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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

DO RIO GRANDE DO NORTE


DIRETORIA ACADÊMICA DE CONSTRUÇÃO CIVIL
CURSO MÉDIO DE NÍVEL INTEGRADO EM EDIFICAÇÕES

RESENHA DESCRITIVA
A URBE E OS POBRES: os inimigos da salubridade pública de Natal no século XIX

VICTOR ALVES DE ARAÚJO SILVA


LUCAS LEMUEL BEZERRA DO CARMO

NATAL/RN
2022
O artigo A URBE E OS POBRES: os inimigos da salubridade pública de Natal no
século XIX, de autoria do Professor Gileno Câmara de França, tem o intuito principal de,
tendo em vista os grandes impactos que a pandemia do Covid-19 causou na sociedade atual,
despertar o interesse de conhecer como a população potiguar, em meados do século XIX,
enfrentou os diversos surtos epidêmicos da época, em meio à tantas dificuldades existentes, e
também entender como as autoridades públicas foram capazes de implantar medidas para o
combate às epidemias, além de deixar claro toda a desigualdade social existente.
A linguagem é clara e direta, de fácil compreensão. O uso de tipografia também
contribui para o dinamismo e riqueza do texto; estes incluem, notadamente, trabalhos voltados
para a melhoria da cidade, como observado na introdução, dada a escassez de trabalhos neste
campo, e jornais da época.
No capítulo Um breve histórico das epidemias em Natal, é apresentado que, no
período colonial, pouco se sabe sobre as epidemias do Rio Grande do Norte e,
consequentemente, de sua capital Natal. A primeira epidemia a chegar foi a varíola, em 1809,
porém o surto definitivo da doença chegou aproximadamente em 1849/50, quando cerca de
300 mortes foram relatadas por alguns autores.
Além da varíola, a febre amarela também surgiu no mesmo período, permaneceu
epidêmica até 1851 e registrou mais de 200 óbitos. Em 1856, surgiu a cólera, gerando no Rio
Grande do Norte carestia e falta de alimentos nas cidades, controle nos portos, paralização do
pequeno comércio, diminuição na movimentação das pessoas e a instituição de quarentenas.
Com isso, para conter a epidemia de 1856/57, as autoridades natalenses contrataram mais
médicos, construíram o primeiro cemitério público e construíram o Hospital da Caridade.
Porém, mesmo com todas essas ações, a mortalidade chegou a ultrapassar 2500 pessoas.
No livro é citada a obra Diccinonario de Medicna Popular, do Dr. Chernoviz, muito
popular na época, a qual descreve a evolução da varíola nos infectados. Em meados de
1860/61, a varíola voltou a despertar atenção das autoridades. Durante esse surto, o serviço de
vacinação foi ampliado, foi contratado mais um médico e foi aberto um lazareto para o
isolamento e tratamento dos doentes pobres de Natal.
Nos anos de 1871/72, a varíola seguiu tomando grandes proporções, isto é, a média de
mortes pela doença era de 35 para cada 100 mortos. Durante os anos de 1882/83, a varíola
voltou a produzir um cenário devastador na capital natalense. Entre os meses de maio e
dezembro de 1882, houve registro de 292 variolosos sepultados no Cemitério Público. Por
fim, o surto varioloso de 1895/96 toma uma proporção assustadora, fazendo vítimas em todas
as ruas. No livro, é apresentado um posicionamento de um articulista do jornal Oásis para
inserir os acontecimentos decorrentes da época.
No capítulo Os inimigos da salubridade pública no discurso elitista, surge um
discurso por parte da elite de que a cidade era salubre e protegida pelas condições
atmosféricas, bem como o sentimento de otimismo, e, aos poucos, começou a ceder espaço ao
de culpabilização da cidade e dos seus moradores pobres. O discurso elitista passou a
culpabilizar a “urbe” pelos graves e sucessivos ciclos epidêmicos enfrentados pelos
natalenses. No período, o perímetro urbano de Natal se resumia a dois bairros, Cidade Alta e
Ribeira, então separados fisicamente por uma lagoa. Dois bairros, dois olhares distintos sobre
uma mesma crise epidemiológica.
De acordo com o livro, na Cidade Alta nem parecia existir doenças, afinal, o vento
continuava soprando e renovando o ar das ruas e casas, dificultando assim a formação dos
miasmas e consequentemente o aparecimento ou persistência das epidemias. Por outro lado,
quando passam a descrever o quadro sanitário da Ribeira se observa uma exaltação de fatores
tidos então como desfavoráveis, mesmo o clima favorável não a beneficia, isto porque a
vegetação e as dunas de areia circundantes impediam ou dificultavam o processo renovador
de ar que ocorria no bairro elitizado.
Enfim, não bastou culpabilizar a falta de infraestrutura urbana, se elegeu o morador
pobre da cidade como causa maior do quadro de insalubridade da capital potiguar, a partir da
segunda metade do século XIX. Como se percebe, os espaços destinados ao tratamento e
isolamento dos pobres afetados por doenças epidêmicas eram em geral improvisados,
temporários, afastados do centro urbano, insalubres e carentes de pessoal qualificado e mesmo
dos instrumentos básicos (limpeza, lençóis, toalhas, camas, remédios, alimento etc.) para o
funcionamento. Enquanto isso, os indivíduos em melhor situação socioeconômica eram
tratados e isolados no conforto de suas próprias casas, onde além do receituário
médico/científico, podiam receber as curas espirituais e tratamentos prescritos por leigos da
medicina popular, muito recorrente na época.
Por fim, a conclusão mostra com mais clareza a concepção do autor, remontando às
divisões de classe em Natal séculos atrás, respondendo analiticamente à questão colocada no
título da obra: Afinal, se a capital potiguar não está sã, quem está errado isto?

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