Você está na página 1de 13

r

CAPitULO 10

AS TRANSFORMAÇÕES DA ECONOMIA
CAPITALISTA NO PÓS-GUERRA E A ORIGEM
DOS DESEQUILíBRIOS GLOBAISl

I
j
No livro Trade, Development and Fore{gn Debt, o economista americano
Michael Hudson faz uma avaliação histórica e crítica das.teorias do comér.
cio e das finanças internacionais, desde os mercantilistas até os dias .de
hoje, com parada obrigatória em A.dam Smith e David .Ricardo. Ele divide
as teorias em dois grandes grupos: 1) aquelas que definem o sistema eco­
nômico internacional a partir de relações hierárquicas entre os Estados
nacionais, suas moedas, seus sistemas financeiros e suas empresas; e 2) as
que advogam a existência .de um espaço homogêneo e "competitivo",.um
campo aberto para o desenvolvimento dos negócios e das trocas...
Para Hudson,as expressões "protecionista" e "livreambista" sãO etique­
tas ideológicas que ocultam as razões de fundo das divergências. O capita­
lismo realmente existente conta uma história mais ambígua do que aquela
narrada pelos fundamentalistas - de um lado e de outro - a respeito do
desenvolvimento das relações econômicas internacionais. Protecionismo
e livre-cambismo convivem como cães e gatos. Brigam o tempo todo, mas
são inseparáveis.
No final do século XIX, no apogeu da ordem liberal burguesa, a expan­
são do comércio e das finanças internacionais estava fundada nas relações

1. Publicado originalmente em: Polftica Econ6mica em F'Oco, Campinas, Centro de Estudos


de Conjuntura e Política Econômica (Cccon)/Instituto de EconomialUnlcamp, n° 7, p. 24-41,
novo 200S-abr. 2006. Republicado em: CARNEIRO, R. (Org.),A supremacia dos mercados e a
polftica econthnlca do governo Lu/a, São Paulo, Uncsp, 2006. p. 33.50. .

213
simbi6ticas entre 0 liberalismo da Inglaterf"J. hegemonica e as pollticas pro­ era forte a resistencia poHtica dos americanos a aboli<;ao do ouro como
tecionistas de industrializac;ao dos retardatarios europeus e dos Estados fl1ndamento da nova ordem monctaria internacional.
Unidos. Depois da Segunda Guerra Mllndial, os americanos abriram sell o Plano Keynes visava sobretudo climinar 0 papel perturbador exercido
mercado PUf"J as exportac;6es da Europa c do ]apao em rcconstruc;ao, ao pelo ouro como tdtimo ativo de rcserva do sistema, instrumento univer­
mesmo tempo em que suas empresas migravam em massa para as regi6es sal da preferencia pela liquidez. Buscava, portanto, uma distribi.Iic;ao mais
de crescimento mai s r.lpido. equitativa do ajustamento dos desequilibrios de balanc;o de pagamento
No imediato p6s-guerra,0 projeto americano de construc;ao da ordem eco­ cntre deficitarios e sllperavitarios. Dcntro das condicionalidades cstabele­
nomica internacional foi concebido com 0 prop6sito promover a expansao cidas, isto significava, na verdade, facilitar 0 credito aos paises dcficitarios
do comercio entre as nac;6es e colocar seu desenvolvimento a salvo de tur­ e penalizar os paises supcravit:irios. 0 prop6sito de Keynes era evitar os
bulencias financeiras.A ideia forc;a dos reformadores de Bretton Woods subli­ ajustamentos deflacionarios c manter as economias na trajet6ria do pleno
nhava a necessidade de criac;ao de regras monet.'irias capazes de garantir 0 emprego. Ele imaginava que 0 controlc de capitais deveria ser "uma carac­
ajustamento dos balanc;os de pag:unentos, ou seja, 0 adequado abastecimen­ teristica permanente <.la nova ordem cconomica mundial", como repetiu
to de liquidez para a cobertura de deficits, de forma a evitar a propagac;ao das segllidamente nos trabalhos preparat6rios da Conferencia de Bretton Woa­
forc;as deflacionarias.Tratava-sc, tambcm <.le erigir lIm ambiente ccon6mk:'o ds. () plano (lima lIlopi&l 1l10nc..:l:lria) nao se> era c..:xcessivamentc avam;&ldo
internacion:l1 <.Iestinado :l propiciar amplo raio dc manobra para as polilicas para 0 conscrva<.lorismo <.los banquciros privados, mas tambem inconve­
nacionais de desenvolvimcnto, industrializac;ao c progrcsso social. nicnlc para a p()sift() amplamentc credora dos Estados Unidos, pais anula­
]a observamos2 que Keynes,o delegado da Inglaterra, propos a Clearing ria 0 poder de seignforage <.lo d61ar como moeda reserva.A faculdade de
Union, uma especic de Banco Central dos Bancos Centrais. A Clearing l1sar sua moeda como mcio de pagamento universal conferiu c ainda vem
Union emitiria uma moeda band.ria, 0 bancor, destinada exclusivJ.mente a confcrindo <lOS Estados Unidos grande f1exibi1idade na gestao da politica
liquidar posic;6es entre os Bancos Centrais. 05 neg6cios privados seriam rea­ monet{lria c na administrac;ao do balanc;o de pagamentos.
lizados nas moedas nacionais que, por sua vez, estariam referidas ao banc01' A soluc;ao finalmente adotada na reunHio de 1944 ficou mais pr6xima
mediante um sistem:l de taxas de cflmbio fixas, mas ajustaveis. Os deficits c dos interesses dos crcdores do ml1ndo.Assim, a Clearlng Union perdell a
supecivits dos paises corresponderiam a reduc;6es ou aumentos das contas disputa para 0 Fundo Monetario Internacional (FMI), cuja capacidadc de
dos Bancos Centrais nacionais (em bancor) junto a Clearlng Union. provimento de liquidez, em caso de desajllstes temporarios de balan<;o de
A despeito de sua rejeic;ao a reliquia barbarJ., Keynes aceitou a manu­ pagamentos, estava limitada pe10 valor das quotas dos paises membros, cal­
tenc;ao do ouro como "ancora" nominal do seu sistema monetario, mime­ culado pe1a participac;ao de cada um no comercio internacional 0 bancor
tizando a relac;ao que a moeda band.ria mantinha com as reservas metali­ foi derrotado pel0 d61ar, que assumiu 0 papel de moeda reserva, ancorado
cas nopadcio-ouro cliissico. Mas 0 metal seria uma especie de "rainha da na conversibilidade com 0 ouro a razao de US$ 35 por onc;a !-ray.
Inglaterra" do sistema monetario, ja que nenhum papel efetivo lhe seria A proposta keynesiana de controle de capitais e do cambio foi incorporada
concedido na liquidac;ao das transac;6es e dos contratos - func;ao aser ao artigo VI dos estatutos do Fundo como faculdade concedida aos paises
exercida exclusivamente pela moeda bandria internacional, administra­ que estivessem atravessando problemas agudos de balanc;o de pagamentos.
da pelas regrJ.s da Clearfng Union. E provavel que Keynes nao estivesse Os controles cambiais estavam vedados para as transac;6es correntes, salvo se
disposto a colocar em risco a confiabilidade do novo padclo monetario e o Fundo declarasse uma" moeda escassa", conforme 0 artigo VII, 0 que permi­
muito menos pretendesse "desvalorizar" as reservas ouro aCllmuladas pelos tiria aos demais membros impor controles as transac;6es com essa divisa.
Estados Unidos nos anos 20,30 e 40 (em 1948, os EUA detinham cerca de Tambem ja observamos3 que 0 sistema de Bretton Woods nasceu de um
72% das reservas ouro mundiais). Debates travados no Senado revelam que compromisso implicito: 0 benefido <.la seigniorage concedido ao pais

2. Ver C:lpitulo 2, p. 52, e Capitulo 7, p. 153.5. 3. Ver Capitulo 2, p. 52-3.

214 215
emissor <1a moeda reserva, os Estados Uni<1os, foi compensado peJa liberc.la­ 70, dccorria do forte movimento de capitais c, em especial, da expansào
c.le, atribuic.la aos c.lemais paises-membros, de ac.lotar politicas "keynesianas" das dcspcsas mi1itares.A balanc;a comercial e de servios nfLo fatores pcr­
internas e estmtêgias ncomerclntilistas de comêrdo exterior. manCCClJ (dccresccntcrnente) superavit{lria atc 1971.A partir dc entao, os
No imediato p6s-g11erm, a prerrogativa c.le emissor da mocua-reserva per­ Estados Unidos passamm a apresentar resultados ligeirarnente positivos na
mitiu aos Estados Unidos a consecw;ao de três objetivos. conta de capita1, com reduc;ao de sua posic;ao ativa favorave1 em re1ac;ào ao
a) Objetivoestrategico: suportar a maior parte dos CllstOS da alianc;a militar resto do mundo. Nos anos 80, como veremos, isto se agravou com a politica
formalizada no Acordo do Atlântico Norte. econömica do governo Reagan.
b) Objetivo econömico: a seigniorage perrnitiu a expansào da indlistria A "crise" de Brctton Woods se anuncia ja na segunda metade da dêcada
americana e de seu estilo tecnol6gico (0 fordisrno),sobretlldo por rneio do de 50. Culmina na desvinculac;ao do d61ar ao ouro em 1971, no primeiro
investimento direto levado a cabo pela grande ernpresa transnacional. choque do petr61eo e na introduc;ào do regime de taxas de câmbio flutu.
c) Objetivo financeiro: a posiC;ào de "banqueiro internacionar dos Estados antes em 1973.
Unidos concedeu enorme espac;o para a expansào internaciona1 do siste­ 05 defensores das taxas flutuantes proclamavam perseguir um duplo
rna financeiro americano e maior raio de manobra pam a politica moneta­ objetivo: permitir os realinhamentos cambiais e dar maior liberdade às po­
ria do Federal Reserve. liticas monctarias domesticas. Mas os anos 70 foram vividos em meio à
Ao buscar estes objetivos, a economia americana, entre 1945 e 1971, fun­ instabilidade cambial e as tensöes decorrentes da subida das taxas de infla­
cionou - Minsky assinalou com correc;ào - como "reguladora" do sistema C;ào por toda parte.A "desordem" foi enfrent.'lda com 0 "choque de juros"
capitalista.Isto significa que os Estados Unid05 curnpriarn 0 papel de fonte dcflagrado pe10 Fcderal Reserve de Paul Vo1ker em outubro de 1979. .
autònoma de demanda efetiva e de provedor de liqllidez para a economia Na estcira da decisào do Federal Rescrve, eclodiu a crise da divida exter­
global. para os paises membros <10 sistema hegemönico, sobretudo os euro­ na da periferia. A America Latina foi atingida c:om especia1 virulência;Ao
peus, esta func;ao reguladora era uma garantia ex ante de politicas nacionais mcsmo tempo, engordadas pelas taxas dc juros e1evadas, cxpandiram-se
expansionistas continuadas e estratêgias de crescimento ncomercantilistas. as dividas publicas dos Estados Unidos e da Europa. Com 0 d6lar superva­
A cipi<1a recupcrac;ao. das economias europeias e 0 espetacular cresci­ lorizado,os Estados Unidos inverterarn sua situaào externa: passararn da
mento do ]apào, como jâ ficou dito;' foram causas importantes do progres­ posiC;ào credora para a devedora. Os bancos internacionais puderarn sc
sivo desgastc das regras monctarias ecambiais concertldas em Brctton beneficiar da formid:lvel expansào da divida publica americana. Os papêis
Woods. A concorrência comercia1 das renovadas economias. industrializ.l- do governo americano e as taxas de juros elevadas vieram em socorro da
qualidade dos ativos e da rentabilidade dos bancos credores, num momen­
. .

das da Ellropa e do ]apào e 0 t1uxo continml<1o de investimentOs america-


nos diretos para 0 resto uo mundo, alem dos gastos da Gllerm Fria, deter­ to em que a divida latino-americana sofria forte desvalorizac;ao.
minaram, desde 0 final dos anos 50, a ampliac;ào do dêficit do balanc;o de A partir de entào, ê sobre 0 peso e a reputac;ào de sua divida que os EUA
pagamentos arnericano c a acumulac;ào de d6larcs nos Bancos Centrais da sustentaram a supremacia do d61ar. Com isso, reforaram as tendências à
Europa e do ]apào. transnacionalizac;ào de seu mercad financeiro e de capitais e a metastàSe
Os d6lares excedcntes queimavam nas màos dos Bancos Centrais e <1os "global" de sua grandc cmpresa.
agentes privados. Tinham, cm geral, dois destinos: ampliavam os dep6sitos No inicio dos anos 80, com a vit6ria da reaganomics, as analises conven­
no euromercado em formac;ào Oll buscavam a prometida transfigurac;ào cionais sobre a trajct6ria da cconomia americana concentraram suas preo­

no Ollro abrigado nos cofres <1e Fort Knox. Desdc rncados dos anos 60, co­ cupac;öcs na amplia<;ào dos dêtkits êmcos - flscClI c cm conta-corrcnte.
mcc;amm a aparcccr os primciros sintomas dc fi1(.Iia do arranjo Illonctilrio o cconomista Stcphcn Marris, <.10 Instituto de Economia lntcrnacional, pu­
concebido em llretton Woods. 0 dêficit arnericano, atê 0 inido dos anos blicol1, cntào, 0 livro Deflcits and tbe Dollar: The World Economy at Risk
(1987), sobre 05 dcficits gêmcos e 0 inevit{lvcI colapso do d6lar, 0 bard
4. Vcr CapillJlo 4. p. 102. landing, tesc que angariou grandc popularidade 00 mundo acadêmico.

216 217
Mas os acordos do Plaza em 1985 e do Louvre em 1987 (o primeiro za, engendrou a expansăo do gasto privado em consuma c investimento.
articulou a desvalorizac;ao ordenada da moeda americana e o segundo 1'1'0­ No referido artigo,6 observamos que a recuperac;ao americana, depois de
curou conter os "excessos" dos vendidos em dolar e estabilizar as taxas de 1993, foi outra vez liderada por rapida e1evac;ao do prec;o dos ativos, par­
câmbio) mostraram que o raio de manobra da potencia dominante esua ticularmente das ac;6es, acompanhada por forte crescimento dos prec;os
capacidade de "coordenar os mercados" e submeter os aliados do G7 eram das commodities, o que suscitou clevac;6cs sucessivas, pela Fed, das taxas
bem maiores do que poderia suspeitar nossa va economia. curtas nos Estad05 Unidos.
O crash da Bolsa de Nova York, em outubro de 1987, e a pronta recu­ A subida da Federal Funds rate nos primeiros nove meses de 1994 foi
perac;ăo dos mercados, amparada na răpida reac;âo da politica monetaria inicialmente bem acolhida pelos mercados financeiros, que a entenderam
do Federal Reserve, ao mesmo tempo em que chamavam a atenc;ăo para coma tempestiva e adequada, provocando, paradoxalmente, firme valoriza­
os riscos implicitos na globalizac;ăo, sob o comando do dolar e da financ;a ăo no mercado de bonus e queda das taxas de longo prazo. Subitamente,
"desregulamentada", tambem sublinharam o aprofundamento da assime. porem, as expectativas se alteîJrarn, desencadeando-se crise no mercado
tria de poder entre as economias centr.lis. americana de bonus, forte subida nas taxas longa5 e saida de capitais dos
'TaI disparidade de forc;as ficou ainda mais clara no final dos anos 80 e mercados emergentes mais fragilizados pelos desequilibrios de balanc;o de
no comeC;o dos anos 90: os Estados Unidos experimentaram uma recessao pagamentos, e precipitando-se, no final daque1e mesmo ano, o (segundo)
branda, entre 1990 e 1992, enquanto a Europa assistia ao colapso do Sis­ colapso mexicano.

tema Monetario Europeu e o Japao mergulhava numa crise que iria durar As politicas monetarias nos paises centîJis movem-se, portanto, num cor­
uma decada.Adiante, este panta seră mais bem tratado. redor estreito entre a obrigac;ao de prevenir as deflac;6es agudas, por meio
No artigo "O dinheiro e as transjigut"aţoes da riqlleza". procurci de­ de repctidas intcrvcnc;6es de ultima instfmcia (scmprc acompanhadas de
monstrar que a rccessâo americana do inicio dos :1110S 90 foi dcterminada risco moral) e a ncccssidade de regular a estabilidade da economia, evitando
por rapida contrac;âo dos gastos privados, caracteristica das reversoes cicli­ especialmente a formac;ao de bolhas especulativas que, nas condic;oes atuais,
ca's que soem ocorrer depois de um periodo de endividamcnto das cmpl'e­ acarretam, quase sempre, situac.;6es de fragilidade e de miopia financeira.
sas e, particularmente, das familias. Sobretudo nos ciclos comandados pela Depois dos episodios refcridos, saa compreensiveis as hesitac;6es do
dinâmica dos mercados financeiros, as empresas contraem o invetimcnto Federal Reserve em elevar as taxas de curto Pî.lZO. Mesmo diante da fir­
e cortam a folha de salarios, com o proposito de atender :1 sllbita cleva­ me cvoluc;ăo entăo em cursa do nivd de atividadcs e dos sinais emitidos
c;ao da carga de juros sobre a receita operacional. As familias, premidas pela mercado de trabalho - interpretados corn o evidencias de aqueci­
pela desvalorizac;ao de seu portfolio financeiro e imobili{lrio e pclo temor mento "exc.."cssivo" -, o Comite de OfJen Market procrastinou a decisao
da inadimplencia, restringem o consumo e elevam a poupanc;a, tcntando :l11tecipada pdos mercados. Entre o tinal de 1996 e os primciros meses
restabelecer a relac;ăo desejada entre riqueza e renda. O deficit fis cal am­ de 1997, por exemplo, as taxas 10ngas vinham ensaiando uma subida mais
pliou-se, funcionando como "estabilizador automatico", o que nao impediu acentuada, antevendo o ajuste das taxas curtas pelas autoridades mone.
expressiva reduc;ao do deficit externa em conta-eorrentc. tarias. Estas (apesar de algumas deelarac;6es "alarmistas" do chairman do
Depois do socorro prestado ao Mexico na crise de 1994-1995, o dolar Federal Reserve,Alan Grcenspan) preferimm apostar numa "autocorrec;ăo"
sofreu forte desvalorizac;ăo, sobrctudo frente ao iene, logo revertida me­ endogena e moderada do cielo financeiro, temendo que nova elevac;ăo das
diante ac;âo coordenada dos Bancos Centrais. Na scgunda metade dos anos taxas, ain da que moderada, pudesse determinar alterac;ăes mais dristicas
90, a moeda americana voltou a ganhar forc;a, o que pcrmitiu a lassidao da nas expectativ;ls, capazes de produzir nao sa urna "correăo de prec;os"
politica monct:iria de Alan Grcenspan, fonte da interac;flo virtuosa cntrc a dos ativos mais forte do que a desejada, mas tam bem desastres de grandes
cxpansao do credita e a valorizac;ao de ativos, que, mediante o efeito rique- proporc;ăes nos mercados emergentes. Nestas condic;6es, a acelerac;ăo do

S. Vcr Capitula 3 do prcsente volume:. 6. Vcr Capitulo 3. p, HS.

218 219
crescimento Coi acompanhada pe1a geraao de um supecivit fiscal (auxilia­
mes defieits oramentarios e nas contas de comcrcio - foi fonte dc dina­
da pe1a reforma tributaria de Clinton) e de uma ampIiaao rapida do deficit
em conta-corrente.
mismo pam os paises da Asia, em particular pam ]apao, Coreia e Taiwan:
foi 0 periodo dos grandes superavits comerciais japoneses, taiwaneses e
Tambem a curta e moderd.da recessao de 200 1 foi eficazmcntc Contornada coreanos. Quando, porem, em meados dos anos 80, os EUA resolvemm
pela imcdiata rcsposta da poHtica monetaria e por impressionante reversao
reverter a bruta1 valorizac;ao do d61ar, que ja havia causado danos quase
do baIanr;o fiscaI, quc transitou de um uperiivit de 1,1 % pam um deficit de
irreparaveis a sua industria, foi dado claro sinal de que pelo menos esta
4,5% doPIB. Destavez, no tanto, 0 deficit em trat?sa5es correntes sofreu
parte da festa estava prestes a aeabar. Yoichi Funabashi, em seu livro Ma­
apcnas Iigeira queda entre 2000 e 2001 (de 4,5% pam 3.5% do PIB),para de­
naging tIJe Dollar: From tIJe Plaza to tIJe Lotlvre, afirma que 0 Acordo
pois rctomar a escalada ascendente em direao a marca dos 7% em 2005.
do Plaza foi uma resposta as press6es protecionistas ja disseminadas no
Diantc da persistente e1evaao do de.ficit externo, retornaram as vozes
Congresso americano. Os japoneses foram obrigados a engo1ir a valoriza­
que prodamam a necessidadc de ajllste dos dcficits gemeos, evocando 0
c;ao do icne, 0 que, por um )ado, afetol1 suas exportaoes pam a area de
cJima dos anos 80, contaminado pe10 receio do bard landing do d6lar. Os
prcdominfmeia da moe<1a americana e, por outro, causou scrios prejuizos
defcnsores do ajustamento dos dois deficits acenamm outrJ. vez com 05
para os bancos, as corretoras e as segumdoras que carrcgavam em suas
riscos de um colapso da mocda amcricana, com cfcitos <1esastrosos sobrc.:
carteiras ativos em <.I6lar.
a taxa de juros, os merca<1os <1c ativos - em particlllar, ncstc momento
A famosa endaka dar:l impulso ao movimento c1e "desloca1izac;ao" c1a
(2005-6),0 superaquecido mercado imobiliario - C 0 crescimc.:nto da eco­
indlJstria japonesa pam 05 paises da regiao, apoiado na capacidade de fi­
nomia g1obaLMas, na atl1al conjuntllra, diferentemente <10 que ocorrCl1 no
nanciamcnto dc sells bancos, quc tentavam compensar as perdas em que
inicio dos anos 80, quando havia qllase unanimidade em torno <1as conse­
ineorrcram os ativos denominados em d61ar.
ql1encias dos de.ficits gemeos, surgem opinioes ql1e discrepam dos "catas­
trofistas" do ajustamento. A mc.:t{lstase do sistcma industrial do ]apao suscitou, imediatamcnte, tma
onda dc investimcntos deTaiwan c da Coreia,principalmcnte para a China,
mas tambcm para a Tailiindia, a Mal{15ia e Indonesia. As prac;as financeiras
"intt:macionalizadas" de Hong Kong e Cingapura integraram-se rapida­
A NOVA DlVlSAo lNTEHNACIONAI. DO TRABAI.HO E AS CONTJV\DI()ES rncnte ao complexo "asi{ltico" em formac;ao, por meio dos bancos locais c
DA HEGEMONJA AMERICANA
estrangciros ai sedia<1os. Estes fll1xOS cmzados de investimento direto, de
expansao <.10 crcdito c, mais tarde, de aplicaocs de portf6lio estimularam
Nas llltimas tres dccadas do scclllo XX e no comer;o do sccul0 XXI, tres
o crescimento muito rapido do comercio entre os paises da regiao, sobre­
movimentos centrais e interdependentes promoveram profundas tmnsfor­
tudo mediante as transaoes intrafirmas ...
maoes na economia g10bal - a libc.rdlizaao financeira e cambial; a mu­
A China e seu ja desvalorizado iuane iriam completar a primeira dceada
dana nos padroes de concorrencia e a alteraao das regras institucionais
de crescimento acelcrado. Este novo e gigantesco protagonista do "milagre
do comercio e do investimento -, todos conducentes ao reforo do pode­
rio econ6mico americano. asiatico" vinha cxecutando seus programas de reforma eeri6mica com
grande efidicia. Estas reformas buseavam a combinac;ao de agressiva estra­
Do ponto de vista espacial, a Asia conveneu-se num dos principais [oel
tegia exportadora, atmao dc investimentos diretos estrangeiros nas zonas
do investimento direto e da difusao ace1erada do progresso tecnico levados
liberadas e fortc intervenc;ao do Estado. A aao estatal eoneentrou-se em
a cabo pe10 deslocamento da empresa transnacional desde os anos 1980.
estimul0 a agric111tura familiar, macios investimentos em infraestmrnra
Ja assinaIamos em outros artigos' que, no inicio da decada de 80, a poH­
e utilizaao das empresas publicas como "ancom" para a constittlic;ao de
tica ccon6mica dc Reagan - com sel1 <161ar sllpervalorizado c seus enor-
grJ.ndes eonglomerados industriais. Thdo isso foi acompanhado de cuida­
dosa transic;ao do sistema de prec;os da amiga eeonomia de comando pam
7.Vcr Capitulo 5,p. 117.120, e CapituJo 8,p. 195.8.
a "nova" economia de mercado.

220
221
Entre 1988 е 1993, о comercio епсге 05 paises da Asia iria st:: t::xpandir а as traпsforma6es financeiras, tecno16gicas, patrimoniais е espaciais que
taxas impressionantemente altas, sl1peranc!o as rela6t::s СОШt::гciаis сот а dесопсm da interac;ao dc dois movimentos: 1) о processo de concorri:n­
Europa е а America do Norte. cia movido pela grande empresa, sob а tutela das instituir;6es nucleares de
О exuberante ciclo de expansao americano dos anos 90 - O\.ltra vez "governanr;a" do sistema (а finana е о Estado hеgеmбпicо); е 2) as estrate­
escoltado рог gigantescos deficits ет transa6es corrcntes - vai reforar gias пасiопаis de "inserr;ao" das regi6cs perifcricas.As transformar;6es que
пао s6 о рареl de gr.шdе investidor, mas tambem de dешапdапtе е deve­ lюjс observanlOs sao impulsionadas pelo jogo estratcgico entre о "polo
dor de ultima iпst:шсiа dos Estados Uпidоs.А СЫпа, cuja "сошреtitividаdс" dоmiпапtе" - по caso а economia americana, sua capacidade tecno16gica,
е crescente,. tanto ПО5 mercados mel10S quali1icados, сошо, ет ritnlO асс­ а liquidcz с proftl11didade de seu mercado financeiro, о poder de seignio­
lerado, nos de tecnologia mais sofisticada, torna-se о maior receptor (inclu­ rage de sua moeda - е а capacidade de "resposta" dos paises еm de5envol­
ida а iпtегшеdiаао das praas de Hong Kong е Cingapura) do investimen. vimento as alterar;6cs по ambiente internacional.
to direto americano е, ао mesmo ternpo, ganha participaao crescente по Е desnecessario dizer que as economias perifcricas disрбеm de estru­
шегсаdо dos Estados Unidos. Sobretudo depois da desvalorizaao de 1994, tU1ilS е tr.1jet6rias sociais, есопбmiсаs е politicas muito des5eme1l1antes, о
о .drive exportador chines vai deslocando а particip:t<;ao de SelJS parceiros Чl1С difictllta рага tlmas с facilita рага OtItrJS а сlшmа<.1а "intcgrd\ao сот­
asiaticos еm terceiros mercados, ао rnesmo ternpo еш Ч\.Jе еstil1шlа as il11­ pctitiva" паs <.1iversas etapas de evoluao do capitalismo.Assim, por ехеm­
portac;6es de pe\as е сошропепtеs dos paises da геgШо. Siпшltапсаmепtе, plo, о StlCCSSO do Brasil, асе о inicio dos апоs 80, desencacleou а crise que
os cl1ineses S\.Jstеlltаш а сопtiПl1аdа elev;H;ao da саха <.1<: аСl1П1lI1:t<;ао <.k iria ргоуосаг о sctJ rcitcrol(,!O "fracasso" па tentativa <.le sc ajtJstar as nov.ls
capital е а rapida incorpo1iJ\ao dc novas tecnologias Iш:di:.шtе о est11111110 сопdi<;беs iпtсгпасiопаis. No polo oposto, () fracasso chines ate 05 anos 80
ajo{nt ventиres сот empresas coreanas, japonesas t:: dcTaiwan. propiciotl сопdi<;беs iniciais mais favoraveis para () sш:еS50 das reformas
О relat6rio Тrщ/е {1т/ DelJe!ojJl1letzt ИеjJоrt (2003), (,Ia Ul1ct;t<.I, traz () ClПprl'Cl1di<.las а partir <.Ic cl1tao"
st1btit\.Jlo АситullЦUО ,/е caplt"l, cresciтento е l1J,lUluпru estпtluml. 11 Л "IО!);Jlizщ:аu americanu", ао арегаг 11:15 orblta5 fil1anccird, раtгiпюпiаl
l1ша av.J1iaao proft111da е certeira dos restlltados das politicas dc dcscnvol­ е proc!tJtiva, епgепdГОll dois tipos de геgiбеs: aqt1elas cllja inscr<;ao interna­
vi111el1to pratica(,las па Asia е па ЛI11гicа I.,atilla l1as <.Iltas lilti111as llca(,las. ciol1al sc t"az pclu СОП1I"Сiо с реl;1 atr;t\ao <.10 illve5timento direto destil1:l­
Tl1lta-se de um estudo l1ist6rico-comparativo sobre о desempenho, ао lon­ do aos setorcs produtivos afetados pclo comercio internacional; е aquelas,
go do nlOvimento de transformaao da econol11ia global nas decadas de 80 сото ВГ.1sil е Агgспtiпа, que buscaram sua integrnao mediante а abertura
е 90, dos paises ет desenvolvimento: 1) os de industrializarilo тadиra, da conta de capitais.
сото а Coreia е Taiwan, чие j{latingiram elevado grau de il1dllstrializa­ No Brnsil е па Агgепtiпа, as sociedades, submetidas 1 stlcessao de "cho­
ao, produtividade с renda per сариа, mas apresentarn саха declinante de ques 11cterodoxos", estavam exatJstas diante da resistencia prolongada иа
crescimento industrial; 2) os de iпdustrializafao rapida, сото а СЫпа crise inflасiОШlгiа dos anos 80. Ji\ afirmamos, по artigo Estabilizafuo е
е talvez а fndia, que, mediante politicas que [ауогесет elevadas taxas de jillaпfas globalizadas (1996), чис,
investimento domestico е graduar;ao tecno16gica, apresentam crescente
participar;ao das manufaturas по produto, по emprego е nas exportac;6es; iпdepel1deпteтeпte da si/lЮfёiо тacroecoп6тica dos pafses
3) 05 de industriаlizщ:iiо de el1clave, сото о Mexico, que, а despeito de receptores, о inicio dos aпos 90 joi caracterizado pela restau­
aumentar sua participac;ao па exportac;ao de manufaturndos, tem desem­ rafilo dosjluxos de capitClis privados рат os paises da Атеп­
penho pobre ет termos de investimento, valor agregado manufatureiro е са Latiпa, depois (10 loпgo perfodo de estiageт que se seguill а
produtividade totais; е, finalmentc, 4), os paises ет vias de desiпdustriali­ crise da divida dos anos 80. Apesar da ret6rica rejorтista qиe
zafao, о que inclui а maioria dos paiscs daAmerica Latina. escoltou е aiпda асотрапЬа о retorпo dos capitais privados ils
А tipologia desenhada pela Unctad е о ponto de chegada do jogo сот. prafas ialiпo-aтericanas, а verdade е que se tratoи apeпas,
plexo. Ет todas as etapas de expansao do capitalismo, este jogo envolve pelo тenos по priтeiro тoтe11to, do tтc/icioпal е coпhecido

222 223
money <.:hasing yield, como bem o prc!/essor Nvmal/ Millsky
e no emprego, ml1ito mais intensa do que seria justificado pelos ganhos dc
caracterizou eSle./ell0meno.
prmlutividadc. Em scgul1do lugar, tī.lbalhos reccntes," quc buscam estimar
a participac;fLO dc insumos e componentes importados no total de inputs
o fator decisivo para a transformac;āo <.Ios paises latino-amcricanos de
consumido anualmente pela il1dustria manufatureira dos Estados Unidos,
doadores de"poupanc;a"cm receptores de recursos financeiros foi,sem dll­
mostram que, entre 1987 e 2002, esta participa<;āo subiu de 12,4% pai.l
vida, a dcfla<;ao da riqueza mobiliaria e imobiliaria observada ja no finaI de
22,1%. Os rarnoS mais afetados _. aeima da mcdia da industria - sāo os
1989. nos mercados globa1izados. Como ja foi dito, esta profunda rcccssāo
de produtos eletr6nicos e de informatiea, vestuario e artigos de couro, vei­
jinancial.led exigiu grande lassidāo das pol1ticas ri-tonecirias, no sentido de culos motorizados, trailers e partes, equipamento elttrico e componentes.
tomar possivel a digestāo dos desequilibrios correntes e no balan<;o patri­
Sāo os mesmos setores em que foi maior a destrui<;āo de postos de traba­
monial de empresas, bancos e familias, envolvidos no exuberante surto de
lho.A isto se junta o rapido crescimento das importa<;ōes de bens finais de
valoriza«;āo de ativos que se seguiu a interven<;āo salvadora de 1987.
consumo e de capital, nāo 56 da Asia, como tambcm da Europa, igualmente
Ao estado quase depressivo dos mercados de qualidade e a situa<;āo de
superavitaria em suas rela<;ōes comerciais com os Estados Ul1idos. Em 2005,
sobreliquidcz, causada por prolongado penodo de taxas de juros muito
o deficit comercial dos Estados Unidos ehegou a US$ 726 bilhōes, ou .seja,
baixas,juntou-se umquadro,nos "mercados emergentes", de estoqucs de
5,8% do PIB. Deste total, 83% correspondem ao dcficit "manufatureiro".
a<;ōes depreciados e governos fortemente endividados e proprietarios dc
Apenas 17% do crescente dcficit comercial dizem respeito as importa<;ōes
empresas publicas privatizaveis distribuidas por varios setores da eco. liquidas dc pctr6leo e prodl1tos primarios.
nomia, alem das perspectivas de valorizac;āo das raxas de dimbio e da
Finalmentc, como j{t foi visto,9 a cipida industrializa<;āo da China C. dos
manutcn«;āo taxas de juros reaiselevadas, em moeda forte, mesmo depois
paises do Sudeste Asiatico csta desloeando importantc frac;āo da clcmanda
da estabiliza«;āo.
global para os produtores dc matcrias-primas e alimcntos. Como e de eo.
Os paises da periferia,. ate entāo submetidos as condi<;6es dc ajusra­
nhccimento geral, a China 5U5tenta um saldo positivo muito elevado (US$
mento impostas peIa crise da divida, fomm literalmente capturados pele
204 bilhōcs cm 2005) eom 05 Estad05 Unidos. Mas seu deficit  creseente
processo de globalizac;āo, execl1tando scus progmmas de cstabiliza<;āo <.le
com ° rcsto da Asia e C0111 os demais parceiros eomerciais. O bloco in­
acordo com as norma5 dos mercados financciros liberalizados. E prcciso dustrializado da Asia, sobretudo a China, funciona eomoengrcnagem de
entender que a regra basica das estabilizac;ōcs com abertum finan<.:cira e a
tranSmiss;lO entre a dcmanda gerada nos Estados Unidos e)l oferta .das
da criac;1io de oferta de ativos atracntes ql1e possam ser enc.lmpauos pelo c<.:onomias "cxportadoras dc rccursos naturais".
movimento geral da globalizac;āo. Neste rol estāo inclui<.los: titulosda divi­
As rclac;ōes <le interdependencia entre as economias asiaticas e dcstas
da publica, em geral curtos e de clevada liquidcz; ac;6es dc empresas em
com 05 Estados Unidos 511scitam questōes que tornam. muito arriscadas
processo de privatizac;āo; b6nus e papcis comerciais de emprcsas e bancos
respostas simples. 05 paise5 cuja estratcgia e governada pelo saldo da ba­
de boa reputa<;āo; e, posteriormente, ac;6es depreciadas de empresas priva­ lanc;a comercial e pela acumula<;āo de reservas "fecham o circuito" gasto­
das, especia1mente daquelas mais afetadas pela abertura econ6mica e pcla
renda-poupanc;a do "sistema americano", ao utilizar as poupanc;as em dolar
valorizac;āo cambial.
para ftnanciar o deficit em conta-corrente dos Estados Unidos. Essa depen­
O movimento de transnacionalizac;ao do espa<;o asiatico, particularmen­
dencia reciproca impede ql1e os paises asiaticos orientem a aplicac;āodc
te da China, e [rulO do movimento do capital produtivo e ao mesmo tcmpo,
slIas reservas por eritcrios privados dc risco-rentabilida<.lc. Garantem assim
uma mudan<;a de escala no processo <.le desIocalizac;āo da estrutura manu­
uma dcmanda peia moeda americana ql1e .lssegura certa estabilidade nas
fatureira da triade desenvolvida (Estados Unidos, Europa e )apāo) para o
taxas de dmbio dc SlIas moe<.\as cm re1:t<;āo ao <.I<'Jlar.
reslO <.lo mundo. No caso amcricano, estc fenomcno pode ser obscrvado H. Cf.llurkc.J., Epsldn, <i. & Choi, M., Rlslt1g Forelgll Olltsollrcblg and HlI/fJloymC!lIt Lo'sC!s
de v:irios angulos. O primciro, o mais singclo, revela uma acelem<;:lO <.Ia in f/S M,I/IfI!tlcturlllg, t1mberst: Uniwrsily of Massachusctls. 2000i (Pcri Working Papcrs).
queda da participac;āo da indllstria manufaturdra no PIB (12,7'X'1 em 2005) 9.Vcr C;lpitulo 9. p. 209. .
225
224
Os otimistas. diz 13arry Eichcngrcen, sustentam quc a amplj;u;ào do de­ e a inl1:u;ào de ativos finam.:ciros e imobiliarios, fonte do "enriquccimento"
ficit americano em conta-corrente pode continuar l'or mai s uma decada, e do encolhimcnto da poupanc;a das familias.
escorada na disposiC;ao dos chineses de incorporar mais 200 milhòes de De ourra parte, as estI<ltcgias mercantilistas dos paises asiaticos, conce­
trabalhadores nas indtlstrias voltadas para a exportac;ao. Ate complctar o bidas para a gerac;ao de supernvits comcrciais e acumulac;ào de reservas,
cido, os chineses estarao disposto s a defendcr o iuane clesvalorizado e, implicam necessariamente nao s6 a demanda de ativos denominados em
portanto, a acumular reservas e adquirir titulos do Tesouro americano. Ista d61ar, como o abastecimento de bens de consumo, intermedi:irios e de
significa evitar quaisquer alterac;àes nas taxas de cflmbio relativas nas re. capital a baixo custo.
lac;òes intra-asiaticas e particularmente mudanc;as no va10r do iuane em Isto significa que a hegemonia americana e seu enorme mercado nacional
relac;ao ao d61ar. ensejar.un a construào de um espac;o monetario EUA.A.sia.A relac;ào entre a
Os pessimistas advertem para a nao sllstentabilidade do aquecimento taxa flutuante da moeda soberana e as taxas fixas ou controladas das moedas
da economia chinesa, determinado pela excessiva expansao do credito ao subordinadas (asÌ<lticas) nao s6 permitiu a ampliac;ao dos deficits e supeci­
setor privado. Impulsionado pela amp1iac;ao das reservas em moeda forte, vits entre os parceiros, como reforc;ou o poder de seigniorage do d61ar.
o crescimento dos emprestimos nao s6 vem rea1imentando a especulac;ào Mas isso nao afasta e provavelmente agrava as caracteristicas negativas do
llnobi1Hiria e os investimentos maI concebidos, como provoca o aumento crescimento "desequilibrado" dos Estados Unidos, antes e depois da recupe­
dos creditos non pcrJorming na carteir.l dos bancos. Para os pessimistas, a rac;ao de 2002. Como mostra o mais recente boletim do Econonùc Pollcy Ins­
recente e insignificante valorizaC;ao do iuane e apenas a primeira de uma titute, a economia americana, no primeiro trimestre de 2006, cresceu à taxa
serie que fatalmente Ievaci à flutuac;ào da moeda chinesa. anua1izada de 4,8%, impulsionada pela evoIllc;ào do consumo de duciveis e
As duas posic;òes sao problematicas. E possivel imaginar, tal como pre­ pclos gastos militarcs, com desempenho mediocre do investimento privado.
tendem os otimistas, um cenario de estabiIidade nas condic;òes de financia­ O erescimento do consumo contribuiu com 3,8 pontos percentuais para o
mento do deficit americano em conta-corrente, dada a natureza das inter­ crescimento do PIB, superando l'or !arga margem a contribuiao do investi­
rcll(;òes comerciais e financeiras que "solidarizam" a economia americana mento (l ,2 pontos percentuais).A expansào da demanda agregada foi de 5,6%
com os parceiros asiaticos. e decorreu muito mais d:l ampliac;ào do endividamento das familias (4,6%
A consolidaC;ao do pape1 do d61ar como moeda de reserva e o fenomeno anuallzado), apoiado na valorizac;ao dos im6veis residenciais, do que da ex­
crucial da segunda metadc do seculo XX. A soberania monetaria americana p:msao da remuner.lc;ao real dos assalariados, que apresentou queda (.(),9%).
gamntiu a expansao da grande empresa - com cfcitos sobre a distribui<;ao Nos ultimos tres anos c meio, contI<lriando a experiencia dos ciclos :mte­
espacial da indùstria manufatl1reira e, mais recentemente, dos scrvi<;os - e riores, o crescimento do conSllmo esta desconectadò da evoluC;ao da renda,
permitiu a adoc;ào das politicas de crcdito e de gasto pùblico qlJe susten­ particlllarmente dos sal:'irios e do emprt:go, c cada vcz mais dependcnte do
tam taxas e1evadas de crescimento da demanda nominal e, a cada ciclo efeito riqueza. Os ultimos dados do Departamento do Comercio mostram
de cxpansao, provocam a e1evac;ao do deficit em conta-corrente, gerando forte dcsacclcra<;ào do investimento residcncial, cuja taxa de crescimento
demanda para o resto do mundo. caiu de cerca de 10% no ultimo trimestre de 2005 para 3,5% no primeiro
Os americanos passaram a manejar com grande agilidade sua politica trimcstre de 2006.
monetaria, convertendo-a numa maquina de succ;ao de liquidez, de capitais Ao mesmo tempo, a simbiose asiatico-americana alterou a estratcgia de
e da "produtividade" dos trabalhadores asiaticos (e tambem centro-ameri. acumulac;ao da gran<Je empresa nos Estados Unidos.A edic;ào de abril de
canos), para sustentar o crescimento acelerado de sua economia, sem ten­ 2006 do Wor/d h'collomic Outlook, em seu capitulo l cuida de investi.
s6es inflacionarias. O ultim o ciclo americano comprovou a cfidcia desta gar as razòes do expressivo crescimento da acumulaC;ao de recursos sob
forma de integrac;ào financeiI<1 e produtiva, na medida em que propiciotl a forma liqllida (cash) ou de participac;ào acionaria cm empreendimentos
espetacl1lar expansào do credito à produc;ào e ao conSl1mo e, melhor ainda, 10c:l1izados em mercados estrangeiros (equfties) no portf6lio das empresas
a "alavancagem" financeiI<l que fomenta o processo de fusòes e aqllisi<;òcs nào financCÌms:"Pam os Estados lJnidos, se o investimento direto Hquido

226 227

... _- .- _ • .-,_ ... __ ... . ---


presa. O consumo final e intermediário da economia se abastecc dos bens
no exterior das corporac;oes nao financeiras for adicionado ao gasto do­
gerados a prec;os cadentes nas usinas de produtividade dos trabalhadores
mcstico de capital, o dispcndio total de investimentu das cmprcsas cstá no
asiáticos, com ganhos reais para os consumidores e as empresas.
mesmo nfvel do final dos anos 1990".
Uma das singularidades da "globalizac;ào arnericana" e a descone.."Cao es-
A rápkhl acumulac;ào de ativos financciros e de liquidez concentra-se na
grande empresa e promove a intensificac;ào do processo de fusòes c aqui­
pacial entre consurno e investimento. A mancha produtiva - sobretudO
rnanufatureira, originária do espac;o económico americano, japoneS c euro­
sic;òcs qe, depois de urn hiato entre 2001 e 2003, retornou seu vigor nos
peu _ desbordou, pela intensificac;ào da concorrencia "globiùizada", pam
ultimos do is anos. Há evidcncias de que, depois do ciclo de investimentos
dos anos 90; concentrados na área de inforrnac;a.o' e te1ecomunicac;òes (IT),
a periferia, onde se abriga urn enorme reservatório de mào de obra e capa­
cidade de rápida absorc;ào tecnológica, com e..xpressiva reduc;ao de custos
as ernpresas americanas promoveram acelerado processo de desendivida­
de produc;ào e, consequentemente, ganhos para os consumidores e ernpre­
mento e arnpliaram as participac;òes no investimento externo - fusòes e
aquisic;òes na El1ropa e na America L1tina e investimento novo (greenfield)
sas que vivem e operam em mercados de renda per capita elevada.
Ao fim e ao cabo, o circuito riqueza-consumo-produc;ào "libera" uma fm­
na Ásia. Estes rnovimentos aprofundaram o processo de dcslocalizaào pro­
dutiva e mimentaram o estoque de direitos de propriedadc L' de mivos
<;:lO crescente do poder de compm das familias de renda media e baixa
para oendividamento, enquanto os que estao no topo da pidìmidc, os cre­
tìnanc.:eiros ùe curto prazo na composi<;ào de seu portfólio.
Destacamos, ao final do capitulo precedcnte,1O que a incorporac;ào do
dores liquidos _ cmpresas e farnilias de alta renda - apropriam-se da
consumo individual à dinftmica do novo capitalismo tarnoll-se crucial para valorizac;ao da riqucZil financeira.
as perspectivas de crescimento. A forma especilkamcnte capitalista do
consumo comec;a a se ddÌnir entrc () tÌnal do scculo XIX e a primcira mcta­
MERCADOS DA RIQUEZA, ACUMULAy\O FINANCElRA E UOLHAS DE ATIV,0S
de do scculoXX,particlllarmcnte nos Estadus Unidos, COI11 a "slIburbaniza­
c;ao" das cidades e a dsào dos duráveis impulsionada pela constrm;ào das
A aVilliac,:;w dcsscs fcnòmenos supòe 'Iue sejam tomadas fill devida conta
redes de energia eletric:l, pelo desenvolvimento do crcdito e pcJas tccnicas
as transtormac;6es ocorrid.ls nos. mercados financeiros e cambiais, na pos­
de propagar)(.!;l ierentes :l concorrcncia mOl1opolista.
teridade da desregulamentac;ao e liberalizaao dos mercados financciros.
A constituic;ào de urn sistema de proteào sodal e as politicas keynesia­
nas de sustentac;ào da renda e do ernprcgo no segl1ndo pós-guerra contri­
E na csfera financcifil que se realizam as transformac;òes patrimonais e
se concretizam as mudanc;as de estra[(gia das corporac;5es transnacionais
buirarn demaneira decisiva para o avanc;o do "consumo capitalista". Estc
componente da dernandaefetiva ào inclui apenaso"consumo doscapita­
nao financeiras, sob o cornando dos grandes investidores institucionais:
listas", mas deve ser assimqualificado por conta da forma de financiamento
Os criticos da fmanc;a globaliZada - ou seja, da abertUm generalizada das
contas de capitale da desregulamentac;ào dos mercados - costumam atri.
do gasto dos consumidores, na qual estao incluidas as novas modalidades
(cartòes de crcdito, por exemplo) e a valorizac;ào do estoque de riqueza ao
buir a relativa calmaria que prevaleceu nas tres dccadas quc se seguiram à
Segunda Guerra Mundial à chamada"repressào financeira" .11 Esta incluia a se­
Ionga dos ciclos de credito, o que desvincula crescentemente o consumo
parac;ao entre os bancos comerciais e os demais intermediários financeiros,
do èomportamento da renda corrente. Nao se trata apenas da comp1eta su­
jeiC;ào das "necessidadcs" aos impemtivos da mercantilizac;ào universal. No
controles quantitativos do credito, tctos para as taxas de juros e restric;5es
ao livre movimento de capitais. Os bancos comandavarn o crewto e esta­
capitalisrno avanc;ado americano, o circuito gasto-renda-consurno comcc;a
vam comprometidos, numa relac;ào de mutua confianc;a, com o desempcnho
e termina com a valorizac;ào ficticia do património das farnl1ias.A valoriza­
c;ào do património llquido facilita o credito barato para financiarnento do
produtivo das empresas.As crises de liquidez, como a de 1966 nos Estados
Unidos, erarn raras e, em geral, dóceis às intcrvcnc;òes dos Bancos Centrais.
gasto que alimcnta a acurnulac;ào de lucros e de liquidez pela grande em-

10. Vcr Capftulo 9, p. 210. 11. Vcr Capitlllo 9, p. 207.

229
228
Nos pai'ses desenvolvidos, as poli'ticas monetarias с tisclis antici'c1icls do а1 as origcns <Је processos altistas prolongados, assim сато da "ganancia
keynesianismo - mesmo bastardo - cumprir.lm о чие prometiam, он 5еја, infecciosa" qHe, пао rnro, fomenta а febre de fusбеs е аquisi<;бе5, sempre
sustar а rccorrencia de crises de deflac;iio de ativos е dc "desvalorizaao do s\.Jstentada, direta с in<.lirctamentc, реlо potente sistema de crcdito.
сарјсаl", fепбmепо чие assolou о capitalismo do ћпаl do sec\.110 XIX at€: ()s cpis6uios cle С1.lfoгја glo1>al е liqt!iclez cxcessiva terminariam ет rc­
а Grnnde Dcprcssiio dos anos 30. А rcitcrac;ilo ис iпtсгvсщ;бсs ис tIltil11a vсгsбсs cspctaclllares, по fossem as iпtеrvеш;6еs <Је ultima iпstfшсiа <Јо
instancia dos Bancos Centrnis с а gcrac;ao de cl€:ficits liscais, ао a\.II11Cl1tar а Вапсо Сспtгаl шаis po(lcroso е ис SC\lS ac6litos по cC11tro do sistema то­
divida риЫјса de "Ьоа qualidade", impediram а desvalorizaiio da гiчнеzа netario iпtС1'Пасiопаl.
ја exi5tente е amp1iar.lffi о ре50 dos ativos tinanceiros па riq\.leza total. Аssiш, о predominio da lбgicа [тanсеЈrn iшрбе ао Fedcral Reserve, ad­
Mudanc;as subjetivas (рsiсоlбgiсаs, diria Keynes) foram provocadas ре­
ministrador de ultima instfшсiа do sistema, ит тапејо delicado da poHtica
.lа5 iпtеrvеш;беs bem-sucedidas: constituiu-se поуа agenda de сопvещ:беs,
пюпсt:1гiа. Na conferencia <Је ]ackson НоIe,А1ап Greenspan deixotl claro,
antitetica ачиеlа чис iшрег.lГ.l cntre о ћllаl do seculo XIX е а Grnnclc Dc­
ет Slla linguagem cnptica, чие по clinla de тoral hazard estrutt1ral пао
pressao. Criou-se, па verdade, нта situac;iio de тoral hazard permanente,
11:1 espac;o раса rndicalismos, isto е, рага movimentos bruscos das taxas de
. ои seja, ит vies altista па psicologia dos investidores. Seja qшl1 Eor а intensi­
јшоs. Grcen5pan пшпifе5tоu, па reali<.ladc, ргеосврас;ао сот а "genera1iza­
dacIe da fluшас;ао da economia, as perdas devem ser limitadas, dada о valor
с;ао" da inflac;ao de ativos, пит ambiente de Ьајха inflac;ao nos mercados de
da massa de ativos чие poderia ser atingida por ита crisc de liqHidez е, I)СI15 с servi<;os.A "ехиЬегјпсја irr.lcional" agor.l сопсатјпа quatro merca­
. portanto, por иmа cIeflac;ao de prec;os generalizada nos шегсаdоs financei­ <.105: Ьбпus, imОЫЉlгiоs, coттodities е os de moedas de paises emergentes.
ros. Nao рог acaso, nos ultimosanos е depois das crises da decada de 90, Quапtо aos riscos <Јс јпПас;ао JlOS pre<;os <Је bens е servi<;os,ob5ervamos
intensificar.lm-se os debates sobre а necessidadc de uш emprestador de а prcsen!;a <.Iе foras чне se mоует e scntido contcirio: dc шn 101<.10, а
йltiша iпstfшсiа universal С as possibilidadcs (1<= о РМ! аSStlшiг <=ste papel. tсп<.lf:псiа def1aciOll<lria (Ios pre<;os (Ios prodlltos m:шнfat\.lГ.ldоs, por conta
Ironias engendradas по curso da Ыstбгiа: as ас;беs de estaW1izac;ao do do excesso de capacidade а e5cala global; de outro, а demanda chinesa е as
:Estado Keynesiano fаvогесеraш аУаПС;О do processo de "securitizac;ao" е taxas cIe juros, ainda bai.xa5, favorecendo а formac;ao de роsi<;беs e5pecula­
de dсsгеgulашепtас;ао dos mercados. Gernram, desta forma, as сопdiс;беs
tivas altistas nos mcrcados de coттodities.As quatro bolhas, а amplia<;ao
.de obsolescencia da "repressao ћnaпсеЈга". Os criterios de ауаliас;ао dos
da Р05јс;ао devedora llquida americ:ma е о risco sempre presenteda acele­
mercados secllndarios da riqueza voltaram а сошапdаг as decis6es de еш­
гас;ао inflасiОШlгiа lev:mtarn desafios formidaveis aos B:mcos Centrais.
presas, сопsuшidогеs е governos.
Ate agora, as politica5 monet:iria5 е os arraпjos cambiais Сет conseguido
As tecnicas de securitizac;ao de creditos bancarios, о uso de derivativos pronlOver а "fuga рага frcntc" I по affi de шапtеr sob controlc 05 Метса­
е а intensa informatizac;ao dos шегсаdоs регшitiraш arnpliar о volume de
dos da Riqucza е, ао mesmo tempo, 5ustentar as taxas de crcscimento da
traпsас;беs. Estas massas de capital financeiro estao concentradas sob а economia global. А efetividade das poHticas anticiclicas esta fundada, nos
comandode grandes investidores iпstitucionais. Sao fundos de pensao, fun­
Estados Unidos, па articulafuo estrutural entre о sistema de credito, а
dos mutuos е о ultimo rebento da ћпапс;а moderna, 05 fundos de hedge, exubernnte expansao <Јо consumo privado, а diaspora da industriamanu­
que, operando ет varias prac;as financeiras, U5аш intensamente о credito fatureira рага rcgi6es "mais competitivas", о епосте deficit comercial с а
рага "alavancar" Р05iс;беs ет ativos. gestao das financ;as do Estado, particularmente da divida риьиса.
05 capitai5 movem-se entre as economias nacionais, па busca de oportu­ Esse formato exptessa а natureza ресuНаг do poder econ6mico america­
nidades de arbitragem ои de ganllOs especu1ativos, sempre а envolver аРo5­ по: 12 а fusao <Је fuпс;беs е de interesses explicita о caciter essencialmcnte
tas quanto aos movimentos de prec;os dos ativos dепошiпаdоs nas diversas "coletivista" Се шасгоесопбшicо) dos processos centrais de reproduc;ao е
moedas. О "тoral hazard estrutural", de certa forma, tornou os Bancos (Ic "mllndiali7.aao" <Јо capitalismo realmente existente.As геlа<;бсs entre
Centrnis refens <Ја garantia <Је liqllidez, по caso <Је оsсilас;беs bruscas nos
pre<;os е st1speita <Је risco sistemico. Nao seria forn de prop6sito bllscar 12.Vc:r C;lpilt110 Н, р. 199.

230 231

- -_.- - '----- ---- - -----------------


em ienes contra aplic.lC;6es em ativos denominac.los <:m d61ar, o que deter­
Estado c mercado (uma forma imperfcita de exprimir as rdaoes entre
minou a valoriza;lo da moeda americana.
poIltica e economia) nao san "externas", (Je mero intervcnciol1isl11o. Sao A rccuperac;:lO da ccol1omia japonesa e a consequente c1evaC;ao das taxas
orgfmicas c constitutivas. Nos tcmpos d:l "c.:conomia glohal", tais j()rnuls dc jUros cm kne sao fatores dc risco que ja manucstar-.lm sua presenc;a nos
soclaUzadas do jJoder jJrlvadu pc:rmitem diversiticar a riqllt;za dc cada ataques desfcridos contra as moedas de paises com elevado deficit em tran­
grupo, distribui-Ia entre o varios mcrcados nacionais e assegurar o maxi­ sac;6es correntes, como foi o caso de IsHindia, Hungria e Nova ZeHlndia.
mo de ganhos patrimoniais, se possivel no curto prazo.
Os agentes destas operac;6es sao as instituioe da financ;a privada. Silo
estas que definem os prec;os de venda, os metodos de financiamento, a
CONCLUSAO
participaao acionaria dos grupos, as estratćgias de valorizac;ao das ac;6cs.
A garantia final - mas certamente nao definitiva - do processo de valori­ No mercado "competitivo" do capitalismo formado por empresas gigan­
zac;ao de ativos e a existencia de um estoque de ativos liquidos e seguros tes na era da desregulamentac;ao e da liberalizac;ao, ha, simu1taneamente,
emitidos pelo go verno do pais hegemanico. dinamismo e estagnac;ao, avanc;o vertiginoso das forc;as produtivas em al­
Entre 2001 e 2003, por exemplo, a politica monetaria americana funcio­ gumas arcas e setores combinados com a regressao em outras partes. Mais
nou de forma anticic1ica: a autoridade moneta.ria satisfez a demanda dos do que nunca, a concorrencia capitalista torna efetiva a sua razao interna,
market makers por papeis mais liquidos e seguros. Essa providencia man­ engendrando o processo de fus6es e aquisic;6es, ou seja, o monopolio, o
teve a rentabilidade das carteiras destes agentes, ao reduzir seu custo de que significa impor barreiras a ent1-ada de novos competidores, sejam estes
carregamento.Ao mesmo tempo, o supcr:'ivit fiscal tornou-sc disfunciollal,
empresas ou paises.
tanto do ponto de vista macroeconamico, como da composic;ao dos patri­ Ao mesmo tempo, as posic;6es relativas de paises, continentes e clsses
manios privados.O setor privado,na recessao,demanda papeis do g6verno sociais sofrem alter:H;6es taD radicais quanto permrbadoras. O capitalismo
como forma de preservac;ao da riqueza liquida, substituindo, na margem, a realmente existente revela sua natureza mais profunda, aquela ja desvelada
aquisic;ao de papeis privados. por Marx e Engels no Mantfesto Comunista:
A politica de rcduc;ao de taxas de juros nos Estados Unidos e sua manu­
tcnc;ao em niveis muito baixos, entre 2001 e 2004, estimularam as opera­ A burguesia nao pode existir sem revolucionarconstantemente
c;oes de cany trađe - tomar recursos baratos em dcterminada moeda (no os meios de produfiio e, portanto, as relafoes de produfiio e
caso, o dolar) e aplica.-los em outras moedas (como, por exemplo, o real) com elas a conjunto das re/afoes da saciedade (.. .) Revolu910
com rcndimentos mais elcvados. Nestc mesmo periodo, o )apao fixava em permanente nas condi90es de produfiio, disturbios inintenup­
zero as taxas dc juros basicas, com o proposito de impedir o avanc;o das tos de todas as condi90es sociais, permanente incerteza e agi­
forc;as deflacionarias que ameac;aram sua economia ao longo da estagnac;ao tafao e o que distingue a era burguesa de tadas as demais.
dos anos 90 e o inicio do terceiro mi1enio.A conjugac;ao entre as politicas
monetarias japonesa e americana fomentou a forte expansao da liquidez in­ Marx e Engels escreveram isso em 1848,antes das escaladas industriais dos
ternacional e implllsionou o atual cielo dc credito e de inflac;ao de ativos. Estados Unidos e daA1emanha confirmarem suas suspeitas sobre o papel da
A partir de 2004, a subida progressiva da policy rate nos Estados Uni­ concorrencia "universal" na expansao do regime do Capita!. E.xtasiada diante
dos rcdllziu drasticamente as vantagens dos emprestimos em dolar para o da potencia revolucionaria e "progressista" do capita1ismo em seu impeto de
carry 11'(/de em l1H,.rcados 1"01";1I1l'I)S dc alto I"cndimcnto. Entrc o sl'gul1do ll1c.:rc;l\ltilizaao lInivcrsal, a dupla naD foi C:lpaz dc antccipar o papcl crucial
e o (.. himo trimestrc de 200:;. a vafia;io liquida dos ativos cm llH.'n:a<.!os dos Estados nacionais e da luta politica na "dcformac;ao" dos mercados c das
cxt<,'fl10S dos h:lIlcos :lll1criC;\1l0S <:aill dc.: l JS$ 170 hilhC)cs para l.JS$ I I bi­ condic;i">es da concorrencia na derrocada da Inglatcrra. (Assim, e possivel que
lh()t:s.Ao mesmo tempo,as liliais dos mesmos bancos e os fundos dc bedge OS f:..o;ta<.los Uni<.los anunciem o flltllfo <.la China. Da tefabula narratur.)
ampliaram significativamente suas posi6es amparadas por el11prćstimos

233
232
Em meados do século XIX, as economias retardatárias desenvolveram-se
lidade em sua..'i cartciras. Este é 0 caso, por exemplo, dos títulos de dívida
sob 0 livre-comércio, patrocinado pela hegemonia .financeira inglesa. No
pública e privada dos emergentes. Estes países costumam oferecer aos in.
final do século, a Belle Époque iria desfi1ar seu aplomb e suas aparèncias vestidores internacionais rcnclimentos muito mais altos do que os apresen.
à beira do abismo cavado pelo protecionismo crescente e pe1as disputas
tados por papéis do mesmo pra.zo emitfdos por governos mais acreditados.
imperialistas por recursos naturais. Esta caminhada dos investidores em direc;ào à zona de riscos mais ele.
É demasiada pretensao do entendimento humano prognosticar par.l a vados está sempre amparada pela expansao do crédito bancário.Assim, os
nova etapa do liberalismo, 0 "nco" - ou seja, para anova era de desloca­
apostadores podem assumir posic;6es que sào um múltiplo de seu aporte
mentos tect6nicos e "c1imáticos" engcndrados pelo rcvigoramento da con­
próprio de capital, na csperanc;a de ulteriores elevac;òes dos prec;os que
correncia universal - 0 mesmo destino das aventuras do liberalismo c1ássi­ valorizarào seu estoquc riqueza.
co. Richard freeman, economista dc Harvard, afirma em artigo recente que
Neste quadro, uma súbita alterac;ào das expectativas pode acarretar uma
a velha conversa sobre os beneficios do comércio - os países avanc;ados
onda de vendas em massa - que, aliás, comec;am sempre pelos ativos mais
produzem bens de alta tecnologia com trabalho qualificado, enquanto os
arriscados. Muitos investidores adquirimm seus ativos a crédito, outros fo­
menos desenvolvidos se dedicam aos setores de mào de obra naD qualifica­ mm mais ousados na alavancagern. 0 professor Charles Kindleberger afir.
da - "tornou.se obsoleta com a presenc;a da Clùna e da Índia". ma, com razào, que as crises financeiras só se tornam graves quando as
Editado pelo FMI, 0 Global Financial Stability Report de abri1 de 2006, flutuac;òes no valor da riqueza contaminam os bancos, Quando isso acon­
ílpesar do tom geml mais otimista, nào esconde as preocupaòes com os tccc, a maquinaria cconòmica entm cm colapso. Na auséncia de uma inter­
riscos implícitos na atual onda de sobreliquidez que inunda os mercados venc;ào tempestiva, de natureza pública, simplesmcnte nao há como fazer
mundiais. Num ambiente de t:Lxas de juros muito baixas, advcrtc 0 rclató­ a cngrcmlgcm capita1ista voltar l seu funcionament<> normal.
rio, 05 investidores inc1inam.se naturalmente para atitudes cxcessivamcntc Dcsde scmpre, os mcrcado 1in:mceiros, entregues :\ própria lógica, sao
otimistas na pondcrac;ào cntrc a evolUC;;IO esperad:l dos prcos dos ativos lssim mcsmo, sl1jeitos a surtos dc cuforia c pessimismo. 1st<> ocorre a des­
e' os riscos envolvidos em sua possc. Em tais circunstancias, sào fortcs os pcito dos esforc;os dos economistas quc insistem em desenhar modelos de
incentivos plra "alavancar" posic;òes especulativas c avan<;ar na direc;ào das
mcrcados eficientes ou construir teoremas sobre a indifercnc;a das estnl­
regiòcs mais perigosas do espectro dc risco. llll":IS dc linanciamcnto.A coisa lica ainda pior quando os surtos de cl1l()ri:l
o entusiasmo quase generalizado no início com a liberaliza<;ào c a des­ cnvolvem riscos de "dcscasamento" de moedas, 0 ql1e frequentemente tcm
regulamentac;ào dos mercados financeiros comec;a a se tr.msformar em
1evado a crises cambiais, financeiras e bancárias en1 países imprudentes.
cautela.Os sintomas clcsta mudanc;a devem ser buscados no tom mais pru­
Criscs sistémicas sào inerentcs à dinamica financcir.l e uma ameac;a per.
dente das análises nascidas dos arraiais ortodoxos.A dúvida e 0 questiona­
manente ao crescimento das economias. No plano internacional, as inevi.
mento tèm sido gemis e irrestritos.
t:'tvcis ondas de especu[aào causadora dc instabilidade envolvem, ademais,
Agora já sao muitos os que criticam as interprctac;òcs convencionais que
ativos de diversas qua1idades denominados em moedas distintas.As crises
costumam atribuir as crises financeiras c cambiais à má gesrao monetária
financeiras tf".lnsformam.se inevitavelmente em crises cambiais.
e .fiscal dos governos de países emergentes. Desde a sucessao dc crises dos
Dizem que, para 0 bom entendedor, meia palavra basta. Mas 0 menciona.
anos 90, que culminou com a derrocada da Argentina, os analistas mais
do relatório do fMI parecc nao acreditar na sabedoria das parèmias popu­
responsáveis e menos comprometidos com a ideologia rasa dos intcresses
lares.Afirma dc boca cheia e de forma reiterada que uma cventual (e pro­
procuram sublinhar 0 papel desempenhado pela "dinamica de mercado" vávcl) mudanc;a do ambieme financciro internacional será incvitavclmcnte
na precipitac;ao de episódios cambiais e financeiros ruinosos. acompanhada de uma elevac;ào dos rendimentos dos papéis do Tesouro
A história das crises financeiras é quase sempre a mesma: nas etapas de americano c dc uma ampliac;ao dos sjJrculds que incidem sobrc 05 bónus
euforia, a confirmac;ào das expectativas otimistas leva os possuidores dc ri. dos países emergcntes. A má notícia: os países com alto endividamento
queza a buscar apostas mais arriscadas, incorporando ativos de menor qua- público e passivos externos elcvados e mais voláteìs estar:io às voltas com

234
235
------ ----------------------------

vulnerabilidades, até agora "mascaradas pelo dima financeiro favoráveJ".


A boa nova: diante das boas perspectivas de crescimento global e prec;os CAPITULO 11
favoráveis de commodities, os riscos seräo redlIzidos para os qlle se pre­
pararam para o choque ecuidaram de l11anter taxas de cambio adequadas
e reservas elevadas.
MARX, KEYNES
l E A FINAN<::A CAPITALlSTAl
!
j

MAJl,,: CRÉDITO, ACUMULA(:ÄO II CAPITAL foICTfcIO

No Iivro III de O Capital, Marx examina as características do moderno


sistema de crédito.
• O nivelamento da taxa de lucro "sobre o qual repousa toda a produc;äo
capitalista ". Marx discllte aí o instrumcnto apropriado para a mobilidade
dos capitais no processo de igualac;äo da taxa de lucro.
• Diminuic;ao dos custos de circlllac;äo. O sisterna de crédito reduz a neces­
sklade de rctenc;äo de fllndos capitalistas. dada a centraIizac;äo do capital
1110netário nos bancos de depósito e demais instituic;ôes de crédito, o que
permite acelerar o processo de reproduc;äo do capital.
• O sisterna de crédito permite a acumulac;äo de capital muito além das
possibilidades de cada capital industrial e, ao mesmo tempo, toma concre­
ta a ocorrencia de crises de reaIizac;äo e de superproduc;äo.
Marx trabalha de uma forma peculiar, ao demonstrar a genese e a es­
trutura das reJac;ôes de produC;äo capitalistas: a investigac;äo comec;a pele
regime do capital já constituído e articulado cm todas as suas "formas" .
Mas a exposic;äo teórica se inicia com a forma elementar, a mercadoria. Da
mercadoria para o dinheiro, do dinhciro para o capital; da circulac;äo e da
reproduc;äo do capital para a autonomizac;äo e o desenvolvimento das for-

l. Publicado originalmente na Revlsta Princípios.

236
237

Você também pode gostar