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11/04/2016 Polarização 

política no Brasil: O maniqueísmo é o ópio dos tolos | Opinião | EL PAÍS Brasil

OPINIÃO

  COLUNA ›

O maniqueísmo é o ópio dos tolos


O Brasil encontra-se dividido entre as pessoas que pensam como
nós (os bons, inteligentes e honestos) e as que pensam diferente
de nós (os maus, burros e corruptos)

LUIZ RUFFATO
30 MAR 2016 - 10:59 BRT

Tensão entre manifestantes contrários e a favor ao Governo Dilma, em Brasília, no dia


17 de março. /Ricardo Moraes Reuters

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A frase que encima essa coluna é de Iacyr Anderson Freitas, um dos maiores
poetas brasileiros contemporâneos. Ela revela bem o estranho e perigoso
momento que estamos vivendo, no qual posicionarmo-nos em relação a todo
e qualquer assunto, dos mais singelos aos mais polêmicos, tornou-se um
exercício complexo. A sociedade brasileira encontra-se dividida em duas
porções, a das pessoas que pensam como nós (os bons, inteligentes e
honestos) e a das que pensam diferente de nós (os maus, burros e
corruptos). A partir desse dualismo primário temos redefinido nossas
amizades, amores e visão de mundo. Aceitar isso, no entanto, é trilhar o
caminho pantanoso da mediocridade.

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Recentemente, voltando de uma viagem de trabalho a Macau, ouvi, no


trecho entre Dubai e São Paulo, um homem de seus trinta anos explicando à
jovem argentina que regressava a Buenos Aires após o intercâmbio de um
ano na Austrália, que a principal característica dos brasileiros era a
tolerância. Decerto, ele buscava impressionar a moça com uma conversa
mais intelectualizada e evocava a favor de seus argumentos todos aqueles
estereótipos autocomplacentes que usamos para absolver as nossas
mazelas, a “democracia racial”, a “alegria”, a “liberdade sexual”, a
“diversidade da composição étnica”, etc.

Se pudesse interferir na conversa deles – o que não fiz –


OUTROS ARTIGOS
DO AUTOR › teria perguntado se podemos classificar de tolerante
O Brasil mostra sua uma sociedade racista (que discrimina os descendentes
cara de africanos e os índios), machista (cerca de cinco mil
Sobre o que mulheres mortas por ano, o quinto maior índice de
estamos falando feminicídio do planeta), homofóbica (líder mundial de
mesmo?
assassinatos de homossexuais), xenófoba (no caso,
Sinto falta nossa intransigência é seletiva, apenas contra imigrantes

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pobres), e também, descobrimos há não muito tempo,


fascista. Porque é uma atitude autoritária tentar impor nossas opiniões ao
outro, e, quando frustrados, procurarmos desclassificar agressivamente
nosso interlocutor. O totalitarismo não tem lado – ceifa à esquerda e à
direita com a mesma intensidade.

O dramaturgo e cronista Nelson Rodrigues definiu certa vez o Brasil como a


“pátria de chuteiras”. Dizia-se, na década de 1970, auge do futebol nacional,
que éramos 90 milhões de técnicos, tal a paixão despertada pelo chamado
esporte bretão. O país mudou, o futebol entrou em decadência, e
transferimos e aprofundamos nosso ardor para a política. É no campo de
batalha da internet que exercitamos hoje o papel de julgadores de nossos
adversários, tornados de maneira sumária nossos inimigos. Envergando a
toga da intolerância e sentados na cadeira das certezas absolutas, avaliamos
implacáveis uns aos outros, condenando, cegos pelo ódio e pelo
ressentimento, todo aquele que de nós ousar divergir, mesmo que
minimamente.

O totalitarismo não tem lado – ceifa à esquerda e à direita


com a mesma intensidade

O presidente Getúlio Vargas, que chegou ao poder por meio de um golpe de


estado em 1930, renovado em 1937 com a instituição de uma ditadura,
implementou sob seu governo uma legislação trabalhista e introduziu o
Brasil na era industrial, criando as bases da nossa modernidade. O
cognominado “pai dos pobres” administrou o país com mão de ferro,
perseguindo os opositores – principalmente os comunistas – e entupindo as
cadeias de presos políticos. Vargas tinha como lema “aos amigos, tudo, aos
inimigos o rigor implacável da lei”, prática que parece revivida nos tempos
que correm.

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Quando crianças, ainda despidos de uma bagagem emocional e intelectual


mais sofisticada, tendemos a separar as coisas do mundo em pares
antagônicos para melhor entendê-lo: o dia e a noite, o doce e o salgado, o frio
e o quente, o mocinho e o bandido. Trata-se de uma visão egocêntrica e
rudimentar, que entretanto se transforma e diversifica à medida em que nos
tornamos adultos. O problema é que nós, os brasileiros, por algum motivo,
permanecemos confinados a essa visão infantilizada e binária que nos
impede de enxergar algo que até a autora de best-seller erótico Erika
Leonard James já descobriu: entre o preto e o branco há pelo menos 50 tons
de cinza...

Comecei esse artigo evocando um poeta, termino citando o escritor Jeferson


Tenório, que em artigo no jornal Zero Hora, sentenciou: “Em tempos de ódio,
parece que nossa melhor saída é a transgressão pelo afeto”.

Luiz Ruffato é jornalista e escritor.

ARQUIVADO EM:

Crise governo · Impeachment Dilma Rousseff · Crises políticas · Manifestações


· Manifestações políticas · Congresso Nacional · Protestos sociais · Subornos

VEJA TAMBÉM...

Sérgio Moro, de O legado da nossa A cartada de Lula “Hoje os golpes


ídolo anti-PT à miséria são suaves, através
berlinda por dos poderes
(EL PAÍS) (EL PAÍS) (EL PAÍS) (EL PAÍS)

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