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1. TÍTULO DO TRABALHO
2. DELIMITAÇÃO TEMÁTICA
Parece não merecer duvida que Deus tem resolvido fazer-nos passar por
privações vigorosas e só nos resta pois impregar os meios ao nosso alcance
para mitigar ou menorar o rigor dos soffrimentos(...) Lembra porem que aqui
já tem completa falta de gêneros alimentícios e que o Aracaty celeiro desta
villa, está olhado como lugar de refugio do sertão e já não tem abundancia de
generos.1
Seca, palavra cara à região Nordeste do Brasil. Cara pelo peso simbólico que
carrega, dada a multiplicidade de conceitos que consegue acumular. Para além do
fenômeno climático, as secas alçaram a posição de problema social, cultural, político
e econômico e a sua importância de certa forma define toda uma parte da história da
referida região do Brasil.
Abordado como nota marginal com uma certa frequência na literatura
historiográfica até a primeira metade do século XIX, a “seca” ganhou status de tema
relevante na segunda metade desse mesmo século, mais precisamente durante a
grande seca dos anos de 1877 a 1880. ALBUQUERQUE JR chama-nos a atenção de
que a seca enquanto fenômeno natural possui, na história brasileira desde a época
colonial, 31 registros anteriores a esta grande seca do século XIX2. Juntamente com o
advento desta, a historiografia contemporânea que se debruça sobre o tema concorda
de forma geral que movimentos inéditos foram percebidos durante os anos setenta e
oitenta daquele século que permitiram novas perspectivas sociais, políticos, culturais
e econômicas sobre o tema e sobre a região do semi-árido conhecido à época como
norte brasileiro.
1 Ofício do Paço da Câmara Municipal de Villa da União, em 21 de Abril de 1877. In F. NETO. A
tragédia dos mil dias: a seca de 1877-79 no Ceará. Fortaleza: Premius, 2006. p. 42-43
2 ALBUQUERQUE JR. Durval M. “Palavras que calcinam, palavras que dominam: a invenção da
seca no Nordeste.” Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH/Marco Zero, vol. 15, nº 28, 1995.
p. 111.
2
3 NEVES, Frederico de Castro. Estranhos na Belle Époque: a multidão como sujeito político
(Fortaleza,1877-1915) IN: Trajetos: Revista de História da UFC, vol. 3 Nº 6. 2005.
4 NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a história: Saques e outras ações de massa no Ceará.
É neste contexto que o presente trabalho tem por objetivo situar sua análise,
uma vez que tais estratégias e novas posturas frente às mudanças à nível macro
conferiram às relações de poder locais suas características que se tornariam
constantes ainda no século seguinte. Segundo Neves (2000: p. 83-84), o sistema de
controle de donativos e de assistência à classe trabalhadora retirante, constante das
épocas de estiagem, contudo não restrito a elas, que no século XX ganhou a
denominação de “indústria das secas”, teve como embrião as práticas empreendidas
durante a grande seca iniciada em 1877, principalmente na adoção dos “chamados
socorros públicos indiretos” (SOUSA, 2009, p. 151-190). O termo “indústria”, atribuído
a um sistema de concentração de poder político e econômico nos sertões nordestinos
diretamente vinculado às relações estabelecidas entre as elites nacionais, locais e a
população campesina, é de certa forma recente. Atribuído ao jornalista e escritor
Antonio Callado, em final da década de cinquenta no século XX7, quando da
publicação de uma série de reportagens suas a respeito do problema das Ligas
Camponesas8. Reportagens que permitiram que a questão fosse elevada ao debate
da opinião pública a nível nacional, contribuindo para o despertar de interesse da elite
política nacional sobre o tema urgente.
Apesar da distância temporal entre a grande seca de 1877 a 1880 e a
cunhagem do termo "indústria” para definir o que se tornaria o nada imperceptível
problema em meados dos anos cinquenta, tanto Neves (2000: p. 84) quanto Cunniff
(1975: p. 65-82) entendem ser a grande seca do séc. XIX o ponto onde as origens
deste sistema apresentam seus vestígios mais evidentes. Sobre isto, Cunniff resume:
These drought windfalls convinced many that only with large injections of
outside money could they continue to develop the interior and conquer their
old problems. After 1880 the drought area had a sense of region it had never
possessed before. The drought bloc created during the crisis had been fragile
and dependent upon outside help for success, but in teaching Northeasterners
how to make an industry of the droughts it created a legacy which was to
dominate the regional politics for the next century. 9
Janeiro: Paz e Terra, 1982 e BASTOS, Élide Rugai. As ligas camponesas. Petrópolis: Vozes, 1984.
9 Trad.: “Estes ganhos inesperados da seca convenceram muitos de que somente com grandes
injeções de dinheiro externo poderiam continuar a desenvolver o interior e superar seus antigos
problemas. Depois de 1880, a área da seca teve um sentido de região que nunca havia possuído
antes. O bloco da seca criado durante a crise era frágil e dependia de ajuda externa para ter sucesso,
4
mas ao ensinar os nordestinos a fazer das secas uma indústria, criou um legado que dominaria a
política regional no século seguinte.” In: CUNNIFF, Roger L. “The Birth of the Drought Industry:
Imperial and Provincial Response to the Great Drought in Northeast Brazil (1877-1880).” Revista
de Ciências Sociais, Fortaleza, vol. VI, nº ½, 1975. p. 76.
10 ALBUQUERQUE JR. Durval M. Op. cit. p. 117.
11 ALBUQUERQUE JR. Durval M. Op. cit. p. 119. Ainda sobre a importância da imprensa na difusão do
imaginário da seca difundido por todo o país, ver: BARBALHO, Alexandre. “Corpos e mentes
dilacerados: o grotesco nas imagens da seca de 1877.” Trajetos: Revista de História da UFC.
Fortaleza: Departamento de História da UFC, vol. 03, nº 06, 2005.
12 CHAVES, José O. de Souza. Fortaleza e os retirantes da Seca de 1877-1879: o real de um
Fortaleza durante a seca de 1877 a 1879. Monografia apresentada à Universidade Estadual do Ceará –
UECE. Fortaleza, 2008.
15 COSTA, M.C.L. Teorias médicas e gestão urbana: a seca de 1877-1879 em Fortaleza. História,
16 GIRÃO, Raimundo. Pequena História do Ceará. 2ª ed. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1962.
17 THEÓPHILO, Rodolpho. História da secca do Ceará (1877-1880). Rio de Janeiro: Imprensa
Inglesa. 1922.
18 THEÓPHILO, Rodolpho. Op. Cit.
19 NEVES, Frederico de Castro. A seca na história do Ceará. Em Uma nova história do Ceará. Org.
extensão do poder central provincial, mas em alguns momentos, chega a lhe ser
antagônica.
Nas fontes relativas aos anos de 1878 e 1880, vemos que a natureza da
comissão modificou-se e foi modificada, chegando, principalmente no ano de 1878, a
tomar proporção de órgão com poderes de controle e disciplinamento social, com
influência sobre a estrutura urbana, higiênica e de segurança na cidade do Aracati.
Construção de hospitais e cuidado médico dos doentes, construção de cadeia pública,
cemitério, ponte, abarracamentos, reemigração, organização de mão-de-obra
retirante, limpeza da cidade, vacinação, sem falar da habitual distribuição de gêneros,
foram responsabilidades acumuladas pela comissão de socorros do Aracati. Em
certos momentos, o comissário de socorros era criticado, como quem querendo ser
“absoluto, ter poderes de sultão (...)”27. A comissão auferia subsídios para um maior
poder de barganha nos conflitos intra-citadinos, mas também era posta em posição de
alvo de críticas e ataques, tanto por parte do governo provincial como da elite local e
retirantes.
Ao perceber a comissão de socorros do Aracati, nos questionamos sobre como
sua natureza nas relações de poder, como ela pode nos esclarecer sobre a questão
da seca. Por meio da ação da comissão, da sua formação e de seu relacionamento
com o contexto da seca no Aracati, de 1877 a 1880, nota-se uma possibilidade de
análise que contribua com do tema aqui proposto num âmbito não mais restrito à
análise da capital ou de uma panorâmica generalizante da calamidade que ela
proporcionou em toda província.
Uma parte considerável dos gêneros alimentícios que para aqui têm sido
remettidos, destinados ao sustento dos emigrados indigentes, distribue os
empregados com suas famílias, parentes e amigos; outra parte é vendida,
sendo o seu producto de panno fino, chapéus de sol de sêda, finos
esquesitos perfumes, vestidos com que presenteam as incautas que atiram a
mais vil e abjecta prostituição com os gêneros do próprio governo ao – trinta e
um – de 2$000 a boca etc, etc!! (...)30.
31 Ofício da Comissão de Socorros Públicos do Aracaty, em 21 de Janeiro de 1878, In: APEC - Fundo:
Governo da Província. Série: Correspondências recebidas. (1877-1889). Caixa 02
32 O Retirante. 23.02.1878. p.4.
33 Ofício do Comissário de Socorros Públicos do Aracaty, em 12 de Abril de 1878, In: APEC - Fundo:
Governo da Província. Série: Correspondências recebidas. (1877-1889). Caixa 02
34 Ofício do Comissário de Socorros Públicos do Aracaty, em 2 de Outubro de 1878, In: APEC - Fundo:
Governo da Província. Série: Correspondências recebidas. (1877-1889). Caixa 02
35 Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa na segunda Sessão da Décima Sétima
Legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império, Conselheiro Carlos Leoncio
de Carvalho. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1879. p. 40
36 Carta do Dr. Hippolyto Cassiano Pamplona ao Dr. José Maria Teixeira, em 26 de julho de 1879. In:
APEC. Fundo: Governo da Província. Série: Correspondências recebidas. (1877-1889). Caixa 02
11
3. OBJETIVOS
4. QUADRO TEÓRICO
também com relação à ocupação por meio do trabalho, sendo atribuída à comissão a
responsabilidade de empregar a mão-de-obra emigrante em obras públicas.
Oficialmente, estas eram as funções da comissão. Contudo, pelo exposto em
nossa problematização, notamos que mais do que na oficialidade, a comissão
conduziu-se por meio de práticas não oficiais, que não expressavam simplesmente o
mando governamental provincial, mas também interesses outros de elementos locais,
interesses tidos como menores, que também careciam de mecanismo para serem
satisfeitos. Para tanto, a posição oficial da comissão era um caminho, uma ferramenta
para outros interesses. Entende-se que há mais de uma natureza de poder envolvida
neste processo. Portanto, precisamos de uma compreensão do poder imerso nas
relações sociais, aquelas não-oficiais da política oficial, mas da política do cotidiano.
O poder é algo também do âmbito menor, apresenta-se dissolvido e ramificado. Seja
no âmbito oficial, nas práticas não repressivas da comissão e do governo provincial,
seja no âmbito não-oficial, nas artimanhas e conflitos que se engendraram entre os
membros da comissão, e destes com o governo provincial e com as forças políticas e
econômicas aracatienses, entendo que em FOUCAULT37 temos um conceito aplicável
de poder positivo, que tem múltiplas funções. Também ainda de que o poder se
manifesta em micro-poderes que se constroem e se entrelaçam na vida social,
adestrando ações e visões do real.
A fala dos membros da comissão, aqueles que eram naturais do Aracati,
expressa a visão de realidade da parcela social aracatiense mais privilegiada política
e economicamente. Nos registros produzidos por ela, vemos sua intenção de expor
sua visão do real, da condição da cidade e dos retirantes. Entretanto, há algo além
disso: a visão de si mesmos e de seus interesses em relação ao contexto da seca.
Existem aí elementos que nos levam a questionar sobre a visão de mundo que
possuíam, diretamente vinculada à sua cultura e condição social. No caminho
proposto pela documentação, os discursos mudam, a partir do momento em que
também mudam os atores que produzem os discursos, os quais manifestam visões do
universo da seca no Aracati de formas distintas, explicitando assim, seus lugares
sociais ou políticos. Segundo o antropólogo Marshall Sahlins, uma estrutura social
não se forma apenas segundo um ditame prescrito, ou “prescritivo”, mas também
como síntese e resultado das negociações dos indivíduos envolvidos, que agem
(práxis) segundo suas formas de ser e estar no mundo (cultura), ou seja, edificam
suas estruturas sociais de forma performativa38. A este conceito antropológico
chamado pelo autor de "mito-práxis” também buscamos o diálogo para o melhor
entendimento do objeto analisado.
Por fim, verifica-se que as práticas procuram legitimarem-se por meio das
representações produzidas pelos atores sociais e as mudanças na Comissão de
Socorros, igualmente, no decurso dos anos de seca, são também passíveis de
análise a partir destas representações. Em função disso, buscamos em CHARTIER o
conceito de práticas e representações com vistas a entender o quadro aqui exposto:
38 SAHLINS, Marshall. Cultura e razão prática. Trad. Sergio Tadeu de Niemayer Lamarao 1ª Ed. Rio
de Janeiro. Jorge Zahar, 2003; SAHLINS, Marshall. Ilhas de história. Trad. Bárbara Sette. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. p. 9.
39 CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas em representações. Trad. Maria Manuela
5. FONTES E METODOLOGIA
1990. p. 144.
43 Idem
16
Ofícios:
Relatórios:
Falla com o que Ex.mo Sr. Desembargador Caetano Estellita Cavalcanti Pessoa,
Presidente da Província do Ceará, abriu a 2ª Sessão da 23ª Legislatura da
Assembléia Provincial em 02.07.1877. Fortaleza: Typ. Dom Pedro II, 1877.
Relatório com que o Ex.mo Sr. Desembargador Caetano Estellita Cavalcanti Pessoa,
passou a administração da Província do Ceará ao Ex. mo Sr. Conselheiro João José
Ferreira D’Aguiar Presidente da mesma Província em o dia 23.11.1877. Fortaleza:
Typ. Dom Pedro II, 1877.
Relatório com que o Ex.mo Sr. Conselheiro João José Ferreira D’Aguiar passou a
administração da Província do Ceará ao Ex.mo Sr. Dr. Paulino Nogueira Borges da
18
Falla com o que Ex.mo Sr. Dr; José Júlio de Albuquerque Barros, Presidente da
Província do Ceará, abriu a 1ª Legislatura da Assembléia Provincial no dia
01.11.1878. Fortaleza: Typographia, 1879.
Falla com o que Ex.mo Sr. Dr; Júlio de Albuquerque Barros, Presidente da Província do
Ceará, abriu a 1ª Sessão da 25ª Legislatura da Assembléia Provincial no dia
01.07.1880.. Fortaleza: Typographia Brasileira, 1880.
2.3. Legislação
Obituário
6. SUMÁRIO JUSTIFICADO
7. CRONOGRAMA
ATIVIDADES
Elaboração e
qualificação
do projeto
Consulta à
documentaçã
o oficial
Pesquisa aos
periódicos
Pesquisa em
obras da
época
Leitura e
Fichamento
bibliográfico
Elaboração
da
monografia
Revisão
Defesa
20
8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
ALBUQUERQUE JR, Durval M. “Palavras que calcinam, palavras que dominam: a
invenção da seca do Nordeste.” Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH/
Marco Zero, vol. 15, nº 28, 1995.
ALVES, Joaquim. História das Secas (Séculos XVIII a XIX). 2ª ed. Mossoró:
Fundação Guimarães Duque, 1982.
CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
CUNNIFF, Roger L. “The Birth of the Drought Industry: Imperial and Provincial
Response to the Great Drought in Northeast Brazil (1877-1880).” Revista de Ciências
Sociais, Fortaleza, vol. VI, nº ½, p. 65-82, 1975.
FRANCO, Maria Silvia C. Homens livres na ordem escravocrata. São Paulo: Ática,
1974.
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. São Paulo, Cia.
das Letras, 1990.
LE GOFF, Jacques. Por amor às cidades: conversações com Jean Lebrun; tradução
Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1997.
SAHLINS, Marshall. Cultura e razão prática. 1ª. Ed. Rio de Janeiro. Jorge Zahar,
2003.