Você está na página 1de 2

Por que idolatramos

políticos?
Eles são parafusos de uma engrenagem que deve
manter um país funcionando



 Salvar para ler depois
SALVAR ARTIGOS

4.jan.2022 às 19h40

Lygia Maria
Mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutora
em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP

Há quem critique o conceito de "brasileiro cordial", do sociólogo


Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), porque o brasileiro
seria agressivo, mal-educado, mas isso é um equívoco. "Cordial"
vem do latim "cor, cordis", que significa "coração". Ou seja, o
brasileiro é um ser passional —logo, dado a fazer bobagens.
Não consegue separar o privado (emoção) do público (razão),
acha que o Estado é uma ampliação do círculo familiar, ou seja,
acha que o espaço público é a casa da mãe joana (nepotismo,
patrimonialismo, personalismo etc.). Como esclarece o
sociólogo, "a inimizade bem pode ser tão cordial como a
amizade, nisto que uma e outra nascem do coração, procedem,
assim, da esfera do íntimo, do familiar, do privado (...) o
indivíduo afirma-se ante os seus semelhantes indiferente à lei
geral, onde esta lei contrarie suas afinidades emotivas".
Um exemplo é a idolatria à pessoa de Jair Bolsonora a partir do
"ele é gente como a gente!", só porque veste camiseta de time de
futebol, come pizza em pé na calçada ou tira foto usando
chinelos, sentado em uma cadeira de plástico em um boteco nas
férias de fim de ano.
No outro lado, temos o "Lulinha paz e amor", "Lula ladrão,
roubou meu coração" e uma adoração messiânica ao ex-
presidente Lula. Segundo a militância, Lula é o único capaz de
salvar a população brasileira, e quem se recusa a votar nele é
um herege. Puro sebastianismo: a crença de que dom Sebastião
(1554-1578) voltaria como um novo messias para levar Portugal
à glória novamente.
Nas últimas eleições, ouvimos que Henrique Meirelles não é
simpático, que Marina Silva é frágil. Boulos bradava "vamos
voltar a fazer política com emoção". Não! Foi por causa da
emoção que atolamos nessa lama polarizada. Um jornalista
disse que já é hora de perdoar o PT. Perdoar um partido que
causou estrago devastador na economia e se envolveu em
corrupção? Perdoamos pessoas pelas quais nutrimos algum tipo
de sentimento e apenas quando assumem responsabilidade
pelos erros cometidos.
Políticos e partidos são como eletrodomésticos. Uma geladeira
serve apenas para resfriar alimentos. Um político é um
funcionário público que deve ser eficiente e só, como uma
geladeira: parou de gelar? Conserte ou compre outra. Ninguém
ama uma geladeira, idolatra uma geladeira.
Não somos máquinas, claro, mas sermos humanos não significa
estarmos em constante estado de torpor emocional. Entre o
brasileiro apaixonado e um computador há gradações e há
situações em que cada habilidade humana (razão e paixão) é
mais adequada. Idolatremos humoristas, músicos, santos.
Tratemos políticos pelo que de fato são: parafusos de uma
engrenagem que deve manter um país funcionando de forma
eficiente.




 Salvar 

Você também pode gostar