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As origens e a gênese do Plano Collor

Carlos Eduardo Carvalho


Professor do Departamento de Economia
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Palavras-chave Resumo Abstract


Plano Collor, bloqueio da O bloqueio da liquidez da maior parte dos haveres The blockage of financial asset liquidity in March
liquidez, reforma monetária, financeiros em março de 1990, o Plano Collor, uma 1990, known as the Collor Plan – one of the most
políticas de estabilização das mais drásticas intervenções do Estado na eco- drastic state interventions in the Brazilian economy
no Brasil, pensamento nomia no Brasil, teve origens no debate sobre o fra- ever –, originated in the debate over the failure of
econômico brasileiro. casso das políticas de estabilização dos anos ante- previous stabilization policies, especially the
riores, em especial os choques heterodoxos do go- heterodox shocks of the Sarney government. This
Classificação JEL B29, B59, verno Sarney. O bloqueio procurou enfrentar, de intervention was an attempt to tackle, at the same
N16. uma só vez, os três problemas identificados nos time, the three problems identified with the shocks:
choques: (i) a tendência de monetização acelerada e (i) the tendency for accelerated monetization and for
de explosão da demanda em momentos de desinfla- an explosion in demand in moments of abrupt
ção abrupta, (ii) as implicações da elevada liquidez reduction of the inflation; (ii) the implications of high
dos haveres financeiros e da “moeda indexada” e liquidity of financial assets and “indexed money”
(iii) as precárias condições de financiamento da dívi- and (iii) the precarious financing of the public debt.
da pública mobiliária. O debate apontava para a The debate pointed to the possibility and even the
possibilidade e mesmo para a necessidade de medi- need for non-conventional measures to be taken in
das não convencionais em relação aos três proble- relation to these three problems. The Collor Plan
mas. A gênese do Plano Collor, ou seja, como e itself began to be formatted by the president-elect’s
quando foi formatado o programa propriamente di- advisors at the end of December 1989, after his
to, desenvolveu-se na assessoria de Collor a partir victory in the runoff election. The final draft was
do final de dezembro de 1989, depois da vitória no probably strongly influenced by a document discussed
segundo turno. O desenho final foi provavelmente by the advisors of PMDB party candidate Ulysses
muito influenciado por um documento discutido na Guimarães, and later by advisors of PT party
assessoria do candidato do PMDB, Ulysses Guima- candidate Luís Inácio Lula da Silva, during the
rães, e depois na assessoria do candidato do PT, Lu- period between the general election and the runoff. In
ís Inácio Lula da Silva, entre o primeiro turno e o se- spite of the differences in their general economic
Key words
gundo. Apesar das diferenças nas estratégias eco- strategies, these competing candidates failed to develop
Collor Plan, blockage of nômicas gerais, as candidaturas que se enfrentavam their own stabilization policies at a time of rapid
liquidity, monetary reform, em meio à forte aceleração da alta dos preços, sub- price increases and risk of hyperinflation during the
stabilization policies in Brazil, metidas aos riscos de hiperinflação aberta no segun- second half of 1989. The proposal to block liquidity
Brazilian economic thought. do semestre de 1989, não tinham políticas de estabi- originated in academic debate and was imposed upon
lização próprias. A proposta de bloqueio teve ori- the main presidential candidacies.
JEL Classification B29, B59, gem no debate acadêmico e se impôs às principais
N16. candidaturas presidenciais.

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1_ Introdução que teria sido aplicado aqui. As origens


O bloqueio da liquidez dos haveres fi- do plano devem ser buscadas na reflexão
nanceiros em março de 1990, o Plano brasileira sobre as dificuldades colocadas
Collor, não foi um improviso diante do pela inflação elevada e crônica, no con-
quadro adverso daquele momento, co- texto das restrições macroeconômicas da
mo afirmaram alguns dos seus críticos.1 década de 1980.
A proposta estava muito ligada ao debate São muito dispersas e fragmenta-
econômico dos anos anteriores, às voltas das as informações sobre a gênese do Pla-
com a persistência da inflação elevada no Collor, ou seja, sobre como e quando
e com o fracasso das sucessivas políti- a equipe de Collor se decidiu pelo blo-
cas de estabilização.2 Alguns anos depo- queio. Não foram divulgados documen-
is, um dos formuladores do Plano Real se tos. Vieram a público apenas textos cur-
referiu a 1993 como tos e declarações esparsas. Com base no
que está disponível, pode-se afirmar que
uma oportunidade única de implementar só no início de janeiro de 1990, a dois
uma reforma monetária sem os traumas meses e meio da posse, a proposta foi
provocados por um seqüestro de ativos fi- adotada pelos economistas reunidos em 1 “O Plano Collor foi
nanceiros. Isto só foi possível graças ao torno de Zélia Cardoso de Mello, futura teoricamente imprevisível”,
grande volume de reservas internacionais ministra da Economia, e levada ao pre- segundo Cysne (1991, p. 382).
acumuladas desde 1992, [...] suficiente sidente eleito. O desenho das medidas “A teoria era realmente
para prover a nova moeda de uma forte li- exótica”, escreveria Simonsen
deve ter sido muito influenciado por (1995, p. 110) anos depois.
nha de defesa (Bacha, 1995, p. 18).
uma proposta discutida na assessoria 2 Consultados pela equipe

Se não contasse com reservas exter- do candidato do PMDB, Ulysses Guima- que preparava o bloqueio, em
nas, como em 1986 e 1990, o Plano Real rães, durante o primeiro turno das elei- fevereiro e março de 1990,
demandaria novo bloqueio da liquidez. ções presidenciais de 1989. Quando fi- economistas de variadas
correntes aprovaram as
Como se chegou ao Plano Collor? cou claro o esvaziamento da campanha medidas e se prontificaram a
Houve dezenas de episódios de bloqueio de Ulysses, a proposta foi levada para a colaborar (Sabino, 1991,
da liquidez no século XX. A forma co- candidatura de Luís Inácio Lula da Silva, p. 133). Logo após o segundo
mum de bloqueio da liquidez, contudo, do PT, obteve grande apoio por parte turno, o bloqueio teria sido
oculta diferenças substanciais em cada de sua assessoria econômica e chegou sugerido a Collor por
Daniel Dantas, economista
episódio, no contexto em que ocorre- à equipe de Zélia depois do segundo tur- ligado a Mário Henrique
ram, no alcance e nas peculiaridades das no, realizado em 17 de dezembro. Simonsen, depois um duro
medidas adotadas e dos resultados pre- O programa anunciado em 16 de crítico do programa (Sabino,
tendidos. Não existia um modelo preciso março de 1990, dia seguinte à posse do no- 1991, p. 109).

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vo presidente da República, tinha o nome dio prazo, caso da abertura comercial;


de Plano Brasil Novo, quase nunca utili- outras procuravam equacionar a crise fis-
zado. Plano Collor foi o nome que preva- cal, mas não dependiam do bloqueio pa-
leceu, mas em geral designando apenas o ra tanto. O elemento central do Plano
bloqueio das aplicações financeiras. As Collor, portanto, o que o caracteriza de
referências ao plano em geral não inclu- forma precisa e o distingue com nitidez
em o amplo leque de iniciativas em áreas de outros programas de estabilização, é o
diversas, como política de rendas, finan- bloqueio da liquidez dos haveres finan-
ças públicas, reforma do Estado, política ceiros (Quadro 1).
cambial, comércio exterior.3 Anunciadas Este artigo tem dois objetivos. O
junto com o bloqueio, essas medidas são primeiro é identificar as origens da pro-
em geral associadas ao governo Collor, e posta de bloqueio da liquidez, pela análi-
não ao programa de estabilização. A fo- se do debate econômico brasileiro nos
calização da análise do Plano Collor ape- anos anteriores. O segundo é esclarecer
nas no bloqueio não é um equívoco. Des- como se deu a gênese do programa de
de o início, o programa de estabilização se março de 1990, ou seja, como e quando
destacava com nitidez. As demais medi- seus autores chegaram à decisão de apli-
das do Plano Brasil Novo não dependiam cá-lo. A análise dos resultados do blo-
da natureza da política de estabilização queio está além dos objetivos do artigo,4
e poderiam ter acompanhado programas da mesma forma que a reflexão sobre as
gradualistas ou choques baseados em con- alternativas de política econômica pos-
gelamento de preços e desindexação. Al- síveis naquele momento e sobre seus
gumas medidas do Plano Brasil Novo efeitos de médio e longo prazo.
tinham objetivo antiinflacionário de mé-
3 O conjunto das medidas Zini Jr. (1993, p. 308-316). A 4 Prevaleceu na época a coerência. Em outros trabalhos,
anunciadas no dia 16/3 está maior parte das publicações da interpretação de que o plano defendo a tese oposta, de que o
na edição extra da Gazeta época concentrou-se nas falhou em razão da liberação plano falhou porque era
Mercantil de 17/3/1990 (n. medidas monetárias, caso da descontrolada de valores inaplicável: manter a retenção
19.299). O livro Plano Collor de coletânea organizada por Faro retidos, provocada por pressões dos haveres financeiros naquela
estabilização econômica (1990) (1991) e publicada como edição sobre o governo e por erros de escala era impossível, já que
apresenta os documentos legais especial da Revista Brasileira de gerenciamento do programa. implicaria a paralisação do
do Plano Brasil Novo, inclusive Economia (v. 45, ed. especial, Decorre dessa interpretação a sistema de pagamentos e uma
as diversas Medidas Provisórias jan./1991). Outras duas tese de que o bloqueio da grave crise bancária (Carvalho,
já transformadas em leis coletâneas interessantes são: liquidez poderia ter atingido 1996; 2003).
aprovadas pelo Congresso. Há Tavares et al. (1990) e Oliveira seus objetivos se tivesse sido
um bom resumo do plano em (1991). aplicado com maior rigor e

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Quadro 1_ O bloqueio da liquidez no Plano Collor – Medida Provisória 168, 15/03/1990, depois Lei n. 8.024, 12/4/1990

Bloqueio da liquidez de parte considerável dos haveres financeiros, exceto o papel-moeda em poder do público. Os valores em cruzados
novos bloqueados ficariam recolhidos ao Banco Central do Brasil por dezoito meses, recebendo juros de 6% ao ano mais correção
monetária, creditados diariamente, e seriam liberados em doze parcelas mensais a partir do 19° mês.

Os haveres financeiros seriam convertidos ao par, de cruzados novos (NCz$) para cruzeiros (Cr$), após a cobrança extraordinária de 8%
de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) nos haveres não monetários e na venda ou transmissão de ações e ouro, isentos os
depósitos à vista e os títulos e depósitos do ativo das instituições financeiras.

A conversão em cruzeiros deveria ser feita no momento da liberação dos valores retidos, com regras diferenciadas:

• papel-moeda, conversão imediata, sem bloqueio;


• depósitos à vista e cadernetas de poupança, liberação imediata de até Cr$ 50 mil (pela taxa de câmbio oficial de 13/3/1990,
US$ 1.300,00; pela taxa do câmbio paralelo, US$ 610,00 em 13/3, US$ 1.110,00 em 19/3 e US$ 770,00 em 30/3);
• aplicações overnight e contas remuneradas, liberação imediata de Cr$ 25.000,00 ou de 20% do total, valendo o maior;
• fundos e depósitos a prazo, 20% do total.

Todos os limites deveriam ser calculados por aplicador e por instituição financeira. Títulos e depósitos do ativo das instituições
financeiras submetiam-se ao mesmo regime.

Nos depósitos a prazo, debêntures e cotas de fundos, a conversão para cruzeiros da parcela liberada deveria ser feita apenas no
vencimento do título. Nos fundos, a conversão ficava condicionada à disponibilidade de liquidez em cruzeiros. As parcelas não
convertidas deveriam permanecer denominadas em cruzados novos até seu vencimento. Títulos com prazo superior a dezoito meses
permaneceriam denominados integralmente em cruzados novos até o vencimento.

Os cruzados novos bloqueados poderiam ser usados por sessenta dias (até 18/5/1990) para pagamento de impostos, taxas, contribuições
e obrigações previdenciárias e por 180 dias podiam ser transferidos entre pessoas físicas e jurídicas, “para fins de liquidação de dívidas e
operações financeiras comprovadamente contratadas antes de 15/3/1990”, processo denominado de “transferência de titularidade”.

Recursos dos tesouros dos três níveis de governo ficaram livres do bloqueio e foram convertidos integralmente, com liberação imediata
dos cruzeiros no caso de depósitos à vista e recursos em trânsito no sistema bancário, e liberação no vencimento, no caso de títulos. Para
os três níveis de governo, recursos recebidos em cruzados novos até 18/5/1990, pelo pagamento de impostos, taxas e contribuições,
seriam convertidos integralmente e liberados na data de vencimento da obrigação que lhes deu origem, ou de imediato, no caso de
obrigações já vencidas.

Fontes: BCB; Gazeta Mercantil (edição extra, 17/3/1990, n. 19.299, p. 32); Revista de Economia Política, 1990. p. 117-120.

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O artigo se organiza em três se- sas iniciativas, por enfatizar o traço es-
ções. A primeira discute o conceito de pecífico que as distingue de outras: a sus-
bloqueio da liquidez e destaca a heteroge- pensão (parcial ou total, temporária ou
neidade de motivações e circunstâncias definitiva) do direito ao exercício da li-
nos episódios ocorridos no século XX. A quidez de ativos financeiros.
segunda seção analisa o debate brasileiro Medidas desse tipo têm sido de-
sobre inflação elevada e estabilização. A signadas como reformas monetárias, por
5 A História registra muitos
terceira expõe o processo de opção da incluírem em geral a troca de moeda e
casos de bloqueio,
desvalorização, confisco e equipe econômica do novo governo pelo por apresentarem motivações de ordem
repúdio de dinheiro e títulos bloqueio da liquidez. Seguem-se algumas monetária – controle da emissão, redução
(Zini Jr., 1989, p. 48-49; sobre considerações finais. da liquidez ou reorganização do meio cir-
o período medieval, Veitch,
culante. Trata-se de denominação impre-
1986), mas os episódios do
século XX podem ser cisa, por ter sido empregada desde o sé-
analisados sem recorrer a
1_ Bloqueio da liquidez: culo passado para designar iniciativas de
casos anteriores. Para conceituações e precedentes política monetária e cambial as mais di-
Klopstock (1946, p. 578-579), O Plano Collor integra o grupo de versas (Ramalho, 1993, p. 536).6 A ex-
a História não oferecia
precedentes para a políticas de estabilização que incluíram pressão “confisco monetário” é adotada
compreensão dos programas limitação ou cancelamento da liquidez de por Ramalho (1993, p. 536), sob o argu-
em curso na Europa. haveres monetários (moeda manual e de- mento de que esses programas represen-
6 Posição semelhante aparece
pósitos à vista) ou da conversibilidade de tam de fato um confisco de valores da
em conhecido estudo sobre os
haveres financeiros em moeda. Tais res- população pelo Estado, mesmo quando
episódios de bloqueio da
liquidez na Europa do trições assumiram formas variadas, des- incluem compromisso explícito de de-
segundo pós-guerra: “The de desvalorização nominal, alongamento volução ou liberação, “pois economica-
expression ‘monetary reform’ has compulsório de prazos e bloqueio tem- mente os legítimos donos são privados
been used in the literature to
describe a variety of monetary and
porário até repúdio e anulação. Houve (inteiramente ou ao menos em grande
banking programs. In this paper, dezenas de programas com medidas des- extensão) do domínio e do usufruto de
however, it refers to those particular se tipo no século XX, a maioria na se- seus fundos”. Para a análise e a caracteri-
measures that reduced, or partially qüência de guerras e hiperinflações, mas zação de um programa específico, po-
blocked for periods ranging from a
few days to several years, the large
eles pouco esclarecem sobre os casos lati- rém, não é irrelevante que inclua o pro-
liquidity asset holdings of no-americanos das últimas décadas, como pósito de confiscar valores e repudiar
households and businesses” o Plano Collor.5 A expressão bloqueio da obrigações ou de devolvê-los ao final de
(Gurley, 1953, p. 77). liquidez é a mais precisa para designar es- certo tempo.

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Embora os programas com blo- consolidação ou de alongamento com-


queio da liquidez quase sempre promo- pulsório da dívida pública. A conversão
vam a desvalorização real dos haveres fi- voluntária da dívida pública era prática
nanceiros retidos, o conceito de bloqueio comum até o início do século XX, como
da liquidez deve excluir os casos em que iniciativa do governo devedor de resgatar
as medidas adotadas se limitam a esse antecipadamente os títulos (cláusula pre-
objetivo. Não sendo assim, o conceito vista em contrato) e substituí-los por ou-
tornar-se-ia muito genérico e impreciso, tros, em condições tidas como mais van-
abrigando até os casos em que determi- tajosas para si, mas que deveriam tam-
nada condução da política monetária in- bém parecer vantajosas para os credores,
duza ou tolere a prática de juros reais ne- por respeitarem as expectativas prevale-
gativos, mesmo em quadros de inflação centes no momento (De Cecco, 1990,
baixa. Além disso, na inflação alta e crô- p. 263-264). A conversão forçada ou com-
nica, os haveres financeiros não monetá- pulsória, ao contrário, é entendida como
rios são às vezes desvalorizados em esca- iniciativa unilateral do devedor, que im-
la superior à de iniciativas de bloqueio da põe alterações contratuais nos títulos à
liquidez, visto que, em situações dessa revelia de seus credores.
natureza, não há indexador eficaz o bas- Embora em tese possa haver ca-
tante para garantir o valor real dos papéis sos de bloqueio que afetem apenas pa-
indexados, ainda que a autoridade esteja pel-moeda ou depósitos bancários, nas
empenhada em fazê-lo. condições das economias contemporâ-
Também devem ficar fora do con- neas as medidas apresentam sempre a
ceito de bloqueio da liquidez os casos de dupla natureza de bloqueio da liquidez e
subestimação intencional do indexador de consolidação ou alongamento com-
com o propósito de corroer o valor real pulsório dos prazos da dívida pública.
de obrigações e contratos, prática muito Além da participação elevada de títulos
utilizada no Brasil desde meados da dé- públicos no portfolio de pessoas físicas e
cada de 1970 (Zini Jr., 1993, p. 318-328), jurídicas, boa parte dos haveres financei-
sem que as autoridades admitissem qual- ros do público, em especial depósitos
quer propósito de desvalorização real dos bancários, tem como lastro títulos de dí-
valores indexados. vida governamental.
O conceito de bloqueio da liqui- Nos casos de conversão forçada
dez não coincide precisamente com o de da dívida pública, por outro lado, há sem-

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pre postergação ou cancelamento do di- tal. Esse tipo de tributação procura obter
reito à liquidez estabelecido em contrato, receita expressiva, em geral do tipo once
e muitas vezes há desvalorização nomi- and for all, com vistas a reduzir o peso de
nal, o que permite caracterizá-los como uma dívida pública considerada muito
casos de bloqueio da liquidez. Pode-se grande e muito onerosa ou a financiar
fazer alguma distinção em termos dos gastos públicos extraordinários, em caso
impactos sobre a liquidez geral da eco- de guerra, calamidades ou projetos socia-
nomia em função do prazo dos títulos is de relevo (Eichengreen, 1990). O capi-
afetados, sendo os casos mais drásticos tal levy em geral quer alcançar o conjunto
aqueles que alcançam também o papel- da riqueza existente, inclusive ativos físi-
moeda e os depósitos bancários à vista. cos e financeiros, e tende a ser iniciativa
Contudo, se é que essa distinção foi rele- mais ampla que o bloqueio da liquidez,
vante em algum momento para diferen- embora este quase sempre inclua um im-
ciar programas de consolidação de dívida posto de capital entre seus objetivos. Ou
pública, pelo menos no século XX medi- seja, os bloqueios da liquidez contêm ge-
das desse tipo afetaram prioritariamente ralmente elementos de imposto de capi-
os títulos de curto prazo. Assim, a con- tal, ou são também imposto de capital, e
versão compulsória de dívida pública mo- neles em geral estão presentes elementos
biliária tende a ser sempre uma forma de de conversão forçada da dívida pública,
bloqueio, por implicar limitações do di- da mesma forma que as medidas de con-
reito à liquidez dos títulos públicos que solidação ou conversão forçada da dívida
são objeto das medidas e também dos pública envolvem sempre bloqueio da
ativos financeiros com que esses papéis liquidez dos títulos públicos e de outros
7 Os casos mais recentes são
estejam sendo financiados. Decorre daí a haveres financeiros.
o bloqueio dos depósitos dificuldade para diferenciar as motiva- A história dos bloqueios da liqui-
bancários no Equador, em
março de 1999 (Acosta e ções de ordem monetária (controle da in- dez no século XX concentra-se em duas
Juncosa, 2000; Naranjo flação e da oferta de moeda) ou de or- ondas nos anos seguintes às duas guerras
Chiriboga, 2003; Jacome, dem fiscal (consolidação e alongamento mundiais e uma terceira onda na América
2004), e na Argentina, em de prazos da dívida pública) na origem Latina na década de 1980, além de alguns
dezembro de 2001, o corralito
(Schvarzer e Finkelstein, 2004). dessas medidas. casos isolados.7 As três ondas de bloquei-
Um caso pouco conhecido é o O bloqueio da liquidez distingue- os da liquidez no século XX apresentam
de Angola, em 1990. se mais claramente do imposto de capi- diferenças substanciais entre si, em ter-

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108 As origens e a gênese do Plano Collor

mos do contexto em que ocorreram, das tavam entre os países mais afetados pela
metas perseguidas e das medidas ado- crise da dívida externa, com inflação mu-
tadas, e os programas incluídos em cada ito elevada e crônica e diversas tentativas
uma delas apresentam também peculia- malsucedidas de estabilização nos anos
ridades relevantes. anteriores. Os dois programas envolve-
A primeira onda decorreu dos im- ram o bloqueio de depósitos bancários e
pactos da Primeira Guerra Mundial. Mu- títulos da dívida pública, sem afetar o pa-
itos países saíram do conflito enfraqueci- pel-moeda. Os três primeiros casos da
dos, com as finanças públicas desorga- década no Continente, contudo, eram par-
nizadas e problemas para financiar as te de programas de desdolarização e afe-
dívidas acumuladas (Eichengreen, 1990). taram apenas depósitos em dólares no
Os novos Estados independentes tinham sistema bancário doméstico, convertidos
necessidade urgente de organizar a ofer- compulsoriamente em moeda nacional
ta de moeda e definir a responsabilidade e bloqueados por curto espaço de tempo,
sobre os títulos de dívida pública em cir- sem afetar outros haveres financeiros.
culação ou entesourados em seu territó- Houve episódios desse tipo em 1982,
rio. A segunda onda procurou enfrentar no México (Damill et al., 1994, p. 235) e
o quadro de inflação reprimida, típico do na Bolívia (Guidotti e Rodríguez, 1992,
final da Segunda Guerra Mundial, em p. 523), e outro em 1985, no Peru (Chum-
que a presença de grandes quantidades be, 1995, p. 243-245).
de distintas moedas, fruto da prolongada
ocupação estrangeira em diversos países,
combinava-se com forte controle de pre- 2_ O bloqueio da liquidez
ços e redução acentuada da oferta de no debate econômico brasileiro8
bens (Gurley, 1953). A proposta de bloqueio da liquidez dos
A terceira onda de bloqueios da li- haveres financeiros no Brasil procurava
quidez no século XX ocorreu na Améri- responder a três grandes problemas que
ca Latina, na década de 1980, ligada aos desafiavam o debate econômico dos anos
efeitos da grave crise de financiamento 1980 a respeito das dificuldades para con-
externo que afetou o Continente. Os ca- ter a inflação elevada, quais sejam: a ten-
sos mais conhecidos são o Bonex argen- dência de monetização acelerada e de ex- 8 Uma apresentação
tino (Carvalho, 1999) e o Plano Collor, plosão da demanda agregada em momen- mais detalhada está em
no início de 1990. Brasil e Argentina es- tos de desinflação abrupta; a elevada li- Carvalho (2000).

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quidez dos haveres financeiros, a chamada ceiro externo. O objetivo maior era im-
“moeda indexada”; e a tendência de rápido pedir que os detentores de haveres finan-
crescimento da dívida mobiliária interna e ceiros pudessem deles dispor livremente,
a fragilidade do esquema de refinancia- para controlar a monetização e impedir
mento diário no mercado monetário. movimentos especulativos depois da pre-
Os três problemas eram agrava- tendida desinflação abrupta. Outro obje-
dos pela forte e persistente restrição ex- tivo era viabilizar o ajuste fiscal, tido co-
terna, com o corte dos fluxos voluntários mo impossível sem a drástica redução
de capitais desde a crise da dívida exter- do custo que os juros reais elevados
na, em 1981-1982, e pelos seus danosos acarretavam. Como se entendia, porém,
efeitos fiscais e financeiros sobre o setor que os juros não podiam ser reduzidos
público.9 A proposta de bloqueio da li- sem provocar a “fuga”10 em massa dos
quidez queria enfrentar as três questões aplicadores, a meta fiscal dependia do
em conjunto, na ausência de apoio finan- bloqueio da liquidez.11
O interesse pelos problemas da
política monetária nos planos de estabili-
9 Sobre o caso brasileiro, ver 12 “Com a queda súbita da zação foi muito estimulado pela crise do
Batista Jr. e Paulo (1987, 1989) inflação, a demanda por moeda
e Baer (1993); para uma visão tende a elevar-se de forma
Plano Cruzado, em 1986-1987. Difun-
geral da América Latina, considerável. Caso as diu-se a avaliação de que as dificuldades
ver Damill et al. (1994). autoridades monetárias não resultavam dos juros baixos, atribuídos a
10 Usualmente entende-se por permitam a rápida monetização motivações populistas e eleitoreiras do
“fuga” dos aplicadores a da economia, haverá forte
governo Sarney. Análises mais cuidado-
retirada de recursos até então pressão recessiva, já que as taxas
aplicados no sistema financeiro de juros reais sofrerão grande sas evidenciaram que os problemas eram
(algo como desintermediação aumento. [...] A decisão a bem mais difíceis. Foram superadas duas
financeira). É uma conceituação respeito da velocidade de avaliações simplistas: uma, de que a rápi-
imprecisa, já que os recursos monetização da economia [...] da monetização indicaria leniência na uti-
acabam voltando aos bancos, não é trivial [...]. No caso de
economias como a brasileira, lização dos instrumentos de política mo-
mesmo tendo realizado maior
volume de transações, a menos com severas restrições à netária,12 em especial a taxa de juros e o
que haja desconfiança aquisição de ativos financeiros controle do crédito; outra, de que o nível
generalizada na solvência do estrangeiros, o excesso de dos juros e o crescimento da base mo-
sistema bancário. liquidez tende a manifestar-se
pressionando a demanda
netária não teriam relevância para a esta-
11 Sobre os objetivos do
agregada” (Bodin de Moraes, bilização, tese que predominou no início
bloqueio da liquidez, ver
Carvalho (1996, 1999). 1990, p. 33-34). do Plano Cruzado.

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2.1_ Monetização acelerada toques e ativos de risco, gerando pressões


e crescimento “exagerado” inflacionárias e movimentos especulativos
da demanda agregada
que inviabilizam a estabilização.
O primeiro problema era a monetização A tendência de rápida monetiza-
rápida e intensa, inevitável quando se es- ção em tais circunstâncias não é fenôme-
tabilizam os preços depois de um período no original. Ocorreu em momentos tão
longo de inflação muito alta e a demanda diversos como em programas de estabili-
por moeda se recompõe de imediato, o zação na Europa nas décadas de 192013 e
que é positivo. O problema é se o au- de 194014, em diversos programas lati-
mento da demanda por moeda provoca no-americanos dos anos 1980,15 no Pla-
ou permite aumento “exagerado” da de- no Cavallo argentino, em 1991,16 e tam-
manda agregada por bens e serviços, es- bém no Plano Real, em 1994.17

13 No seu conhecido artigo the face of a sixfold increase in (Emmer, 1955; Dall’Acqua, abrupta da inflação (Kiguel
sobre as estabilizações the stock of ‘high-powered’ money 1990, p. 150). Llach (1990, e Liviatan, 1991 p. 12-13).
européias dos anos 1920, was widely regarded by the p. 28) aponta que “la 16 De março de 1991,
Sargent (1982, p. 54) destaca contemporaries as violating the remonetización de la economía fué quando se anunciou a
a intensidade com que subiu quantity theory of money, and so
muy importante” nas hiperesta- conversibilidade plena do
a emissão de moeda no it seems to do. However, these
bilizações por ele austral, até dezembro
período seguinte ao fim da observations are not at all
classificadas como de tipo I seguinte, a base
hiperinflação e a dificuldade paradoxical when interpreted in
para se explicar a (na seqüência de guerras e monetária cresceu 80,6%,
the light of a view which
manutenção da estabilidade distinguishes sharply between regime de economia mista), e o M1, 118,6% (Fanelli,
dos preços apesar desse unbacked, or ‘outside’, money, entre as quais inclui três Frenkel e Rozenwurcel,
vigoroso crescimento da on the one hand, and backed, casos da segunda metade dos 1992, p. 37).
base monetária. Referindo-se 17 Sobre o tratamento
or ‘inside’, money, in the anos 1940, na Grécia, na
à Áustria, comenta: “From other hand ”. Hungria e em Formosa. desta questão no Plano
August 1922, when the exchange 14 A monetização foi 15 A estabilização boliviana
Real, ver Bacha
rate suddenly stabilized, to bastante rápida após a (1995, p. 23) e Carvalho
em meados dos anos
December 1924, the circulating (1996, p. 63-65).
reforma monetária alemã de oitenta representa uma
notes of the Austrian central
1948, seguindo-se uma exceção notável, com
bank increased by a factor of over
6. The phenomenon of the retomada da inflação e monetização pouco
achievement of price stability in diversas medidas restritivas expressiva apesar da queda

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Carlos Eduardo Carvalho 111

O questionamento sobre os efei- o papel da política monetária em progra-


tos inflacionários do rápido crescimento mas de estabilização e a necessidade de
da oferta de moeda encontrou a resposta estipular metas para a monetização e o
otimista de que a maior demanda do pú- ritmo mais adequado para alcançá-las.
blico refletiria a maior confiança na moe- Logo se percebeu, porém, que não havia
da e levaria a igual aumento na demanda, indicações claras sobre como definir as
como uma simples reversão da desmo- metas nem sobre os procedimentos ade-
netização provocada pela inflação eleva- quados para viabilizar o ritmo desejado.
da.18 A experiência brasileira desmentiu A utilização de referências ante-
essa tese otimista. A correlação entre mo- riores estava comprometida pelo extenso
netização acelerada e pressões sobre os período de inflação elevada. As práticas
preços foi percebida nas vicissitudes do financeiras e os hábitos do público ti-
Plano Cruzado, em 1986. O Plano Bres- nham sofrido mudanças consideráveis, e
ser já incluiu medidas para tratar do pro- não era possível estimar com segurança
blema, em 1987, e as avaliações sobre o qual seria a demanda de moeda “normal”
fracasso do Cruzado passaram a destacar com preços estáveis.19 A definição de

18 Na estabilização alemã de
programa alemão de 1948, a com outros países, ou com preparado com bastante
1923 persistiam dúvidas demanda por moeda cresceu outras épocas para o mesmo antecedência e prolongadas
sobre o sucesso do programa rapidamente, e a velocidade país, é pobre demais para a discussões, havia grande
e a solidez de seus de circulação também, graças avaliação das necessidades de insegurança quanto aos
fundamentos, e a à baixa propensão a reter monetização”. A experiência limites de conversão afinal
estabilização da taxa de saldos monetários, fruto de outros programas com aplicados, com opiniões
câmbio teria sido o fator das experiências bloqueio da liquidez aponta divididas entre a
decisivo de fato (ver o hiperinflacionárias dos nesse sentido. O Plano possibilidade de serem muito
debate da época em alemães e da desconfiança Bonex argentino, de janeiro estreitos, gerando tendência
Bresciani-Turroni, 1989, quanto ao sucesso de 1990, não evitou um surto depressivas, ou
p. 71-94). Para a crítica da tese do programa (Lutz, hiperinflacionário pouco excessivamente frouxos,
de que o fator decisivo teria 1949, p. 137). mais de trinta dias depois dando lugar a pressões
sido a “mudança de regime”, 19 Carneiro e Goldfajn (Carvalho, 1999). Na inflacionárias (Emmer, 1955,
ver Bodin de Moraes (1988) (1991, p. 209) vão mais Alemanha de 1948, apesar de p. 56; Lutz, 1949, p. 129).
e Franco (1988). No longe: “A simples analogia o programa ter sido

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112 As origens e a gênese do Plano Collor

uma meta de expansão monetária nessas são sem custos e a qualquer momento es-
circunstâncias seria apenas um enuncia- tava assegurada pelas condições contra-
do para ganhar credibilidade, e a ênfase tuais das aplicações.21 A menos que se
numa política monetária “apertada” após suspendesse ou alterasse de forma unila-
o choque não seria mais que uma reco- teral esse direito, seria preciso encontrar
mendação de cautela: manter juros altos, formas de estimular os depositantes a
frear a expansão do crédito, tentar con- manter seus recursos aplicados.
trolar a monetização pelas sinalizações A taxa de juros era o instrumento
dos mercados e fazer ajustes de acordo óbvio, mas logo se impôs o problema de
com o estado das expectativas – ou seja, definir o juro nominal que seria perce-
avançar por tenta tiva e erro.20 bido como o juro real suficiente para via-
Manter sob controle o fluxo de bilizar o efeito desejado. Dados o nível
monetização, porém, enfrentava obstá- prévio de inflação, a persistência da inde-
culos consideráveis. A principal via para xação informal e a desconfiança quanto à
a monetização era a iniciativa do público inflação futura, era muito difícil definir o
de converter em moeda seus haveres fi- juro nominal adequado. O risco de errar
nanceiros com liquidez imediata: apli- por excesso era temido pelos prováveis
cações overnight em títulos públicos, ca- efeitos recessivos. A reflexão sobre os
dernetas de poupança e a maior parte planos fracassados mostrou que as difi-
dos fundos de investimento. A conver- culdades eram mais complexas.

20 A tentativa de Giambiagi totalmente diferente entre si. seja ‘crível’ desde o primeiro papel negativo da zeragem
(1989, p. 13-16) de quantificar [...] uma certa taxa de variação momento do plano, a política automática e os esperados
o espaço não inflacionário da quantidade de moeda não monetária terá de ser apertada benefícios de sua extinção não
para a monetização no Brasil, pode ser considerada um até que os agentes passem a se aplicaria nessas
utilizando dados de 1980 a indicador suficiente de qual confiar na consistência do circunstâncias: dada a pressão
1988, levou à conclusão de será a taxa de inflação, posto mesmo e, com a redução da do público para monetizar
que “a recomendação de que esse impacto dependerá perspectiva de inflação, a suas aplicações, os bancos
política monetária derivada de como se comporte a velocidade de circulação da reduziriam sua demanda por
daqueles números não é velocidade da moeda e, moeda diminua, abrindo títulos do governo mesmo
totalmente clara, pelo fato de portanto, da inflação espaço para o financiamento com o BCB oferecendo juros
uma mesma taxa de expansão esperada”. Como essa não-inflacionário da emissão”. muito elevados, como
da moeda ser compatível com depende das expectativas de 21 A argumentação de Pastore demonstrado no Plano Real.
dois cenários de inflação ajuste fiscal, caso este “não (1991, p. 159-165) sobre o

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Carlos Eduardo Carvalho 113

Juros muito altos criavam forte voluntários de capitais externos nos anos
efeito-riqueza22 e aumentavam o poten- 1980, a insensibilidade do movimento de
cial de gasto dos detentores de haveres fi- capitais internacionais ao nível dos juros
nanceiros, o que ampliaria o risco de pas- domésticos impedia que a elevação do
sagem brusca para consumo e compra de seu patamar tivesse como contrapartida
ativos reais, quando se concluísse que um aumento das reservas do Banco Cen-
chegara o momento de queda dos juros tral do Brasil (BCB) que pudesse reforçar
reais. A especulação sobre qual seria esse positivamente as expectativas quanto ao
momento era inevitável, pela percepção sucesso da estabilização.
de que o custo fiscal era um obstáculo O outro instrumento óbvio seria o
suficiente para a manutenção prolongada controle da expansão do crédito, pela im-
dos juros muito elevados, como na crise posição de recolhimentos compulsórios
do Plano Verão, no início de 1989 (Car- sobre o crescimento dos depósitos nos
valho, 2003). Além disso, os juros nomi- bancos ou de limites para empréstimos.
nais muito altos, ou iniciativas de aumen- Restrições muito rígidas nessa área, con-
tá-los em algum momento, podiam ser tudo, poderiam acarretar sérios proble-
interpretados como sinal de desconfian- mas para os bancos,24 já às voltas com a
ça do governo quanto à tendência da in- perda dos ganhos inflacionários (como
flação.23 Deve-se ainda considerar que, ocorreria no Plano Real, em 1994-1995).
em meio à persistente retração dos fluxos Esse teria sido um motivo para não se te-

22 Segundo Bacha (1995, porque o setor privado como preocupação de não explicitar expectativa do governo para a
p. 21-22), a política monetária um todo é um credor líquido, uma taxa de inflação esperada taxa de inflação havia se
no Plano Real procurou fixar enquanto o setor público é um positiva, o desejo de fazer um elevado e o impacto sobre a
a taxa de juros em níveis devedor líquido, e porque a programa de estabilização demanda agregada foi
“adequados” para manter a maior parte da riqueza neutro do ponto de vista desprezível”.
demanda privada sob financeira é remunerada por distributivo também 24 Na sua proposta de
controle. Todavia, “mudanças taxas de juros flutuantes de contribuiu para que as taxas estabilização por meio de uma
nas taxas de juros parecem ter curto prazo e, portanto, não de juros nominais caíssem moeda indexada, Arida
um impacto limitado: por um declina em valor quando a mais rapidamente que na e Lara-Resende (1986, p. 26)
lado, o efeito-substituição taxa de juros aumenta”. Argentina e em Israel”. Meses advertem para a necessidade
exerce um fator contracionista 23 Comparando o Plano depois, quando cresciam os de dosar as medidas de
sobre a demanda privada; por Cruzado com outros sinais de excesso de demanda, controle monetário até que os
outro, o efeito-riqueza exerce programas heterodoxos da “o aumento da taxa de juros bancos consigam adaptar-se à
um fator expansionista sobre época, Bodin de Moraes foi interpretado como um nova situação.
a mesma. O último ocorre (1990, p. 44) afirma: “Além da simples reflexo de que a

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114 As origens e a gênese do Plano Collor

rem adotado restrições ao crédito no Cru- nomia, por meio das transações feitas
zado (Mendonça de Barros, 1993, p. 15).25 através dos bancos, mas não há dados su-
Por fim, não havia possibilidade ficientes. Outro caminho é analisar o com-
de se absorver a monetização e a pressão portamento de mercados de bens reais e
de demanda por meio de um superávit de ativos de risco, para onde se deveria
fiscal (por privatização, corte de despesas estar dirigindo boa parte do aumento da
correntes ou elevação de receita tributá- demanda.26 Um exercício dessa natureza
ria), ainda mais com a pressão decorrente sobre os choques do governo Sarney (Car-
da alta dos juros. valho, 1992, p. 149-165)27 mostrou a ocor-
A comprovação empírica e a men- rência desses efeitos no Cruzado e no
suração dos efeitos da monetização ace- Plano Verão. A exceção do Plano Bresser
lerada enfrentam sérios obstáculos. Mu- deve ser relativizada pelas peculiaridades
danças em agregados monetários regis- que favoreciam uma transição mais suave
tram o ritmo e a intensidade da moneti- para a inflação baixa: as regras de indexa-
zação, mas nada informam diretamente ção foram mantidas, não houve promes-
quanto a seus efeitos sobre mercados e sas de inflação zero, a economia estava
preços. Um caminho para fazê-lo seria a em tendência recessiva e havia grave cri-
análise do volume de transações na eco- se de crédito em curso.28

25 No programa alemão de mercados ilegais (Emmer, 27 O exercício procurou medir de que “após o congelamento
1948, a rápida expansão do 1955, p. 57). os efeitos do aumento da de 1987 não houve uma fuga
crédito foi decisiva para o 26 Enfatizando a necessidade demanda por meio de do mercado de dinheiro em
aquecimento excessivo da de se monitorar atentamente a indicadores de mercados de direção aos ativos reais” não
demanda e o retorno das evolução do grau de confiança risco e de preços de ativos faz referências às
pressões inflacionárias (Lutz, dos agentes econômicos reais. Nas suas recomendações peculiaridades do Plano
1949, p. 129). Apesar das para a condução da política Bresser. Para Giambiagi
durante as fases iniciais de um
evidências de que estariam monetária em planos de (1989, p. 7), a monetização
plano de estabilização,
ocorrendo tais problemas, estabilização, Giambiagi menos intensa nos planos
Giambiagi (1989, p. 15) sugere
contudo, medidas restritivas Bresser e Verão pode ser
que isso seja feito “através de (1989, p. 15) propõe esse
só seriam adotadas meses creditada aos efeitos de
um acompanhamento mesmo caminho para
depois, possivelmente pela inovações financeiras, sem
sistemático da evolução dos se aferir o grau de confiança
preocupação das autoridades fazer referências aos efeitos
mercados especulativos, do público na sustentação
de facilitar a recuperação da dos juros muito elevados dos
grande indústria, o setor que tipicamente o dólar black, o do plano e na meta de primeiros meses do Plano
mais havia sido penalizado na mercado de ações e os inflação baixa. Verão nem às peculiaridades
fase anterior, pelas suas mercados de ativos reais, 28 A afirmação de Bresser
do Plano Bresser.
dificuldades de operar nos como carros, gado e imóveis”. Pereira e Nakano (1991, p. 97)

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Carlos Eduardo Carvalho 115

Há dois blocos de interpretação ra o período imediatamente posterior à


para a correlação entre monetização rá- queda da inflação. Taxas avaliadas como
pida, aumento da demanda agregada e baixas trariam a desconfiança de que es-
pressões inflacionárias com desinflação tariam abaixo da inflação corrente, mas,
abrupta no Brasil. se fossem avaliadas como altas demais,
O primeiro destaca os efeitos da poderiam aparecer como reconhecimen-
queda brusca dos juros nominais sobre to oficial de inflação em alta. No caso de
as expectativas dos detentores de ativos taxas pós-fixadas, níveis muito elevados
financeiros. A sinalização de juros reais poderiam gerar desconfiança sobre a ca-
expressivos não seria capaz de eliminar pacidade do indexador de refletir de fato
o problema, por diversos motivos. Para a inflação corrente.
uma parcela importante do público, o ju- O segundo bloco enfatiza o forte
ro real sinalizado seria irrelevante, já que impacto distributivo da súbita estabiliza-
o juro nominal muito mais baixo tornaria ção dos preços e a tendência de aumento
muito atraente a satisfação de demandas imediato do consumo.30 A renda real da
de consumo reprimidas havia muito tem- maioria da população cresce de forma
29 “Na medida em que um
po. A tese de “ilusão monetária” é em muito intensa com o fim do imposto in-
programa de estabilização
baseado no congelamento de geral apresentada como demonstração flacionário, e a demanda reprimida pelos
preços sempre corre o risco de ignorância, mas em uma desinflação anos de alta inflação reforça a elevada
de fracassar, a taxa de inflação abrupta existe sempre grande desconfi- propensão a consumir da grande massa
esperada em geral mantém-se
ança sobre os juros reais implícitos nas de pessoas pobres. A memória das expe-
acima da taxa observada”
(Bodin de Moraes, 1990, taxas nominais praticadas, em razão da riências passadas aconselha a “comprar
p. 41). No conhecido trabalho expectativa de volta da inflação, a qual logo”, antes que os preços subam e os
sobre o fim das inflações altas, só será informada pelos índices de pre- produtos desapareçam, e estimula o en-
Végh (1992, p. 668) defende
ços em um momento seguinte.29 Deve-se dividamento, uma vez que o retorno da
argumento assemelhado:
“Hence, the key ingredient in lembrar ainda que a redução acentuada inflação, tido como certo, desvalorizará
explaining a consumption boom dos juros nominais diminui muito o cus- as prestações e elevará os salários. A ten-
appears to be lack of credibility and to de oportunidade para quem assume dência de rápida retomada do crédito
not backward indexation”.
posições especulativas ou atende a de- amplifica os efeitos desses fenômenos.
30 Na análise do Plano

Cruzado, este argumento foi


mandas de consumo. Além da volta da possibilidade matemáti-
bastante enfatizado por Daí resulta a virtual impossibilida- ca de oferecer prestações prefixadas (já
Camargo e Ramos (1988). de de definir a taxa de juros adequada pa- que na inflação elevada os juros nominais

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116 As origens e a gênese do Plano Collor

muito altos aproximam o valor da pres- com a confiança na estabilidade (Bacha,


tação e o preço à vista), os grandes ban- 1995, p. 23).
cos procuram aumentar rapidamente as
operações de crédito para compensar a 2.2_ Liquidez dos haveres
perda dos elevados ganhos permitidos financeiros e moeda indexada
pela alta inflação.31 O segundo importante problema desta-
Há ainda outras explicações, en- cado no debate econômico que conduziu
volvendo movimentos e efeitos mais lo- à proposta de bloqueio da liquidez desta-
calizados. Conscientes da possibilidade cava as implicações do volume crescente
de um rápido deslocamento de parcela de haveres financeiros que ofereciam li-
expressiva do grande estoque de haveres quidez imediata sem perda de rendimen-
financeiros de alta liquidez, os detentores tos (overnight e fundos). Seus detentores
de ativos reais e de risco tendem a elevar estavam em condições de reagir com
seus preços de imediato, antecipando-se muita rapidez e contundência às políticas
ao esperado aumento da demanda. Po- de estabilização de preços, alterando a
de-se mesmo estimular assim o interesse qualquer momento a demanda por bens
por esses ativos e gerar altas, numa rea- e serviços e por ativos reais e de risco.
ção em cadeia (seria o caso da espetacular Diante do quadro de restrições externas,
elevação dos preços das ações no primei- um ponto muito sensível era que a liqui-
ro pregão das bolsas após o anúncio do dez dos exportadores lhes permitia esco-
Plano Cruzado e nas semanas seguintes). lher o momento adequado para liquidar
Outra explicação é de que as aplicações o câmbio. Quando um desses momentos
financeiras indexadas funcionam como coincidia com maior demanda por ativos
um hedge contra a variância dos preços em moeda estrangeira, o aumento das
relativos em alta inflação, o qual se tor- cotações soava como indicador de crise
naria desnecessário com a perspectiva cambial, o que afetava as expectativas, in-
de estabilidade dos preços, liberando es- duzia movimentos especulativos e deixa-
ses recursos para outros usos (Simonsen, va o BCB em dificuldades para defender
1991, p. 124). A terceira é de que a infla- a taxa de câmbio.
31 Para uma análise dessas
ção alta provoca muita incerteza quanto à O ponto de partida desse debate questões com destaque para o
renda real e induz as pessoas a poupar foi o contínuo crescimento dos haveres período posterior ao Plano
mais por precaução, o que diminui muito monetários indexados a partir do final Real, ver Carvalho (2005).

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Carlos Eduardo Carvalho 117

dos anos 1970, à medida que se ampliava empregava havia anos, em especial a ga-
a percepção de risco cambial e de infla- rantia de financiamento diário das cartei-
ção em alta. Os efeitos negativos das ten- ras de títulos em poder do mercado, a
tativas de manipular indexadores ou de custos razoáveis, conhecida como “ze-
prefixá-los (como em 1980) contribuí- ragem automática”.33
ram para enrijecer a indexação. O BCB Dessas duas discussões resultou o
passou a vincular informalmente a taxa conceito de moeda indexada: ativos fi-
do overnight à correção monetária, de mo- nanceiros de curtíssimo prazo, com inde-
do a reduzir o risco de prejuízos de insti- xação garantida e liquidez assegurada pe-
tuições financeiras que mantinham car- lo BCB, reunindo os atributos de liquidez
teiras de títulos públicos a ser financiadas plena e de proteção confiável contra a
diariamente com recursos captados no desvalorização pela inflação.34 A necessi-
overnight.32 Ampliou-se assim a discussão dade de manter sob controle a massa de
sobre as práticas operacionais que o BCB moeda indexada, “dinheiro financeiro”,
e evitar seu brusco redirecionamento pa-
32 Entre 1982 e 1984, o BCB 33 A “zeragem automática”
ra outros mercados passou a ser vista co-
passou a balizar os juros consiste na prática do BCB de mo enorme constrangimento à ação do
nominais do overnight pela vender ao mercado um volume BCB. O temor de “fuga” dos aplicadores
expectativa da correção de títulos superior à média em ativos financeiros (ou seja, sua trans-
monetária no próprio mês (a diária de financiamento
formação em moeda e em gasto) imobili-
correção do valor das disponível, comprometendo-se
Obrigações Reajustáveis do a recomprar diariamente os zava a política monetária e cambial e re-
Tesouro Nacional – ORTN) títulos que excedam os recursos forçava o receio de romper a indexação
mais um juro mensal de captados pelos bancos, de dos haveres financeiros e dos contratos.
aproximadamente 1,5%. Como forma a evitar prejuízos. Para a
Para impedir a “fuga”, restaria ao BCB
a variação das ORTN havia discussão dos efeitos e
sido informalmente indexada ao implicações, ver Pastore (1991) oferecer juros reais significativos aos apli-
IGP-DI, da FGV, e este só era e Carvalho (1993). cadores e evitar oscilações dos juros no-
conhecido por volta do dia 10 34 Sobre a indexação, o minais e reais para não estimular movi-
do mês seguinte, eventuais conceito de moeda indexada e mentos especulativos. O resultado era a
“erros” na taxa do overnight eram suas implicações, ver
imobilização da política monetária, vol-
compensados no mês seguinte, Mendonça de Barros (1993),
de forma a igualar over e Silva (1979), Tavares (1983), tada para estabilizar os juros reais de
correção das ORTN acumulada Zini Jr. (1993), Pastore (1991), acordo com as expectativas dos merca-
nos três meses anteriores. Minella (1995). dos sobre a inflação.

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118 As origens e a gênese do Plano Collor

Para garantir a estabilidade dos ju- preços divulgados no final de cada mês.
ros, o BCB tinha de atuar por meio das O overnight passou a confirmar a expecta-
taxas dos títulos públicos federais, e não tiva de elevação contínua dos níveis infla-
35 Sobre a redução da
apenas graças à sua grande participação cionários, o que foi entendido como sinal
demanda por crédito na
no total de haveres financeiros. A eleva- de colapso do sistema de indexação.37 primeira metade da década de
da liquidez dos agentes econômicos era Esse virtual colapso não tornava 1980, ver Almeida (1987).
acompanhada por reduzida demanda de mais fácil eliminar a indexação. A lição 36 Argumenta-se aqui que,

crédito,35 o que reduzia a eficácia de ou- dos choques não era animadora. A cada diante da menor dependência
tros instrumentos de política monetária, tentativa de suprimir as regras de inde- das empresas em relação ao
crédito bancário, medidas
como os empréstimos de liquidez e os xação de um golpe, seguia-se nova restau- tendentes a limitar a
depósitos compulsórios.36 A política de ração, com instrumentos cada vez mais capacidade de empréstimo dos
juros altos era paga no essencial pelo Te- amplos. No caso de novo plano de esta- bancos teriam efeitos bastante
souro, e esse ônus era percebido como bilização, os problemas iriam repetir-se. reduzidos em termos de
elevação das taxas de juros, o
indicador seguro de que o BCB recuaria Havendo um choque, seria muito difícil que restringia de forma
em algum momento, para não agravar defender juros prefixados, por mais altos significativa o alcance das
as dificuldades fiscais de forma insupor- que fossem. Um programa de natureza medidas de política monetária.
37 “A aceleração da inflação
tável. Ao mesmo tempo, na administra- gradualista deveria prefixar os juros se-
de um mês para o outro foi de
ção dos juros, o BCB era levado a indexar gundo um índice qualquer, já que a inde-
tal ordem que o conceito de
as taxas diárias do overnight às expecta- xação a posteriori pela inflação corrente juro real nas operações de open
tivas de inflação, buscando definir pata- poderia desmoralizar as metas fixadas. Se virou uma abstração. A
mares previsíveis e relativamente cons- a prefixação desagradasse os aplicadores, necessidade de colocar as
taxas diárias do open em linha
tantes para os juros reais. Também os poderia ser inviabilizada pela “fuga” em
não mais com a inflação do
movimentos no mercado de câmbio se massa, com pressões sobre os preços. A mês anterior, mas, sim, com a
orientavam por uma comparação perma- alternativa de suprimir as regras de inde- inflação ou expectativa de
nente entre a desvalorização diária da xação e fixar uma meta de expansão mo- inflação corrente,
praticamente destruiu a
moeda no câmbio oficial e os juros pagos netária rígida era vista como muito arris-
operacionalidade do sistema.
no overnight pelo BCB. cada. Temia-se a instabilidade das taxas O cupom dos títulos
A resposta do BCB ao longo do de juros, o risco de crise bancária e, mais indexados ao over passou de
segundo semestre de 1989 foi admitir a uma vez, a possibilidade de saque em 200% ao ano, na tentativa de
acomodar uma inflação que se
indexação dos juros do overnight às expec- massa de recursos do sistema financei- acelerava a uma taxa de 15%
tativas de inflação corrente, e não mais à ro. Reforçava-se assim a idéia de que, pa- ao mês” (Mendonça de
inflação passada, expressa nos índices de ra estabilizar os preços e desindexar a Barros, 1993, p. 18).

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Carlos Eduardo Carvalho 119

economia, era indispensável bloquear, ou ciamento. Como não havia compradores


ao menos reduzir, a liquidez das aplica- voluntários por prazo superior a alguns di-
ções financeiras. as, os papéis eram vendidos pelo BCB aos
Anos depois, um dos autores do bancos, que os financiavam com a revenda
Plano Real escreveu que, com o sucesso dos títulos ao público em operações over-
do programa e rápida elevação da de- night, com direito do tomador de resgate
manda por moeda, “verificou-se que o em dinheiro garantido por acordos de re-
problema da ‘liquidez excessiva’ era ine- compra firmados legalmente pela institui-
xistente” (Bacha, 1995, p. 19). É uma for- ção financeira que acolhia a aplicação.
ma equivocada de expor o problema. A No debate sobre a dívida mobiliá-
discussão da época destacava não um ria, dois blocos de opiniões eram identifi-
“excesso” de moeda ou de quase-moeda, cados. O primeiro sustentava que não era
mas, sim, a possibilidade de seus deten- muito grande a dívida pública interna lí-
tores transformá-la em gasto ou em de- quida, em torno de 21% do PIB entre
manda por ativos dolarizados a qualquer 1986 e 1989,38 e o risco de descontrole
momento. Na página anterior, o próprio existia apenas pelo receio de uma mora-
Bacha (1995, p. 19) afirma que só teria si- tória, o que poderia levar à fuga dos apli-
do possível evitar um “seqüestro de ati- cadores e ao encarecimento da rolagem
vos financeiros” no Plano Real graças ao dos papéis. Se o novo governo asseguras-
elevado volume de reservas externas, “su- se com firmeza o pagamento dos títulos
ficiente para prover a nova moeda de e adotasse medidas de austeridade fiscal,
uma forte linha de defesa”. Faltou acres- o endividamento interno poderia ser equa-
centar apenas que as reservas e os fluxos cionado sem medidas especiais (Gui-
de capitais abundantes permitiram aco- marães, 1989; Werlang, 1989; Marques e
modar a alta vigorosa das importações e Werlang, 1989).
desestimularam movimentos especulati-
O segundo bloco era pessimista e
vos no câmbio.
38 A dívida líquida do setor
destacava três problemas sérios, com di-
público declinou de 55,8% do 2.3_ Crescimento da dívida interna ferentes ênfases: o tamanho elevado em
PIB em 1984 para 40,2% em mobiliária em condições relação ao total de haveres financeiros; as
1989, enquanto a dívida de financiamento precárias precárias condições de financiamento; e
interna líquida oscilou entre
O terceiro problema destacado no deba- o encurtamento dos prazos, com a rola-
22,4% e 19,3% nesse mesmo
período (Banco Central do te era o tamanho da dívida pública mobi- gem diária de quase todo o estoque ga-
Brasil, 1999, p. 11). liária e suas precárias condições de finan- rantida pelo apoio do BCB às instituições

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120 As origens e a gênese do Plano Collor

financeiras que carregavam os títulos títulos públicos, e a forte contração da li-


(Mendonça de Barros e Goldenstein, 1989; quidez seria atenuada pela liberação de
Bodin de Moraes, 1989; Ogasavara, 1989). 10% dos recursos retidos e pela forma-
A dívida era o lastro da moeda indexada: ção de um mercado secundário de títulos
da dívida fundada.
Este é o problema central da dívida mobi-
liária: ela confere liquidez isoladamente
para cada agente da economia. A dívida
serve, assim, de mecanismo de propagação 3_ A gênese da opção
inflacionária, pois dá os meios econômicos pelo bloqueio da liquidez
(poder liberatório) para que as expectati- Não existe uma versão oficial dos objeti-
vas inflacionárias sejam transferidas aos
vos do bloqueio da liquidez, da estratégia
preços e respaldadas pelo mercado. Deixa
que o orientava e do diagnóstico de que
também aberta a possibilidade de fuga
para ativos reais. Por estas razões, esta teriam partido seus formuladores. Os do-
dívida flutuante inviabiliza a sustentação cumentos e as declarações disponíveis
dos programas de estabilização ao tornar são muito sucintos, e não há registros das
o financiamento cronicamente instável, de- discussões prévias da equipe que elabo-
pendente do estado das expectativas de rou e implementou o plano. A falta de
curto prazo (Zini Jr., 1989, p. 42-43). um documento oficial fundamentando o
Dentro desse bloco, só Zini Jr. bloqueio pode ser atribuída às circuns-
apresentava de público uma proposta de tâncias em que foi elaborado, mas a ine-
consolidação e alongamento compulsório xistência de uma matriz teórica única tam- 39 Anos depois, Zini Jr. (1993,

bém deve ter pesado nesse sentido. O p. 300) enfatizou que


do prazo de vencimento da dívida interna: comparar o total da dívida
debate público sobre as questões que o
Fundar uma dívida significa estender os com o PIB era enganoso,
bloqueio da liquidez pretendia enfrentar, porque “a comparação
prazos de um endividamento flutuante de
analisado na seção anterior, oferece um relevante é entre dívida e
curto prazo, tornando-o de longo ou longuís- capacidade de pagamento.
quadro suficiente para situar os vínculos
simo prazo, dando em troca maiores garan- A razão entre a dívida federal
tias de pagamento. O objetivo básico da me- entre as medidas adotadas e as diversas e a receita tributária
dida é desafogar as finanças públicas, evitan- correntes de opinião naquele momento. não-vinculada (isto é, menos as
do o repúdio da dívida (Zini Jr., 1989, p. 54).39 Resta esclarecer o processo concreto da transferências e vinculações
passagem dessas idéias para a proposta constitucionais) é 3; maior
A consolidação implicaria bloqueio que na Itália e na Holanda,
específica de bloqueio, anunciada ao país dois dos países europeus
das aplicações financeiras com lastro em
em 16 de março de 1990. mais endividados”.

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Carlos Eduardo Carvalho 121

A versão aqui defendida resultou As informações oferecidas por es-


da análise das seguintes fontes: sas fontes fundamentam a interpretação
a. documentos oficiais: a Exposição aqui apresentada. Nos parágrafos seguin-
de Motivos que apresenta a Me- tes, exceto quando mencionada outra fon-
dida Provisória 168; te, a referência são as entrevistas do au-
b. declarações de Zélia e Collor no tor (item d).
anúncio do bloqueio; Collor e a equipe reunida em tor-
c. o livro Zélia, uma paixão, de Fer- no de Zélia Cardoso de Mello não ti-
nando Sabino (1991), “roman- nham proposta definida para enfrentar a
ce biográfico” ou “biografia ro- inflação em alta acelerada. O grupo que
manceada”, baseado em entre- discutia a política de estabilização duran-
vistas com Zélia; te a campanha era composto por José
d. entrevistas do autor (CEC) com Francisco Gonçalves, Luís Eduardo As-
membros da equipe de Zélia, sis e Zélia (Sabino, 1991, p. 97). Após a
Ibrahim Eris, Luís Eduardo Assis, vitória no segundo turno, em 17 de de-
José Francisco Gonçalves, em zembro de 1989, foram incorporados:
1991-1992;40 e com Luiz Gonza- Antônio Kandir, Ibrahim Eris, Venilton
ga Belluzzo e Júlio Gomes de Tadini, Luís Otávio da Motta Veiga,
Almeida, em agosto de 2004; Eduardo Teixeira e João Maia (Sabino,
e. declarações de Collor à revista 1991, p. 111).
IstoéDinheiro e de Zélia ao jornal A proposta de bloqueio da liqui-
Valor (Collor de Mello, 2003; dez, na forma afinal adotada, deve ter sido
Mello, 2005); levada para o grupo no final de dezem-
40 Foram entrevistas individuais, f. documento de Belluzzo e Almeida bro, com a adesão de Antônio Kandir,
em momentos diferentes, economista da Unicamp, que apoiara a
e não apresentaram
(1990), com uma proposta de blo-
divergências relevantes entre si. queio da liquidez que é a exposi- candidatura Lula no segundo turno. Já
Evidentemente, devem ser ção mais fidedigna e consistente com os novos integrantes, os economis-
tidas como declarações das medidas de março de 1990 e tas de Collor adotaram a proposta de
baseadas na memória de cada bloqueio por terem se convencido de que
de seu embasamento teórico;
um sobre fatos ocorridos anos
antes, em meio a elevado grau g. memórias do autor, coordenador as demais alternativas eram inviáveis ou
de tensão quanto às do Programa de Governo da can- arriscadas em demasia, juízo a que teriam
implicações das medidas que didatura do PT à Presidência da chegado, com base nos argumentos do
estavam sendo preparadas. debate da época.
República em 1989.

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122 As origens e a gênese do Plano Collor

A proposta de bloqueio das apli- p. 97). É provável que, naquele momen-


cações financeiras tinha sido objeto de to, Collor ainda não tivesse discutido a
debate e de muitas preocupações duran- proposta de bloqueio da liquidez, mas a
te a campanha eleitoral. Meses antes do proposta estava em análise em parte da
primeiro turno, Ulysses Guimarães, can- assessoria de Lula, ou em uma das suas
didato do PMDB, em posição bastante assessorias, aquela de que ele era mais
fraca nas pesquisas, mencionara a neces- próximo. Assim, Collor não teria menti-
sidade de “acabar com o overnight ”. O re- do ao afirmar que Lula pretendia blo-
sultado do segundo turno reduzira o re- quear as cadernetas, e ele não.
ceio de medidas desse tipo. Na última Os relatos dos integrantes da equi-
semana da campanha, Collor radicalizou pe de Collor confirmam que até novem-
os ataques a Lula e o acusou de planejar o bro o grupo trabalhara com propostas
“confisco” das cadernetas de poupança, gradualistas, com prefixação de preços e
o que foi tido como sinal de que ele pró- negociações amplas com diferentes seto-
prio repudiava essa possibilidade. O pro- res sociais. No início de dezembro, em
grama de governo de Collor criticava a meio à campanha do segundo turno, um
adoção de medidas desse tipo, posição dos membros da equipe levantou a hipó-
reiterada em artigos assinados por ele na tese de não se fazer nada logo depois da
imprensa durante a campanha do segun- posse, mas a proposta foi rechaçada, a
do turno. Assessores de Lula também pretexto de que a inflação atingira níveis
publicaram artigos com o mesmo teor. muito altos para permitir algo assim. Pas-
Contudo, essas declarações públicas eram sou-se então à idéia de aplicar um impos-
vistas muitas vezes como meros recursos to extraordinário sobre o estoque de ha-
eleitorais, sem maior valor para se pre- veres financeiros, um IOF punitivo, “ca-
ver o que fariam os candidatos se che- valar”. A idéia se manteve por alguns dias
gassem ao governo. e foi afastada. A alíquota teria de ser mui-
No último debate pela televisão to alta para impedir que a parcela restante
antes do segundo turno, e na entrevista dos haveres financeiros pudesse detonar
ao programa de televisão Ferreira Neto uma onda de consumo e movimentos es-
no dia seguinte a esse debate, Collor ata- peculativos incontroláveis. Havia também
cou Lula violentamente e o acusou de muitas dúvidas sobre a possibilidade de o
planejar o confisco das cadernetas e o Congresso aprovar taxação extraordiná-
“calote” da dívida pública (Pomar, 1990, ria de tal magnitude.

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Carlos Eduardo Carvalho 123

Na segunda metade de dezembro, riam “a direita surpresa e a esquerda per-


cada membro do grupo, pelas próprias plexa”, capazes de derrotar a inflação
intuições e reflexões, convenceu-se da com um único golpe mortal de caratê, ou
necessidade de bloquear a liquidez das com a última bala disponível para o ca-
aplicações financeiras. Os entrevistados çador diante do tigre.41
foram unânimes em relatar essa versão e Em todas as fontes não há referên-
acrescentaram que a primeira discussão cias ao estudo de experiências anteriores
da proposta no grupo trouxe alívio a to- de bloqueio de liquidez e nem mesmo ao
dos, ao perceberem que os demais con- Plano Bonex argentino, implementado
cordavam com uma proposta que era en- na virada do ano (Carvalho, 1999), perío-
carada com muito receio.
do em que a equipe se decidiu pela pro-
A equipe discutiu a proposta pela
posta. Os entrevistados negaram expli-
primeira vez no final de dezembro, e no
citamente que se tenham baseado em ex-
início de janeiro apresentou um esboço
periências anteriores. A falta de menções
ao presidente eleito (Sabino, 1991, p. 111;
ao Bonex argentino é curiosa: diversas
Collor, 2003), provavelmente no dia 6,
medidas de administração do bloqueio,
um sábado. Collor aprovou integralmen-
como as permissões para pagamentos
te a idéia. Vetou apenas a possível criação
de grupos com políticos e representantes com a moeda retida, caso dos impostos,
de setores da sociedade para negociação foram decididas às pressas nas primeiras
de acordos. Collor insistia que a luta con- semanas de janeiro pelo BC argentino,
tra a inflação fosse apresentada como um diante da grave crise de liquidez verifi-
embate dramático e decisivo. Os políti- cada logo após o congelamento dos de-
cos e os representantes da sociedade de- pósitos bancários. Não é crível que o no-
veriam ficar na posição de ter de vir pedir ticiário sobre o drama argentino tenha
apoio a ele, e não o contrário. Alegava passado despercebido. O silêncio sobre
que era a única forma de garantir a sus- as experiências anteriores e sobre o caso
41 Sobre a influência de tentação política do seu governo. Outra argentino não permite concluir que os
fatores políticos na escolha da interpretação possível é que a proposta elaboradores do plano ignoravam esses
estratégia de estabilização a agradou tanto a Collor por se encaixar casos. Pode-se supor que o forte envolvi-
ser seguida, ver: Bresser
Pereira (1991), Martins (1991),
muito bem com o estilo de sua campa- mento com o processo em curso tenha
Oliveira (1992), Paiva (1991) e nha, ao qual atribuía a vitória, com pro- esmaecido a lembrança de leituras ante-
Vianna (1991). messas de medidas drásticas, que deixa- riores e de eventos paralelos.

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124 As origens e a gênese do Plano Collor

Pode-se assim concluir que a mon- Quando a sua candidatura se esvaziou,


tagem da proposta se deu tomando por ba- na reta final do primeiro turno, a propos-
se a reflexão dos economistas da equipe ta de bloqueio da liquidez foi levada à as-
sobre o caso brasileiro, influenciada e con- sessoria econômica do candidato do PT,
dicionada pelos termos da discussão da Luís Inácio Lula da Silva, pelo economis-
época. Resta analisar o papel que teria tido ta Antônio Kandir. A proposta foi rece-
o artigo “Crise e Reforma Monetária no bida com muita reserva em reunião de
Brasil”, de Belluzzo e Almeida (1990). economistas no Comitê de Lula, apre-
O único texto oficial de apresenta- sentada por Aloizio Mercadante, asses-
ção e justificação do bloqueio é a Exposi- sor econômico de Lula. A proposta pas-
ção de Motivos n. 58, que acompanhou a sou então a ser discutida em um grupo
Medida Provisória 168 (Gazeta Mercantil, menor, organizado por Aloizio e outros
17/3/1990, p. 32). Há também transcri- dirigentes do PT, em paralelo à equipe que
ções de trechos do discurso do então elaborava o plano de governo. Depois do
presidente Fernando Collor e da entre- segundo turno, de volta de viagem ao ex-
vista coletiva da então ministra Zélia Car- terior, Kandir foi incorporado à equipe de
doso de Mello no anúncio do plano (Ga- Collor e Zélia, quando a proposta teria si-
zeta Mercantil, 17/3/1990, p. 2). Tanto a do apresentada ao grupo que discutia as
Exposição de Motivos n. 58 quanto as medidas de combate à inflação.
palavras de Collor e Zélia mostram coin- Publicado em 1990, o trabalho de
cidências quase literais com o texto de Belluzzo e Almeida explica adequada-
Belluzzo e Almeida. mente as medidas iniciais do Plano Col-
Os dois autores afirmam que o lor e as opções adotadas em seguida pela
texto foi escrito com propósitos acadêmi- equipe econômica do novo governo. Há
cos, em 1988-1989, e que ignoram de que coincidências literais entre a Exposição
forma teria sido utilizado pela equipe de de Motivos n. 58, as declarações de Col-
Zélia. Considerando as ligações de mui- lor e Zélia no anúncio do bloqueio e o
tos economistas da Unicamp com a as- texto de Belluzzo e Almeida (1990). Po-
sessoria econômica do PMDB na época de-se considerá-lo como parte integrante
e com seu candidato, Ulysses Guimarães, da elaboração do Plano Collor e como a
é muito provável que o documento tenha melhor exposição de seus objetivos e do
sido discutido pela equipe de Ulysses. diagnóstico que o orientava.

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Carlos Eduardo Carvalho 125

“A reforma monetária tem o objetivo massa de moeda indexada, ou quase moe-


de recuperar o controle do Estado sobre a moeda da, a capacidade de resposta da produção e
nacional ”, começa a Exposição de Moti- a dimensão dos mercados.
vos n. 58. Após deplorar os efeitos nefas- A EM 58 explica então que as me-
tos da inflação, afirma que didas são “uma defesa dos patrimônios e
a instituição da correção monetária dos dos rendimentos do trabalho contra os
contratos foi a forma encontrada pela soci- movimentos especulativos” e não implica-
edade para reduzir os efeitos perturbado- rão “qualquer cancelamento dos direitos
res da instabilidade monetária, existentes”, propondo
mas à custa do enfraquecimento “do desejo apenas o ordenamento do seu exercício, sem
da sociedade de combater as causas reais da des- prejuízo de remuneração adequada, de ma-
valorização da moeda ”. neira a conciliá-los com a capacidade de
E prossegue: produção de bens e o funcionamento normal
dos mercados financeiros e de capitais.
No Brasil, a adaptação do corpo social à
prática da indexação chegou ao absurdo No discurso em que apresentou o
[...] da criação da moeda indexada, que plano de estabilização, na reunião minis-
concentra os atributos da liquidez e da terial de 16/3/1990, Collor assim justifi-
atualização do seu valor em relação à moe- cou as medidas monetárias:
da de curso legal. Isso determina o fracio-
namento da unidade da moeda; [...] a A violência da inflação e a quase destrui-
moeda da riqueza inativa separa-se da ção do sistema de preços já ameaçavam
moeda que paga o trabalho e remunera a o funcionamento da economia [...] Para
produção e o investimento. [...] Neste re- sustentar de forma duradoura a estabili-
gime, em que convivem duas moedas, a po- dade de preços, impõe-se uma reforma mo-
lítica monetária torna-se inoperante, pri- netária austera, capaz de devolver ao Esta-
sioneira da polarização das preferências do o controle sobre a moeda. [...] não deve
dos agentes na moeda indexada. As ten- se traduzir apenas na mudança de deno-
tativas de controle da liquidez na moeda minação do padrão de referência de preços
fraca, em acelerada desvalorização, deter- e contratos, mas deve atingir profunda-
minam a emissão de direitos na moeda mente as formas de acesso à liquidez e os
protegida, através do manejo das taxas de processos de criação do poder de compra.
juros. Paradoxalmente, os esforços de con- [...] As medidas [...] buscam, sobretudo,
tenção da liquidez culminam em sua ex- preservar os direitos adquiridos pelos cida-
pansão [...] e cresce a desproporção entre a dãos. [...] tomamos a iniciativa de promo-

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126 As origens e a gênese do Plano Collor

ver um reordenamento do exercício desses netária e o paradoxo de os juros altos te-


direitos, através de um processo de conver- rem se tornado inúteis ou nocivos, por
são de cruzados novos para cruzeiros (Ga- aumentarem o estoque de quase-moeda.
zeta Mercantil, 1990, p. 2).
O segundo ponto comum é a ne-
A ministra Zélia Cardoso de Mel- gativa enfática de que as medidas repre-
lo, em encontro com editores de meios sentassem cancelamento de direitos. Por
de comunicação no Palácio do Planalto, meio do diferimento temporal do acesso
também em 16/3/1990, depois de co- à liquidez, buscava-se “apenas o ordena-
mentar as medidas na área de finanças mento de seu exercício”, de forma a con-
públicas, enfatizou: ciliá-los “com a capacidade de produção
Mas de que valeria todo este ajuste fiscal
de bens e o funcionamento normal dos
se fôssemos continuar com as atuais carac- mercados”. O terceiro é a afirmação da
terísticas da moeda? [...] A existência de inutilidade de medidas fiscais sem as pro-
moeda e títulos na economia brasileira, es- vidências para recuperar a eficácia da po-
tes últimos com características de qua- lítica monetária. Enfatiza-se que as medi-
se-moeda, acaba impedindo a execução de das fiscais aplicadas sobre o estoque de
uma política monetária eficaz, como mos- ativos financeiros destinavam-se a acen-
traram os planos de estabilização mais re- tuar o caráter distributivo do programa,
centes (Gazeta Mercantil, 1990, p. 2).
afirmação implícita de que o elemento
Destacam-se alguns pontos co- distributivo maior era a própria reforma
muns na Exposição de Motivos n. 58 e monetária que conduziria à estabiliza-
nas declarações. O primeiro é a identifi- ção dos preços.
cação do fracionamento da moeda como Esses elementos aparecem de for-
um grave problema, o maior obstáculo ma elaborada em Belluzzo e Almeida
para a recuperação do controle monetá- (1990). A proposta de bloqueio da liqui-
rio. Na sua origem estaria a indexação, dez é defendida pela necessidade de o
responsável pelo desenvolvimento da Estado readquirir a condição de “gestor
moeda remunerada, a moeda “da riqueza da moeda” e a capacidade de “regular os
inativa”, enquanto a moeda tradicional critérios de avaliação de riqueza dos cen-
“paga o trabalho e remunera a produção tros privados de decisão”. Na análise da
e o investimento”. Desse fracionamento grave crise em curso, defendem que o
teria resultado a paralisia da política mo- problema maior não era a fragilidade fis-

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Carlos Eduardo Carvalho 127

cal do setor público, mas, sim, a impossi- formações são responsáveis pelo apareci-
bilidade de recuperar o controle da moe- mento de obstáculos quase intransponíveis
da. A origem dos problemas estaria nos à aplicação de políticas convencionais de
efeitos da crise do início da década e das estabilização (Belluzzo e Almeida, 1990, p. 67).
políticas de ajustamento do setor exter- E prosseguem:
no, às quais “subordinou-se a gestão mo- Se a gestão monetária tentar resistir ao
netária nesse período”. Reconhecem que ajuste da taxa de juros, um deslocamento
havia desequilíbrios estritamente fiscais, ainda que marginal das quase-moedas
mas reiteram que, para os mercados de risco [...] somente po-
derá ser absorvido por um aumento das co-
nesta etapa, o desafio privado ao gestor da
tações. [...] A percepção de que a reação
moeda se sobrepõe às crises fiscal e de fi-
dos preços spot venha a ser muito forte, de
nanciamento, acentuando-as [...] Os al-
sorte a contaminar outros preços e valores
tos custos financeiros e o estreitamento
(caso dos bens estocáveis, como matéri-
progressivo dos prazos da dívida pública
as-primas e bens duráveis, imóveis e até
agravaram [...] o desequilíbrio das contas
terras), pode detonar uma corrida para a
fiscais [...], mas devemos frisar que esta
formação de posições em ativos reais e
foi uma decorrência da crise monetária,
bens, levando à destruição das quase-moe-
[...], da imobilização crescente imposta ao
das. Isto equivaleria a uma ruptura defi-
gestor da moeda. [...] Isto explica em
nitiva do padrão monetário, já que nem
grande medida os sucessivos fracassos das
mesmo as quase-moedas seriam capazes
tentativas isoladas de ajuste e de reformas
de preservar a confiança dos agentes. [...]
nos campos tributário, do gasto público e
(Belluzzo e Almeida, 1990, p. 71-72).
das condições de financiamento do setor
público (Belluzzo e Almeida, 1990, p. 65-66). Fundamentada a necessidade de
Analisando as opções disponíveis, “medidas radicais”, os dois autores iden-
apontam que a crise impõe tificam a formação naquele momento de
dois conjuntos de opiniões extremas: de
limites progressivos à gestão monetária,
um lado, os que advogam uma profunda
em um quadro de crescente instabilidade.
reforma do Estado; de outro, o dos que
A ameaça de hiperinflação torna-se cada
não vêem outra saída senão o ‘calote’ da
vez mais presente diante do precário siste-
dívida interna (Belluzzo e Almeida, 1990, p. 72).
ma de avaliações que as quase-moedas e a
falsa unidade monetária buscam preser- Ao descartar a primeira proposta, reco-
var. No plano macroeconômico estas trans- nhecem que a rápida recuperação fiscal

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128 As origens e a gênese do Plano Collor

do Estado poderia em tese resultar de pequenos e grandes poupadores, especulado-


um capital levy sobre as grandes riquezas res e fundos de poupança, bancos e empresas,
financeiras e o patrimônio líquido das que em outra situação poderiam deslocar re-
grandes empresas, só que isso não seria cursos para financiamento, investimento e
possível naquele momento, ampliação da produção,

devido à ação dos grupos de pressão e do po-


mas com a tendência de serem punidos
der hoje tão cristalizado dos detentores de ri- “os menos ágeis em rever posições e os que detêm
queza. Por outro lado, no tempo que media- limitado poder de efetuar operações ilegais ”
rá entre o anúncio da reforma e sua execu- (Belluzzo e Almeida, 1990, p. 73).
ção, a situação [...] poderá se agravar de tal Ao apresentar as medidas propos-
forma que a hiperinflação seria inevitável. tas (Quadro 2), destacam que a reforma
deve concentrar-se nos seus objetivos
E atribuem ao capital levy objetivos preci-
monetários, sem alterar o sistema de in-
sos e distintos:
dexação nem as regras do sistema finan-
É crucial que seja promovida uma refor- ceiro, e não deve incluir em si mesma
ma fiscal, apoiada particularmente no ca- uma reforma fiscal.
pital levy explicitamente destinado a fi- Tratando das condições necessári-
nanciar um programa social para o país. as à implementação exitosa da reforma
A reforma monetária coloca-se em uma
proposta, destacam:
outra dimensão e sob um objetivo que difi-
cilmente a reforma fiscal seria capaz de A questão imediata a enfrentar é a do
atingir: a restauração definitiva da unida- acesso à nova moeda, enquanto não se re-
de da moeda (Belluzzo e Almeida, 1990, p. 73). compõem as expectativas de longo prazo e
se reorganizam os mercados financeiros.
Expondo os objetivos da reforma
É tamanho o desequilíbrio presente na
monetária, recusam a hipótese de “calo- composição da riqueza social que não bas-
te” puro e simples, na forma de confisco tará estancar a reprodução da riqueza fi-
ou conversão forçada e indistinta com al- nanceira. [...] Haverá um meio-tempo de
gum redutor (citando o exemplo da Ale- intensa especulação e apostas na mudança
manha de 1948) ou de hiperinflação in- de política econômica. Esta deverá man-
duzida pela retirada do lastro em títulos ter-se ativa porque o reequilíbrio dos esto-
públicos da moeda indexada. Nos dois ques exigirá um controle estrito dos flu-
casos, os detentores da riqueza financeira xos (Belluzzo e Almeida, 1990, p. 74-75).
seriam tratados por igual,

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Carlos Eduardo Carvalho 129

Quadro 2 – A Proposta de Reforma Monetária de Belluzzo e Almeida (1990)

I – Cria a nova moeda.


II – Fixa as regras de conversão dos saldos existentes nesta data (1) à nova moeda:
1. Meio circulante: ao par, imediatamente.
2. Depósitos (à vista, remunerados e a prazo), open,
fundos de curto prazo e demais aplicações – Pessoas jurídicas:
a) ao par, contra apresentação da folha de pagamento;
b) ao par, contra recolhimento de ICMS para compra de mercadorias;
c) ao par, contra recolhimento do capital levy;
d)ao par, contra aquisição de Títulos de Desenvolvimento Econômico
(TDE – prazo de 5 anos, correção pelo IPC e juros de 8% a.a.);
e) ao par, contra aprovação de programas de investimento por órgão competente
(BNDES, CEF, BB, Finep);
f) ao par, contra inversões no Programa de Privatizações do Governo;
g) ao par, contra aquisição de ações novas de empresas
com projetos aprovados nas condições do item “e”;
h) ao par, contra crédito novo à atividade produtiva (no caso de carteira
própria de bancos e instituições financeiras), respeitados os limites de expansão
do crédito pela Comissão de Política Monetária;
i) os haveres em cruzados novos serão corrigidos monetariamente
pelo IPC até o momento da conversão à nova moeda;
j) os direitos de conversão são inegociáveis e intransferíveis;
k) os direitos de conversão se extinguem em 31/12/94.
3. Depósitos (à vista, remunerados, a prazo, de poupança),
open, fundos de curto prazo e outros – Pessoas físicas:
a) ao par, imediatamente para os saldos de valor atual (1) até NCz$ 300 mil;
b) acima deste valor:
– ao par, contra retirada mensal de valor atual de até NCz$ 100 mil;
– ao par, contra aquisição de imóvel sob condições a serem definidas;
– ao par, nas condições “c”, “d”, “f” e “g” do item 2;
– o saldo definido em “a” não-utilizado pelo prazo de doze meses renderá
o equivalente a uma caderneta de poupança especial com juros de 12% a.a.;
– valem as condições “i”, “j” e “k” do item 2.
Fonte: Belluzzo e Almeida, 1990, p. 74.
(1) Não há indicação de qual a data a que se referem os autores; com o ritmo de inflação da época, torna-se impossível
identificar o valor real desejado.

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130 As origens e a gênese do Plano Collor

Por fim, apontam o setor exter- queio da liquidez é semelhante a medidas


no como adotadas em dezenas de eventos anterio-
res no século XX, em diferentes regiões.
o calcanhar-de-aquiles da reforma, que te-
ria uma chance de êxito quase integral se
As formas comuns, porém, resultam de
partisse de uma situação mais folgada objetivos muito diversos e enfrentavam
quanto a reservas cambiais e se fosse viá- problemas igualmente díspares. Assim, as
vel regular suas variações com os instru- raízes e as motivações do Plano Collor de-
mentos convencionais ou mediante o crédi- vem ser buscadas nas circunstâncias e nas
to internacional. [...] O pior dos mundos discussões brasileiras de então.
será tentar exercer controle sobre as expec- A opção da equipe de Collor e Zé-
tativas cambiais através de desvaloriza- lia pelo bloqueio se deu em meio ao qua-
ções do câmbio. [...] O único fator de efeti- dro de ameaça de hiperinflação, em con-
va estabilização nesta matéria consistiria dições de sigilo, e foi discutida por um
no apoio externo ao programa [...] mas grupo de pessoas muito reduzido. A op-
isto só poderá ser negociado após a sua im-
ção foi muito condicionada pela descren-
plementação (Belluzzo e Almeida, 1990, p. 75).
ça na possibilidade de êxito das demais
alternativas em análise ou implementa-
das nos anos anteriores. O reconheci-
4_ Considerações finais mento dessas raízes profundas não auto-
O bloqueio da liquidez dos ativos finan- riza conclusões de que o bloqueio fosse
ceiros na posse do presidente Fernando inevitável ou de que tenha sido a opção
Collor de Mello, em março de 1990, re- mais adequada. Esta é outra discussão,
presentou um desdobramento do amplo bem mais difícil e complexa, mas deve
debate sobre as dificuldades e os impasses considerar que o plano não foi uma inici-
das políticas de estabilização dos anos an- ativa desvairada surgida do vazio ou do
teriores, às voltas com a persistência da voluntarismo político, embora esse possa
inflação elevada, no quadro de fortes res- ter tido papel decisivo na opção assumi-
trições externas e de fragilidade fiscal e fi- da. A análise do desfecho do plano, com
nanceira do setor público, o quadro típi- a volta da inflação elevada poucos meses
co da década de 1980 na América Latina. depois, não deve ser feita sem considerar
O plano tinha fortes raízes na re- o contexto da época e a natureza da refle-
flexão brasileira e na experiência de políti- xão que a ele conduziu (para esta análise,
ca econômica da época. A forma de blo- ver Carvalho, 1996 e 2003).

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Carlos Eduardo Carvalho 131

A proposta foi discutida pela as-


sessoria de outros candidatos, em especi-
al a assessoria do candidato do PT, Luís
Inácio Lula da Silva. Tratava-se assim de
proposta gerada no debate acadêmico e
que atraía os assessores de candidaturas
com perfis políticos e ideológicos distin-
tos. É correto afirmar que a proposta po-
deria ter sido adotada se o eleito fosse
outro e poderia assim estar vinculada a
programas econômicos diferentes daque-
le que Collor implementou.
Anunciado em suas linhas gerais
junto com o bloqueio, no dia seguinte à
posse do novo presidente, esse programa
econômico geral foi ofuscado pelas me-
didas drásticas de retenção dos haveres
financeiros. A expressão Plano Collor pas-
sou a referir-se apenas ao bloqueio, em-
bora as demais medidas econômicas te-
nham influenciado muito mais profun-
damente o futuro do País.

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132 As origens e a gênese do Plano Collor

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