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Voo Varig 254

O Voo Varig 254 (ICAO: VRG 254) foi uma rota comercial doméstica, operada pela
Viação Aérea Rio-Grandense (Varig), utilizando um Boeing 737-241. Em 3 de
setembro de 1989, a aeronave partiu do Aeroporto Internacional de Guarulhos, em
São Paulo, com destino ao Aeroporto Internacional de Belém, no Pará, e previsão
de escalas em seis aeroportos da rota. Após a decolagem do Aeroporto de Marabá,
a aeronave, ao invés de tomar o rumo em direção ao norte para Belém, virou e
passou a ir em direção oeste. Ao perceber o erro, os pilotos ficaram perdidos e não
conseguiram retornar a qualquer aeroporto, tendo que fazer um pouso de
emergência na selva. As pessoas a bordo tiveram que esperar quase dois dias até a
chegada do primeiro resgate da Força Aérea Brasileira. Entre os 54 passageiros e
tripulantes a bordo, doze morreram no momento do acidente ou no tempo de espera
do resgate. Dos 42 sobreviventes, dezessete tiveram ferimentos graves e 25
sofreram ferimentos leves.
O acidente foi o mais mortífero da aviação do país envolvendo um Boeing 737 até
então, sendo superado posteriormente pelo voo Gol 1907, em 2006. O acidente foi
investigado pela Força Aérea Brasileira, através do Sistema de Investigação e
Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER, atual CENIPA), com o relatório final
emitido em 23 de abril de 1991. O SIPAER concluiu que o acidente foi causado por
erros cometidos pelos pilotos, no momento de repassar o plano de voo para a
aeronave, e ao não verificar fatores importantes durante a viagem, como a leitura
incorreta de proa pelo comandante e a confirmação dos dados incorretos pelo
co-piloto.

Alterações no plano de voo

O plano de voo é um documento essencial para que um voo seja efetivamente


realizado, para que as autoridades de controle aéreo sejam comunicadas sobre
informações básicas como o aeródromo de decolagem, destino e alternativa de
pouso (em caso de situações eventuais de emergência), aerovias utilizadas, pontos
geográficos, mudanças do nível de voo, tempo estimado, utilização de instrumentos
para navegação, dados de identificação do piloto no comando e número de pessoas
a bordo.

Em uma época onde as companhias aéreas passaram a buscar a modernização de


seus serviços, a Varig, através de um Boletim Técnico de Operações, passou a
utilizar o Sistema de Planos de Voo Computadorizado para todos os voos
domésticos, em substituição dos então utilizados. Antes de tal sistema entrar em
funcionamento, utilizavam-se apenas três dígitos para inserir a orientação do rumo
que a aeronave deveria seguir. Com os novos planos computadorizados, que valiam
para todas as aeronaves da frota com exceção do Electra, esse campo passou a
contar com uma casa decimal, passando a ter quatro dígitos ao todo. Portanto, em
aeronaves mais antigas como o 737-200, que ainda não adotava valores decimais
em seus rumos magnéticos, o numeral zero localizado na casa decimal à direita
deveria ser desprezado. Contudo, com a concepção existente entre os pilotos que o
"zero à esquerda" deveria ser descartado tal como ocorre em numerais normais, e
pela falta de treinamento da Varig na adaptação dos pilotos a esta nova adoção,
diversos pilotos já haviam cometido o erro de utilizar as três últimas casas decimais
anteriormente, ao invés das três primeiras.

Aeronave e tripulação

A aeronave envolvida no acidente era um Boeing 737, modelo 737-241, número de


série 21006, registrada no Brasil como PP-VMK, equipada com dois motores Pratt &
Whitney JT8D, fabricada em fevereiro de 1975 e que entrou em serviço seis meses
depois com a Varig. Pouco antes do acidente, em agosto de 1989, a aeronave tinha
acumulado 33 mil horas de voo e mais de 14 mil ciclos (pousos e decolagens
somados). Sua última checagem geral rotineira de manutenção foi realizada no dia
9 de agosto de 1989, pouco menos de um mês antes do acidente.

O voo estava sob o comando do capitão César Augusto Padula Garcez, 32 anos de
idade e quase sete mil horas de voo (sendo quase mil horas no Boeing 737-241) e
do copiloto Nilson de Souza Zille, 29 anos de idade e 884 horas de voo, (sendo 442
horas no Boeing 737-241).Além dos pilotos, havia quatro comissários de voo a
bordo.

A aeronave iria completar a sétima e última etapa do voo. A aeronave procedia do


Aeroporto de Guarulhos em São Paulo e realizou escalas nos aeroportos de
Uberaba, Uberlândia, Goiânia, Brasília e Imperatriz, chegando ao Aeroporto de
Marabá, onde faria a última etapa deste voo. A tripulação composta por Garcez e
Zille assumiu o voo 254 antes da decolagem de Brasília, no mesmo momento em
que receberam os planos de voo das etapas restantes do voo, inclusive
Marabá-Belém.

Etapas anteriores do voo

Às 9h43 (UTC-3), a aeronave decolou do Aeroporto Internacional de Guarulhos em


São Paulo com destino a cidade de Uberaba, em Minas Gerais. O voo 254 era
conhecido como "pinga-pinga" pelo grande número de escalas realizadas durante o
voo até a chegada no destino final, por esse motivo era difícil que algum passageiro
cumprisse todas as etapas do voo, já que existiam voos diretos entre São Paulo e
Belém ou com apenas uma escala em Brasília.

A aeronave pousou em Uberaba às 10h37, embarcando e desembarcando diversos


passageiros, destes apenas dois seguiram até Belém. Decolou de Uberaba às
10h50, chegando em Uberlândia, também no estado de Minas Gerais, às 11h23,
decolando novamente para Goiânia às 11h50 e chegando na cidade às 12h32. Na
capital goiana, embarcaram mais seis passageiros que seguiram viagem até Belém.
A aeronave, após 23 minutos de escala, decolou para Brasília às 12h55, chegando
à capital federal às 13h22. Na cidade, a tripulação do comandante Genaro deixou o
avião e deu lugar à tripulação do comandante Garcez. Decolou às 14h05 para a
etapa mais longa do voo, até a cidade maranhense de Imperatriz, onde pousou às
14h51. Após o embarque e desembarque dos passageiros, o avião decolou às
16h35 para a penúltima etapa do voo, até a cidade paraense de Marabá. A
aproximação de Marabá foi consideravelmente complicada para os pilotos, por
conta da névoa seca formada pela fumaça das queimadas nas roças, prejudicando
a visibilidade para o pouso. A aeronave tocou a pista de Marabá exatamente às
dezessete horas, sendo programada para decolar apenas vinte minutos depois,
cumprindo a última etapa do voo até Belém.

Acidente

O Boeing 737-200 prefixo PP-VMK decolou do aeroporto de São Paulo/Guarulhos


às 9h 43min de 3 de setembro de 1989, iniciando o voo RG-254 entre São Paulo e
Belém, com escalas previstas em Uberaba, Uberlândia, Goiânia, Brasília (onde
ocorreu a troca programada de tripulação), Imperatriz e Marabá. O Voo RG-254
transcorreu normalmente até Marabá, onde pousara naquela tarde às 17h8min.

Em Marabá, a aeronave foi reabastecida e preparada para a etapa final do voo até
Belém, com duração de 50 minutos. Tendo decolado às 17h 35min, o Boeing
737-200 PP-VMK tomaria o rumo oeste, ao invés do rumo norte. Após ter alcançado
teoricamente 89 km de distância de Belém, a tripulação do RG-254 teria tentado
estabelecer contato com o Controle de Aproximação (APP) Belém. A comunicação
com o APP Belém só foi conseguida através de uma ponte realizada por outro
Boeing da VARIG que realizava o voo 266 de Santarém para Brasília. A dificuldade
de comunicação com Belém, aliada ao não avistamento da cidade, indicavam
possíveis erros de navegação. O atraso da aeronave não despertaria preocupação
nas autoridades, por conta do voo ser realizado em um tranquilo domingo, dia de
jogo da seleção brasileira de futebol, e o trecho final do voo 254 ser de fácil
execução. O APP Belém, acreditando que o voo 254 estava seguindo o rumo
correto, concederia autorização de pouso para o PP-VMK. Por sua vez, o centro de
coordenação da VARIG também não perceberia o atraso do voo 254.

Com o passar do tempo, a situação começou a sair do controle. Após relutar em


pedir ajuda, a tripulação do voo 254 conseguiu se comunicar por volta das
20h30min com tripulações dos voos 231 e 266 da Varig. Após travar um diálogo de
25 minutos com essas tripulações, o Varig 254 cortou as comunicações e realizou
um pouso forçado em decorrência da "pane seca".

Após voar por três horas sem descobrir sua real posição, o comandante do PP-VMK
realizou um pouso forçado, por volta das 21h, em uma área de floresta localizada 60
km ao norte de São José do Xingu.A aeronave chocou-se contra as árvores,
causando a morte de 12 ocupantes, dos 54 que estavam a bordo. Dos 42
sobreviventes, 17 tiveram ferimentos graves e 25 ferimentos leves.

Por erro da tripulação, a rota seguida pela aeronave foi diferente da rota
estabelecida pelo plano de voo. Ao invés de programar a direção "027" graus, o
piloto inseriu "270" graus no sistema de navegação (embora o copiloto tenha
endossado o erro durante a checagem pré-voo, ao invés de supervisionar a
inserção de rota por parte do piloto). Esse erro não informado pela tripulação, além
do avião ter se acidentado em um local de difícil localização visual e acesso,
contribuíram para a demora no resgate das vítimas. Quatro ocupantes do Voo 254
caminhariam por 40 quilômetros selva adentro até alcançarem a sede da fazenda
Curunaré no dia 5 de setembro, de onde foram levados à fazenda Ferrão de Prata,
equipada com rádio. Somente então conseguiram avisar a FAB a respeito do local
aproximado do pouso forçado. Um Bandeirante do Serviço de Busca e Salvamento
(SAR) sobrevoou os destroços do PP-VMK às 16h 25min do dia 5. O pouso forçado
destruiu a aeronave, abrindo uma clareira de mais de 100 metros na mata. Os
primeiros sobreviventes foram resgatados na noite do dia 5, assim como os corpos
das oito primeiras vítimas que se elevaram a doze até a conclusão do resgate.

Investigações

As investigações sobre o acidente se iniciaram no dia 7 de setembro. Desde o


desaparecimento da aeronave, a aeronáutica apontava falha humana como causa
do desastre. Havia a suspeita de que os tripulantes do PP-VMK, entre eles o piloto
Cézar Augusto Padula Garcez, estivessem distraídos ouvindo o jogo do Brasil
contra o Chile, válido pelas Eliminatórias da Copa do Mundo FIFA de 1990 (jogo
famoso pela fraude do goleiro chileno Rojas e pela fogueteira do Maracanã). No
entanto, seria descoberto um erro de navegação localizado no plano de voo
fornecido pela VARIG. No plano, estava grafado rumo a 0270, significando 027,0
graus. A companhia aérea oferecia o mesmo tipo de plano de voo para as
aeronaves que usavam proas com decimais e as que usavam apenas o valor inteiro
da proa. Apesar desta particularidade ser informada aos pilotos nos treinamentos da
companhia aérea, o valor expresso no plano de voo 0270 foi interpretado pelo
comandante como sendo 270°. Este erro de interpretação significa trocar a direção
aproximada do norte (27°) pelo rumo oeste (270°). O quarto dígito seria utilizado
apenas pelas tripulações dos DC-10, que eram equipados com os Sistemas de
navegação inercial (INS). Os Boeing 737 não eram equipados com INS, utilizando
para navegação sistemas de radiofaróis (NDB) e VOR.

Meses após o acidente, o plano de voo do VARIG 254 foi entregue a 21 pilotos das
principais companhias aéreas do mundo durante um teste realizado pela
International Federation of Air Line Pilots' Associations (IFALPA). Nada menos que
15 pilotos cometeriam o mesmo erro da tripulação do voo VARIG 254. Após o
acidente do voo 254, A VARIG instalaria em suas aeronaves equipamentos para
utilização do sistema Omega

O relatório final do acidente concluiu que houve erro humano, embora as


deficiências do plano de voo fornecido pela VARIG também tivessem contribuído.
Posteriormente a VARIG seria obrigada a suprimir o 4.º dígito dos planos de voo de
aeronaves que não possuíam sistemas de navegação inercial (INS). Segundo o
relatório, o erro na interpretação do plano de voo, ao inserir uma direção incorreta
no indicador de situação horizontal [en] (HSI), levou a um trajeto maior da aeronave,
com o consequente esgotamento do combustível durante o voo. Houve ainda a falta
de um monitoramento aéreo mais eficiente por parte das autoridades (sendo que o
controle de aproximação de Belém não dispunha de radar, equipamento instalado
posteriormente) tenha contribuído significativamente para ocasionar o acidente. O
acidente do Voo VARIG 254 contribuiria para a implantação do Sistema de Vigilância
da Amazônia.
O comandante Cesar Garcez e o co-piloto Nilson Zille acabaram condenados mais
tarde a quatro anos de prisão,pena convertida em serviços comunitários. A
responsabilidade dos dois na tragédia é atribuída ao erro de navegação e relutância
em pedir ajuda, tendo optado por tentar descobrir o caminho para Belém sozinhos
guiando-se por rádios comerciais e análises visuais culminando na aeronave sem
combustível.
Referências
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Queda do avião da Varig na selva em 1989 'só ocorreu por prepotência', diz
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Piloto de avião que caiu em 89 é condenado». Folha de S.Paulo. 13 de setembro de


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Nilson de Souza Zille, respectivamente piloto e co-piloto do Boeing 737-200 da Varig
que caiu no Mato Grosso em 1989, foram condenados a quatro anos de prisão pelo
acidente, que deixou 12 mortos

Queda de avião da Varig na selva em 1989 'só ocorreu por prepotência', diz
copiloto». Portal G1. 9 de maio de 2018. Consultado em 12 de dezembro de 2018.
As justificativas não convenceram, e ele teve de prestar serviço comunitário com
adolescentes infratores e pacientes com transtorno mental.

Vanishing Act». Mayday. Temporada 14. Episódio 3. 10 de fevereiro de 2015.


National Geographic Channel

https://pt.wikipedia.org/wiki/Voo_Varig_254
Bibliografia

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Sant'anna, Ivan (2000). Caixa Preta. o relato de três desastres aéreos brasileiros.
São Paulo: Ponto de Leitura

Vitor Alexandre de Freitas Cardoso; Henrique Luiz Cukierman. A abordagem


sociotécnica na investigação e na prevenção de acidentes aéreos: o caso do voo
RG-254 (PDF) (Tese). São Paulo: Revista Brasileira de Saúde Ocupacional

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