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Introdução
O século XIX ficou marcado pela industrialização, urbanização e em simul-
tâneo pelo surgimento de vários surtos epidémicos em Portugal. Além das ha-
bituais epidemias como a febre amarela, varíola e peste, a Europa viu surgir pela
primeira vez outras doenças, como a cólera que rapidamente se manifestou por
todo mundo. A cólera teve especial realce devido à elevada taxa de mortalidade
que causou, ainda que existam autores que defendam que outras moléstias como
a febre-tifoide, escarlatina, sarampo e sobretudo tuberculose ultrapassaram o
número de mortes desta enfermidade. No entanto, a cólera destacou-se pelo
medo que espalhou pelo Velho Continente, pelo maior impacto na sua divulga-
ção, nomeadamente na imprensa e pelas medidas sanitárias que foram tomadas
pelos diferentes estados1.
Esta epidemia, de origem asiática, apareceu em Portugal na década de 30,
mais precisamente em 1832, trazida por um navio proveniente da Bélgica com sol-
dados que iriam auxiliar as tropas liberais no cerco do Porto. A moléstia atingiu vá-
rias vezes, ao longo do século XIX, o país ainda de que forma pouco homogénea,
afetando de modo diferenciado as várias regiões. A primeira vaga, apesar de visí-
vel na região Norte, deixou-a quase ilesa, ao contrário do que sucedeu no decénio
de 50, quando a doença penetrou no país a partir de Espanha. No geral, as regiões
fronteiriças foram em todos os períodos epidemiológicos as mais afetadas.
A centúria em questão é classificada por alguns autores como o período das
epidemias, que facilmente se disseminaram por todo o território europeu devi-
do ao desenvolvimento dos transportes. Estes facilitaram a circulação de pesso-
as, mercadorias e, consequentemente, das pestes2. São ainda apontadas como
moléstias, entre elas: soldados, marinheiros, feirantes, barqueiros, mendigos e todo o tipo de
viajantes e de indivíduos que andavam a deambular entre territórios distintos. Leia-se “O cres-
cimento demográfico- ritmos e factores”, in Mattoso, José, A História de Portugal- o Liberalismo
(1807-1890), vol. V, Lisboa, Editorial Estampa, 1998, pp. 371.
3 Esteves, Alexandra, “A cólera no norte de Portugal de oitocentos: medos, providências e pro-
tagonistas”, in Hernández Borge, Julio; González Lopo, Domingo (Ed.), Antiguos e nuevos desafios,
Santiago de Compostela, Alvarellos Editora, 2017, p. 188.
4 As autoridades e elites cultas viram neste tipo de núcleo habitacional, o seu caráter patoló-
gico, focos de infeção que ameaçavam contaminar todo o espaço urbano. Refletem-se sobretudo
num quadro socio-histórico que refletia o reverso das cidades industriais. Leia-se Pereira, Gaspar
Martins, “Casa e família. As “ilhas” no Porto em finais do século XIX, in Revista População e Socie-
dade, nº2, Porto, 1996, p.162.
9 O número de vítimas mortais da cólera, ao longo do século XIX, foi de cerca de 130.000. Es-
tando o país no centro da Revolução Industrial e as condições de insalubridade por ela provocados
um dos principais fatores para a sua rápida propagação justifica o elevado número de vítimas em
Inglaterra. Leia-se Penón, Javier Alquézar, “El Cólera de 1885 en España y la comarca Andorra- Sierra
de Arcos”, in Revista Andorra, nº 6, 2007, p. 168.
10 Veja-se Cascão, Rui, “O crescimento demográfico- ritmos e factores”, in Mattoso, José, A
História de Portugal- o Liberalismo (1807-1890)..., p. 373.
11 Leia-se Cascão, Rui, “O crescimento demográfico- ritmos e factores”, in Mattoso, José, A
História de Portugal- o Liberalismo (1807-1890)..., p. 371.
12 Almeida, Maria Antónia Pires de “O Porto e as epidemias: saúde e higiene na imprensa diária
em períodos de crise sanitária, 1854-56, 1899 e 1918”, in Revista de História da Sociedade e da
Cultura, vol. 12, 2012, p.380.
13 Conselho de Saúde Pública do Reino, Relatório da Cholera Morbus em Portugal nos annos
1855 e 1856, Lisboa, Imprensa Nacional, 1858, p. 242.
30 As grandes reformas na saúde do Portugal oitocentista são levadas a cabo por Passos Ma-
nuel. Defendia que sem descurar a cura, a prioridade se centraria e na prevenção de doenças e
por isso, em 1837 é aprovado um novo regulamento de saúde pública e criado o Conselho de
Saúde Pública. No entanto, estas inovações são de pouca duração, sendo reformuladas em 1844
e posteriormente em 1868, quando foi extinto o Conselho de Saúde Pública, dando lugar à Junta
Consultiva de Saúde Pública, que abrangia diversas áreas desde o controlo de surtos epidémicos
à inspeção de condições de higiene em locais públicos como hospitais, cadeias e indústrias. Ve-
ja-se Pita, André, A cólera em Lisboa (1833 e 1855/56): emergência do poder médico ecombate à
epidemia no Hospital de São José e enfermarias auxiliares…, pp. 36-38.
31 A Inglaterra teve um papel pioneiro na tomada de medidas de higiene pública devido ás mu-
danças vividas na cidade em consequência da Revolução Industrial e dos transportes. Com esta o
surgimento de problemas sociais associados ao trabalho urbano foram visíveis. Entre eles estive-
ram o, alcoolismo, prostituição, violência doméstica e claro êxodo maciço para centros urbanos,
que resultou nas más condições públicas e insalubridade notadas sobretudo na cidade de Lon-
dres, o maior centro urbano europeu de oitocentos. Acerca desta matéria veja-se Esteves, Alexan-
dra, “A ação do Estado na prevenção e no combate às epidemias do século XIX. O caso do distrito
de Viana do Castelo”…p.146. Sobre o assunto leia-se ainda Davenport, Romola Jane, Satchell, Max
& Shaw-Taylor, Leigh Matthew William, “Cholera as “sanitary test” of Critish cities,1831-1866”, in
The History of the Family, vol. 24, nº. 2, 2019, p. 407.
32 Constituída por três médicos, um cirurgião, um boticário, nomeados pelo Rei e que passaria
a constituir uma autoridade central de saúde. Sobre o tema veja-se Alves, Jorge, “Legislação sani-
tária e tensão social: a revolta da “Maria da Fonte” (Portugal, 1846)”, in Dillmann, Mauro e Ripe,
Fernando (Coords), Cuidados com o corpo e a alma na Luso-América dos séculos XVI a XIX, Rio de
Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 2019, p. 118.
33 Sobre o tema veja-se Garnel, Maria Rita, “Portugal e as Conferências Sanitárias Internacionais
(em torno das epidemias oitocentistas de cholera-morbus)”, in Revista História da Sociedade e da
Cultura, n.º 9, Coimbra, 2009, pp. 229-251.
40 Os almotacés tinham funções que nos permitem inseri-las na área da saúde pública, fisca-
lizando a venda de géneros alimentícios, dos matadouros, açougues, assim como a limpeza dos
espaços públicos. Sobre a temática leia-se Esteves, Alexandra, Esteves, Alexandra, “A ação do
Estado na prevenção e no combate às epidemias do século XIX. O caso do distrito de Viana do
Castelo”…, p. 148.
41 Faria, João Lopes, Efemérides vimaranenses, Sociedade Martins Sarmento, vol. II, 12 de maio
de 1833, fl.138.
42 AMAP, Atas das reuniões da Câmara Municipal de Guimarães, 1834-1836, sessão de 13 de
dezembro de 1834, 90 v.-fl.91.
43 Sobre os assuntos dos despejos águas leia-se Flores, António de Quadros, Guimarães na
última quadra do romantismo. Memórias 1888-1926, Guimarães, Livraria Lemos, 1959, p. 187.
44 AMAP, Atas das reuniões da Câmara Municipal de Guimarães, 1853-1856, sessão de
5 de janeiro de 1854, fl.5.
Conclusão
A prevenção e combate da cólera passaram pelo controlo das zonas fron-
teiriças, marítimas e terrestres, medida justificada para Portugal devido à chega-
da da doença através de embarcações e pelo facto da vizinha Espanha ter sido
atacada várias vezes pela doença. O controlo eficaz da circulação de pessoas e
mercadorias não era tarefa fácil e foi constantemente referido pelas autoridades
competentes. Assim, por exemplo, a implementação de cordões sanitários e laza-
retos, além da conjugação do fator humano, exigia elevados custos económicos,
pois era necessário a alocação de militares que assegurassem o bom funciona-
mento dos mesmos.
A centúria oitocentista destaca-se por progressos na área da saúde pública,
como consequência do desenvolvimento de vários surtos epidémicos. Isto tradu-
ziu-se num conjunto de descobertas que foram fundamentais para o combate às
doenças. Por influência deste progresso, os governos dos países, deixaram de se
focar apenas na tomada que englobavam a organização de cordões sanitários,
lazaretos e quarentenas, e passaram a valorizar também o indivíduo, através da
aposta na prevenção e consciencialização da população.
A política de saúde em Portugal assumiu caráter quase autónomo entre os
concelhos. Às entidades camarárias competia cuidar da limpeza dos espaços públi-
cos e da qualidade das águas, por exemplo, enquanto as misericórdias sobressiam
pelo seu papel na assistência hospitalar, existindo ainda na época o cuidado para a
formação de comissões de socorros, para o apoio da população mais carenciada.
Assim, é possível afirmar que o surgimento de surtos de cólera conduziu a
nível nacional, à implementação de medidas sanitárias que atuaram de forma du-
pla: por um lado pretendia-se afastar e combater os surtos coléricos, e por outro
educar e consciencializar a população, sobretudo as classes mais pobres, para a
importância da higiene pública e privada. Como anteriormente referido, a cólera
foi um mal de reduzido impacto para a população vimaranense, mas apesar dis-
so, foi notória, desde a ocorrência do primeiro surto, a preocupação da Câmara
Municipal na tomada de medidas sanitárias que visavam a limpeza e inspeção
49 Faria, João Lopes, Efemérides vimaranenses, Sociedade Martins Sarmento, vol. II, 5 de agosto
de 1855, 119 v.