Você está na página 1de 3

Você está aqui: 

Página Inicial / Sociedade / O Reich tropical: a onda fascista no Brasil

Sociedade
Opinião

O Reich tropical: a onda fascista no Brasil


por Rosana Pinheiro-Machado — publicado 13/10/2014 13h35, última modificação 15/10/2014 17h58

O germe do ódio está às soltas no Brasil pronto para linchar física e


moralmente todo aquele que não for branco, heterossexual, rico e cheio de
bens de consumo
inShare37

http://www.cartacapital.com.br/sociedade/o-reich-tropical-a-onda-fascista-no-brasil-
2883.html

A história do início do século 21 parece repetir a do século 20. De um lado, insurgências


populares eclodem aqui e acolá. De outro, há o claro crescimento da extrema direita
conservadora. Mas há uma diferença significativa, e profundamente preocupante, entre o
passado e o presente. Desencantada de sua história e imersa em pequenos conflitos que
causam grandes desgastes, a esquerda hoje está muito mais fraca do que há cem anos*.
O desequilíbrio entre uma esquerda enfraquecida e uma direita que detém o monopólio
do capital financeiro e informacional, sem sombra de dúvidas, pesa para um único lado.
Se Celso Russomanno (PRB) e o Pastor Feliciano (PSC) não tivessem sido os deputados
mais bem votados em São Paulo, e se o Rio de Janeiro não tivesse escolhido Jair Bolsonaro
(PP) em primeiro lugar, eu poderia jurar que o deputado mais votado no Rio Grande do
Sul, Luis Carlos Heinze (PP), que declarou que “quilombolas, índios, gays e lésbicas: tudo o
que não presta” era um caso isolado de uma possível patologia gaúcha. Mas infelizmente
não é.
Desde junho de 2013, muito tem se falado em guinada à direita ou da onda conservadora.
O que poucos mencionam, no entanto, com a devida clareza necessária, é que tem
emergido uma multidão raivosa e fascista. Essa hipótese se baseia nos fatos que elenco
abaixo, os quais se indicam uma tendencia de violência física e moral a diferença e a
diversidade.

Há uma sequência de eventos que não podem ser analisados separadamente.


Primeiramente, logo após as Jornadas de Junho, veio o ódio e o racismo destilado aos
integrantes do rolezinho – ódio este que senti na pele por ter sido agredida de todas as
maneiras possíveis quando escrevi o Etnografia do Rolezinho. Não me surpreendeu,
portanto, que 82% da população de São Paulo achassem que a força policial deveria agir
para impedir o movimento dos jovens – segundo revelou uma pesquisa da época. Depois
fomos brindados com o episódio da apresentadora do SBT Rachel Sheherazade, que
defendeu publicamente o linchamento do adolescente negro e menor de idade que
cometeu um assalto. Nessa linha, o aumento de casos de gays espancados no Brasil
acontece paralelamente a torcidas de futebol que gritam “macaco, macaco”, e que trazem
à tona uma população que se solidariza mais com uma criminosa branca do que com o
agredido negro.
Dando apoio ideológico a esse circo de horrores, angariando milhões de leitores com o
sensacionalismo vulgar disfarçado de conteúdo, colunistas das piores – mas igualmente
poderosas – revistas do Brasil aplaudem muitos desses eventos e estimulam a
disseminação da mentira, ao inferir que, se nada for feito, a ditadura comunista irá
imperar sob o reinado de pobres e gays. Controlando os aparatos hegemônicos da mídia e
disseminando mentiras, os grupos dominantes elegeram a mais conservadora bancada de
sua história – ato que não poderia ter sido plenamente realizado sem a eclosão
incontrolável de ofensas criminosas aos nordestinos. Finalmente, mas não menos
importante, o recente caso da suspeita de ebola desvelou crimes de racismo, xenofobia e
intolerância humana de uma vez só.
O fascismo brasileiro é mais complexo do que o italiano ou o nazismo alemão. Ele é mais
difícil de identificar, possui um ódio mais pulverizado direcionado uma massa ampla e
difusa. É animado por uma mídia suja, uma polícia violenta, um movimento religioso
fanático e uma elite sui generis que, na teoria, defende o liberalismo, mas na prática age
para defender privilégios.
Ao passo que os italianos e alemães viam seu povo como superior, o fascismo
idiossincrático à brasileira não idolatra a si próprio, mas sim aqueles países que lhes barra
na imigração.
A semente do fascismo tropical está presente em todas as classes, em todas as regiões. Há
quem diga que ele piorou após Junho de 2013. Há quem acredite que sempre foi assim e
que ele apenas mostrou sua cara como tendência da polarização. Há quem diga que se
trata apenas de um resultado das leves mudanças das estruturas da profunda
desigualdade brasileira ou mesmo do limbo entre Junho de 2013 e as eleições de 2014. Em
qualquer uma das hipóteses, o germe do ódio está às soltas no Brasil pronto para linchar
física e moralmente todo aquele que não se enquadra establishment masculino, branco,
heterossexual, rico, bem-sucedido e cheio de bens de consumo.
A ameaça comunista é uma mentira. A ameaça fascista é uma realidade.
Eu gostaria de encerrar minha coluna olhando para frente, elencando algumas atitudes
que me parecem urgentes para a esquerda, ou para todos aqueles que entendem que a
universalidade da humanidade está em sua capacidade de produzir a diferença.
Primeiro, me parece fundamental não eleger Aécio Neves (PSDB), que se alia às piores
figuras dessa nova bancada. Isso não significa que as alianças de Dilma Rousseff (PT) sejam
menos sórdidas. A diferença é que o PT ainda tem uma base forte calcada nos movimentos
sociais. Para os petistas à esquerda, o dever de casa é, depois do susto, lutar para
reconstruir suas antigas bandeiras. Para a esquerda não petista, partidária ou anarquista,
é preciso ampliar sua base popular. Em ambos os casos, como eu disse há poucos dias nas
minhas redes sociais, ficar xingando a tudo e a todos de coxinha me parece uma estratégia
burra para quem é minoria neste País.
Contra a onda fascista, a esquerda precisa se fortalecer, se entender, reconhecer suas
fragilidades, ocupar os meios de comunicação de massa, ampliar a base de diálogo, ouvir a
população e falar para ela, reconstruir seus heróis e lembrar que nenhum aparato
dominante é mais forte do que o genuíno sonho por justiça social.
*Agradeço a Bolívar Marcon Pinheiro Machado por este insight e a todos/as que comentaram
este tema recentemente em minhas redes sociais.

Você também pode gostar