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A) Senso Comum
A primeira modalidade de conhe- código culturalmente dominante. Refere-se a um con-
junto de opiniões, recomendações, conselhos, práticas e
cimento que devemos considerar nas
normas relativas à vida individual e coletiva em sociedade.
Ciências Sociais é o SENSO COMUM.
Trata-se de um conhecimento popular distinto do
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GEERTZ, Clifford. O Saber Local. Editora Vozes, Petrópolis, 1998, pág 114-115.
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Para Émile Durkheim “É fato social toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo
uma coerção exterior; ou ainda, toda maneira de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência
própria, independente de suas manifestações individuais”. As Regras do Método Sociológico. Martins Fontes, São Paulo, 1995, pág. 13.
11
Geertz, opus cit. pág. 129-139.
20 • Introdução à Sociologia
Muitas vezes, no trabalho de campo, nos espanta- quinze anos. Perdoava e a queria de volta. Dizia que não
mos com a naturalidade e praticabilidade da resposta tinha como dar o conforto que a filha agora se acostu-
do morador e moradora do bairro de periferia urbana, mara e iria exigir para voltar a conviver com os pais.
ao atribuírem o desemprego dos jovens e adultos de Dizia a mãe que o desconforto e a miséria são castigos
origem rural à incapacidade de se adaptarem às exigên- que doem no corpo e na alma. Dificilmente, a filha fica-
cias do mercado de trabalho urbano. ria em casa para sofrer.
Em nenhum momento, quando entrevistados, A mãe insistia em dizer que ela e o marido se sen-
esses(as) trabalhadores(as) excluídos(as) do mercado tiam muito tristes e humilhados porque trabalhavam
de trabalho, se intimidam em afirmar que a caneta que muito, mas eram incapazes de colocar o básico dentro
dominam é a enxada. Dizem, com todas as letras, que de casa para os seis filhos mais novos. Fiquei maravilha-
retirados da terra e jogados na cidade, sentem-se im- do quando a mãe arrematou a sua fala, com sabedoria e
prestáveis e inúteis. bom senso, dizendo: “na idade de minha filha, o lugar
Não raro afirmam, com naturalidade, sentirem-se certo dela não é a prostituição, é a casa dos pais e a
semelhantes ao peixe fora d’água. Durante uma pesqui- escola; pode ser, também, um trabalho que não roube o
sa no meio rural, fiquei maravilhado com o depoimento tempo da escola. Agora, concluiu a mãe, isto é solução
de uma mãe camponesa humilde que me afirmou, entre que tem que vir de cima; solução de governo; não só de
lágrimas, que perdoava a prostituição de sua filha de gente pobre como nós”.
Em 1986, por ocasião do acampamento dos Sem Terra de Jaciara, na Praça do Rosário
em Cuiabá/MT, registrei o seguinte depoimento de uma acampada que insistia na necessidade
da organização dos (as) trabalhadores (as) para se conquistar a terra:
... O movimento dos Sem Terra também é organização. Organização que está
lutando por uma identidade do lavrador jogado na periferia da cidade, jogado fora
da terra. A gente acha que esse movimento é o caminho para voltar a ser lavrador,
a ter o que a gente tinha: o direito de viver, a esperança de ser gente novamente,
a esperança do conforto. Direito de ser gente para mim é ter o direito de comer,
direito de tomar remédio, direito de ter um teto, direito de conversar, direito de
dar escola para os filhos, direito de aparecer na praça, mas não somente de votar.
(...) Foi apanhando que eu aprendi a enxergar bem mais longe. Isto explica por-
que eu, meu marido e meus filhos estamos acampados aqui na Praça da Igreja do
Rosário... Eu tenho boca, tenho língua, tenho braços e posso agir.12
12
Associação Lut - MT. Sem Terra - Vida e Luta. (Org. Eudson de Castro Ferreira). Gráfica EMATER, Cuiabá, 1987, pág. 18, 19, 30.
Introdução à Sociologia • 21
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Expressão popular que retrata a saberia do bom senso.
B) Conhecimento Científico
Vamos discutir o conhecimento científico, com Compreender o funcionamento da sociedade é um
o objetivo de adquirir uma ferramenta intelectu- ato intelectual que, segundo Weber, supõe a “apreen-
al que deverá nos ajudar, no cotidiano, a realizar são interpretativa do sentido ou da conexão do senti-
três operações teóricas e práticas importantes: a) do”15 , da ação dos atores no processo histórico e social
construir novos saberes sobre a realidade social; b) estudados. Todo processo de análise é também um
compreender, analisar e explicar o funcionamento processo de interpretação que procura verificar os
da sociedade e c) orientar a nossa prática social fins pretendidos e a conquista ou não dos mesmos
transformadora. Pontuemos, inicialmente, os três pela população.
objetivos mencionados. A prática social transformadora requer um
A construção de novos saberes sobre a realidade compromisso de classe, sem perder de vista a po-
social deve ser entendida como um ato de criação de pulação que deve ser o alvo das políticas públicas
conhecimento, através do processo de investigação. municipais, estaduais e federais.
Como veremos, neste ensaio, o processo de in- O referido compromisso é uma atitude
vestigação realiza-se através de uma criativa relação de permanente vigilância e de luta em de-
entre a teoria, a observação e a interpretação. Todos os
momentos da pesquisa exigem rigorosa vigilância do
fesa dos interesses dos (as) trabalhadores
pesquisador sobre a adequação dos passos ou procedi- (as) que formam uma classe social, por for-
mentos que serão assumidos. ça do lugar que eles ocupam na sociedade,
Exigem, também, a definição, a escolha e a apli- do trabalho que exercem, das tarefas que
cação de um método e de técnicas de pesquisa ajusta- executam e da parte que lhe cabem na divi-
dos à realidade do objeto que será estudado.14
são da riqueza social produzida.16
14
Veja o Roteiro para Projeto de Pesquisa Social Crítica neste fascículo.
15
Weber, Max. Economia e Sociedade. Vol. 1, 3a. Edição, Editora da Universidade de Brasília, 1994, pág. 6-13.
16
Basicamente são estes os atributos apontados por Lênin na definição de classe social. Ver Lênin na Indicação Bibliográfica.
Roberto Machado17, ao discutir as posições de Canguilhem e Bachelard,
sobre a ciência e o saber, coloca em destaque, o trabalho científico como necessário
para a construção do conhecimento e para a conquista da verdade. Escreve Machado:
... a ciência não pode ser encarada nem como um fenômeno natural nem
como um fenômeno cultural como os outros. A ciência não é um fenômeno natu-
ral, um objeto dado; é uma produção cultural, um objeto construído, produzido.
Ciência é essencialmente discurso, um conjunto de proposições articuladas sis-
tematicamente. Mas, além disso, é um tipo específico de discurso: é um discurso
que tem a pretensão de verdade. (...) Por outro lado, relacionar intrinsecamente
ciência e verdade não significa dizer que todo discurso científico seja necessaria-
mente verdadeiro. O verdadeiro é o dito do dizer científico. A ciência não repro-
duz uma verdade; cada ciência produz sua verdade.
5 questões básicas
estão aqui colocadas, sobre ciência:
1 Ciência é uma produção cultural, um objeto construído; portanto, a ciência não é um fenômeno
natural, como ocorre com uma semente sadia que germina, naturalmente, quando plantada numa
terra fértil e úmida.
Ciência é um discurso, uma formulação discursiva: uma sentença ou enunciado que contém
2 sujeito, verbo e predicado que interroga, afirma ou nega alguma coisa.
5 Cada ciência produz verdades que explicam fenômenos da mesma natureza. Assim, a Ciência
Biológica não explica os fenômenos astronômicos que são de outra natureza.
Continua Machado:
É a questão da verdade que determina a originalidade das ciências com rela-
ção a outras manifestações culturais e desqualifica o projeto de uma história
descritiva ou factual. A ciência é o lugar específico, próprio da verdade... A
ciência não é a comprovação de uma verdade que ela encontraria ou desve-
laria. Também é inteiramente despropositado procurar fundar a verdade nas
faculdades de conhecimento ou em uma realidade ontológica...
17
As citações apresentadas foram retiradas do trabalho de Machado, Ciência e Saber, opus cit., pág. 20-21.
Vamos colocar, em destaque, 3 dos 5 enunciados
de Machado no parágrafo acima:
2 A ciência não é a comprovação de uma verdade que já existe ou está dada, antecipadamente.
E conclui Machado:
Vamos destacar dois aspectos desse parágrafo: rigor e método, quando construímos a relação entre a
a) certamente, queremos obter resultado verdadei- teoria, a observação do objeto e a interpretação que será
ro quando fazemos ciência; contudo, a dimensão do dada do objeto; b) a ciência não reproduz uma verda-
processo de construção da ciência para conquistarmos de que já existe antecipadamente, mas, as diferentes
verdade é mais importante; a produção científica exige ciências deverão produzir as suas diferentes verdades.
O conhecimento científico é teórico. Enquanto reza. Toda teoria requer, como veremos mais adiante, a
tal, ele exige a definição de uma teoria: um conjunto existência e a definição de um feixe de conceitos pró-
de conhecimentos que apresentem graus e recursos de prios, requer a formulação de hipóteses e leis, supõe,
sistematização que se propõem analisar, explicar, elu- ainda, a definição de procedimentos metodológicos e
cidar, interpretar os fenômenos de uma mesma natu- de princípios de explicação.