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O REGIME DO DÓLAR-WALL STREET

O colapso dos pilares centrais do regime Bretton Woods no inicio da década


de 1970 foi muitas vezes apresentado, tanto nos EUA como em outros países, como
uma espécie de derrota para um capitalismo americano enfraquecido, envolvendo a
queda de sua favorecida ordem monetária internacional e um deslizamento em
direção a um caótico “não-sistema”. Mas a realidade era muito diferente. O governo
Nixon estava determinado a romper uma série de disposições institucionalizadas,
que limitavam o domínio dos EUA na politica monetária internacional, de modo a
estabelecer um novo regime que lhe daria um poder monocrata sobre os negócios
monetários internacionais. O capital dos EUA estava realmente sendo desafiado por
seus rivais capitalistas em mercados de produção da época. A quebra do sistema
BW era parte de uma estratégia para restaurar o domínio dos capitais americanos,
transformando o sistema monetário internacionais em um regime de padrão dólar.
Houve dois momentos decisivos na historia. O primeiro foi a decisão de
Nixon de cortar a ligação entre o dólar e o ouro em 1971. E SEGUNDO foi o
aumento do preço do petróleo em 1973 e a maneira pela qual as consequências
financeiras desse aumento de preco foi administrada pelos principais poderes
ocidentais. A decisão de 1971 de “fechar a janela de ouro” significava que os EUA
nao estavam mais sujeitos à disciplina de ter de tentar manter a paridade do dólar
frente ao ouro ou nenhuma outra coisa.
De modo a administrar a hostilidade do resto do mundo ao seu fechamento
da janela de ouro, o governo Nixon apoiou a criação de uma conferencia sobre a
reforma monetária mundial. A ideia principal, que obteve um amplo apoio na
conferencia, era a de estabelecer um regime novo e reformado no qual Special
Drawing Rights (SDRs) – direitos especiais de saque – desempenhariam um papel
fundamental como ancora ao qual o dólar estaria subordinado. Com a
quadruplicacao do preco do petroleo em 73, todos os participantes da conferencia
descobriram que o planejamento coletivo de uma nova ordem mometaria
internacional consensual estava morto e toda a negociação fracassada.
O segundo passo do governo Nixon foi a de tentar assegurar que as relações
internacionais saíssem do controle dos bancos centrais dos países e fossem cada
vez mais concentradas nos operadores financeiros privados. Ele procurou alcançar
esse objetivo pela exploração do controle dos EUA sobre o suprimento internacional
do petroleo. O aumento dos precos do petroleo resultou da influencia dos EUA sobre
os paises produtores de petroleo e foi providenciado em parte como um exercicio de
politica economica dirigido contra os “aliados” da américa na europa ocidental e no
japão. E outra dimensão da politica do governo Nixon em relação aos aumentos do
preco do petróleo era a de dar um novo papel, através deles, aos bancos privados
americanos nas relações financeiras internacionais.
o principal objetivo politico da campanha de nixon pelo aumento do preco do
petroleo da opep era o de dar um golpe arrasador nas economias japonesa e
europeia, ambas terrivelmente dependentes do petróleo do oriente medio, e nao o
de transformar de modo decisivo os negócios financeiros internacionais. Sua
capacidade para o embuste, tanto acerca do aumento do preço do petróleo, quanto
da maneira pela qual manipulavam as discussões com seus “aliados” no FMI sobre
a chamada “reforma monetária internacional”, era brilhante.
O governo dos EUA percebeu que os aumentos do preço do petróleo
produziriam um enorme aumento das receitas em dólar dos países produtores de
petróleo, que não poderiam absorver tais recursos em seus próprios setores
produtivos. Ao mesmo tempo, os aumentos do preço do petróleo mergulhariam
muitos países em sérios déficits comerciais quando os custos de suas importações
de petróleo subissem muito. Assim, os chamados PETRODÓLARES teriam de ser
reciclados do Golfo através de sistemas bancários ocidentais para países não
produtores de petróleo. Outros governos queriam que os petrodólares fossem
reciclados através do FMI. Mas os EUA rejeitaram isso, insistindo que os bancos
privados do Atlântico (na época liderados por bancos americanos) deviam ser os
veículos da reciclagem. E como os EUA eram politicamente dominantes no Golfo,
conseguiram impor a sua vontade. Mas os EUA conseguiram impor a sua vontade
através de atitudes unilaterais, completando a jogada do petrodólar com a sua
própria abolição, em 1974, das restrições ao fluxo de recursos para dentro e para
fora dos EUA (a abolição dos controles de capital).
A estratégia de Nixon de “libertar” os mercados financeiros internacionais era
baseada na ideia de que, deste modo, livrava o Estado americano de sucumbir a
suas fraquezas econômicas e fortalecia o poder político do Estado. A base da
hegemonia americana estava sendo desviada de uma hegemonia do poder direto
sobre outros países para uma forma de poder mais baseada no mercado, ou
estrutural.
Essa ascensão alterou a base sobre a qual os governos mantinham a
estabilidade internacional de suas próprias moedas: sob o antigo regime Bretton
Woods, a base da estabilidade de uma moeda estava intimamente ligada tanto à sua
balança comercial quanto à atitude do FMI e dos governos (bancos centrais) dos
principais poderes capitalistas em relação ao governo do país com dificuldades na
balança de pagamentos. Países com conta corrente superavitária tinha moedas
estáveis, fortes. Se um país desenvolvesse um déficit na conta corrente, precisaria
utilizar suas reservas cambiais para defender sua moeda ou persuadir o FMI e
outros governos a prestar auxílio.
Sob o novo sistema, os países com conta corrente superavitária ainda
estavam, de modo geral, em uma posição forte. Mas a base efetiva da estabilidade
da sua moeda veio a depender de outro fator: a capacidade do país de obter crédito
em mercados financeiros internacionais privados. Sob o sistema anterior, os
mercados financeiros privados tinham sido em grande parte excluídos – banidos por
repressão financeira – do envolvimento no sistema monetário internacional. Agora
eles deviam desempenhar um papel fundamental.
A maneira pela qual o sistema iria realmente funcionar dependia de seus dois
mecanismos fundamentais: o dólar e os mercados financeiros internacionais cada
vez mais concentrados nos Estados Unidos. Desta forma, Nixon deu a Washington
mais poder de alavancagem do que nunca, em uma época em que o peso
econômico relativo americano no mundo capitalista tinha declinado
substancialmente e em uma época em que os sistemas de produção das economias
capitalistas avançadas estavam entrando em um longo período de estagnação.
É importante observar como os dois pólos desse sistema – o dólar e Wall
Street – reforçavam um ao outro. Assim, o papel do dólar elevou muito o tamanho e
a movimentação dos mercados financeiros anglo-americanos. Ao mesmo tempo,
havia uma realimentaçãoo inversa. A força de Wall Street, como centro financeiro,
reforçou o domínio do dólar: para qualquer pessoa que queira tomar ou emprestar
dinheiro, o tamanho e a forca de um sistema financeiro sao um fator muito
importante. Dessa forma, o tamanho e a profundidade dos mercados financeiros dos
EUA e a força cada vez maior dos operadores financeiros americanos agem como
uma atração para que as pessoas coloquem seus recursos no centro da área do
dólar ou que levantem fundos nesse centro. E assim, a força de Wall Street reforçou
o domínio do dólar como uma moeda corrente internacional. O significado
econômico e político desse novo regime somente pôde ser reconhecido quando
entendemos o papel da senhoriagem dando ao governo americano um instrumento
político de imenso poder na forma do novo regime. Mas essa enorme restrição não
existe somente para os EUA sob o novo regime monetário internacional, pós-Breton
Woods, porque a moeda corrente internacional é o dólar, e os EUA não precisam
obter dólares fora do país: eles próprios imprimem!
Senhoriagem é o nome dado aos privilégios conferidos por essa posição:
pode ser resumido dizendo-os que os EUA não enfrentam as mesmas restrições, em
relação à balança de pagamentos, que outros países enfrentam. Podem gastar
muito mais fora do país do que ganham lá. Assim, podem estabelecer bases
militares dispendiosas sem nenhuma restrição cambial. Suas coorporacoes
transnacionais podem comprar outras empresas estrangeiras ou se envolver em
outras formas de investimento direto externo sem uma restrição relativa aos
pagamentos. Seus capitalistas financeiros podem enviar grandes fluxos de recursos
para aplicações financeiras (compra de valores mobiliários) da mesma forma. Assim,
a senhoriagem dá ao governo dos EUA a capacidade de fazer oscilar o preço do
dólar internacionalmente para um lado e para o outro, tendo grandes consequências
econômicas para o resto do mundo, enquanto os EUA permanecem protegidos das
consequências que se aplicariam a outros países.

A vitória do governo Nixon na “liberação” dos sistemas bancários privados


anglo-americanos para operações internacionais teve quatro efeitos principais.
1 – catapultou subitamente os bancos privados para o centro das operações
financeiras internacionais, expulsando o antigo domínio dos bancos centrais, e os
levou rapidamente ao domínio internacional dos sistemas financeiros anglo-
americanos e dos operadores financeiros americanos.
2 – abriu uma enorme brecha na supervisão pública dos operadores financeiros
internacionais
3- tornou os sistemas financeiros e as taxas de cambio de outros países,
principalmente países do sul, cada vez mais vulneráveis aos acontecimentos dos
mercados financeiros americanos.
4 – gerou pressões competitivas poderosas dentro dos sistemas bancários dos
países da OCDE ( Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Economico) e permitiu que o governo americano determinasse que tipos de pressão
competitiva e que tipo de regulamentação internacional deveriam existir sobre os
mercados financeiros internacionais.
Desde o início da década de 1980, a maior parte da atividade dos mercados
financeiros internacionais foi concentrada em Wall Street (e em seu satélite, em
Londres). É necessário detalhar o que isso significa. Frequentemente, a opinião é de
que existe um chamado mercado financeiro “global”. Isso é verdade no que se refere
a Londres e NY negociando com pessoas de todas as partes do mundo. Os recursos
saem e retornam para esses dois centros, provenientes da maior parte dos países
do mundo. Mas isso NÃO significa que todos os mercados financeiros do mundo
estejam unificados em um mercado financeiro único e integrado. Pelo contrário, os
mercados financeiros permanecem – e em grande parte ainda permanecem –
compartimentalizados.
Falar de um mercado financeiro GLOBAL, em vez de influencia crescente do
mercado financeiro americano sobre os outros mercados financeiros nacionais,
obscurece a dimensãoo do poder do domínio financeiro dos EUA.
A história desde a década de 1970 tem sido a história da crescente pressão
do centro de Wall Street para enfraquecer as barreiras à sua penetração no interior
dos sistemas financeiros nacionais. Essa pressão tem um objetivo triplo: primeiro,
remover as barreiras ao livre fluxo de recursos em ambas as direções, entre Wall
Street e os operadores privados dentro do país-alvo; segundo, dar direitos plenos
aos operadores de Wall Street para negociar nos sistemas financeiros e nas
economias dos países-alvo; e terceiro, reformular os sistemas financeiros dos
países-alvo para que se adaptem às estratégias comerciais dos operadores de Wall
Street e dos seus clientes americanos (corporações transnacionais, fundos mútuoes
de mercado financeiro, etc)
Se o governo dos EUA optasse por não regulamentar, seria extremamente
difícil para os outros principais países capitalistas manter suas estruturas
regulatórias. Se os EUA decidissem regulamentar, outras autoridades bancarias
seguiriam o exemplo, mas os EUA ainda poderiam determinar amplamente a forma
e o alcance da regulamentação. Assim, toda uma reação em cadeia de feitos e
pressões sobre os sistemas bancários ao redor do mundo seria desencadeada pelas
decisões tomadas em Washington. Em primeiro lugar, o Federal Reserve dos
Estados Unidos podia ditar os níveis das taxas de juros internacionais através da
movimentação das taxas de juros internas americanas. Quando o crédito privado
internacional é barato, operadores econômicos com acesso a esse credito dão inicio
a projetos que parecem viáveis nas condições da época. Em segundo lugar, por
meio de suas intervenções regulatórias ou pela ausência delas, Washington era o
condutor do que poderia ser chamado de microeconomia da atividade financeira
internacional: podia determinar o nível de regulamentação e supervisão dos
empréstimos bancários em terceiro lugar, os eua descobriram uma maneira de
combinar os sistemas financeiros e a atividade bancaria internacional sem
regulamentacao com um risco minimo de atividade bancaria e os sistemas
financeiros dos eua sofreram um colapso subsequente. Usando seu controle sobre
o FMI/Banco Mundial e em grande parte apoiado por seus parceiros europeus,
Washington descobriu que, quando seus operadores financeiros internacionais
chegavam ao ponto de insolvência por suas atividades internacionais, eles podiam
ser auxiliados pelas populações dos países tomadores de empréstimos a um custo
quase insignificante para a economia dos EUA.

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