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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS


DEPARTAMENTO DE ECONOMIA AGRÍCOLA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA RURAL
DISCIPLINA MACROECONOMIA APLICADA I

FRANCISCO CÉLIO
ALINE VIEIRA

LEI DE RESPONSABILIADE FISCAL

Trabalho apresentado como


requisito avaliativo para obtenção
parcial da nota da disciplina de
Macroeconomia Aplicada I,
ministrada pelo Prof. Dr. José de
Jesus Sousa LEMOS .

FORTALEZA/CE
2022
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1. INTRODUÇÃO

A Lei complementar nº101, de 4 de maio de 2000, que estabelece normas de finanças


públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providencias, tornou-se
conhecida como a Lei de Responsabilidade Fiscal e significou um marco no processo de
estabilidade econômica do Brasil.
Para compreender os fundamentos e a importância da lei de responsabilidade fiscal, é
preciso compreender o momento que o país estava passando e as demandas socioeconômicas
daquele período.
A década de 90 foi marcada por intensos períodos de transição. Seja pelo processo de
redemocratização do Brasil, com o retorno das eleições diretas, seja pelo processo de construção
de estabilidade econômica, através do plano real e responsabilidade fiscal.
O Plano real foi uma reforma econômica neoliberal implementada com o objetivo de
conter a hiperinflação, que girava em torno de 2700% em 1993 e corroía a moeda nacional,
diminuindo o poder aquisitivo da maior parte da população brasileira.
Tinha como meta o equilíbrio das contas públicas, reduzindo gastos e aumentando
receitas. O aumento dos impostos, das taxas de juros, o corte de repasses voluntários a Estados
e Municípios, privatizações de empresas estatais, foram algumas das medidas adotadas.
Ainda no ano de 1993, após o impeachment de Fernando Collor e posse do então
presidente Itamar Franco, foi lançada uma nova moeda, chamada cruzeiro real.
Em 1994, cria-se, por medida provisória, a URV (Unidade Real de Valor), uma espécie
de indexador que seria responsável pela conversão de valores monetários entre o cruzeiro real
e a nova moeda nacional, o Real.
A URV evitou o congelamento de preços, facilitando a transição entre as moedas
nacionais. O Real conseguiu fazer despencar a inflação, que caiu de 46,58% para 6,08% ao
mês. Houve um aumento no poder aquisitivo dos brasileiros, aumentando seu consumo e
produção de bens e serviços.
A abertura econômica foi incentivada pela redução de tarifas e simplificação na
prestação de serviços internacionais, bem como a manutenção artificial do cambio, que
sobrevalorizava o real, mantendo paridade com o dólar.
O Plano Real, por fim, foi bem sucedido no combate à inflação. Porém outros aspectos
macroeconômicos traziam preocupação: por conta da política cambial, a balança comercial
brasileira começou a apresentar déficits a partir de 1995, interrompendo um histórico de
superávits iniciado em 1983.
A competitividade do produto nacional entrou em queda, o que passou a afetar a
produtividade, mostrando que era preciso rever a política externa. O déficit das transações
correntes, que engloba a balança comercial e de serviços, associada `a alta dos juros causaram
um baixo crescimento econômico e consequente desemprego.

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Como o resultado das transações correntes é dado pelo saldo da balança comercial mais
a renda líquida recebida do exterior, esse déficit também afetou o Produto Nacional Bruto,
ensejando a necessidade de equilíbrio fiscal

O governo federal precisou recorrer a empréstimos do FMI, que impôs suas


condições, dentre elas o ajuste fiscal. Nesse contexto, o então presidente Fernando
Henrique Cardoso encaminha ao Congresso nacional um projeto de lei
complementar que regulamenta as finanças públicas com foco na contenção dos
gastos e responsabilidade fiscal.
A lei de responsabilidade fiscal, traz uma série de inovações ao texto
constitucional e é editada na esteira da vontade da sociedade em exigir moralidade
e responsabilidade dos governantes frente ao Estado endividado e contaminado
pelo desequilíbrio fiscal, com base na transparência, controle e responsabilidade.
Tendo esta preocupação, o modelo de referência adotado foi o do Fundo Monetário
Internacional (FMI), que já havia sido patamar para outros países, tendo como objetivo um
ajuste fiscal permanente com grande preocupação quanto à geração das despesas públicas, que
não mais podem ser incrementadas senão quando da estimativa do impacto orçamentário-
financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes além de declaração
do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei
orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes
orçamentárias.

1.1 Breve Histórico sobre Instrumento Orçamentário Brasileiro

De início, coube à Lei n°4320, de 1964, conhecida como “Lei de Finanças Públicas”,
fixar normas de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da
União, Estados, Municípios e do Distrito Federal. A Lei n° 4320/64 notabilizou-se pela
definição dos princípios basilares do Orçamento Público (universalidade, orçamento bruto,
unidade, transparência, exclusividade). Além disso, a Lei n°4320/64 regulamentou a abertura
de créditos orçamentários, ou seja, a destinação de recursos públicos a ações de governo,
especificando condições para sua autorização, como a indicação prévia de recursos e a
existência de aprovação legislativa.

O Decreto-Lei n°200, de 1967, dispôs sobre a organização da Administração Pública Federal.


Esse decreto promoveu a separação do aparelho administrativo do Estado em duas categorias:
administração pública direta e indireta. Entre os órgãos que compõem a administração direta
encontram-se os Ministérios. Entre as entidades que compõem a administração indireta, dotadas
de personalidade jurídica própria, encontram-se autarquias,empresas públicas, sociedades de
economia mista e as fundações públicas.

A Constituição Federal, sancionada em 1988, concebeu os instrumentos fundamentais de


planejamento e orçamento público: Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA). Além de normatizar diversas orientações de caráter
orçamentário, também coube à Constituição Federal fixar prazos de encaminhamento dos
documentos orçamentários, determinar a criação de uma comissão parlamentar permanente de

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orçamento – Comissão Mista de Orçamento – CMO e disciplinar a autorização para abertura
de créditos adicionais.

A lógica dessas Leis parte do princípio de que o Plano Plurianual procura nortear as ações do
setor público pelo prazo de quatro anos, cabendo às Leis de Diretrizes Orçamentárias as
estratégias para a elaboração do orçamento, completando-se com a própria elaboração do
orçamento anual. A Constituição exige também no seu artigo 167 que nenhum investimento,
cuja execução ultrapasse um exercício financeiro, poderá ser iniciado sem prévia inclusão no
Plano Plurianual, ou sem Lei autorizativa da inclusão.

Outro mecanismo criado que veio a favorecer o aprimoramento do processo orçamentário


brasileiro, foi a Reforma Gerencial de 2000, que deslocou o enfoque, até então incidente sobre
o controle da despesa, para a obtenção de resultados, além da adoção do planejamento
estratégico. Baseado na ideia de que os programas governamentais devem solucionar os
problemas enfrentados pela sociedade, sugeriu-se um conjunto de medidas capazes de otimizar
o uso dos recursos públicos, especialmente:
a) cobrança de resultados;
b) responsabilização de gestores;
c) fixação de metas para as ações;
d) adoção de indicadores de desempenho para medir a eficácia dos programas.

Outro episódio relevante na história do Orçamento brasileiro consistiu na aprovação da Lei


Complementar nº 101 de 2000 conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que
estabeleceu normas de finanças públicas voltadas para promover o equilíbrio das contas
públicas. A LRF estabeleceu limites para os gastos com pessoal e define diretrizes para o
endividamento público (cujos limites são definidos pelo Senado Federal, como determina a
Constituição de 1988).

A Lei de Responsabilidade Fiscal ampliou também o rol de atribuições das leis orçamentárias,
tornando imperativa, por exemplo:
- Elaboração do Anexo de Metas Fiscais, no qual são divulgados os valores das metas anuais
do setor público;
- Divulgação de informações sobre os resultados nominal, primário e o montante da dívida
pública;
- Inclusão de dispositivo determinado que o Poder Executivo estabeleça a programação
financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso;
- Promoção da transparência fiscal, mediante a exigência de realização de audiências públicas
e o incentivo à participação popular na discussão das leis orçamentárias; e
- Obrigatoriedade da publicação de documentos evidenciando o desempenho das contas
públicas.

A Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF introduz o princípio da gestão fiscal responsável e a


efetiva utilização do planejamento fiscal, realista e responsável; o art. 4º da LRF determina que
a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), forneça os parâmetros para a elaboração do
orçamento do ano seguinte, incorporando o Anexo de Metas Fiscais e Anexo de Riscos Fiscais,
onde devem ser explicitadas, para o exercício a que se referem e para os dois seguintes:
- as receitas e despesas, em valores correntes e constantes;
- resultados nominal e primário;
- montante da dívida pública;
- uma avaliação do cumprimento das metas do ano anterior;
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- demonstrativo das metas anuais e metodologia de cálculo comparando com as fixadas nos
três exercícios anteriores, destacando a compatibilidade entre as premissas adotadas e os
objetivos da política econômica nacional;
- evolução do patrimônio líquido dos últimos três exercícios, destacando a origem e aplicação
dos recursos obtidos com a alienação de ativos;
- avaliação da situação financeira e atuarial dos regimes de previdência e fundos de natureza
atuarial;
- demonstrativo da renúncia e compensação de renúncia de receita;
- demonstrativo da margem de expansão das despesas de caráter continuado.

Nenhum governante poderá criar nova despesa continuada, por mais de dois anos, sem indicar
sua fonte de receita ou sem reduzir despesas já existentes desde que não comprometam o
Orçamento Anual e os Orçamentos futuros. A LRF veio consolidar, em conjunto com a Lei
4.320/64, que rege a legislação orçamentária, um enfoque mais rígido sobre as despesas de
pessoal e os limites de endividamento para a obtenção do equilíbrio orçamentário. Devemos
também observar que a imposição do Anexo de Metas Fiscais quando da elaboração da Lei de
Diretrizes Orçamentárias antecipa a previsão de receitas e despesas para o ano seguinte e os
dois períodos subsequentes.

1.2 Mudanças ocorridas a partir da inserção da LRF

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) é o principal instrumento regulador das contas públicas
no Brasil, estabelecendo metas, limites e condições para gestão das Receitas e das Despesas e
obrigando os governantes a assumirem compromissos com a arrecadação e gastos públicos.

A LRF contém o Relatório de Gestão Fiscal (RGF) e o Relatório Resumido de Execução


Orçamentária (RREO). As informações contidas nesses documentos, além de determinar
parâmetros e metas para a administração pública, permite avaliar com profundidade a gestão
fiscal do Executivo e do Legislativo.

A Lei de Responsabilidade Fiscal trouxe para os entes federativos uma importante contribuição
para o ajuste fiscal, reforçando o seu potencial tributário, fazendo com que os governantes
desenvolvessem uma política tributária responsável e, cobrando, efetivamente, todos os tributos
de sua competência. Uma administração transparente e democrática deve mostrar o que fazer e
de onde vai tirar os seus recursos, para contar com a confiança da população, que pagará seus
tributos de maneira mais consciente e motivada.

A solução estabelecida pela Lei de Responsabilidade Fiscal é consequência de um longo


processo de evolução das instituições orçamentárias no Brasil, que gerou na sociedade a
percepção de que o governante não deve, em média, gastar mais do que arrecada. Em 1998,
quando a Lei começou a ser concebida, no entanto, o diagnóstico da situação fiscal brasileira
indicava a presença de déficits imoderados e reiterados em todos os níveis de governo,
historicamente financiados através de inflação, impostos, dívida e, mais recentemente,
privatização.

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2. DESPESA PÚBLICA

De acordo com Andrade (2009) Despesa Pública compreende todo o gasto ou dispêndio da
Administração, no cumprimento das obrigações estipuladas no orçamento, como obras e
serviços, aquisição de bens, despesas com a máquina administrativa, nos termos da Constituição
ou em função de contratos e outros instrumentos na concretização de uma atividade ou
empreendimento governamental.

Segundo Kohama (2012), constituem despesa pública os gastos fixados na lei orçamentária ou
em leis especiais e destinados à execução dos serviços públicos e dos aumentos patrimoniais; à
satisfação dos compromissos da dívida pública; ou ainda à restrição ou pagamento de
importâncias recebidas a títulos de cauções, depósitos, consignações, etc.

A Contabilidade Pública, por sua vez, registra os acontecimentos, mostra o que a administração
realizou, em termos financeiros. Realiza uma retrospectiva, ao passo que o orçamento é
prospectivo. A Contabilidade é um instrumento essencial de controle financeiro e fornece ao
orçamento uma metodologia de trabalho, uma estrutura de contas e quantificação de dados
produzidos pela gestão administrativa. Portanto, pode-se concluir que a Despesa Pública
classifica-se em dois grandes grupos, a saber: Despesa Orçamentária e Despesa Extra-
Orçamentária.

3. DESPESAS COM PESSOAL NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

3.1 Conceito de despesa com pessoal

A LRF abrange diversos setores e uma de suas metas primordiais é a redução dos gastos com
pessoal e estabelecer limites, com a finalidade de disciplinar à gestão dos recursos públicos,
onde a transparência das contas é obrigatoriedade da Administração Pública.

A despesa com pessoal é um assunto que vem sendo regulamentado desde 1995, a partir da Lei
Complementar nº 82 (Lei Camata) e sua reedição, a Lei Complementar nº 96, revogada pelo
artigo 75° da LRF. O artigo 18° da LRF estabelece que despesa total com pessoal consista na
soma dos gastos do ente da Federação com os servidores, relativos a mandatos eletivos, cargos,
funções ou empregos, civis, militares e de membros do Poder, com quaisquer espécies
remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens fixas, subsídios, inclusive adicionais,
gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos
sociais e contribuições pelo ente às entidades de previdência.

3.2 Conceito de Receita Corrente Líquida (RCL)

O inciso IV do artigo 2º da LRF cita que a RCL consiste no somatório das receitas tributárias,
de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes
e outras receitas também correntes, consideradas algumas deduções.

De acordo com a LRF, nos Municípios, da RCL são deduzidas:


a) A contribuição dos servidores para o custeio do seu sistema de previdência e assistência
social;
b) As receitas provenientes da compensação financeira dos vários regimes de previdência
social, na contagem do tempo de contribuição na Administração Pública e em atividades
privadas, rural e urbana. Serão computados, também, os valores pagos e recebidos em
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decorrência do fundo estabelecido no artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT), como o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).

O Conceito desse termo é dado pela Lei Complementar nº 101/00, art. 2º, IV, transcrito a seguir,
que exclui entre as receitas correntes as referentes a duplicidades, tais como transferências
intragovernamentais, transferências ao FUNDEF, contribuição de servidores municipais aos
institutos de previdência e assistência social, assim como as de compensação financeira entre
os institutos, que é apurada somando-se as receitas arrecadadas no mês em referência e nos 11
anteriores.

A Lei de Responsabilidade Fiscal uniformizou o denominador utilizado para cálculo


dos limites das despesas total com pessoal, tanto global como por poder e órgãos
referenciados no artigo 20 da lei, através do estabelecimento da Receita Corrente Líquida.

3.3 Relatório de Gestão Fiscal (RGF)

A Lei de Responsabilidade Fiscal, em seu art. 54 disciplina que ao final de cada


quadrimestre será emitido pelos titulares dos Poderes e órgãos referidos em seu art. 20 o
relatório de gestão Fiscal, de acordo com a portaria nº 559 do STN/MF de 14 de dezembro de
2001; o relatório abrangerá todos os poderes e o Ministério Público e sua composição se dará,
conforme segue:
-Demonstrativo de despesa pessoal;
-Demonstrativo de dívida consolidada;
-Demonstrativo das garantias e contragarantias de valores;
-Demonstrativo de operações de crédito;
-Demonstrativo da disponibilidade de caixa;
-Demonstrativo dos restos a pagar;
-Demonstrativo da despesa com serviços de terceiros;
-Demonstrativo dos limites;
-Percentuais de aplicação em Educação e saúde.

3.4 Limitações de acordo com a Legislação

A limitação do gasto com pessoal é um dos mecanismos utilizados pela LRF para estabelecer
ao gestor público a responsabilidade com os bens públicos com o objetivo que é o equilíbrio
das contas públicas.

Para a União, os limites máximos para gastos com pessoal (50% da Receita Corrente
Líquida) são assim distribuídos:
- 2,5 % para o Poder Legislativo, incluindo o Tribunal de Contas;
- 6 % para o Judiciário;
- 0,6 % para o Ministério Público da União;
- 3 % para custeio de despesas do DF e de ex-territórios;
- 37,9% para o Poder Executivo.

Nos Estados, os limites máximos para gastos com pessoal (60% da Receita Corrente
Líquida) serão:
- 3% para o Poder Legislativo, incluindo o Tribunal de Contas;
- 6% para o Poder Judiciário;
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- 2% para o Ministério Público;
- 49% para as demais despesas de pessoal do Executivo.

Nos Municípios, os limites máximos para gastos com pessoal (60% da Receita Corrente
Líquida) serão:
- 6% para o Legislativo;
- 54% para o Executivo;

Conforme o § 1º, inciso II, do artigo 59 da LRF, o Poder Legislativo, diretamente ou com auxílio
dos Tribunais de Contas, e o sistema de controle interno de cada Poder e do Ministério Público,
fiscalizarão o cumprimento das normas dessa Lei Complementar,

4 A experiência internacional

As regras fiscais da atualidade se diversificam bastante em termos de formato e padrões de


implementação. Muitas das regras hoje existentes podem ser definidas como restrições
permanentes sobre indicadores de performance, como, por exemplo, o resultado fiscal e a
dívida pública.

Destinam-se, pelo menos inicialmente, a reverter a escalada da dívida, a restaurar a


sustentabilidade fiscal ou a melhorar a credibilidade das políticas macroeconômicas. A
natureza e força das regras diferem de país para país. Entretanto, em praticamente todos os
casos o objetivo tem sido restringir a discricionariedade dos atores estratégicos nas tomada de
decisões fiscais.

A base legal das regras fiscais também varia consideravelmente. Em geral, as regras são
introduzidas por lei ou vêm inseridas na própria constituição do país, estado ou província.
Excepcionalmente se resumem a diretrizes administrativas aplicáveis à política fiscal em
vigor. Se tais regras têm a predisposição de afetar mais de um país, é comum que sejam objeto
de tratados internacionais, como o de Maastricht, na União Européia.

Embora na maioria dos casos as regras sejam introduzidas em decorrência de crises fiscais
intensas, elas são também adotadas como forma de reduzir a vulnerabilidade a novas crises.
Tudo vai depender, portanto, do contexto de inserção das regras e de sua finalidade. Os
Quadros 1 e 2 resumem algumas das regras adotadas por países da OECD – Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico e por países latino-americanos.

4.1 Regras, sanções e exceções - Países da OECD

Alemanha * 2002 Pacto de Estabilidade Interna


Regra: Obrigatoriedade de orçamento equilibrado para o governo federal, estados e
municípios.
Sanções: Não há sanções explícitas.
Exceção: O déficit é permitido para financiar investimentos.

Áustria * 2000 Pacto de Estabilidade Interna


Regra: Fixação de piso mínimo para o resultado fiscal em todos os níveis de governo (varia
de 0 a 0,75 do PIB).

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Sanções: Multas (em torno de 8 por cento do piso) para os governos que ficarem abaixo do
piso.
Exceção: As multas não são aplicáveis no caso de grave retração econômica.

Bélgica * 1996 a 2002 Tratados Intergovernamentais


Regras: Fixação de limites para o déficit de todos os níveis de governo.
Sanções: Restrições à realização de empréstimos pelos governos subnacionais.
Exceções: Não há exceções expressas.

Canadá * 1998 Plano de Refinanciamento de Dívidas


Regra: Política de equilíbrio fiscal ou superávit no nível federal e maioria das províncias.
Sanções: Redução de salários para os administradores públicos, realização de eleições
forçadas para cargos nos governos
deficitários, entre outras, de acordo com a própria legislação das províncias.
Exceção: Os déficits são permitidos na condição de utilização de reservas de contingência.

Espanha * 2003 Pacto de Estabilidade Fiscal


Regra: Obrigatoriedade de equilíbrio fiscal ou superávit em todos os níveis de governo, com
restrição de gastos.
Sanções: Não há sanções explícitas.
Exceção: Os déficits são permitidos em situações excepcionais e temporárias, mediante
apresentação de plano de re-equilíbrio das finanças ao Parlamento.

EUA * 1990 a 2002 Lei de Asseguração do Orçamento (Budget Enforcement Act)


Regra: Fixação de limites de médio prazo para gastos discricionários.
Sanções: Suspensão de fundos federais equivalentes aos valores excedentes.
Exceção: Os excessos nos gastos eram permitidos na hipótese
de aprovação de apropriações de emergência.

Polônia * 1999 Lei de Finanças Públicas (Act on Public Finances)


Regra: Observância do limite constitucional de 60 por cento do
PIB para a dívida pública geral.
Sanções: Restrições ao déficit de todos os níveis de governo, tão
logo a dívida ultrapasse 50 por cento do PIB.
Exceções: Não há exceções expressas.

Suíça * 2001 Regra de Contenção de Dívidas


Regra: Fixação de teto para os gastos governamentais
equivalente ao total das receitas ajustadas ao ciclo econômico.
Sanções: Não há sanções explícitas, mas os desvios devem ser corrigidos num prazo de três
anos.
Exceções: Circunstâncias excepcionais definidas como tal por maioria absoluta das duas
câmaras do Parlamento.

União Européia * 1992 Tratado de Maastricht e Pacto de Estabilidade e Crescimento (1997)


Regra: Fixação de limites de 0,03 do PIB para o déficit e 0,60 para a dívida.
Sanções: Depósitos não-remunerados de 0,2 por cento do déficit, além de outras sanções
financeiras.
Exceções: Circunstâncias excepcionais, particularmente a queda de mais de 2 por cento da
atividade econômica.
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Uma observação interessante em relação aos países da OECD é que as cláusulas de escape
geralmente estão ausentes em duas situações: 1) não há sanções previstas para o
descumprimento das regras ou 2) as regras são adotadas para vigorar por um período definido.

Em última instância, a experiência dos países desenvolvidos sugere que, para fazerem face às
circunstâncias inesperadas e, com isso, perdurarem por muito tempo, as regras fiscais precisam
admitir certo grau de flexibilização. Os Estados Unidos fornecem um exemplo paradigmático:
os limites para o déficit estabelecidos em 1985 pelo Gramm-Rudman Act foram amplamente
desobedecidos e posteriormente flexibilizados. Em seu lugar, foi instituído o Budget
Enforcement Act, em 1990, que fixou limites ao gasto discricionário. Ambas as regras havia
sido instituídas para vigorar por um período de 5 anos, sem prorrogação.

A diferença desta última regra em relação à primeira é que seus limites poderiam ser
desconsiderados na ocorrência de situações de emergência. O fato é que, diante de superávits
orçamentários, os limites foram considerados desnecessários e acabaram sendo suspensos
mediante uma série de apropriações emergenciais. Um exemplo extraído de regras ainda em
vigor vem da União Européia: o Tratado de Maastricht e o Stability and Growth Pact de 1997
fixaram o limite do déficit em 3 por cento do PIB e o da dívida em 60 por cento, pressupondo
uma tendência de crescimento de 3 por cento do PIB e uma inflação prevista para 2 por cento
aproximadamente. Entretanto, ainda que os países excedam o limite estabelecido para o déficit,
há margens nas cláusulas de escape para a dispensa de quaisquer sanções financeiras.

Em que pesem os limites, as sanções e as exceções, as regras não conseguiram evitar a


deterioração do equilíbrio fiscal em alguns países membros. Uma das razões foi que as
projeções iniciais de crescimento foram superestimadas. Em conseqüência, o aumento da
arrecadação que se seguiu às fases de incremento econômico não foi reconhecido como
temporário, tornando-se posteriormente insuficiente para dar conta do crescimento das
demandas do setor público.

Com isso, surgiu a partir de 2001 uma predisposição dos países participantes em substituir o
Pacto de Estabilidade e Crescimento por uma regra que seja ajustada aos ciclos econômicos.
Contudo, algumas dessas regras foram também substituídas ou revogadas, tão logo o equilíbrio
fiscal foi alcançado. A diversidade de países da União Européia deixa evidente que os motivos
da adoção de regras de diferente natureza, por um lado, e da sua eventual revogação, por outro,
dependeram de fatores econômicos, políticos e sociais inerentes a cada país.

4.2 Regras, sanções e exceções - Países da América Latina

Argentina * 2000 Lei de Solvência Fiscal


Regra: Obrigatoriedade de resultado fiscal equilibrado para o governo central, com adoção de
limites numéricos para o déficit e despesas não-financeiras (a maioria das províncias adotou
regra semelhante através de pactos com o governo federal).
Sanção: Perda de credibilidade no mercado de crédito.
Exceções: Em situações emergenciais, utilização do Fundo Fiscal Anticíclico.

Chile Diretrizes de política fiscal * 2000


Regra: Resultado fiscal equilibrado para o governo central, com piso obrigatório para o
superávit (1 por cento do PIB).
Sanção: Perda de credibilidade no mercado de crédito.
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Exceções: Em situações emergenciais, utilização de fundos de contingência; possibilidade de
compensação de déficits em anos subseqüentes.

Colômbia * 1997 e 2000 Lei 357 (1997) e Lei 617 (2000)


Regras: Resultado fiscal equilibrado para os governos subnacionais; observância de limites para
o pagamento de juros; limitação de gastos em geral.
Sanções: Penalidades judiciais e financeiras.
Exceções: São excluídas dos limites as despesas com investimentos; os déficits não são
penalizados na hipótese de adoção de programas de resgate fiscal num prazo de dois anos.

Equador * 2003 Lei de Responsabilidade, Estabilização e Transparência Fiscal


Regras: Resultado fiscal equilibrado para o governo central,
excluindo-se as receitas derivadas de petróleo; o incremento
anual do gasto primário não deve exceder a 3,5 por cento; a
redução anual do déficit deve ser de 0,2 por cento do PIB.
Sanções: Penalidades judiciais.
Exceções: Em situações emergenciais, utilização de fundos de
contingência.

México * 2000 Sistema de Controle da Dívida


Regra: Restrição ao endividamento dos governos subnacionais, mediante sinalização do risco.
Sanção: Perda de credibilidade no mercado de crédito.
Exceções: Não há obrigatoriedade para a redução do déficit, mas há fortes incentivos do
governo federal neste sentido.

Peru * 2000 Lei de Prudência e Transparência Fiscal


Regras: Obrigatoriedade de resultado fiscal equilibrado para o governo central; o déficit do
setor público não deve exceder 1 por cento do PIB; limites para despesas não-financeiras.
Sanções: Penalidades judiciais.
Exceções: No caso de emergência nacional ou crise internacional, o limite do déficit passa a ser
2 por cento do PIB; utilização de fundos de contingência.

Na América Latina as regras também variam perceptivelmente em termos de formato e


abrangência. Há regras que incidem exclusivamente sobre o resultado fiscal do nível nacional
(Argentina, Chile e Peru) ou apenas sobre as finanças dos governos subnacionais (México),
enquanto outras se aplicam a todos os níveis de governo (Colômbia). Algumas estabelecem
limites numéricos para o déficit (Argentina, Equador e Peru) ou percentual mínimo para o
superávit (Chile). As sanções variam de eventuais perdas de reputação no mercado de crédito
(Argentina, Chile e México) a sanções judiciais ou financeiras (Colômbia, Equador e Peru).

Dois casos merecem ressalvas: a Argentina, pela iniciativa própria da maioria das províncias
em adotar regras de equilíbrio fiscal (o que a literatura chama de bottom-up, em contraste com
o padrão top-down dos demais países), e o México, pelo fato de não adotar regras fiscais
propriamente ditas, mas um sistema de incentivos para os governos subnacionais que
cooperarem com as políticas federais de ajuste fiscal.

A maioria das regras adotadas pelos países latino-americanos admite certo grau de flexibilidade,
a exemplo dos países desenvolvidos. De uma maneira geral, o princípio da flexibilização foi
inserido também por via de cláusulas de escape, com critérios de acionamento na ocorrência de
choques macroeconômicos exógenos, ou da sua iminência. São exemplos de tal providência os
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fundos de contingência, destinados à acumulação de reservas no auge da atividade econômica,
para delas se extrair em períodos de crise, e as apropriações de emergência, que nada mais são
do que gastos autorizados em circunstâncias excepcionais.

Outra cláusula de escape comum nos dois grupos de países é a chamada “regra de ouro”, através
da qual os governos se comprometem a manter apenas o equilíbrio orçamentário corrente, o
que gera a possibilidade de gastos com investimentos em obras de infra-estrutura. Ademais,
alguns países tiveram o cuidado de estabelecer um critério de convergência. Na Argentina, por
exemplo, foi instituído um programa de ajuste inicial de médio prazo, com a divulgação
antecipada de metas para diversos indicadores fiscais (equilíbrio geral, equilíbrio corrente, etc).
O programa explicitava medidas aplicáveis a desvios em relação às metas na eventualidade de
crises fiscais e choques econômicos.

Qualquer que seja o caso, o objetivo da flexibilidade é acomodar o resultado fiscal a choques
externos ou flutuações cíclicas na atividade econômica. Conquanto se torne quase impossível
especificar de antemão todas as contingências passíveis de vir à tona, a experiência
internacional instiga a utilização de regras facilmente ajustáveis aos ciclos da economia, por
oferecem maior efetividade na garantia de equilíbrio fiscal, face à ação de circunstâncias
inesperadas ou de fatores inerentes à própria situação política, econômica ou social dos países
que a adotarem.

4.3 Brasil: a Lei de Responsabilidade Fiscal

A exemplo da pioneira congênere neozelandesa (Fiscal Responsibility Act, de 1994), a LRF


brasileira foi inicialmente adotada com fins de combate à inflação e assemelha-se ao sistema
adotado pela União Européia (Tratado de Maastricht e Pacto de Estabilidade e Crescimento)
não apenas em termos da adoção de limites numéricos ao déficit, mas também por destinar-se
a superar problemas de externalidades negativas geradas pelos diferentes estados e evitar
potenciais bailouts – ou socorro financeiro – dos governos fiscalmente displicentes.

A referida lei, estabeleceu a “regra de ouro”, como forma de amenizar o congestionamento de


demandas de investimento público. Uma outra semelhança com as regras fiscais da OECD e da
América Latina é a existência de cláusulas de escape, mais precisamente a utilização de reservas
de contingência na ocorrência de eventos fiscais imprevistos. Todavia, fica sujeita à
discricionariedade dos parlamentares brasileiros a interpretação de eventos e seu possível
enquadramento nas categorias de calamidade nacional ou grave crise fiscal, para só então serem
invocadas as cláusulas de escape previstas na regra.

A Lei reforçou mediadas anteriores e introduziu regras adicionais de equilíbrio orçamentário.


As principais delas são a obrigatoriedade da correspondência entre despesas e receitas para o
ano em curso e os dois anos subseqüentes, a vedação de se contraírem empréstimos pelos
governos junto às instituições financeiras das quais forem acionistas principais e a proibição de
se concederem benefícios fiscais no orçamento, exceto quando se indicar a fonte de seu
financiamento para os dois anos seguintes. Os efeitos dos ciclos eleitorais nas contas públicas
também são lembrados na LRF (art. 42), na medida em que só serão autorizadas despesas de
final de mandato quando se apontarem recursos suficientes para tanto.

A LRF é bastante detalhada em termos de conteúdo, especificando não apenas a natureza das
políticas fiscais a serem adotadas pelos governos, mas também os procedimentos operacionais
necessários à garantia do cumprimento da regra, além de padrões de transparência e penalidades
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financeiras. Cada nível de governo dispõe de um limite uniforme para a razão dívida-receita, o
que implica num ajuste fiscal a ser executado num período especificado de exercícios
financeiros. A LRF impõe limites adicionais ao gasto com a folha de pagamento, com o fito de
conter o crescimento de um dos principais componentes da despesa pública. Os estados estão
obrigados a incluir na sua Lei de Diretrizes Orçamentárias um anexo de metas de resultado
primário, não penas para o exercício corrente, mas também para os dois anos subseqüentes.

Uma importante inovação da LRF foi o estabelecimento de tetos para as dívidas dos estados.
Os tetos são fixados como proporção da receita corrente de cada unidade federativa. O objetivo
é reduzir a dívida pública para no máximo 40 por cento do PIB, num período de 15 anos. O
mais importante é que cada governo subnacional pode adotar um ritmo diferente de redução da
dívida, a depender de quanto representava a dívida em proporção de suas receitas em dezembro
de 2001.

Os excessos em relação ao teto devem ser eliminados no prazo de um ano, caso contrário haverá
interrupção no fluxo das transferências discricionárias oriundas do governo federal, além de
outras sanções como a negação de garantias de crédito para os governos faltosos. No caso de
séria instabilidade econômica ou mudança drástica na política monetária, tais limites podem ser
alterados pelo Senado Federal. A redução do déficit como proporção da receita também é
estabelecida por etapas, com a fixação de metas anuais de superávit primário na lei de diretrizes
orçamentárias dos estados (Art. 4o, §1o).

Por tudo isso, a Lei de Responsabilidade Fiscal veio a ser um dos principais mecanismos
utilizados pelo governo federal para assegurar a manutenção do ajuste estrutural levado a cabo
por intermédio de medidas anteriores, que incluíram a privatização de bancos estaduais e os
acordos de reestruturação e ajuste fiscal firmados com os estados. Uma simples observação do
desempenho fiscal dos governos estaduais mostra que os estados brasileiros passaram, em
média, a produzir resultados primários positivos a partir de 2000, em percentual de sua receita
total, conforme se percebe claramente no Gráfico 1.

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Gráfico 1 Média do resultado primário dos estados (1993-2004)

Fonte dos dados: Tesouro Nacional


4 Os acordos de refinanciamento de dívidas dos estados com o governo federal e os programas de
ajuste fiscal dos governos subnacionais serviram de base para a criação da Lei e vieram por ela a
serem reforçados. Em 2000, apenas os estados de Tocantins e Amapá não haviam assinado acordos
de refinanciamento(Goldfajn & Guardia, 2004).

Em que pese a obrigatoriedade da regra de geração de superávit primário, observam-se ainda


divergências no resultado fiscal de alguns estados e mesmo da União. Remetendo-nos ao fato
de que são instituições do sistema político, portanto, não somente as sanções e incentivos
previstos nas regras fiscais, concorrem para mudanças na postura fiscal dos governos.

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