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Economia Brasileira Contemporânea II

Águida Cristina Santos Almeida


Capítulo 3 – Os fundamentos teóricos e a
implementação do Plano
 A matriz básica de elaboração do Plano Real se
constituiu de duas vertentes:
 1) Consenso de Washington
 2) Experiência do Plano Cruzado
A crise dos anos 1980, conforme estudamos,
constituiu-se numa crise internacional de liquidez. Por
seu turno, a valorização do dólar nos anos 1990,
decorreu de excesso de liquidez (VAMOS ENTENDER
PORQUE ISSO NÃO PODE SER VISTO COMO ALGO
POSITIVO).
 Nos anos 1990 assistiu-se a situação de Estados fracos terem
“MOEDAS FORTES”, passando de condição de exportadores
líquidos de capital para importadores de “poupança externa”.
 Todos os planos de estabilização adotados nos últimos anos
na América Latina são da mesma família do Consenso de
Washington.
 Na realidade, constitui-se num PLANO ÚNICO de
ajustamento das economias periféricas, chancelado pelo
FMI e pelo BIRD, em mais de 60 países de todo o mundo.
 Em todos os lugares onde foram adotados esses planos
seguiram sempre o mesmo roteiro:
 Combate à inflação, através da dolarização da economia e
valorização das moedas nacionais, associado a uma grande
ênfase na necessidade de “ajuste fiscal”.
 Acompanharam a realização de reformas de Estado –
sobretudo privatizações e mudanças na seguridade social –
desregulamentação dos mercados e liberalização
(internacional) comercial e financeira.
 Por fim, após todas essas medidas, os países esperaram o
retorno dos capitais produtivos estrangeiros e a retomada do
crescimento auto-sustentado, QUE NÃO OCORREU!
 A segunda referência importante do Plano Real foi a
experiência do Plano Cruzado, com todas as
discussões que ocorreram em seu entorno, em
particular no que se refere à natureza da “INFLAÇÃO
INERCIAL”.
 Com destaque para o debate e a consequente disputa entre as
propostas de uma “moeda indexada” versus “choque
heterodoxo”.
 E a própria condução prática da política de estabilização do
Cruzado, que indicou os procedimentos que não deveriam ser
repetidos.
O Consenso de Washington
 O Consenso de Washington consistiu num evento de
formato acadêmico, que ocorreu em 1989, contando com
funcionários do governo dos Estados Unidos, e de
instituições como FMI, BIRD, BID, e economistas
acadêmicos latino-americanos.
 No âmbito de “evento” foi defendido:
 Rigorosa disciplina orçamentária;
 Estado mínimo;
 Aumentar a regressividade da carga tributária;
 Implementar uma política de estabilização ancorada na
valorização da moeda nacional e na dolarização da economia;
 Promover a liberalização financeira e comercial;
 Anular as diferenças existentes entre o capital nacional e o
capital estrangeiro, dando apoio pleno e irrestrito à entradas
dos IED’s na economia.
 Promover privatizações de empresas e patrimônio públicos e
desregular as atividades econômicas;
 Defesa da propriedade intelectual, por meio da assinatura do
acordo TRIP’s de modo pleno e irrestrito.
 Em 1993 foi promovida uma nova reunião a fim avaliar
o impacto das reformas propostas e se julgava naquele
momento que se a adoção das reformas antecedesse a
entrada dos capitais, o resultado seria exitoso.
 Porém, no final dos anos 1990, a sequência que se
observou foi a seguinte:
 Abertura comercial e financeira, e valorização do
câmbio;
 Seguidos inicialmente de queda da inflação, crescimento
da produção e do emprego, e entrada de capitais
estrangeiros especulativos;
 POSTERIORMENTE, enormes déficits na balança
comercial, na conta de transações correntes do BP,
seguidos de mais valorização da moeda nacional e
elevação das taxas de juros.
 Finalmente, uma profunda recessão, precedida pela fuga
de capitais especulativos, crise cambial e retorno da
inflação.
A moeda indexada
 A proposta da MOEDA INDEXADA havia sido
levantada quando da implantação do Plano Cruzado.
 A ideia é de que numa economia com alta inflação, a
desindexação não pode ser feita através do
congelamento ou controle de preços.
 Dado que essa medida acirra o conflito distributivo, gerando
pressões inflacionárias.
 Assim, a proposta (que não vigorou quando da
concepção do Plano Cruzado), era a de criação de uma
nova moeda, com circulação concomitante ao cruzeiro
(ou seja, a velha moeda).
 A nova moeda seria indexada à ORTN (Obrigação Reajustável
do Tesouro Nacional) e ao dólar.
 A partir da data de início do programa e da introdução
da nova moeda, seria possível converter cruzeiros em
cruzeiros novos, de acordo com a taxa do dia, em
qualquer agência bancária.
 A possibilidade de conversão sem limites, entre as duas
moedas, seria fundamental para evitar a aceleração
inflacionária na velha moeda.
 A circulação paralela seria imprescindível para a
credibilidade da nova moeda, uma vez que o público
poderia observar a sua valorização diária em relação ao
cruzeiro, bem como a estabilidade do nível geral de
preços nessa nova moeda.
 EM SÍNTESE, a “moeda indexada” diariamente seria o
instrumento de indexação total e instantânea da
economia, o que levaria à perda de sentido do cruzeiro
e da inflação medida nessa moeda.
 Dessa forma, a sua extinção resolveria, de imediato, o
problema da indexação e, por decorrência, da inércia
inflacionária.
 A CONSTATAÇÃO É DE QUE A URV, QUANDO DA
IMPLANTAÇÃO DO PLANO REAL, CUMPRIU A
MESMA FUNÇÃO DA “MOEDA INDEXADA”,
PROPOSTA NA ÉPOCA DO PLANO CRUZADO.
 Ou seja, a proposta era resolver o problema da
indexação e da inflação inercial, levando a indexação
da economia gradualmente, às últimas consequências
e, num determinado momento, extinguindo-a de vez,
de forma abrupta.
 A diferença é que a URV se constituiu apenas num
embrião de uma nova moeda, já que não exerceu a
função de meio de troca, mas apenas de unidade de
conta, no período de transição para a nova moeda, o
REAL.
A experiência do Plano Cruzado
 Os elaboradores do Plano Cruzado e do Plano Real
foram os mesmos, e por isso sabiam a natureza dos
problemas a serem enfrentados.
 A inflação brasileira era atribuída ao caráter inercial
(dado o elevado grau de indexação da economia) e à
fragilidade fiscal e financeira do Estado.
 A passagem abrupta de todos os preços e salários para
a nova moeda num dado dia, traz consigo as pressões
na velha moeda.
 Remonetização e consumo se aceleram com
debelamento da inflação, levando à necessidade de
uma gestão monetária que estabeleça taxas de juros
mais altas.
 O salário real pode crescer e isso gera pressões no
consumo, no curto prazo.
 Conjuntura econômica fundamental à
estabilidade: existência de grande liquidez nos
mercados financeiros internacionais.
 Reconstituição de reservas internacionais
permitem neutralizar especulações contra a nova
moeda.
As três fases do Plano Real: a implantação da
nova moeda
 O Plano Real foi aplicado em três fases: iniciou-se em
07/12/1993 e a nova moeda foi implementada em
01/07/1994. As três etapas de implantação do Plano
foram:
 1ª) Ajuste fiscal.
 2ª) Criação da URV (Unidade de Referência de Valor).
 3ª) Instituição da nova moeda.
 Vamos analisar mais detidamente cada uma dessas etapas!
 A compreensão da função econômica de cada uma dessas
fases, bem como dos momentos de passagem de uma à outra,
é fundamental para se entender a lógica interna do conjunto
do Plano e como ele se articulou com o projeto político-
eleitoral.
1ª etapa: O ajuste fiscal
 Essa primeira etapa foi aplicada no período de
07/12/1993 a 28/02/1994.
 O ajuste se deu pelo corte de gastos e elevação de
tributos.
 A parte mais dramática dessa fase constituiu a
desvinculação de receitas da seguridade social,
estabelecidas na Constituição de 1988 (que
posteriormente foi batizada de DRU).
 Quando da criação, ironicamente, o governo denominou essa
desvinculação de FSE (Fundo Social de Emergência),
rebatizado posteriormente de FEF (Fundo de Estabilização
Fiscal, e por fim foi rebatizado de DRU).
 ENFIM, essa primeira parte do Plano se propôs a
construir a chamada “ÂNCORA FISCAL” dos preços.
Ou seja, procurou garantir aos diversos agentes
econômicos que o Governo só gastaria o que
arrecadasse, não havendo, portanto, possibilidade de
emissão primária de títulos e moeda com o intuito de
cobrir gastos correntes do Governo.
 Porém, o ajuste fiscal não alcançou o objetivo proposto
em função das elevadas taxas de juros para rolar a dívida
pública, principalmente quando das crises do México, de
países asiáticos e da Rússia.
2ª etapa: A URV – o embrião da nova moeda
 Essa segunda etapa foi aplicada a partir do início de
março, e findou com a implantação da nova moeda
Real, em 01 de julho de 1994.
 A URV era um superindexador formado por três outros
índices: o IGP-M (da FVG), o IPCA (do IBGE), e o IPC
(Fipe/SP).
 A escolha desses três índices se deveu ao fato de sua evolução
histórica se aproximar da evolução histórica do câmbio.
 Ou seja, O OBJETIVO ERA AMARRAR A URV AO
DÓLAR, preparando-se desde aquele momento a
“ÂNCORA CAMBIAL” da nova moeda, que se
explicitaria na última fase do Plano.
 Na verdade, a URV foi muito mais do que um
“superindexador”, ele foi o embrião da nova moeda, ou
uma espécie de MOEDA INCOMPLETA, pois, embora
não se constituísse ainda em meio de pagamento e
reserva de valor, cumpriu a função de unidade de
conta.
 A URV também cumpriu o papel crucial de transição
da velha para a nova moeda, retirando o caráter
abrupto dessa passagem – como ocorreu em Planos
anteriores, com a utilização do congelamento – e
transformando-a num processo no qual a nova moeda,
antes de existir como meio de pagamento, já existia
como unidade de conta.
 IDEALMENTE: foi planejado que a passagem de todos
os preços e salários de Cruzeiro Real para URV fosse
feita de forma paulatina, de modo espontâneo e/ou
induzido através da fixação imediata dos preços,
tarifas, e contratos públicos em URV.
 Assim, quando quase toda a economia estivesse
operando com base em URV, esta se transformaria na
nova moeda Real.
 Neste momento, todos os preços relativos estariam
alinhados (eliminando o conflito distributivo e a
inflação inercial), supondo ainda que o ajuste fiscal
estivesse efetivado.
 NA PRÁTICA, o processo ocorreu com algumas
diferenças que, no entanto, não alteraram o resultado
principal esperado, isto é, a queda abrupta da inflação
e a eliminação da inflação inercial.
 Fez-se a passagem compulsória dos salários (sem
abono como no Plano Collor).
 Mas a passagem de todos os preços e contratos do setor
público e privado para a URV não ocorreu com
brevidade.
 Na verdade, os preços só foram para a URV às vésperas
da introdução da nova moeda.
 Ou seja, a passagem não se deu de forma paulatina.
 O resultado desse processo, durante todo o período de
existência da URV, foi uma aceleração dos preços na
moeda até então existente.
 E, no seu período de prevalência da URV, pouco antes
do surgimento da nova moeda, um comportamento
defensivo por parte das empresas – que implicou
preços em URV excessivamente elevados e
desalinhados.
 No entanto, essa circunstância acabou por ser positiva
para o sucesso do Plano, pois, nos três meses seguintes
à introdução da moeda Real, os preços se alinharam, a
partir também de pressões para reduzi-los, e não
apenas para aumentá-los, em razão dos exageros
cometidos na passagem para a URV.
 Ou seja, ao contrário das experiências que fizeram uso
do congelamento de preços e salários, em que o
desalinhamento dos preços relativos na nova moeda
trouxe pressões para aumentá-los, sob pena do
surgimento de desabastecimento.
 A URV tornou desnecessário o congelamento, a pré-
fixação, ou qualquer outro mecanismo coercitivo de
intervenção nas decisões soberanas dos agentes
econômicos....... E O QUE EXPLICA ISSO?????
 O indexador empregado para corrigir a URV estava em queda,
dado o processo de valorização da moeda nacional frente ao
dólar. Vamos entender que elementos sustentaram essa
valorização da moeda nacional.
3ª etapa: a nova moeda – o REAL
 A nova moeda foi introduzida em 1º de julho de 1994 e
se constituiu na transformação da URV em Real,
quando ela valia CR$ 2.750,00, cuja conversão foi feita
na proporção CR$ 2.750,00 = 1 URV = 1 real = 1 dólar.
 Essa etapa trouxe consigo a explicitação da “ÂNCORA
CAMBIAL”, que estava subentendida no período
anterior.
 A taxa de câmbio (como expus acima) foi fixada pelo
Banco Central em US$ 1 = R$ 1, com o apoio e a garantia
das reservas em dólar, acumuladas desde 1993, mas sem
a instituição da conversão do Real em dólar.
 Foi estabelecido que o volume de reais emitidos, deveria ter
correspondência com o volume de dólares depositados no
Banco Central.
 Dada a rápida remonetização, as metas não foram cumpridas,
como aconteceu no Plano Cruzado.
 Houve uma dolarização da economia, sem conversibilidade
(ou seja, adotou-se um regime mais flexível).
 Num primeiro momento houve a compatibilização do
combate à inflação, com crescimento do emprego e da
economia, apoiados nos seguintes pontos: abertura
comercial, abertura financeira, elevadas taxas de juros,
câmbio nominal e real em queda.
 A estratégia só foi possível em função da combinação juros elevados
X intenso fluxo de capital especulativo de curto prazo X alto nível de
reservas internacionais (volume capaz de sustentar 19 meses de
importações).
Reformas de economia e do Estado e as
privatizações
A implementação do Plano de estabilização,
acompanhado das reformas, prometiam consolidação
da estabilização, permitindo a transição para o novo
modelo e a inserção competitiva do Brasil na nova
ordem internacional.
 O Plano Real continha 3 dimensões:
 Plano de estabilização monetária.
 Abertura comercial e financeira.
 Reformas do Estado e do mercado.
 E eu acrescentaria uma quarta dimensão: o projeto
político-partidário-eleitoral de eleição de Fernando
Henrique Cardoso à Presidência.
 As REFORMAS DE ESTADO planejavam executar as
reformas: tributária, administrativa (amplo programa
de terceirização de função nos setores público),
previdência (consolidar o regime de previdência
privada e promover mudanças na previdência pública).
 As REFORMAS DE MERCADO resumiram: quebra dos
monopólios estatais (nas áreas petroquímica,
telecomunicações, energia), estabelecer o tratamento
isonômico entre a empresa nacional e a empresa
estrangeira, desregulamentação das atividades e
mercados considerados estratégicos e/ou de segurança
nacional (como a exploração do subsolo, a navegação
costeira, permitindo ampla atuação do capital
estrangeiro).
 As reformas de ordem econômica foram todas
aprovadas ao longo do primeiro ano do mandato de
Fernando Henrique Cardoso (em 1995), com relativa
facilidade pelo Congresso Nacional.
 Pode-se afirmar, que o controle dos preços, ao dar
estabilidade e apoio políticos ao Governo FHC, foi a
condição fundamental que permitiu o
aprofundamento e a aceleração das privatizações, bem
como a aprovação das reformas liberais.
 E NESSE SENTIDO, SE DEVE RECONHECER QUE ELE NÃO
FOI APENAS UM PLANO SOLITÁRIO DE ESTABILIZAÇÃO
MONETÁRIA.
 As privatizações federais totalizaram US$ 57.964 bi., e
as privatizações estaduais totalizaram US$ 30.346 bi.,
até julho de 1999, rendendo aos cofres públicos US$
88,3 bi.
 Contudo, isso não impediu o crescimento da dívida
pública.
 Em compensação, geraram fortalecimento de
determinados grupos econômicos, desnacionalização
da economia, aumento do grau de concentração,
aumento da dependência externa, aumento da
fragilidade externa.
Referência:

FILGUEIRAS, L. História do Plano Real. São


Paulo: Boitempo, 2006

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