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Texto 12 - Privatização, Abertura e Desindexação: A Primeira Metade dos Anos 90 (1990-

1994) - Lavinia Barros de Castro

A primeira metade dos anos 1990 no Brasil foi marcada por uma grave crise econômica, com
uma inflação mensal superior a 80%. Em 1990, ocorreu a eleição do primeiro presidente pelo
voto direto desde 1961, e Fernando Collor de Mello foi eleito, prometendo combater a corrupção
e implementar mudanças na economia. No entanto, suas reformas enfrentaram dificuldades, e
ele foi destituído do poder em 1992.

Com a posse de Itamar Franco, foram lançadas as bases do Plano Real, que acabou com a alta
inflação no país. O Plano Real se baseou em estratégias de controle da taxa de câmbio e altas
taxas de juros. Antes do Plano Real, o Brasil adotou o modelo de substituição de importações
(MSI), que tinha o Estado como protagonista no desenvolvimento econômico. Esse modelo
apresentou altas taxas de crescimento, mas também deixou sequelas, como distorções nos
incentivos e endividamento do Estado.

Durante o governo Collor, foram implementadas políticas de abertura econômica e privatização,


mas as metas de arrecadação com as privatizações não foram alcançadas devido a várias
dificuldades.

O Plano Collor I, lançado em 1990, visava controlar a inflação e estabilizar a economia. No


entanto, o bloqueio dos ativos monetários gerou falta de confiança no sistema financeiro. O Plano
Collor II, lançado em 1991, propunha corte de despesas e modernização do parque industrial,
mas a inflação não foi efetivamente controlada.

O Plano Real foi concebido em três fases, com o objetivo de ajustar as contas do governo, criar
uma moeda estável denominada Unidade Real de Valor (URV) e estabelecer regras para a nova
moeda (real).

FASE I: O AJUSTE FISCAL


A primeira fase do Plano Real consistiu em dois esforços de ajuste fiscal: o Programa de Ação
Imediata (PAI) e o Fundo Social de Emergência (FSE). O PAI foi lançado em maio de 1993 e
focou na redefinição das relações entre a União, Estados e Bancos Estaduais e Municipais, além
do combate à sonegação. Em fevereiro de 1994, propôs-se a aprovação do FSE, que visava
desvincular algumas receitas do governo federal para flexibilizar os gastos da União
determinados pela Constituição de 1988. O FSE foi considerado emergencial e inicialmente
previsto para vigorar por apenas dois anos, mas foi prorrogado diversas vezes.

O diagnóstico do problema fiscal como causa da inflação no Plano Real foi explicado por Edmar
Bacha. Ele argumentou que, mesmo com um baixo déficit operacional (menos de 1,0% em média
de 1991 a 1993), a alta inflação não deveria ser interpretada como prova da irrelevância do
desajuste fiscal para a inflação. Segundo Bacha, existia um "déficit potencial" não revelado no
Brasil. Isso ocorria porque a demanda por recursos, expressa no orçamento, era muito superior
ao que era efetivamente verificado no final do ano fiscal.

Essa discrepância entre os recursos orçados e o resultado fiscal era ajustada de duas maneiras.
Primeiro, o orçamento subestimava a inflação, o que favorecia a redução do déficit, pois as
receitas públicas estavam indexadas enquanto as despesas eram fixas em termos nominais.
Segundo, o Ministério da Fazenda frequentemente atrasava a liberação das verbas
orçamentárias, reduzindo o valor real dos gastos do governo. Esses dois efeitos combinados
resultavam em um "Efeito Tanzi às avessas" no Brasil.

No entanto, críticas foram feitas ao modelo de Bacha. Argumentou-se que, mesmo com boa
indexação das receitas, inflações elevadas sempre geram prejuízos para a carga tributária. Além
disso, agentes com maior poder de barganha poderiam exigir compensações devido aos atrasos
nos pagamentos do governo, anulando parcialmente os efeitos benéficos do controle nas
despesas. Também foi destacado que, no Brasil, não havia substitutos perfeitos para a moeda,
o que limitava a possibilidade de escapar da necessidade de utilizar a moeda nacional para
pagamentos diários.
Apesar dos esforços do PAI e do FSE, não foi possível garantir o equilíbrio fiscal em 1995, e o
governo foi otimista em relação às reformas estruturais que seriam aprovadas no Congresso nos
anos seguintes. A deterioração no superávit primário ocorreu no primeiro ano após a introdução
do Real, e nos anos seguintes (1996-1998), as despesas com juros contribuíram
significativamente para o aumento do déficit operacional.

A análise das contas fiscais no período pós-lançamento do Real mostra que houve uma piora
nas contas fiscais, contrariando as expectativas iniciais. Isso ocorreu devido a uma série de
fatores, incluindo pressões políticas, aumento dos gastos públicos, compromissos financeiros
assumidos anteriormente e a necessidade de enfrentar crises econômicas, como a crise
financeira asiática em 1997.

A partir de 1999, o governo implementou uma série de medidas de ajuste fiscal para tentar
reverter essa situação. Foi criado o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento
do Sistema Financeiro Nacional (PROER), que tinha como objetivo solucionar a crise financeira
enfrentada pelos bancos estaduais. Também foram realizadas reformas na Previdência Social e
no sistema tributário, buscando aumentar a arrecadação e controlar os gastos públicos.

No entanto, apesar dos esforços, o país enfrentou dificuldades para controlar o déficit fiscal e a
dívida pública continuou a aumentar. A instabilidade política também impactou negativamente a
capacidade do governo de implementar medidas eficazes de ajuste fiscal. É importante ressaltar
que o Plano Real trouxe resultados positivos em relação ao controle da inflação, estabilização
da moeda e melhoria da confiança dos agentes econômicos. No entanto, a questão fiscal e o
controle do déficit foram desafios persistentes ao longo dos anos, e o país enfrentou crises
econômicas subsequentes que exigiram novas medidas de ajuste.

Nos anos seguintes, o Brasil continuou enfrentando desafios relacionados à sustentabilidade


fiscal, com períodos de ajuste e períodos de aumento dos desequilíbrios fiscais. A situação fiscal
do país é influenciada por diversos fatores, incluindo a conjuntura econômica global, as políticas
fiscais adotadas pelo governo, as pressões por gastos públicos e a capacidade de implementar
reformas estruturais.

FASE II: DESINDEXAÇÃO


Durante a implementação do Plano Real, a segunda fase visava eliminar o componente inercial
da inflação. Para alcançar esse objetivo, foi proposta a desindexação da economia de forma
voluntária, utilizando uma espécie de "quase moeda" chamada Unidade Real de Valor (URV). A
estratégia consistia em reduzir o período de reajustes de preços (superindexação) para,
posteriormente, promover a desindexação completa.

A ideia por trás dessa estratégia era combater a inflação alta e institucionalmente enraizada, que
se mantinha persistente ao longo dos anos em alguns países latino-americanos. Acreditava-se
que era mais fácil lidar com hiperinflações, pois elas tendiam a terminar de forma abrupta. Na
hiperinflação, os preços passavam a seguir diariamente os movimentos de outra moeda,
geralmente o dólar, rompendo os vínculos com a inflação passada. Por outro lado, nas inflações
mais moderadas, os preços ainda acompanhavam os movimentos da inflação passada.

A proposta da URV tinha semelhanças com a proposta "Larida", apresentada pelos economistas
Pérsio Arida e André Lara Resende em 1984. A "Larida" propunha a introdução de uma unidade
monetária indexada, como a ORTN, que conviveria com a moeda não indexada por alguns
meses, permitindo que os agentes escolhessem livremente entre as duas. O Plano Real
aprimorou essa proposta, introduzindo mudanças importantes.

Uma das inovações do Plano Real foi a adoção da URV como uma nova unidade de conta em
vez de uma nova moeda. A URV inicialmente recuperava a função de unidade de conta,
enquanto o cruzeiro real continuava como meio de pagamento. Posteriormente, a URV foi
transformada em Real, resgatando sua função de reserva de valor e marcando o fim da inflação.

Outra inovação foi a utilização de um conjunto de três índices de preços para o cálculo diário da
URV, a fim de amenizar os benefícios que um único índice traria a certos setores da economia.
Além disso, estabeleceu-se que os preços finais deveriam ser expressos em cruzeiros,
obrigatoriamente, com a cotação em URVs sendo facultativa. Isso evitava um encurtamento
excessivo do período de reajustes, o que poderia acelerar a inflação.

Foi defendido que, mesmo em um cenário de inflação puramente inercial, uma estratégia de
desindexação só seria bem-sucedida se houvesse um aumento imediato das taxas de juros no
pós-Plano. Isso porque o fim da inflação levaria a uma explosão natural do consumo, que poderia
comprometer a estabilidade se não fosse contida. Diferentemente do Plano Cruzado, no início
do Plano Real, optou-se por aumentar as taxas reais de juros e elevar as taxas de depósitos
compulsórios da economia.

Em relação aos salários, eles foram convertidos pela média dos valores reais dos quatro meses
anteriores, mas com a introdução do pagamento pela URV.

Após a introdução do pagamento pela URV, os salários passaram a ser corrigidos com base no
valor da URV em cada mês. Isso permitiu que os salários acompanhassem a variação dos preços
de forma mais precisa, evitando a perda de poder de compra dos trabalhadores.

Além disso, o Plano Real também buscou incentivar a negociação de contratos salariais de longo
prazo, desvinculados da inflação. A ideia era promover a estabilidade nas relações de trabalho
e reduzir a indexação automática dos salários, contribuindo para a desindexação da economia
como um todo.

No entanto, vale ressaltar que a transição para a nova moeda e a desindexação não foram
processos totalmente suaves e isentos de dificuldades. Houve impactos econômicos e sociais
significativos, com setores da economia se ajustando de forma diferente e alguns segmentos
enfrentando desafios específicos.

Apesar disso, o Plano Real foi amplamente considerado um sucesso na estabilização econômica
do Brasil. Ao controlar a inflação de maneira efetiva, o plano abriu caminho para a retomada do
crescimento econômico, o aumento dos investimentos e a melhoria das condições de vida da
população.

O Plano Real também trouxe consigo uma série de reformas estruturais, como a abertura
comercial, a privatização de empresas estatais e a reforma do sistema financeiro, que
contribuíram para a modernização da economia brasileira.

Em resumo, o objetivo principal da segunda fase do Plano Real era eliminar o componente
inercial da inflação por meio da desindexação da economia. Isso foi alcançado com a introdução
da URV como uma nova unidade de conta, a correção dos salários com base na URV e a
promoção de contratos desindexados. O Plano Real foi considerado bem-sucedido na
estabilização econômica do Brasil e na abertura de um período de crescimento e
desenvolvimento.

FASE III: ÂNCORA NOMINAL

A terceira fase do Plano Real, conhecida como Fase III: Âncora Nominal, foi marcada pela
introdução de medidas econômicas sobrepostas. A Medida Provisória (MP) 542, que deu início
a essa fase, estabeleceu várias medidas, incluindo o lastreamento da oferta monetária em
reservas cambiais na proporção de 1 real por 1 dólar, fixação de limites máximos para o estoque
de base monetária por trimestre e mudanças institucionais no funcionamento do Conselho
Monetário Nacional para buscar uma maior autonomia do Banco Central.

No entanto, logo após a divulgação da MP, surgiram críticas de economistas em relação à


indefinição de certos mecanismos mencionados no documento. O governo estabeleceu o lastro
sem garantir a conversibilidade entre o dólar e o real, o que diminuiu sua credibilidade. Além
disso, havia incerteza em relação à magnitude da remonetização da economia após a redução
da inflação pela URV, o que aumentava o risco de ultrapassar as metas monetárias estabelecidas
pela MP.
Uma das principais críticas à MP foi a introdução simultânea de âncoras monetárias e cambiais
em uma economia com mobilidade de capitais. Poucos dias depois, ficou esclarecido que o real
adotaria uma âncora monetária com metas e que o câmbio seria livre para oscilar para baixo,
mas teria um teto fixo em 1 real = 1 dólar (banda assimétrica).

Além dessas medidas, o Banco Central anunciou um aperto significativo da liquidez, aumentando
os recolhimentos compulsórios sobre depósitos à vista e fixando-os em 20% para depósitos
compulsórios a prazo e de poupança. Esse aperto de liquidez tinha como objetivo conter o
impulso de demanda que ocorreu após a estabilização da economia.

No entanto, ao longo da terceira fase do Plano Real, nenhuma das medidas previstas na MP foi
integralmente mantida. Nem as metas monetárias, nem o lastro, nem as mudanças no Conselho
Monetário Nacional foram mantidos. A política de câmbio livre para baixo durou apenas três
meses, e o Banco Central abandonou a âncora monetária em favor da âncora cambial, sem
compromisso formal com o lastro.

A adoção da âncora cambial tinha como virtudes permitir o estabelecimento de contratos de


longo prazo e exercer pressão sobre os preços no setor de bens comercializáveis. No entanto,
também tinha consequências negativas, como o reforço da absorção interna, perda de
competitividade no comércio exterior, deterioração das contas externas e ciclos na atividade
econômica.

No caso brasileiro, os juros desempenharam um papel importante como segunda âncora para
os preços, e sua elevação foi usada como uma arma contra a inflação. Os juros permaneceram
em patamares elevados ao longo de todo o período do Plano Real e foram voláteis. Além disso,
as contas fiscais no Brasil não seguiram o padrão internacional, pois não acompanharam o ajuste
fiscal necessário para sustentar a estabilidade monetária. O governo enfrentou dificuldades em
controlar os gastos públicos e manter a disciplina fiscal, o que gerou pressões inflacionárias e
desequilíbrios nas contas externas.

Em meio a esses desafios, o Plano Real passou por uma série de ajustes e adaptações ao longo
dos anos. Novas medidas foram implementadas para tentar conter a inflação e estabilizar a
economia. Por exemplo, em 1999, foi criado o regime de câmbio flutuante, abandonando a
âncora cambial fixa de 1 real = 1 dólar. Essa mudança permitiu uma maior flexibilidade cambial
e ajudou a enfrentar os desequilíbrios externos.

Além disso, ao longo dos anos, o Banco Central adotou uma política de metas de inflação, em
que se estabeleceram objetivos para a inflação e foram utilizadas ferramentas como a taxa
básica de juros (Selic) para buscar o controle dos preços. Essa abordagem se tornou uma
característica importante da política monetária brasileira.

Ao longo das diferentes fases do Plano Real, houve avanços significativos na estabilização da
economia brasileira. A inflação, que chegou a patamares extremamente elevados nas décadas
anteriores, foi reduzida para níveis mais baixos e controlados. O país também registrou avanços
no fortalecimento de suas instituições financeiras e na consolidação do sistema bancário.

A EVOLUÇÃO DA ECONOMIA NO PERÍODO 1990-94

No período de 1990 a 1994, a economia brasileira passou por um cenário de crescimento médio
do PIB de 1,3% ao ano. No entanto, ao analisar ano a ano, houve uma grande variação no
desempenho dos setores. Enquanto o setor de serviços permaneceu estagnado, a agricultura e
a indústria apresentaram comportamentos bastante voláteis.

No início do período, o Plano Collor I, que foi implementado em 1990, resultou em uma forte
retração econômica, com uma queda de 4,3% no PIB e uma queda de 8,2% na indústria. Em
1991, o PIB teve um modesto crescimento, mas voltou a cair (-0,5%) em 1992, devido à crise
política instalada no país com o processo de impeachment do presidente. A agropecuária teve
um desempenho positivo em 1992, o que ajudou a amenizar os efeitos negativos na economia.
A retração da indústria no Plano Collor I ocorreu em todas as categorias, mas foi especialmente
forte no setor de bens de capital, que só se recuperou em 1993. O aumento dos juros reais
causou uma contração significativa nas vendas de bens de consumo duráveis, que tiveram uma
queda de 13% em relação ao período anterior.

Já em 1993 e 1994, a economia apresentou taxas expressivas de crescimento: 4,9% e 5,9%,


respectivamente. Esse crescimento foi impulsionado pela recuperação da indústria e pelo bom
desempenho da agropecuária em 1994, o que contribuiu para a queda da inflação. Outros fatores
que contribuíram para o crescimento do PIB nesse período foram a existência de demanda
reprimida, um afrouxamento da política monetária em 1993 e a oportunidade de renovar o parque
industrial devido às novas oportunidades de financiamento decorrentes da estabilização
econômica.

No que diz respeito à inflação, no período de 1990 a 1993, as taxas seguiram um padrão
semelhante às tentativas anteriores de estabilização econômica. Após a introdução de um plano,
a taxa de inflação caía rapidamente, apenas para acelerar novamente posteriormente. O Plano
Collor I conseguiu reduzir significativamente a inflação nos primeiros meses, mas as taxas
voltaram a subir em 1991. Com o Plano Collor II, em janeiro de 1991, a inflação caiu, mas voltou
a acelerar nos meses seguintes. Esse padrão só foi alterado com a introdução do Plano Real.

No que se refere à balança comercial, nos dois primeiros anos do período (1990-1991), houve
uma forte retração nas exportações em relação aos níveis anteriores, mas nos anos seguintes,
as exportações, especialmente de manufaturados, tiveram um comportamento
significativamente expansivo. Enquanto as exportações de produtos básicos aumentaram 26,3%
em relação a 1990, as exportações de manufaturados cresceram 46,8%. As importações
também aumentaram ao longo do período, impulsionadas pela abertura comercial e pelo
crescimento econômico. Em 1994, as importações estavam 60% acima do nível de 1990.

Os fluxos de capital para o Brasil passaram por mudanças significativas nesse período. Os
investimentos diretos estrangeiros aumentaram após atingirem um ponto baixo no final de 1991,
chegando a US$1,5 bilhão em 1994. Os investimentos em carteira também foram beneficiados
pelo ambiente de estabilização econômica e pelos altos juros domésticos.

No que diz respeito às contas públicas, houve uma melhora significativa no resultado primário
com o Plano Collor I, mas a crise política de 1992 interrompeu essa trajetória de melhora gradual.
No entanto, os esforços realizados para combater a sonegação e a desvinculação de receitas do
Fundo Social de Emergência permitiram uma melhora do resultado primário em 1994. No
entanto, essa melhora foi praticamente revertida em 1995.

CONCLUSÕES

O período de 1990-1994 foi marcado pelo início do processo de privatização e abertura


econômica no Brasil. No entanto, essas mudanças ocorreram de forma mais lenta em
comparação com outros países da América Latina. A década anterior foi marcada por uma luta
pela estabilização econômica sem sucesso, e o modelo de crescimento brasileiro baseado na
substituição de importações havia se esgotado.

Do ponto de vista político, o período foi conturbado, culminando na renúncia do presidente eleito
Fernando Collor após 30 anos sem votações diretas. A democracia brasileira mostrou relativa
maturidade ao lidar com essa situação, permitindo a posse do vice-presidente sem interrupção
dos rituais democráticos.

Os dois planos implementados no governo Collor, assim como os da década anterior, falharam
em alcançar uma estabilidade duradoura de preços. O Plano Collor I tinha um grave erro de
concepção, e o Plano Collor II foi pouco representativo devido aos acontecimentos políticos que
o atropelaram. A estabilização só veio com o Plano Real, que adotou uma estratégia dividida em
três fases: ajuste fiscal, desindexação e âncora nominal.

O Plano Real possuía algumas originalidades em sua concepção. Diferentemente das


experiências anteriores, que enfatizavam o componente inercial da inflação, o Plano Real
defendia que o gasto público excessivo era o principal responsável pela inflação. No entanto, no
caso brasileiro, considerava-se que a inflação beneficiava o governo de forma inadequada,
tornando necessário um ajuste prévio. No entanto, na prática, a estabilização ocorreu mesmo
com a piora das contas públicas.

Uma das originalidades do Plano Real foi a estratégia da Unidade Real de Valor (URV) para lidar
com o componente inercial da inflação. Essa estratégia permitiu um período de alinhamento dos
preços, evitando os desajustes provocados pelo congelamento de preços.

Na terceira fase do Plano Real, não houve originalidades. O Brasil seguiu o caminho de outros
países que adotaram âncora cambial. Os altos juros e o câmbio apreciado foram armas
fundamentais para consolidar a estabilidade durante todo o período de 1995 a 1998.

Vários fatores contribuíram para o sucesso do Plano Real. As condições externas eram
favoráveis, com abundância de liquidez internacional e um alto nível de reservas. Além disso, a
economia brasileira se tornou mais aberta durante a década de 1990. O apoio político do
Congresso e a perspectiva de continuidade com o presidente Fernando Henrique Cardoso
também foram importantes. Os elevados juros e o câmbio apreciado foram ferramentas
essenciais para a estabilidade, embora tenham tido consequências profundas na dinâmica da
dívida pública e no crescimento econômico.

Comparando com outras economias latino-americanas que também se estabilizaram na década


de 1990, o Plano Real se destaca pelo desafio de desmontar um sistema de indexação
sofisticado que estava presente no Brasil. Enquanto outras economias já eram formal ou
informalmente dolarizadas, o Brasil conseguiu preservar as funções de sua moeda, mesmo com
a estabilização. O uso do câmbio como âncora cambial permitiu mais flexibilidade na política
monetária e fiscal para combater a inflação.

TEXTO 13 - BACHA

O plano real, apesar da falta de apoio do FMI e de um governo fraco, obteve sucesso em acabar
com a inflação e usando um programa de reforma monetária genuinamente brasileiro. Tanto que
seu planejador, Fernando Henrique Cardoso, foi eleito presidente em 1994.

O CONTEXTO ECONÔMICO E POLÍTICO DE 1993

Quando FHC tomou posse como ministro da fazenda em 1993, a inflação brasileira estava em
torno de 25% ao mês e desacelerando lentamente. Apesar disso, a atitude da elite era de
incredulidade quanto à possibilidade de implementação de um política anti-inflacionária efetiva
durante o governo de Itamar Franco.

FHC e sua equipe decidiram adotar uma política conservadora: Programa de Ação Imediata. Sua
ênfase era no ajuste das contas do setor público, cujos desequilíbrios eram identificados como
causa fundamental da inflação. O argumento era de um “Olivera-Tanzi às avessas”: os impostos
eram protegidos contra a inflação, mas as despesas eram em termos nominais, então a inflação
ajudava a financiar as despesas do governo. Dessa forma, pensava-se que antes o governo
deveria demonstrar comprometimento eliminando as despesas em excesso que eram
financiadas pela inflação.
As metas do programa eram: Cortes no orçamento para 1993, Renegociação da dívida de
estados/municípios com a federação, Reorganização da relação entre Bacen e Tesouro, e
Renegociação da dívida externa do governo.

O problema que se dava era que o Programa focava em controlar o déficit operacional (que inclui
os pagamentos dos juros reais da dívida) e não o déficit nominal (que inclui os pagamentos dos
juros nominais sobre a dívida). Dessa forma, é capaz do déficit operacional estar equilibrado
enquanto o nominal está muito alto.
Em 1993 a inflação era de 2490%, apesar do orçamento operacional dar um superávit de 0,25%,
o déficit nominal foi de 58,4% do PIB. Assim, mesmo com um bom orçamento operacional,
enquanto a inflação mantinha o déficit nominal alto, a oferta monetária no sentido amplo
continuaria expandindo e alimentando a inflação. -> a oferta monetária no sentido amplo inclui a
dívida pública interna.

Se a inflação acabasse, o déficit nominal seria igual ao déficit operacional. Dessa forma, o
problema era uma questão monetária. Das estratégias possíveis> congelar preços e salários;
fixar câmbio, tarifas públicas e preços de oligopólio; ou uma reforma monetária, optaram pela
reforma monetária em 1993.

Esse plano teve suas bases no plano LARIDA (de Lara Resende e Arida). A ideia era criar
temporariamente um sistema bimonetário, em que a nova moeda teria paridade fixa com o dólar,
sendo permitida a conversão voluntária de salários e preços contratuais para a nova moeda,
desde que fossem abolidas as cláusulas de indexação. E quando essa conversão se
completasse, a moeda velha deixaria de existir.

Mas o que foi implementado foi um pouco diferente. Foi optado por um procedimento em dois
estágios de substituição da velha moeda (o cruzeiro real) por um nova (inicialmente unidade real
de valor). Para depois se tornar meio de pagamento.
Assim, o primeiro passo foi criar a URV (unidade real de valor) como unidade de conta. A URV
teria paridade 1 URV = 1 US$, e o valor com o Cruzeiro Real seria reajustado diariamente pelo
Bacen.
Segundo, todos os contratos e salários em cruzeiro seriam convertidos para URVs. Depois que
todos terem sido convertidos, a URV passaria a ser emitida como Real, mantida a paridade com
o dólar.

O motivo de não dolarizar a moeda de imediato era que os contratos não mantinham valores em
dólar e possuíam diferentes cláusulas de indexação. Além disso, contratos em dólar eram
proibidos.

Outra novidade do programa foi fazer com uma emenda constitucional permitisse o equilíbrio do
orçamento fiscal e também estabelecer que todos os passos da reforma seriam previamente
anunciados desde o início. Assim, esperava-se conseguir a confiança da população.

O LANÇAMENTO DO PLANO REAL EM 1994

1º Estágio: equilibrar o orçamento fiscal operacional por meio de cortes no orçamento de 1994.
Para isso foi aprovado pelo Congresso a emenda Fundo Social de Emergência, permitindo os
cortes de 20%. O Fundo era um instrumento temporário e medidas permanentes seriam
necessárias que entrassem em vigor (que o Congresso não conseguiu votar).

Como dito, o orçamento dependia da inflação. Ele era aprovado com um grande déficit que era
preenchido pelo efeito Oliveira-Tanzi ao contrário e pelo imposto inflacionário.

2º Estágio: introduzir em 1º de março de 1994 a URV com paridade um para um com o dólar.
Salvo exceções, requereu-se que todos os contratos fossem denominados para essa nova
unidade (incluindo salários).

(Caso a aprovação fosse voluntária como no plano Larida, os salários poderiam ser fontes de
problema, porque assim os funcionários iriam converter para URV após a correção pela inflação
quando seus salários estivessem no pico. Para resolver isso, eles foram convertidos para a
média real do quadrimestre anterior.)
Após convertidos, as cláusulas de indexação de curto prazo e reajustes contratuais não poderiam
mais ocorrer em até um ano. A finalidade dessa segunda fase era alinhar os preços relativos
mais importantes da economia e eliminar a indexação. Dada a diferença de tempo de reajuste
de contratos, caso a inflação acabasse repentinamente, alguns preços seriam surpreendidos no
seu pico e outros em seu vale. Dessa forma, pressões inflacionárias poderiam voltar a acontecer.
Era preciso sincronia.

3º Estágio: Em 1º de julho de 1994, após um período de quatro meses de conversão, o Bacen


começou a emitir a URV como a nova moeda, denominada Real, com paridade 1 para 1 com o
dólar.

A política cambial era de banda assimétrica, ou seja, a paridade poderia ficar abaixo de 1 mas
nunca superior.

O governo fixou a taxa de 2.750 CR$ = 1 R$ em 30 de junho de 94. Assim completava-se a


reforma monetária que foi o Plano Real.

PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA REFORMA MONETÁRIA

1. desindexação de preços e salários antes da indexação plena.


2. reforma monetária pré anunciada e sem congelamento de preços.
3. estabilização sem confisco de ativos financeiros
4. política cambial e monetária flexíveis
5. estabilização em uma economia em expansão

1- Desindexação precedida de indexação plena

O aspecto mais polêmico do programa foi a sua segunda fase, onde foi introduzido a unidade de
conta estável, a URV. O seu propósito foi alinhar preços relativos por meio de uma plena
indexação, o que soa um tanto paradoxal.

O que explica esse paradoxo é como ocorreu a conversão. Considerando em específico os


salários. A aceleração da indexação, por exemplo, reduzindo o período de ajuste (digamos, de 4
para 2 meses), tende a acelerar a inflação caso o ponto de partida for o pico do seu valor. Isso
ocorre porque a inflação, ou seja, os outros preços precisam aumentar para que o salário,
reajustado de volta para o pico, retorne para a média anterior. Mas, se os salários forem
convertidos primeiro para a média e só então indexados, a inflação não precisa mais acelerar
para reduzi-los ao seu equilíbrio.

O plano LARIDA esperava por uma conversão voluntária, porém isso dificilmente aconteceria,
tanto que eles foram forçados a isso pelo dispositivo legal da URV. Talvez isso pudesse ocorrer
caso o programa gozasse de total credibilidade. Mas visto o fracasso das tentativas de
estabilização anteriores, seria um enorme salto de fé por parte dos agentes econômicos.

Resumindo, dado que os salários já haviam sido convertidos pela média, a sua redução pela
inflação não era mais necessária.

A moeda em seu sentido restrito (papel moeda em poder do público e depósitos à vista) não
foram convertidos para URV, pois esse era o estágio final da reforma e seus substitutos já haviam
sido cotados com a URV (como fundos financeiros). Além disso, o Banco Central garantia aos
bancos comerciais suas necessidades de liquidez no mercado de reservas bancárias. Assim, o
crescimento da base monetária dependia totalmente pela demanda por moeda. Dessa forma,
com a introdução da URV, o nível de preços ficou virtualmente sem âncoras (como salário,
câmbio ou oferta de moeda) e, portanto, tornou-se suscetível a uma eventual aceleração
inflacionária causada por expectativas adversas ou choques de oferta.

Esse era um dilema para o governo. Ao mesmo tempo que aperfeiçoar o sistema de indexação
era necessário para liberar a economia da inércia transformando a URV em indexador universal,
que depois se tornaria o real não indexado. Por outro lado, a economia fica suscetível a choques
de oferta e expectativas adversas.

Dessa forma, algumas discussões foram levantadas. Primeiro, a URV era desenhada de acordo
com a inflação passada e não corrente. Isso aconteceu primeiro porque os cálculos dos índices
de preço precisavam de um tempo para serem feitos, e também a equipe econômica queria usar
preços observados, tornando-os objetivos e menos sujeitos às especulações do governo.
Segundo, a conversão de contratos financeiros foi gradual. O objetivo era evitar uma fuga da
moeda doméstica. Terceiro, os preços de bens e serviços para pagamentos à vista não podiam
ser expressos em URV, porém no terceiro mês essa restrição foi suspensa. Quarto, preços e
tarifas públicas foram convertidos gradualmente, mantendo-se os preços médios.

A última decisão era em relação ao período de vigência da URV. Alguns economistas


argumentam que deveria durar dois meses, outros que deveria durar até o próximo governo. Mas
um período de 4 meses foi adotado. Porém esse tempo talvez não tenha sido suficiente para
converter aluguéis, mensalidades escolares e planos de saúde, o que deixou um resíduo de
inflação para o real. Mas nesse caso o problema foi de natureza política, derivado de pressões
políticas no governo contra as regras de conversão. A solução foi alcançada apenas no final da
URV, o que deixou um impacto para o real que deveria ter sido absorvido pelo cruzeiro.

Na prática, a URV não levou a uma aceleração apreciável da inflação em cruzeiros, exceto nos
últimos dias que precederam a introdução do real, devido a uma reação das expectativas de
mudança de regime. O Ministério da Fazenda comprometeu-se a não congelar os preços, mas
levando em conta que no passado o mesmo foi prometido e descumprido, é possível que os
agentes não tenham acreditado.

2. Estabilização súbita sem congelamento de preços

As negociações entre as partes privadas quanto aos termos da conversão de seus contratos em
URV foram, em muitos casos, bastante difíceis, tendo em vista a dificuldade de distribuir as
perdas e os ganhos inflacionários implícitos nos contratos anteriores.

Precisou de negociações especiais em alguns casos. Setores de planos de saúde,


medicamentos, alimentos, produtos de higiene e limpeza precisaram desse tratamento. O próprio
Ministério da Fazenda criou um fórum informal de negociação e se ofereceu como árbitro para
estabelecer acordos. Essa característica ficou conhecida como “dallarização”, trocadilho com o
nome do principal negociador do governo, Milton Dallari. Esses acordos envolviam,
frequentemente, o compromisso de manter constantes por um tempo os preços estabelecidos
em URV.

O principal objetivo da URV era de alinhar preços e salário e por fim à indexação sem a
necessidade de congelar preços. A indexação foi extinta porque a própria URV era um índice de
preços e, mesmo que não refletisse a inflação momentânea, permitia um regime de indexação
diária de salários, ajudando a convencer sindicatos a aceitar a conversão dos salários para a
média.
Era preciso de negociação dentro do governo também. Para garantir que a URV fosse aprovada
no Congresso, pois ela havia sido criada por uma medida provisória, dois mecanismos de
proteção salarial foram incluídos. O primeiro permitia um aumento salarial caso ficasse
comprovado que nos quatro meses de URV a soma dos salários convertidos fosse inferior ao
que a lei salarial anterior daria. E o segundo introduziu um índice de preços oficiais para medir a
inflação. O acordo foi de que no primeiro ano, os salários receberiam ajuste pleno de acordo com
a evolução desse índice oficial, criando uma leve indexação. Infelizmente esse índice, devido ao
aumento de preços de aluguéis e outros, registrou 12% acumulado nos dois primeiros meses,
gerando uma pressão salarial que contribuiu para a apreciação da moeda.

Assim, com negociações entre partes políticas e empresariais, o plano real obteve sucesso em
desindexar a economia sem o congelamento de preços.

3. Estabilização sem confisco de ativos financeiros

Relembrando o problema.
Quando o real foi introduzido, a base monetária correspondia a 0,6% do PIB. O M1 (papel moeda
em poder do público e depósitos à vista) correspondia a 1,1%. Mas a dívida chegava a 6,8% do
PIB. A moeda relevante era carregada sob a forma de fundos de curto prazo, sobre os quais se
podiam passar cheques e tais fundos eram lastreados em títulos do Banco Central, que estava
preparado para prover liquidez imediata para a totalidade da dívida. Os brasileiros de alta renda
continuavam a reter depósitos em moeda doméstica, protegida contra a inflação, mas as
pequenas contas não tinham essa proteção, assim o imposto inflacionário era pago
majoritariamente pelos mais pobres.

Dessa forma, um aumento dos preços imediatamente aumentavam o estoque de moeda em seu
conceito amplo. E se, nesse nível mais elevado houvesse demanda adicional por moeda em seu
conceito restrito (m1), ela seria automaticamente fornecida sob a forma de reservas bancárias
adicionais.

Dessa forma, vários autores acreditavam que o Brasil teria de lidar com o problema de “liquidez
excessiva” para implementar a estabilização. A moeda doméstica somente continuaria a ser
retida pelo público com taxas nominais de juros elevadas, o que significa que o déficit normal
ficaria elevado. Caso contrário, a queda da inflação resultaria de um aumento da demanda e por
consequência, da oferta de moeda.

O Plano Real optou por outra via. Inicialmente estabeleceram o consenso da necessidade de
zerar o déficit operacional como precondição da estabilização. Depois comprometeram-se com
um processo de conversão monetária por passos, respeitando contratos exigentes, de forma
transparente e gradual, conquistando a confiança do público.

Essa estratégia foi possível graças ao grande volume de reservas internacionais que serviam de
proteção da nova moeda. E da taxa de juros do overnight, que o Banco Central fixou de 50% ao
mês no último dia do cruzeiro para 8% no primeiro dia do real. E essa taxa de juros continuou a
diminuir nos primeiros meses, sempre o suficiente para manter os depósitos e não induzir uma
corrida ao consumo.

4. Estabilização com política cambial e monetária flexíveis

O governo estava comprometido em não deixar que o câmbio superasse o limite de 1 para 1 com
o dólar. As taxas de juros internas foram mantidas altas suficientes para evitar a depreciação do
real frente ao dólar e restrições à entrada de capital estrangeiro de curto prazo foram
implementadas, para evitar a valorização excessiva do real. Na prática o real operou em um
regime de bandas cambiais, com as autoridades mantendo a taxa de câmbio do dólar próxima
de um limite e usando o controle de fluxo de capitais para perseguir uma política monetária
independente.

Por parte da política monetária, ela continuou a ser praticada como antes, com juros adequados
para manter a demanda por bens e serviços sob controle.

5. Estabilização sem recessão

Ocorreu uma significativa aceleração da atividade econômica a partir de 1º de julho de 1994.


Várias razões explicam isso.

➢ o Plano Real eliminou abruptamente a coleta de um imposto inflacionário de 2% a 3%


do PIB que antes era pago pela população de baixa renda. Com o fim da inflação, a
corrosão diária dos salários deixou de existir, aumentando o poder de compra.
➢ com a inflação baixa, a aquisição de ativos reais tornou-se mais atraente, porque seus
preços ficaram menos voláteis, causando, assim, um aumento na demanda por bens de
consumo duráveis.
➢ a inflação aumentava a incerteza da renda, que induzia a poupança. Isso tornou-se
desnecessário, aumentando o consumo.
➢ a incerteza quanto à capacidade do governo de sustentar a estabilidade pode ter levado
a uma antecipação de despesas e investimento.
➢ a renda real melhorou a avaliação de crédito, induzindo a concessão de crédito.

O governo tentou reagir ao surto de demanda apertando o crédito e impondo barreiras à


importação, mas no final de 1994 o superaquecimento tornou-se um desafio para o Plano Real.
Desequilíbrio econômico: 1995

A inflação caiu de 45% ao mês na metade de 1994 para 1% a 2% ao mês no final do ano. Porém,
a despeito desse sucesso, era claro que um desequilíbrio estava no horizonte.

Um dos principais problemas era a discrepância dos salários nominais e a apreciação cambial,
o que resultava em uma forte valorização do câmbio em termos reais.

Os salários eram convertidos de acordo com o salário médio no dia em que eram pagos, e não
no dia em que eram gastos. Dessa forma, foi gerado um poder de compra igual ao imposto
inflacionário que erodia os salários do dia em que eles eram pagos até o dia em que eram gastos.
E junto a isso, com o fim da volatilidade dos preços, o acesso ao crédito ficou mais fácil.

O IPCr, índice de preços que era usado para ajustar os salários foi, nos primeiros meses do real,
de 23%. Porém essa variação foi devido a uma defasagem no registro da inflação em cruzeiro
de junho, acompanhado do aumento dos preços dos aluguéis. Portanto, não era uma medida de
inflação genuína. Porém, quando foi incorporada aos salários, provocou uma elevação real dos
custos de produção, o que acentuou a dificuldade de manter o congelamento dos preços e tarifas
públicas.

E enquanto isso, o juros domésticos, devido a política monetária restritiva resultou em uma
apreciação em relação ao dólar. E em 1994, essa apreciação cambial foi potencializada pela
abertura comercial no final de 1994.

Assim, com a apreciação cambial e o aumento do poder de compra dos salários, a expansão da
demanda voltou-se para as importações. Ocorreu assim duas consequências. Um elevado grau
de utilização da indústria e uma rápida deterioração da balança comercial. A combinação de
pressões de custo e de demanda eram suficientes para provocar o aumento da inflação.

Assim, nesse contexto de desequilíbrio de demanda e oferta que o Brasil foi golpeado pelo “efeito
tequila” (moratória do méxico) que levou à fuga de capitais e a redução das reservas
internacionais.

Ajustamento e suas consequências: 1995/1996

Entre março e junho de 1995, o novo governo reagiu a essas tendências de desequilíbrio. A taxa
de juros básica foi aumentada e restrições foram impostas ao crédito. Em março de 1995 o
governo promoveu uma desvalorização de 5% do real em relação ao dólar e substituiu o sistema
de banda assimétrica por uma banda flutuante e elevou as tarifas de importação para automóveis
e eletrodomésticos. Em junho de 1995, o governo aboliu o IPCr e a indexação salarial, instituindo
um regime de livre negociação.

A partir da segunda metade de 1995, observou-se uma reversão dos movimentos adversos na
cona de capitais, elevando as reservas de 10 bilhões para 59 bilhões de dólares no fim de 1995.
Porém o aperto do crédito afeto0075negativamente a atividade econômica, a fragilidade
financeira e o déficit do governo. A atividade econômica foi paralisada e declinou no segundo e
terceiro trimestre do ano. E a recuperação no fim de 1996 foi devido ao relaxamento das
restrições de crédito. Os juros elevados aumentaram o custo financeiro das firmas que haviam
se endividado.
Além do mais, a apreciação do real e a liberação comercial trouxeram dificuldades para as firmas
nacionais que competiam com as importações, aumentando a inadimplência e falências. O
sistema bancário, acostumado com as receitas provenientes do imposto inflacionário, viu sua
situação se amargar com o fim deste.
A fragilidade foi tal que o Banco Central teve que intervir para evitar corrida bancária. Além disso,
decisões foram tomadas para se instituir o Proer, que visava criar diretrizes para a recuperação
e proteção de bancos com o fim de evitar a falência do sistema financeiro.
E a elevação dos juros impactou o déficit público, que aumentou e levou a interrupção da queda
da dívida em proporção do PIB que vinha ocorrendo desde o início da década.

TEXTO 14 -Política econômica do segundo governo FHC: mudança em condições


adversas – OLIVEIRA E TUROLLA

Estabilização com desequilíbrio: a “herança de FHC para FHC” (1994-1998)

Após diversos planos e governos que tentaram contornar a inflação, o plano real de
1994 foi o primeiro plano de estabilização a ter sucesso. O elemento chave para isso foi a criação
do URV, que permitiu não só o rompimento com a inflação inercial como também possibilitou a
desindexação das múltiplas taxas de câmbio, preços e salários, além de assegurar agentes de
que não haveria a mesma quantidade de rompimentos de contratos. 1Outro fator principal foi a
ancoragem de natureza tanto nominal (com a restrição sobre a restrição de moedas 2 quanto
cambial (ancorar preços domésticos em preços internacionais), que levou a uma valorização da

1
Além da indexação múltipla, um problema dos planos anteriores eram os diferentes prazos de
reajuste, que às vezes aconteciam no pico ou no vale da oscilação dos preços, o que
aumentava a defasagem dos preços ainda mais.
2
Que, ao mesmo tempo em que reduziu a inflação, também levou vários bancos comerciais,
que usavam da senhoriagem em anos de alta inflação, à falência.
taxa de câmbio anteriormente desvalorizada 3 e instável, agora apreciada e estável num regime
cambial semifixo.

Contudo, o regime do novo plano limita a atuação em políticas monetárias, uma vez que
a contração é obrigatória para manter a paridade e evitar a saída de divisas (que dificultaria a
defesa das bandas cambiais), sobretudo com choques externos, como as crises mexicana,
asiática e russa. Para lidar com a rolagem da dívida pública, os dividendos foram migrados para
títulos pós-fixados. Outro problema da contração em um cenário de altos juros, além da
vulnerabilidade perante o mercado de capitais, foi a instabilidade do quadro fiscal causado pela
despesa dos juros sobre títulos e o déficit primário. Foram propostas medidas para reduzir o
déficit previdenciário e ações patrimoniais como privatização e reconhecimento de passivos
contingentes como o Plano de Estabilidade Fiscal4, mas sem muito sucesso em controlar as
dívidas no primeiro momento.

A dívida pública e os passivos externos comporam o desequilíbrio e o controle da


inflação foi a estabilidade, essas foram a herança de FHC para FHC, que restringiram sua janela
para manejos políticos no segundo mandato.

O Tripé Macroeconômico (1999)

Para lidar com sua “herança” e compromissos de desempenho com o FMI em 1998,
promoveu-se uma mudança em três regimes:
● Cambial: câmbio semifixo substituído por flutuação suja, com atuação do BC que vende
reservas e títulos indexados à inflação pontualmente;
● Monetário: as bandas cambiais foram trocadas por metas inflacionárias;
● Fiscal: agora comprometido a manter uma proporção estável entre dívida pública e PIB
através de um superávit primário.
O regime cambial

O problema da ancoragem cambial no caso brasileiro foi sua duração excessiva, o que
causou deterioração no saldo em transações reais, saindo de um superávit de 4,8 bilhões para
um déficit de 19,7 bilhões, com crescimento de 105% nas importações e apenas 32% nas
exportações. Contudo, o período de câmbio administrado teve muito da sua dívida externa
originada na dívida e capital produtivo estrangeiros, para isso, era necessário a recomposição
das reservas internacionais. Ou seja, de um lado há o preço mais caro da mercadoria brasileira
no mercado internacional e do outro despesas em contas correntes, ambos pesos que
impossibilitaram o equilíbrio da balança comercial.

A flutuação suja teve a vantagem de diminuir a quantidade de remessas de renda no


exterior e maior competitividade das exportações brasileiras, o que permitiu a reversão do déficit
em conta corrente para pequenos superávits em 2003 a partir da estabilidade no saldo de rendas
e a combinação do aumento de exportações e redução de importações com os novos preços
relacionados a bens e serviços não-fatores.

O regime monetário

3
Possível graças à grande liquidez internacional no mercado de capitais, que permitiu o
financiamento dos déficits crescentes em conta corrente pela redução das alíquotas de
importação.
4
Para Giambiagi, o plano foi origem da recuperação da confiança após desvalorização cambial
1999
Existiam incertezas com o relaxamento da âncora cambial em 1999 relativos ao novo
câmbio de equilíbrio e o quanto isso afetaria o nível de preços da economia, mas a confiança
sobre as expectativas inflacionárias foi retomada devido a estabilidade de preços relativos da
indexação única a quatro anos e meio, aumento da oferta exportável de uma safra agrícola
auspiciosa, aumento de abertura econômica trouxe ganhos de eficiência e a rápida
recomposição econômica após a crise com o Plano de Estabilidade Fiscal.

Enquanto a política monetária era restrita pelo câmbio administrado semifixo, agora
possui graus de liberdade e as expectativas de inflação deixaram de ser os múltiplos índices de
IPC calculados pela FGV e IBGE somado a projeções e opiniões de consultorias, instituições
financeiras, empresários e consumidores, passando a ser o regime de metas de inflação medidas
pelo ipca e definidas pelo Conselho Monetário Nacional. A mudança de um regime monetário
subordinado a âncora cambial para um de meta de inflação resultou em taxas de juros primários
mais baixos e menos voláteis.5

O regime Fiscal

No primeiro mandato, o foco na área fiscal são as ações de alcance estrutural, mas as
propostas sucumbiram à resistência legislativa e política sobre as emendas constitucionais: a
reforma da previdência e reforma administrativa, englobando o refinanciamento de dívidas
subnacionais junto a União, ajuste patrimonial através de privatizações e reconhecimento de
passivos contingentes (ou esqueletos). Esses acordos de transferência de dívidas estaduais e
municipais para federais vieram acompanhados de compromissos de pagamentos que elevaram
o déficit primário, também por causa da crise asiática de 1997 somada aos altos juros primários
para manter o câmbio fixo em vigor, assim iniciava-se um ciclo vicioso onde o déficit diminui a
confiança, que aumentava prêmio de risco, que aumentava juros primários, que voltava a
aumentar o déficit fiscal.
O segundo mandato sofreu grandes mudanças no âmbito fiscal (algumas no final do
primeiro mandato, mas com menos alcance e, por consequência, menos efeito) agora o superávit
primário passa a ser uma prioridade, tendo sua meta estabelecida pelo Programa de
Estabilização Fiscal. Também, a recuperação de confiança levou a juros primários mais baixos
e a despesa financeira e, consequentemente, o déficit total apresentaram declínio a partir de
2001. Mas também vale ressaltar que:
● Atingir a meta de superávit primário estipulada pelo Programa de Estabilização Fiscal se
deu pelo aumento de receita e não pela redução nos custos, o aumento de carga
tributária foi simultânea à dificuldade de aprovar reformas estruturais para conter
despesas, a dívida migrou dos financiamentos externos para custeio;
● Os esforços de reforma estrutural continuaram,especialmente a reforma tributária e o
aperfeiçoamento do marco regulatório. Foi introduzida a Lei de Responsabilidade Fiscal
ao arcabouço institucional e aprovado o Fator Previdenciário do INSS e uma parte da
Reforma Administrativa;
● Gastos sociais se mantiveram no nível mais elevado atingido no primeiro mandato.

A efetividade da política econômica no segundo mandato


Limitações: ambiente financeiro e herança dos desequilíbrios

O mercado de financeiro estava abalado no início do segundo mandato: fuga de capitais


desde a crise asiática, o estado de MG declarou não pagar um bônus vincendo e a diretoria do
Banco Central pediu demissão, assim volta a se falar na inflação brasileira com a depreciação

5
Por outro lado, permitir que a taxa de câmbio absorva os choques externos a tornou mais
volátil.
da moeda apesar de um câmbio estável e aumento de preço dos tradables67. Mas a recuperação
rápida após 1999 mostrou o contrário: não houve descompromisso com a rolagem da dívida
pública, a inflação se manteve na casa de um dígito, o PIB não apresentou queda em termos
reais, o câmbio flutuou em torno de R$1,80/US$ e a taxa selic se encontrou como a mais baixa
da história no dia 15 de março de 2001.

Contudo, no mesmo ano o cenário muda bruscamente, a crise de oferta de energia


elétrica, crise da Argentina, escândalos contábeis estadunidenses além do atentado às torres
gêmeas e a desaceleração da economia norte-americana depreciaram o câmbio e houve
retração dos investimentos produtivos, somado a incertezas externas devido a proximidade das
eleições. O efeito limitador representado pela instabilidade financeira durante o segundo
mandato foi amplificado pelos desequilíbrios herdados do primeiro.

A redução da vulnerabilidade externa e interna

Houve duas mudanças significativas: houve a correção da distorção da apreciação


cambial que permitiu a expansão do setor exportador; em segundo, melhorou a qualidade do
financiamento dos déficits remanescentes devido a transações reais e rendas. A relação entre
dívida externa e exportações caiu em 25,6% de 1998 a 2002, e o investimento direto passou a
ganhar mais espaço na dívida externa em relação a empréstimos e títulos e investimentos de
portfólio, evidenciando a solvência do setor público e do setor externo.
O desafio do investimento e do crescimento

A renda per capita aumentou 1,2% no primeiro mandato e 0,8% no segundo, melhor que
a redução de 0,4% no governo de Itamar Franco e Collor, e a variação do PIB também foi superior
ao restante dos países latino americanos em 0,21%, a tríplice mudança de regime contribuiu
para a criação de um novo ciclo de crescimento, Turolla e Oliveira afirmam a essencialidade da
recuperação produtiva através de um novo ciclo de investimentos, evidenciados pela quantidade
de consumo de máquinas (tido como proxy de investimento agregado) a partir do Plano Real até
a crise de 1999 e a Formação Bruta de Capital Fixo, e retornou a patamares do início do Plano
Real em 2003 após a crise da desvalorização (1999), choques de 2001 e a tensão eleitoral
(2002).
Para os autores, se fossem adotadas medidas adicionais no sentido de incentivar o
investimento, sobretudo o investimento voltado para o setor exportador e nos segmentos de infra-
estrutura, seria possível conceber um ciclo de crescimento no período subseqüente.

TEXTO 15 - Desenvolvimento e equidade – DEDECCA, TROVÃO E SOUZA

Entre 1945 e 1980, o Brasil teve altos índices de crescimento, mas isso não se traduziu
numa distribuição de renda mais equalitária, o que resultou em extensa pobreza e diversos outros
problemas sociais. Entre 1980 e 1990, iniciando com o triênio recessivo, a estagnação
econômica se tornou uma realidade, o que piorou ainda mais a situação. Em 1994, a inflação
finalmente estabilizou com o plano real e retomou-se controle sobre as finanças públicas.

O Cenário Macroeconômico Brasileiro na Década de 2000

6
O mercado internacional ainda não havia se estabilizado em relação a nova moeda, é comum
um certo overshooting até a moeda encontrar seu valor de estabilização no médio prazo.
7
Depreciação de moeda nacional não necessariamente significa inflação proporcional, o
coeficiente de transmissão pode ser tão baixo quanto 17%, de acordo com Oliveira, como
aconteceu na Coreia.
Aqui inicia-se a comparação do desenvolvimento de 1960 a 1980 com o período de 2004,
quando o crescimento econômico acompanha a redução na desigualdade, diferentemente do
período chamado milagre econômico8, mostrando que é possível dividir o bolo enquanto ele
cresce. A desigualdade de renda diminui no curto prazo, primeiramente, por causa das políticas
públicas de renda e os novos postos de trabalho associados à reativação da economia, e depois,
com o aumento do investimento público e privado; as políticas incluem aumento de salário
mínimo e de transferência de renda somadas ao aumento do emprego formal de trabalho,
também, o problema fiscal do plano real foi melhorado com combate à evasão fiscal, o que
aumentou a capacidade do governo de investir, tanto em infraestrutura quanto sociais.
No cenário macroeconômico, observa-se também grande influxo de investimentos
externos, que levou a um saldo positivo nas contas capital e financeira, e uma redução no déficit
em transações correntes, aliviando a crise cambial de 1999, essa tendência persistiu entre 2003
e 2007, tanto que o Brasil acumulou divisas em suas reservas e passou a ser credor do FMI, o
que também melhorou a manobrabilidade brasileira, junto à redução da pobreza, para agir de
maneira menos constrangida sobre seu próprio crescimento 9. Em 2009, a favorabilidade da
questão fiscal, financeira e externa levou a uma “ativação de atividade econômica interna” pelas
políticas de renda e crédito, assegurando investimentos e equilíbrio fiscal a ponto de limitar os
efeitos da crise na redução do produto para apenas um semestre. Outro fato, segundo Carneiro,
que contribuiu para a redução dos efeitos da crise foi usar uma âncora cambial através dos juros,
que aumentava a saída de capitais nos momentos de déficit corrente atenuando a apreciação no
câmbio, e, por consequência, amenizando o potencial inflacionário. Mais um fator foi a
manutenção do crédito e das políticas de renda garantiu a dinamização da economia lastreada
no consumo das famílias, minimizando a possibilidade de recessão econômica.
Os períodos de maior crescimento no PIB são acompanhados pelos maiores
investimentos, motivado pela queda nas importações (01~03), e crescimento em consumo
(09~12). Aqui o autor correlata o investimento com o consumo das famílias e no crescimento do
PIB e em seguida, relata que o consumo lastreou o crescimento na década como um todo por
ser uma expressão da demanda que permitiu a expansão da produção industrial, e por
consequência, do produto.
Contudo, em 2011, o baixo desempenho industrial impõe um limite ao dinamismo
econômico no crescimento da economia, o que sinaliza a fragilidade do crescimento brasileiro,
em razão do menor dinamismo da indústria de transformação associado à não reativação
sustentada do investimento, retomando Keynes, que afirmava a capacidade de investimentos
afetarem a renda corrente e que deve ser acompanhado da expansão creditícia por parte dos
bancos, uma vez que, além do retorno esperado, investimentos são feitos também levando em
conta o juros de referência e disponibilidade de crédito.
Apesar da participação do crédito no PIB ter aumentado nesse período, a composição
de crédito privado mudou muito, a parcela do crédito pessoal expandiu em detrimento do
industrial, o que mostra aumento em consumo ou empreendimentos menores, fontes de
demanda importantes para sustentar incrementos no produto pela ótica da produção. Por outro
lado, acompanhando a expansão privada, a pública também aumentou e os crescimentos dos
empréstimos pelo BNDES criam um ambiente favorável para o crescimento nos investimentos e
assim o PIB.
Em resumo, o crescimento lastreou o processo de recomposição do mercado de trabalho
formal e da renda das famílias, tendo favorecido relativamente mais aquelas pertencentes aos
estratos inferiores da distribuição. Ademais, deu sustentação à institucionalização de algumas
políticas públicas, como a valorização do salário mínimo e a transferência de renda — o
programa Bolsa Família. As políticas de renda associadas à ampliação do emprego formal e do

8
O milagre também é marcado por um intenso processo de industrialização, enquanto nos
anos 2000, a indústria já estava consolidada
9
Nem mesmo a crise de 2008 e a reversão do saldo em transações correntes foram capazes
de restringir o crescimento, diferente da crise do petróleo no triênio recessivo
crédito explicaram o processo de redução da desigualdade de renda corrente e da pobreza de
natureza monetária, atenuando características sociais desfavoráveis de raízes históricas e
estruturais do Brasil.

Desigualdade e pobreza no Brasil dos anos 2000

É averiguado um aumento da participação dos estratos de menor renda no PIB, mas o


GINI que reduziu de 0,59 para 0,53 ainda é resultado de uma grande desigualdade, sua redução
se deve ao aumento do emprego formal e aumento de salário mínimo, e não uma mudança
estrutural na distribuição de renda. Foi averiguada uma diferente estrutura nos gastos das
famílias, as mais pobres consumiram proporcionalmente mais com vestuário e lazer em relação
às mais abastadas, assim como o consumo de transportes aumentou também, assim como os
relacionados à habitação devido ao crédito para casa própria e os de eletrônicos, devido a
valorização cambial e barateamento chinês no mercado internacional.
A camada em situação de extrema pobreza foi assistida pelo Programa Brasil Sem
Miséria, garantindo renda mínima além de acesso à habitação, saúde, habitação, saneamento
básico e assistência social a partir da definição de 70 reais per capita na renda familiar como
definição de extrema pobreza. A implementação de uma definição da Constituição de 1988
também alinha que um cidadão com renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo tem
acesso a alguns programas de renda. A tem como base o ano de 2001 e registra uma queda
pela metade de pessoas em condição de miséria.
É acompanhado simultaneamente a evolução do quadro inflacionário. Pode‑se dizer que
o salário mínimo nominal não é um parâmetro adequado para se dimensionar a pobreza
monetária, justamente por ter sido objeto de uma política de valorização. A linha de pobreza
relacionada ao salário mínimo de 2001 em termos reais parece ser um indicador mais ajustado
para mostrar que a pobreza de natureza monetária reduziu.
Em resumo, a relação entre crescimento e redução da desigualdade e da pobreza se
mostrou virtuosa neste início de século. No entanto, ficou evidente que o caminho a ser
percorrido pelo Brasil na luta pela transformação estrutural, historicamente construída, da
condição de desigualdade e de pobreza é longo e complexo. Para se alcançar esse objetivo será
exigido grande esforço do poder público em dar continuidade ao crescimento da economia, bem
como em fortalecer e ampliar sua ação no campo das políticas públicas de combate à pobreza e
à desigualdade.

TEXTO 16 - Milagre, miragem, antimilagre: A economia política dos governos Lula e as


raízes da crise atual - RUGITSKY

Olhamos a história com olhos dos conflitos atuais, dentre os problemas de 2016, quando
Rugitsky escreveu o texto base para essa resenha, havia a crise que intensificava paralisia
econômica e a fragmentação política das esquerdas, que observam as mudanças entre 2002 e
2015 de maneiras muito diferentes: uns afirmam que a euforia do antimilagre foi uma miragem e
a crise é reflexo da fragilidade dessa ilusão; outros afirmam que de fato houve transformação
profunda, ao ponto em que o conservadorismo reacionário expandiu.

O antimilagre (2004-2010)

Como esperado de qualquer governo de esquerda, um dos principais focos foi o combate
a desigualdades raciais, regionais, educacionais e, sobretudo, de renda, que guia boa parte das
políticas da época e esse objetivo foi alcançado de acordo com os PNADs, índices Gini e outros,
mas dados tributários apontam que a desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres era
maior que a imaginada, uma vez que PNAD coleta imperfeitamente a informação dos mais ricos.
Pode-se dizer sim que a disparidade salarial diminui e que o consumo das camadas de menor
renda aumenta, mas também pode-se dizer que o problema da concentração de renda não foi
afetado pela redistribuição de renda10.

Sobre a redução da disparidade salarial, há duas abordagens:


● Políticas públicas implementadas, como o Bolsa Família e principalmente a de
valorização do salário mínimo, impactando profundamente o mercado de trabalho,
aposentadoria e pensões.
● Não negando a primeira, afirma também que o aumento de renda e consumo das classes
de menor renda aumenta o dinamismo na economia, essa expressão de demanda serve
de lastro para o aumento de investimentos que também estimulam o aumento de renda
corrente, e melhoram o crescimento. Assim como a redução na disparidade salarial afeta
o dinamismo, o oposto também é verdade.

Em suma, o aumento de renda da base, desloca os investimentos e consumos para


setores menos intensivos em trabalho qualificado, esse deslocamento empurrou os salários mais
baixos para cima, o que novamente volta deslocar investimentos e consumo para os mesmos
setores menos intensivos em trabalho qualificado num efeito de causação circular efetiva da
dinâmica setorial.
Esse aumento de demanda em trabalho desqualificado se reflete, além dos salários, no
aumento da quantidade de trabalhadores empregados, principalmente nos setores de comércio,
alimentação e construção civil, onde a produtividade média do trabalho é averiguada como baixo,
comprovando a baixa qualificação, e que é notada uma redução em produtividade média de 2003
até 2010.
O oposto é averiguado no período do milagre: um crescimento concentrado em setores
intensivos em trabalho qualificado, o que aumentou a disparidade salarial e, por consequência,
o deslocamento consumo e investimento para setores intensivos em qualificação.

Limites, reação e crise

Existem uma série de limites para a dinâmica de crescimento nessa situação. Uma
demanda cada vez maior por bens e serviços menos intensivos em trabalho qualificado
aumentam a inflação de custos desses setores, também, implica numa regressão de estrutura
produtiva ao se reduzir a participação de setores tecnologicamente mais sofisticados, em
conjunto, esses fatores vêm com penalidades de longo prazo apesar do aumento de transações
correntes num curto prazo.
Desde a metade dos anos 2000, buscou-se contornar esse problema com apreciação
cambial, aproveitando o boom das commodities. Contudo, isso volta a forçar a regressão da
estrutura produtiva e aumenta a vulnerabilidade externa da economia brasileira, já conturbada e
historicamente bloqueada por crises de balanços de pagamentos.
Nota-se que o antimilagre foi altamente condicionado à favorabilidade do cenário
internacional, os altos preços nas commodities e menor restrição externa favoreceu o
crescimento pautado em consumo menos intensivo em trabalho qualificado. Mas em 2011 o
cenário se reverteu com o barateamento das commodities e a complexa herança do antimilagre
vira um problema a ser lidado.
Nesse contexto, a política cambial adquire centralidade, mantendo o câmbio ligeiramente
desvalorizado, para aproveitar a baixa liquidez do mercado internacional numa tentativa de
reverter o processo de regressão da estrutura produtiva, mas a desvalorização cambial
aumentou o preço relativo dos bens comercializáveis, que deixou de compensar a inflação dos
serviços. Para manter a inflação abaixo do teto da meta, recorreu-se aos preços administrados,
como a energia e a gasolina.

10
Rugitsky afirma que essa questão necessita de mudanças no caráter regressivo do sistema tributário e
as elevadas taxas de juros
O motivo desse fracasso é controverso, a dinâmica internacional impediu o aumento de
exportações com a desvalorização cambial, mas internamente, a desaceleração dos
investimentos, menor disponibilidade de crédito e a própria desvalorização do câmbio reduziram
a demanda doméstica e esfriou a economia.

TEXTO 17 - Política econômica, instituições e classes sociais: Os governos do Partido dos


Trabalhadores no Brasil – FONSECA, AREND E GUERRERO

Apesar de manter Mantega continuar no Ministério da Fazenda, a matriz


macroeconômica mudou profundamente, aumentar o câmbio e valorizar a moeda em relação ao
dólar foram grandes estímulos para o aumento do consumo em detrimento de investimentos. O
impeachment de 2016 teve a sua raiz política na segregação causada pela controvérsia dos
governos PT, uma dicotomia causada pelo diferente conjunto de metas e compromissos, além
de medidas implementadas. A polêmica se estendia, fora do meio político, ao meio acadêmico.
Erber (2011) assinalou que no governo Lula coexistiam duas “convenções” ou visões de mundo,
uma “institucionalista restrita”, de caráter mais ortodoxo, e outra denominada por ele de
“neodesenvolvimentista”, ambas com “núcleos duros analíticos distintos, portanto,
ontologicamente conflitivas”. Analogamente, Morais e Saad-Filho (2011) argumentaram que a
política de Lula teria sido “híbrida”, e que o mesmo chegou a implantar políticas próximas do
“novo-desenvolvimentismo” formulado por Bresser-Pereira (2006; 2011). Já Fonseca, Cunha e
Bichara (2013), defenderam que, embora houvesse aspectos tanto parecidos quanto divergentes
com relação à política do governo de F. H. C., não havia razões suficientes para interpretá-la
como um retorno ao desenvolvimentismo.

Intervencionismo e desenvolvimentismo: o hard-core do conceito

O primeiro passo do autor para determinar se a nova matriz econômica de Dilma seria
ou não uma medida desenvolvimentista é encontrar a definição do termo, de acordo com
Fonseca: desenvolvimentismo é uma forma específica de intervencionismo que se trata de um
guia de ação para superar problemas econômicos e sociais através do crescimento da produção
e da produtividade.11 O que determina o núcleo duro desse conceito são três atributos:

● (a) a defesa de um projeto nacional, ou uma estratégia para o país, visando superar o
subdesenvolvimento;

● (b) intervenção estatal, pois a estratégia precisa ser executada através de ações
deliberadas e não deixadas ao acaso mercadológico;

● (c) a industrialização, a qual abriria espaço para maior convergência de renda,


produtividade e estágio tecnológico com os países mais ricos e desenvolvidos.

Fora essas condições, objetivos como redistribuição de renda ou sua concentração, reformas
agrárias e até mesmo ser ou não ditatorial não são determinantes para afirmar sobre ser ou não
desenvolvimentista, uma vez que existe evidência histórica para cada um dos casos em seus
respectivos “subtipos”

Desindustrialização e distribuição de renda: o sentido da política econômica

De cara, nota-se que o governo Lula não foi desenvolvimentista da maneira clássica, não
houve a tentativa bem sucedida de realizar uma industrialização com base na substituição de
importações e suas políticas econômicas não indicavam a defesa do setor industrial como o
caminho para a superação do desenvolvimento, essa visão era tida como superada uma vez que
o período Vargas, JK/populista e da ditadura/milagre, apesar de industrializar o Brasil, não
levaram a uma capacidade plena de autotransformação pois submeteram seu crescimento ao
capital estrangeiro/endividamento externo. Também, o PT tinha uma base avessa a propostas
econômicas reformistas ou social-democratas. O ponto de confluência desses aspectos foi a

11
Os autores mencionam que não se deve confundir com socialismo que busca superar o capitalismo, as
decisões reativas de intervenção em relação a crises ou qualquer medida de populismo econômico
distribuição de renda, que engloba aprofundamento da democracia, participação popular e
reforma agrária. Mesmo que os pontos (a) e (b) do núcleo rígido sejam muito evidentes nas
propostas e medidas, a ausência de uma política para reverter a desindustrialização é um
obstáculo para caracterizar como desenvolvimentista, o Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), de 2007, os planos plurianuais (PPA), até mesmo o Plano Brasil Maior
(PBM), que mostram preocupação com a perda de posição da indústria, foram tomadas em
consciência das desigualdades sociais.

Dessa forma, Nunes distingue a medida pretendida da implantada e dos resultados,


usando o mesmo argumento sobre as políticas de reversão da desindustrialização serem mais
voltadas para a redistribuição de renda. Perissinoto separa 3 dimensões para o projeto de
desenvolvimentista: contextual, institucional e volitiva, posição e condição externas, postura do
governo e a volição da elite modernizante de implementar uma política desenvolvimentista.
Juntos a Stumm, os 3 mostram que a falta de resultados em objetivos fundamentais para uma
política industrial, como aumento de exportações, investimentos, valor agregado e escolaridade
dos trabalhadores, não foram concretizados; mostram, principalmente, que efetivamente não
houve mudança na estrutura industrial brasileira.

Para Curado e Curado, os gastos tributários e renúncias fiscais para as políticas


industriais foram direcionados a indústrias tradicionais e não para atividades de inovação.
Análogo aos dois argumentos anteriores, Schapiro complementa ao afirmar que o PBM foi em
sua maioria, políticas horizontais, apesar de terem sido projetadas para ser de caráter
transformador (shumpeteriano), na prática a união buscou reduzir ineficiências de mercado
(ricardiano) que reduziram encargos e baratearam recursos financeiros para melhorar a malha
já existente, mantendo a posição do Brasil na divisão internacional do trabalho.

Bresser-Pereira, Nassif e Feijó adicionam que além da implementação de políticas


industriais e tecnológicas consistentes, é necessário alinhamento com o regime macroeconômico
(descrito por situação e políticas monetárias, fiscais, cambiais e salariais, a fim não somente de
estabilizar preços, mas também de permitir um desenvolvimento sustentável.

Para os autores, nenhuma dessas condições foi preenchida no Brasil nas últimas
décadas. Daí a desindustrialização prematura, baixa produtividade e baixo crescimento
observados no período dos governos PT. A desindustrialização foi um processo observado em
várias nações do mundo, mas no Brasil observa-se a queda da participação de sua indústria no
produto industrial do mundo, caindo de 1,97% em 1990, para 1,9% em 2002, e para 1,43% em
2015. Também, o período petista apresenta um menor dinamismo industrial em média anual e
em relação aos BRICS, países islâmicos, árabes, caribeños, mercosul e G20, tendo seu
desempenho superior apenas à Oceania e à Europa, que tiveram seus investimentos voltados
para o setor de serviços qualificados, que ainda muito atrelados a atividade industrial, também
apresentam alta produtividade.

A informação na seção anterior sobre as até mesmo as políticas projetadas para conter
a desindustrialização vêm com a informação sobre distribuição de renda. O Brasil sempre teve
seu desenvolvimento pautado na concentração de renda, mas passou por uma inflexão em 2003,
onde tanto a queda da concentração de renda quanto o nível de pobreza apresentaram queda,
a taxa de desemprego diminui e o salário mínimo de 100 dólares no período de FHC sobe para
quase 400 em 2014 no governo Dilma.

Talvez o primeiro ponto de proximidade com o desenvolvimentismo no período PT tenha


sido a tentativa de aproximação com setores da burguesia local numa agenda pró-produção
industrialista e contrária ao neoliberalismo, mas a Carta ao Povo Brasileira mostra o
compromisso com o tripé de FHC (câmbio flutuante, metas fiscais e metas de inflação) e um
abandono da aversão ao rentismo ao incluir o capital financeiro no bloco no poder e reconhecer
sua hegemonia. O plano foi executado à risca por economistas ortodoxos. A carta se mostra
como um passo na direção oposta para o desenvolvimentismo por cancelar dois instrumentos
fundamentais para a industrialização e fortalecimento do mercado interno: câmbio e juros.

O governo Rousseff e a “nova matriz” macroeconômica


Um novo plano se estabelece, diferente do tripé de FHC e Lula em agosto de 2011, a
nova matriz de Rousseff não elimina o regime de metas de inflação (inclusive, limita a autonomia
do BC em executá-la), mas o flexibilizou ao forçar a baixa de juros mesmo com aumento de
inflação, o que aumenta a taxa de câmbio, essa mudança foi mais fortemente percebida por
rentistas, grupos nacionais internacionalizados e grupos endividados em moeda estrangeira.
Também, através de políticas verticais, o BNDES foi estimulado a expandir crédito e o
financiamento para setores específicos, marco de um maior intervencionismo em relação ao
governo Lula.

Mas usando a definição de desenvolvimentismo de Fonseca, o intervencionismo de


Dilma não é uma estratégia de longo prazo, e sim, uma reação para controlar a crise da
desaceleração do crescimento, causada pela desaceleração do boom das commodities e suas
consequências, averiguado pela queda das transações correntes no ano de 2009, o nível de
preços então passa a cair a partir de 2011, quando se encerra de fato o boom e se inaugura a
nova matriz econômica de Rousseff, que pressionou o BC para desvalorizar o câmbio e aumentar
o juros, a fim de se tornar mais atrativo para investidores externos.

Esse aumento de investimento poderia ser utilizado para reativar a indústria que antes
era voltada para o mercado interno e passar a atender o externo, mas a desvalorização cambial
inviabilizou essa alternativa para setores que dependiam de capital, insumos ou outros recursos
no estrangeiro, aumentar a disponibilidade de investimento mas diminuir a capacidade dos
brasileiros de investir ou lidar com suas despesas em moeda estrangeira foi o pecado dessa
medida. Sendo limitado em seu caráter keynesiano por aumentar muito o lado da oferta mas
impede o lado da demanda.Outra consequência disso é o então favorecimento de alguns setores
em relação a outros, junto a política de concessão de créditos para setores específicos, redução
de impostos para setores específicos, isenções, subsídios e etc foram o que caracteriza as
medidas da nova matriz como políticas “balcão”, de atendimento a demandas setoriais ou como
um “nacional-desenvolvimentismo às avessas”: apadrinhar uma indústria poluente, multinacional
e de onda tecnológica pretérita, (já que essas eram menos dependentes de fornecedores
externos.?)

Hegemonia fInanceira e coalizão de classes: o pacto e sua crise

Agora vamos entender os motivos da mudança de política econômica em 2011 e quais


setores formavam o bloco no poder, que sustentavam e respaldaram o governo, mas se
distanciaram no segundo mandato de Rousseff. Existe dificuldade em se estabelecer quais
grupos compõem o beneficiado bloco no poder, apesar de alguns serem claramente favorecidos,
políticas abrangentes a todos os brasileiros mantém o benefício da grande maioria numa zona
cinzenta, além disso, um setor ou grupo ser assim beneficiado não significa que é hegemônico.
Também, a fragmentação do capital não só de conglomerados, capitalistas ou grandes
empresas, mas de indivíduos em diversos setores dificulta a categorização uma vez que aqui
não se usa a ideia de um capital industrial, agrícola ou financeiro, mas sim das pessoas que o
detém.

Singer interpreta a divisão de grupos quanto seus interesses em dois: uma classe
rentista com capital financeiro (inclui investidores como a classe média tradicional), e uma
produtivista, que inclui empresários industriais associados à fração de classe organizada da
classe trabalhadora, Lula seria um meio termo enquanto dilma em seu ensaio desenvolvimentista
teria “ativismo estatal na busca da reindustrialização” como sua marca.

Boito, Saad e Poulantzas interpretam a polaridade como a divisão da burguesia


associada a capital interno (compreenderia setores tanto industriais como bancos nacionais, o
agronegócio e a construção civil) e outra voltada para o estrangeiro. Através de artigos e
depoimentos de líderes da FIESP, bem como leis, financiamentos (crédito em TJLP), subsídios
e isenções às empresas do bloco “interno”, principalmente os “campeões nacionais” do BNDES
são maneiras evidenciadas por Singer em apoiar as burguesias, ao ponto que bancos nacionais
nem mesmo em período de crise não viram ameaça a seus lucros nem a serem comprados por
grupos estrangeiros enquanto o agronegócio e empreiteiras também tiveram expansão
assegurada. Boito também afirma que a coalizão governamental aceitava a especialização
regressiva, com produtividade média cada vez menor, desintencionada de reposicionar o Brasil
na subordinação do capitalismo internacional.
A aproximação do PT com setores empresariais iniciou-se com experiências locais no
governo Dutra (1999-2003, RG) mas apenas com a Carta ao Povo Brasileiro fica claro o
abandono das bandeiras petistas mais radicais em relação a moratória e ao direito de
propriedade além de acenar ao setor bancário e outros que possuem aplicações financeiras,
incluindo fundos de pensão. E assim se estabeleceu a burguesia financeira e setores rentistas
no bloco no poder, através da manutenção do tripé macroeconômico e o regime das metas de
inflação, que só seria flexibilizado no governo Rousseff.

É esse posicionamento que nos leva a falar de hegemonia, pois são políticas que
mantém rentistas como a fração mais importante do bloco no poder ao entregar o Banco Central,
conferindo à fração da classe autonomia perante ao próprio Estado, abandonando-se até mesmo
o conceito de déficit ou superávit nominal do setor público em prol de seus “correspondentes
primários”(excluindo o juros e correção monetária do cálculo), assegurando o capital rentista
contra qualquer medida de corte de gastos públicos, por isso, o sucesso do tripé impõe limites
ao único “pé” sob controle pleno do governo, o fiscal.

“(...)o combate à inflação é feito através dos juros (elevando-os) enquanto ocorrem os
cortes orçamentários dos demais setores. Assim, o Banco Central tem autonomia para realizar
política exatamente oposta à da austeridade, pois eleva a taxa de juros, o que aumenta os gastos
públicos, majora o déficit nominal e neutraliza o esforço da política fiscal recessiva”, e assim, a
busca pelo superávit primário com um crescente déficit nominal leva a austeridade simultânea a
redistribuição de renda.

O diagnóstico final de Fonseca, Arend e Guerrero é “resguardada a hegemonia do capital


financeiro, nacional e internacional, ao outorgar-lhes o epicentro das políticas instrumentais de
condução da macroeconomia (como monetárias e cambiais), aos demais segmentos
reservaram-se políticas compensatórias”.

O pacto de Lula só foi possível com PIB crescente, folga no balanço de pagamentos
(antes vindo de investimentos domésticos e estrangeiros assim como o boom), espaço para
aumento de salários (dada a defasagem entre produtividade e remuneração) e, obviamente, o
próprio superávit primário. O desemprego e a queda de produção, junto à inelasticidade de
alguns gastos do governo, o déficit primário não pôde mais ser evitado; o aumento de salários
acima do aumento de produtividade reduziu a competitividade internacional da indústria brasileira
junto ao profit squeeze; também, o fim do boom mas a manutenção de políticas de redistribuição
junto a queda de juros impossibilita o crescimento liderado por salários averiguado no período
anterior.

Como o pacto era inviável, frente a uma possível crise causada pela disputa aos recursos
públicos, a única alternativa para Rousseff era uma política anticíclica, mas enquanto juros e
câmbio foram entregues e o fiscal está comprometido, não há mais “pés” para isso, assim se
rompe o tripé e a hegemonia ao setor financeiro com a nova matriz econômica, além disso, a
incapacidade de se endividar e de aumentar a carga tributária levou o governo a responsabilizar
o investimento privado pela reativação da economia, Rugitsky aponta o medo de setores privados
de que o governo ocupasse seu papel para reverter o ciclo pelo lado da oferta além da resistência
contra o intervencionismo como motivo do empresariado que antes apoiava o PT se alinhar
contra ele no governo Dilma, somado a outras questões prévias como o déficit público que
acirrava disputas entre políticas de redistribuição ou hegemonia do setor financeiro e só poderia
ser aliviado com aumento de impostos (possivelmente progressivos). Setores
internacionalizados eram também contra o intervencionismo na questão financeira e
protecionismo ligados ao pré-sal, indústria naval etc. além do empresariado produtivo ter
engajado a favor da austeridade, desgostosos com impostos e custos trabalhistas além de
políticas verticais que não os beneficiaram na mesma medida dos campeões nacionais.

Em seu segundo mandato, Dilma afirmou não romper com seu compromisso histórico de
redistribuição através de políticas sociais ativas, mas inseriu Joaquim Levy na pasta da Fazenda,
sinalizando contra a sua base popular e a favor do setor financeiro, apesar de o BC já ter recuado
na política de câmbio desvalorizado e juros baixos. O problema principal era a inconsistência e
incerteza sobre o déficit primário: quais políticas seriam mantidas e quais deixadas de lado?
TEXTO 18 A valsa não totalmente afinada de Laura Carvalho: um ensaio-resenha crítico
de Valsa brasileira: do boom ao caos econômico - André Nassif
Resumo: O texto critica a tese principal de Laura Carvalho.
Tese principal de Laura Carvalho segundo o autor: O modelo de crescimento da economia
brasileira do governo Lula II (2006-2010) teria sido bem sucedido no governo Dilma caso ela
tivesse dado prosseguimento a ele, porém ela o abandonou em prol de uma política fiscal
expansionista ancorada em desonerações tributárias.
Análise do autor: A tese principal de L.C. não tem suporte empírico e é insustentável. O modelo
de crescimento entre 2006 e 2010 era baseado no boom de consumo das famílias, que foi
possível graças à melhora na distribuição de renda e no papel dos investimentos públicos
como motor da reativação dos investimentos privados. Porém, o cenário de ¹ altas taxas de
juros reais, de ² sobrevalorização do Real, e a ³ falta de sinergia entre o setor terciário
(dinâmico) e o setor industrial (fraco) impediam a continuidade do modelo durante o governo
Dilma.

Grau de relevância para a prova: alto – médio – complementos

1. Introdução (1,5 pág.)


O autor elogia Laura pela capacidade de escrever sobre economia de maneira clara e rigorosa
para o público geral. Critica o uso do termo “boom” (e “Milagrinho” também), pois acredita ser
exagerado para se referir ao crescimento daquele período, uma vez que as taxas de
crescimento médias anuais não eram tão elevadas para tal, e nem havia evidências precisas
de que tal ciclo se sustentaria por muito tempo.
2006-2010: boom econômico.
2011-2014: desaceleração econômica & medidas (equivocadas) tomadas para revertê-la.
2015-2016: políticas de choques monetário e fiscal.
2016-2018: caos econômico (período pós-Impeachment): desemprego crescente e massivo,
inflação agravada pelo choque de preços defasados e depreciação cambial.

2. Afinando o tom: o boom econômico no governo Lula (3 págs.)


TESE PRINCIPAL
A economia brasileira vivia um período de quase-estagnação desde o início da década de
1980. O governo Lula parecia marcar uma nova fase de retomada do desenvolvimento
econômico, possibilitado pela combinação das seguintes alavancas:
● Aumento do consumo, desencadeado pelas políticas sociais de transferências de
renda (Bolsa Família) e aumentos reais do salário mínimo;
● Programa de investimentos públicos em infraestrutura, capitaneados pelo PAC
(Programa de Aceleração do Crescimento), de 2007.
o Total programado do PAC: R$ 504 bilhões para o período 2007-2010. 57% do
total proviria do setor público.
A gestão fica marcada por um vitorioso plano de investimentos públicos em infraestrutura.
TESE SECUNDÁRIA
Um processo de desaceleração econômica se inicia em 2011. Dilma tenta o reverter com
programas de estímulos à:
● Oferta – isenções fiscais, que se generalizavam por praticamente toda a economia;
● Demanda – crédito ao consumo de bens duráveis & financiamento de máquinas e
equipamentos com créditos subsidiados do BNDES (cujos recursos provinham de
empréstimos do Tesouro).
Resultado: As medidas fracassaram e não se consegue retomar o crescimento. A situação
fiscal se agrava e as expectativas futuras dos empresários são afetadas negativamente.
Segundo mandato: Políticas de choques monetário e fiscal de Dilma + políticas contracionistas
de Temer levam o país à uma das mais longas e graves recessões da história.
Período Taxas médias de crescimento anual
1968-73 (“Milagre”) – com enorme 11,1%
concentração de renda no topo
1980-2005 2,5%
2006-2010 (“Milagrinho”) – com redução da 4,5%
desigualdade social
2011-2014 (Dilma I) 2,3%
2015-2016 (Dilma II + Temer) -3,5%
*Termo “milagrinho” cunhado pela Laura Carvalho
Dilma se opunha ao ajuste fiscal de longo prazo de Pallocci, que consistia em aumentar ainda
mais as metas de superávit fiscal primário. Ajudou a gestar o PAC como uma saída para
alavancar o investimento agregado (público e privado), tendo em vista as enormes taxas de
juros reais dos anos de 2005 e 2006 (~11,3% a.a.) e o baixo crescimento econômico (2% a.a.)
dos primeiros anos Lula (2003-2005).
Alguns autores analisam que o boom dos preços das principais commodities brasileiras no
mercado internacional elevou as exportações líquidas e teria sido o fator determinante do
crescimento econômico do período 2006-10. Nassif pondera que, embora esse fator tenha sido
importante, o preponderante foi o poder indutor do PAC, que foi responsável por reocupar a
capacidade ociosa herdada dos anos anteriores de baixo crescimento e consolidar a confiança
futura dos empresários, alavancando seus investimentos. Isso aliado a um maior dinamismo do
consumo agregado.
A redução da desigualdade, porém, foi menor do que se pensava durante esse período.
Conclusão: “[...] a era Lula-Dilma foi caracterizada por governos que melhoraram ligeiramente o
padrão de vida dos pobres e demasiadamente o dos muito ricos, à custa da deterioração do
bem-estar da classe média”.
Percentil da população Participação em 2001 Participação em 2015
50% mais pobres 11% 12% (+1%)
40% “do meio” – classe média 34% 32% (-2%)
10% mais ricos 25% 28% (+3%)
*Estranhei as porcentagens não somarem 100%, mas estão assim no texto.

3. A valsa em tom quase afinado: o caos econômico e o triste fim do governo Dilma
(5,5 págs.)
Laura Carvalho pontua que Dilma abandonou o expediente do governo anterior em prol de
desonerações fiscais.
● Desonerações fiscais:
o Vieram como uma medida contracíclica em resposta aos efeitos da crise de
2008. A princípio se restringiam a poucos setores e se baseavam na isenção
de IPI para compra de automóveis e outros bens de consumo duráveis, na
desoneração salarial e no PSI (Programa de Sustentação do Investimento),
que fornecia linhas de crédito para compra de máquinas e equipamentos via
BNDES.
o Porém, tendo em vista a desaceleração econômica, essas medidas deixaram
de ser transitórias e passaram a assumir centralidade na política econômica do
governo, ampliando o escopo para quase a totalidade do aparato produtivo (ou
seja, para cada vez mais setores que o planejado inicialmente).
o E o resultado: aportes financeiros do Tesouro Nacional ao BNDES
aumentaram drasticamente (o que vai agravar a situação fiscal do país
conforme as taxas de juros aumentarem), ao passo que a formação bruta de
capital fixo em proporção do PIB manteve-se inalterada em termos reais entre
2011 e 2014 (ou seja, todo o esforço foi em vão).
o No fim, essas medidas transformaram “a política industrial do governo Dilma
(Plano Brasil Maior) numa enorme “farra” fiscal”, “[...] com o ônus para a
sociedade e o bônus para as empresas contempladas”. (Nassif, p. 17)

A tendência à apreciação cambial de 2004 a 2011, quebrada apenas num curto período após a
crise de 2008, ajudou a agravar os desequilíbrios macroeconômicos. Políticas monetárias não
convencionais do FED, como o quantitative easing (QE), contribuíram para agravar o problema
da apreciação cambial, mas as principais forças explicativas decorreram da melhora dos
termos de troca e da avalanche de influxos líquidos de capitais externos, proporcionada pela
abertura da conta de capitais e pelo enorme diferencial entre as taxas de juros internas e
internacionais. O autor pondera que o Bacen pouco fez para deter a apreciação do Real.
Deveria ter mantido o câmbio flutuante, porém evitado novas tendências de apreciação após os
ajustes cambiais do mercado.
Houve também uma crescente falta de coordenação entre as políticas monetária e fiscal, que
se manteve mesmo no governo Temer. Em 2013, após o anúncio do FED de eliminar
gradualmente o QE, houve fuga de capitais dos países emergentes. Em consequência, o Real
passa a se desvalorizar severamente. A depreciação eleva a inflação para além do centro da
meta, o que sinaliza o Copom a iniciar um ciclo de aumento na taxa SELIC entre 2013 e 2014
(de 7,25% para 11,75%), elevando a taxa de juros real de 1% para 5%. Ao mesmo tempo, a
Fazenda perseguia uma política fiscal expansionista, via isenções tributárias e fiscais e
estimulando crédito às famílias e às empresas por meio dos bancos públicos.
A combinação dessas medidas contraditórias em contexto de aceleração inflacionária e
desaquecimento econômico acabaram por contaminar também as expectativas futuras. O
objetivo, que era manter juros baixos, taxas de câmbio competitivas e uma política de
consolidação fiscal que contribuísse para a redução da incerteza e incentivasse os
investimentos, acabou por provocar efeitos contrários. Mesmo num contexto com baixo
desemprego e consumo acelerado, o aumento da incerteza impediu um aumento dos
investimentos e da oferta agregada.
● Citação: “Na prática, a equipe econômica de Mantega, avalizada por Dilma Rousseff,
imaginou estar adotando políticas keynesianas para reverter a desaceleração
econômica, quando, na realidade, estava adotando políticas econômicas do lado da
oferta (supply-side economics) de qualidade duvidosa.” (Nassif, p.19)
Ambos Nassif e Carvalho concordam que a substituição de eixos importantes da política
econômica do governo Lula II, especialmente o protagonismo do investimento público como
propulsor do crescimento, por uma política fiscal de desonerações fiscais acarretou numa forte
redução do superávit primário, alimentando a narrativa de que a deterioração fiscal foi
resultante da perda de controle dos gastos públicos.
● De fato, o total de subsídios fiscais, creditícios e financeiros aumentaram de 0,7% do
PIB em 2010, para 1,4% em 2013, para 2,1% em 2015.
● No entanto, o total de despesas primárias federais cresceram, em média, 5,2% no
Dilma I, menos que os 5,6% do FHC II e os 7,2% anuais dos dois governos Lula.
● Além disso, o crescimento anual médio dos investimentos do setor público consolidado
caiu de 17% entre 2006 e 2010 para 1% entre 2010 e 2014.
O autor ressalta que os governos petistas perderam uma excelente oportunidade para
promover a reindustrialização da economia brasileira. Ambos mantiveram os vícios do antigo
modelo de substituição de importações – ausência de prioridades, inexistência de cobrança de
resultados dos setores beneficiados com incentivos, excesso de subsídios e, principalmente,
falta de coordenação com a política macroeconômica. Em um contexto com taxas de juros
reais elevadas e moeda doméstica sobrevalorizada, seria pouco provável que promovesse
mudanças estruturais e incremento da produtividade agregada.
Laura acrescenta que o drástico corte de despesas no orçamento público em 2015, promovido
por Joaquim Levy, em um contexto fortemente recessivo, acabou contribuindo para deteriorar
ainda mais condições fiscais, que já vinham sendo pressionadas pelo impacto do aumento das
taxas de juros sobre as despesas financeiras do Tesouro. A proposta de ajuste fiscal
gradualista de Nelson Barbosa, que o sucedeu – limitação do crescimento dos gastos públicos
ao crescimento do PIB, corte de despesas correntes discricionárias e preservação de
investimentos públicos para preservar renda e emprego –, foi totalmente rifada pelo Congresso,
uma vez que a presidente havia perdido total apoio político.

4. A valsa em tom totalmente afinado: o fracasso da política econômica de Meirelles


e a desconstrução do caótico governo Temer (2,5 págs.)
Os autores concordam em como a política fiscal desenhada pela equipe econômica de
Meirelles foi equivocada, e não só piorou os resultados fiscais como também aprofundou a
recessão. Nassif argumenta que a Emenda do Teto de Gastos, que previa o total
congelamento dos gastos primários totais em termos reais, não é política e economicamente
viável, ainda mais em um contexto recessivo. Além disso, pontua que a deterioração fiscal do
período nada tinha a ver com um crescimento mais acelerado das despesas primárias fiscais,
mas estava sim associada ao grande montante de recursos tributários que o governo deixou de
recolher devido às renúncias fiscais. Além desse erro de diagnóstico, a incompetência do
governo Temer se torna mais evidente quando se leva em conta que a Emenda do Teto dos
Gastos foi aprovada antes da submissão da Reforma da Previdência, ou seja, não tinha como
dar certo. Com isso, os déficits fiscais primários, ao invés de se reduzirem, seguiram crescendo
entre 2017 e 2018. Houve também alguma expansão fiscal em 2016, tendo em vista que
Temer manteve as desonerações e houve um incremento de gastos correntes improdutivos –
um ‘resto a pagar’ de obras realizadas anteriormente, após a contração fiscal de 2015.
Adicionalmente, as taxas de juros continuaram se elevando entre 2015 e 2016, saltando de
12,25% para 14,25%, incidindo sobre uma parcela da dívida pública que é vinculada à SELIC.
Aqueles déficits, somados uma maior despesa com juros, causaram uma dupla pressão à
dívida pública como proporção do PIB, que se viu em uma trajetória cada vez mais negativa.
O autor aponta um estudo que diz que “consolidações fiscais baseadas em corte de gastos só
não têm impactos contracionistas se forem implementadas em contexto expansivo”, o que não
era o caso do Brasil. O autor concorda com Laura, que diz que “não havia ajuste fiscal possível
sem o crescimento das receitas do governo, o que, por sua vez, dependia da própria retomada
do crescimento econômico”, e acrescenta que este dependia da manutenção de um piso para
os investimentos públicos, o que não ocorreu.
Carvalho alega que a inflação em curso decorria predominantemente dos choques
representados pelo ajuste integral dos preços defasados dos combustíveis e energia e pela
depreciação do Real. Nassif aponta que era necessário algum aperto monetário para reverter
as expectativas de aumento de preços, mas em 2017 a taxa real de juros girava em torno de
8,5%, que já era uma das maiores do mundo, e o pior: em contexto recessivo. Nesse caso, o
autor concorda com De Bolle, que diz que a política monetária de Goldfajn contribuiu para
agravar ainda mais a recessão e elevar o desemprego no Brasil a partir do 2º semestre de
2016. E retomando Carvalho: embora o governo Temer celebrasse a redução dos juros e da
inflação como sinalizações do fim da crise, “o efeito desinflacionário da enorme capacidade
ociosa da indústria e do desemprego galopante era mencionado nas próprias atas do Copom”.

5. Saindo do tom: comentários críticos à tese principal de Laura Carvalho (8 págs.)


Nassif sintetiza os argumentos de Laura, a respeito da tese principal:
● As políticas de transferência de renda e pelos aumentos reais do salário mínimo
levaram a uma expansão da renda e do emprego nos setores de baixa qualificação de
mão de obra (especialmente serviços) e contribuiu para um forte dinamismo tanto nos
setores de bens de consumo de massa, como no de bens de consumo mais
sofisticados (manufaturados e serviços) no período 2006-10 (“boom” ou “Milagrinho”).
● O expressivo aumento dos investimentos públicos via PAC gerou efeitos
multiplicadores que incrementaram os investimentos privados, a renda agregada e o
emprego, e ajudou a retroalimentar um círculo virtuoso na dinâmica do consumo das
famílias (mercado interno) e do investimento agregado (mercado de trabalho).
E a respeito da tese secundária:
● Respondendo à desaceleração econômica pós-2011, com um programa de
desonerações fiscais e estímulos ao crédito, Dilma rompe com o círculo virtuoso da
gestão anterior. O autor concorda com essa tese. As políticas contracíclicas,
insistentemente renovadas ao longo do governo Dilma, não surtiram efeitos
significativos sobre a economia no período 2011-14.
Nassif, então, aponta que sua crítica está na sugestão, elaborada pela Laura Carvalho,
de que, não fosse a adoção das políticas equivocadas do governo Dilma, o modelo de
crescimento do período 2006-10 seria sustentável a longo prazo. O autor rebate dizendo
que não há suporte empírico para afirmar tal coisa, e procura requalificar a tese. Em
seguida, aponta que ao menos três razões explicam por que esse modelo não teria força
motora suficiente para assegurar um processo de crescimento no longo prazo:
1. Geração de empregos de se concentrou no segmento de baixa qualificação. No
período de maior crescimento, houve enorme deslocamento de mão de obra da
agricultura para o setor de serviços e construção. Porém, o incremento relativo do
emprego se deu mais acentuadamente no segmento de serviços de baixa qualificação
(9,2%, além de abrigar a maior parcela de empregos: 50,4% em 2010) do que no de
média e alta qualificação (2,6% de incremento e representando 13% dos empregos em
2010). O nível de emprego na indústria de transformação se manteve praticamente
estável durante todo o período.
2. Falta de sinergia entre os setores de serviço e indústria. Para que houvesse um
aumento da produtividade agregada da economia, era necessário que o impulso
provocado pelo dinamismo do setor de serviços estabelecesse mecanismos de sinergia
com a indústria de transformação. O autor cita Kaldor e afirma que, para aumentar a
produtividade, seria necessário que a indústria de transformação capitaneasse esse
processo, uma vez que é o único “macrossetor” que opera com economias de escala.
Quando seu papel é anulado ou reduzido, a demanda agregada, e, portanto, o
crescimento econômico, não se sustentam no longo prazo.
3. Apreciação cambial. A taxa de câmbio real efetiva manteve uma sobrevalorização,
em média, 10% maior que dos principais parceiros comerciais do Brasil. Isso fez com
que uma parcela expressiva do incremento da demanda agregada durante o boom
vazasse para o exterior, via aumento das importações, ao mesmo passo que não
protegeu a indústria.
Tese do autor a respeito de câmbio: Quando as taxas de câmbio reais se mantêm num nível
competitivo, isto é, ligeiramente subvalorizadas, temos dois efeitos. No curto prazo, provoca
uma queda dos salários reais e, por consequência, uma redistribuição da renda dos
trabalhadores para os capitalistas. No longo prazo, propicia uma realocação de recursos em
direção à indústria de transformação (sujeitas à economias de escala) e aos demais segmentos
produtores de bens comercializáveis (tradables), o que leva a um aumento na produtividade
agregada da economia e, por consequência, um crescimento de longo prazo sustentável.
Dito isto, o autor afirma que, ceteris paribus, moedas sobrevalorizadas reduzem o crescimento
econômico no longo prazo, enquanto que as ligeiramente subvalorizadas impulsionam a
produtividade e o crescimento econômico, assim como melhoram a distribuição de renda em
favor dos trabalhadores.
O autor afirma que Laura Carvalho concorda em partes com esses mecanismos, porém ela
acredita que há mais custos em termos um câmbio desvalorizado, uma vez que, no curto
prazo, reduz os salários reais, e no longo prazo, não seria medida suficiente para que novas
indústrias surgissem. Laura argumenta que o Brasil não tinha, no contexto do “Milagrinho”, a
estrutura produtiva necessária para atender à nova demanda criada, nem por serviços nem por
produtos industrializados, e, portanto, o dólar poderia estar nas alturas e mesmo assim o país
importaria cada vez mais smartphones e computadores, por exemplo. Logo, dever-se-ia manter
a apreciação do câmbio sob controle. Nassif rebate, dizendo que seria impossível que o
modelo lulista pudesse ser sustentado a longo prazo com sobrevalorização cambial, e que é
evidente que apenas a depreciação da moeda não irá alterar a estrutura produtiva no curto ou
médio prazo.
O autor argumenta que a literatura sugere que, quando os gaps tecnológicos em relação à
fronteira internacional são muito significativos, o ritmo de catching up depende da estrutura
produtiva – que pode ser modificada, a longo prazo, por políticas industriais consistentes – e de
outros fatores institucionais. O autor complementa com os conceitos de mudança estrutural (ou
intersetorial), no qual aumenta-se a eficiência agregada quando há realocação de recursos dos
setores de baixa para os de alta produtividade, e de mudança setorial (ou intrasetorial), em que
a variação da eficiência agregada se dá em cima de características inerentes ao próprio setor,
como intensidade capital-trabalho, progresso técnico setorial etc. SE UM PAÍS EM
DESENVOLVIMENTO NÃO TIVER ATINGIDO AINDA NÍVEL DE MATURIDADE PRODUTIVA,
E SEUS GANHOS DE PRODUTIVIDADE TOTAIS FOREM PREDOMINANTEMENTE DO TIPO
INTRASETORIAL, A TRAJETÓRIA DE EFICIÊNCIA ECONÔMICA DE LONGO PRAZO
PASSA A SER REDUTORA DE CRESCIMENTO (growth-reducing), ENQUANTO QUE, SE
PREDOMINAREM OS GANHOS DECORRENTES DE MUDANÇA ESTRUTURAL, A
TRAJETÓRIA TENDE A SER INDUTORA DE CRESCIMENTO NO LONGO PRAZO (growth-
enhancing). Tendo isso em mente, o autor analisa os seguintes dados:
Período Ganhos de Mudança Mudança Qual foi
produtividade do estrutural setorial preponderante?
trabalho
acumulada
1950-1979 248% 132% 116% Mudança
estrutural
1980-1994 -20% 6% -26% Mudança
estrutural
1995-2011 14% 6% 8% Mudança
setorial

O autor afirma que a economia brasileira vem sofrendo um inequívoco processo de


semiestagnação desde o início da década de 1980, mas que os dados podem ter sido
contaminados pela inflação crônica do período 1980-94.
O resultado pós-estabilização, em que predominou a mudança setorial, é preocupante, uma
vez que o Brasil não atingiu um nível de maturidade da estrutura produtiva – situação onde o
potencial para mudanças estruturais tende a ser esgotado e os ganhos de produtividade
passam a ser induzidos pelo progresso técnico setorial.
Estudando o período 1995-2011, o autor argumenta que a semiestagnação da produtividade do
trabalho no Brasil está associada à tendência de apreciação da moeda doméstica em termos
reais, à reprimarização da pauta de exportações, ao baixo grau de abertura da economia
brasileira e às elevadas taxas de juros reais vigentes no período analisado.
Para reativar os ganhos de produtividade associados à mudança estrutural, o autor afirma que
é necessário adotar um programa de política industrial, que relegasse os segmentos velhos,
danificados por décadas de estagnação, ao processo de “destruição criativa”, construindo
sinergias com os novos segmentos da indústria da tecnologia da informação e comunicação e
da revolução digital. Embora não haja uma regra de bolso, a mudança estrutural deveria ser
rumo à produção de bens de elevada elasticidade-renda da demanda no longo prazo, e deve
contar com quatro requisitos sem os quais não há experiência exitosa: i) seletividade dos
segmentos prioritários para receber incentivos públicos, ii) escolha dos instrumentos
apropriados (proteção tarifária, subsídios à produção e à pesquisa e desenvolvimento), iii)
cobrança de resultados das empresas que recebem benesses governamentais, e iv) fina
coordenação com a política macroeconômica, de tal sorte que o objetivo de manter a
estabilidade de preços seja tão relevante quando o de assegurar crescimento econômico – o
que depende de taxas de juros reais em níveis baixos e compatíveis com o padrão
internacional, e da não sobrevalorização da moeda por longos períodos de tempo. Esses
requisitos não foram preenchidos nem nos dois mandatos de Lula nem nos governos Dilma.

(Fui atrás do posicionamento da Laura (fora do livro), e ela de fato de coloca contra a política
de desvalorização cambial uma vez que, como não há no Brasil uma agenda de longo prazo
para a indústria, os efeitos não seriam eficazes para evoluir uma política industrial e acabariam
sendo nefastos à população pelos seus efeitos inflacionários. No fim, os dois estão falando
quase a mesma coisa. A divergência está em ela acreditar que o ciclo virtuoso do governo Lula
II seria capaz de se manter a longo prazo (o autor não menciona qual a perspectiva dela a
respeito da indústria), enquanto Nassif aponta que isso seria impossível, pois o crescimento se
deu em cima de empregos de baixa qualificação de um setor que opera a retornos constantes
de escala, enquanto o setor com economias de escala estáticas e dinâmicas, que é a indústria
de transformação, permaneceu sem um papel preponderante durante todo o período, e, na
visão dele, só seria possível desenvolvê-lo com um câmbio depreciado – o que não ocorreu no
período –, além de uma política industrial séria.)
Citação interessante, mas que ficaria desconexa no fichamento:
“A desindustrialização prematura da economia brasileira tem sido um fenômeno menos
associado à perda de participação do emprego industrial no emprego total que à perda de
participação do valor adicionado da indústria de transformação no valor adicionado total da
economia (ou seja, no produto interno bruto)”. (Nassif, p. 26)

6. Conclusão (0,5 pág.)


O autor finaliza elogiando pelo trabalho relevante da autora para o debate público, e conclui
dizendo que suas restrições à tese principal apenas servem para o debate lúcido de ideias em
prol de recolocar o Brasil na rota de desenvolvimento e igualdade social.

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