Capítulo 3 – Os fundamentos teóricos e a implementação do Plano A matriz básica de elaboração do Plano Real se constituiu de duas vertentes: 1) Consenso de Washington 2) Experiência do Plano Cruzado A crise dos anos 1980, conforme estudamos, constituiu-se numa crise internacional de liquidez. Por seu turno, a valorização do dólar nos anos 1990, decorreu de excesso de liquidez (VAMOS ENTENDER PORQUE ISSO NÃO PODE SER VISTO COMO ALGO POSITIVO). Nos anos 1990 assistiu-se a situação de Estados fracos terem “MOEDAS FORTES”, passando de condição de exportadores líquidos de capital para importadores de “poupança externa”. Todos os planos de estabilização adotados nos últimos anos na América Latina são da mesma família do Consenso de Washington. Na realidade, constitui-se num PLANO ÚNICO de ajustamento das economias periféricas, chancelado pelo FMI e pelo BIRD, em mais de 60 países de todo o mundo. Em todos os lugares onde foram adotados esses planos seguiram sempre o mesmo roteiro: Combate à inflação, através da dolarização da economia e valorização das moedas nacionais, associado a uma grande ênfase na necessidade de “ajuste fiscal”. Acompanharam a realização de reformas de Estado – sobretudo privatizações e mudanças na seguridade social – desregulamentação dos mercados e liberalização (internacional) comercial e financeira. Por fim, após todas essas medidas, os países esperaram o retorno dos capitais produtivos estrangeiros e a retomada do crescimento auto-sustentado, QUE NÃO OCORREU! A segunda referência importante do Plano Real foi a experiência do Plano Cruzado, com todas as discussões que ocorreram em seu entorno, em particular no que se refere à natureza da “INFLAÇÃO INERCIAL”. Com destaque para o debate e a consequente disputa entre as propostas de uma “moeda indexada” versus “choque heterodoxo”. E a própria condução prática da política de estabilização do Cruzado, que indicou os procedimentos que não deveriam ser repetidos. O Consenso de Washington O Consenso de Washington consistiu num evento de formato acadêmico, que ocorreu em 1989, contando com funcionários do governo dos Estados Unidos, e de instituições como FMI, BIRD, BID, e economistas acadêmicos latino-americanos. No âmbito de “evento” foi defendido: Rigorosa disciplina orçamentária; Estado mínimo; Aumentar a regressividade da carga tributária; Implementar uma política de estabilização ancorada na valorização da moeda nacional e na dolarização da economia; Promover a liberalização financeira e comercial; Anular as diferenças existentes entre o capital nacional e o capital estrangeiro, dando apoio pleno e irrestrito à entradas dos IED’s na economia. Promover privatizações de empresas e patrimônio públicos e desregular as atividades econômicas; Defesa da propriedade intelectual, por meio da assinatura do acordo TRIP’s de modo pleno e irrestrito. Em 1993 foi promovida uma nova reunião a fim avaliar o impacto das reformas propostas e se julgava naquele momento que se a adoção das reformas antecedesse a entrada dos capitais, o resultado seria exitoso. Porém, no final dos anos 1990, a sequência que se observou foi a seguinte: Abertura comercial e financeira, e valorização do câmbio; Seguidos inicialmente de queda da inflação, crescimento da produção e do emprego, e entrada de capitais estrangeiros especulativos; POSTERIORMENTE, enormes déficits na balança comercial, na conta de transações correntes do BP, seguidos de mais valorização da moeda nacional e elevação das taxas de juros. Finalmente, uma profunda recessão, precedida pela fuga de capitais especulativos, crise cambial e retorno da inflação. A moeda indexada A proposta da MOEDA INDEXADA havia sido levantada quando da implantação do Plano Cruzado. A ideia é de que numa economia com alta inflação, a desindexação não pode ser feita através do congelamento ou controle de preços. Dado que essa medida acirra o conflito distributivo, gerando pressões inflacionárias. Assim, a proposta (que não vigorou quando da concepção do Plano Cruzado), era a de criação de uma nova moeda, com circulação concomitante ao cruzeiro (ou seja, a velha moeda). A nova moeda seria indexada à ORTN (Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional) e ao dólar. A partir da data de início do programa e da introdução da nova moeda, seria possível converter cruzeiros em cruzeiros novos, de acordo com a taxa do dia, em qualquer agência bancária. A possibilidade de conversão sem limites, entre as duas moedas, seria fundamental para evitar a aceleração inflacionária na velha moeda. A circulação paralela seria imprescindível para a credibilidade da nova moeda, uma vez que o público poderia observar a sua valorização diária em relação ao cruzeiro, bem como a estabilidade do nível geral de preços nessa nova moeda. EM SÍNTESE, a “moeda indexada” diariamente seria o instrumento de indexação total e instantânea da economia, o que levaria à perda de sentido do cruzeiro e da inflação medida nessa moeda. Dessa forma, a sua extinção resolveria, de imediato, o problema da indexação e, por decorrência, da inércia inflacionária. A CONSTATAÇÃO É DE QUE A URV, QUANDO DA IMPLANTAÇÃO DO PLANO REAL, CUMPRIU A MESMA FUNÇÃO DA “MOEDA INDEXADA”, PROPOSTA NA ÉPOCA DO PLANO CRUZADO. Ou seja, a proposta era resolver o problema da indexação e da inflação inercial, levando a indexação da economia gradualmente, às últimas consequências e, num determinado momento, extinguindo-a de vez, de forma abrupta. A diferença é que a URV se constituiu apenas num embrião de uma nova moeda, já que não exerceu a função de meio de troca, mas apenas de unidade de conta, no período de transição para a nova moeda, o REAL. A experiência do Plano Cruzado Os elaboradores do Plano Cruzado e do Plano Real foram os mesmos, e por isso sabiam a natureza dos problemas a serem enfrentados. A inflação brasileira era atribuída ao caráter inercial (dado o elevado grau de indexação da economia) e à fragilidade fiscal e financeira do Estado. A passagem abrupta de todos os preços e salários para a nova moeda num dado dia, traz consigo as pressões na velha moeda. Remonetização e consumo se aceleram com debelamento da inflação, levando à necessidade de uma gestão monetária que estabeleça taxas de juros mais altas. O salário real pode crescer e isso gera pressões no consumo, no curto prazo. Conjuntura econômica fundamental à estabilidade: existência de grande liquidez nos mercados financeiros internacionais. Reconstituição de reservas internacionais permitem neutralizar especulações contra a nova moeda. As três fases do Plano Real: a implantação da nova moeda O Plano Real foi aplicado em três fases: iniciou-se em 07/12/1993 e a nova moeda foi implementada em 01/07/1994. As três etapas de implantação do Plano foram: 1ª) Ajuste fiscal. 2ª) Criação da URV (Unidade de Referência de Valor). 3ª) Instituição da nova moeda. Vamos analisar mais detidamente cada uma dessas etapas! A compreensão da função econômica de cada uma dessas fases, bem como dos momentos de passagem de uma à outra, é fundamental para se entender a lógica interna do conjunto do Plano e como ele se articulou com o projeto político- eleitoral. 1ª etapa: O ajuste fiscal Essa primeira etapa foi aplicada no período de 07/12/1993 a 28/02/1994. O ajuste se deu pelo corte de gastos e elevação de tributos. A parte mais dramática dessa fase constituiu a desvinculação de receitas da seguridade social, estabelecidas na Constituição de 1988 (que posteriormente foi batizada de DRU). Quando da criação, ironicamente, o governo denominou essa desvinculação de FSE (Fundo Social de Emergência), rebatizado posteriormente de FEF (Fundo de Estabilização Fiscal, e por fim foi rebatizado de DRU). ENFIM, essa primeira parte do Plano se propôs a construir a chamada “ÂNCORA FISCAL” dos preços. Ou seja, procurou garantir aos diversos agentes econômicos que o Governo só gastaria o que arrecadasse, não havendo, portanto, possibilidade de emissão primária de títulos e moeda com o intuito de cobrir gastos correntes do Governo. Porém, o ajuste fiscal não alcançou o objetivo proposto em função das elevadas taxas de juros para rolar a dívida pública, principalmente quando das crises do México, de países asiáticos e da Rússia. 2ª etapa: A URV – o embrião da nova moeda Essa segunda etapa foi aplicada a partir do início de março, e findou com a implantação da nova moeda Real, em 01 de julho de 1994. A URV era um superindexador formado por três outros índices: o IGP-M (da FVG), o IPCA (do IBGE), e o IPC (Fipe/SP). A escolha desses três índices se deveu ao fato de sua evolução histórica se aproximar da evolução histórica do câmbio. Ou seja, O OBJETIVO ERA AMARRAR A URV AO DÓLAR, preparando-se desde aquele momento a “ÂNCORA CAMBIAL” da nova moeda, que se explicitaria na última fase do Plano. Na verdade, a URV foi muito mais do que um “superindexador”, ele foi o embrião da nova moeda, ou uma espécie de MOEDA INCOMPLETA, pois, embora não se constituísse ainda em meio de pagamento e reserva de valor, cumpriu a função de unidade de conta. A URV também cumpriu o papel crucial de transição da velha para a nova moeda, retirando o caráter abrupto dessa passagem – como ocorreu em Planos anteriores, com a utilização do congelamento – e transformando-a num processo no qual a nova moeda, antes de existir como meio de pagamento, já existia como unidade de conta. IDEALMENTE: foi planejado que a passagem de todos os preços e salários de Cruzeiro Real para URV fosse feita de forma paulatina, de modo espontâneo e/ou induzido através da fixação imediata dos preços, tarifas, e contratos públicos em URV. Assim, quando quase toda a economia estivesse operando com base em URV, esta se transformaria na nova moeda Real. Neste momento, todos os preços relativos estariam alinhados (eliminando o conflito distributivo e a inflação inercial), supondo ainda que o ajuste fiscal estivesse efetivado. NA PRÁTICA, o processo ocorreu com algumas diferenças que, no entanto, não alteraram o resultado principal esperado, isto é, a queda abrupta da inflação e a eliminação da inflação inercial. Fez-se a passagem compulsória dos salários (sem abono como no Plano Collor). Mas a passagem de todos os preços e contratos do setor público e privado para a URV não ocorreu com brevidade. Na verdade, os preços só foram para a URV às vésperas da introdução da nova moeda. Ou seja, a passagem não se deu de forma paulatina. O resultado desse processo, durante todo o período de existência da URV, foi uma aceleração dos preços na moeda até então existente. E, no seu período de prevalência da URV, pouco antes do surgimento da nova moeda, um comportamento defensivo por parte das empresas – que implicou preços em URV excessivamente elevados e desalinhados. No entanto, essa circunstância acabou por ser positiva para o sucesso do Plano, pois, nos três meses seguintes à introdução da moeda Real, os preços se alinharam, a partir também de pressões para reduzi-los, e não apenas para aumentá-los, em razão dos exageros cometidos na passagem para a URV. Ou seja, ao contrário das experiências que fizeram uso do congelamento de preços e salários, em que o desalinhamento dos preços relativos na nova moeda trouxe pressões para aumentá-los, sob pena do surgimento de desabastecimento. A URV tornou desnecessário o congelamento, a pré- fixação, ou qualquer outro mecanismo coercitivo de intervenção nas decisões soberanas dos agentes econômicos....... E O QUE EXPLICA ISSO????? O indexador empregado para corrigir a URV estava em queda, dado o processo de valorização da moeda nacional frente ao dólar. Vamos entender que elementos sustentaram essa valorização da moeda nacional. 3ª etapa: a nova moeda – o REAL A nova moeda foi introduzida em 1º de julho de 1994 e se constituiu na transformação da URV em Real, quando ela valia CR$ 2.750,00, cuja conversão foi feita na proporção CR$ 2.750,00 = 1 URV = 1 real = 1 dólar. Essa etapa trouxe consigo a explicitação da “ÂNCORA CAMBIAL”, que estava subentendida no período anterior. A taxa de câmbio (como expus acima) foi fixada pelo Banco Central em US$ 1 = R$ 1, com o apoio e a garantia das reservas em dólar, acumuladas desde 1993, mas sem a instituição da conversão do Real em dólar. Foi estabelecido que o volume de reais emitidos, deveria ter correspondência com o volume de dólares depositados no Banco Central. Dada a rápida remonetização, as metas não foram cumpridas, como aconteceu no Plano Cruzado. Houve uma dolarização da economia, sem conversibilidade (ou seja, adotou-se um regime mais flexível). Num primeiro momento houve a compatibilização do combate à inflação, com crescimento do emprego e da economia, apoiados nos seguintes pontos: abertura comercial, abertura financeira, elevadas taxas de juros, câmbio nominal e real em queda. A estratégia só foi possível em função da combinação juros elevados X intenso fluxo de capital especulativo de curto prazo X alto nível de reservas internacionais (volume capaz de sustentar 19 meses de importações). Reformas de economia e do Estado e as privatizações A implementação do Plano de estabilização, acompanhado das reformas, prometiam consolidação da estabilização, permitindo a transição para o novo modelo e a inserção competitiva do Brasil na nova ordem internacional. O Plano Real continha 3 dimensões: Plano de estabilização monetária. Abertura comercial e financeira. Reformas do Estado e do mercado. E eu acrescentaria uma quarta dimensão: o projeto político-partidário-eleitoral de eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência. As REFORMAS DE ESTADO planejavam executar as reformas: tributária, administrativa (amplo programa de terceirização de função nos setores público), previdência (consolidar o regime de previdência privada e promover mudanças na previdência pública). As REFORMAS DE MERCADO resumiram: quebra dos monopólios estatais (nas áreas petroquímica, telecomunicações, energia), estabelecer o tratamento isonômico entre a empresa nacional e a empresa estrangeira, desregulamentação das atividades e mercados considerados estratégicos e/ou de segurança nacional (como a exploração do subsolo, a navegação costeira, permitindo ampla atuação do capital estrangeiro). As reformas de ordem econômica foram todas aprovadas ao longo do primeiro ano do mandato de Fernando Henrique Cardoso (em 1995), com relativa facilidade pelo Congresso Nacional. Pode-se afirmar, que o controle dos preços, ao dar estabilidade e apoio políticos ao Governo FHC, foi a condição fundamental que permitiu o aprofundamento e a aceleração das privatizações, bem como a aprovação das reformas liberais. E NESSE SENTIDO, SE DEVE RECONHECER QUE ELE NÃO FOI APENAS UM PLANO SOLITÁRIO DE ESTABILIZAÇÃO MONETÁRIA. As privatizações federais totalizaram US$ 57.964 bi., e as privatizações estaduais totalizaram US$ 30.346 bi., até julho de 1999, rendendo aos cofres públicos US$ 88,3 bi. Contudo, isso não impediu o crescimento da dívida pública. Em compensação, geraram fortalecimento de determinados grupos econômicos, desnacionalização da economia, aumento do grau de concentração, aumento da dependência externa, aumento da fragilidade externa. Referência: