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Economia de subsistência
As pessoas, quando se referem à economia indígena, têm a tendência de
denominá-la de "economia de subsistência", "imagem antiga, mas sempre
eficaz, da economia dos selvagens", como diz Pierre Clastres (1982:133).
Entende-se por economia de subsistência aquela que gera recursos apenas
para a satisfação imediata das necessidades, sem produzir excedentes, isto é,
"sobras". Implícita no conceito de subsistência está a idéia de uma economia
da escassez e do trabalho constante para a obtenção de alimentos.
Este tipo de juízo de valor esconde duas idéias: a de que o índio é pregui-
çoso por natureza e, outra, a de que é incapaz de produzir excedentes. E des-
dobrando estas idéias, por ser preguiçoso, é incapaz de produzir uma tecnologia
mais eficiente e, por ter esta incapacidade, não consegue viver na abundância.
O conceito de que é preguiçoso está ancorado no período da escravidão,
quando se alegava que o índio não se prestava ao trabalho, por isso era neces-
sário importar negros da África. Este preconceito é reforçado pelos livros es-
colares que não explicam que o índio também foi utilizado como mão de obra
escrava, mas que o tráfico negreiro era muito mais lucrativo que a escraviza-
ção de indígenas. Trazer negros da África produzia mais dinheiro e mais lu-
cros do que prear índios no sertão.
1. Este artigo é uma versão modificada do capítulo "Economia indígena: economia da miséria", do livro
ÍNDIO - ESSE NOSSO DESCONHECIDO, UFMT, Editora Universitária, 1993
A Temática Indfgena na Escola
uso que um povo faz dele. Povos indígenas adotaram o machado de aço e com
isso diminuíram seu tempo de trabalho. A adoção do machado de aço e de
ferramentas de metal, no entanto, veio acompanhada do contato com a socie-
dade abrangente, o que trouxe inúmeros prejuízos ao ambiente, mortalidade
e outros males que ainda hoje ameaçam as sociedades indígenas.
O saber fazer
Recentemente, na França, arqueólogos tentaram fazer réplicas de macha-
dos de pedra, em vão. Descobriram que um instrumento aparentemente tão
simples é, na verdade, algo extremamente difícil de fabricar.
As técnicas de fabrico de utensílios e ferramentas, as técnicas agrícolas,
as de caça e pesca são passadas de geração a geração, através de um paciente
trabalho de aprendizagem e de inovação. Por trás de todas as atividades indí-
genas existe uma ciência que muitas vezes nos é difícil de compreender; existe
uma sabedoria e uma arte.
Na tecnologia indígena é um pouco difícil distinguir o que é utilidade e
o que é manifestação artística. Em todos os objetos de trabalho, adornos ri-
tuais, vasilhames, há um tal trabalho, que não se trata apenas de instrumentos
utilitários, mas também de objetos de arte. Basta visitar um Museu de Arte
Indígena para constatar esse fato.
Esse saber e essa arte são passados dos mais velhos, para as gerações mais
novas, pacientemente. Meninas aprendem a tecelagem, o fabrico de cerâmi-
ca, a transformação de alimentos, com suas mães e com mulheres mais idosas
e experientes. Meninos aprendem a fazer arcos, flechas, adornos corporais,
técnicas de caça e pesca e outras atividades, com seus pais, de acordo com o
que seja considerado tarefa masculina ou feminina, em cada sociedade em
particular.
Como as crianças participam normalmente de todas as atividades dos adul-
tos, desde pequenos aprendem também a trabalhar. Inicialmente, através de
brincadeiras e de miniaturas dos instrumentos de trabalho. Estas miniaturas
funcionam como imitação e meios de aprendizagem para a vida futura. Além
dos brinquedos, desde muito cedo, as crianças ajudam seus pais em pequenas
tarefas. Isto também ocorre na nossa sociedade, onde os brinquedos infantis
reproduzem situações da vida adulta.
O tempo do trabalho
Quase todos os autores são unânimes ao afirmar que os índios, quando
em condições ideais, trabalham poucas horas por dia.
Embora não sejam muito freqüentes, os estudos de ecologia alimentar tra-
zem dados concretos a este respeito.2 Eleanora Setz (1983) em sua pesquisa
2. Ecologia alimentar é o estudo das relações que os homens estabelecem com o meio ambiente para obter
alimentos, que lhes fornecem energia e nutrientes para seu crescimento e reprodução. A ecologia alimen-
tar leva em conta aspectos tais como o que se come, o tamanho da população, a área explorada e o tempo
gasto para a obtenção de alimentos.
A Temática Indígena na Escola
3. Dados mais recentes indicam que houve um crescimento significativo desta população. Da década de
70 para finais do ano 80, ela passou de 550 para cerca de 800 pessoas (Almeida, 1987: 95).
Economia de subsistência
Alentesu Juína
Seca Chuva Média Seca Chuva Média
Caçar 0,52 0,82 0.40 0.40 0.57 0.47
Coletar 0.45 0.33 0.39 1.47 1.75 1.61
Ir à Roça 0.51 0.37 0.44 0.41 0.78 0.60
Processar 0.02 0.13 0.07 0.42 0.55 0.48
TOTAIS 1.50 1.65 1.30 2.70 3.65 3.16
O que está por trás destes projetos é uma grande pressão integracionista.
Toda a política indigenista é elaborada no sentido de negar a continuidade do
índio enquanto tal e de promover estratégias que forcem sua "incorporação"
à sociedade nacional. O conceito de aculturação, largamente utilizado pelo
Estado brasileiro e muito amplamente presente no senso comum da popula-
ção brasileira não-índia, pressupõe que, após o contato com a sociedade na-
cional, as sociedades indígenas gradativãmente passem a fazer parte dela e
seus membros deixem de ser índios. Os projetos de desenvolvimento comuni-
tário foram concebidos, portanto, como uma tentativa de dar um empurrão
final a este processo:
' 'Contrapondo-se à poética e ultrapassada posição de certos sonhadores
que vislumbram as comunidades indígenas como eternos ' 'oásis humanos''
intocados pela sociedade envolvente, a Fundação Nacional do índio busca,
com projetos racionais e ajustados às diferentes realidades de cada grupo,
respaldar estas comunidades para a espontânea projeção econômica, na exata
medida em que se processa a integração'' (pronunciamento de uma autori-
dade da FUNAI,na Semana do índio em 1981: 9a DR, FUNAI, Ministério
do Interior e Governo de Mato Grosso do Sul).
Os projetos econômicos, constituem uma pressão para direcionar os gru-
pos indígenas a uma nova racionalidade econômica. Essa racionalidade signi-
fica a inserção das sociedades indígenas no sistema capitalista, a ocupação
intensiva de seu território, o abandono do modo de produção tribal, a mani-
pulação do dinheiro e a participação na sociedade de consumo. Enfim, signi-
fica em última instância a negação do índio enquanto tal e sua transformação
em produtor capitalista.
ras, uma área de 583.000 ha, reconhecida em 1991 e que está sendo, agora,
demarcada.
Apesar de terem mantido, há várias décadas, contatos esporádicos com
balateiros, caçadores de pele e garimpeiros, os Waiãpi safaram contactados
pela Funai em 1973, por ocasião da construção da Rodovia Perimetral Norte.
Desde então, a atividade mineral aumentou consideravelmente na região e as
terras Waiãpi estão hoje circundadas por concessões à empresas e pela ativi-
dade predatória de garimpos que chegaram a invadir a área. Paralelamente
às pressões dos invasores, crescia a dependência em relação às agências assis-
tenciais. Uma das transformações mais drásticas no sistema tradicional de ocu-
pação territorial e no modo de vida dos Waiãpi, foi a concentração dos diversos
grupos locais em torno de postos - mantidos pela FUNAI e/ou pela MNTB -
onde funcionam enfermarias e, há pouco tempo, escolas.
Por iniciativa dos Waiãpi, esta tendência - que historicamente redundou
em enormes perdas territoriais para os índios - está sendo controlada. Os postos
não foram abandonados, mas não representam mais uma alternativa à vida no
mato, nem os Waiãpi esperam deles soluções para o futuro. Receber presentes
ou trocar artesanato à preço baixo, não são hoje as únicas alternativas para
atender às necessidades criadas na fase de sedentarização pós-contato. Nosso
primeiro trabalho foi mostrar aos Waiãpi que os bens dos brancos não seriam
sempre dados. O segundo foi de orientá-los na comercialização independente
de sua produção extrativista. O terceiro foi de apoiar suas iniciativas no senti-
do de obterem, como fruto de seu próprio trabalho, os recursos necessários à
sua pequena demanda: armas e munição, pano para as tangas, panelas, etc...
Também incentivamos a comercialização de copaíba, de castanha, a confecção
de artesanato com matérias primais mais diversificadas, etc.
O interesse dos índios neste extrativismo, voltado para a comercialização,
articulava-se, portanto à reativação do sistema de ocupação territorial descen-
tralizado. Através da implantação de novas aldeias ou de acampamentos fixos
em pontos estratégicos da área, podemos considerar que atualmente, foi inver-
tido o processo de sedentarização implementado na década de 70 pelas agên-
cias assistenciais. Atualmente, existem 13 aldeias na AI Waiãpi, contra 4 na
época da identificação, em 1984. Um dos motores deste movimento, que resul-
ta numa efetiva fiscalização da área, foi a necessidade de controlar zonas in-
termitentemente invadidas por garimpeiros. A partir dos anos 80, os Waiãpi
assumiram expulsar, sozinhos, os invasores. Neste processo, alguns grupos lo-
cais que já haviam experimentado junto aos garimpeiros a faiscação manual
de ouro, optaram não apenas por ocupar, mas por explorar as grotas antes
aproveitadas pelos invasores. A partir daí, iniciaram a pesquisa de novas gro-
tas, levada paralelamente às expedições de fiscalização dos limites da área.
Fiscalização e pesquisa de ouro, assim como o extrativismo vegetal, tornaram-
se facetas da mesma estratégia de controle territorial.
Coube aos assessores do CTI repassar técnicas simples de extração mine-
ral não-predatória, eliminando por exemplo o uso de mercúrio e outros hábitos
que os Waiãpi haviam herdado da exploração desordenada na época em que
trabalhavam junto aos garimpeiros invasores. O novo modelo de garimpagem,
que privilegiou apequena escala, favoreceu a recuperação das áreas trabalha-
das, que serão transformados em futuros sítios de frutíferas nativas. Ao apoiar-
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