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Artigo Original
Resumo: O objetivo deste estudo foi analisar a „ansiedade traço‟ e „ansiedade estado‟ e sua relação com o
desempenho pré-competitivo e competitivo no voleibol. O caso estudado foi uma equipe de voleibol
feminina infantil. Utilizou-se como instrumentos de medida os protocolos CSAI–II e o SCAT. A coleta de
dados ocorreu nos locais de treinamento e durante os Jogos Colegiais 2005. Para a análise dos dados
utilizou-se estatística descritiva e o teste “t” de Student. Os resultados indicaram: „ansiedade traço‟ pré-
competitiva e competitiva sem diferenças significativas, porém na „ansiedade estado‟ observou-se
diferença significativa (P=0,05) para o componente cognitivo. Verificou-se um equilíbrio entre os
componentes da „ansiedade estado‟ na fase preparatória pelas vitórias em todos os jogos, o que se
mostrou diferente na fase competitiva, onde a equipe sofreu duas derrotas. Conclui-se que a ansiedade
pode afetar o desempenho das atletas na situação competitiva nesta modalidade e categoria estudada.
Palavras-chave: Desempenho atlético. Ansiedade. Voleibol.
caracterizado pelo nervosismo, preocupação e Surge, então, uma proposta mais recente e
apreensão associada com ativação ou agitação semelhante a esta teoria, sendo denominada
do corpo” (WEINBERG; GOULD, 2001, p.96). No teoria da catástrofe do rendimento. Esta teoria
entanto, a ansiedade pode caracterizar um traço postula que níveis de ansiedade acima do ideal,
psicológico, chamada de „ansiedade traço‟, proporcionam um declínio brusco no rendimento,
referindo-se a diferenças individuais diferente da teoria do “U” invertido, a qual implica
relativamente estáveis que levam a percepção de em decréscimos gradativos e curvilíneos. A teoria
situações ameaçadoras de acordo com as da Zona Ótima de Funcionamento Individual,
experiências pessoais adquiridas também surgiu como alternativa a teoria de “U”
(SPIELBERGER et al., 1979). invertido, sendo a ansiedade relacionada com o
rendimento desportivo de cada atleta, onde o
As respostas emocionais apresentadas pelos
rendimento é maximizado variando de atleta para
atletas tornaram-se um foco de estudo de grande
atleta. Assim, alguns atletas com níveis elevados
interesse dentro da psicologia do esporte,
de ansiedade podem alcançar bom desempenho,
impulsionando muitos profissionais a avaliarem
enquanto outros necessitam estar mais relaxados
as influências da ansiedade em eventos
(MUCHUANE, 2001).
competitivos (HANTON et al., 2004; JONES;
UPHILL, 2004). As principais pesquisas focam na A teoria multidimensional da ansiedade
verificação dos níveis de ansiedade entre competitiva consiste em um componente
modalidades com características distintas, a cognitivo, que engloba pensamentos e dúvidas
relação da ansiedade competitiva e performance, sobre o desempenho e a situação competitiva,
sendo também levada em consideração a bem como, o julgamento de si mesmo. O
experiência em competições, sua relação com segundo componente consiste numa perturbação
outras características psicológicas e inclusive somática, que são sensações fisiológicas
biológicas como o gênero e idade desagradáveis de excitação como sudorese,
(ABRAHAMSEN et al., 2008; GONÇALVES; batimentos cardíacos e tensão muscular
BELO, 2007; PENSGAARD; ROBERTS, 2003; aumentados, inclusive alteração na respiração e
CERIN et al., 2000; HANTON et al., 2002). frio no estômago; e uma terceira dimensão
designada autoconfiança (MARTENS et al.,
Baseado em alguns estudos, foi elaborada a
1990).
teoria da ansiedade traço pré-competitiva que
indica uma característica estável e leva a Os autores da teoria supracitada apontam que
predição do desempenho, mostrando a maneira a ansiedade cognitiva relaciona-se de forma
como o atleta tende a reagir ao detectar ameaças linear e negativa com o rendimento e à medida
a sua integridade seja ela, física, psíquica ou que aumenta a ansiedade cognitiva, o rendimento
social (ROSE JUNIOR; VASCONCELLOS, 1997). é afetado. Quanto à ansiedade somática, esta se
Além disso, a ansiedade de desempenho no relaciona de forma curvilínea (em “U” invertido)
esporte tem sido conceituada como uma com o rendimento; e a autoconfiança contribui
predisposição para responder como a adequação para a melhoria do rendimento (MARTENS et al.,
do desempenho do atleta em situação 1990). Estes componentes consistem em uma
competitiva pode ser avaliada através da distinção ampliada de „ansiedade traço‟ e
„ansiedade estado‟ cognitiva e somática „ansiedade estado‟ que compõem dois
(GROSSBARD et al., 2007). questionários que foram designados mediante a
teoria de Spielberger (BIAGGIO, 1999). Martens
As características pessoais, da situação e da
(1977) e Martens et al. (1990) adaptaram estes
tarefa, são fatores que tornam a relação
questionários para a psicologia do esporte,
ansiedade-rendimento bastante complexa e
levando um grande número de pesquisas a
diversas hipóteses tentam explicar essa relação.
identificação do nível de ansiedade traço e estado
A teoria do Drive aponta que o rendimento resulta
de atletas visando as questões competitivas
da força do hábito e do drive, tido como a
(HANTON et al., 2004).
ativação fisiológica. No entanto, a teoria afirma
que a ativação na fase de aprendizagem gera Estas sensações em geral estão relacionadas
prejuízos ao rendimento e melhora em indivíduos ao nível de exigência envolvida na situação,
com maior competência na determinada como a autocobrança, cobrança do clube, da
habilidade (MUCHUANE, 2001). Em seguida, a comissão técnica, companheiros, família, torcida
hipótese do “U” invertido surge como uma e principalmente ao medo do fracasso frente às
alternativa, abordando que a ativação propicia exigências do momento vivido pelo atleta. Este
efeitos positivos no desempenho até certo ponto, medo provoca padrões de respostas emocionais
no entanto sua contribuição tem sido colocada e físicas impróprias à equipe, prejudicando o
debatida por alguns autores. desempenho do atleta, o qual muitas vezes não
630 Motriz, Rio Claro, v.16, n.3, p.629-637, jul./set. 2010
Ansiedade no voleibol feminino
consegue atuar de maneira satisfatória dando A prática do voleibol vem crescendo em nosso
espaços para erros de jogadas ensaiadas, país e diante da importância de considerar
passes imprecisos, falta de visão no jogo, diversos aspectos desta modalidade, este estudo
inclusive inibição das capacidades motoras finas pretendeu ampliar o conhecimento no âmbito da
e diminuição da capacidade de tomada de psicologia aplicada ao esporte, tendo em vista a
decisão (GUZMÁN et al.,1995). dificuldade de trabalhar com o voleibol visando a
obtenção de resultados a curto e médio prazo,
A experiência do atleta de elite permite que
inclusive quando necessita-se que o rendimento
estes interpretem seus sintomas de ansiedade
obtido nos treinamentos se perdure durante as
com mais facilidade quando comparado a atletas
competições. Assim, o objetivo principal deste
amadores. Assim, a ativação em níveis
estudo foi analisar a „ansiedade traço‟ e a
adequados é muito importante para o jogador no
„ansiedade estado‟ e a sua relação com o
momento do jogo, possibilitando-o alcançar
desempenho pré-competitivo e competitivo em
rendimento superior, podendo a ansiedade ser
uma categoria infantil de voleibol feminino.
uma fonte essencial para conquistas, desde que
identificada e trabalhada adequadamente
Métodos
(JONES et al., 1994).
O caso estudado envolveu uma equipe de
A questão da ansiedade no esporte pode voleibol feminino da categoria infantil, composta
variar de acordo com a personalidade do por 9 atletas com idades entre 12 e 14 anos, da
praticante, a idade, o sexo e experiência como cidade de Paiçandu-PR, que participaram dos
jogador. Faz-se necessário observar as Jogos Colegiais do Paraná (JOCOP‟s). A
características psicológicas do atleta em cada caracterização das atletas encontra-se no quadro
fase do treinamento, o momento de determinar 1.
objetivos e conteúdos físicos, adaptando-os às
exigências que este demanda (WEINECK, 1991).
Quadro 1. Característica da amostra composta por adolescentes do sexo feminino praticantes de
voleibol da categoria infantil
Idade IIM TPM Títulos
Sujeitos
(anos) (anos) (meses) (classificação/ano)
1 14 13 5 1ºL. JOCOP‟s Mun./2005
2 14 13 5 1ºL. JOCOP‟s Mun./2005
3 14 14 3 3ºL. JEP‟s/2004, 1ºL. JOCOP‟s Mun./2005
4 13 12 16 1ºL. Civitas, 1ºL. JOCOP‟s Mun./2005
5 13 10 37 1ºL. JOCOP‟s Mun./2005
6 13 9 37 3ºL. JEP‟s/2004, 1ºL. JOCOP‟s Mun./2005
7 13 11 20 3ºL. JEP‟s/2004, 1ºL. JOCOP‟s Mun./2005
8 12 11 13 2ºL. JEP‟s/2004, 1ºL. JOCOP‟s Mun./2005
9 12 11 18 3ºL. JEP‟s/2004, 1ºL. JOCOP‟s Mun./2005
IIM: Idade de início na modalidade
TPM: Tempo de prática na modalidade
Civitas: Jogos Escolares de Maringá – PR
JEP‟s: Jogos Escolares de Paiçandu – PR
JOCOP‟s Mun.: Fase Municipal dos Jogos Colegiais do Paraná
sob o parecer nº 117/2006. Após isso, a coleta de Wilk, realizou-se a comparação dos dados
dados foi realizada por um dos pesquisadores em através do teste “t” de Student, adotando de
duas etapas distintas: na fase preparatória e na significância estatística de P ≤0,05.
fase competitiva. Na fase preparatória, o teste Resultados
designado para detectar a ansiedade traço foi O voleibol é uma das modalidades coletivas
aplicado ïndividualmente no primeiro dia de que fazem parte do quotidiano escolar, o qual
treino, quando as atletas retornaram do período começa a ser praticado por crianças de diversas
de férias. Para obter os dados de „ansiedade faixas etárias. Nesta equipe estudada, 4 atletas
iniciaram na modalidade entre 12 e 14 anos e o
estado‟ aplicou-se o teste antes de cada jogo
restante entre 9 e 11 anos. Em relação ao tempo
amistoso, sempre minutos antes do embarque no
de prática do voleibol, 4 atletas tinham entre 1
ônibus. Na fase competitiva, o teste de ano e 1 ano e meio, 3, 6 meses ou menos e a
„ansiedade traço‟ foi aplicado antes do embarque minoria tinha mais de 3 anos de prática.
do primeiro jogo do campeonato. Os testes de De acordo com um dos objetivos do estudo,
„ansiedade estado‟ foram aplicados 15 minutos ao comparar a ansiedade traço das atletas, não
antes de cada jogo, no próprio ginásio onde foi constatada diferença significativa quando
realizou-se a competição. levado em consideração as fases preparatória e
competitiva (Tabela 1).
Os dados dos questionários foram agrupados
e tratados inicialmente através da estatística
descritiva. Após o teste de normalidade Shapiro-
Tabela 1. Comparação das médias da „ansiedade traço‟ na fase pré-competitiva e competitiva da equipe
Fase Média DP P
Preparatória 25,44 3,36
0,090
Competitiva 23,22 4,21
DP (Desvio Padrão)
no nível de ansiedade entre os adolescentes ansiedade mais altos (por volta de 27 pontos para
praticantes de esportes coletivos, talvez em cognitiva e 24 pontos para a somática) ocorreram
função da diferença entre as características as derrotas (jogos 1 e 5). Diante desses
dessas modalidades (SANTOS; PEREIRA, 1997). resultados observados pode-se enfatizar que a
Na presença de autoconfiança espera-se tanto percepção do desafio e sua relação com a
resultados positivos quanto negativos. É comum percepção de capacidade do atleta podem levar
cometer alguns deslizes, tomar decisões erradas ao excesso de ansiedade e consequentemente,
ou perder a concentração ocasionalmente. Cada impedir que o atleta atue com seu melhor
indivíduo tem um nível de autoconfiança e por desempenho (STEFANELLO, 2007). No caso
isso, problemas de desempenho podem surgir desta equipe de voleibol notou-se frente aos
quando esse componente expressa valores jogos de menor importância, níveis de ansiedade
abaixo ou acima do ideal (WEINBERG; GOULD, consideravelmente mais baixos, mas quando o
2001). jogo era considerado de maior importância, os
níveis de ansiedade também aumentavam.
Um estudo desta natureza investigou 78
atletas do sexo feminino e 88 do sexo masculino Quanto ao componente autoconfiança, este
com idade média de 21 anos de diversas apresentou valores menores na fase competitiva
modalidades esportivas individuais (atletismo, em relação à preparatória, enquanto o nível do
judô, ginástica e tênis de mesa) e coletivos componente cognitivo e somático aumentaram
(basquetebol, futebol, handebol e rúgbi). Os devido à baixa confiança da equipe, podendo ter
autores destacam a importância de considerar sido este o motivo que levou derrota da equipe
todas as dimensões da ansiedade nos jogos 1 e 5 da competição.
simultaneamente, visto que, os subgrupos de Em um grupo de jogadoras universitárias de
atletas diferiram significativamente em voleibol (18 a 22 anos) foi analisada a ansiedade
perturbações de concentração, ansiedade traço, pré-competitiva a fim de testar a teoria de zona
perturbações somáticas, preocupação com erros, ótima de funcionamento individual em um esporte
percepção da pressão dos pais, e intensidade e coletivo. Os autores detectaram que as atletas da
freqüência de autoconfiança (MARTINENT; equipe de voleibol apresentam variação ótima de
FERRAND, 2007). ansiedade pré-competitiva. Conforme esta teoria,
Em uma equipe de atletas de voleibol em fase as atletas foram capazes de prever com precisão
escolar da cidade de Ponta Grossa (PR), com a ansiedade antes de uma partida difícil, com
idade entre 15 e 17 anos de ambos os gêneros, maior probabilidade de ter níveis de ansiedade
os autores verificaram que grande parte dos dentro dos parâmetros postulados (RAGLIN;
atletas possuía um nível médio de ansiedade MORRIS, 1994).
estado (17-23 pontos) e em menores proporções, Na verificação da ansiedade-traço competitiva
ansiedade média-alta (24-27 pontos). No entanto, frente ao gênero, faixa etária, experiência em
os pesquisadores não indicam se os testes foram competições e tipo de modalidade esportiva
aplicados em fase preparatória ou competitiva (individual e coletiva), foram avaliados 105 atletas
(APLEWICZ et al., 2009). Porém os resultados de jovens com idades variando de 11 a 20 anos e a
ambos estudos se encontram similares, estando maioria do sexo masculino. Os resultados
a „ansiedade estado‟ pré-competitiva e indicaram que as mulheres apresentaram maior
competitiva, de um modo geral, dentro dos limites ansiedade-traço competitiva do que os homens,
de ansiedade considerada média. não relatando diferença significativa para as
O fato do componente autoconfiança ter demais variáveis estudadas (GONÇALVES;
apresentado índices inferiores na fase BELO, 2007). Na literatura, estudos apontam que
competitiva pode ter sido em decorrência do as mulheres respondem com maior intensidade
confronto da equipe estudada com a equipe do que os homens às situações desportivas
campeã do ano anterior. Por outro lado, os níveis competitivas, possibilitando maiores índices de
de ansiedade cognitiva e somática começaram ansiedade no sexo feminino por ser mais sensível
altos, bem acima do verificado na fase pré- (LAWTHER, 1978).
competitiva, provavelmente pela angústia da Na natação, um estudo avaliou os níveis de
estréia na fase competitiva, que resultou em ansiedade pré-competitiva de atletas em
derrota por 2 sets a 0. competições estaduais e regionais e detectaram
Além disso, foi possível constatar que quando que todos os atletas apresentaram um bom nível
a equipe apresentou níveis médios de ansiedade de autoconfiança independentemente do nível da
cognitiva e somática, ocorreram as vitórias (jogos competição. Além disso, as mulheres
2, 3 e 4), e quando estes alcançaram níveis de apresentaram uma tendência para serem mais