “adoção” do gra�te. Tendo es-
tudado artes em Pittsburgh, mudou-se para Nova York no �nal dos anos 1970,
quando começou seu contato com o gra�te e com a vanguarda nova-iorquina,
na qual tornar-se-ia um dos principais nomes. A principal marca da arte de
Haring são suas �guras simpli�cadas, principalmente �guras humanas, que
remetem, entre outras coisas, à arte rupestre e a elementos da arte africana
(Figuras 36 e 37).

Figura 36 Just Because, Keith Haring.


Figura 37 Gigantesco muro gra�tado por Keith Haring (repare no tamanho do artista, na parte inferior central da �gu-

ra, em relação ao muro).

Cy Twombly

Cy Twombly, nascido em 1928, utiliza uma linguagem simbólica muito pesso-


al, numa síntese de automatismo surrealista, Expressionismo Abstrato e gra�-
te. Todos esses elementos atuam em prol de certo conceitualismo, já que os
objetivos do artista não deixam de ser a expressão dos contrastes de espaço,
movimento e tempo.

Após um primeiro “choque” frente às obras de Twombly, começamos a sentir


que o gra�smo dos seus traços possui uma vitalidade própria, a qualidade sub-
versiva dos rabiscos da criança que não se subordina às ordens da professora
– ou seja, a tudo que a nossa tradição cultural representa. Ao se rebelar contra
as regras tradicionais de composição pictórica, Twombly questiona então o
próprio conceito de unidade visual e da possibilidade de interpretação objetiva
da obra.

Estamos diante de um �uxo constante de movimentos que não copiam a reali-


dade existente, que nada representam e que dialogam com uma improvisação
mutante em que o espectador se pergunta: “O que é isso?”; “Como é?”; “Quem
é?”, e encontra a seguinte resposta: “É”.

Observe uma de suas obras na Figura 38.


Figura 38 Sem título, Cy Twombly.

Julian Schnabel

Outro nova-iorquino, Julian Schnabel, nascido em 1951, �cou famoso com suas
composições realizadas com pedaços de louça colados, algo que funcionava
como pano de fundo para os temas representados. Os cacos de louça atuavam
em prol do contraste do “velho”, a própria louça, e do “novo”, aquilo que é cria-
do com tinta fresca, ou seja, uma nova realidade, com novos signi�cados.

Quanto às suas �guras, seja qual for a técnica utilizada, Schnabel desconstrói
as imagens de uma maneira irônica e até subversiva.

Atualmente, o artista também é um importante cineasta, e tem em seu currí-


culo �lmes de sucesso como o já citado Basquiat e O escafandro e a borboleta.

Veja na Figura 39 uma de suas obras.


Figura 39 Auto-retrato, Julian Schnabel, 1977.

Eric Fischl

Outro importante nova-iorquino responsável por uma pintura mais do que �-


gurativa – narrativa, na verdade – é Eric Fischl, nascido em 1948. Fischl “es-
tourou” para o mundo da arte com a obra Sonâmbulo (Figura 40), de 1979, que
mostra um adolescente se masturbando. A obra foi encarada como uma de-
núncia do fracasso do “sonho americano”. Fischl pinta a banalidade da peque-
na burguesia americana: os ritos prosaicos da iniciação amorosa, as férias etc.
O que emana das obras é, no entanto, um subtexto de solidão, desespero e hor-
ror. Observe outra de suas obras na Figura 41.

Figura 40 Sonâmbulo, Eric Fischl, 1979.


Figura 41 Som de ondas da praia, Eric Fischl, 1996-97, 190,5 x 119,5 cm.

Jeff Koons

Jeff Koons, nascido em 1955, é um artista que retrabalha alguns conceitos da


Arte Pop. Construindo com suas obras um diálogo aberto com a sexualidade,
inclusive com seus clichês, Koons (que, simpático a manifestações estéticas
fetichistas e até pornográ�cas, casou-se com Cicciolina – famosa atriz pornô
italiana) realiza obras como, por exemplo, Urso e policial (Figura 43), que, de
forte apelo popular, repensa os limites do kitsch e da �guração contemporâ-
nea. Veja também outra de suas obras na Figura 42.

Figura 42 Escultura representando Jeff Koons e Cicciolina, Jeff Koons.


Figura 43 Urso e policial, Jeff Koons. 1988.

5. O Hiper-Realismo e o Diálogo com a


Fotogra�a
Falemos um pouco agora, antes de tratar da arte que trabalha diretamente
com a fotogra�a, de um tipo de arte que não deixa de ter sido in�uenciada pela
imagem fotográ�ca: o Hiper-realismo.

O Hiper-realismo surgiu nos EUA na segunda metade da década de 1960, logo


após a explosão da Arte Pop, e manteve grande intensidade até �nal da década
de 1970 – apesar de muitos de seus artistas continuarem trabalhando no mes-
mo estilo até hoje (estilo que requer trabalhar com slides projetados e instru-
mentos de arte comercial, como o airbrush).

Chuck Close
Dominando uma técnica impressionante, o norte-americano Chuck Close,
nascido em 1940, produz retratos pormenorizados a ponto de, a certa distân-
cia, parecerem gigantescas fotogra�as. No entanto, analisando as obras de
perto, descobrimos os meios muito pouco ortodoxos que Close emprega na sua
pintura, como pintar com as próprias impressões digitais funcionando como
pontos de pigmento, por exemplo. Procedimentos como este atestam o trata-
mento quase “abstrato” da imagem, tratamento que, no entanto, não deixa de
ter como principal – e paradoxal – objetivo o próprio realismo e efeitos como o
da “vibração” desta, algo que nos faz lembrar de Seurat e seu Pontilhismo, por
exemplo (observe as Figuras 44 e 45).
Figura 44 Emily (gravura cuja matriz foi realizada com as impressões digitais do artista), Chuck Close, 1986.

Figura 45 Espectadores em exposição de Close, frente a uma de suas obras (esquerda) e detalhe de obra (direita).
Duane Hanson
Já Duane Hanson (1925-1996) trabalhava com obras esculturais, em três di-
mensões. Em suas �guras de tamanho natural, com gestos e �sionomias indi-
viduais acentuadas, Hanson representava os estereótipos da sociedade ameri-
cana, mostrando um pouco da banalidade das vidas cotidianas tanto dos
norte-americanos quanto de toda a sociedade ocidental.

Suas obras eram confeccionadas a partir de moldes de cera de pessoas vivas,


em �bra de vidro e complementadas com roupas, perucas e óculos, de modo a
quase não ser possível distinguir as esculturas de pessoas reais. Observe na
Figura 46 uma dessas obras.

Figura 46 Viajante, Duane Hanson.

Audrey Flack
A também norte-americana Audrey Flack, nascida em 1931, é outra artista ge-
ralmente relacionada pelos estudiosos ao Hiper-realismo. Algo que difere
Flack dos outros hiper-realistas é a abordagem de temas geralmente voltados
à temática feminista (Figura 47).

Figura 47 Marilyn Vanitas, Audrey Flack, 1977.

6. As Vídeo-Instalações e a Vídeo-Arte
Como vimos anteriormente, a arte nas décadas de 1980 e 1990 traduziu-se –
mais do que em qualquer outro período da história da arte – em um conjunto
de várias tendências, tendências estas calcadas tanto nas técnicas mais arte-
sanais quanto nas mais avançadas.

Devemos ressaltar que seria muito arriscado “de�nir” a arte pós-moderna e


que o critério cronológico inevitavelmente incorre em erros. Vamos nos res-
tringir, então, a citar mais alguns artistas essenciais para que possamos com-
preender um pouco mais do vastíssimo panorama artístico da década de 1980,
da década de 1990 e, en�m, de toda a contemporaneidade.

Assim, entre outros artistas inevitavelmente preteridos, não se pode deixar de


citar o sul-coreano Nan June Paik – um dos responsáveis pela criação da
vídeo-escultura, e o norte-americano Bill Viola, outro artista que abusa da tec-
nologia em suas instalações, tendo se consagrado com a vídeo-arte ainda na
década de 1970.

As vídeo-instalações e a vídeo-arte começaram a se disseminar principal-


mente a partir do �nal da década de 1970, com a popularização do videoteipe e
a possibilidade de utilização de equipamentos de vídeo relativamente baratos.

Há outro fator a ser acrescentado, que a princípio pode parecer óbvio: a tempo-
ralidade. A vídeo-arte e as vídeo-instalações introduzem o “tempo” enquanto
elemento constituinte, fundamental e estruturador das obras. Os vídeos, ao
contrário das fotogra�as estáticas, da pintura, da escultura e da arquitetura
(artes de caráter “estático”, ou seja, que em tese se mantêm inalteradas no de-
correr do tempo), assim como a música, o teatro e o cinema, só verdadeira-
mente ocorrem no decorrer do tempo.

Vejamos um exemplo: se olharmos para uma fotogra�a “estática”, seja lá por


quanto tempo for, podemos dizer que já vimos a fotogra�a. Porém, se olharmos
para um fotograma de um �lme de duas horas de duração (lembrando que um
�lme de cinema é composto por 24 fotogramas por segundo), de maneira ne-
nhuma podemos dizer que já vimos o �lme. Apenas se vermos, no decorrer
daquelas duas horas, a imagem dos mais de 170 mil fotogramas de um �lme
de duas horas colocados em movimento pelo equipamento cinematográ�co é
que podemos dizer que realmente vimos o �lme.
Há ainda outro detalhe: o cinema é uma arte essencialmente temporal porque
não veríamos o �lme se olhássemos para cada um dos seus mais de 170 mil
fotogramas. Só vemos o �lme se vermos seus fotogramas tornados “imagem
em movimento” pelo equipamento cinematográ�co. O mesmo caráter tempo-
ral há no teatro, uma das mais antigas artes, e na vídeo-arte, uma das mais re-
centemente artes inventadas.

Podemos a�rmar que a introdução deste elemento, a “temporalidade”, é outra


das características fundamentais da pós-modernidade: já que, desde a década
de 1960, com a profusão das performances, happenings - essencialmente tem-
porais – e a utilização de elementos também temporais – como a música, por
exemplo – nas obras de arte, as manifestações artísticas plásticas deixaram
de lado o caráter “estático” que as marcara até então para passar a ocorrer en-
quanto obras também na esfera do tempo.

Devido exatamente à temporalidade é que optamos por não ilustrar o texto


deste ciclo com fotogra�as de obras de vídeo-arte, já que não faria sentido
tentar-se mostrar com imagens estáticas obras que só ocorrem “em movimen-
to”. Por isso, disponibilizamos a seguir alguns links para apreciação em vídeo,
na Internet, de obras de vídeo-arte. Já quanto às vídeo-instalações, optamos
por “desrespeitar” um pouco o critério essencial da temporalidade e mostrar
uma fotogra�a de vídeo-instalações, de Nan June Paik, com caráter mera-
mente ilustrativo de seus aspectos escultóricos (Figura 48).
Figura 48 TV Cello, Nam June Paik, 1971.

Nam June Paik


O sul-coreano Nam June Paik (1932-2006) nasceu em Seul. Aos 18 anos, com a
eclosão da Guerra da Coreia, mudou-se com a família para Hong Kong, depois
para Tóquio, onde estudou música e artes. Depois continuou seus estudos na
Alemanha, onde teve contato com nomes da vanguarda artística de então.

Em 1964 mudou-se para Nova York e, desde o �nal da década de 1960, passou a
utilizar os – então ainda poucos, e de tecnologia incipiente – equipamentos de
videoteipe para a criação de uma linguagem artística própria e revolucionária.
Paik �cou conhecido como um dos “pais” das vídeo-instalações e da vídeo-
arte. A obra Global Encoder é um dos trabalhos de Paik (Figura 49).
Figura 49 Global Encoder, Nam June Paik.

Bill Viola
O norte-americano Bill Viola, nascido em 1951, é outro dos grandes nomes da
arte contemporânea ligada à linguagem do vídeo. Tendo como uma de suas
grandes in�uências o próprio Nam June Paik, Viola caracteriza-se por abor-
dar em suas obras não apenas questões típicas da contemporaneidade, tais
como a televisão e a passividade dos telespectadores, como também questões
de ordem metafísica.

7. Da Década de 1990 à Atualidade: a Nova


Realidade Histórica e a Arte
Você sabia que o �nal da década de 1990 teve mudanças nos âmbitos
histórico-social e cultural que tiveram forte impacto na mais nova geração de
artistas?

Como vimos em nossa introdução histórica, a realidade ditada pela chamada


“Nova Ordem Mundial” e pela globalização ocasionou a reestruturação das re-
lações comerciais, políticas e culturais no mundo contemporâneo.

O chamado “�m das utopias”, com a queda do Comunismo na Europa, a ascen-


são do Neoliberalismo como política econômica da maioria dos países, as no-
vas descobertas cientí�cas, a explosão da acessibilidade à comunicação e à
informação com a Internet, contribuíram para um cenário de enorme relativi-
zação e individualismo em que o homem contemporâneo busca se “re-
inventar” em meio a uma realidade absolutamente imprevisível, algo que con-
traria a ideia de linearidade histórica que adotáramos até o advento da pós-
modernidade.

No âmbito das relações pessoais, o homem passa também, como não poderia
deixar de ser, pela necessidade de “auto-re-invenção”. O gênero masculino, por
exemplo, ainda não re-encontrou seu “papel histórico” após as conquistas fe-
ministas e a equiparação de direitos e deveres entre homens e mulheres. Outro
bom exemplo são as relações a distância, mediadas pelas novas tecnologias
de comunicação, encabeçadas pela Internet, e que estabeleceram um modo
inédito de conectar pessoas e redes sociais em escala global, ao redor de todo
o mundo.

Tudo é incerteza. Não apenas no que concerne aos nossos papéis na socieda-
de contemporânea como à própria continuidade da vida na Terra, ameaçada
como nunca pelos impactos ambientais frutos do progresso predatório do ho-
mem, que o colocou em con�ito com a natureza.

A tradução deste panorama para a esfera artística gera obras carregadas da


mesma pluralidade, da mesma riqueza de linguagens, meios e possibilidades,
mas também das mesmas incertezas. Há, entretanto, como já havíamos dito
anteriormente, um ponto que ainda se destaca como um dos principais da arte
contemporânea: a morte da ideia da “originalidade”.

Em nosso tempo de reprodutibilidade frenética da informação, a ideia de origi-


nalidade parece, apesar do individualismo cada vez maior do nosso tempo, es-
tar perdendo sentido, assim como a ideia da própria “autoria” de uma obra. Na
esfera da cultura popular, por exemplo, isto já ocorreu, traduzindo-se na troca
gratuita de músicas, vídeos e arquivos de toda espécie pela Internet, en�m, na
“morte” dos direitos autorais. Já na esfera mais “erudita” das artes plásticas, as
poéticas e as obras são, cada vez mais, “contaminadas” por esta ideia, ainda
assustadora porque totalmente imprevisível e desconhecida.

 Artistas contemporâneos

Recomendamos que assista aos vídeos indicados a seguir. Eles apresen-


tam alguns detalhes sobre as obras de Christo (1935 - 2020) e Jeanne-
Claude (1937 - 2009), expoentes da Land Art, e de Basquiat (1960 - 1988),
contemporâneo.
• GIGANTISMO EFÊMERO: a arte de Jeanne-Claude e Christo
(https://www.youtube.com/watch?v=mxpKsvyCN10.)
• JEAN-MICHEL BASQUIAT: marginalidade e mainstream na arte
(https://www.youtube.com/watch?v=zihoUcRC9ys)
• BASQUIAT NO CCBB, por que você deve ir? (https://www.youtu-
be.com/watch?v=yaTAz3xplCE.)

Aproveite, ainda, para se aprofundar nas poéticas e construções dos ou-


tros artistas abordados aqui. Na contemporaneidade, apesar de alguns
grupos de artistas seguirem uma mesma tendência, suas poéticas são
únicas, como materiais e ideias especí�cas, compondo, assim, uma das
principais características da arte hoje: a pluralidade.

Neste momento, re�ita sobre sua aprendizagem, respondendo à questão a se-


guir.

8. Considerações
Após o estudo das décadas seguintes, as Guerras Mundiais, foi possível identi-
�car que a arte passou por grandes transformações. Expandiu-se para além
dos suportes convencionais, invadindo as paisagens e o espaço da cidade.
Essas transformações se seguem até hoje na contemporaneidade, também
chamada de pós-modernidade. É importante que seu estudo continue, pois, a
cada dia, novas tendências surgem e novos artistas nos apresentam poéticas
interessantes.

No próximo ciclo de estudos, adentraremos na história da arte brasileira, des-


de seus primórdios até chegarmos nos anos 2000.
(https://md.claretiano.edu.br

/hisartartintartbra-gs0015-fev-2022-grad-ead/)

Ciclo 3 – Da Arte Brasileira até o Academicismo

Maria Gabriela Mielzynska

Objetivos
• Conhecer o contexto histórico em que foi amalgamada a ideia de Brasil.
• Compreender como esse contexto gerou as manifestações artísticas do
período colonial até a cristalização da arte acadêmica brasileira.
• Identi�car as manifestações artísticas no Brasil do “descobrimento” até
o início do século 20.

Conteúdos
• Primórdios da arte brasileira no descobrimento.
• Missão Artística Francesa.
• Pintores estrangeiros no Brasil.
• Arte acadêmica no Brasil.

Problematização
O que existia de expressão artística no Brasil antes da colonização portugue-
sa? O que nossos colonizadores trouxeram de contribuição para a arte nacio-
nal? O que foi o Barroco brasileiro? Como surgiu a Academia Nacional de
Belas Artes? Quais artistas brasileiros e estrangeiros se destacaram até a dé-
cada de 1950 no Brasil?

1. Introdução
Neste ciclo de estudos, vamos explorar os conhecimentos sobre os primórdios
da arte brasileira até a consolidação da arte acadêmica. Assim, estudaremos a
arte indígena e o percurso da arte acadêmica no Brasil, desde sua implantação
por meio da Missão Artística Francesa até sua consolidação como arte nacio-
nal. Faremos, ainda, uma contextualização histórica que se relaciona, direta-
mente, com os acontecimentos da arte.

Mas, antes de darmos continuidade ao assunto, listamos, a seguir, vários �l-


mes, para que você aprofunde seu arcabouço teórico e cultural.

Desmundo (2003): �lme interessantíssimo que aborda os primeiros anos da colonização do


Brasil dirigido pelo brasileiro Alain Fresnot. A história trata de uma órfã que é importada
para o Brasil para se casar com um dono de terras que vive por aqui, sem nunca tê-lo visto.
A prática era muito comum na época e se devia a, no início, praticamente não haver mulhe-
res brancas (europeias) no Brasil, só índias. Muitos europeus formavam famílias com índi-
as, mas fazia-se também questão de trazer mulheres brancas para povoar a terra. O �lme é
falado no português da época, o que torna as falas difíceis de serem compreendidas e obriga
a utilização de legendas.
Amistad (1997): �lme de Steven Spielberg que representa uma das facetas dos horrores da
escravidão (no caso, o embarque de escravos negros da África para a América). O �lme
mostra escravos chegando aos EUA, mas a situação, especialmente dentro dos navios ne-
greiros, era similar àquela sofrida pelos escravos trazidos para o Brasil.
Hans Staden (1999): �lme que conta sobre o viajante alemão Hans Staden (1525-1579), que
foi preso por tupinambás antropófagos do litoral paulista em meados do século 16.
Conseguindo escapar, Staden voltou à Europa e escreveu um livro de enorme sucesso rela-
tando as suas experiências e os costumes dos índios.
Anchieta José do Brasil (1977): relançado em DVD em 2007, é uma cinebiogra�a do Padre
Anchieta, interpretada por Ney Latorraca.
O Aleijadinho (2000): cinebiogra�a do artista mineiro interpretada pelo ator Maurício
Gonçalves.
Os Incon�dentes (1972): �lme do cineasta brasileiro Joaquim Pedro de Andrade, lançado
em DVD pela Video�lmes, que trata da Incon�dência Mineira.

Vamos lá? Bons estudos!

2. A “Descoberta” do Brasil
No dia 9 de março de 1500 partia de Lisboa uma frota de caravelas com cerca
de 1500 homens sob o comando de Pedro Álvares Cabral. No dia 22 de abril,
avistaram uma terra desconhecida que foi batizada primeiramente de Ilha de
Vera Cruz e, depois, quando os portugueses perceberam tratar-se de terras
continentais, Terra de Santa Cruz. O nome “Brasil” começou a ser usado como
apelido, quando se percebeu haver grande abundância de pau-brasil por aqui
e, aos poucos, foi sendo adotado o�cialmente. Vejamos na Figura 1 uma ilus-
tração de caravela portuguesa.

Figura 1 Ilustração de caravela portuguesa.

Quando alguns portugueses desembarcaram em terra �rme, travaram os pri-


meiros contatos com cerca de vinte índios. A população indígena que encon-
traram era de Tupis. Suas tribos dividiam-se em aldeias, cada uma das aldeias
formada por um número de quatro a sete malocas dispostas em torno de uma
praça retangular (Figura 2).
Figura 2 Imagem de aldeia.

No dia 26 de abril de 1500, foi celebrada a primeira missa, diante de uma pe-
quena cruz de ferro que tinha sido trazida com a frota. No dia 1º de maio, foi
realizada uma segunda missa, desta vez diante de uma grande cruz de madei-
ra construída com o auxílio dos índios. Calcula-se que cerca de cento e cin-
quenta indígenas assistiram à missa (Figura 3).
Figura 3 Célebre quadro de Victor Meireles representando a primeira missa no Brasil (o quadro parece, no entanto,

ater-se à representação do que, segundo os relatos históricos, teria sido a segunda missa), 1860, 270 x 357 cm.

No dia seguinte, um navio foi despachado para Lisboa com as notícias do


“descobrimento”, enquanto o resto da esquadra seguia viagem rumo ao orien-
te. Contudo, �caram em terras brasileiras dois homens degredados, que deve-
riam servir de contato e de informantes aos portugueses que chegassem no
futuro. Também �caram em terra mais dois marinheiros que tinham deserta-
do da frota devido ao encanto da beleza das mulheres indígenas.

Algum tempo depois, já foi o�cializado o território sul-americano a oeste do


Tratado de Tordesilhas como território português, e logo o rei de Portugal já
outorgava licenças permitindo que se instalassem na costa brasileira feitorias
de onde o pau-brasil seria expedido para Portugal. A primeira feitoria foi a de
Pernambuco, criada em 1516.

A Colonização
Primeira fase: 1500-1534

A primeira fase da colonização foi concentrada no reconhecimento e na ex-


ploração da costa do Brasil. Em 1530, por exemplo, uma expedição comandada
por Martim Afonso de Souza (1500-1571) percorreu a costa brasileira e fundou
a primeira vila brasileira em São Vicente (hoje contígua de Santos).

Segunda fase: a ocupação

A segunda fase teve início com o regime de Capitanias Hereditárias (Figura


4). As capitanias de Pernambuco e de São Vicente foram as que mais prospe-
raram. Em Pernambuco, além da extração de pau-brasil, foi introduzida a cul-
tura da cana-de-açúcar que, como veremos, seria a base da economia da colô-
nia por um bom tempo. São Vicente teve na captura de índios e mais tarde na
busca de metais preciosos as suas atividades mais importantes.
Figura 4 Mapa das Capitanias Hereditárias.

Terceira fase: sistema de Governo-Geral

Em 1548, a Coroa Portuguesa criou no Brasil o sistema de Governo-Geral, colo-


cando o poder sob a autoridade de um governador que residiria na capital do
Brasil: na ocasião, Salvador. Nesta época, além da cana-de-açúcar, o algodão, o
gado e o fumo somaram-se aos recursos agrícolas aqui produzidos.

A cana-de-açúcar

A economia do Brasil colônia caracterizou-se fortemente por ciclos econômi-


cos que duravam décadas, nos quais um único produto formava a base de toda
a renda aqui conseguida pela metrópole portuguesa.

O primeiro ciclo foi o do pau-brasil, no qual quantidades gigantescas da árvore


eram extraídas do litoral brasileiro. O segundo foi o da cana-de-açúcar.

No século 16, o açúcar era um dos produtos mais valorizados no mercado in-
ternacional. Pensando nisso, os portugueses instalaram enormes plantações
em diversas áreas do litoral nordestino, construindo também engenhos
(Figura 5).
Figura 5 Engenho de cana, Henry Coster, século 19.

O açúcar brasileiro “inundou” então o mercado internacional, proporcionando


enormes lucros a Portugal. Tal ciclo durou até meados do século 17, quando os
holandeses passaram a plantar cana em suas colônias e a representar forte
concorrência aos portugueses.

A população de origem africana

Cerca de cinquenta anos após o “descobrimento”, começaram a ser trazidos ao


Brasil em grande número escravos negros africanos. Por volta de 1570, a cul-
tura de cana-de-açúcar já estava bem desenvolvida, e este desenvolvimento só
foi possível devido à maciça importação de mão de obra escrava. O número de
escravos trazidos ao Brasil entre as décadas de 1500 e 1850 é calculado em
mais de 3 milhões e meio, o que formou, assentada no horror da escravidão
(Figura 6), uma das bases mais ricas e complexas da nossa população e cultu-
ra.
Figura 6 O horror da Escravidão: obra de Jean-Baptiste Debret mostrando feitor castigando escravo, século 19.

3. A População Indígena
Na ocasião do “descobrimento” do Brasil, o primeiro contato entre portugueses
e indígenas foi amistoso. No entanto, quando os portugueses começaram a se
apossar da terra e escravizar os índios, a situação começou a mudar. Tendo
uma cultura própria com ordem social e padrões religiosos estabelecidos,
além de práticas consideradas absolutamente bárbaras e brutais pelos euro-
peus, tais como o canibalismo ritual, algumas tribos rebelaram-se e outras
entregaram-se ou fugiram para o interior. Observe na Figura 7 o relato de
Hans Staden sobre o canibalismo.

Figura 7 Gravura europeia do século 16 ilustrando o relato de Hans Staden (que aparece de barba, no topo da imagem).

Um dos meios encontrados pelos portugueses para lidar com os indígenas foi
a catequização, realizada pelos jesuítas. Um dos maiores líderes deste proces-
so foi o padre Manuel da Nóbrega, que chegou ao Brasil em 1549. Há, também,
outros nomes notáveis, como o de José de Anchieta (Figura 8).

Figura 8 Evangelho nas Selvas (Padre Anchieta), Benedito Calixto, 1893, 58,5 x 70 cm.

Reforma e Contrarreforma
No século 16, ocorreu a chamada “Reforma” religiosa na Europa, liderada por clérigos e teó-
logos oriundos da própria Igreja Católica, mas que discordavam dos caminhos políticos e
mesmo teológicos que esta vinha tomando havia séculos. A Reforma gerou as religiões
“protestantes”, “braços” do Cristianismo que foram adotados especialmente no norte da
Europa. Já a Contrarreforma foi a reação da Igreja Católica a este processo. Elaborada entre
1545 e 1563, tomava novas diretrizes políticas e práticas para a manutenção do poderio do
Papado: entre essas medidas, estavam a reorganização da Inquisição (que combatia os “he-
reges”), o estabelecimento de uma espécie de comissão de censura que avaliaria o que deve-
ria ou não ser lido pelos católicos e a criação da Ordem dos Jesuítas.

Cultura material e arte dos índios


Para entendermos a arte e a cultura indígenas, que permearam a formação do
que hoje conhecemos como a “nossa” cultura, precisamos, inicialmente, saber
que, para os índios, não há exatamente separação entre cultura material e arte,
entre funcionalidade e estética. Assim, para um índio, não há “obra de arte”
como há para nós, mas cada um de seus objetos e utensílios – por exemplo:
�echas, cestas, cerâmicas – são vistos como sendo ao mesmo tempo úteis e
“artísticos”.

No que diz respeito especi�camente à cestaria indígena (Figura 9), podemos


de�ni-la como o conjunto de objetos, geralmente chamados de “cestas”, obti-
dos por meio do trançado de elementos vegetais, e usados para diversos �ns.
Entre estes �ns, podemos citar: peneirar, coar, armazenar, transportar e guar-
dar coisas, entre outros. Em algumas sociedades indígenas, a confecção da
cestaria é responsabilidade de ambos os sexos, enquanto em outras é exclusi-
vamente masculina ou feminina.

Figura 9 Exemplos de cestaria indígena.

Outros itens a serem destacados na cultura material indígena são as peças de


cerâmica. Realizadas manualmente, as peças são na maioria dos casos con-
feccionadas a partir de roletes de argila moldados com o auxílio de instru-
mentos rústicos. Há, em muitos casos, também a pintura da superfície das pe-
ças com pincéis feitos de penas de aves, por exemplo.

Nas sociedades indígenas brasileiras, a confecção da cerâmica é geralmente


atribuição das mulheres. São produzidos vários tipos de objetos: potes, pane-
las, instrumentos musicais, objetos de adorno etc. Os estilos das peças mudam
bastante de cultura para cultura indígena. Não se pode deixar de destacar, en-
tretanto, exemplos famosos tais como o da cerâmica marajoara (Figura 10).
Figura 10 Peça de cerâmica Marajoara.

Passando à arquitetura, não podemos deixar de dizer que praticamente a sua


única função entre os indígenas brasileiros era, e é, a confecção de moradias e,
mesmo assim, moradias em que não há a preocupação de grande durabilida-
de, podendo-se facilmente construir novamente quando uma moradia antiga
já se encontra deteriorada.

A grande unidade arquitetural indígena é a oca (Figura 11). As ocas são gran-
des construções destinadas a abrigar várias famílias, entre 300 e 400 pessoas.
Sustentadas com varas, com telhados de palha e folhas, duram no máximo
cinco anos. No interior das construções não há divisões, o que re�ete bem o
modo comunal de vida dos índios. Em cada aldeia ou taba, há de quatro a dez
ocas, construídas em torno de uma praça central chamada de ocara.
Figura 11 Exemplo de oca.

Não se pode deixar de citar também como elementos centrais da cultura indí-
gena a pintura corporal e a arte plumária. A pintura corporal (Figura 12), reali-
zada por meio de produtos derivados de matérias-primas como o urucum, en-
tre outras, tem função ritualística, além de ornamental, por ser parte das tradi-
ções relativas à caça, à pesca, à guerra etc. Já a arte plumária (Figura 13), nos
chamados cocares, por exemplo, tem, além de função ornamental, o papel de
indicar a posição social do indivíduo que utiliza determinadas peças dentro
da aldeia.

Figura 12 Exemplo de pintura corporal indígena.


Figura 13 Exemplos da arte plumária indígena.

4. As Invasões
Em 1555 ocorreu a invasão da Baía de Guanabara pelos franceses, que foram
expulsos somente cinco anos mais tarde, em 1560. De qualquer forma, durante
os séculos 16 e 17 foi forte a presença francesa no Brasil. Apoiados pelos índios
tupinambás, os franceses mantiveram vários focos de luta contra os portu-
gueses, apoiados por outras nações indígenas, tais como os tupiniquins.

Em 1580, as Coroas de Portugal e Espanha foram unidas, assim permanecendo


durante sessenta anos. Como não houve centralização política nem territorial,
os dois reinos mantiveram as suas legislações e colônias separadas. Porém,
como resultado, o Brasil passou a ser atacado também pelos países inimigos
da Espanha, tais como a Inglaterra e a Holanda.

Invasões holandesas (1624-1654)


Os holandeses já frequentavam as terras brasileiras desde o século 16, mas foi
apenas em 1624, com a intenção de fazer da Bahia o ponto de partida para ou-
tras terras da América, que realizaram ataques a esta região. Voltaram a ata-
car em 1627, não conseguindo, no entanto, conquistar a cidade. Atacaram, en-
tão, Olinda e Recife, que se tornaram, em 1632, domínio da Holanda.

A chegada de Maurício de Nassau a Pernambuco, em 1637, deu um novo im-


pulso à região. Nassau revelou-se hábil administrador e estadista. Urbanizou
Recife e restaurou Olinda, que havia sido incendiada e destruída. Trouxe, tam-
bém, uma missão política e cultural na qual se encontravam os pintores Frans
Post e Albert Eckhout. Depois da partida de Maurício de Nassau, em 1644, co-
meçou a rebelião contra os holandeses, que foram derrotados em 1654.

Missão Holandesa: Post e Eckhout

Alguns dos primeiros registros de paisagens e habitantes do Brasil feitos com


real qualidade histórica, técnica e artística encontram-se nas obras realizadas
por Frans Post (Figuras 14 e 15) e Albert Eckhout.

Frans Post (1612-1680) foi um grande paisagista. Sua obra pode ser dividida
em três períodos: antes, durante e depois da permanência no Brasil. Na sua fa-
se brasileira, aparece o impacto que o artista provavelmente passou quando se
defrontou com a luminosidade e com a vegetação tropicais.

Figura 14 Frans Post, Fazenda de açúcar.


Figura 15 Frans Post, Cachoeira de Paulo Afonso, 1649, 58,5 x 46 cm.

Já Albert Eckhout (1610-1666) foi um pintor especializado em naturezas-


mortas e representações de tipos. Ficando no Brasil de 1637 a 1644, foi respon-
sável por obras de grande qualidade estética e fundamental importância his-
tórica como documentação imagética de tipos brasileiros da época. Observe o
estilo de Albert Eckhout nas Figuras 16 e 17.

Figura 16 Albert Eckhout, Dança Tapuia, 1641-1644, 295 x 172 cm.


Figura 17 Albert Eckhout, Negra, 265 x 173 cm.

Principais matrizes culturais


Para completar o estudo da contextualização histórica, é preciso também sa-
ber que a cultura brasileira é formada por três principais matrizes culturais:
indígenas, africanos e europeus. Assista às animações a seguir para compre-
ender a história de cada um desses povos e como chegaram até o Brasil.

Nesta primeira animação, chamada Os Indígenas, veremos uma contextuali-


zação geral da história das populações indígenas no Brasil. 

Pudemos perceber que a história dos povos indígenas no Brasil vem de longa
data, e, apesar de muitas contrariedades, essas culturas ainda estão vivas. 

A próxima animação, Os Africanos, trata da chegada dos africanos escravos


no país. Nela, vamos conferir uma visão panorâmica dessa história.

Já o vídeo a seguir, Os Portugueses, apresenta um resumo da chegada e das


in�uências europeias (portuguesas) na cultura do Brasil.
5. Da Arte Brasileira até o Academicismo
Agora, o estudo adentrará na história da arte brasileira, a partir das missões
artísticas. Conheceremos, de forma mais aprofundada, acontecimentos como
a Missão Artística Francesa, que trouxe a arte acadêmica para o Brasil e deu
início ao ensino formal de Arte.

As Bandeiras
Foram organizadas, do início do século 17 até o século 18, várias expedições ao
interior do Brasil conhecidas como “Bandeiras”, que vieram a ser as maiores
responsáveis pela expansão territorial do país. Essas expedições tiveram vári-
os objetivos, entre eles: a exploração de terras brasileiras para seu melhor co-
nhecimento; a captura de índios para serem usados como mão de obra escra-
va (o que colocava os bandeirantes (Figura 18) em con�ito com os jesuítas, que
defendiam a manutenção da liberdade dos índios, mesmo promovendo a acul-
turação e perda de identidades indígenas decorrentes da “cristianização” que
realizavam); e a procura de metais e pedras preciosas.
Figura 18 Ilustração de bandeirantes em seus trajes mais costumeiros, Ivan Wasth Rodrigues.

A procura por metais preciosos realmente “vingou” no �nal do século 17,


quando, na região que �cou conhecida como Minas Gerais, foram descobertas
enormes jazidas minerais, entre as quais algumas das maiores jazidas de ouro
vistas até então.

O Ciclo do Ouro
O Ciclo do Ouro foi um dos ciclos econômicos do Brasil colônia, seguindo-se à
extração do Pau-brasil e ao Ciclo da Cana-de-açúcar.

No �nal do século 17, a cana-de-açúcar produzida no Brasil começou a perder


espaço no mercado internacional, devido à produção nas colônias holandesas
e em outras partes do mundo. Com isso, o litoral nordestino, primeira região a
se desenvolver no Brasil, entrou em declínio, e a Coroa Portuguesa passou a
procurar novas fontes de renda.

Os bandeirantes começaram então a descobrir ouro no interior do Brasil, prin-


cipalmente no estado que passaria a ser conhecido como Minas Gerais, na re-
gião de Ouro Preto. O que se viu então foi uma verdadeira “corrida do ouro”. Em
poucos anos, as áreas das jazidas de ouro foram povoadas e em 1720 a cidade
de Vila Rica, atual Ouro Preto, já era capital da província de Minas Gerais.

O centro econômico brasileiro deslocou-se então do nordeste para o sudeste, e


este foi o motivo para a mudança da capital do Brasil de Salvador para o Rio
de Janeiro em 1763.

O Ciclo do Ouro durou até as primeiras décadas do século 19 e foi a principal


fonte de renda da Coroa Portuguesa durante sua vigência. É difícil realizar
uma estimativa precisa de quanto ouro foi retirado das Minas Gerais no perío-
do, mas pode-se a�rmar ter passado de 2 mil toneladas (2 milhões de quilos).
Barroco
A partir dos desenvolvimentos promovidos pela renda oriunda da extração do
ouro, surgiu o primeiro movimento artístico de real relevância na cultura da
colônia: o Barroco, “importado” da Europa, mas que, por aqui, acabou adquirin-
do algumas características próprias, aparecendo especialmente na arte sacra,
a única área artística em que se permitia o investimento de parte dos recursos
oriundos do ouro.

Podemos de�nir a estética barroca como aquela que, fruto de um turbulento


contexto político-religioso dominado, nos países católicos, pela
Contrarreforma, busca o movimento real, na arquitetura, ou sugerido, escultu-
ra e pintura – personagens retratados durante ações, a representação do in�-
nito, o teatral e o fabuloso como formas de, na arte sacra, fascinar e atrair as
pessoas para a fé católica. Obseve na Figura 19 um exemplo de obra barroca.
Figura 19 Exemplo de obra barroca: A descida da cruz, Peter Paul Rubens, 1611-1614, 420 X 31 cm, Catedral de

Antuérpia, Bélgica.

O Barroco chegou ao Brasil aproximadamente um século depois de seu surgi-


mento na Itália, atingindo seu auge no Nordeste brasileiro na segunda metade
do século 17 e, em Minas Gerais, no século 18.

O Barroco brasileiro manifesta-se com maior riqueza na arquitetura, especial-


mente das Igrejas, e nas esculturas, muitas vezes destinadas ao interior das
igrejas (Figuras 21 e 22) ou presentes como entalhes em altares (Figura 20) ou
outras partes do interior dos templos.
Figura 20 Exemplo de entalhe barroco: interior da Igreja de São Bento (século 18), em Olinda (PE).

Figura 21 Interior da Igreja de São Francisco (século 18), em

Salvador (BA).
Figura 22 Interior da Igreja de Nossa Senhora do Pilar (século

18), em São João Del Rei (MG).

Não se pode “de�nir” com exatidão um ou alguns estilos muito separados e es-
tanques na arquitetura barroca brasileira, já que, por muitos motivos, especial-
mente econômicos, várias das nossas igrejas barrocas (Figura 23) demoraram
décadas para serem concluídas, apresentando características de vários “su-
bestilos”. Assim, passando pelas mãos de vários arquitetos e por “modas” esti-
lísticas que se sucediam, muitas das nossas igrejas podem ter seus estilos ver-
dadeiramente chamados de “ecléticos”, dentro de uma esfera barroca, é claro.
Figura 23 Igreja do Rosário dos Pretos (início do século 18), em Salvador (BA).

Devemos, entretanto, ressaltar que enquanto nas cidades litorâneas, tais como
Salvador e Rio de Janeiro, a proximidade do mar permitia a construção de
igrejas em estilo mais próximo do europeu e, principalmente, com materiais
trazidos da Europa, em Minas Gerais, o relativo isolamento geográ�co permi-
tiu não apenas a utilização de matérias-primas locais, como também o surgi-
mento de um estilo mais original. Vejamos na Figura 24 a Igreja de São
Francisco de Assis, construída no século 18, uma das igrejas mais exuberantes
de Ouro Preto, Minas Gerais.
Figura 24 Igreja de São Francisco de Assis, (século 18), em Ouro Preto (MG), com projeto de Antônio Francisco Lisboa

(o Aleijadinho).

A escultura barroca brasileira, que como vimos na de�nição de Barroco, apre-


sentava �guras em movimentos “congelados”, ações ou mesmo expressões
dramáticas, foi fortemente in�uenciada pela escultura barroca portuguesa, e
peças importadas da Europa ocupavam os altares e as casas de famílias ricas
ao lado de peças produzidas no Brasil. Aqui, até certa altura, foram produzidas
peças, especialmente em madeira, com um acabamento e re�namento piores
do que os das peças europeias. Com a prosperidade oriunda do ouro, porém,
este cenário foi mudando.

Na pintura, obras mais ligadas ao que hoje se chamaria de naïf também convi-
viam com outras realizadas segundo técnicas e erudição maiores. Houve, en-
tretanto, nomes de grande destaque, como o de Manuel da Costa Ataíde
(1762-1830), responsável por belíssimas pinturas em várias das mais impor-
tantes igrejas barrocas mineiras (Figura 25).
Figura 25 Pintura no teto da Igreja de São Francisco de Assis, (século 18), em Ouro Preto (MG), Manuel da Costa Ataíde.

De qualquer forma, não se pode deixar de dizer que o grande nome do Barroco
brasileiro foi, sem dúvida, Antônio Francisco Lisboa, o “Aleijadinho”. Isto, tanto
na arquitetura quanto na escultura. Passemos, então, a ele.

Aleijadinho
Antônio Francisco Lisboa (1738-1814) era �lho bastardo de Manoel Francisco
Lisboa, um dos artistas mais requisitados de Minas Gerais no século 18, espe-
cialmente para obras arquiteturais, com uma mulher negra, ou seja, ele era
mulato. Apesar disso, recebeu o nome do pai e cresceu a seu lado aprendendo
seus ofícios. O apelido de “Aleijadinho” deveu-se a uma doença degenerativa
que, no decorrer da vida do artista, foi lhe limitando os movimentos até
obrigá-lo a trabalhar em condições absurdamente adversas, por exemplo, com
as ferramentas amarradas aos braços (já que os movimentos das mãos foram
se perdendo, assim como os das pernas).

A primeira obra de Aleijadinho foi um busto que ornamenta um chafariz em


Ouro Preto, realizado em 1761. A partir de então, o artista teve intensa partici-
pação em obras encomendadas a seu pai. Após a morte deste, continuou sen-
do muito requisitado para o projeto de igrejas, oratórios, chafarizes, retábulos,
ornamentação de fachadas, sacristias e imagens. Boa parte de seus trabalhos
foi executado em pedra-sabão (introduzida por ele na arquitetura). Possuía um
estilo marcante que o diferenciava dos de outros mestres do seu tempo.
Observe o estilo de Aleijadinho na Figura 26.

Figura 26 Nossa Senhora das Dores, Aleijadinho.

Todos os trabalhos desse artista e, em particular, as esculturas são de uma


grande força expressiva. Podemos destacar, entre muitas de suas obras, o ge-
nial conjunto escultórico de Congonhas do Campo (Figura 27), composto pelas
esculturas dos profetas bíblicos na escadaria em frente à Igreja do Santuário
de Bom Jesus de Matosinhos (Figura 28) e por sessenta e quatro esculturas de
madeira que se encontram em cinco capelas que marcam os passos da Paixão
de Cristo.
Figura 21 Interior da Igreja de São Francisco (século 18), em

Salvador (BA).
Figura 28 Cristo carregando a cruz, escultura de Aleijadinho em

uma das capelas dos Passos da Paixão no Santuário de Bom

Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo, 1796-1799.

A Incon�dência Mineira
O Ciclo do Ouro permitiu pela primeira vez o surgimento no Brasil de uma elite
urbana, relativamente “esclarecida” em assuntos econômicos, políticos e cul-
turais, e que não necessariamente tinha interesses coincidentes com os dos
colonizadores portugueses. Tal elite pôde, devido à sua prosperidade, “ilustrar-
se” (com bibliotecas, �lhos indo estudar nas melhores universidades da
Europa etc.) e ter contato com o que de mais moderno havia no mundo em ter-
mos de pensamentos e ideologias, absorvendo, por exemplo, ideias como as do
Iluminismo, que desembocariam na Europa em movimentos como a
Revolução Francesa, por exemplo.

E foi exatamente no seio desta elite que surgiu o primeiro movimento que de-
fendia a independência em relação a Portugal: a Incon�dência Mineira.
Liderada por alguns dos mais célebres membros da elite mineira do �nal do
século 18, a Incon�dência teve como seu principal motivo de�agrador a enor-
me quantidade de ouro levado para Portugal do Brasil na forma de impostos.

Tal cenário ia evidentemente contra os interesses da “recém-nascida” elite


mineira. Esta colocou, então, em prática algumas das ideias recém-adquiridas
oriundas da Europa e organizou um movimento de revolta contra Portugal. Tal
movimento, entretanto, em muitos aspectos era revolucionário apenas na apa-
rência, pretendendo a independência do Brasil enquanto nação, mas defen-
dendo a manutenção de um status quo social de grande desigualdade entre as
classes e, inclusive, a manutenção de horrores tais como a escravatura.

A revolta foi esmagada por Portugal e seus líderes punidos na maioria dos ca-
sos com o exílio. Destacou-se neste episódio histórico, entretanto, um perso-
nagem que para muitos historiadores foi apenas um “bode expiatório” usado
pela elite mineira e pela Coroa Portuguesa como exemplo de punição, mas que
acabou se tornando um dos grandes heróis da História do Brasil: o alferes
Joaquim José da Silva Xavier (1746-1792), o “Tiradentes”.

Militar e dentista que, por ser o incon�dente de pior condição social, foi o úni-
co condenado à morte por enforcamento. Tiradentes cumpriu o papel de már-
tir da Incon�dência, tendo seu corpo sido esquartejado e espalhado pelos ca-
minhos que levavam a Vila Rica para “servir de exemplo” a possíveis revolto-
sos.

Tiradentes esquartejado

A obra Tiradentes esquartejado (Figuras 29 e 30), do artista acadêmico brasi-


leiro Pedro Américo, que abordaremos mais adiante, é um ótimo exemplo de
como uma composição pictórica tradicional é construída segundo um geome-
trismo muito bem de�nido que pode, ainda, conter símbolos ou “mensagens
subliminares”. Repare como na obra os pedaços do corpo de Tiradentes, o pri-
meiro herói a defender a ideia de um Brasil independente, formam o mapa do
país – o que sintetiza em imagem todo um conceito de “nação”.
Figura 27 Dois profetas de Aleijadinho no Santuário de

Congonhas do Campo, 1795-1805.

Figura 30 Esquema mostrando a “mensagem subliminar” da

obra Tiradentes esquartejado.

6. A Vinda da Corte
No início do século 19, a Europa vivia a efervescência das guerras promovidas
por Napoleão Bonaparte. Neste contexto, os exércitos de Napoleão invadiram
Portugal em 1807. O então futuro rei de Portugal Dom João decidiu  partir para
o Rio de Janeiro com sua corte, grande parte do funcionalismo de alto escalão
e uma comitiva de cerca de 15 mil pessoas, em cerca de 20 navios. Ou seja: já
que Napoleão invadia Portugal, ele simplesmente “mudou de Portugal” para o
Brasil (Figura 31). Isto, evidentemente, só não disse respeito ao povo português,
que teve, este sim, que enfrentar o domínio francês nos anos que se seguiram.

Depois de uma escala em Salvador, a Família Real chegou ao Rio de Janeiro


em 7 de março de 1808. Isto fez que o Brasil, até então uma colônia, passasse
por um revolucionário e rapidíssimo processo de modernização política,
econômica e cultural.

Figura 31 A chegada de Dom João VI à Bahia, Cândido Portinari, 1952, 381 x 580 cm.

Entre os desdobramentos desta modernização, estiveram enormes melhorias


urbanísticas em algumas importantes cidades, principalmente na capital, o
Rio de Janeiro, e outros, tais como a criação do Banco do Brasil; permissão à
imprensa, até então proibida por aqui; e a criação de importantes instituições
educacionais. Outro dos grandes desdobramentos foi a vinda da Missão
Artística Francesa, que “refundaria” as bases da arte brasileira a partir de en-
tão.

Missão Artística Francesa


A Missão Artística Francesa foi uma comitiva de artistas, professores e espe-
cialistas franceses que, che�ada pelo museólogo, crítico e estudioso Joaquim
Le Breton (1760-1815), trouxe para o Brasil a mando de Dom João VI o sistema
francês de ensino acadêmico de artes. Uma das consequências disso foi a cri-
ação, em 1816, da Escola Real de Ciências e Ofícios, e em 1820, da Academia e
Escola Real de Artes, hoje Escola Nacional de Belas Artes.

Assim, foi por meio da Missão Francesa que o Brasil teve pela primeira vez
acesso ao ensino institucionalizado de arte, acesso que, por conseguinte, se
estendeu também às regras, normas e cânones artísticos que con�guravam o
que era chamado de “Academicismo”, que �nalmente chegava ao Brasil.

Entre os artistas que vieram com a Missão Francesa estavam Nicolas-Antoine


Taunay e Jean- Baptiste Debret. A seguir, vejamos sobre cada um deles.

Jean- Baptiste Debret

Jean-Baptiste Debret (1768-1848) chegou ao Brasil em 1816, como um artista já


relativamente reconhecido no meio acadêmico francês. Aqui, foi o principal
nome da Missão Francesa.

Durante sua permanência no Brasil, entre 1816 e 1831, Debret elaborou obras
que apresentam uma forte narrativa. Com grande qualidade artística e noção
da arte como documento histórico, procurava utilizar nas cenas que represen-
tava um ponto de vista que faz imaginar a presença do artista no momento da
ocorrência da cena, o que confere veracidade à obra. Observe nas Figuras 32 e
33 duas obras de Debret.

Não se pode também deixar de salientar o papel de Debret no estabelecimento


do ensino de arte e na criação de uma atividade artística regular no Brasil. Por
exemplo, deve-se a ele a realização das duas primeiras exposições de Belas
Artes no país, em 1829 e 1830, nas quais foram reunidas trabalhos dos profes-
sores e alunos da Academia.

O artista retornou à Europa em 1831. Ali publicou entre 1834 e 1839, reunindo
as observações e os desenhos que fez durante sua estada no Brasil, a sua
Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, em três volumes.

Figura 32 Chefe Camacan se preparando para uma festa, Debret, 1820-30, 18,6 x 29,3 cm.
Figura 33 Índios atravessando um riacho (o caçador de escravos), Debret, 1820-1830, 80 x 112 cm.

Nicolas-Antoine Taunay

Nicolas-Antoine Taunay (1755-1830) foi outro importante artista da Missão


Francesa. Tendo ocupado um papel de certo destaque no meio acadêmico
francês e na corte de Napoleão, no Brasil especializou-se na pintura de paisa-
gens, fascinado com a exuberância tropical. São famosas as suas vistas do Rio
de Janeiro (Figura 34).
Figura 34 Largo da Carioca, Nicolas-Antoine Taunay, 1816, 45 x 56 cm.

Taunay �cou bem menos tempo do que Debret no Brasil, retornando à Europa
em 1821. Isto se deveu a discordâncias do artista em relação ao modo de orga-
nização da Academia de Belas Artes no Rio de Janeiro. Ficou por aqui, para
assumir a cadeira de “Pintura de Paisagens” na academia, seu �lho, Felix
Taunay (1795-1881).  Vejamos o estilo de Taunay na Figura 35.

Figura 35 Rua Direita – Rio de Janeiro, Félix-Emile Taunay, 1823.

Outros Pintores Estrangeiros


No século 19, o Brasil atraiu, devido principalmente à sua exuberância natural,
um número grande de pintores estrangeiros, especializados principalmente
na pintura de paisagens. Estes foram trazidos para cá não apenas com o auxí-
lio governamental, como no caso da Missão Francesa, mas também por recur-
sos próprios. A seguir, vejamos alguns desses artistas de maior destaque.
Acompanhe.
Rugendas

O pintor alemão Johann Moritz Rugendas (1802-1858) chegou ao Brasil em


1821, fazendo parte da Expedição Langsdorff, que buscava retratar os costu-
mes e a natureza do Brasil (Figuras 36 e 37). Trabalhou na Expedição até 1824,
quando, abandonando a empreitada, continuou a registrar sozinho as paisa-
gens e os tipos brasileiros. Desses registros, a maioria são desenhos, às vezes
coloridos à aquarela.

Figura 36 Índio Puri, Rugendas.


Figura 37 Habitação de negros, Rugendas, 1822-24.

Voltando a morar na Europa no �nal da década de 1820, Rugendas esteve de


novo no Brasil em 1845, quando retratou os membros da família imperial e foi
convidado a participar da Exposição Geral de Belas Artes.

Spix & Martius

Karl Friedrich Philip von Martius (1794-1868) e Johann Baptiste von Spix
(1781-1826) �zeram parte da chamada Missão Austríaca, em que, assim como
na Missão Francesa, pintores acadêmicos foram trazidos para o Brasil para
pintar paisagens, cenas e costumes locais e para incrementar o ensino de ar-
tes por aqui. Observe nas Figuras 38 e 39 o estilo de Spix e Martius.
Figura 38 Mameluca e cafusa, Spix e Martius.

Figura 39 Lagoa das Aves, no Rio São Francisco, Karl Friedrich Phillip von Martius, 30,5 x 46,5 cm.

Thomas Ender

Thomas Ender (1793-1875) foi outro dos integrantes da Missão Austríaca, ten-
do sido incumbido de viajar pelo país registrando paisagens (Figura 40).
Ender, porém, acabou tornando-se na posteridade menos célebre do que outros
artistas estrangeiros que passaram pelo Brasil no início do século 19, como
Debret e Rugendas.
Figura 40 Vista do Rio, 1817, Thomas Ender, 104 x 188 cm.

7. Independência, Império, Ciclo do Café e


República Velha
Em 1822, após nomear seu �lho Dom Pedro (1798-1834) como regente, Dom
João VI retornou a Portugal. Caminhou-se então para a inevitável indepen-
dência do Brasil.

Nos poucos anos em que a Corte Portuguesa esteve por aqui, o Brasil “desa-
prendeu” a ser colônia. A rápida modernização a que foi submetido para abri-
gar uma corte europeia, além dos movimentos emancipatórios que ocorriam
nas colônias de toda a América, �zeram crescer nos brasileiros o desejo de au-
tonomia, até que, em 1822, a situação se tornasse irreversível.

A independência ocorreu, entretanto, em moldes bem inusitados. Apesar de


ter sido apoiada por movimentos populares, foi construída politicamente no
seio da própria Corte Portuguesa. Porque, como sabemos, foi o próprio Dom
Pedro, �lho do Rei de Portugal e herdeiro do trono português, quem declarou a
nossa independência (Figura 41), autonomeando-se Dom Pedro I, Imperador
do Brasil.
Figura 41 Independência ou morte, 1888, Pedro Américo, 104 x 188 cm.

Dom Pedro I governou o Brasil até 1831, quando as pressões internas (devido,
entre outros fatores, a seu autoritarismo) �zeram-no abdicar do trono brasilei-
ro em favor de seu �lho, Dom Pedro II (1825-1891), na época com apenas cinco
anos de idade (Figura 42). O Brasil passou então por um período regencial, em
que foi governado por diversos administradores e em que foram enfrentadas
pelo país algumas importantes rebeliões contra o poder central, tais como a
Guerra dos Farrapos.
Figura 42 Dom Pedro II com cinco anos de idade.

Em 1840, ocorreu o chamado “Golpe da Maioridade”, quando adaptações nas


leis do país permitiram que, então com apenas quinze anos de idade, Dom
Pedro II assumisse o trono imperial, que deveria assumir apenas com dezoito
anos.

Dom Pedro II foi um político hábil, além de um homem extremamente inteli-


gente, culto e amante das artes. Sob seu reinado, o Brasil consolidou sua uni-
dade territorial, assim como começou a difícil caminhada rumo à moderniza-
ção de uma ex-colônia de exploração com tamanho, possibilidades e di�cul-
dades absolutamente imensos.

Houve no reinado de Dom Pedro II episódios marcantes na história brasileira,


tais como a Guerra do Paraguai, e foi também em seu governo que o país inici-
ou mais um de seus ciclos econômicos, o do Café.

Figura 43 A Batalha do Avaí, 1872-77, Pedro Américo.


Batalha do Avaí
A Batalha do Avaí, representada na Figura 43 no quadro de Pedro Américo, ocorrida em
1868, foi uma das mais sangrentas da Guerra do Paraguai e terminou com uma retumbante
vitória das forças da Tríplice Aliança sobre os paraguaios.

De qualquer forma, o período imperial foi também tristemente marcado por


questões como a da escravidão que, abolida apenas em 1888, teve em sua abo-
lição um dos estopins da discordância entre o governo e a elite brasileira, o
que levaria à Proclamação da República em 1889.

Abolição da Escravatura
A Abolição da Escravatura ocorreu no Brasil com a promulgação da Lei Áurea, em 8 de
maio de 1888. A escravidão, porém, já vinha há décadas sofrendo duros golpes que apenas
culminariam com seu �m o�cial em 1888.
Na década de 1850, fora proibido o trá�co de escravos para o Brasil, que continuou clandes-
tinamente, porém bastante enfraquecido. Vinte anos depois, em 1871, foi promulgada de Lei
do Ventre Livre, que tornava livres os �lhos de escravos nascidos a partir de então, o que em
pouco tempo diminuiu drasticamente a quantidade de escravos e diminuiu a capacidade de
produção dos escravos restantes, que foram envelhecendo ou morrendo.
O que ocorreu em 1888 foi, portanto, o “�m o�cial”. Mas não foi o �m dos problemas para os
negros brasileiros. Estes ganharam a liberdade, mas junto com ela veio o completo abando-
no a que foram relegados pelo Estado.
Sem educação, trabalho ou qualquer espécie de apoio institucional, a população negra foi
abandonada à própria sorte, indo em grande parte para as cidades, formando bolsões de po-
breza (dando origem a formação das primeiras favelas) e sendo obrigada a lidar com uma
“dívida histórica” que em grande parte até hoje não foi paga.

Foi também durante o reinado de Dom Pedro II, especialmente no período


imediatamente anterior à abolição da escravatura (em que a mão de obra não
supria mais a demanda da lavoura) e após esta, que teve início a chegada de
um grande número de imigrantes (portugueses, italianos, espanhóis, alemães,
poloneses, libaneses, sírios, japoneses, entre outros), que seriam importantíssi-
mos na formação da identidade nacional.

O Ciclo do Café
O café começou a ser cultivado no Brasil no século 18, mas apenas nas últimas
décadas do século 19 é que se tornou uma das principais fontes de renda do
país. Isto ocorreu quando o plantio veio para as terras do sudeste brasileiro,
mais especi�camente para os estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná,
que têm o solo – chamado de “terra roxa” – mais propício para o cultivo.

Concentrando-se principalmente no interior de São Paulo, a produção logo tor-


nou o estado o mais rico do país. Multiplicando as riquezas dos fazendeiros,
formou uma riquíssima elite econômica agrícola que passou a ser conhecida
como a dos “barões do café”. Estes comandavam a produção no campo (com
mão de obra escrava e de imigrantes, já desde antes da abolição da escravatu-
ra), mas passavam parte de seu tempo – e, principalmente, gastavam e inves-
tiam – nas cidades. Com isso houve um grande desenvolvimento urbano nas
cidades do interior de São Paulo e, principalmente, na capital.

São famosos na cidade de São Paulo os “palacetes” dos barões do café, concen-
trados principalmente na região central e na região da Avenida Paulista
(Figura 44), que antes de se tornar o centro �nanceiro da cidade era repleta de
mansões erguidas com a renda da economia cafeeira.

Avenida Paulista
A Avenida Paulista foi inaugurada em 1891, e ocupada por verdadeiras mansões construí-
das pelos “barões do café”. Já no século 20, as moradias foram dando lugar a prédios como
bancos, galerias, shoppings, cinemas e centros de cultura. Hoje a Paulista é um dos grandes
“cartões-postais” da cidade e o principal centro �nanceiro do país.
Figura 44 A Avenida Paulista, com os casarões dos "barões do café", em 1902.

Entretanto, não foram apenas mansões as construções erguidas com o dinhei-


ro do café. Muitas das primeiras indústrias do país também surgiram por cau-
sa dele, e foi exatamente a economia cafeeira que proporcionou os primeiros
movimentos na industrialização do país, que ganharia força de�nitivamente a
partir da década de 1930. Este é um dos motivos pelos quais a cidade de São
Paulo, centro da economia cafeeira, tornou-se também o primeiro grande cen-
tro industrial do Brasil, o que explica não apenas o crescimento gigantesco da
cidade a partir do �nal do século 19, como também a manutenção de São
Paulo como o principal centro econômico do país até os dias atuais.

A República Velha
Com a Proclamação da República, o que se buscava era, como aconteceu mui-
tas vezes na História do Brasil, “mudar para manter tudo igual” (dito popular).
Ou seja, já que a monarquia não agradava mais à elite agrária brasileira, o regi-
me republicano mostrou-se um meio mais e�ciente para que esta pudesse go-
vernar os rumos da nação.

O país era comandado especialmente pelas elites paulista e mineira, respon-


sáveis pelo que �cou conhecido como “Política do Café com Leite”. Segundo
esta política, alternavam-se na presidência da república políticos paulistas
(cujo símbolo era, devido à grande produção cafeeira, o café) e mineiros (sim-
bolizados pelo leite, devido à produção mineira de leite, mas, principalmente,
porque o “café com leite” é uma combinação bem brasileira).

Este status quo se manteve relativamente inalterado até 1930, quando a revo-
lução liderada por Getúlio Vargas acabou transferindo o poder para outras
parcelas da elite.

Passemos, agora, mais uma vez à arte, falando do estabelecimento da arte


acadêmica no Brasil.

8. Arte Acadêmica no Brasil


Durante o século 19, após a instituição do ensino de arte no Brasil, foram se
formando pouco a pouco gerações de pintores acadêmicos (tanto no que diz
respeito à sua verdadeira origem, a “academia”, quanto no que diz respeito ao
seu estilo).

Neste cenário, o grande centro artístico nacional era, evidentemente, a


Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro, que, como vimos, após a
Proclamação da República, se tornaria a Escola Nacional de Belas Artes.

A Academia foi responsável pela formação não apenas de artistas, como tam-
bém de professores de arte. Para isso, atuava não apenas no ensino, mas tam-
bém estimulava a produção com Salões O�ciais que, evidentemente, ocorriam
nos moldes dos salões europeus, especialmente os franceses, e premiações
que proporcionavam aos nomes de maior destaque viagens de estudo à
Europa, já que não havia por aqui o nível de ensino europeu e, muito menos, o
acervo de arte dos museus europeus.

Salões O�ciais
Os Salões O�ciais, chamados no Brasil de Exposições Gerais de Belas Artes, eram as mos-
tras periódicas promovidas pela Escola Nacional de Belas Artes a partir de 1840. Havia um
júri que era responsável por premiar artistas com viagens de estudo nacionais e internacio-
nais e com a aquisição de obras.
No que concerne à curadoria das exposições, esta se guiava sempre por grande conservado-
rismo e academicismo, como acontecia na maioria dos salões o�ciais de arte europeus no
século 19. Tal tendência só começou a mudar na década de 1930, quando a arte moderna já
se consolidava no Brasil.
Em todo o mundo, os Salões O�ciais eram inspirados pelo Salão O�cial francês. Também
conhecido como “Salão de Paris”, foi fundado em 1667 para exibir obras da famosa
Academia Francesa de Pintura e Escultura.
A exposição foi chamada de salão pelo fato de ter sido organizada inicialmente no Salon
d’Apollon, do Museu do Louvre.

Vejamos então, individualmente, alguns dos nomes mais representativos da


arte acadêmica brasileira do século 19 e início do século 20, lembrando que o
academicismo só começaria a perder força por aqui com o advento do
Modernismo, no início da década de 1920.

Victor Meirelles
O catarinense Victor Meirelles de Lima (1832-1903) foi um dos mais importan-
tes pintores acadêmicos brasileiros. Dono de uma técnica apurada e especiali-
zado na pintura histórica, também atuou lecionando na Academia Imperial de
Belas Artes, como professor de Belmiro de Almeida, Zeferino da Costa, Eliseu
Visconti e outros nomes que abordaremos adiante. Uma das obras de Victor
Meirelles é A Batalha dos Guararapes, que ocorreu em Pernambuco em 1654,
vejamos sua representação na Figura 45.

Figura 45 A Batalha dos Guararapes, 1879, Victor Meirelles.

Zeferino da Costa
João Zeferino da Costa (1840-1916), que foi aluno de Victor Meirelles, depois de
uma estadia na Europa, tornou-se também professor da Academia Imperial de
Belas Artes. Teve como alunos nomes como João Batista da Costa, Oscar
Pereira da Silva, Henrique Bernardelli, Belmiro de Almeida e Rodolfo
Chambelland. Observe na Figura 46 o estilo de Zeferino da Costa.
Figura 46 Moisés recebendo as tábuas da lei, Zeferino da Costa, 1868, 117,5 x 90,5 cm.

Pedro Américo
Pedro Américo (1843-1905) talvez tenha sido o mais célebre pintor histórico
brasileiro. Tendo estudado na Academia Imperial de Belas Artes e, posterior-
mente, na Academia Francesa, retratou �guras como os dois imperadores e
outros ilustres de sua época, sendo responsável também por algumas das pin-
turas históricas mais fortemente presentes no imaginário dos brasileiros, co-
mo, por exemplo, O Grito do Ipiranga e Tiradentes Esquartejado.

Como estilo, Pedro Américo jamais abandonou o gênero clássico, caracteriza-


do pela imponência e luxo em seus detalhes. No entanto, era displicente quan-
to à veracidade das cenas de batalha, que eram ligeiramente arti�ciais.

Além disso, o artista mostrou-se indiferente às inovações artísticas vindas da


Europa no �nal do século 19, mantendo-se �el aos cânones da Missão
Artística Francesa.

Almeida Júnior
José Ferraz de Almeida Júnior (1850-1899) foi um paulista de Itú que, em 1869,
foi para o Rio de Janeiro estudar na Academia de Belas Artes. Em viagem a
São Paulo, D. Pedro II viu sua obra e ofereceu-lhe uma bolsa para estudar em
Paris, e o artista permaneceu seis anos na Europa. Quando regressou, trouxe
consigo obras nas quais já se encontrava presente a �gura que mais apreciava,
o “personagem brasileiro”.

A crítica analisa a obra de Almeida Jr. como tendo dois momentos: antes e de-
pois de 1882. O primeiro momento é o da monumentalidade (Figura 47), com
cores acentuadas pelos recursos de luminosidade; e, no segundo momento, os
temas brasileiros se tornaram de�nitivamente seus assuntos preferidos
(Figura 48).

Figura 47 Exemplo de obra de Almeida Júnior em seu momento

de "monumentalidade": Apóstolo São Paulo, 1869, 97 x 77 cm.


Figura 48 Exemplo de obra de Almeida Júnior em sua fase "bra-

sileira": Caipira picando fumo, 1893, 202 x 141 cm.

Benedito Calixto
O paulista de Itanhaém Benedito Calixto (1853-1927) é um dos mais conheci-
dos artistas acadêmicos brasileiros da virada do século 19 para o 20. Tendo
frequentado entre 1883 e 1885 a Academia Julian, em Paris, especializou-se em
temas e personagens históricos e nas paisagens marinhas (Figura 49).
Figura 49 Baía de São Vicente, Benedito Calixto, 42 x 72 cm.

Henrique Bernardelli
Nascido no Chile, Henrique Bernardelli (1858-1936) mudou-se para o Rio de
Janeiro em 1867. Em 1870, ingressou na Academia Imperial de Belas Artes,
vindo a ser aluno de Zeferino da Costa e Victor Meirelles e recebendo, em con-
cursos da Academia, diversos prêmios por seus desenhos e pinturas (Figura
50) e, mais tarde, tornou-se professor da academia.

Figura 50 Maternidade, Henrique Bernardelli.

Pedro Alexandrino
Pedro Alexandrino (1856-1942) teve como sua grande especialidade as
naturezas-mortas (Figura 51). Discípulo de Almeida Jr., teve também impor-
tante papel no ensino das artes, tendo entre seus alunos nomes como Tarsila
do Amaral e Anita Malfatti.

Figura 51 Natureza-morta, Pedro Alexandrino, 80 x 100 cm.

Rodolfo Amoedo
Rodolfo Amoedo (1857-1941) começou a se destacar no cenário da pintura bra-
sileira na década de 1880, depois de ter estudado na Academia Imperial de
Belas Artes e, em Paris, na Academia Julian e na Escola Nacional Superior de
Belas Artes, a famosa Academia Francesa. Voltando ao Brasil, especializou-se
na pintura histórica e começou a lecionar, tendo como alunos nomes como
Eliseu Visconti, Rodolfo Chambelland e Cândido Portinari. Vejamos na Figura
52 uma das obras de Amoedo.
Figura 52 O último tamoio, Rodolfo Amoedo, 1883.

Belmiro de Almeida
Belmiro de Almeida (1858-1935) foi outro dos mais importantes artistas brasi-
leiros da virada do século 19 para o século 20. De formação acadêmica, não
deixou, porém, entre muitas viagens à Europa, de incorporar à sua arte algu-
mas inovações em voga havia algum tempo no velho continente, como o
Pontilhismo (Figura 53) que algumas de suas obras do começo do século 20
deixam transparecer.
Figura 53 Exemplo de obra de Belmiro de Almeida de in�uência pontilhista: Efeito do sol.

Oscar Pereira da Silva


O �uminense de São Fidélis, Oscar Pereira da Silva (1867-1939), estudou na
Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro entre 1882 e 1887, ao mes-
mo tempo em que trabalhava como assistente do seu professor João Zeferino
da Costa na execução dos painéis decorativos para a nave central da Igreja da
Candelária.
Figura 54 A escrava romana, Oscar Pereira da Silva.

Quando terminou o curso, obteve o prêmio de viagem à Europa, partindo em


1889 para Paris e permanecendo até 1896. Ao regressar ao Brasil, �xou resi-
dência em São Paulo, onde passou a lecionar no Liceu de Artes e Ofícios e a re-
alizar obras sob encomenda governamental, como os painéis decorativos do
Teatro Municipal de São Paulo (Figura 55). Vejamos na Figura 54 mais uma
das obras de Oscar Pereira da Silva.

Figura 55 O painel de Oscar Pereira da Silva no Teatro Municipal de São Paulo: Uma comédia ambulante nas ruas de

Atenas, 1911, 3,7 x 10,9 m.


João Batista da Costa
João Batista da Costa (1865-1926), assim como Oscar Pereira da Silva, foi discí-
pulo de Zeferino da Costa e Rodolfo Amoedo na Academia Imperial de Belas
Artes, no Rio de Janeiro. Ganhando um prêmio de viagem em 1884, foi estudar
na Academia Julian em Paris e, ao retornar ao Rio, tornou-se professor e pos-
teriormente diretor da Academia.

Na pintura do artista, destacam-se as paisagens (Figura 56). Estas são, segun-


do os estudiosos, mais do que meras representações acadêmicas de cenários
naturais, conseguindo transmitir com pungência a emoção do artista por
meio de cores e formas.

Figura 56 Porto Feliz, João Batista da Costa, 95,7 x 151 cm.

Eliseu Visconti
Eliseu D'Angelo Visconti (1866-1944) nasceu Itália, mas chegou ao Brasil com
menos de um ano de idade, �xando-se no Rio de Janeiro. Nesta cidade estu-
dou na Academia Imperial de Belas Artes e teve como mestres Victor
Meirelles, Rodolfo Amoedo e Henrique Bernardelli, entre outros.

Contemplado pela Academia com uma viagem à Europa, Visconti visitou a


Itália e apaixonou-se pela arte renascentista. Este estilo determinaria a mu-
dança visual em suas obras entre 1898 e 1908, com composições criativas e
idealizações poéticas com expressões faciais extremamente delicadas (Figura
57).

Figura 57 Gioventú, Eliseu Visconti, 1898, 65 x 49 cm.

Em 1900, Visconti regressou ao Brasil consagrado e com exposições de desta-


que nacional para ele preparadas, além de encomendas o�ciais. Durante as
duas primeiras décadas do século 20, manteve residência entre a Europa e o
Brasil, trabalhando principalmente em obras de caráter decorativo, como, por
exemplo, o Teatro Municipal do Rio de Janeiro (Figura 58).
Figura 58 Teto do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com pinturas de Eliseu Visconti.

Georgina de Albuquerque
Pode-se dizer que Georgina de Albuquerque (1885-1962) foi uma representante
da chegada tardia da in�uência impressionista e pós-impressionista ao Brasil.
Iniciando seu aprendizado em 1904, quando já era permitida a entrada de mo-
ças na Escola Nacional de Belas Artes, a artista pouco depois se casou com o
também pintor Lucílio de Albuquerque (1877-1939), casamento que lhe propor-
cionou cursar a Academia Julian e a Academia de Belas Artes em Paris. De
volta ao Brasil, Georgina dedicou-se também a lecionar, chegando a exercer o
cargo de diretora da Escola Nacional de Belas Artes até alguns anos antes da
sua morte. Observe na Figura 59 o estilo desta artista.
Figura 59 Conselho de Estado com a princesa Leopoldina e ministros, Georgina de Albuquerque, 1922.

Rodolfo Chambelland
O carioca Rodolfo Chambelland (1879-1967) foi um pintor acadêmico de suces-
so especialmente nas duas primeiras décadas do século 20. Tendo estudado
na Escola Nacional de Belas Artes, ganhou um prêmio de viagem ao exterior
na Exposição Nacional de Belas Artes de 1905. Estudou então na Academia
Julian em Paris e, de volta ao Brasil, conseguiu importantes encomendas pú-
blicas, passando também a lecionar na Escola Nacional de Belas Artes.
Observe na Figura 60 uma das obras de Chambelland.
Figura 60 Baile à fantasia, Rodolfo Chambelland, 1913, 149 x 209 cm.

Aqui, contextualizamos a chegada dos europeus no Brasil, destacando as prin-


cipais in�uências dessa cultura europeia na arte brasileira. Desde as missões
jesuítas, passando pela in�uência barroca na arquitetura até a criação da
Academia Imperial de Belas Artes, foi possível perceber que a arte brasileira
sofreu uma in�uência muito forte dos europeus, mas sempre se manteve com
certa característica regional, seja na forma ou na temática das produções.

Neste momento, re�ita sobre sua aprendizagem, respondendo à questão a se-


guir.

9. Considerações
Ao �nalizar o estudo deste ciclo, conhecemos os primórdios da história da arte
no Brasil, que vem de longa data, mas, muitas vezes, é lembrada apenas a par-
tir da chegada dos europeus. Pudemos, também, identi�car que o ensino for-
mal de arte se inicia com a Academia Imperial de Belas Artes e, a partir dessa
escola, surgem as pinturas acadêmicas, que in�uenciam nosso imaginário em
relação à história nacional. 

Nos próximos ciclos, adentraremos as questões especí�cas da história da arte,


nomeando os principais artistas e conhecendo as mais importantes criações
de cada um.
(https://md.claretiano.edu.br

/hisartartintartbra-gs0015-fev-2022-grad-ead/)

Ciclo 4 – Arte Moderna Brasileira

Maria Gabriela Mielzynska

Objetivos
• Conhecer o contexto histórico de surgimento do modernismo no Brasil.
• Compreender como se consolidou o modernismo no Brasil.
• Identi�car características do movimento modernista e seus principais
artistas no Brasil.

Conteúdos
• Chegada do modernismo ao Brasil.
• A semana de Arte Moderna de 1922.
• Artistas da primeira geração modernista.
• Arte moderna brasileira das décadas de 1930 até 1950.

Problematização
O que foi o movimento modernista brasileiro? Quais os principais represen-
tantes dessas ideias nas artes? Como as pinturas históricas brasileiras in�u-
enciam o imaginário popular? Quais são os principais artistas das décadas
de 1930, 1940 e 1950?

1. Introdução
Neste ciclo de estudos, abordaremos o contexto histórico do Brasil em que sur-
giu o movimento modernista. Advindo da Europa e sendo aculturado para a
realidade nacional, o modernismo pode ser divido em duas principais fases: a
primeira e a segunda geração.

2. Primeira Geração Modernista


De início, vamos entender o contexto histórico em que eclodiu o movimento
modernista no Brasil e como os artistas se organizaram para o evento da
Semana de Arte Moderna de 1922. Também veremos quais são os principais
artistas desse movimento.

Contexto Histórico
Ao longo da primeira década do século 20 e no início da década de 1910, o
Brasil, mais especi�camente a região sudeste, dava os primeiros passos da
sua industrialização.

Como sabemos, o Brasil era um país essencialmente agrário, dependente da


cultura do café. Porém, a �utuação dos preços do produto no mercado interna-
cional e as consequentes incertezas em relação ao futuro do negócio cafeeiro
�zeram que os grandes fazendeiros redirecionassem parte de seu capital para
a indústria.

Tendo em mente esta conjuntura, pareceria lógico que o Brasil, nas décadas de
1910 e 1920, efetivasse o seu caminho industrial, certo? Mas não foi isto o que
ocorreu.

Isso porque, com a Primeira Guerra Mundial, a hegemonia sobre toda a econo-
mia (incluindo-se aí a brasileira) passou para os EUA, que se tornaram então
nosso principal parceiro comercial. E esta parceria Brasil-EUA reavivou tre-
mendamente a lucratividade do negócio cafeeiro no Brasil, o que acabou atra-
sando a fase mais aguda da nossa industrialização.

Foi a Revolução de 1930 que proporcionou uma grande mudança de rumos na


política e na economia do país. Em termos econômicos, pode-se dizer que a
chegada de Getúlio Vargas ao poder se deveu ao colapso do modelo baseado
quase exclusivamente na cultura do café, colapso este acelerado, evidente-
mente, pela crise econômica mundial resultante da quebra da Bolsa de
Valores de Nova York em 1929.

Quebra da bolsa de valores de Nova York, em 1929


Crack ou a quebra da bolsa de valores de Nova York, em 1929, foi resultado do crescimento
in�ado e "não sustentável" da especulação �nanceira em cima da real prosperidade pela
qual passavam a indústria e toda a economia norte-americana na década de 1920.

Chegando à presidência da república por meio da Revolução de 1930, o gaúcho


de São Borja Getúlio Vargas (1882-1954) comandou o maior processo de mo-
dernização de nossa história. Em contrapartida, sempre apresentou um per�l
populista e autoritário. Comandou uma ditadura, passou por cima das liberda-
des individuais e teve em seu governo o cometimento de enormes violências
contra seus adversários políticos.

Sempre foi tido pelos aliados e adversários como uma verdadeira "raposa polí-
tica". Entretanto, o que o �nal de sua vida mostra foi mais do que isso: uma
mórbida genialidade. Suicidando-se em 1954, Vargas evitou um golpe de esta-
do (que acabaria acontecendo dez anos mais tarde) e tornou-se um dos gran-
des "heróis" do Brasil. Ou, como dizem as palavras da sua carta-testamento,
"deixou a vida para entrar na História" (Figura 4).

Como consequências do chamado crack, fortunas desapareceram, empresas


faliram, milhões de pessoas �caram desempregadas e um verdadeiro pesade-
lo econômico espalhou-se dos EUA para o resto do mundo. Isso se deveu ao to-
tal despreparo da economia mundial de então para esta primeira crise, por as-
sim dizer, "global".

Vejamos como a Revolução eclodiu. Em 1929, quando se esperava que o então


Presidente da República - o paulista Washington Luís (1869-1957) - indicasse o
governador de Minas Gerais como candidato da situação para o governo fede-
ral (lembremo-nos de que, na época, o candidato da situação sempre triunfava,
nem que fosse necessária a utilização de violência e de fraudes), ele não o fez,
contrariando a alternância no poder de paulistas e mineiros.

Em vez disso indicou outro paulista, o então governador de São Paulo Júlio
Prestes (1882-1946). O resultado foi a quebra da aliança entre São Paulo e
Minas Gerais, o alinhamento de Minas, Paraíba e Rio Grande do Sul e a indica-
ção de Getúlio Vargas para presidente, com o paraibano João Pessoa
(1878-1930) como vice, como alternativa à candidatura de Júlio Prestes.

Júlio Prestes foi eleito, mas a chamada "Aliança Liberal", comandada por
Vargas, não aceitou o resultado das eleições. Pouco depois, outros fatos (como
o assassinato de João Pessoa (Figura 1) - que ocorreu por questões locais da
Paraíba, mas foi evidentemente colocado pela oposição "na conta" do governo)
foram contribuindo para o clima de ebulição e, �nalmente, em outubro de 1930
teve início a revolução.

Figura 1 Primeira página de jornal noticiando o assassinato de João Pessoa, então presidente (o que chamaríamos ho-

je de "governador") da província (que hoje chamaríamos de "estado") da Paraíba.

Tropas do exército que aderiram à revolução, principalmente do Rio Grande do


Sul, começaram a marchar rumo ao Rio de Janeiro. Vale destacar que, mesmo
em outros estados, o movimento revolucionário era também apoiado por certa
facção do exército, facção esta que �cou genericamente conhecida como a dos
"tenentes", não necessariamente porque todos os seus adeptos eram tenentes,
mas devido à patente geralmente baixa e à juventude dos militares revolucio-
nários. Em diversos estados, os tenentes tomaram o poder pela força, depondo
forças aliadas ao governo federal. E, antes de um con�ito maior, foi dado o po-
der a Vargas (Figura 2).

Figura 2 Vargas ao lado de admiradores, aliados e tropas durante a Revolução de 1930.

Teve início, então, o maior surto de modernização que o Brasil já conheceu.


Ganharam força a industrialização do país, a urbanização e o estabelecimento
de conquistas como o crescimento da renda dos trabalhadores e, principal-
mente, um conjunto de leis trabalhistas que acabou se tornando a raiz do sis-
tema de seguridade social vigente até hoje no país (Figura 3).
Figura 3 Cartaz "populista" do governo

Vargas enaltecendo seu "amparo" às

classes trabalhadoras.

Em contrapartida, em nome das mudanças e reformas necessárias no Brasil,


tivemos sob Vargas um regime ditatorial sob cujo autoritarismo sucumbiram
grande parte das liberdades individuais.

Vargas manteve-se no poder até o �nal da Segunda Guerra Mundial. A sua


saída deveu-se, em parte, à própria vitória dos aliados (dos quais o Brasil fazia
parte) na guerra. Isto porque o Brasil lutara ao lado das "democracias" contra o
nazi-fascismo, mas não praticava a democracia em seu próprio governo.

Entrementes, o "projeto modernizante" inaugurado no Brasil na década de


1930 teve continuidade. Primeiro, com os signi�cativos avanços da nossa in-
dústria na década de 1940 e, depois, com a volta do próprio Vargas ao poder
em 1950, então por eleições diretas. Tal "projeto modernizante" teria alguns
anos mais tarde um de seus auges com a chegada de Juscelino Kubitschek ao
poder (Figura 5).
Figura 4 Primeira página do jornal "Última Hora" noticiando o suicídio

de Getúlio Vargas.
Figura 5 Capa da revista "Time" de fevereiro de 1956, tratando do gover-

no de Juscelino Kubitschek na presidência do Brasil.

3. A Chegada do Modernismo ao Brasil


No início do século 20, os jovens pintores e escultores brasileiros seguiam rígi-
dos padrões acadêmicos, implantados, pela Missão Francesa e que eram utili-
zados desde o século 19. É necessário lembrar que, nesta época, na Europa já
aconteciam os movimentos impressionista, expressionista, fovista e cubista,
entre outros.

As exposições de nomes como Pedro Alexandrino, Almeida Júnior e Benedito


Calixto não causavam surpresa. Mesmo Lasar Segall, que abordaremos mais à
frente, um pintor estrangeiro no Brasil da década de 1910 com uma bagagem
europeia de estilo expressionista, não marcou época, muito menos abalou o
meio artístico.

Havia também uma grande inconsciência do país em relação à sua própria


cultura, especialmente a cultura popular e mais ainda aquela das regiões mais
afastadas da capital de então, o Rio de Janeiro, principalmente entre a elite.
Outra di�culdade da época era São Paulo e Rio de Janeiro permanecerem ar-
tisticamente distantes entre si, mesmo em pleno século 20.

Contra isso lutava já em meados da década de 1910 Oswald de Andrade, que


por meio de sua publicação O pirralho propunha uma arte nacional moderna e
desvinculada do academicismo. E foi Oswald (Figura 6) um dos protagonistas
da eclosão do Modernismo no Brasil, eclosão esta que ocorreu a partir da cida-
de de São Paulo.

São Paulo era então a cidade mais moderna do país, modernidade esta simbo-
lizada, por exemplo, pela inauguração do Viaduto do Chá (Figura 7) e pela
abertura do Teatro Municipal, elaborado por grandes arquitetos e executado
pelo escritório de engenharia de Ramos de Azevedo.
Figura 6 Oswald de Andrade em meados da década de 1920.

Figura 7 O Viaduto do Chá (com o Teatro Municipal ao fundo) em 1911.


O motivo de a explosão modernista ter ocorrido em São Paulo e não em outra
parte do Brasil foi, em grande medida, a prosperidade oriunda do negócio ca-
feeiro que, tornou São Paulo o Estado mais rico do Brasil e a cidade de São
Paulo, a "casa" de uma elite endinheirada que pôde "�nanciar" e estimular
(mesmo que com muitas críticas, ressalvas e ilhas de grande conservadoris-
mo e provincianismo) a radicalidade modernista.

O "estopim do Modernismo" foi a exposição de Anita Malfatti de 1917. Neste


momento já surgia o grupo que mudaria tal cenário, do qual faziam parte o já
citado Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Di Cavalcanti e Ferrignac, que
abordaremos mais adiante, entre outros.

O grupo era chamado de "futurista", porque na época os acadêmicos brasilei-


ros denominavam de Futuristas todas as obras que não seguiam os padrões
estéticos convencionais. Mesmo para Oswald, entretanto, ser chamado de fu-
turista não signi�cava pertencer à escola italiana deste nome, mas a uma ten-
dência moderna e inovadora que rompia com as tradições.

A Exposição de Anita Malfatti


Tendo estudado nos EUA e na Europa com importantes nomes das vanguar-
das artísticas do início do século 20 e tendo, portanto, absorvido o que havia
de realmente novo no mundo das artes de então, a paulistana Anita Malfatti
voltou a São Paulo em 1916.

No ano seguinte, inaugurou a famosa Exposição de Pintura Moderna Anita


Malfatti. A artista já expusera trabalhos iniciais em São Paulo, em 1914.
Contudo, a mostra realizada em 1917 é que foi um verdadeiro marco na histó-
ria do Modernismo brasileiro.

A mostra contou com obras expressionistas, resultado de seus estudos no ex-


terior. Durante a primeira semana, houve boa presença de um público curioso
e 11 quadros foram vendidos. Mas um violento artigo do escritor e in�uente
crítico Monteiro Lobato, A propósito da exposição Malfatti - paranóia ou misti-
�cação, criou grande polêmica.
As Figuras 8 e 9 apresentam duas obras de Anita Malfati. Observe.

Figura 8 A estudante Russa, Anita Malfatti, 1915-16, 78 x 62 cm.

Figura 9 A boba, Anita Malfatti, 1915-16, 61 X 51,5 cm.


Lobato, que como sabemos foi um dos grandes gênios da literatura brasileira,
demonstrou em seu artigo total inépcia e falta de sensibilidade em relação aos
rumos que seriam tomados pela arte a partir de então. Defendeu uma posição
rigidamente conservadora, que via o estilo expressionista como uma despro-
positada distorção tanto da realidade quanto do que achava que deveria ser a
pintura em geral; além disso, misturou sua "cegueira" pictórica com opiniões
machistas e um tom agressivo, o que, segundo os modernistas, teria feito
Anita "fraquejar" em sua proposta e se voltar para uma pintura mais acadêmi-
ca. Entretanto, hoje, com uma releitura deste período por novos estudiosos, es-
te fato tem sido questionado.

Oswald de Andrade foi o único que defendeu a pintora de imediato. Em segui-


da, nomes como Emiliano Di Cavalcanti, Menotti del Picchia, Mário de
Andrade e Guilherme de Almeida, que lutaram pela modernização das artes
brasileiras, reconheceram o pioneirismo da pintora. A defesa de Anita só não
foi mais contundente porque ainda não se formara uma concepção clara da
arte moderna no Brasil. A crítica, e mesmo os artistas e intelectuais que pre-
gavam a necessidade de atualização, ainda não dominavam o vocabulário da
nova arte.

De qualquer forma, se por um lado a exposição provocou reações adversas co-


mo a de Monteiro Lobato, por outro serviu para conferir a Anita as atenções e
um certo papel de ponta entre os modernistas, que passaram a reconhecê-la
como pioneira. Observe na Figura 10 a obra O farol, de Anita Malfatti.
Figura 10 O farol, Anita Malfatti, 1915-1916.

4. A Semana de Arte Moderna de 1922


No início da década de 1920, surgiu em reuniões de artistas e membros da elite
paulistana a ideia da realização de uma semana de escândalos literários e ar-
tísticos, como forma de promover um début da Arte Moderna no Brasil. Tal
ideia foi adotada e �nanciada por alguns membros da elite, que alugaram o
Teatro Municipal de São Paulo para a realização e delegaram a concepção do
projeto a alguns dos expoentes modernistas, como Oswald e Mário de
Andrade e Di Cavalcanti.

Mário de Andrade é autor de obras como De Paulicéia desvairada a café (poe-


sias completas) e Macunaíma. Já Oswald de Andrade (Figura 11) é autor da
obra Caderno de poesia do aluno Oswald (poesias reunidas).
Figura 11 Foto reunindo integrantes da Semana de Arte Moderna (à frente de todos, sentado no chão, Oswald de

Andrade), 1922.

A semana foi realizada no mês de fevereiro de 1922. "Semana", aliás, é apenas


"modo de dizer", já que os eventos ocorreram nos dias 13 e 17 à noite e no dia 15
à tarde. Houve poesia, dança, música, artes visuais e discursos de fundo teóri-
co sobre a arte moderna. A Figura 12 mostra o primeiro dia da Semana de Arte
Moderna.

Figura 12 Programa do primeiro dia de eventos da Semana de Arte Moderna de 1922.

A Semana foi apresentada pela imprensa da época como "Semana Futurista".


Mas o que ela menos teve foram obras pertencentes a esta poética. O que pôde
receber a denominação de "futurista" foram as ações dos escritores e intelec-
tuais em torno do evento. Já antes da realização, saíram artigos nos jornais de
maior circulação da cidade anunciando o "grande evento artístico", e os mo-
dernistas souberam criar um clima de expectativa, de escândalo e de indigna-
ção nos tradicionalistas e no público em geral. Oswald de Andrade, por exem-
plo, publicou um artigo criticando Carlos Gomes, o grande mito da música bra-
sileira, e enaltecendo um ilustre desconhecido para o meio paulista da época:
Heitor Villa-Lobos, participante da Semana (Figura 13).

Figura 13 Anúncio para o concerto de Villa-Lobos na Semana de Arte Moderna de 1922.


A exposição de artes plásticas, no saguão do Teatro Municipal, era composta
por obras de nomes como Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Victor Brecheret,
Ferrignac e Vicente do Rego Monteiro, que veremos mais adiante.

Percebia-se na maioria das obras a vontade dos artistas de serem modernos.


Porém, isso não signi�cou que realmente o foram. Uma arte nova era proposta,
mas não necessariamente era mostrado o caminho para tal. A maioria dos
trabalhos apresentados não pode ser considerada modernista, e sim apenas
de tendência pós-impressionista. A exceção era o expressionismo das obras
de Anita, que continuava a chocar os olhos do público da época.

De qualquer forma, a grande contribuição das artes plásticas ao modernismo


brasileiro aconteceria em um período posterior à Semana de Arte Moderna de
1922, no primeiro momento fazendo-se necessário apenas o rompimento radi-
cal com o passado artístico acadêmico.

5. Artistas da Primeira Geração Modernista


Neste tópico, serão apresentados alguns aspectos relacionados aos artistas da
primeira geração modernista.

Anita Malfatti
Anita Malfatti (1889-1964) nasceu em São Paulo. Tendo seus contatos iniciais
com a arte acontecido ainda dentro de casa, em 1910 ela partiu rumo a Berlim
para completar sua formação.

Chegando à Alemanha, matriculou-se na Academia Imperial de Belas Artes.


Aos poucos foi se distanciando do academicismo, até que acontecesse em 1912
um fato "catalizador": o contato com obras de Picasso, Van Gogh e Munch,
além das de outros representantes do Cubismo, Fauvismo e Expressionismo.
Na volta a Berlim, uma maior liberdade no uso das cores e dos pincéis logo se
manifestou na arte da brasileira.

Depois de uma breve passagem por São Paulo em 1914, Anita foi estudar em
Nova York. O ambiente efervescente, para o qual colaborava a presença de ar-
tistas das vanguardas europeias que se refugiavam da Primeira Guerra
Mundial, auxiliou-a na adoção da gestualidade dramática, da distorção, da
fragmentação e da paleta quase fovista que acabariam por serem suas marcas.
Destacam-se nesta época retratos como A boba (Figura 9).

Depois da sua volta a São Paulo e da sua famosa exposição de 1917, na qual foi
violentamente criticada por Monteiro Lobato, Anita uniu-se ao grupo dos mo-
dernistas paulistas, sendo uma das participantes da mostra de Artes Plásticas
da Semana de Arte Moderna de 1922. Ainda em 1922, integrou o efêmero
Grupo dos Cinco, formado por ela, Tarsila do Amaral, Menotti del Picchia,
Mário e Oswald de Andrade. Observe na Figura 14 o retrato de Mário de
Andrade feito por Anita Malfatti.
Figura 14 Retrato de Mário de Andrade, Anita Malfatti.

A partir da década de 1930, a pintura de Anita foi tendendo aos poucos para
um impressionismo tardio, com temas religiosos, festas populares, paisagens
e �ores como seus motivos prediletos. Para compreender melhor o trabalho de
Anita, observe a Figura 15.

Figura 15 Natividade, Anita Malfatti, 65 x 81 cm.

Di Cavalcanti
Tendo começado como caricaturista, Emiliano di Cavalcanti (1897-1976) reali-
zou sua primeira exposição individual em 1922, momento em que já fazia par-
te do grupo modernista. Aliás, foi de Di a ideia inicial da Semana de Arte
Moderna, da qual foi criador do catálogo (Figura 17), do cartaz (Figura 16) e co-
ordenador das exposições.

Figura 16 Cartaz da Semana de Arte Moderna de 1922, Di Cavalcanti.


 Figura 17 Capa do catálogo da Exposição de Artes Plásticas da Semana

de Arte Moderna de 1922, Di Cavalcanti.

Em 1923, Di viajou para Paris, onde conheceu de perto as obras de Picasso,


Braque, Léger e dos expressionistas alemães. Ao retornar para o Brasil, voltou-
se para os dois grandes temas que dominariam a sua obra: a preocupação so-
cial e a mulher. As Figuras 18 e 19 demonstram duas das obras de Di
Cavalcanti.

Figura 18 Cinco moças de Guaratinguetá,

Di Cavalcanti, 1930, 92 x 70 cm.


Figura 19 Mulheres protestando, Di Cavalcanti, 1941.

Em 1937, o pintor retornou à Europa, numa permanência que se estendeu até


1940, quando voltou a residir em São Paulo. Iniciou-se, então, a fase da sua
maturidade artística. Observe na Figura 20 a obra Abigail, de Di Cavalcanti.
Figura 20 Abigail, Di Cavalcanti, 1947.

Victor Brecheret
O ítalo-brasileiro Victor Brecheret (1894-1955) transferiu-se para Europa em
1913, para estudar escultura. Em 1919, voltou a São Paulo, passando a fazer par-
te da primeira geração modernista e participando da Semana de Arte
Moderna de 1922.

Neste mesmo ano, além de ganhar a medalha comemorativa do Centenário da


Independência do Brasil, teve em suas mãos a encomenda do governo paulista
para a execução do Monumento às Bandeiras (Figura 21), a obra mais impor-
tante que nos deixou. Mas só mais de trinta anos depois viu o projeto transfor-
mado em realidade, pela ocasião do quarto centenário da cidade de São Paulo,
em 1954.
Figura 21 Monumento às Bandeiras, Victor Brecheret, 1954.

Bastante in�uenciado pela Art Deco e variando do monumental e mesmo do


gigantesco à delicadeza dos diminutos mármores e bronzes, Brecheret
caracterizou-se pela força expressiva de toda a sua obra, que tendia, ao mesmo
tempo, para o linear e o despojado, conforme demonstra a Figura 22. E, já na
sua última fase, descobriu a arte indígena brasileira, a qual pode ser constata-
da na Figura 23.
Figura 22 Obra de Brecheret tipicamente in�uenciada pela Art Deco: A carregadora de perfume, no Jardim da Luz, em

São Paulo.

Figura 23 Obra de Brecheret da fase mais in�uenciada pela cultura indígena: O índio e a suaçuapara, 1951.

Ferrignac
Inácio da Costa Ferreira (1892-1958), que �cou conhecido no meio artístico co-
mo Ferrignac, nasceu em Rio Claro, São Paulo. Começou sua carreira como ca-
ricaturista e formou-se em Direito. Logo depois, em meados da década de 1910,
viajou à Europa e tomou contato com as vanguardas, participando um pouco
depois da Semana de Arte Moderna de 1922. A Figura 24 demonstra uma das
obras de Ferrignac.
Figura 24 Índio, Ferrignac, 1929,

aquarela e nanquim, 20 x 18 cm.

Vicente do Rego Monteiro


Bastante in�uenciado pelas vanguardas europeias e pela Art Deco, Vicente do
Rego Monteiro (1911-1970), assim como Brecheret o fez na escultura, buscou
também trazer características da arte indígena para sua estética, como pode-
mos observar na Figura 25.
Figura 25 O atirador de arco, Vicente do Rego Monteiro, 1925, 65 x 81 cm.

Lasar Segall
O lituano Lasar Segall (1891-1957) foi um dos mais importantes nomes da pri-
meira geração da pintura modernista brasileira, abordando com seu estilo ex-
pressionista, além dos temas brasileiros, outros "universais" que, em geral, se
ligavam ao caráter social. As Figuras 26 e 27 apresentam duas das obras de
Lasar Segall. Observe.

Figura 26 Família, Lasar Segall, aquarela.


Figura 27 Bananal, Lasar Segall, 1927, 82 x 127 cm.

Ismael Nery
Ismael Nery (1900-1934) foi talvez o único representante da primeira geração
de modernistas brasileiros que possa realmente ter sido chamado de
Surrealista, corrente que adotou após passar pelo Expressionismo e pelo
Cubismo. Infelizmente, um desenvolvimento ainda maior da sua linguagem
artística foi interrompido pela sua morte prematura, devido a uma tuberculo-
se. A Figura 28 apresenta uma obra de Ismael Nery.
Figura 28 Nu no cabide, Ismael Nery, 1927, 55 x 46 cm.

Tarsila do Amaral
Tarsila do Amaral (1886-1973), nascida em Capivari, interior de São Paulo,
cresceu em fazendas de sua rica família, podendo, entretanto, misturar o "cal-
do" de cultura popular recebido na infância "caipira" com toda a efervescente
cultura europeia do início do século 20, adquirida em constantes viagens à
Europa.

Em 1913, estabeleceu-se em São Paulo e decidiu estudar pintura, ingressando


na escola de Pedro Alexandrino e, alguns anos depois, na Academia Julian, de
Paris, na qual pôde conhecer as obras dos dadaístas, futuristas e cubistas.
Quando regressou ao Brasil, em 1922, sua pintura ainda não re�etia totalmente
a in�uência das tendências modernas, mas isso logo ocorreria com a aproxi-
mação da artista com o grupo modernista de São Paulo, formado por Anita
Malfatti, Mário de Andrade, Menotti del Picchia e Oswald de Andrade (com
quem ela se casaria) etc. A Figura 29 representa uma das obras de Tarsila.
Figura 29 Retrato de Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, 1922.

Depois de amadurecer sua linguagem pictórica e de lançar, junto com seus


companheiros de movimento, as bases de uma linguagem pictórica modernis-
ta realmente brasileira, a partir da década de 1920, quando adotou uma pintura
de caráter mais social (representando muitas vezes a classe trabalhadora ur-
bana e rural), Tarsila foi "coroada" como um dos grandes nomes da pintura
brasileira do século 20.

Em meados da década de 1920, depois do primeiro "impacto" causado pela


Semana de 1922, os modernistas procuravam se aprofundar na busca de uma
linguagem brasileira. Isto deu início à fase chamada Antropofágica: especial-
mente Oswald de Andrade passou a produzir literatura e textos teóricos que
propunham uma "releitura" da antropofagia praticada pelos indígenas na épo-
ca do descobrimento: seríamos todos os brasileiros "culturalmente antropófa-
gos", devorando a cultura estrangeira e transformando-a em algo só nosso.

A Antropofagia, apesar de ter �cado marcada mais na poesia de Oswald e na


pintura de Tarsila, até hoje ecoa como grande "achado" estético e teórico da ar-
te brasileira. As Figuras 30 e 31 demonstram algumas obras de Tarsila.
Observe.
Figura 30 A negra, Tarsila do Amaral, 1923, 100 x 81,5 cm.

Figura 31 O abaporu (antropófago), Tarsila do Amaral, 1928, 85 x 73 cm.

O quadro O abaporu (antropófago) é uma espécie de "de�agrador" da fase an-


tropofágica do Modernismo brasileiro. Diz-se que foi uma grande inspiração
para Oswald de Andrade escrever seu famoso Manifesto Antropofágico, em
que eram colocadas as diretrizes da "antropofagia artística".
Além disso, a obra Operários é outro trabalho de Tarsila que pode observada
na Figura 32.

Figura 32 Operários, Tarsila do Amaral, 1933, 150 x 205 cm.

Cândido Portinari
Cândido Portinari (1903-1962) é considerado por muitos como o mais impor-
tante pintor brasileiro de todos os tempos e, se não o mais importante, ao me-
nos o mais popular e de maior repercussão internacional.

Nascido em Brodósqui (Figura 33), no interior de São Paulo, Portinari foi no �-


nal da década de 1910 para o Rio de Janeiro, onde estudou na Escola Nacional
de Belas Artes sob orientação de Rodolfo Amoedo, Batista da Costa e Rodolfo
Chambelland, entre outros. Viajando para o exterior na virada da década de
1920 para a de 1930, tornou-se, em 1935, o primeiro modernista brasileiro pre-
miado internacionalmente, quando recebeu um prêmio nos EUA pela obra
Café (Figura 34).

Figura 33 Brodósqui, Cândido Portinari, 1942.

 
Figura 34 Café, Cândido Portinari, 1935, 130 x 195 cm.

Passando ainda na década de 1930 a receber encomendas o�ciais para a con-


fecção de murais e painéis, Portinari, apesar de suas ideias políticas de es-
querda, expressas em diversas obras de caráter social, como as que represen-
tam retirantes nordestinos (Figura 35), tornou-se então o mais requisitado ar-
tista brasileiro para grandes encomendas governamentais.
Figura 35 Retirantes, Cândido Portinari, 1955, 33 x 32 cm.

Sua fama internacional também continuou crescendo nas décadas de 1940 e


1950, e a "coroação" de sua carreira internacional deu-se em 1956, quando fo-
ram inaugurados seus painéis intitulados de Guerra e Paz (Figuras 37 e 38), na
sede da ONU, em Nova York.

Observe na Figura 36 outra das obras de Cândido Portinari.

Figura 36 Painéis realizados por Portinari em azulejos, na Igreja de São Francisco de Assis no Conjunto Arquitetônico

da Pampulha, Belo Horizonte, 1944.


Figura 37 Painel "Guerra e Paz" - "Guerra", Portinari, 1952-56, 14 x 10,5

m, sede da ONU, Nova York.

Figura 38 Painel "Guerra e Paz" - "Paz", Portinari, 1952-56, 14 x 9,5 m,

sede da ONU, Nova York.

Guignard
Alberto da Veiga Guignard (1896-1962), apesar de ter nascido em Nova
Friburgo, Rio de Janeiro, cedo mudou-se para a Europa e iniciou sua formação
artística em Munique na Alemanha, passando depois alguns anos em Paris e
Florença.

A volta do artista ao Brasil ocorreu em 1929, quando a natureza tropical exube-


rante o fez reformular vários de seus conceitos pictóricos. Já na década de
1940, depois de ter dado início às suas atividades como professor na Escola
Nacional de Belas Artes, mudou-se para Belo Horizonte para coordenar a esco-
la de belas artes da cidade. Neste momento, invadiu a sua obra a temática mi-
neira (Figura 39).

Figura 39 Ouro Preto, Guignard, 1960, 40 x 50 cm.

Guignard permaneceu em Minas Gerais até o �nal de sua vida. Quanto ao fato
de o artista ser geralmente associado às paisagens, não podemos nos esquecer
de que permearam toda a sua obra também as naturezas-mortas, as �ores, os
temas religiosos, os autorretratos e os retratos. Um exemplo de seus autorre-
tratos pode ser conferido na Figura 40.
Figura 40 Auto-retrato, Guignard.

Flávio de Carvalho
Flávio de Carvalho (1899-1973) foi um dos mais versáteis artistas do
Modernismo brasileiro, tendo atingido êxito em vários âmbitos: como arquite-
to, pintor, desenhista, escultor e cenógrafo, por exemplo. A Figura 41 demons-
tra uma de suas obras.

Figura 41 Auto-retrato, Flávio de

Carvalho, 1965.
Natural de Barra Mansa, no Rio de Janeiro, foi com os pais ainda pequeno pa-
ra São Paulo e fez seu estudo superior na Inglaterra, onde se formou em Belas
Artes e também em engenharia. Além de seu trabalho como pintor, merece
destaque também seu grande talento como arquiteto.

Cícero Dias
Natural de Pernambuco, Cícero Dias (1907-2003) mudou-se em 1925 para o Rio
de Janeiro, matriculando-se na Escola Nacional de Belas Artes. No entanto, o
academicismo da escola desagradou Dias, que a abandonou em 1928. Entre
1925 e 1928, conheceu várias �guras centrais do Modernismo, como Mário de
Andrade, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade.

A produção deste período foi marcada por desenhos e aquarelas de certa ten-
dência surrealista. Ainda em 1928, Dias realizou sua primeira individual no
Rio de Janeiro, exposição que no mesmo ano foi levada ao Recife e a Escada,
sua cidade natal. Sua produção se tornou ainda mais famosa, tendo continua-
do até a década de 1970. Observe a Figura 42 para conhecer um pouco do tra-
balho de Cícero Dias.
Figura 42 Composição sem título, Cícero Dias.

Recomendamos que você assista aos vídeos indicados a seguir. Eles elencam
alguns fatos importantes relacionados à Semana de Arte Moderna de 1922.

 Pronto para saber mais?

◦ SEMANA DE ARTE MODERNA DE 1922 - 50 FATOS


(https://www.youtube.com/watch?v=mL-bzTBQ_80.) | Arte
Você Escolhe 1. Canal Patricia Camargo.

◦ SEMANA DE ARTE MODERNA DE 1922 - 50 FATOS


(https://www.youtube.com/watch?v=FezTWhwiB8s) | Arte
Você Escolhe 1 | Parte 2. Canal Patricia Camargo.

Pudemos perceber que o evento da semana de Arte Moderna de 1922 não foi
isolado, o que a torna um marco importante. Antes de sua realização, as ideias
modernistas já efervesciam entre os artistas e, após esse acontecimento, essas
ideias se multiplicaram, proporcionando aos artistas mais liberdade e apoio
para expor suas produções.

6. Segunda Geração Modernista


Após a consolidação do modernismo no Brasil, a partir da década de 1930, no-
vos grupos de artistas se formaram no país, o que fortaleceu o surgimento de
museus de arte moderna até o início das Bienais.
Conheceremos um pouco mais sobre esse processo e os principais artistas
desse período, a seguir.

As Décadas de 1930, 1940 e Início da Década de 1950


Nos anos que se estenderam do início da década 1930 ao �m da Segunda
Guerra Mundial, o Modernismo de�nitivamente consolidou-se no Brasil, tanto
nas artes plásticas quanto na arquitetura, na literatura e em outros campos.

Aliás, é interessante notar a grande correspondência entre as abordagens e as


temáticas modernistas na literatura e nas artes plásticas. Assim, se na década
de 1920 a chamada "Antropofagia" de Oswald de Andrade fora inspirada pela
pintura de Tarsila, nas décadas de 1930 e 1940, a temática social de pintores
como Portinari, por exemplo, foi bastante in�uenciada pela literatura de no-
mes como Graciliano Ramos.

No que concerne ao ensino de arte, houve também uma modernização. É dig-


na de nota, por exemplo, a rápida passagem do arquiteto Lúcio Costa pela dire-
toria da Escola Nacional de Belas Artes: Costa contratou professores "moder-
nistas" para diversas áreas e, no ano de 1931, trouxe o modernismo para a
Exposição Geral de Belas Artes, que foi apelidada naquele ano de Salão
Revolucionário.

Os con�itos entre modernistas e conservadores �zeram com que Costa �casse


pouco tempo à frente da Escola Nacional de Belas Artes, mas semearam a
aceitação do Modernismo pelos meios acadêmicos. Em 1940, foi criada a
"Divisão Moderna" da Exposição Geral de Belas Artes.

A "modernização", entretanto, não escondia a pouquíssima acessibilidade do


público e artistas brasileiros ao que se estava produzindo de mais moderno no
mundo. A aridez do panorama se traduzia, por exemplo, em um número ín�-
mo de exposições de vulto vindo do exterior para o Brasil e também na inexis-
tência por aqui, até meados da década de 1940, de museus de importância que
dessem espaço à arte moderna.

Por tudo isso, ou seja, pela falta de apoio e estrutura mínimos, fazia-se neces-
sário que os artistas se unissem em "cooperativas" para a discussão, difusão e
promoção do Modernismo. Foi o que gerou os agrupamentos de artistas, tais
como o Núcleo Bernardelli, a SPAM, o CAM e o Grupo Santa Helena.

A seguir, vejamos algumas especi�cidades de cada um desses agrupamentos


de artistas. Acompanhe.

Núcleo Bernardelli

O Núcleo Bernardelli, criado em 1931, reunia artistas descontentes com o ensi-


no acadêmico de arte no Brasil, por isso seu nome homenageava os irmãos
Bernardelli, Henrique e Rodolfo, que, quando mestres na Escola Nacional de
Belas Artes, se mostravam mais abertos do que os outros às inovações.

O grupo instalou-se nos porões da Escola Nacional de Belas Artes, mas em


1935 foi expulso de lá, devido às pressões dos mais conservadores na Escola.
Continuou suas atividades até 1942 e teve entre seus membros nomes como
Milton Dacosta, José Pancetti, entre outros. Vejamos um pouco sobre a obra
desses artistas.

Milton Dacosta

Milton Dacosta (1915-1988) foi um dos mais importantes modernistas da se-


gunda geração, ou seja, aqueles não contemporâneos à eclosão do
Modernismo brasileiro, em 1922.

Tendo estudado na Escola Nacional de Belas Artes, chegou a participar do


Núcleo Bernardelli e, depois de viajar para os EUA e para a Europa, retornou ao
Brasil no �nal da década de 1940, realizando obras �gurativas de formas geo-
metrizadas. Vejamos na Figura 43 uma das obras de Milton Dacosta.
Figura 43 Roda, Milton Dacosta, 1942.

Na década de 1950, teve uma fase abstracionista geométrica, mas na década


seguinte retornou à pintura �gurativa, ainda que fazendo uso de uma geome-
tria bastante aparente. Observe um pouco mais do trabalho de Milton Dacosta
nas Figuras 44 e 45.

Figura 44 Construção sobre fundo negro, Milton Dacosta, 1958, 27 x 22 cm.


Figura 45 Figura, Milton Dacosta, 1960, 24 x 19 cm.

José Pancetti

O campineiro José Pancetti (1904-1958), outro representante da segunda gera-


ção modernista brasileira, destacou-se pela técnica pictórica e pelo lirismo de
suas obras, entre as quais se destacam os retratos, as paisagens e, especial-
mente, as marinhas, como pode ser observado na Figura 46.
Figura 46 Marinha, Pancetti, 23 x 34 cm

A SPAM e o CAM
Em São Paulo, a movimentação em torno da arte moderna foi mais intensa do
que no Rio de Janeiro. Isso se re�etiu na formação de associações como a
SPAM e o CAM.

A Sociedade Pró-Arte Moderna - SPAM, que reunia nomes como Lasar Segall,
Anita Malfatti, Victor Brecheret e Tarsila do Amaral, entre outros, foi respon-
sável em 1933 por umas das mais importantes mostras do Modernismo inter-
nacional no Brasil nos anos 1930. Foram expostas obras de nomes como
Picasso, Brancusi, Gris, entre outros.

O Clube dos Artistas Modernos - CAM, liderado por Flávio de Carvalho e Di


Cavalcanti, criado em 1932, também funcionou como um importante ponto de
encontro e intercâmbio de artistas e intelectuais ligados às artes plásticas, à
música, à literatura e ao teatro.

Grupo Santa Helena


Já o Grupo Santa Helena, criado em 1934, reunia, basicamente, artistas imi-
grantes, sobretudo italianos ou seus descendentes, que sobreviviam com tra-
balhos artesanais.

Todos os integrantes passaram por outras pro�ssões que eram próprias da


condição proletária. Por exemplo, Alfredo Volpi começou como marceneiro,
entalhador e encadernador; Francisco Rebolo trabalhou com pintura de pare-
des e estuque; Mário Zanini, como letrista; Clóvis Graciano foi pintor de carro-
ças e funcionário de estrada de ferro; Fulvio Pennacchi foi, entre muitas coi-
sas, projetista de esculturas tumulares e professor de desenho.

O nome Santa Helena surgiu do Palacete (que já não existe mais) que abrigava
os ateliês, na Praça da Sé, em São Paulo. Inicialmente, não havia a ideia da cri-
ação de um movimento, mas por razões de identi�cação, quer por origem soci-
al, quer pela formação artística e artesanal, os integrantes do grupo acabaram
formando um círculo de amizade e de trabalho artístico.
A seguir, vejamos as características dos artistas que compunham este grupo.
Acompanhe.

Alfredo Volpi

Nascido em Lucca, na Itália, Alfredo Volpi (1896-1988) mudou-se ainda bebê


com os pais para São Paulo. Passando pelas pro�ssões de marceneiro, enta-
lhador e encadernador, tornou-se pintor e decorador na década de 1910, pas-
sando na década de 1930 a fazer parte do grupo Santa Helena.

Especializando-se inicialmente em marinhas, Volpi foi, ao longo da década de


1940, encantando-se cada vez mais com o tema da arquitetura colonial, tendo
isto se coadunado em sua obra com uma caminhada cada vez mais acelerada
para a abstração. A Figura 47 mostra uma das obras de Alfredo Volpi.

Figura 47 Vista panorâmica de Itanhaém, Alfredo Volpi.


No que concerne especi�camente à arte abstrata, o papel de pioneiro exercido
por Volpi fez que o artista fosse considerado um dos mestres do Concretismo,
movimento pictórico abstracionista surgido na década de 1950. De qualquer
forma, talvez possamos a�rmar que em poucas obras o artista tenha abraçado
o abstracionismo em um sentido estrito; isso porque, para suas incursões abs-
tratas, na maioria dos casos, Volpi manteve certa ligação com o Figurativismo,
fazendo uso de temas como suas famosas bandeirinhas. Observe as Figuras
48 e 49, as quais demonstram duas das obras de Alfredo Volpi.

Figura 48 Casas, Alfredo Volpi, 1953, 80,5 x 46 cm.


Figura 49 Bandeirinhas, Alfredo Volpi, 1958, 44,2 x 22,1 cm.

Francisco Rebolo

Francisco Rebolo Gonzáles (1902-1980), "sócio-fundador" do Grupo Santa


Helena, especializou-se em representar a cidade de São Paulo, suas redonde-
zas e paisagens em geral segundo uma linguagem modernista concisa e ex-
tremamente viva. Devemos, ainda, salientar uma curiosidade: o artista chegou
a ser jogador de futebol do Corinthians e foi ele o responsável pela versão do
distintivo do time que é usada até hoje, com os remos e a âncora (mesmo ten-
do a versão atual passado por revisões que re�naram seu design). As Figuras
50 e 51 apresentam duas obras de Francisco Rebolo.
Figura 50 Praça Clóvis, Rebolo, 1944, 66 x 77 cm.

 
Figura 51 Escudo do Sport Club Corinthians Paulista, Francisco Rebolo Gonzáles, 1940.

Mário Zanini

Mario Zanini (1907-1971) nasceu em São Paulo. De 1924 a 1926, frequentou o


Liceu de Artes e Ofícios, e depois da fundação do Grupo Santa Helena, em 1934,
participou de diversas exposições, individuais e coletivas.

Figura 52 Futebol, Mário Zanini, 60 x 73 cm.

Clóvis Graciano

Paulista de Araras, Clóvis Graciano (1907-1988) foi outro que começou sua vida
artística no Grupo Santa Helena. A paisagem, os desenhos com modelos vivos
e as naturezas-mortas eram temas obrigatórios de suas composições, cuja pa-
leta muito se assemelhava à de seus companheiros. Dentre as obras de Clóvis
Graciano, está a Dança das bandeirolas (Figura 53).
Figura 53 Dança das bandeirolas, Clóvis Graciano, 1943.

No entanto, aos poucos a linguagem artística de Graciano foi se singularizan-


do, na medida em que se manifestavam a primazia do desenho sobre a pintura
e seu interesse pela �gura humana. Graciano especializou-se, também, na
confecção de murais que decoram fachadas de vários prédios em São Paulo.
Observe uma destas obras na Figura 54.

Figura 54 Mural de Clóvis Graciano no Edifício Nações Unidas, na Avenida Paulista, em São Paulo, 1959.

Fulvio Pennacchi
Fulvio Pennacchi (1905-1992) nasceu na Itália, ali iniciando sua formação ar-
tística. Chegou ao Brasil em 1929 e passou então a trabalhar como ceramista,
pintor e professor de desenho, integrando nas décadas de 1930 e 1940 o Grupo
Santa Helena. Os temas preferidos de Pennacchi eram os relativos à Bíblia,
mas havia também um enorme gosto pelos temas "caipiras" brasileiros, em
obras que representavam as festas populares e as pessoas do interior, como
mostra a Figura 55.

Figura 55 Festa de São João, Fulvio Pennacchi, 10 x 17 cm.

Os museus
Até meados da década de 1940, o Brasil sofria de grande carência de museus.
E, no caso de museus que se prestassem a exibir obras de arte moderna, esta
carência era ainda maior. Por isso, como já vimos, grande parte dos artistas
brasileiros que puderam desenvolver uma linguagem modernista só conse-
guiu ter contato com a arte moderna internacional por meio de viagens ao ex-
terior.

No Brasil, a possibilidade de apreciação de obras de vulto, especialmente mo-


dernista, dependia da boa vontade de agrupamentos de artistas na organiza-
ção de exposições esporádicas que trouxessem obras dos EUA e, especialmen-
te, da Europa.

Este cenário começou a mudar na década de 1940, com o aparecimento do


Museu de Arte de São Paulo, do Museu de Arte Moderna de São Paulo e do
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. A seguir, vejamos sobre cada em
deles.

O MASP

O Museu de Arte de São Paulo - MASP (Figura 56) foi o primeiro grande museu
"moderno" do Brasil. Fundado em 1947, teve como seu grande mecenaso jor-
nalista AssisChateaubriande como diretor, Pietro Maria Bardi.

Figura 56 Foto recente do MASP.

O museu foi inicialmente instalado no prédio dos Diários Associados, em São


Paulo, e somente em 1967 passou a contar com sede própria: o edifício de Lina
Bo Bardi, que ocupa os locais do antigo Trianon, na Avenida Paulista.

Parque do Trianon
O Parque do Trianon, chamado de Parque Tenente Siqueira Campos, foi inaugurado em
1892, junto com a abertura da Avenida Paulista. O apelido de "Trianon" deve-se a ter havido
na frente do parque nas primeiras décadas do século 20, onde hoje se encontra o MASP, o
Belvedere Trianon, construção projetada por Ramos de Azevedo do qual se via todo o Vale
do Anhangabaú. Em 1957, o Belvedere Trianon foi demolido para dar lugar ao MASP (Figura
57).

Figura 57 O MASP em construção, na década de 1960.

O MAM-SP

O Museu de Arte Moderna de São Paulo surgiu como uma organização de ca-
ráter privado, em meados de 1948, embora sua exposição de abertura tenha
ocorrido apenas em março de 1949. Em seu início, o MAM (Figura 58) depen-
dia muito das coleções particulares de Francisco Matarazzo Sobrinho, um de
seus fundadores. Posteriormente, foi ganhando força e passando a abrigar um
dos maiores acervos de arte moderna e contemporânea da América Latina. O
edifício que hoje cedia o Museu, na marquise do Parque do Ibirapuera, em São
Paulo, foi inaugurado em 1968.

Parque do Ibirapuera
Considerada uma das mais importantes áreas verdes de São Paulo, o Parque do Ibirapuera
foi inaugurado por ocasião das comemorações do IV Centenário da fundação da cidade de
São Paulo, em 1954. Possui uma área de 1,6 milhões de m² e no seu interior encontram-se
importantes prédios públicos, vários museus, jardins, lagos e espaços esportivos.

Figura 58 O MAM-SP.

O MAM-RJ

O MAM do Rio de Janeiro foi inaugurado em janeiro de 1949, em condição de


precariedade: não possuía acervo e as instalações resumiam-se a duas salas
na sede de um banco.

Entretanto, apoiado pelos artistas, o MAM-RJ (Figura 59) se tornaria ponto


obrigatório de referência no meio cultural carioca, promovendo exposições,
cursos e eventos culturais. Deve-se destacar também o seu edifício-sede, pro-
jetado por Affonso Eduardo Reidy na década de 1950.
Figura 59 O MAM-RJ.

As Bienais

A 1ª Bienal de São Paulo (Figura 60) foi inaugurada em 20 de outubro de 1951.


A ideia partiu de Ciccillo Matarazzo e, antes de ter sua sede própria no Parque
do Ibirapuera, a primeira edição foi realizada no Trianon, na Avenida Paulista.
Lá foi construído um pavilhão que foi apelidado de "caixotão".
Figura 60 Cartaz da Primeira Bienal

Internacional de São Paulo.

O dinheiro para a realização da mostra saiu na sua maior parte do bolso de


Matarazzo, com alguma colaboração dos governos municipal, estadual e fede-
ral. Já a segunda edição contou com maior colaboração do dinheiro público,
devido às comemorações do IV Centenário da cidade de São Paulo, em 1954.

No catálogo da 1ª Bienal, justi�cava-se a necessidade da realização de uma


mostra de arte internacional no Brasil. Segundo o texto, a cidade de São Paulo
havia crescido e, consequentemente, havia aumentado o número de artistas e
o público interessado em arte moderna. O MAM surgira como núcleo de estí-
mulo para as criações artísticas nacionais, mas logo se fez necessário ampliar
a discussão para um contexto internacional.

O grande modelo para a Bienal de São Paulo foi a Bienal de Veneza (a Bienal
de São Paulo importou de Veneza o modelo de exposição internacional
dividindo-se por países) e houve um acordo bilateral de intercâmbio do MAM-
SP com o MoMA de Nova York, que ajudou na realização da mostra.

MoMA
O Museum of Modern Art - MoMA foi fundado em 1929. Pouco depois já era o mais famoso
e frequentado museu de Nova York, possuindo uma coleção que rapidamente se tornaria
uma das mais importantes do mundo.

A primeira Bienal foi um grande sucesso. A segunda (Figura 61), inaugurada


em dezembro de 1953 e durando até fevereiro de 1954, foi um sucesso ainda
mais surpreendente, contando com a presença de alguns dos maiores nomes
da arte moderna internacional.
Figura 61 Cartaz da Segunda Bienal

Internacional de São Paulo.

Bienal de Veneza
Ocorrendo desde 1895, a Bienal de Veneza é até hoje a principal mostra periódica de arte do
mundo.
As primeiras edições deram mais destaque às Artes Decorativas, mas tal destaque foi aban-
donado especialmente a partir de 1907, quando começaram a ser utilizados os pavilhões in-
ternacionais, cada um representando um dos países participantes.
Depois da Primeira Guerra Mundial, a mostra passou a ser uma das grandes "vitrines mun-
diais" da Arte Moderna e, a partir dos anos 1950, tudo o que surgiu de mais inovador nas
Artes Plásticas passou por ali.

Sugerimos, agora, que você dê uma pausa na leitura e re�ita sobre sua apren-
dizagem realizando a questão a seguir.

7. Considerações
Conforme estudamos neste quarto ciclo, o modernismo brasileiro foi um mo-
vimento de vanguarda que alterou os rumos da história da arte, como aconte-
ceu na Europa e foi a porta de entrada para as manifestações abstratas e con-
ceituais, que estudaremos no próximo ciclo.
(https://md.claretiano.edu.br

/hisartartintartbra-gs0015-fev-2022-grad-ead/)

Ciclo 5 – Arte Contemporânea Brasileira

Maria Gabriela Mielzynska

Objetivos
• Conhecer o contexto histórico da segunda metade do século 20.
• Compreender as ideias dos artistas concretistas e neoconcretistas.
• Identi�car as características do início da arte contemporânea no Brasil.

Conteúdos
• Concretismo e neoconcretismo.
• Pop Arte e arte conceitual no Brasil.
• Poéticas dos artistas brasileiros das décadas de 1960 até o ano 2000.

Problematização
O que foi o Concretismo e o Neoconcretismo brasileiros? Quais são os princi-
pais artistas das décadas de 1970, 1980 e 1990 no Brasil? Quais os impactos do
Modernismo no Brasil? Como as in�uências de ideias estrangeiras foram as-
similadas por nossos artistas? Como se deu o surgimento da arte pós-
moderna no mundo? Como surge a arte no Brasil? Como se dá a formação da
arte pós-moderna no Brasil?

1. Introdução
A arte contemporânea no Brasil, assim como nos demais períodos que estuda-
mos, importou ideias europeias e também estadunidenses. Porém, na contem-
poraneidade, os artistas já não possuem mais a necessidade de agruparem-se
a �m de buscar a�rmação para suas ideias em relação à arte. É possível perce-
ber isso a partir do estudo das poéticas pessoais de cada artista, pois eles bus-
cam satisfazer uma necessidade individual ou coletiva do ser humano e não
restrita a um grupo especí�co de artistas, como no modernismo. A contempo-
raneidade é marcada por ideias e formas singulares, materiais diversi�cados e
propostas inovadoras.

2. Contextualização do Concretismo e
Neoconcretismo
Iniciaremos o estudo deste último ciclo conhecendo o contexto histórico bra-
sileiro na segunda metade do século 20. A partir desse estudo, é possível iden-
ti�car como as ideias do Abstracionismo Concreto e Neoconcreto se difundi-
ram, marcando assim o �nal do chamado Modernismo em transição à con-
temporaneidade.

Porém, antes de continuarmos com nosso estudo, enumeramos, a seguir, mú-


sicas, �lmes e um vídeo, para que você aprofunde seu arcabouço teórico e cul-
tural.

Indicações importantes
Os anos JK – uma trajetória (1980): para saber mais sobre JK, recomendamos que você as-
sista a este �lme, de Silvio Tendler, lançado em DVD pela Versátil Home Video.
Terra em Transe (1967): �lme que trata da ebulição política de Eldorado (país �ctício obvia-
mente inspirado no Brasil) em momento de grande luta envolvendo direita, esquerda, políti-
cos, artistas e todas as forças da sociedade. O �lme dialoga muito, direta, indireta e metafo-
ricamente, com o golpe de 1964 e é "profético" em relação à repressão ainda maior que viria
a partir de 1968.
Assista ao vídeo Aguilar e Banda Performática - Corações, uma antológica e, para muitos,
inusitada e esquisita apresentação.
O álbum Tropicália (1968) é um disco manifesto do movimento de mesmo nome no qual
participaram Caetano, Gil, Gal Costa, Tom Zé, os Mutantes e Nara Leão, entre outros. Vale a
pena ouvi-lo.
Podemos dizer que seria criminoso indicar apenas alguns discos ou canções entre os tan-
tos(as) produzidos com maestria pela Bossa Nova.  Procure você mesmo o que mais lhe
agrada. Pode-se abrir exceção apenas para algumas obras-primas maiores, como o álbum O
amor, o sorriso e a �or, de João Gilberto. Mas, ouça com atenção: trata-se de um tipo de mú-
sica que, se apreciada com cuidado, revela com beleza e lirismo o que há de mais delicado
na cultura brasileira.
Contexto Histórico
Como já estudado, o cenário externo produzido pela vitória dos aliados, apoia-
dos pelo Brasil, e da democracia sobre o Nazi-fascismo na Segunda Guerra
Mundial reverberou no cenário interno brasileiro, que também pedia mudan-
ças. Teve ensejo, então, o �m da ditadura de Getúlio Vargas, com eleições dire-
tas em 1945, e foi eleito para a presidência Eurico Gaspar Dutra.

O governo Dutra, indo numa direção contrária à do populismo getulista, pri-


mou pelo saneamento das contas do Estado, promovendo um desaceleramen-
to na industrialização do país. Nas eleições de 1950, porém, Vargas
candidatou-se à presidência da república e obteve uma vitória esmagadora.

No novo governo Vargas, tornou-se ainda mais acirrada a disputa entre


nacionalistas-desenvolvimentistas (as correntes mais à esquerda) e aqueles
que viam o projeto nacionalista como perigosamente “esquerdista” (a elite).
Lembremo-nos também de que na década de 1950 não apenas o Brasil, mas
todo o mundo se dividia ideologicamente, espelhando o auge da Guerra Fria.

Em 1953-1954, o acirramento das disputas políticas começou a gerar uma in-


sustentável instabilidade no governo, até que a situação culminasse no suicí-
dio de Vargas com um tiro no peito no dia 24 de agosto de 1954.

Tal acontecimento acabou virando a situação política no avesso daquela em


que o país se encontrava até então. A comoção nacional imediatamente tor-
nou os críticos do governo os “assassinos de Getúlio”, e com isso abriu-se ca-
minho para a eleição do também desenvolvimentista Juscelino Kubitschek
em 1955.

JK era um político “à moda mineira”, ou seja, um conciliador. Tal habilidade


tornou possível seu projeto modernizante ainda mais radical do que aquele
empreendido por Vargas, projeto este coroado com a inauguração de Brasília
em 1960. As Figuras 1, 2 e 3 mostram desde o plano urbanístico de Brasília até
a construção do Congresso Nacional, acompanhe:
Figura 1 O famoso plano urbanístico em formato de avião, realizado para Brasília por Lúcio Costa.

Figura 2 A Praça dos Três Poderes sendo construída.


Figura 3 O Congresso Nacional sendo construído.

Devemos salientar que, durante a presidência de JK, o Brasil encontrou-se em


um momento de grande otimismo, para o qual contribuiu não apenas o cresci-
mento econômico, mas também, nos esportes, conquistas como a da Copa do
Mundo de 1958 e, no campo da cultura, movimentações marcantes como a que
resultou no surgimento da Bossa Nova. Por isso, Juscelino �cou conhecido co-
mo o “Presidente Bossa Nova”. Vejamos na Figura 4 alguns dos principais no-
mes da Bossa Nova.
Figura 4 Reunião de alguns dos principais nomes da Bossa Nova: da esquerda para a direita: Tom, Vinícius, Bôscoli,

Roberto Menescal e Carlinhos Lyra.

No ano de 1960, foi eleito como novo presidente Jânio Quadros, que teve como
seu primeiro “pepino” a quebra das �nanças estatais herdada de JK. Logo fo-
ram tomadas medidas econômicas impopulares, e isto, aliado à maneira ex-
tremamente autocrática e às vezes até bizarra de governar de Jânio, não con-
tribuiu para a sua popularidade.

Demonstrando inépcia na negociação política e acusando o Congresso de


impedi-lo de governar, Jânio renunciou ao seu mandato apenas sete meses
depois de ter tomado posse (Figuras 5 e 6), levado pela crença de que voltaria
ao poder “nos braços do povo”, com poderes extraordinários e podendo gover-
nar ditatorialmente. No entanto, o Congresso aceitou sua renúncia, o povo não
saiu às ruas para pedir a sua volta e sua jogada política foi um dos maiores �-
ascos da História do Brasil.
Figura 5 A carta de renúncia de Jânio.

Figura 6 Capa de revista abordando a renúncia de Jânio.

Jânio foi sucedido por João Goulart (1919-1976), o “Jango”, seu vice, que demo-
rou para assumir a presidência com plenos poderes. Isto porque a elite do país
temia suas tendências esquerdistas, ainda mais no cenário de acirradas dis-
putas ideológicas da década de 1960. Isto fez que Jango se tornasse presidente,
mas, após tomar medidas de cunho esquerdista, foi deposto pelo golpe militar
de 1964 (Figuras 7 e 8).
Figura 7 Em março de 1964, Jornal do Brasil noticia medidas de Jango tidas como "esquerdistas" pelos conservadores

e que serviriam de estopim para o golpe de 1964.

Figura 8 Militares saem às ruas da capital e das principais cidades do país no golpe de 1964.

Culturalmente, a década de 1960 foi, entretanto, uma das mais ricas da


História do Brasil. No cinema, tivemos o Cinema Novo, em que jovens politiza-
dos muito in�uenciados pelo cinema europeu, especialmente pelo
Neorealismo Italiano, conseguiram, com parcos recursos (e fazendo bom uso
disso), sair dos estúdios para as ruas e para o interior do país, mostrando ao
Brasil um Brasil que o próprio país não conhecia. Entre esses jovens,
destacou-se Glauber Rocha, tido como um dos grandes nomes da história do
cinema no século 20. Vejamos nas Figuras 9 e 10 cartazes de alguns �lmes de
Glauber Rocha.

Figura 9 Cartaz de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, �lme de Glauber

Rocha..
Figura 10 Cartaz do �lme “Terra em Transe”, de Glauber Rocha.

Na música, surgiram aqueles que até hoje são os grandes nomes vivos da
MPB: Chico Buarque de Hollanda, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Roberto Carlos,
entre vários outros. Chico caracterizou-se pelas letras riquíssimas combina-
das a uma musicalidade bossanovista; Roberto por uma linguagem bastante
popular, muito in�uenciada pelo rock n’ roll; Caetano e Gil, por incorporarem a
elementos tipicamente brasileiros a energia da guitarra elétrica e do rock, o
que os tornou por algum tempo alvo das críticas dos setores mais “puristas” da
nossa música.

Gil e Caetano foram, inclusive, responsáveis por um movimento que dialogou


muito com as artes plásticas, em especial a Arte Pop: a Tropicália (Figura 11). O
nome “Tropicália”, aliás, foi inspirado em uma instalação de Hélio Oiticica.
Figura 11 Gil e Caetano na época do movimento tropicalista.

O primeiro presidente militar do Brasil foi Castelo Branco (1897-1967), que pro-
moveu a estabilização da economia, e foi sucedido por Costa e Silva
(1899-1969). Durante o governo de Costa e Silva, as tensões políticas chegaram
ao seu clímax. Percebendo que os militares acabariam se perpetuando no po-
der – ao contrário do que haviam prometido – e fazendo uso da relativa liber-
dade de expressão ainda existente, as esquerdas partiram para a pressão total
contra o governo.

Na esteira de movimentos encabeçados por estudantes, intelectuais e líderes


trabalhistas em todo o mundo, foram organizadas enormes passeatas, como a
“Passeata dos Cem Mil” (Figura 12), no Rio de Janeiro, e protestos contra o go-
verno, já então chamado de “ditadura”. Isto fez que os militares decretassem,
em dezembro de 1968, o famigerado Ato Institucional número 5 (Figura 13), que
extinguia de vez os resquícios de democracia, a liberdade de expressão e a
possibilidade de dissidência política no país.
Figura 12 Passeata dos Cem Mil.

Figura 13 Primeira página do Jornal do Brasil anunciando o AI-5.

Paralelamente, o cenário econômico era altamente favorável. O programa de


estabilização inaugurado logo após o golpe conseguiu reduzir a in�ação e, a
partir de 1968, a economia começou a crescer com velocidade espantosa. Tal
“boom” inaugurou o período batizado de “milagre econômico”, vivido especial-
mente durante o governo de Emílio Garrastazu Médici (1905-1985).
Enquanto centenas de pessoas, adeptas ou não da luta armada contra a dita-
dura, eram presas e torturadas, a taxa média de crescimento da economia bra-
sileira, de 1968 a 1974, ultrapassou os 10% ao ano (índice próximo dos espanto-
sos números atuais da economia chinesa).

Em contrapartida, o tal “milagre econômico” aumentou as desigualdades soci-


ais; encheu as cidades, que não puderam arcar com a infraestrutura necessá-
ria para um crescimento populacional tão rápido; e fez que a economia do país
“desmoronasse” na segunda metade da década de 1970, com as crises do pe-
tróleo e a disparada dos juros internacionais, o que tornou o Brasil um país
sem crédito e altamente endividado.

Tal cenário acelerou a chamada “abertura política” e a saída de cena da dita-


dura, iniciada no governo de Ernesto Geisel (1907-1996). O processo foi com-
pletado por João Figueiredo (1918-1999).

Em 1982, aconteceram eleições diretas para governador; e, em 1984, ocorreu o


movimento conhecido como “Diretas Já” (Figura 14), que defendia as eleições
diretas para presidente no ano seguinte. O movimento pelas diretas não obte-
ve êxito, mas o presidente seguinte a ser eleito, pelo Congresso, foi um civil,
Tancredo Neves (Figura 15).
Figura 14 Vista da Praça da Sé (São Paulo) durante comício pelas "Diretas Já", em 1984.

Figura 15 Tancredo Neves discursando logo após ser eleito presidente da República pelo Congresso Nacional, em ja-

neiro de 1985.

Tancredo, �gura de grande habilidade política, era, sem dúvida, uma ótima es-
colha para guiar o “renascimento” da democracia brasileira. No entanto, pro-
blemas de saúde, vindos a público apenas no dia da posse, em 15 de março de
1985, impediram-no de iniciar seu governo, fazendo-o passar por várias cirur-
gias até a sua morte em 21 de abril do mesmo ano. Quem tomou posse foi José
Sarney, nascido em 1930, maranhense oriundo das antigas e poderosas oligar-
quias nordestinas e ex-membro da ARENA (partido de apoio aos militares), co-
locado como vice na chapa de Tancredo para compor uma “coalizão”.

Em 1986, surgiu, como tentativa de solucionar os problemas da economia bra-


sileira, o Plano Cruzado. Em parte, devido à inabilidade política do governo, o
plano fracassou, o que fez com que o país tivesse altos índices de in�ação até
o surgimento do Plano Real, na década seguinte.

Em 1989, depois de quase trinta anos sem eleições diretas para Presidente da
República, foi eleito Fernando Collor de Melo, nascido em 1949, político jovem
surgido em Alagoas com a promessa de exterminar a corrupção. Observe na
Figura 16 a imagem de um debate entre Collor e Luiz Inácio Lula da Silva.

Figura 16 Fotogra�a do último debate televisivo antes do segundo turno da eleição presidencial de 1989, envolvendo

Collor e Luiz Inácio Lula da Silva.

Paradoxalmente, Collor revelou-se corrupto, de tendência ditatorial e afundou


ainda mais a economia do país. Foi retirado do poder por impeachment no �-
nal de 1992 e substituído por Itamar Franco (nascido em 1930), no governo de
quem teve início a estabilização da economia promovida pelo grupo de inte-
lectuais e tecnocratas liderados por Fernando Henrique Cardoso, que seria
eleito presidente em 1994 e reeleito em 1998. Observe na Figura 17 estudantes
reivindicando o impeachment de Fernando Collor.
Figura 17 Estudantes (chamados de “caras pintadas”) reivindicando em passeata o impeachment de Fernando Collor.

3. Concretismo e Neoconcretismo
No �nal da década de 1940, a arte brasileira ainda tinha a �gura humana como
tema predominante de suas obras. Quanto aos estilos, apesar da presença de
vários deles, o Expressionismo foi o mais utilizado. Muitos dos artistas ex-
pressavam uma preocupação social, muitas vezes mostrando engajamento,
como, por exemplo, Portinari. Este período, que marcaria a consolidação da ar-
te moderna na sociedade brasileira, traria, porém, uma inovação para o país: a
chegada do Abstracionismo.

Já depois da Segunda Guerra, se alguns artistas brasileiros ainda se encontra-


vam muito agregados à questão �gurativa, que foi repensada com a abertura
dos primeiros museus brasileiros com obras de arte moderna e com a Bienal
de São Paulo, o Abstracionismo já começava a �orescer por aqui com força e,
desde o início, com uma certa tendência à geometrização.

Na 1ª Bienal, por exemplo, a obra denominada Unidade Tripartida (1948-1949),


do escultor suíço Max Bill, criou grande impacto (Figura 18). Nesta obra, a arte
mostrava seu envolvimento de�nitivo com a técnica da sociedade industrial,
tornando-se uma arte elaborada com o auxílio de regras matemáticas e obras
com formas geométricas.

Figura 18 Unidade Tripartida, Max Bill.

Aos poucos foi criado então o cenário para o surgimento de um dos mais im-
portantes movimentos da arte brasileira: o Concretismo.

O Concretismo foi um movimento internacional, dando-se este nome ao con-


junto de algumas das tendências do abstracionismo geométrico do pós-
Segunda Guerra. Defendia a geometrização, a colocação do artista como um
“operário da estética” e a ligação da arte com o design e a indústria.
Entretanto, no Brasil o movimento ganhou contornos próprios e grande con-
sistência estética, e foi responsável pela renovação do nosso universo artísti-
co.

Aos poucos, a Arte Concreta foi se “colando” ao panorama artístico nacional e,


mais do que isso, passou a dominá-lo. Com isso, assim como o
Expressionismo Abstrato marcara a arte moderna dos Estados Unidos, a Arte
Concreta foi se rati�cando como um importante marco no Brasil. Isto se uniu
à situação de termos passado, nas décadas de 1950-1960, por um período de
grande desenvolvimento, especialmente, nos anos do governo de Juscelino
Kubitschek.

O Concretismo brasileiro espelhava esta atmosfera. Irradiava modernidade,


internacionalismo e ganhava terreno como a promessa de uma “nova” visuali-
dade para um “novo” país.

O caminho para a aceitação do Concretismo em todos os setores da arte brasi-


leira, porém, não foi simples. A arte �gurativa, ou seja, aquela ligada à repre-
sentação de �guras e formas reconhecíveis, tinha como seus defensores mui-
tos dos “medalhões do Modernismo”, que se apresentavam abertamente resis-
tentes às experiências abstratas, como, por exemplo, divulgando manifestos e
publicações que atacavam o Concretismo.

De qualquer maneira, durante a década de 1950, o Concretismo foi se consoli-


dando como a promessa da construção do novo, com sua linguagem livre de
contextos especí�cos e de um excesso de subjetividade, liberando a arte de
questões externas a ela mesma, estabelecendo sua autonomia e suas necessi-
dades formais e construtivas.

Concretismo X Neoconcretismo
O Concretismo brasileiro teve início nos primeiros anos da década de 1950,
contando com artistas, especialmente do Rio de Janeiro e de São Paulo. Em
São Paulo, formou-se em 1952 o Grupo Ruptura (Figura 19), pelos nomes que
formariam o “núcleo duro” do Concretismo Paulista e que desde o �nal da dé-
cada anterior vinham realizando obras ligadas ao abstracionismo geométrico.
Entre eles estavam Luiz Sacilotto (Figura 20), Waldemar Cordeiro (Figura 21),
Geraldo de Barros e alguns outros.
Figura 19 O Manifesto Ruptura.
Figura 20 O Concreção, Luiz Sacilotto, 1952, 60 x 60 cm.

 Figura 21 Movimento, Waldemar Cordeiro, 1951.

No Rio de Janeiro, foi formado o Grupo Frente, por nomes como Aluísio
Carvão, Ivan Serpa, Lygia Clark, Lygia Pape e Hélio Oiticica. Durou pouco tem-
po, de 1954 a 1956, mas foi o embrião do agrupamento que daria origem ao
Neoconcretismo.

Vejamos nas Figuras 22 e 23 algumas das obras deste movimento.


Figura 22 Sem título, Aluísio Carvão, 1956.

Figura 23 Plano em superfícies moduladas nº2, 1956, 90 x 75 cm.

Os dois grupos conviveram e comungaram basicamente do mesmo corolário


estético até depois da metade da década de 1950, participando juntos, por
exemplo, da Primeira Exposição Nacional de Arte Concreta (Figura 24), ocorri-
da em dezembro de 1956, no MAM-SP, e em fevereiro de 1957, no Ministério da
Educação e da Cultura no Rio de Janeiro.

Figura 24 Cartaz da edição paulista da Primeira Exposição Nacional de Arte Concreta.

No entanto, os textos e manifestos produzidos por paulistas e cariocas foram


separando cada vez mais os gostos e as tendências dos dois grupos. Os con-
cretistas paulistas, muitos deles ligados também ao design e à indústria,
mostravam-se mais �éis aos teóricos da Arte Concreta Internacional; e eram,
em aspectos gerais, mais doutrinários e rigorosos, estética e teoricamente do
que seus colegas cariocas.

Estes defendiam uma maior experimentação e uma maior presença do ele-


mento intuitivo, acusando os paulistas de terem se perdido em um excessivo
“cienti�cismo”. Fundaram então, em 1959, o Neoconcretismo (Figura 25) se-
gundo suas ideias dissidentes e como um tipo de reação à “padronização”.

Figura 25 Capa de Suplemento Dominical do Jornal do Brasil contendo o “Manifesto Neoconcreto”, 1959.

De qualquer forma, é interessante percebermos hoje, já distanciados no tempo,


o quanto as polêmicas entre concretos e neoconcretos, paulistas e cariocas,
talvez tenham se devido tanto às disputas “bairristas” quanto à arte propria-
mente dita.

Vejamos, agora, um pouco mais sobre os principais artistas concretistas e ne-


oconcretistas, individualmente.

Waldemar Cordeiro

Aprisionar a ideia em formas pictóricas, pintar o mundo abstrato dos concei-


tos no qual não existem emoções, onde tudo é asséptico: parece ter sido a in-
tenção da arte de Waldemar Cordeiro (1925-1973). O artista, nascido na Itália,
chegou a São Paulo em 1946 e acabou se tornando o principal teórico do
Concretismo Paulista. Vejamos o estilo de Cordeiro na Figura 26.

Figura 26 Idéia visível, Waldemar Cordeiro, 1955,61 x 61 cm.

Luiz Sacilotto

Luiz Sacilotto (1924-2003) nasceu em Santo André - SP. A pintura do início de


sua carreira mostra uma tendência ao Expressionismo, com ênfase especial
para as cores e, no �nal da década de 1940, suas obras já adotavam a abstração
de tendência construtiva. Em 1952, formou-se o Grupo Ruptura, e o convívio
com os outros concretistas resultou num profundo aprimoramento técnico-
estético de suas obras. Tal excelência levou-o a participar de seis Bienais de
São Paulo (1951, 1953, 1955, 1957, 1961 e 1967), da Exposição Nacional de Arte
Concreta (São Paulo – 1956 e Rio de Janeiro – 1957) e de importantes mostras
internacionais. Na Figura 27, podemos observar o estilo de Luiz Sacilotto.
Figura 27 Concreção 6047, Luiz Sacilotto, 1960.

Geraldo de Barros

Geraldo de Barros (1923-1998), paulista de Xavantes, estudou bastante tempo


na Europa antes de se tornar um dos principais nomes do Concretismo brasi-
leiro. Lá, conheceu Max Bill, e, em 1952, já de volta ao Brasil e produzindo arte
concreta, integrou o Grupo Ruptura. Nas décadas seguintes, conciliou seu tra-
balho artístico com o design industrial. Veja na Figura 28 uma das obras deste
artista.

Figura 28 Função diagonal, Geraldo de Barros, 1952, 60 x 60 cm.

Anatol Wladyslaw

Anatol Wladyslaw (1913-2004) nasceu em Varsóvia, na Polônia, e mudou-se


ainda adolescente para o Brasil. Na década de 1940, deu início à sua carreira
de pintor realizando obras �gurativas. Entretanto, aos poucos foi caminhando
para o abstracionismo geométrico, com obras em que predominam as compo-
sições ortogonais e a sugestão do desdobramento sucessivo de planos de cor.
Fez parte do grupo concretista no início da década de 1950 e, na década se-
guinte, voltou ao Figurativismo. Observe na Figura 29 uma de suas obras.

Figura 29 Composição, Anatol Wladyslaw, 1952, 55 x 55 cm.

Maurício Nogueira Lima

Maurício Nogueira Lima (1930-1999) nasceu em Recife, mas foi para São Paulo
ainda criança, e foi outro dos integrantes do Grupo Ruptura. Assim como ou-
tros nomes do grupo, também desenvolveu paralelamente à arte uma carreira
de design industrial, atuando ainda como arquiteto. Um dos projetos arquitetô-
nicos mais famosos de Lima é o de reforma da Praça Roosevelt, no centro de
São Paulo, na década de  1980, projeto este que divide muito as opiniões, por
ser amado por alguns e “odiado” por muitos.

Veja na Figura 30 uma obra deste artista.


Figura 30 Objeto rítmico nº2, Maurício Nogueira Lima, 1953.

Aluísio Carvão

O paraense de Belém Aluísio Carvão (1920-2001) começou sua carreira como


ilustrador, ainda no Pará. Em 1949, mudou-se para o Rio de Janeiro, passando
a estudar pintura com Ivan Serpa e integrando, na década de 1950, o Grupo
Frente. Em 1959, foi um dos artistas a assinarem o Manifesto Neoconcreto e,
nas décadas seguintes, conciliou seu trabalho artístico (Figura 31) com o de
programador visual.

Figura 31 Clarovermelho, Aluísio Carvão.

Ivan Serpa

O carioca Ivan Serpa (1923-1973) iniciou sua formação artística na década de 
1940. Na década de 1950, depois de publicar estudos relacionados ao ensino da
arte para crianças, fundou, com Franz Weissmann, Lygia Clark, Aluísio
Carvão, Hélio Oiticica e Lygia Pape, entre outros, o famoso Grupo Frente. Já na
década de 1960, o artista retomou o Figurativismo. Veja uma de suas obras na
Figura 32.

Figura 32 Formas, Ivan Serpa, 1951.

Lygia Clark

Pintora e escultora, Lygia Clark (1920-1988)  autointitulava-se uma “não artis-


ta”. Iniciou-se na arte em 1947, no Rio de Janeiro e, em 1954, passou a integrar
o Grupo Frente, a partir do qual desenvolveu uma pintura de extração constru-
tivista, restrita ao uso do branco e do preto em tinta industrial.

Observe na Figura 33 uma das obras de Lygia Clark.


Figura 33 Superfície modulada – série B nº 1, Lygia Clark, 1958, 100 x 100 cm.

Em 1960, Lygia criou seus famosos “Bichos” (Figura 34), estruturas móveis de
placas de metal que convidam à manipulação, além da “Obra-mole”, com pe-
daços de borracha laminada entrelaçados. Posteriormente, continuaria desdo-
brando gradualmente o plano em articulações tridimensionais: Casulos e
Trepantes (Figura 35), obras nas quais vai se insinuando a participação do es-
pectador, são exemplos disso.

Figura 34 Bicho, Lygia Clark, 1960.


Figura 35 Trepante, Lygia Clark.

A partir de meados da década de 1960, Lygia preferiu a poética do corpo


(Figura 36), apresentando proposições sensoriais e enfatizando a efemeridade
do ato como única realidade existencial.

Figura 36 Diálogo: óculos, Lygia Clark, 1968.


Hélio Oiticica

Nascido no Rio de Janeiro em 1937 e morto aos 42 anos na mesma cidade,


Hélio Oiticica iniciou seus estudos de pintura e desenho no Museu de Arte
Moderna do Rio de Janeiro, em 1954. Nos dois anos seguintes, participou do
Grupo Frente, entrando também no movimento neoconcreto.

Oiticica era o mais jovem dos neoconcretos, e realizou uma experiência muito
pessoal e audaciosa. Primeiro, reduziu seu campo de interesse, fazendo varia-
ções apenas na intensidade e na textura de seus quadros. Neste período, se a
cor era o motor principal de outros artistas, em Oiticica a forma foi o elemento
mais importante.

Nas Figuras 37 e 38, podemos ver algumas de suas obras. Observe.

Figura 37 Metaesquema, Hélio Oiticica, 1958, 55 x 63,7 cm.


Figura 38 Grande núcleo, Hélio Oiticica, 1960-66.

Num período posterior, Oiticica mostrou interesse na pesquisa de um novo


modo de participação do espectador, algo que des�zesse o esquema tradicio-
nal “contemplação/reverência”. Vieram os “parangolés” (Figura 39) e as insta-
lações. Hoje, o artista é tido como um dos mais importantes da nossa história.

Uma das instalações mais famosas de Hélio Oiticica foi chamada de


Tropicália (Figura 40). Realizada em uma exposição de 1967, consistia em uma
espécie de labirinto com plantas, areia, araras, uma televisão e parangolés. A
obra buscava sintetizar a ideia de uma arte “tropical” genuinamente brasileira.
Sua repercussão foi tão grande que acabou inspirando o título de uma música
de Caetano Veloso e, posteriormente, o nome do movimento musical tropica-
lista.

Figura 39 Parangolé P4 Capa 1, Hélio Oiticica, 1964.


Figura 40 Vista externa da instalação "Tropicália", de Oiticica, 1967.

Lygia Pape

A �uminense Lygia Pape (1927-2004) foi outra artista que integrou o Grupo
Frente e assinou depois o Manifesto Neoconcreto. Já na década de 1960, pas-
sou a trabalhar com o audiovisual, não apenas participando da programação
visual de �lmes, como também fazendo suas próprias experimentações com
�lmes. A liberdade com que a artista manipulava os meios com que trabalha-
va e a diversidade de experimentações a partir da década de 1960 atrelam sua
estética e carreira às de Lygia Clark e Hélio Oiticica. Observe nas Figuras 41 e
42 algumas das obras de Lygia Pape.

Figura 41 Obra de Lygia Pape de 1957.


Figura 42 Caixa de baratas, Lygia Pape, 1967.

Amílcar de Castro

O mineiro Amílcar de Castro (1920-2002), escultor, desenhista e diagramador,


transferiu-se para o Rio de Janeiro em 1952. Em 1956, participou da I
Exposição Nacional de Arte Concreta em São Paulo e no Rio de Janeiro, e assi-
nou o Manifesto Neoconcreto em 1959.

Em 1968, viajou para Nova York e, em 1971, retornou ao Brasil, �xando-se em


Belo Horizonte. A partir de 1973, passou a lecionar. Já a partir de 1990, Amílcar
encerrou suas atividades docentes e passou a dedicar-se unicamente à cria-
ção artística, voltando a pintar e desenvolvendo trabalhos em cerâmica
(Figura 43).

Figura 43 Escultura de Amílcar de Castro no jardim do MAC-USP.


Franz Weissmann

Franz Weissmann foi um escultor nascido em Knittelfeld, na Áustria, em 1914,


que veio com a família para o Brasil em 1924 e até recentemente residia e tra-
balhava no Rio de Janeiro (o artista faleceu em 2005). O artista fez parte da
primeira geração de concretistas brasileiros, tendo sido referência fundamen-
tal para todas as gerações seguintes de escultores. Vejamos na Figura 44 a es-
cultura Cantoneiras de Franz Weissmann.

Figura 44 Cantoneiras, Franz Weissmann, 1975, escultura na frente do MAM-SP.

Do Concretismo e a Contemporaneidade
Para completar o estudo sobre a transição a Arte Moderna para
Contemporânea no Brasil, assista ao vídeo do escritor e crítico de arte Ferreira
Gullar (1930-2016), que foi um dos fundadores do Concretismo no Brasil.
4. Arte Conceitual Brasileira
A partir da segunda metade da década de 1960, várias das tendências que sur-
giram na arte internacional chegaram também ao Brasil, permeando as poéti-
cas pessoais e os movimentos artísticos surgidos por aqui. Uma dessas ten-
dências foi a Arte Conceitual, uma das que mais in�uência exerceu sobre os
nossos artistas.

Nas manifestações conceituais brasileiras, a in�nidade de materiais passíveis


de uso abriu um enorme leque de possibilidades aos artistas, ao mesmo tempo
em que os procedimentos conceituais abriam a possibilidade de um diálogo
rico e cheio de ambiguidades com o público, em um contexto em que “dizer”
era algo perigoso e censurado (lembremo-nos de que se vivia em ditadura mi-
litar). Deve-se dizer, inclusive, que a Arte Conceitual foi uma poderosa arma de
manifestação em favor não apenas da criatividade, como também da liberda-
de no contexto repressivo de então. A Figura 45 mostra-nos o Projeto Cédula,
que foi uma das formas de liberdade de expressão.
Figura 45 Amostra do Projeto Cédula – que tinha a ideia de colocar informações ou opiniões críticas em cédulas de

dinheiro e devolvê-las à circulação, como forma de promover a circulação de informações e a liberdade de expressão,

Cildo Meireles, 1970.

Vejamos alguns artistas surgidos nas décadas de 1960 e 1970 que, de uma ma-
neira ou de outra, se ligaram aos procedimentos da Arte Conceitual.

Vale destacar que, na arte contemporânea, é raro que um artista se restrinja a


apenas uma linguagem. Por isso, muitos dos artistas citados como represen-
tantes de um estilo transitam também por vários outros.

Cildo Meireles
Nascido em 1948 e criado entre Goiânia, Belém e Brasília, Cildo Meireles
mudou-se para o Rio de Janeiro em 1967, onde frequentou a Escola Nacional
de Belas Artes e, no início da década de 1970, foi para Nova York.

Desde o �nal da década de 1960, �rmou-se como um dos expoentes de uma ge-
ração que marcou a cena artística brasileira por sua abordagem experimental
e pela apropriação de estratégias formais do Modernismo europeu para explo-
rar temas que dizem respeito especi�camente à realidade social e política bra-
sileira. Cildo é conhecido principalmente pela realização de objetos e instala-
ções de caráter conceitual.

Obra Parla, de Cildo Meireles

A obra Parla (Figura 46), de Cildo Meireles, é uma típica manifestação de Arte
Conceitual, em que vale mais do que a obra “física” a ideia que se depreende
dela. Parla, que mostra blocos de pedra, um deles “sentado” em uma cadeira,
faz uma referência a Michelangelo.

Michelangelo, quando esculpia em mármore, fazia-o encarando o próprio fa-


zer artístico como o trabalho de revelar na pedra a �gura escultórica perfeita
que, segundo a sua concepção, já estaria ali “contida”. Encarava a si mesmo,
portanto, como aquele cujo papel era o de dar à obra escultórica, que de certa
forma já existia dentro da pedra, a sua forma �nal; como se a pedra tivesse
surgido na natureza não para ser pedra, mas para ser escultura. E que tivesse
“esperado” milhões de anos até �nalmente chegar à sua vocação original, a de
ser escultura, por meio das mãos do artista.

Conta-se que esta convicção levou Michelangelo a, depois de ter terminado a


escultura de uma �gura humana, ter �cado tão impressionado com a sensação
de vida que esta passava, que teria chegado a dizer para a estátua: Parla!, ou
seja, “Fale!”.

Cildo Meireles apropriou-se da concepção de arte de Michelangelo para dar


um exemplo de Arte Conceitual: para Cildo, se o espectador já sabe que, segun-
do Michelangelo (cuja referência aparece no título da obra, Parla!), a escultura
já se encontrava contida dentro do bloco de pedra, deixa de ser necessário es-
culpir o bloco. Basta expô-lo. Portanto, trata-se de Arte Conceitual porque a
ideia de existir uma escultura pronta para ser esculpida dentro do bloco já
basta, não havendo necessidade da ação de esculpir realmente.
Figura 46 Parla!, Cildo Meireles, 1982.

Carmela Gros
Carmela Gross, nascida em 1946 em São Paulo, é uma artista genuinamente
“multimídia”. Tendo estudado na década de 1960 na Fundação Armando
Álvares Penteado, ainda nesta década começou a destacar-se no cenário naci-
onal. Posteriormente, as atividades da artista passaram por meios como a pin-
tura, a escultura e a gravura, com uma reaproximação com as instalações nas
obras mais recentes.

Observe uma das obras de Carmela na Figura 47.

Figura 47 Carimbos, Carmela Gross, 1978.

Waltércio Caldas
Waltércio Caldas, carioca nascido em 1946, é escultor, desenhista, cenógrafo e
�gurinista. Destacou-se a partir da década de 1970, em trabalhos que dialogam
fortemente com a Arte Conceitual, entre outras tendências.

Veja na Figura 48 o estilo deste artista.


Figura 48 Como funciona a máquina fotográ�ca?, Waltércio Caldas, 1977, fotogra�a, 40 x 30 cm.

Re�exos brasileiros da Pop Art


Outro movimento internacional que ecoou bastante no Brasil, especialmente
no �nal da década de 1960, foi o Pop Art. Encontrando terreno fértil em um
país que entrava em um período de “milagre econômico”; no qual a cultura se
“reinventava e tropicalizava”, paradoxalmente, abrindo-se para o estrangeiro
(como exemplo musical, podemos mencionar a Tropicália); e em que, por ou-
tro lado, vivia-se uma ferrenha ditadura, as manifestações pop caíram como
uma luva para a abordagem artística da realidade brasileira de então.

Art Pop no Brasil

No �nal da década de 1960 e início da década de 1970, os procedimentos oriun-


dos da Arte Pop, muitas vezes aliados àqueles da Arte Conceitual, tornaram-se
um poderoso instrumento dos artistas brasileiros para abordar de maneira
crítica um momento histórico em que, no Brasil, era cerceada a liberdade de
expressão.
Nas Figuras 49 e 50 temos dois exemplos disso. Primeiro, na obra de Maurício
Nogueira Lima (que já abordamos ao falar do Concretismo). Em Não entre à
esquerda (Figura 49), Maurício faz uso da linguagem do trânsito de carros pa-
ra se referir à proibição às ideologias esquerdistas no Brasil pós-Golpe de 1964.

Já em Multidão (Figura 50), de 1968, Claudio Tozzi leva para a arte um pouco
da efervescência política que explodia nas ruas em forma de protesto (sinteti-
zado no símbolo do punho erguido com a mão fechada) das multidões.

Figura 49 Não entre à esquerda, Maurício Nogueira Lima, 1964.


Figura 50 Multidão, Cláudio Tozzi, 1968.

Dialogando com a cultura de massa em um país que de�nitivamente passava


a produzi-la, na música, na televisão etc., as manifestações pop brasileiras,
muitas vezes misturadas a procedimentos da Arte Conceitual, também mar-
caram época. Vejamos os artistas mais ligados a esta linguagem.

Obra Adoração a Roberto Carlos

A obra de Nelson Leirner (Figura 51) é um exemplo típico de procedimento ar-


tístico pop utilizado para comentar a cultura de massa, no caso, um dos gran-
des fenômenos brasileiros de massa do século 20, Roberto Carlos. A aborda-
gem de Leirner foi realizada em 1966, ou seja, no momento em que Roberto
Carlos “explodia” como fenômeno pop, tornando-se praticamente uma “nova
divindade” em um momento de grande expansão da indústria fonográ�ca, da
televisão e, en�m, dos meios de comunicação de massa em nosso país. Por is-
so, Leirner construiu um altar kitsch para Roberto Carlos, representado com
néon e ladeado por �guras de santos.
Figura 51 Adoração a Roberto Carlos (detalhe), Nelson Leirner, 1966.

Rubens Gerchman
Tendo estudado na Escola Nacional de Belas Artes no início da década de
1960, Rubens Gerchman (1942-2008) foi um dos artistas brasileiros mais liga-
dos à linguagem da
Arte Pop. Para isso contribuiu também sua passagem pelos EUA, na virada da
década de 1960 para a década de 1970.

Obra A Bela Lindonéia ou A Gioconda do Subúrbio

Outro bom exemplo do forte diálogo estabelecido entre as artes plásticas e a


cultura popular na década de 1960 pode ser dado por meio da obra A Bela
Lindonéia ou A Gioconda do Subúrbio (1966), de Rubens Gerchman (Figura 52).

A obra remete às manchetes de jornais populares: há a imagem um pouco tos-


ca de uma moça. Acima, os dizeres: “Um amor impossível”. Abaixo: “A bela
Lindonéia de 18 anos morreu instantaneamente”. Marcas no rosto da moça su-
gerem a precariedade da gravura, mas também que ela pode ter sido agredida.
Há ao redor do rosto da moça uma moldura kitsch, bem ao gosto popular da
época; a moldura, assim como a boca enigmática da moça, fazem referência
tanto às populares fotogra�as 3x4 de documentos, quanto à Gioconda
(Monalisa) de Da Vinci, o que �ca claro também no título da obra (A Gioconda
do Subúrbio).

Unindo assim referências eruditas ao que havia de mais popular, a obra evoca
um clima de beleza, simplicidade e mistério que acabou inspirando a canção
Lindonéia, de Caetano Veloso e Gilberto Gil. A canção foi gravada no disco
Tropicália ou Panis et Circencis na voz de Nara Leão.

Figura 52 A Bela Lindonéia ou a Gioconda do Subúrbio, Rubens Gerchman, 1966.

Cláudio Tozzi
O paulistano Cláudio Tozzi, nascido em 1944, é um dos mais importantes re-
presentantes da Arte Pop no Brasil. Em sua arte, encontramos não apenas re-
ferências à cultura e à visualidade brasileiras (por exemplo, papagaios, como
podemos observar na Figura 55), como também ao que acontecia, ou melhor,
ao que “explodia”, pelo efervescente mundo do �nal da década de 1960 e início
da década de 1970 (por exemplo, Che Guevara, demonstrado na Figura 53 e
Astronautas, dispostos na Figura 54).

Podemos citar como uma das grandes in�uências de Tozzi o norte-americano


Roy Lichtenstein.

Figura 53 Guevara, vivo ou morto, Cláudio Tozzi, 1967.


Figura 54 Astronautas, Cláudio Tozzi, �nal da década de 1960.

Figura 55 Papagália, Cláudio Tozzi, 1979, 160 x 160 cm.

Nelson Leirner
O paulistano Nelson Leirner, nascido em 1932, é desde a década de 1960 um
dos mais importantes nomes da arte brasileira. Fortemente ligado aos proce-
dimentos da Arte Conceitual e da Arte Pop e utilizando-os com um acirrado
espírito crítico e provocador, Leirner tornou-se uma referência de “não confor-
mismo” na arte brasileira. Também trabalhou lecionando em São Paulo (na
FAAP) e no Rio de Janeiro. Vejamos na Figura 56 uma obra de Nelson Leirner
realizada com colagem de �guras adesivas.
Figura 56 Figurativismo, Nelson Leirner, 2004, obra realizada com colagem de �guras adesivas compradas em bancas

de jornal.

José Roberto Aguilar


Nascido em São Paulo em 1941 e “surgindo” no mundo das artes no �nal da ex-
plosiva década de 1960, José Roberto Aguilar é um artista multimídia acostu-
mado a questionar os limites da arte e da não arte, com uma gama de traba-
lhos e intervenções que vão da pintura gestual à liderança de uma banda de
rock (Aguilar e sua Banda Performática, Figura 58), passando pelas vídeo-
instalações e performances em espaços públicos.

Observe mais uma das obras de Aguilar na Figura 57.


Figura 57 Futebol, Aguilar, década de 1960.

Figura 58 Aguilar e a mais recente formação da sua “Banda Performática”.

Antonio Dias
Pintor e artista multimídia, Antonio Dias nasceu em Campina Grande - PB, em
1944. Em 1958 mudou-se para o Rio de Janeiro e ainda muito jovem entrou pa-
ra o mundo da arte, “despontando” com cerca de 20 anos de idade. Suas obras
estão entre as que mais se destacam entre as dos artistas brasileiros no �nal
da década de 1960 e início de 1970. Desde então, Dias vive entre o Brasil e a
Europa. Vejamos nas Figuras 59 e 60 algumas de suas obras.
Figura 59 A história errada, Antonio Dias, 1966, 26 x 36 cm.

Figura 60 Coração para amassar, Antonio Dias, 1966.

Marcelo Nitsche
O paulistano Marcelo Nitsche, nascido em 1942, é um artista que atua em vári-
as mídias. Começou se destacando, na década de  1960, por obras que se apro-
ximavam das estéticas de alguns nomes da Pop Art norte-americana. Depois,
passou a trabalhar pesquisando a gestualidade na pintura, além de produzir
esculturas que estão em importantes espaços públicos da cidade de São Paulo.
Observe duas obras deste artista nas Figuras 61 e 62.

Figura 61 Bolha vermelha, Marcelo Nitsche, 1968, 272 x 533 x 170 cm.

Figura 62 Pincelada tridimensional, Marcelo Nitsche, escultura no

Jardim da Luz (São Paulo).

Wesley Duke Lee


O paulistano Wesley Duke Lee, nascido em 1931, começou a sua formação ar-
tística estudando em um curso do MASP na década de 1950. Depois, viajou pa-
ra os EUA e foi bastante in�uenciado pelas obras de Robert Rauschenberg,
Jasper Johns e Cy Twombly. De volta ao Brasil, Lee tornou-se um dos mais
respeitados nomes da arte brasileira, não apenas como pintor e gravador, mas
também com suas instalações e assemblages. Observe o estilo de Wesley
Duke Lee na Figura 63.

Figura 63 O guardião; A guardiã; As circunstâncias (Tríptico), Wesley Duke Lee, 1966, 197 x 107 x 105 x 56, 136 x 60 cm.

5. Década de 1980
Já vimos que, na década de 1980, o Brasil foi marcado pela abertura política e
pela volta da democracia. O cenário de abertura tornou-se ainda mais �agran-
te nas artes plásticas que, ainda mais do que nas décadas anteriores, foram in-
�uenciadas pelo que vinha acontecendo nas vanguardas artísticas internacio-
nais.

Assim, se internacionalmente a década de 1980 marca um retorno “pós-


moderno” das artes plásticas à pintura, no Brasil não foi diferente. Surgiu, en-
tão, a geração de jovens artistas que foi chamada de “Geração 80”.

A produção da Geração 80 é caracterizada especialmente por grandes telas,


pintura vigorosa e o reencontro com a emoção provocada pela cor e pela ges-
tualidade das pinceladas. Tal tendência marca, de certa forma, uma reação ao
intelectualismo e ao hermetismo, ou seja, à complexidade e à di�culdade de
captação do sentido das obras, da geração anterior, muito mais ligada aos pro-
cedimentos da Arte Conceitual. Vejamos na Figura 64 uma obra de Leonilson,
um dos artistas da Geração 80.
Figura 64 Todos os rios levam à sua boca, Leonilson, 1988, 210 x 100 cm, acrílica sobre lona.

Além disso, não deixaram de permear a arte da Geração 80 os diálogos críticos


com a realidade brasileira. Entre os artistas inicialmente ligados à pintura
surgidos então podemos citar Leonilson, Leda Catunda, Daniel Senise (Figura
65), além de outros.

Figura 65 O beijo do elo perdido, Daniel Senise.

De qualquer forma, surgiram artistas ligados também a outras linguagens co-


mo a escultura ou a assemblage, como, por exemplo, Sérgio Romagnolo e Lia
Menna Barreto (Figura 66).
Figura 66 Rebanho, Lia Menna Barreto.

Não deixaram também de ter importância manifestações performáticas, co-


mo os happenings, que aconteciam geralmente em locais alternativos estabe-
lecidos fora do circuito comercial. Entretanto, o caráter “alternativo” logo foi
substituído por um lugar cativo destes artistas nas galerias e museus, devido
ao fortalecimento do mercado brasileiro de arte e à aceitação dos novos artis-
tas pelo mercado.

A seguir, vejamos mais sobre alguns dos artistas que faziam parte da Geração
80. Acompanhe.

Leonilson
Surgindo como um dos grandes expoentes da Geração 80, Leonilson
(1957-1993) logo abandonou os vínculos com qualquer classi�cação ou “rótulo”
deste tipo para se tornar um dos artistas mais importantes do Brasil nas últi-
mas décadas.

Sua arte tem um caráter muito pessoal, manifestado tanto em termos estilísti-
cos quanto temáticos, já que não havia para o artista separação entre arte e vi-
da, o que faz com que seus trabalhos lembrem, às vezes, um “diário”. Há, tam-
bém, muito lirismo e romantismo emanando de suas obras.

Mesmo tendo realizado uma arte muito “pessoal”, paradoxalmente Leonilson


tornou-se um dos artistas mais in�uentes dos últimos tempos, angariando
uma legião de admiradores e novos artistas por ele inspirados, apesar da sua
vida bastante curta.

Leonilson foi homossexual assumido; o artista morreu com 36 anos de idade,


vítima da AIDS, em uma época de grandes perdas em função da inexistência
de medicação mais avançada. Vejamos nas Figuras 67, 68 e 69 algumas das
grandes obras desse artista.
Figura 67 As ruas da cidade, Leonilson, 1988, 200 x 95 cm, acrílica so-

bre lona.
Figura 68 Sem título, Leonilson, 1985, 24 x 33 cm, desenho.

Figura 69 Para quem comprou a verdade, Leonilson, 1991, 39 x 35 cm,

bordado sobre voile.

Leda Catunda
A paulistana Leda Catunda, nascida em 1961, devido ao seu papel de destaque,
é considerada uma espécie de “musa” da chamada Geração 80. Tendo estuda-
do na FAAP, fez sua primeira exposição individual no Rio de Janeiro, em 1985.
A partir de então, foi mesclando seu interesse inicial pela pintura com um
grande talento como assemblagista, celebrizado em mostras no Brasil e no ex-
terior. Observe nas Figuras 70 e 71 algumas das obras da grande “musa” da
Geração 80.
Figura 70 Onça pintada no. 1, Leda Catunda, 1984, 192,5 x 157,5 cm.

Figura 71 Meias, Leda Catunda.

Daniel Senise
O carioca Daniel Senise, nascido em 1955, foi outro nome de destaque da
Geração 80. Ele realiza uma pintura que transita pelo Abstracionismo e pelo
Figurativismo e que, segundo os estudiosos, se caracteriza pela ambiguidade e
pelo jogo de “revelar e ocultar”. Vejamos o estilo de Daniel Senise na Figura 72.
Figura 72 Misty, Peach, Vision, Petal I, Daniel Senise, 2004, 215 x 215 cm.

Sérgio Romagnolo
O paulistano Sérgio Romagnolo, nascido em 1957, é um representante “escultó-
rico” da Geração 80. A “marca registrada” da sua estética é a realização de �gu-
ras moldadas em argila e cobertas com plástico derretido, muitas vezes relei-
turas de esculturas de obras famosas, como os profetas realizados por
Aleijadinho (Figura 73) em Congonhas do Campo, por exemplo.
Figura 73 Exemplo de releitura de profeta de Aleijadinho: Jeremias, Sérgio Romagnolo, 1992, plástico moldado.

Lia Menna Barreto


Nascida no Rio de Janeiro, em 1959, Lia Menna Barreto teve a sua formação
artística realizada em Porto Alegre. É outra artista de destaque surgida na dé-
cada de 1980 que trabalha em três dimensões. Algumas de suas obras mais
instigantes abordam a temática da infância, fazendo uso, por exemplo, de ob-
jetos como bonecos (Figura 74) ou carrinhos de bebê.

Figura 74 Pele de boneca (detalhe), Lia Menna Barreto, 2008, assemblage.


6. Década de 1990
Falarmos da arte brasileira mais recente, aquela que tomou corpo a partir da
década de 1990, é uma tarefa difícil. Isto porque, como sabemos, quanto maior
a proximidade histórica com um assunto, maior é a di�culdade de abordá-lo
sistematicamente. Por isso mesmo, decidimos chegar à década de 1990 e não
continuar até a arte dos dias atuais, porque a falta de distanciamento tornaria
o trabalho praticamente impossível.

Podemos dizer que, de maneira geral, há um conjunto de conceitos e atitudes


que permeia as poéticas pessoais surgidas na década de 1990, tais como:

1) A rejeição da ideia de “originalidade” tal como ela fora concebida pela arte
moderna. Ao contrário, a arte pós-moderna, em especial a de 1990, não faz
economia nas citações, referências à arte do passado e não se preocupa em,
muitas vezes, mostrar-se como um rearranjo ou releitura (Figura 75) do que fo-
ra criado anteriormente.

Figura 75 Releitura de Vik Muniz (feita com geleia e doce de leite) da releitura de Andy Warhol da Monalisa de Da

Vinci.

2) Outro elemento muito presente é o corpo (Figura 76), como uma das unida-
des mais importantes (senão a mais importante) na constituição de uma obra.
Figura 76 Obra de Adriana Varejão inspirada em Tiradentes esquartejado.

3) Devemos citar, também, a questão da memória e da “subjetivação” cada vez


maior da obra de arte, que passa até a funcionar como uma espécie de “diário”.
O maior exemplo disso é Leonilson, que despontara na década anterior (Figura
77).

34 com scars
Na obra 34 com scars (Figura 77), Leonilson toca-nos “falando” de si mesmo.
Para tanto, registra a sua idade (34 anos) e mostra-nos como foram 34 anos
cheios de cicatrizes (scars), mas o faz com grande delicadeza, em um pequeno
pano e com poucos pontos de bordado.
Figura 77 34 com scars, Leonilson, 1991.

4) Em contrapartida, muitas vezes os artistas investem em um jogo ambíguo


de exposição e anonimato; ou seja: lado a lado com a subjetivação, caminha
em sentido contrário uma dissolução ou escamoteamento do artista enquanto
personagem abordado na obra.

5) Outro ponto importante é o caráter efêmero dos acontecimentos e, en�m, de


toda a vida: a efemeridade é um dos valores mais presentes. A Figura 78 repre-
senta esse caráter efêmero.
Figura 78 Borboleta prussiana azul, Iran do Espírito Santo, 1998, 28 x 35 cm.

6) O cosmopolitismo e os consequentes aspectos negativos da vida nas gran-


des cidades também são pontos centrais: a solidão, o tédio e a desesperança �-
caram cada vez mais recorrentes. Observe a obra disposta na Figura 79.

Figura 79 Sem título, Nuno Ramos, 1994, 321 x 663 x 235 cm.

7) Finalmente, não se pode deixar de citar a maneira rica como muitos dos ar-
tistas da década de 1990 passaram a trabalhar a questão formal, discutindo
nas obras a própria forma das obras.

Há, evidentemente, muitos outros pontos, entre os quais estes foram os princi-
pais. A seguir, vejamos individualmente alguns dos artistas surgidos neste pe-
ríodo.

Nuno Ramos
Além de artista plástico, o paulistano Nuno Ramos, nascido em 1960, é poeta e
formado em �loso�a. Suas obras tridimensionais começaram a aparecer da
metade para o �m da década de 1980; e é justamente nelas que se encontra
uma grande amostra do processo do artista, que integra fragmentos em con-
juntos bastante orgânicos (Figura 80).

Figura 80 Vaso ruim, Nuno Ramos, 1998, cerâmica e vaselina.

Caetano de Almeida
Pintor e gravador (artista especializado na realização de gravuras), Caetano de
Almeida, paulista de Campinas nascido em 1964, foi, durante a década de 1980,
aluno de Nelson Leirner no curso de artes plásticas da Fundação Armando
Álvares Penteado. Atualmente, continua se dedicando tanto à gravura quanto
à pintura. Algumas de suas obras mais famosas são releituras do pintor fran-
cês Jean-Marc Nattier (Figura 81).
Fonte: Chiarelli (2004, p. 30).

Figura 81 Obra da Série “Madames” (releitura de quadro do pintor francês Jean-Marc Nattier, século 18), Caetano de

Almeida, 1999.

Adriana Varejão
A carioca Adriana Varejão, nascida em 1964, destaca-se especialmente por su-
as pinturas. Estas dialogam, entre outros aspectos, com elementos do período
colonial brasileiro, tais como azulejos (Figura 82) ou mapas.
Figura 82 Figura de Convite II, 1998, Adriana Varejão.

Dora Longo Bahia


Artista multimídia que transita com desenvoltura pelos campos da pintura,
ilustração, gravura e performance, a paulistana Dora Longo Bahia, nascida em
1961, atualmente leciona na FAAP, tendo também realizado ali a sua formação
artística. Um dos aspectos a se destacar na arte de Dora é sua relação com o
universo pop, trazendo elementos da comunicação de massa para o universo
mais “erudito” das artes plásticas. Observe na Figura 83 uma de suas obras.
Figura 83 Sem título (da Série “Imagens Infectas”), Dora Longo Bahia, 2000, Serigra�a e relevo (chapa perfurada de

metal), 44,2 x 44,2 cm.

Edgard de Souza
Outro importante artista contemporâneo brasileiro formado na FAAP, o paulis-
tano Edgard de Souza, nascido em 1962, é um dos nomes atuais de nossa arte
mais fortemente ligados aos procedimentos da Arte Conceitual. Tal ligação se
deu também por forte in�uência de Nelson Leirner. Não podemos, porém, dei-
xar de destacar o talento de Souza no campo da escultura (Figura 84).
Figura 84 Sem título, Edgard de Souza.

Jac Leirner
Jac Leirner, nascida em 1961, trabalha geralmente retirando dos objetos o seu
valor de uso e de mercado. Com isso, atua como se substituísse algo como a
“alma” comercial – suponhamos, para �ns didáticos, que cada pequeno objeto,
mesmo industrializado, do nosso mundo, tenha algo não visível e não bi ou
tridimensional que chamaremos, errada e propositalmente, de “alma” – dos
objetos por outra mais nobre, uma “alma” artística.

Observe na Figura 85 uma das obras deste artista.


Figura 85 Adesivos, Jac Leirner.

Talvez possamos dizer que tal procedimento tem como “antepassado” o as-
semblagismo de todo e qualquer tipo, desde o cubista de Picasso ao Dadá de
Duchamp e ao Pop de Rauschenberg. Leirner, no entanto, trabalha o objeto de
maneira especial e quase afetiva, como uma espécie de Pigmaleão dos resídu-
os da sociedade industrial.

Vik Muniz
O paulistano Vik Muniz, nascido em 1961, tem como um dos principais recur-
sos de sua estética a realização de releituras de obras célebres de toda a
História da Arte Ocidental. Essas releituras são, em geral, realizadas com ma-
teriais inusitados, tais como açúcar, calda de chocolate (Figura 88), terra, lixo
ou �os, transformando elementos banais do cotidiano em objetos preciosos, o
que con�gura a verdadeira “alquimia” da arte de Muniz. Atualmente, ele é um
dos artistas brasileiros mais conhecidos internacionalmente.

Jackson Pollock e Vik Muniz

Já estudamos o Expressionismo Abstrato e Jackson Pollock, seu grande expo-


ente. Em relação a Pollock, vimos como a pintura gestual deste artista fazia
uso muitas vezes do procedimento conhecido como dripping, que consiste em
borrifar, gotejar ou mesmo atirar a tinta sobre a tela. Uma das fotogra�as mais
famosas de Pollock (Figura 86) mostra o artista fazendo uso deste processo.

Vik Muniz, artista essencialmente pós-moderno, apropria-se em Pollock de


chocolate (Figura 87) não de uma obra de Pollock para dedicar-lhe uma relei-
tura, mas da própria fotogra�a do artista. Busca então reproduzir a imagem
dando a ideia de que a imagem foi construída de maneira aparentemente aná-
loga à que Pollock utilizava para seus quadros abstratos, o que, evidentemente,
é falso, porque sabemos o meticuloso, cuidadoso e absolutamente calculado
trabalho que Muniz deve ter despendido para sua obra, ao contrário da espon-
taneidade e gestualidade muitas vezes violenta utilizadas por Pollock.
O detalhe mais interessante, entretanto, é que a obra é realizada com nada me-
nos do que calda de chocolate. Isto abre ainda mais possibilidades de fruição
para o espectador, que une a um procedimento essencialmente pós-moderno e
intelectual o caráter “sensível”, instintivo e, portanto, “primário” despertado
pela lembrança do sabor do chocolate.

Figura 86 Pollock pintando em seu estúdio em 1950.


Figura 87 Pollock de chocolate, Vik Muniz, 1997.

Figura 88 Capa do CD “Tribalistas”, Vik Muniz, 2002, Calda de chocolate.

Iran do Espírito Santo


Bastante in�uenciado por Nelson Leirner, Leda Catunda, Edgard de Souza, en-
tre outros, Iran do Espírito Santo, nascido em 1963 em Mococa-SP, também for-
mado pela FAAP, tem uma obra que dialoga especialmente com a fotogra�a, o
design e a arquitetura. Veja na Figura 89 uma de suas obras.

Figura 89 Sem título, Iran do Espírito Santo, 1999, aço inoxidável, 8 x 3,6 x 1,8 cm.

Rosângela Rennó
Artista mineira nascida em 1962, Rosângela Rennó trabalha, entre outras mí-
dias, com pinturas e relevos, mas também com a imagem fotográ�ca (Figura
90), os acontecimentos “jornalísticos” e o texto, oferecendo a estes elementos
uma transmutação de signi�cados que aparece como um recurso bastante en-
riquecedor da sua obra.

Muitos dos artistas estudados continuam produzindo seus trabalhos atual-


mente, por isso, não encerre os estudos desse tema aqui, pois inúmeras inova-
ções poéticas surgiram na arte e continuam surgindo a cada dia.

Neste momento, re�ita sobre sua aprendizagem respondendo à questão a se-


guir.
7. Considerações
Nossos estudos se aproximaram muito dos dias atuais, chegaram até a pós-
modernidade na década de 1990, porém, pela di�culdade de teorizar sobre o
que estamos vivendo, encerra-se nessa década. É muito importante para o
arte-educador que, além de conhecer o passado, continue as pesquisas na área
de crítica e história da arte, pois a arte é dinâmica e está em constante trans-
formação.

Continue sempre estudando e pesquisando!

8. Considerações Finais
No decorrer destes estudos, percorremos, também, alguns anos da história da
arte brasileira e recordamos fatores importantes da política, economia e cultu-
ra que interferiram diretamente nas criações artísticas nacionais. Dessa for-
ma, foi possível visualizar, por meio dos trabalhos de alguns artistas, de que
forma “a arte imita a vida” em cada período. Foi possível perceber, também,
que a arte brasileira, mesmo que, por muito tempo, tenha se utilizado de con-
ceitos importados, conseguiu imprimir sua identidade própria, especialmente
a partir da modernidade.

Esperamos que você tenha obtido grande êxito nos seus estudos e que os co-
nhecimentos explorados tenham contribuído para sua formação pro�ssional e
humanística. É importante lembrar que é fundamental que o arte-educador
seja sempre um pesquisador, não encerrando seus estudos nesta disciplina.
Não é possível conhecer séculos de cultura, história e arte em apenas uma
disciplina, mas aqui você pôde ter uma visão panorâmica dos principais as-
pectos que norteiam a arte brasileira e as principais matrizes culturais de for-
mação dessa arte nacional.

Continue seus estudos e sempre aprimore sua prática como arte-educador.

Você também pode gostar