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Economia

Prof. Eliezer Lopes

Grade de correção - Questão 02/10/2023

O PAEG é muito debatido no que diz respeito à sua inspiração teórica, pois
enquanto alguns autores frisam suas propostas ortodoxas, outros ponderam
que incorporou algumas medidas e propostas bem mais próximas da
heterodoxia. Comente as políticas anti-inflacionárias e reformas econômicas do
PAEG. Explique os argumentos nos quais se apoia cada um dos lados da
controvérsia supracitada.

O PAEG (Programa de Ação Econômica do Governo) foi elaborado por Roberto


Campos, ministro do Planejamento, e por Octávio Gouvea de Bulhões, ministro
da Fazenda no Governo de Castelo Branco.
O PAEG teve dois eixos de ação:
• eixo emergencial de combate à inflação;
• eixo de reformas estruturais e institucionais, consubstanciadas nas
reformas fiscal e tributária; reformas monetária e financeira e
reforma do setor externo.
O diagnóstico da inflação era embasado na teoria monetarista de excesso de
demanda. As causas da inflação eram:
• elevado déficit público, financiado por emissão monetária; •
expansão do crédito às empresas;

• aumentos salariais superiores ao aumento da produtividade.


Coerente com o diagnóstico acima, as principais medidas de combate à
inflação do PAEG foram:
• Redução do déficit público – aumento de receitas tributárias (reformas
fiscal e tributária) e aumento das tarifas públicas (medida chamada de
realismo tarifário, porque praticava tarifas públicas realistas, e inflação
corretiva, porque tendia a aumentar inflação no curto prazo, mas tinha o
objetivo de reduzí-la no médio prazo, na medida em que reduzia o déficit
público);
• Política monetária contracionista (controle da moeda e do crédito) =>
aumento das taxas de juros;
• Política salarial com reajustes anuais abaixo da inflação => queda dos
salários reais.
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O plano conseguiu reduzir a taxa de inflação de 90%, em 1964, para menos de


30%, em 1967. As políticas monetária e creditícia foram do tipo stop-and-go,
alternando períodos de expansão da moeda e do crédito com outros de
forte contração monetária, e resultaram num crescimento médio anual de
4,2% no período de 1964 a 1967. Deve-se ressaltar que o PAEG optou por
uma estratégia gradualista de combate à inflação. Apesar da austeridade
monetária e fiscal, o combate à inflação estava sempre qualificado no sentido
de não ameaçar o crescimento econômico.
REFORMAS ESTRUTURAIS
As principais reformas estruturais instituídas pelo PAEG foram:
A. Reforma tributária.
A reforma tributária criou a estrutura do sistema tributário ainda hoje existente
no país (embora modificado em muitos aspectos ao longo do tempo),
aumentando a arrecadação e centralizando a arrecadação no governo federal.
Os principais elementos desta reforma foram:
i. transformação dos impostos em cascata em impostos sobre valor
adicionado, como o IPI e o ICM;
ii. divisão tributária entre as diversas esferas do governo: União com
IPI, IR, impostos únicos, IE/II, ITR; Estados – ICM (atual ICMS); e
Municípios - ISS e IPTU;
iii. criação do Fundo de Participação dos Estados e o dos Municípios.
Ainda quanto à questão da arrecadação, houve a criação de vários fundos
parafiscais, como o FGTS e o PIS (importantes fontes de poupança
compulsória).
B. Reforma monetária e financeira.
As reformas do sistema monetário e financeiro tinham o objetivo de dotar o
sistema financeiro brasileiro de mecanismos de financiamento capazes de
sustentar o processo de industrialização de forma não-inflacionária.
Esta reforma divide-se em 4 grupos de medidas:
• Instituição da correção monetária e das Obrigações Reajustáveis do
Tesouro Nacional (ORTN). A correção monetária permitia as
operações de captação de poupança e empréstimos na medida em que,
corrigindo os valores de acordo com a inflação, garantia taxa de juros
reais positivas para os agentes (aplicadores, credores e tomadores de
empréstimos). Com as ORTN’s (títulos públicos com correção
monetária e juros reais) buscava-se desenvolver o mercado de
títulos

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públicos e novos instrumento de financiamento não inflacionários


do déficit público, por meio de dívida pública;
• Criação do Banco Central e do Conselho Monetário Nacional;
• Criação do SFH (Sistema Financeiro da Habitação) e do BNH (Banco
Nacional da Habitação);
• Reforma do sistema financeiro e do mercado de capitais, baseado no
modelo financeiro norte-americano caracterizado pela especialização e
segmentação do mercado: bancos comerciais, bancos de investimentos,
caixas econômicas.
C. Reforma do setor externo.
Foram estabelecidos mecanismos de incentivos fiscais às exportações e uma
ampliação do grau de abertura da economia ao capital externo, de risco
(investimentos diretos) e, principalmente, de empréstimo:
• Lei 4.131 permitiu a captação direta de recursos externos por
empresas privadas nacionais;
• resolução 63 do Bacen, que regulamentou a captação de empréstimos
externos pelos bancos nacionais para repasse às empresas
domésticas;
• modificação da legislação para facilitar as remessas de lucros ao
exterior.

O conteúdo heterodoxo do PAEG na visão de André Lara Resende


Lara Resende, no seu estudo sobre a estabilização dos anos 60, defende que
o PAEG não foi um programa perfeitamente ortodoxo que há um caráter
heterodoxo no diagnóstico e na estratégia do Programa de Ação Econômica do
Governo (PAEG).
A teoria ortodoxa relaciona a causa de inflação com a excessiva expansão
monetária, devido ao financiamento do déficit público (o tesouro nacional vende
títulos ao BACEN transferindo a este o direito de emitir moeda). A ortodoxia
aponta políticas monetária e creditícia restritivas para enxugar o excesso de
moeda no mercado. Também seria necessário política fiscal restritiva, que
reduz o déficit público e reformula a estrutura de gastos do governo
considerada ineficiente e causadores de distorções da economia. Quanto ao
balanço de pagamentos, sugere o câmbio “realista” (flexível, pois a intervenção
do governo mantinha a taxa de câmbio sobrevalorizada prejudicando
exportações) e redução da proteção tarifária à indústria ineficiente. A ortodoxia
acredita que o

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mercado de trabalho é o último a se ajustar às políticas restritivas mencionadas


acima. Isto acontece por causa do poder de mercado dos sindicatos e da
rigidez das expectativas que mantêm os salários reais acima do nível
compatível com o equilíbrio não inflacionário.
Segundo Lara Resende, o PAEG apresenta um diagnóstico heterodoxo, à
medida que "atribui à inconsistência na esfera distributiva da economia a causa
da inflação e que vê na expansão monetária não um fator autônomo de
pressão inflacionária, mas o veículo de ratificação, ou de propagação dessas
pressões." Seu diagnóstico aponta para a incompatibilidade entre as parcelas
reivindicadas pelo governo, pelas empresas para investimento e pelos
trabalhadores para consumo, como causa da inflação. A expansão monetária,
segundo o PAEG, apenas sanciona a inflação decorrente de tal “inconsistência
da política distributiva”.
O autor enfatiza a heterodoxia no aspecto do programa de acentuar a
necessidade de promover a estabilização monetária sem comprometer as
taxas de crescimento econômico. Suas intenções demonstram demasiada
preocupação com a manutenção das taxas de crescimento e, portanto, alguma
tolerância com a inflação, que deve ser combatida através de estratégia
gradualista.
A política econômica do PAEG não se restringiu às soluções dadas pela
ortodoxia. A convicção da necessidade de reformas institucionais acompanhou
o PAEG desde seu diagnóstico. Procurou-se ativar a bolsa de valores e foram
criados bancos de investimento para se estimular a poupança privada. Criou-se
o Banco Nacional de Habitação sendo um agente de captação da poupança
privada forçada. Em um primeiro momento, esses fundos foram utilizados para
absorver os títulos da dívida pública, financiando o déficit público. A instituição
da correção monetária (um mecanismo de indexação) permitiu a captação da
poupança privada voluntária e a reativação do sistema financeiro.
Outra área de ação da política econômica foi o setor externo. Criaram-se e
reformularam-se instituições públicas ligadas ao comércio exterior; instituíram
se estímulos fiscais às exportações que culminaram com a indexação da taxa
de câmbio (em 68) com o nome de mini desvalorização, na tentativa de manter
a paridade do poder de compra entre a moeda doméstica e o dólar.
Na terapia para combater à inflação, a política de rendas, em especial a política
salarial, teve um papel fundamental. O processo desinflacionário do PAEG
substituiu a negociação salarial por uma fórmula oficial de reajuste, ou seja,
usou o poder de repressão sobre a sociedade e principalmente sobre os
sindicatos, para se chegar ao objetivo da ortodoxia: solucionar o impasse
distributivo através da redução da parcela salarial. Neste ponto o plano de
estabilização de 1964 se

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afasta um pouco da ortodoxia, pois o estado intervém diretamente sobre o


impasse distributivo. A ortodoxia utiliza da restrição de liquidez, deixando ao
mercado o encargo de selecionar os mais fracos. As políticas monetárias e
fiscais restritivas, na realidade, são regressivas, ou seja, seus custos recaem
sobre os desempregados e sobre as pequenas e médias empresas incapazes
de ter acesso ao crédito racionado.

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