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73 | 2018
Revisitar a Pneumónica de 1918-1919

A pandemia de gripe de 1918-1919: um desafio à


ciência médica no princípio do século XX
The 1918-1919 flu pandemic: a challenge to medical sciences in the early 20th
century
La pandemie de grippe de 1918-1919: un defi pour la science medicale au debut
du XXe siècle

Helena Rebelo-de-Andrade e David Felismino

Edição electrónica
URL: http://journals.openedition.org/lerhistoria/4070
DOI: 10.4000/lerhistoria.4070
ISSN: 2183-7791

Editora
ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa

Edição impressa
Data de publição: 1 Dezembro 2018
Paginação: 67-92
ISSN: 0870-6182

Refêrencia eletrónica
Helena Rebelo-de-Andrade e David Felismino, « A pandemia de gripe de 1918-1919: um desafio à
ciência médica no princípio do século XX », Ler História [Online], 73 | 2018, posto online no dia 27
dezembro 2018, consultado no dia 03 maio 2019. URL : http://journals.openedition.org/
lerhistoria/4070 ; DOI : 10.4000/lerhistoria.4070

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Internacional.
Ler História | 73 | 2018 | pp. 67-92

A PANDEMIA DE GRIPE DE 1918-1919: UM DESAFIO À CIÊNCIA MÉDICA


NO PRINCÍPIO DO SÉCULO XX

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Helena Rebelo-de-Andrade
Dep. de Doenças Infecciosas e Museu da Saúde, Instituto Nacional de Saúde Doutor Ri-
cardo Jorge; Host-Pathogen Interaction Unit, iMed.ULisboa, Faculdade de Farmácia,
Lisboa, Portugal
H.Rebelo.Andrade@insa.min-saude.pt

David Felismino
Museu da Saúde, Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, Portugal
david.felismino@insa.min-saude.pt

A pandemia de gripe pneumónica foi, à escala mundial, das mais mortíferas de todo
o século XX. Entre a primavera de 1918 e abril 1919 grassou em Portugal, com uma
virulência irregular e invulgar, em três ondas sucessivas, que estimularam um intenso
debate científico. Aconteceu numa altura em que o agente etiológico da gripe (o vírus
influenza) não tinha sido identificado e os antibióticos não tinham sido descobertos, lan-
çando inúmeros desafios profiláticos e terapêuticos às autoridades sanitárias nacionais
e internacionais. Neste artigo, abordam-se alguns destes aspetos, com base na literatura
médica coeva e na investigação desenvolvida posteriormente, procurando discutir algumas
características biológicas da epidemia que possam explicar, em parte, a gravidade deste
fenómeno epidémico.

Palavras-chave: pandemia de gripe, influenza, pneumónica, terapêutica, prevenção, Portugal.

Abstract (EN) at the end of the article. Résumé (FR) en fin d’article.

A pandemia de gripe pneumónica atingiu Portugal num momento de


crise económica, social, sanitária e política. A participação na Grande Guerra
tinha agravado a fome, a carência alimentar e a carestia de vida, contribuindo
para os conflitos sociais. Ocorreu ainda num período de particular vulnera-
bilidade, marcado por recorrentes surtos epidémicos, de tifo exantemático
e de varíola, além de uma elevada taxa de mortalidade associada a doenças
endémicas, como a tuberculose. Num contexto de forte conflitualidade
sociopolítica, Sidónio Pais apoiou diretamente várias iniciativas assistenciais
e caritativas, transformando a pandemia num móbil de combate político.
Mas foi também, em plena crise sanitária, entre outubro e dezembro de
1918, que sucedeu uma insurreição militar, que foi decretado o estado de
sítio e que houve uma greve geral, marcando um período conturbado que
H. Rebelo-de-Andrade, D. Felismino | A pandemia de gripe

culminou com o assassinato de Sidónio Pais. Até janeiro de 1919, haveriam


de acontecer, ainda, duas tentativas de revolução, liderada uma por Álvaro
Xavier de Castro e outra por Henrique Paiva Couceiro. É neste contexto
68 complexo que a pneumónica atinge Portugal.
Do ponto de vista da ciência e da medicina, a pandemia de gripe acon-
teceu numa altura em que o agente etiológico da gripe (o vírus influenza)
ainda não tinha sido identificado e os antibióticos não tinham sido desco-
bertos, lançando inúmeros desafios preventivos e terapêuticos às autoridades
sanitárias nacionais e internacionais. Em Portugal, pese embora não seja
novidade, o tema da pneumónica apenas se afirmou no debate historiográfico
nas últimas décadas. As abordagens têm sido múltiplas, discutindo-se as
consequências demográficas, as respostas das autoridades médicas, políticas
e institucionais e a mobilização da sociedade civil, a nível nacional, regional
e local (Sampaio 1958; Frada 1989 e 2005; Trindade 1998; Sobral et al
2009a). No entanto, de uma forma geral, o intenso debate científico em
torno do organismo responsável e das medidas preventivas e terapêuticas,
no qual participaram algumas das figuras mais proeminentes da medicina
portuguesa de então, tem permanecido arredado da maioria dos estudos
à exceção de alguns trabalhos mais recentes (Rebelo-de-Andrade 2001;
Sobral et al 2009b; Almeida 2013a, 2013b e 2014; Nunes 2014; Nunes et
al 2018). Por outro lado, estudos recentes têm também procurado descor-
tinar as bases biológicas da pandemia de 1918, para a qual continuamos a
não saber se na sua origem esteve um ou múltiplos eventos virais, qual foi
o hospedeiro que funcionou como reservatório de recombinação, e como e
onde se iniciou a transmissão zoonótica ao homem (Oxford 2001; Worobey,
Han e Rambaut 2014; Aulley et al 2015; Gagnon et al 2015; Taubenberger
e Morens 2006; Taubenberger 2012).
Neste estudo, pretende-se revisitar e detalhar os principais temas que
enformaram o debate científico na época (a origem da epidemia, as bases
biológicas da sua virulência, o agente etiológico, as possíveis terapêuticas
e as medidas preventivas), propondo uma leitura atualizada do tema. Para
tal, recorreu-se, preferencialmente, à imprensa generalista como fonte
principal e veículo de divulgação do repertório cognitivo e científico coevo,
não descurando alguns periódicos especializados de âmbito nacional e de
maior circulação: A Medicina Contemporânea, no caso português, e El Siglo
Médico, no contexto espanhol (Mergoupi-Savaidou, Papane-Lopoulou e
Carneiro 2016). Em períodos de crises sanitárias graves como a de 1918-
1919, os jornais diários e semanais veiculavam e transmitiam amiúde, com
vista à instrução das populações, informações detalhadas, em muitos casos
fundamentadas na literatura especializada médica e científica, sobre os
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fenómenos epidémicos, permitindo-nos aceder ao estado da arte dos conhe-


cimentos científicos do seu tempo. Por outro lado, serviam regularmente
de veículo de ligação às autoridades sanitárias na comunicação de riscos e
na recomendação de medidas preventivas e terapêuticas. Perante a elevada 69
mortandade e um padrão invulgar de mortes nos grupos etários entre os 20
e os 40 anos, a discussão sobre a natureza do agente etiológico e as causas
da sua virulência ocuparam um espaço significativo no debate científico
da época. Estas matérias, quando confrontadas com as investigações mais
recentes no campo da virologia, permitirão ainda abordar e apontar algu-
mas das possíveis características biológicas do vírus de 1918. Mais do que
resultados definitivos em relação à pandemia, este artigo pretende apresentar
um conjunto sistematizado de dados, acrescentando nova informação a um
debate que só recentemente começou a ocupar a historiografia portuguesa.

1. Percurso da pneumónica em Portugal: a origem e as três ondas


epidémicas

A propaganda associada à I Guerra Mundial (1914-1918) e à Revolu-


ção Russa (1917), e o consequente media blackout relativo a notícias que
poderiam ter um impacto negativo na moral das tropas, ou mesmo alterar
o curso das ofensivas militares, não permitiu identificar o foco inicial da
pandemia. Porém, uma vez que o rei Afonso XIII de Espanha (1886-1931),
apoiado pelo governo constitucional chefiado por Eduardo Dato, manteve
a neutralidade do seu país durante a guerra, não é de estranhar que as
notícias sobre a epidemia tenham surgido em Espanha sem os mesmos
constrangimentos associados às nações envolvidas no conflito. Foi a partir
destas notícias iniciais que, se bem que erradamente, se associou o início da
pandemia de gripe pneumónica a Espanha, ficando conhecida como “gripe
espanhola” (Trilla, Trilla e Daer 2008; Chowell et al 2014).
No entanto, a origem do vírus Influenza da pandemia de 1918 continua
controversa. Seguindo a nomenclatura da Organização Mundial de Saúde,
convencionou-se designar o vírus da pandemia de 1918 por A(H1N1).1
Alguns autores defendem que as primeiras manifestações do vírus causador

1 A primeira estirpe de vírus Influenza isolada a partir do homem, em 1933, foi classificada como A(H0N1).
Este subtipo circulou de 1933 a 1946, quando surgiu uma nova variante designada A(H1N1) que depois
se verificou ser semelhante à estirpe de 1918. Estes subtipos A(H1N1) e A(H0N1), que circularam entre
1918 e 1956, ocasionaram epidemias regulares com difusão limitada, provavelmente porque sofreram
variações antigénicas pouco significativas, o que levou a que fossem incluídas no mesmo subtipo
A(H1N1).
H. Rebelo-de-Andrade, D. Felismino | A pandemia de gripe

da pneumónica podem ter ocorrido associadas a surtos registados em bases


militares em França (exército britânico estacionado em Étaples), no inverno
de 1916, no Reino Unido (Aldershot) em março de 1917 e, entre 1915 e
70 1917, nos Estados Unidos (Detroit, Michigan e Carolina do Sul) (Oxford
2001). Nesta linha de pensamento, esta fase teria correspondido a uma
adaptação do vírus ao hospedeiro humano, após transmissão zoonótica. Por
exemplo, no campo militar britânico, em Étaples, na Bretanha francesa,
há fotografias que mostram o contacto dos soldados com aves domésticas
e suínos, reunindo as condições para a transmissão interespécies do vírus
Influenza (Oxford 2001). Antecedendo estes episódios, não foi descartada
a hipótese de o vírus ter surgido no sudeste asiático, e de a transmissão
ter ocorrido, posteriormente, através dos chineses que foram destacados
para servir as forças aliadas. Porém, uma teoria contraditória mostra que a
corrente de transmissão pode ter ocorrido no sentido oposto, ou seja, da
Europa para a China, com o regresso dos trabalhadores chineses à sua terra
natal no final da guerra, depois do armistício de 11 de novembro de 1918
e do tratado de Versailles em 1919 (Hannoun 1993).
Do percurso conhecido da gripe pneumónica, já na forma epidémi-
ca, sabemos que em março de 1918 são registados casos de doença nos
Estados Unidos; a partir de abril de 1918 a infeção chega a Bordéus; em
seguida atinge o exército britânico e, em maio e junho, transmite-se por
toda a Europa. A epidemia começa, depois, a sua progressão mundial,
propagando-se por África, pela Índia, Nova Zelândia e Filipinas. Em
agosto de 1918, surge uma segunda onda epidémica, associada a uma
fase de maior virulência, que se propaga a partir de três localizações:
Brest (França), Freetown (África do Sul) e Boston (Estados Unidos). Uma
terceira onda epidémica foi posteriormente observada em alguns países.
Desta transmissão mundial parece que apenas escaparam a Nova Guiné, a
ilha de Santa Helena e algumas ilhas do Pacífico Sul (Rebelo-de-Andrade
2001; Richard et al 2009; Erboreka 2010; Chowell et al 2011 e 2012;
Shanks 2015; Simonsen et al 2018).
Em Portugal, a pandemia desenvolve-se, igualmente, com um perfil
de três ondas epidémicas. Uma primeira onda, de maior benignidade,
começa na primavera de 1918, com os primeiros casos a serem registados
em Vila Viçosa, em maio, provavelmente com origem nos trabalhadores
que regressavam de Badajoz e Olivença, onde a epidemia já grassava.2 A
epidemia difunde-se rapidamente por todo o Alentejo, atingindo o Porto

2 A Medicina Contemporânea, 02/06 e 16/6/1918.


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e Lisboa em 10 e 11 de Junho, respetivamente.3 O centro do país parece


ter sido a região mais afectada neste período. A segunda onda epidémica,
com uma gravidade maior, inicia-se em agosto/setembro de 1918 (Jorge
1919; Rebelo-de-Andrade 2001). Foi durante esta segunda fase da epidemia 71
que foram observadas formas inusuais de uma patologia mais severa, com
o relato de casos de síndrome de dificuldade respiratória aguda, de pneu-
monia fulminante (antecedida muitas vezes por cianose violácea da face e
extremidades), e de mortes súbitas. Este segundo período marca o início da
transmissão da doença no arquipélago da Madeira, em 14 de setembro, com
a chegada do vapor Mormugão ao Funchal e a chegada a Ponta Delgada
de um navio originário de Bordéus, em 21 de setembro, que ocasionou os
primeiros casos no arquipélago dos Açores (Rebelo-de-Andrade 2001). Nas
ilhas, a epidemiologia da doença teve uma evolução mais tardia, estendendo-
-se por mais tempo, sendo a sua difusão heterogénea e não atingindo com
igual magnitude as diferentes ilhas. Finalmente, tal como em muitos países
europeus, também em Portugal há relatos de uma terceira onda epidémica,
menos grave, a partir de fevereiro de 1919 (Jorge 1919).
Ricardo Jorge (1858-1939) ilustra nos seus textos a evolução da epi-
demia, em ondas epidémicas sucessivas, com gravidade crescente, a partir
do foco que julga originário de Espanha e descreve:
no seu foco originário de Espanha mostrara bem mais fereza, e
ao europeizar-se não foram poucas as regiões onde a sua entrada
amedrontou. Desde Agosto que uma vaga se enrola, sem a relativa
inocência da primeira. Tem este jeito sabido a influenza; retorna,
quando menos se espera, em ondulações sucessivas, estas reincidências
costumam também requintar de gravidade (Jorge 1918a).
O perfil de três ondas epidémicas que se sucedem rapidamente,
no espaço de menos de um ano (8 a 9 meses), foi distinto de outras
pandemias de gripe. Por exemplo, a de 1889 levou cerca de três anos a
atingir o seu caráter mundial. Por outro lado, a primeira onda na pande-
mia de 1918 aconteceu na primavera, uma altura do ano em que é raro
desencadearem-se surtos de gripe no hemisfério norte. A segunda onda
originou epidemias no outono, que se desenvolveram em simultâneo
nos hemisférios norte e sul. Finalmente aconteceu a onda de inverno no
hemisfério norte. As formas moderadas da doença foram idênticas nas três
ondas e semelhantes ao que conhecemos para a sintomatologia da gripe
sazonal. Porém, uma das grandes diferenças entre as ondas epidémicas foi

3 A Medicina Contemporânea, 22/09 e 29/9/2018.


H. Rebelo-de-Andrade, D. Felismino | A pandemia de gripe

a maior frequência das complicações, dos casos graves e das fatalidades que
caracterizaram a segunda e a terceira onda epidémica, tanto em Portugal
como a nível global.
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Pese embora o estudo epidemiológico de Ricardo Jorge e as referências
jornalísticas coevas mencionarem os primeiros casos em terras alenteja-
nas, no princípio do mês de maio de 1918, uma leitura mais atenta dos
relatórios hospitalares e médicos da época parece sugerir múltiplas frentes
de entrada do vírus no território nacional e em cronologia ligeiramente
anterior. Em detalhado relatório do médico Mário de Castro, subdiretor
clínico do hospital da Cruz Vermelha, instalado no Palácio das Carrancas
(Porto) a partir de finais de fevereiro de 1918 para acolher e tratar os
militares infetados por tifo exantemático, referem-se 19 casos de interna-
mento com diagnóstico de gripe (num total de 98 internamentos), entre
8 de março e 7 de maio. A partir do primeiro caso diagnosticado em 8 de
março, nota-se uma aceleração do número de infetados, com novos inter-
namentos numa periodicidade quase diária (21, 23, 24 e 26 de março, e
11, 19, 26, 28, 29 e 30 de abril). Por outro lado, estes casos apresentam
períodos de internamento e convalescença (entre 10 a 15 dias em média,
podendo chegar às três semanas) invulgares no contexto de uma epide-
mia tradicional de gripe, sugerindo formas agravadas da doença, o que se
vem a verificar com a referência aos primeiros casos de infeções agravadas
do foro pneumónico em 2 e 7 de maio (Castro 1921). Ainda que esta
hipótese careça de um estudo mais alargado e detalhado, com base numa
revisão dos boletins clínicos hospitalares a nível nacional, os elementos
supramencionados parecem apontar para múltiplas frentes de entrada do
vírus da gripe em 1918, nomeadamente logo a partir de março, na região
norte do país, através dos militares portugueses regressados da frente de
combate francesa.

2. A gravidade da pneumónica: bases biológicas e um padrão


de mortalidade inusual

Tradicionalmente, sabemos que a curva traçada para a taxa de morta-


lidade por gripe sazonal, segundo a idade, segue a forma de um “U”. Ou
seja, as taxas mais elevadas de mortalidade correspondem aos extremos das
idades (mais novos e mais velhos). No entanto, para a pandemia de 1918
foi descrito por vários autores, nas diferentes regiões a nível mundial, um
padrão inusual para a curva da mortalidade com aumento das mortes nos
grupos etários entre os 20 e 40 anos, formando um pico a meio da curva
que lhe dá uma aparência de “W” (Lai 2015).
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Este padrão foi também registado em Portugal como o mostram os


estudos retrospetivos de Arnaldo Sampaio (1958), nos quais tratou com
grande detalhe os dados da mortalidade geral por gripe e pneumonia no
período de 1913 a 1956. Dessas análises, segundo o autor, podemos reter 73
o seguinte: (a) a mortalidade geral duplicou entre 1917 e 1918, passando
de 22/1000 em 1917 para 42/1000 em 1918; (b) a taxa de mortalidade
por gripe aumentou de 18/100 000 em 1917 para 962/100 000 em 1918;
(c) embora as taxas de mortalidade tenham sido mais altas do que o habi-
tual em todos os grupos etários, foram os jovens adultos os que pagaram
o maior tributo na pandemia de 1918; (d) a mortalidade aumentada em
todos os grupos etários interpretou-a como sendo devida à maior virulên-
cia do microorganismo; neste caso, Arnaldo Sampaio argumentou a favor
da hipótese de o vírus Influenza ser o causador da maioria das mortes e
não o facilitador da pneumonia bacteriana secundária; (e) durante o ano
de 1918, com exceção do grupo etário dos 65 aos 69 anos, as taxas de
mortalidade por gripe foram maiores nas zonas rurais do que nas zonas
urbanas, provavelmente devido às diferenças no acesso aos cuidados médicos
e ao tratamento; (f ) ao contrário, em 1919, as taxas de mortalidade foram
maiores em todos os grupos etários nas zonas urbanas, o que poderá refletir
uma insuficiência da assistência médica, já saturada, com longos meses de
resposta à epidemia (Sampaio 1958). Note-se que a mortalidade aumenta-
da, em particular nos grupos etários em idade ativa, foi um dos principais
motivos de alarme durante a pandemia, sendo tópico recorrente das análises
epidemiológicas levadas a cabo na época.4 Em desenvolvidas notas clínicas,
publicadas na Medicina Contemporânea, em meados de novembro de 1918,
António Cassiano Neves, médico auxiliar do Instituto Central de Higiene,
com base no acompanhamento dos epidemiados durante o segundo surto
ocorrido no outono desse ano, constatava:
Na epidemia de outubro, o primeiro facto a annotar é que os indi-
víduos que tiveram a gripe de junho ou não foram atacados – o que
sucedeu em regra – ou, se foram, tiveram uma forma fruste. Internados
houve, como na Casa Pia, que atacados em massa pela epidemia de
junho, foram poupados em outubro. […]. Nas duas epidemias, as
creanças e os velhos especialmente foram mais poupados que a gente
dos 20-30 annos; as creanças não só, poupadas quanto à gravidade
da forma como ao número de atacados, sendo tanto menos atacadas,

4 Por exemplo, La Mañana, 30/05/1918; El Sol, 01/06/1918; El País, 03/06/1918; Le Matin, 01 e 12/10/1918;
Le Petit Parisien, 31/10/1918; A Medicina Contemporânea, 31/08 e 17/11/1918, 23/03/1919; O Comércio
do Porto, 25/09/1918; Diário de Notícias, 10/10/1918.
H. Rebelo-de-Andrade, D. Felismino | A pandemia de gripe

quanto mais baixa é a idade, aos velhos quanto ao número relativo


de atacados.5
Estas descrições e uma curva em “W” encontram-se confirmadas pelas
74
Estatísticas Demográficas de 1918 (ver Fig. 1). Verifica-se uma mortalidade
aumentada por gripe em todos os grupos etários, com particular incidência
nos jovens adultos, entre os 20 e os 39 anos (24 369 óbitos), o que repre-
senta uma taxa de mortalidade superior em 15,85% em relação às crianças e
adolescentes até aos 19 anos (20 509 óbitos) e superior em 62% em relação
ao grupo etário dos 40-65 anos (9262 óbitos).

Figura 1. Taxa de mortalidade por gripe em 1918 em Portugal Continental


e nas Ilhas

Fonte: Estatísticas Demográficas – 1918 (Instituto Nacional de Estatística)

Apesar do detalhe destas descrições, são ainda muitas as perguntas


sem resposta. Seria de grande interesse, médico e científico, voltar a fazer
a análise dos dados de mortalidade por todas as causas, por gripe e pneu-
monia, para o país e por região, recorrendo às fontes primárias para, de
forma definitiva, descrevermos o impacto da pneumónica em Portugal em
termos temporais, geográficos, demográficos e socioculturais. É certo que,
apesar do muito que se escreveu até agora sobre a pneumónica de 1918,
continuamos a não saber, com toda a certeza, como, onde e porquê esta
pandemia se manifestou com uma gravidade tão excecional em Portugal e a

5 A Medicina Contemporânea, 17/11/1918.


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nível mundial. Há que destacar, no entanto, o estudo muito recente de uma


equipa de investigadores (Nunes et al 2018), segundo o qual a pandemia de
1918-1919 terá causado 117 764 vítimas mortais em Portugal, considerando
todas as infeções agravadas de foro respiratório (gripe, tuberculose pulmonar, 75
bronquite aguda e crónica, pneumonia), o que representa um aumento da
taxa de mortalidade geral para 195.7/10 000. O aumento da mortalidade
associada à gripe fez-se sentir em duas ondas: primeiro, entre julho de 1918
e janeiro de 1919, com um pico em outubro (principalmente no sul do
país, Lisboa e Porto e mormente em áreas rurais) e, posteriormente, entre
abril e maio de 1919, com um pico em abril (principalmente no norte do
país e nas áreas urbanas).
Podemos ainda refletir sobre a origem e a virulência do vírus da pneu-
mónica e a consequente resposta inflamatória que provocou na progressão
da doença. Sobre o vírus influenza da pandemia de 1918 continuamos a
não saber se na sua origem está um ou múltiplos eventos de rearranjo de
segmentos genómicos e, na eventualidade de ter ocorrido uma transmissão
zoonótica, desconhecemos qual foi o animal que funcionou como reservatório
de recombinação ou se esse rearranjo de segmentos pode mesmo ter acontecido
no próprio homem. No entanto, as sequências do genoma obtidas através de
tecidos provenientes da exumação de cadáveres de vítimas da pandemia de
gripe, e através da análise por regressão matemática de sequências genómicas
de várias bases de dados, fazem presumir que o vírus de 1918 teria circulado
e provocado doença em simultâneo no homem e na população suína e o seu
percursor poderia ter surgido cerca de 1915, com um intervalo situado entre
1913 e 1916 (Taubenberger e Morens 2006; Taubenberger 2012).
Num trabalho publicado em 2014, sugere-se como cenário provável
que um ou vários eventos teriam juntado um gene da Hemaglutina do
tipo 1 (H1), pertencente a um vírus influenza em circulação na população
humana, com sete segmentos genéticos de um vírus aviário (por exemplo
um vírus H7N1), dando origem ao vírus pandémico da pneumónica
A(H1N1) (Worobey, Han e Rambaut 2014). Note-se que na pandemia
de gripe asiática, em 1957, foram introduzidos três genes de vírus aviário
na linhagem humana de vírus influenza, dando origem ao vírus A(H2N2)
e que, em 1968, na génese da pandemia de gripe de Hong-Kong, foram
introduzidos dois genes aviários no vírus influenza que circulava na popu-
lação humana, originando o vírus A(H3N2). Por sua vez, o vírus influenza
da pandemia de gripe de 2009 surgiu através da transmissão zoonótica, dos
suínos ao homem, de um vírus influenza triplo recombinante, com genes
de linhagens aviárias, suínas e humanas. Neste contexto, os vírus influenza
das pandemias de gripe de 1957, de 1968 e de 2009 contêm segmentos
H. Rebelo-de-Andrade, D. Felismino | A pandemia de gripe

genéticos que provêm do pool de genes do vírus fundador A(H1N1) da


pandemia de 1918 (Taubenberger e Morens 2006).

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Figura 2. Ilustração esquemática da origem dos vírus Influenza pandémicos
entre 1918 e 2009

Fonte: H. Rebelo-de-Andrade (original).

O modelo atualmente proposto para explicar o padrão de mortalidade


por grupo etário (curva em “W”) da pandemia de 1918 tem como base
a exposição agregada das várias coortes de nascimento aos diferentes vírus
pandémicos e sazonais em circulação anteriormente à pneumónica. Ou seja:
de 1830 a 1847 teria circulado um vírus H1N1; entre 1847 e 1889, um
vírus H1N8; de 1889 a 1900, um vírus H3N8; de 1900 a 1918, um vírus
H1N8. Nestas circunstâncias, a coorte dos nascidos depois de 1889 teria
uma menor proteção contra o vírus de 1918, uma vez que, na sua infância,
teriam sido expostos a um vírus H3N8 (imunidade heterosubtípica para
H3 e N8). É, de facto, nesta coorte que foi observado o pico de excesso
de mortalidade durante a pandemia de gripe pneumónica. Neste caso, a
exposição na infância à hemaglutinina, H3, poderá ter interferido com a
resposta posterior à hemaglutinina, H1, que circulou entre 1900 e 1918, e,
consequentemente, também, ao vírus de 1918, o chamado “pecado original
antigénico” (Gagnon et al 2015).
Por sua vez, os nascidos depois de 1900 teriam uma proteção intermé-
dia, por exposição na infância ao vírus H1N8 (imunidade homosubtípica
para H1 e heterosubtípica para N8). Por oposição, a coorte de nascidos
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depois de 1830 seria a mais bem protegida contra o vírus de 1918, por
exposição na infância a uma linhagem homosubtípica para H1 e N1,
correspondendo a uma menor mortalidade durante a pandemia (Woro-
bey, Han e Rambaut 2014). Para além das bases virológicas que tentam 77
explicar a mortalidade invulgarmente elevada entre os adultos jovens
que se observou durante a pandemia de gripe de 1918, podemos ainda
encontrar justificação na movimentação das tropas mobilizadas para a
guerra, constituídas por grupos etários em idade ativa, e na sua exposição
a condições de precariedade alimentar e sanitária, a armas químicas e
ao stress da guerra, ficando assim mais suscetíveis perante a doença e as
suas complicações. Por outro lado, os acampamentos militares e hospitais
superlotados e a proximidade nos campos de treino, nos alojamentos e
nos cenários de guerra foram também propícios à transmissão rápida da
doença.
A elevada patogenia do vírus da pandemia de 1918 e a resposta imuno-
lógica exacerbada à infeção foram, ainda, fatores determinantes no apareci-
mento dos casos graves e na grande mortalidade atribuída a esta pandemia.
De facto, as proteínas NS1 e PB1-F2 do vírus influenza da pandemia de
1918 podem ter sido determinantes no aumento da inflamação durante a
infeção viral primária e na frequência e severidade da pneumonia bacteriana
secundária. Ou seja, a potente capacidade supressora da resposta imune inata,
induzida por uma carga viral elevada, produziu um concomitante aumento
e desregulação da expressão das citoquinas pro-inflamatórias (tempestade
de citoquinas) (Taubenberger 2012; Auley et al 2015).
Neste contexto, as formas graves da doença e as suas complicações,
nomeadamente a pneumonia viral primária e a pneumonia bacteriana
secundária, assim como a consequente mortalidade elevada, resultaram de
uma complexa conjugação de fatores inerentes: (a) à patogénese do vírus
influenza de 1918; (b) à resposta inflamatória que induziu no hospedeiro
e às suas consequências na progressão da doença; (c) à exposição prévia
a outras estirpes do vírus influenza, particularmente durante a infância;
(d) ao contexto de particular suscetibilidade dos adultos jovens como
resultado do envolvimento na guerra. Não podemos, ainda, esquecer a
ausência de opções terapêuticas para o tratamento da pneumonia bac-
teriana, uma vez que só a partir da II Guerra Mundial se generalizou o
uso dos antibióticos (apesar de a descoberta da penicilina ter ocorrido
ocasionalmente em 1928).
H. Rebelo-de-Andrade, D. Felismino | A pandemia de gripe

3. Etiologia da pneumónica

A pandemia de gripe pneumónica aconteceu numa altura em que ainda


78 não se tinha identificado o agente etiológico da gripe (o vírus influenza)
nem os antibióticos tinham sido descobertos. Seriam necessários mais
treze anos (1931) para o americano Richard Shope (1901-1966) isolar
pela primeira vez o vírus influenza do trato respiratório de suínos, e
quinze anos (1933) para o vírus influenza ser identificado como o agente
viral causador da gripe no homem pelos investigadores britânicos Wilson
Smith, Christopher Andrews e Patrick Laidlaw. As primeiras notas sobre
uma doença que começava a grassar de forma epidémica em solo euro-
peu apareceram pontualmente na imprensa a partir de maio de 1918,
principalmente nos jornais de Espanha, país neutro no conflito mundial
que acontecia desde 1914: “Desde hace vários dias reina en Madrid una
epidemia de carácter benigno y de naturaleza análoga à una infección
de gripe, aunque mucho menos molesta”.6 Nos primeiros dias de junho,
fazendo eco das notícias veiculadas no país vizinho, vieram as primeiras
referências na imprensa portuguesa e as primeiras definições que indicavam
ser gripe a doença que alastrava pelo continente com gravidade relativa:
“As grandes sumidades médicas hespanholas demonstraram que a atual
epidemia que reina em Madrid e em outros pontos do paíz vizinho é de
origem gripal e está localizada nas vias respiratórias, apresentando-se o
symptoma tosse mais ou menos intenso”.7
Eram notícias vagas e pontuais que deram, rapidamente, lugar a infor-
mações detalhadas quando começaram a surgir casos agravados da doença em
toda a Europa no final da primavera de 1918, impondo-se a identificação
e designação de gripe ou influenza no seio da classe médica europeia. Em
Portugal, Ricardo Jorge, então diretor-geral da Saúde, confirmou o diagnós-
tico de influenza, apresentando logo em 18 de junho, ao Conselho Superior
de Higiene, um extenso relatório dedicado “a nova incursão peninsular da
influenza” (Jorge 1918a). Em Lisboa, o número de óbitos aumentara para
400 por semana e as autópsias, levadas a cabo nos hospitais da capital, reve-
lavam, cada vez mais, lesões pulmonares agravadas por broncopneumonia,
pneumonia, congestão, edema, pleurisia, entre outros: “La grippe apportait
sa suite ordinaire de complications thoraciques de la pire espèce, qui ne
pouvaient tromper aucun observateur réellement averti sur le diagnostic et
le pronostic exacts de l’épidémie” (Jorge 1919).

6 La Manãna, 23/05/1918.
7 A Capital, 04/06/1918.
Ler História | 73 | 2018

Todavia, a origem e natureza dos agentes infeciosos foram discutidas,


num intenso debate à escala mundial, assente nos paradigmas vigentes da
epidemiologia e da bacteriologia finisseculares. Foram apontados diversos
possíveis agentes, como o bacilo de Pfeiffer, o agente infecioso da febre papa- 79
taz e um leque variado de possíveis microrganismos, como o estreptococo,
o estafilococo, o pneumobacilo ou ainda o pneumococo. De todos estes,
foi em torno do bacilo de Pfeiffer (Hemophilus influenza) que se geraram
as discussões mais acesas, sendo este microrganismo identificado como o
agente causador da influenza desde a última grande pandemia de gripe que
assolara o mundo em 1889-1891. Em janeiro de 1892, os bacteriologistas
Richard Pfeiffer, Kitasato Shibasaburo e Paul Canon tinham publicado, no
segundo número da Deutshe Medicinische Wochenschrift, três artigos onde
identificavam o bacilo Hemophilus influenza como o que pensavam ser o
microorganismo causador da gripe. Muito embora os estudos realizados
durante a pandemia gripal seguinte, de 1898-1901, não confirmassem a
presença do bacilo nas amostras colhidas nos doentes infetados, a comuni-
dade médica não questionara o achado de Pfeiffer.
À semelhança da pandemia de 1898, os exames levados a cabo nos
principais laboratórios e hospitais europeus não confirmaram, em 1918,
a presença significativa de Hemophilus influenza nos epidemiados.8 Em 24
de maio, o médico espanhol Gregório Marañon dava conta, no diário El
Sol, dos resultados negativos obtidos no laboratório do Hospital Central
de Madrid, à semelhança dos resultados conseguidos no Laboratório Muni-
cipal de Higiene de Madrid e no Instituto de Medicina Legal de Madrid
publicados nas semanas seguintes.9 Outros médicos defendiam, no entanto,
a possível origem da doença numa combinação do bacilo de Pfeiffer com
outros microorganismos ou bactérias (estreptococo, pneumococo, bacilo
catharralis e parameningococo).10
Outra hipótese discutida foi a da “febre dos três dias”, também conhecida
como “febre dos papatazes”, “febre estival”, “influenza estival” ou “febre da
seca”, provocada por um microrganismo veiculado por um inseto da espécie
Phlebotomus papatasi, que apresentava, no que toca aos sintomas, evolução
e duração semelhantes à influenza. Em Portugal, os principais defensores
deste diagnóstico foram Carlos França (1877-1926) e Américo Pires de
Lima (1886-1966), à época assistente de Clínica Médica na Faculdade de

8 La Manãna, 04/06/1918.
9 El Sol, 24/05/1918. Vide também La Mañana, 28/05/1918; El Sol, 06/06/1918 e 07/06/1918; El País,
05/06/1918 e 09/09/1918.
10 El Siglo Médico, 24/08/1918.
H. Rebelo-de-Andrade, D. Felismino | A pandemia de gripe

Medicina da Universidade do Porto. A 21 de junho de 1918, no jornal O


Dia, França publicou um extenso relatório no qual afirmava ter identificado
flebótomos em território nacional,11 tal como já o fizera sem carácter epi-
80 démico, na região de Colares (Sintra), em 1912. Apoiando-se no trabalho
de França, Pires de Lima, em sucessivos relatórios e crónicas de opinião,
publicados entre julho e outubro do mesmo ano, procuraria reafirmar a tese,
confirmando a presença de flebótomos em Portugal.12 Em sessão plenária
da Associação Médica de Lisboa, ocorrida a 11 de julho, Carlos Ramalhão
(1896-1936), assistente da Faculdade de Medicina do Porto, arredando o
estudo bacteriológico da doença por dificuldades relacionadas com a rápida
hospitalização das vítimas, mas estudando antes as alterações leucocitárias
dos atingidos, considerava a leucopenia como modificação hemo-leucocitária
dominante nos doentes da epidemia reinante, considerando assente que
na febre papatasi havia em regra uma hipo-leucocitose e, na gripe, uma
hiperleucocitose.13
Os dados hematológicos de Ramalhão viriam a ser criticados por Geral-
dino de Brites (1882-1941), do Instituto de Medicina Legal de Lisboa, em
extenso artigo na Medicina Contemporânea, na semana seguinte, em 18 de
julho. Apontava para o efeito leucopenisante dos sais de quinina, um dos
medicamentos mais vulgarmente utilizados no tratamento dos epidemiados.14
Caberia a Ricardo Jorge, em extenso estudo publicado a 12 de agosto desse
ano, refutar, com base em dados entomológicos, bacteriológicos, clínicos
e epidemiológicos, a hipótese de estarem perante “febre dos três dias”. No
que à presença do vetor dizia respeito, afirmava liminarmente: “Mas para
que houvesse de imputar-se-lhe o papel transmissor duma epidemia assim,
era preciso que os papatazes voassem em cardumes como praga egípcia.
Semelhante difusão só é concebível com uma desmarcada profusão de
insetos transmissores” (Jorge 1918b).
Sobre os dados bacteriológicos, estando falido, na sua opinião, o conceito
pfeiferiano, reconhecia que o agente etiológico da gripe permanecia por des-
cobrir, lamentando a falta de dados laboratoriais sistemáticos e sublinhando
a importância dos dados clínicos e epidemiológicos para a confirmação do
diagnóstico. Do ponto de vista clínico, lembrava que a “febre dos três dias”
estava em regra isenta de catarro nas vias respiratórias superiores e inferiores,

11 Relatório publicado no jornal O Dia, citado pelo autor em texto publicado em A Medicina Contemporânea,
30/06/1918.
12 A Medicina Contemporânea, 14/07/1918.
13 A Medicina Moderna, 14/07/1918.
14 A Medicina Contemporânea, 18/07/1918.
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ao contrário do verificado na maioria dos epidemiados da primavera de


1918. Do ponto de vista epidemiológico, apresentava duas objeções: as duas
primeiras ondas epidémicas tinham ocorrido na primavera e no outono, por
oposição à febre estival que encontrava no verão as condições climatéricas 81
favoráveis ao seu desenvolvimento; e a epidemia de 1918 aparecia focada
no extremo ocidental europeu, ao contrário da “febre dos três dias” que,
em regra, desfilava de levante para poente, acompanhando a migração dos
flebótomos (Jorge 1918b).
No auge da segunda onda epidémica, multiplicando-se os infetados,
os casos graves, as vítimas e, por consequência, os trabalhos laboratoriais, a
confirmação do diagnóstico da influenza ganhou terreno. A 13 de outubro,
Nicolau Bettencourt (1872-1941), médico do Hospital de Doenças Infecio-
sas do Rego (Lisboa) e técnico do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana,
apresentou, na Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa, os resultados
obtidos nos exames laboratoriais levados a cabo nos doentes internados no
Rego. Os testes bacterioscópicos da expetoração pneumónica não revelavam
a presença do bacilo de Pfeiffer e verificava-se, em quase todos os doentes, a
gama multiforme da sintomatologia da gripe, desde os casos subfebris com
ligeiro catarro das vias áreas superiores até às formas mais graves com lesões
pulmonares. Concluía a extensa apresentação dos exames desenvolvidos:
Em resumo – epidemiologia com a sua feição pandémica e difusi-
bilidade extrema que nenhum outro morbo atinge. Sintomatologia
dentro do quadro clássico que lhe foi assinalado e em que a própria
variabilidade imprime carácter, dados bacteriológicos e anatomo-
-patológicos concordantes com as observações anteriormente feitas,
isto é como tal tem que ser considerada, a “influenza” escrita e escar-
rada, como dizia há pouco num dos seus relatórios o prof. Ricardo
Jorge, empregando, por desfastio, êste plebeísmo tanto do agrado da
gente da minha terra.15
A investigação laboratorial, iniciada em 1918-1919, lançaria inúmeras
pistas para identificação do vírus influenza alguns anos depois, na década
de 1930. Em setembro de 1918, os médicos franceses Charles Nicolle e
Charles Lebailly, do Instituto Pasteur de Tunes, e René Dujarric de la Riviè-
re, do Laboratoire Central de l’Armée, propuseram, pela primeira vez e de
forma sustentada, a origem viral da gripe. Após filtração e inoculação de
uma amostra da expetoração de um engripado em dois voluntários homens
(um por via subcutânea e o outro por via intravenosa), Nicolle e Lebailly

15 A Medicina Contemporânea, 13/10/1918.


H. Rebelo-de-Andrade, D. Felismino | A pandemia de gripe

verificaram que o primeiro homem desenvolvera sintomas da doença no


próprio dia e o segundo voluntário permanecera saudável, concluindo que
o agente etiológico da gripe seria um vírus filtrável, não transmissível pelo
82 sangue (Nicolle e Lebailly 1918). A descoberta, apresentada na Academia
das Ciências de Paris, encontraria eco imediato na imprensa internacional
durante o mês de outubro: “Cet agent pathogène est un microbe filtrant,
c’est-à-dire un microbe d’une petitesse telle qu’il passe au travers des filtres
les plus tenas et ne peut être visible qu’à l’ultramicroscope”.16
Em dezembro de 1918, o médico brasileiro Henrique Aragão, do Ins-
tituto Oswaldo Cruz (Brasil), conduziu um estudo semelhante, duvidando
que a gripe fosse provocada pelo bacilo de Pfeiffer. Considerava, do ponto
de vista clínico e epidemiológico, que a gripe em nada se assemelhava a uma
doença de origem bacteriana. Segundo ele, as enfermidades causadas por
vírus filtráveis apresentavam curto período de incubação, além de extrema
difusibilidade e contagiosidade, tal como era visível no quadro epidemiológico
de 1918. Outro argumento era a frequente ocorrência de infeções secundárias
que constituía um quadro característico de doenças de origem viral. Depois
de almejar isolar diminutos “corpos de forma arredondada” na análise da
expetoração dos doentes, concluía que a gripe pandémica era causada por
um vírus filtrável e pertencia ao grupo de doenças que não precisavam de
hospedeiros intermediários para sua transmissão (Aragão 1918).17

4. Terapêuticas e medidas preventivas: as soluções possíveis

Em 28 de maio de 1918, Ricardo Jorge comunicou ao Conselho Superior


de Higiene que a influenza estava a alastrar de forma explosiva por toda a
Espanha. Reconhecendo não existirem terapêuticas eficazes, recomendava
apenas “cama, dieta, tisanas e médico”.18 Foram estas as medidas preco-
nizadas, após muito debate em torno das terapêuticas, pela maioria dos
médicos, um pouco por toda a Europa.19 À luz do conhecimento médico
e farmacêutico da época, as alternativas às terapêuticas naturais eram
poucas. Aos doentes recomendou-se cama e descanso, preferencialmente
em casa, reservando a hospitalização para os mais desfavorecidos e para os
casos mais graves.20 Em associação, aconselhava-se uma alimentação sã ou

16 Le Petit Parisien, 15/10/1918.


17 Vide ainda A Medicina Contemporânea, 05/01/1919.
18 Portugal Médico, 18/06/1918; A Medicina Contemporânea, 02, 16 e 23/06/1918.
19 A Capital, 26/10/1918; A Medicina Contemporânea, 08/12/1918.
20 Le Matin, 26/10/1918; Portugal Médico, 18/06/1918.
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dieta rigorosa para fortalecer o sistema imunológico e evitar a progressão


da enfermidade.21 A manutenção de um regime alimentar equilibrado era,
todavia, tarefa árdua e inalcançável para o português comum. A extrema
e estrutural pobreza da população levava a que a maioria tivesse uma ali- 83
mentação má e escassa desde o seu nascimento. Além da escassez crónica,
os géneros alimentícios eram caros.
Com sucessivos anos de más colheitas agrícolas e a entrada na guerra
em 1916, os preços dos bens alimentares essenciais, como o pão, o azeite,
as hortaliças e o arroz, sofreram uma inflação acentuada, transformando a
fome num fenómeno endémico e afundando o país numa profunda crise
de subsistências que, em abril e maio de 1917, culminou em múltiplos
assaltos a armazéns de víveres e padarias, provocando dezenas de mortos e
centenas de feridos em Lisboa e no Porto. Na primavera de 1918, fruto da
falta de cereais, o preço do pão mais do que triplicou na capital e no Porto,
levando a novos protestos. A situação agravou-se ainda mais com a escassez
de arroz e a inflação do seu preço, obrigando ao tabelamento do seu valor
nos mercados, em junho do mesmo ano.22 Outros géneros, como o peixe, a
carne, a manteiga e o açúcar, já carregados do pesado ónus dos impostos e
das taxas alfandegárias, escasseavam ou desapareceram por completo (Pereira,
Varela e Noronha 2012; Pereira 2014; Redondo Cardeñoso 2017). Por esta
razão, entre outras, a população recorria a respostas de carácter assistencialista
para prover à alimentação, como as “Sopas para os Pobres”, criadas em abril
de 1917 pelo jornal O Século com a ajuda das paróquias, e as “Cozinhas
Económicas”, geridas pela Sociedade Protetora das Cozinhas Económicas de
Lisboa, fundada em 1893, e a Obra de Assistência 5 de Dezembro, criada
por iniciativa de Sidónio Pais, em março de 1918 (Cordeiro 2012).
Perante esta penúria e inflação acentuadas, preconizava-se, preferen-
cialmente, o consumo de caldo de galinha, prática secular na convalescença
e no tratamento dos enfermos, e a ingestão de água com açúcar, sucos de
laranja, limão ou ainda café, leite e até rum.23 Nem sempre as opiniões
eram consensuais: alguns médicos defendiam o consumo de leite, outros
rejeitavam-no liminarmente.24 Enquanto os clínicos portugueses preferiam o
sumo de laranja, em Espanha prescrevia-se a toma de infusões de limão. No
auge da segunda vaga da epidemia, tais recomendações conduziram mesmo

21 El País, 24/05/1918.
22 A Capital, 20/07/1918.
23 A Capital, 18/06/1918; Le Petit Parisien, 02/10/1918; Le Journal, 02/11/1918, 07/11/1918; Le Matin,
07/11/1918; A Medicina Contemporânea, 02/03/1919.
24 El País, 06/06/1918.
H. Rebelo-de-Andrade, D. Felismino | A pandemia de gripe

à escassez de limão nos mercados madrilenos, obrigando as autoridades a


regulamentarem a sua venda.25
As limitações do espaço de internamento nos hospitais levaram a que
84
muitos doentes permanecessem acamados em suas casas. As recomenda-
ções, simultaneamente preventivas e terapêuticas, durante o período de
convalescença, consistiam no isolamento rigoroso do doente em quarto
individual ou a divisão das grandes áreas com panos e lençóis, o seu
aquecimento, a lavagem e substituição regular da roupa de cama e o are-
jamento permanente.26 Uma higiene regular do corpo, mediante banhos
frequentes, era fortemente aconselhada, como forma de desinfeção mas
também de diminuir a febre.27 Nesse sentido, recomendava-se também a
ingestão frequente de água, a aplicação de panos encharcados ou ainda o
aspergimento regular dos lençóis com água. Aos familiares dos doentes,
médicos, funcionários sanitários e voluntários em brigadas de socorro,
aconselhava-se ainda o uso de máscaras para proteção 28 e a lavagem
regular das mãos,29 que devia ser feita através do recurso a sabonetes ou
a desinfetantes químicos.30
Em alternativa à ventilação do quarto, podia-se recorrer a fumiga-
ções de eucalipto e à limpeza regular do espaço com creolina ou cal.31 A
desinfeção química por formolização, isto é, a desinfeção por formaldeído
por pressão, um gás com propriedades bactericidas e germicidas, então
usado de forma periódica nas habitações e nos espaços públicos, era
outra medida considerada eficaz. Para desinfetar as vias áreas superiores,
reconhecidas como o principal foco de infeção, recomendavam-se os gar-
garejos regulares com soluções salinas, mentoladas, de fabrico caseiro ou
à venda nas farmácias, ou ainda com pasta dentífrica diluída em água.32
Aconselhava-se ainda a proteção das fossas nasais com óleos, vaselina,

25 El País, 29/05/1918; El Sol, 27/09/1918.


26 Le Matin, 13/10/1918; El País, 27/05/1918.
27 El Siglo Médico, 14/09/1918.
28 Le Matin, 13/10/1918; Le Petit Parisien, 13 e 27/10/1918; A Medicina Contemporânea, 01/12/1918.
Sobre o uso de máscaras ver Rockwood e O’Donoghue (1960).
29 A Medicina Contemporânea, 27/10 e 22/12/1918; Le Petit Parisien, 13/10/1918.
30 Vejam-se os anúncios publicitários a sabonetes publicados com regularidade na imprensa generalista
e especializada nessa época, entre muitos, por exemplo A Medicina Contemporânea, 20/10/1918 e
23/02/1919; El Sol 30/05 e 29/09/1918; ABC, 21/10/1918. Veja-se ainda o formulário proposto para
desinfeção das mãos, composto de cloreto de cálcio, carbonato de sódio, ácido bórico e pó de talco,
apresentado em A Medicina Contemporânea, 22/12/1918.
31 A Capital, 29/10/1918; A Medicina Contemporânea, 01/12/1918.
32 A Capital, 04/06, 06/10 e 21/10/1918; Le Matin, 29/02 e 05/10/1918; O Algarve, 20/10/1918; El País,
24/05/1918.
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glicerina ou pasta dentífrica.33 Recomendava-se, de forma preventiva, o


consumo regular de pastilhas mentoladas ou de chocolate.34 Na tentativa de
diminuir a febre, o emprego de procedimentos caseiros tais como a fricção
do corpo, as cataplasmas de farinha de mostarda ou ainda os clisteres com 85
água e sabão e a aplicação de ventosas, secas ou escarificadas, foram reco-
mendados com frequência.
Face ao desconhecimento do agente etiológico da gripe, a abordagem
terapêutica era, como ainda hoje, na maioria dos casos, sintomática. Foi
comum o recurso aos antipiréticos, entre os quais a administração de
aspirina, em pó, em comprimido ou por injeção, diluída em soro.35 No
entanto, em Portugal o quinino foi administrado com mais frequência, e
alguma eficácia, pelo menos na diminuição da febre.36 As revistas médicas
e os boletins hospitalares portugueses e estrangeiros da época fazem ainda
eco do recurso a uma miríade de outras substâncias medicamentosas,
como o salicilato de sódio, o benzoato de sódio, o salicilato de metilo
e o benzonaftol, para mencionar apenas os mais referidos. Em algumas
ocasiões, dão conta da administração de soluções fortificantes, feitas de
soluções de arsénico, óleo de rícino, óleo canforado, terebentina ou até de
sangue de cavalo.37 No caso dos doentes mais graves, com complicações
pneumónicas, parece ter sido frequente o recurso a injeções de cafeína,
de adrenalina e de esparteína. Por fim, em conformidade com o conhe-
cimento da época e com a dificuldade em formular diagnósticos precisos,
a administração de soros antidiftéricos, antimeníngeos e antipneumocó-
cicos, simples ou combinados, foi uma solução frequente nos hospitais
portugueses e estrangeiros.38
Todavia, faltavam medicamentos nas farmácias e a falta de açúcar para
a composição de remédios era também sentida praticamente em todas as
farmácias do país. Em 4 de outubro de 1918, proibiu-se a saída, tanto
pela fronteira terrestre como pela via marítima, de todas as substâncias
medicamentosas. Em meados do mesmo mês, os farmacêuticos viram-se
forçados a despachar receitas, de forma gratuita, aos mais necessitados, e os

33 A Capital, 04/06, 06/10 e 21/10/1918; A Medicina Contemporânea, 23/06 e 13/10/1918; O Comércio


do Porto, 15/10/1918; Le Matin, 05 e 24/10/1918; El País, 24/05/1918; El Sol, 30/05/1018; El Siglo
Médico, 28/09/1918.
34 A Capital, 06/10/1918.
35 Le Matin, 26/10 e 07/11/1918; A Capital, 07/07 e 29/10/1918; La Mañana, 30/05/1918; A Medicina
Contemporânea, 23/02 e 02/03/1919.
36 Le Matin, 24/02/1918; El País, 01/06/1918; El Siglo Médico, 14/09/1918; Le Petit Parisien, 02/10/1918.
37 O Algarve, 19/01/1918; A Medicina Contemporânea, 01/12/1918; A Capital, 27/10/1918.
38 A Capital, 24/10/1918; Le Matin, 01/11/1918.
H. Rebelo-de-Andrade, D. Felismino | A pandemia de gripe

médicos foram autorizados a simplificar o seu receituário. Estas terapêuti-


cas, associadas a medidas preventivas e às tradicionais medidas de higiene
pública, como veremos adiante, revelaram-se todavia incapazes de controlar
86 o desenvolvimento da epidemia durante a primavera de 1918. Com o início
do segundo surto, escassos meses depois, no outono, partindo do princípio
que a gripe conferia imunidade, as autoridades sanitárias portuguesas e
europeias empenharam-se na tentativa de desenvolver vacinas preventivas,
algumas das quais viriam a ser utilizadas, embora sem sucesso, no final do
ano de 1918.39
Perante a relativa ineficácia destas terapêuticas químicas, os médicos
reconheciam os limites do auxílio clínico, privilegiando a distribuição de
roupas de cama e agasalhos, de alimentos e de esmolas em dinheiro para
os doentes convalescentes, e preconizando a adoção de medidas preventivas
de higiene (Pereira e Pita 2011).40 Apesar do recurso crescente a todo um
novo arsenal teórico e prático, nomeadamente o decorrente das descober-
tas da bacteriologia e da microbiologia em finais do século anterior, pode
dizer-se que a epidemia de 1918-1919 foi, quanto ao essencial, combatida
através de esquemas antigos. As medidas sanitárias tomadas para evitar a
propagação da gripe foram semelhantes às da peste bubónica (1899) e do
tifo exantemático (1917): o recurso às desinfeções químicas dos espaços
públicos e domésticos, bem como a adoção das clássicas medidas de qua-
rentena (Almeida 2013a e 2013b; Sousa et al 2009).41
Além da recomendação dos banhos e da desinfeção de roupas e casas,
já aqui referidos, as desinfeções químicas das ruas, a cargo dos regimentos
de bombeiros sapadores ou voluntários e dos serviços municipais de higie-
ne e saúde, foram também frequentes, pese embora, na maioria dos casos,
terem sido medidas adotadas de forma reativa face ao alastrar da doença,
atuando-se somente após a sua manifestação acentuada, em particular nos
bairros operários mais carenciados ou nos locais de ajuntamento como as
escolas, as praças, os caminhos de ferro, os portos e outras áreas com forte
concentração de pessoas (como cinemas e teatros).42 Os químicos pulveri-
zados, mediante carros e autoclaves móveis, eram diversos, embora tenha
prevalecido o uso do formaldeído, do ácido fénico, da creolina da cal e do
alcatrão.43

39 A Medicina Contemporânea, 22/12/1918, 11/05, 08/06 e 10/08/1919.


40 A Medicina Contemporânea, 01/12/1918.
41 A Medicina Contemporânea, 27/01/1918, 03, 10, 17, 24 e 31/03, 12, 19 e 26/05/1918.
42 A Capital, 13/10, 03, 05 e 07/11/1918; O Algarve, 23/11/1918; Le Matin, 26/10/1918.
43 ABC, 21/10/1918; O Algarve, 20/10/1918.
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Da mesma forma, as quarentenas e as medidas de isolamento dos


doentes, fosse nas suas casas, em hospitais (instalados ou de campanha),
quartéis, colégios, prisões e hospícios destinavam-se a limitar o número de
contagiados. Perante a escassez de recursos, foram criados inúmeros hospitais 87
de campanha, por iniciativa pública ou privada, com o intuito de proceder
ao isolamento dos doentes. Diante da violência da segunda vaga da epidemia,
a capacidade da rede hospitalar existente foi rapidamente excedida, como
sucedeu sintomaticamente com o Hospital do Rego, em Lisboa, onde se
fazia o internamento, isolamento e tratamento dos portadores de doenças
infetocontagiosas. Recorreu-se de novo a hospitais já desativados, como o de
Arroios, e transformaram-se em hospitais alguns estabelecimentos públicos,
como o Liceu de Camões. A 7 outubro de 1918, os quartéis de bombeiros
da Amadora foram requisitados para a instalação de hospitais temporários.
No dia 11, o hospício de Runa recebeu os primeiros epidemiados depois da
sua requisição pelas autoridades sanitárias para a instalação de um hospital
de isolamento. No dia 18, a Cruz Vermelha Portuguesa instalou, graças à
benevolência da família Burnay, um hospital com mais de uma centena
de camas no palácio familiar da Junqueira. A 2 de outubro, a direção dos
Hospitais Civis de Lisboa proibiria a visita aos doentes internados.44
Associado à preocupação com o controlo do contágio, o fecho de locais
de grande concentração humana, em particular as escolas, os cinemas e os
teatros, não foi consensual. O diretor-geral da Saúde, Ricardo Jorge, defendeu
a adoção de medidas que restringissem as grandes feiras e peregrinações,
mas mostrou-se contrário a um alargamento de proibições que incluíssem o
fecho de escolas, teatros e cinemas, cafés, igrejas, transportes coletivos, mer-
cados, repartições, armazéns e fábricas. No seu entender, nenhuma medida
de fecho ou isolamento podia conter o contágio de um vírus como o de
1918, e a vida económica do país devia continuar. Noutros países, nomea-
damente em Espanha, se houve cordões sanitários, e se o fecho de escolas
e universidades públicas foi decretado, também não houve unanimidade
quanto ao fecho de salas públicas, como teatros e cinemas, e houve mesmo
festas de touros.45 No entanto, ao longo do outono e inverno de 1918, em
Portugal e não só, verificaram-se inúmeros fechos de instituições e negócios
decorrentes do elevado absentismo, consequência do estado de doença dos
funcionários. O teatro Avenida, em Lisboa, depois do cancelamento de várias
representações por falta de pessoal, só reabriria a sua temporada no início
do mês de novembro. Nalguns casos, por iniciativa própria, mas não por

44 A Capital, 02/11/1918.
45 Le Journal, 03/11/1918; El Sol, 28/09/1918; Le Matin, 05/10/1918.
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imposição superior, algumas escolas públicas e particulares, liceus, univer-


sidades e escolas superiores fecharam entre finais de outubro e princípios
de novembro.46 Em Lisboa, a Escola Naval e a Escola de Guerra estiveram
88 fechadas e, em Coimbra, a sala de leitura da Biblioteca da Universidade
também encerrou. No auge da segunda vaga, o próprio Parlamento esteve
encerrado entre 7 de novembro e 3 de dezembro.
Se durante o primeiro surto na primavera de 1918, isolamentos e desin-
feções foram casuísticos e pontuais, perante a gravidade da segunda vaga da
epidemia, no outono de 1918, a Direção-Geral da Saúde fez sair as primeiras
instruções sanitárias para coordenar o combate à epidemia e estruturar as
práticas sanitárias e profiláticas. Publicadas a 4 de outubro, as instruções
dividiam-se em seis pontos e iam recomendadas às autoridades sanitárias
de todo o país. As primeiras disposições obrigaram à criação de um sistema
de recolha de informação e determinaram que todos os médicos deviam
participar às subdelegações de saúde todos os novos casos de epidemiados.
O subdelegado, ou um seu representante, deveria depois transmitir telegrafi-
camente o conjunto dos dados à delegação competente, que os enviaria pela
mesma via à Direção-Geral da Saúde, prestando as informações necessárias
para que a extensão e a intensidade da epidemia pudessem ser avaliadas. O
segundo ponto referia o conjunto das normas de higiene pública, obrigando
à limpeza das povoações e das casas, e aconselhando à desinfeção química,
embora Ricardo Jorge reconhecesse a relativa inutilidade das desinfeções
com creolina e alcatrão perante a gravidade da epidemia. O terceiro ponto
tratava da organização dos hospitais e postulava que para os casos mais
graves estava indicada a hospitalização, com tratamento e isolamento. Devia-
-se aproveitar os hospitais existentes e improvisar outros, requisitando-se
prédios, camas e roupas. Em quarto lugar, utilizaram-se todos os médicos
disponíveis, requisitando médicos militares e aposentados, e facilitando a
conclusão do curso aos alunos finalistas do curso de medicina. Por fim, o
quinto e sexto preceitos indicavam a necessidade de organizar localmente,
por um lado, os serviços farmacêuticos e, por outro, a assistência às popu-
lações com a criação de Comissões de Socorro (Jorge 1919).

5. Conclusão

Apesar do muito que se tem investigado e escrito sobre a pandemia


de gripe de 1918 ainda prevalecem muitas dúvidas sobre os eventos que

46 A Medicina Contemporânea, 02/11/1918.


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estiveram na origem do vírus influenza que ocasionou a doença e sobre a


origem geográfica da epidemia que grassou a nível mundial. Em Portugal,
as consequências demográficas da pandemia, as respostas das autoridades de
saúde, a mobilização da sociedade civil e o enquadramento político e social 89
entre 1918-1920 têm merecido um debate alargado. Porém, muito menos
atenção tem sido dada à intensa discussão médica e científica que se fazia a
nível nacional, durante esse período, liderada pelas mais proeminentes figuras
da medicina portuguesa da altura: Nicolau Bettencourt, Américo Pires de
Lima, Carlos Ramalhão, Carlos França e Geraldino de Brites, entre outros.
Foram apontados diversos possíveis agentes, como o bacilo de Pfeiffer, o
agente infecioso da febre papataz e um leque variado de microrganismos.
Quanto a Ricardo Jorge, na altura diretor-geral da Saúde, defendeu
muito cedo o diagnóstico da influenza para a pandemia, contribuindo a
sua posição relativamente ao agente infecioso para a definição, embora algo
tardia, de medidas preventivas e terapêuticas que, à primeira vista, obedeciam
aos velhos preceitos oitocentistas de combate às doenças infeciosas, dirigi-
dos pelos preceitos da bacteriologia e epidemiologia da época. No entanto,
muitas destas recomendações foram em tudo semelhantes às atuais bases da
prevenção e terapêutica da gripe. Na abordagem sintomática da gripe, ainda
hoje se aconselha a permanência e descanso em casa, a ingestão abundante
de líquidos e a toma de antipiréticos para reduzir a febre. As medidas não
farmacológicas preventivas, atualmente preconizadas para a minimização
da transmissão do vírus, assemelham-se às advertências feitas em 1918:
a regular higiene dos espaços e dos doentes, a utilização de máscaras e a
higiene regular das mãos, em particular em contexto hospitalar. Apesar de
termos, atualmente, mais armas terapêuticas (antivirais específicos) e vaci-
nas eficazes, é extraordinário verificar a atualidade de muitas das medidas
aplicadas pelas autoridades de saúde durante a pandemia de 1918-1919.
Nesse sentido, apesar de, à época, ainda faltar mais de uma década
para a identificação do vírus, a medicina estava a dar passos admiráveis,
tendo servido a pandemia de estímulo para uma produção considerável de
trabalhos científicos. A investigação laboratorial, iniciada em 1918-1919,
lançou bases sólidas para a identificação do vírus influenza na década de
1930, apontando para a origem viral da gripe, ou seja, para a filtrabilidade
do microrganismo causador da doença. Embora os caminhos da ciência
apontassem para soluções e as medidas preventivas e terapêuticas de controlo
da infeção fossem, na teoria, adequadas, a mortalidade foi considerável. As
causas deste fracasso foram múltiplas e foram, em parte, alheias ao conheci-
mento médico da época: desde as características biológicas e epidemiológicas
da doença até à escassez de meios materiais e humanos, à debilidade do
H. Rebelo-de-Andrade, D. Felismino | A pandemia de gripe

sistema organizativo, à demora na tomada de medidas de controlo, conse-


quentes de um país destruturado, em crise política, económica e social que
acabara de atravessar uma situação de guerra que o debilitara ainda mais.
90

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THE 1918-1919 FLU PANDEMIC: A CHALLENGE TO MEDICAL SCIENCES IN THE EARLY 20TH
CENTURY
The pneumonic influenza pandemic was, on a world scale, the deadliest of the entire 20th
century. Between spring 1918 and April 1919, it raged in Portugal in three successive
waves, with an irregular and unusual virulence, which were marked by an intense scientific
debate. It happened at a time when the etiologic agent of influenza (the influenza virus)
had not been identified and the antibiotics had not been discovered, launching numerous
prophylactic and therapeutic challenges to national and international health authorities. In this
article, some of these aspects are approached, based on medical literature of that period
and the research developed later, trying to discuss some of the biological characteristics
of the epidemic that may explain, in part, the seriousness of this epidemic phenomenon.
Keywords: flu, influenza pandemic, pneumonic, therapeutics, prophylaxis, Portugal.

LA PANDÉMIE DE GRIPPE DE 1918-1919: UN DÉFI POUR LA SCIENCE MÉDICALE AU DÉBUT


DU 20ÈME SIÈCLE
La pandémie de grippe pneumonique fût, à l’échelle mondiale, la plus meurtrière de tout le
vingtième siècle. Entre le printemps 1918 et avril 1919, elle a fait rage au Portugal en trois
vagues successives, avec une virulence irrégulière et inhabituelle, qui ont été marquées par
un intense débat scientifique. L’épidémie déflagra à un moment où l’agent étiologique de
la grippe (le virus de la grippe) n’avait pas été identifié et les antibiotiques n’avaient pas
été découverts, lançant de nombreux défis prophylactiques et thérapeutiques aux autorités
sanitaires portugaises et internationales. Dans cet article, certains de ces aspects sont
abordés, à partir de la littérature médicale de l’époque et des recherches plus récentes,
en discutant certaines caractéristiques biologiques de l’épidémie qui pourraient expliquer,
en partie, la gravité de ce phénomène épidémique.
Mots-clés: pandémie de grippe, influenza, pneumonique, thérapeutique, prévention, Portugal.

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