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Kida, de Merlov

Parte 1 - A desconstrução do amor

Parte 2 - A reconstrução do amor

Luiza Teixeira Esteves


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Dedico este livro à minha amiga Natália Fonseca
Santos, pessoa que julgo ser uma das mais esforçadas
que conheço e com uma paixão pela vida que não
ouso tentar mensurar. Porém, diferente desta pessoa
excepcional, este livro é voltado para as pessoas que
ainda não entenderam o que é amar. Não me
proponho aqui a resolver este mistério ou desvendá-lo
à humanidade. Proponho-me apenas a expor pontos
de vista em relação a esse sentimento. Se me
perguntarem “por que duas partes” é porque, como li
certa vez, “a vida tem no mínimo dois ângulos”

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Parte 1

A desconstrução do amor

No reino de Merlov havia uma princesa da qual


certamente vocês nunca ouviram falar. Seu nome é
Kida e ela passava por um problema enorme pois já
estava chegando a seus 25 anos e nenhum príncipe,
de nenhum reino, queria desposá-la, certamente
devido a seu enorme nariz, pensava ela.

Pensava à noite, antes de dormir, e por muitas


vezes até sonhava que poucos eram os que vinham
visitá-la pois a fama de seu nariz já havia percorrido o
mundo inteiro, e a pobrezinha, na manhã seguinte, ia
se lamentar nos ombros de seu fiel amigo Pietro. Pietro
era um ótimo atirador de arco e flecha, o que deixava

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Kida encantada a ponto de se tornar muito boa
também para uma princesa que não sabia nem tocar
flautas, seu instrumento favorito.

Porém, o que Kida não sabia até então, é que


Pietro estava apaixonado por ela. Até que uma vez ele
criou coragem e contou a ela, pedindo para que se
casasse com ele. Contudo, Kida não pôde retribuir o
seu amor, não podia dar à Pietro o amor que ele tinha
por ela, apenas um amor de irmão.

Certo dia, após ter sido novamente rejeitada, Kida


adentrou a mata aos prantos, e lá estava Pietro, com
seus arcos e flechas. “Ninguém me deseja” dizia Kida
nos braços de Pietro. “Eu sim” respondeu, então,
Pietro “Pois pra mim não existem outras mulheres. Pra
mim, você, Kida, é uma Deusa”. Aos braços de Pietro,
Kida sentiu imensa vontade de beijá-lo, mas não

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achava certo fazê-lo já que não iriam se casar.

O pai de Kida, Rei de Merlov, decidiu que a filha


iria visitar os reinos que ainda não a conheciam. Kida
foi preparada, pensando que iria mostrar seus
melhores dotes já que a beleza não era uma de suas
características, porém Kida não sabia fazer nada! Kida
não cantava, não tocava sua flauta, e não era uma boa
ideia sair por aí atirando flechas.

Kida se surpreendeu, certa vez, com o fato de ter


sido rejeitada não por causa de seu nariz: ”muito
esguia!”. Pobre Kida. Mais um capítulo para suas
noites de pesadelo! Estava morrendo de saudades de
Pietro, e já não se imaginava mais com outro homem
senão com ele. Então, ao voltar de viagem, Kida
decidiu que se casaria com Pietro. E assim foi.

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Pietro havia se tornado um diplomata, um ótimo
estrategista comercial e de batalhas, mantinha ótimas
relações com os reinos vizinhos e, por consequência,
tornou-se um fanático por seu trabalho, largando o
arco e a flecha. Essa mudança radical incomodou
muito a princesa, até mesmo porque Pietro já não era
mais o mesmo. Só falava de seu trabalho e tinha
perdido seu posto de ombro amigo da princesa. Por
mais que amasse Kida, Pietro estava sempre de mau
humor e sendo rude com Kida, que estava sempre
arrumando um jeito de deixá-lo bem: comprava as
melhores roupas que um rei poderia usar, enchia-o de
presentes, carinhos, surpresas... Mas nada... Pietro
agora era outro homem. Pietro não fazia nada mais por
ela, nem em seu aniversário, nem nas datas de
casamento, nem mesmo quando era natal.

Ao longo desses três anos de casamento, Kida tinha

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sempre uma companheira com quem ia colher
algumas ervas para fazer chás. Chás de vários tipos,
chás quentes, chás gelados, chá amargo ou adoçado,
verde, vermelho, amarelo. Seu nome era Melissa, e
Kida já estava farta de estar sempre reclamando de
Pietro para ela.

Melissa não pôde, certa vez, buscar as ervas com


Kida, que acabou tendo que ir sozinha. Enquanto
apanhava as ervas, ia cantando músicas que ela
mesmo havia composto, quando surgiu a voz de um
homem:

- Você canta muito bem

- Ora, não estou acostumada a receber elogios –


respondeu Kida, virando-se para a direção de onde
vinha a voz e surpreendendo-se com o rapaz. – Fico

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feliz em saber que ao menos tenho uma voz bonita.

- Oh, não me entenda mal. Não disse que sua voz é


bonita. Mas é verdade que sabe usá-la, e canta muito
bem!

Kida sentiu-se bem com isso... De repente não era


necessário ter uma bela voz se ao menos soubesse
cantar. Foi como uma porta de oportunidades...
Inflando um pouquinho o ego da moça que sempre fora
tão vazio.

Os dois ficaram conversando, até que então surgiu


uma outra surpresa para Kida. O rapaz havia se
apaixonado pela princesa, e esta andava muito triste
com seu casamento. Essa situação fez com que Kida
voltasse para casa cantarolando, dançando... Nas
nuvens. Não porque estivesse apaixonada pelo rapaz

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que conheceu – Kida ainda amava seu marido – mas
pelo fato de ter sido cortejada, como não era mais por
Pietro.

O que Kida fez ao chegar em casa foi contar a


Pietro, que entrou em uma crise de ciúmes, e fez Kida
se sentir muito mal. Kida começou a pensar muito
sobre a vida que estava levando, e foi ficando cada vez
mais depressiva, até que uma vez, enquanto tomava
chá, uma lágrima escorreu e caiu em sua xícara. Dali
então surgiu uma mulher chamada Raquel, que disse
ser sua fada-madrinha!

Toda vez que Kida ia chorar por causa do marido,


pegava sua xícara de chá para que sua fada-madrinha
viesse consolá-la. Ela era uma ótima ouvinte e sempre
dava ótimos conselhos, não do que fazer, mas como
pensar em relação a sua vida. Até que uma vez sua

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fada-madrinha a fez perceber muitas coisas, tais como
que Kida tinha medo do fim do casamento, tinha medo
de ficar sozinha. Mesmo assim, Kida ainda não tinha
tomado coragem para se separar do marido. Ainda
sentia que o amava.

Mais uma vez, colhendo ervas, surgiu um rapaz


muito charmoso. Ele estava atirando flechas, e então
Kida se aproximou:

- Será que eu poderia tentar?

- Ah, princesa! Claro! – respondeu o rapaz,


entregando-lhe o arco. Kida pegou uma flecha, colocou
no arco e o esticou, olhando fixamente para o alvo.
Quando atirou, olhou para o rapaz, sentiu algo
diferente no jeito que ele a olhava. Conforme
conversavam, Kida o olhava meio intrigada, como

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quem quisesse colher com os olhos o que o rapaz
tinha escondido, até que ele disse:

- Sabia que os olhos da princesa são muito


penetrantes? São escuros, e misteriosos. Jamais
encontrei olhos como os que tem.

O rapaz estava encantado com a princesa, e a


cortejava. Mais uma vez Kida voltou para casa
sentindo-se tão leve quanto o vento... Toda aquela
atenção que o marido não lhe dava, atenção que
Melissa ou Raquel jamais seriam capazes de dar, Kida
estava tendo novamente. Ao entrar em casa, Kida não
teve receio de contar ao marido, esperando que talvez
assim ele percebesse que Kida precisava da atenção
dele, e não da de outros rapazes. Mas foi inútil. Ele
teve ciúmes, mas nada fez por Kida nos dias que se

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seguiram.

Mais uma vez Kida foi chorar para sua


fada-madrinha, que mostrou a Kida que ela não
necessariamente precisava da atenção do marido, mas
precisava ser aceita pelos outros já que foi tanto
criticada e julgada por todos. Sua fada-madrinha tinha
razão, pensou Kida, mas só o amor próprio não seria o
suficiente para segurar um casamento.

Depois que se sentiu bem novamente, Kida foi


com a amiga buscar mais ervas para fazer mais chá.
Era sempre assim: brigava com o marido, chorava com
Raquel e depois ia se divertir com Melissa. Pietro já
não a cortejava mais, não era mais um ombro para as
lágrimas de Kida, e muito menos se divertia com ela.
Mas ainda assim, Kida o amava.

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Melissa já fazia ótimos chás! Já conseguia curar
dores de cabeça, problemas respiratórios, dores de
barriga, náuseas e vários outros problemas. Já era
reconhecida no reino inteiro e certamente já era uma
pessoa realizada profissionalmente. Mas o que Melissa
mais queria era encontrar um chá que auxiliasse no
emagrecimento, afinal, por mais que já estivesse bem
sucedida em sua carreira, ainda era solteira e se sentia
sozinha.

Outra vez foram as garotas apanhar ervas... Como


esse era um desafio, se separaram com a esperança
de encontrar as mais diversificadas ervas possíveis.
Adentrando a mata Kida acabou se deparando com um
bosque que ainda não conhecia, e nele encontrou um
rapaz escrevendo embaixo da sombra de uma árvore.
Por ali mesmo começou a analisar as plantas quando
um vento muito forte bateu e levou algumas páginas do

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livro, fazendo o rapaz levantar-se para tentar
apanhá-las. Logo a princesa foi ajudá-lo.

Ele na verdade não estava escrevendo, mas


desenhando, e seus desenhos eram maravilhosos!
Gostava de desenhar pessoas, e lá estava o começo
do desenho de uma moça longe com lindos cabelos
compridos. Kida contou-lhe que também desenhava,
mas não tão bem quanto ele. Aliás, não era boa em
nada, pensou. Kida teve uma ótima tarde vendo seus
desenhos. Conversaram e deram muitas risadas, e
então Kida perguntou a respeito do primeiro desenho
que viu:

- Por que este não está terminado?

- Porque eu havia acabado de começar – um vento


bateu e desarrumou os cabelos de Kida, que logo teve

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que reajeitá-los – eu fiquei encantado exatamente com
isso.

- Isso o que?

- Com o modo como ajeita seus cabelos quando o


vento os desarruma. Percebi que Vossa Realeza tem
cabelos negros maravilhosos, e dignos de um belo
desenho. Percebi que as pessoas, quando vistas de
longe, não são a mesma coisa quando vistas de
perto... Não somente em detalhes físicos, mas em
espírito.

Era mais um rapaz que cortejava a princesa, que


mais uma vez sentia-se feliz, pois dificilmente em casa
se sentiria tão bem. Voltou desta vez muito tarde, sem
nem levar as ervas a Melissa, que no momento já
deveria estar dormindo. Quando entrou em seu quarto

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Pietro perguntou onde estava, e ela contou-lhe que
tivera uma ótima tarde “Olhe!” disse mostrando-lhe as
telas e o lápis de desenho que havia ganhado para
praticar. Pietro estava com muito ciúme, mas também
era muito tarde para brigarem, e no dia seguinte teria
que trabalhar, então não deu atenção ao que Kida
disse e se virou para dormir. Kida não dormiu, ficou
desenhando a noite inteira, se imaginando em lugares,
em situações divertidas, situações românticas, e
gravando tudo em suas enormes folhas para desenho.

Kida, na manhã seguinte, não precisou de sua


fada-madrinha. Ainda estava muito animada com seus
desenhos, então foi apenas até Melissa contar-lhe tudo
que lhe acontecia, enquanto tomavam chás das
especialidades da amiga.

- Quando buscaremos mais ervas? – perguntou Kida,

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empolgada.

- Kida, olhe bem em volta. Temos já muitas ervas! Não


é necessário irmos, pelo menos este mês. Mas se quer
uma desculpa para ir passear, não precisa. Pegue
seus lápis e suas telas e vá desenhar em um lugar
bem tranquilo e longe daqui.

- Tem razão! – respondeu Kida. Pensou um pouco


olhando para a palha do chão e voltou o olhar para
Melissa – Venha comigo!

- O que? Mas Kida, eu tenho muito trabalho a fazer! E


não fica bem para uma mulher andar por aí! Quer
dizer, você é a princesa, ninguém te dirá que não pode,
mas eu...

- Vamos! Você está sempre tão sozinha! Venha

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comigo! Quem sabe não encontra o seu príncipe
encantado?! Se deixar para amanhã ele poderá ter
outros planos e vocês nunca mais se encontrarão!

- Está bem – disse Melissa enxugando as mãos e


tirando seu avental. Usava por baixo do avental um
vestido lindo, de luxo, que denunciava seu sucesso
financeiro. As moças pegaram uma carroça e
dirigiram-na sem rumo para o interior do reino, em uma
viagem de aproximadamente uma hora. Encontraram
uma cachoeira e, exaustas da viagem, foram se
banhar. Ao saírem, Kida começou a desenhar Melissa.

Tiveram uma ótima tarde. Conversaram sobre o


futuro da carreira de Melissa, o trabalho de Pietro, o
crescimento das cidades entre vilas... Tiveram várias
ideias para serem postas em prática. Uma carruagem
passava quando as garotas iam subindo nas suas.

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Melissa pediu para Kida se apressar, e esta perguntou
o porquê da pressa.

- Aquele é meu noivo. Estou prometida para ele... Ele


não pode me ver aqui!

As duas partiram. Kida perguntou a melissa


porque não havia contado antes que estava prometida,
mas esta preferiu não responder, apenas olhou a
paisagem diminuindo perante seus olhos pela janela.
Ao chegar em casa Pietro estava vermelho de raiva.
Não aguentava mais que Kida saísse assim, sem
avisá-lo. Kida lembrou-se de todo o amor que sentia
por Pietro e prometeu-lhe que não sairia mais. No dia
seguinte foi visitar a amiga, mas ela estava um tanto
fraca e pálida.

- Mas o que você tem?

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- Eu não estou comendo muito bem... mas não é nada
demais. Logo vai passar. É uma experiência com meus
medicamentos... Mas não quero falar disso... – pôs a
mão sobre a mão de Kida – Quero viver aventuras
amorosas, tais como as que você tem me contado.
Meu noivo só espera que eu me arrume e seja linda
para ele, mas nunca demonstra mais além de que há
uma floricultura no caminho para cá. Por isso nunca
falei dele para você.

- Aventuras amorosas? Esta louca, Melissa... Não vivo


aventuras amorosas, sou casada!

- Você vive sim! Não digo que realmente envolve


amor... Envolve tudo que deveria haver no amor entre
duas pessoas, talvez amor seja a única coisa que
realmente não tem no seu encontro!

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- Então... Vamos, Melissa! Você ainda não se casou!
Podemos fazer um baile, o que acha?

- Seria perfeito!

Então as moças planejaram um baile de máscaras,


assim ninguém poderia reconhecê-las. Enquanto
Melissa e Kida se divertiam, Pietro e Leonardo, noivo
de Melissa, continuavam seus trabalhos. Mesmo no
baile não podiam manter uma conversa sem fechar
negócios.

Kida dançou e se divertiu como nunca. Parou um


pouco para descansar quando um rapaz com quem
havia dançado ofereceu-lhe uma bebida. Kida teve que
levantar a máscara para bebê-la, porém não revelou
todo seu rosto. Continuou conversando com o rapaz a

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noite toda. Então o rapaz disse a Kida que ela tinha um
belo sorriso. Kida ficou lisonjeada, mas não mais
constrangida como antes...

Quando Pietro viu que Kida conversava com o


rapaz foi logo na direção dos dois e ordenou que Kida
fosse para o quarto. Kida foi chorando, e ao entrar em
seu quarto se deparou com Melissa deitada em sua
cama.

- Amiga, o que foi? – Melissa não parecia muito bem

- É que eu estava tentando emagrecer... tomei chás,


fiquei dias sem comer, apertei meu espartilho...

- Amiga, a gente não precisa disso! Não mais! Ouça,


toda essa história que eu tenho vivido, por mais que eu
não seja um padrão de mulher bonita, fui sempre

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elogiada e cortejada! Faça suas malas! Você não tem
que se encaixar no padrão de ninguém para ser
amada!

- Para onde vamos?

- Para a carruagem, de lá partiremos para nossas


aventuras!

- Mas, amiga, e Leonardo? E Pietro?

- Ouça, eu não serei uma princesa enquanto Pietro não


se comportar como príncipe. O mesmo te serve, só
será princesa quando encontrar um príncipe também.
Até lá, seremos apenas eu, você, e as histórias de
cada noite!

Então as duas partiram. Kida nunca mais precisou

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de sua fada-madrinha, embora ainda amasse Pietro.
Nada lhe tirava a vontade de ser princesa, mas como
poderia ser princesa sem seu príncipe encantado? A
felicidade não poderia ter uma condição que não cabia
a si mesma. Kida não podia mudar outra pessoa para
ser feliz assim como Melissa não podia mudar a si
mesma para agradar outra pessoa. Pietro e Leonardo
nunca se arrependeram pois nunca entenderam
exatamente o que tinham que fazer. Melissa e Kida
perceberam que a perfeição dependia dos outros,
então preferiram não serem perfeitas e viveram felizes
para sempre, pois felicidade, diferente da perfeição,
não depende de ninguém senão de nós mesmos.

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Parte 2

A Reconstrução do Amor

Kida e Melissa foram a um vilarejo distante do


reino. Havia uma cabana da família de Kida mais ao
Sul. Chegaram quando o sol dava sinal de seus
primeiro raios de luz.

- Melissa, acha que esta terra é boa para cultivar suas


ervas? - perguntou Kida, descendo da carruagem

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- Claro! Teremos um trabalhão para arrancarmos todo
esse mato, mas assim que tudo for arrancado,
poderemos plantar em grupos de benefícios
medicinais. Ali ficariam as ervas que sei que tratam
dores de cabeça causadas por vasoconstrição, ali
serão as que não tenho certeza sobre como agem na...
- Melissa ia falando, se empolgando cada vez mais em
investir naquilo que era sua paixão.

Entraram na cabana, procurando por ferramentas


que pudessem usar para arrancar o mato. A cabana
estava bem suja e empoeirada, fazendo as duas
espirrarem uma vez ou outra, mesmo que nunca
tivessem tido sintomas de rinite, sinusite ou similares
antes. Tinha muitas folhas secas e teias de aranha.
Aparentemente a família real não gostava muito de
viajar para o sul.

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Seria melhor que no primeiro dia tivessem um
lugar limpo para dormir, e pensassem na plantação das
ervas depois. Porém, vendo Melissa tão empolgada,
decidiu que limparia sozinha a casa, e deixaria Melissa
cuidar da parte de fora.

- Precisamos de um lugar limpo - disse Kida pondo as


mãos nos quadris e dando uma leve alongada - então
vou dar um jeito aqui dentro enquanto você vai
começando o trabalho aí fora. Daqui à pouco vou aí e
te ajudo

- Tudo bem, só me dê aquela pá então para eu


começar!

Tudo que Kida tocava lhe dava tremeliques. Tinha


medo de uma aranha subir pela sua mão e acabar em
sua nuca. Primeiro limpou suas ferramentas de

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trabalho, e logo jogou todo aquele pó, e folhas, e teias,
porta a fora. Quis ir rápido para poder pôr a mão na
massa também, mas não admitiria dormir num lugar
sujo. Depois de ter certeza que não havia mais
aranhas por ali, pegou uma tesoura e começou a cortar
o mato.

- O que está fazendo? - perguntou Melissa, rindo -


você tem que tirar pela raiz. Precisamos da terra limpa
para plantar.

- Mas não tem outra pá. O que eu faço então?

- Tome - Melissa deu-lhe sua pá - vou arrancar com as


mãos mesmo.

Kida fincava a pá na terra, metia o pé na pá para


afundá-la mais, repetia o processo mais uma vez para

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conseguir ir mais fundo, e então tentava jogar a terra
incrustada de raiz para cima. Era bem difícil. Olhou
para a amiga e a viu puxando apenas com a força
bruta a planta pela raiz. Às vezes acabava caindo
depois de dois passos para trás que dava quando a
raíz soltava a terra.

- Você pode tentar fazer alavanca - disse Melissa - fica


mais fácil de jogar para cima. Ou então cave apenas
na horizontal, cada vez mais adiante. Solta sozinha
também.

Depois trocaram. Melissa voltou com a pá e Kida


tentou puxar com a mão. Das duas maneiras Melissa
era mais rápida. Essa é a diferença de quem tem
experiência e quem não tem. O sol ia baixando e as
duas estavam exaustas. Decidiram parar e infelizmente
tinham feito apenas metade do terreno. Entraram para

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descansar e se banhar e Melissa se admirou com o
tamanho da cabana

- Eu não teria terminado de limpar aqui tão rápido!

Kida, apesar de princesa, era bem prendada no que


dizia respeito a tarefas femininas. Sempre lhe fora
ensinado que era essencial viver em ambientes limpos
e organizados. Lembrou então da raiva que sentia por
não terem ensinado isso à Pietro. Sentia-se uma
imbecil completa quando ele sujava ou desarrumava o
que, com tanto capricho e zelo, ela tinha arrumado. O
que antes lhe dava orgulho, depois do casamento lhe
dava frustração. Ficava admirando o ambiente limpo
como uma paisagem que ela mesma tinha
providenciado a seus olhos. Deve ser por isso que
dizia sempre a Pietro que parecia que um furacão tinha
passado depois que ele chegava. Aliás, tinha certeza

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que se Picasso se casasse com uma mulher que
jogasse a toalha molhada na sua pintura, divorciaria-se
dela imediatamente.
Bem, mas não era mais com isso que queria se
preocupar agora. Melissa não era lá muito organizada,
então se encontraria vendo sua paisagem sendo
arruinada todos os dias. Contudo, agora tinham novos
horizontes para apreciar. Amontoaram o mato que
arrancaram e tacaram fogo. Foi uma bela noite de
fogueira tomando um fermentado verde que Melissa
costumava fazer. Tinha trazido pronto na viagem.
Planejaram noites incríveis. Não queriam perder nada!
Queriam comer todas as comidas que podiam,
conhecer o tipo de pessoa mais interessante, escutar
histórias de viajantes, e contar suas próprias histórias
depois.
Logo adormeceram. A limpeza de Kida tinha sido
em vão, pois a fogueira estava mais acolhedora.

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Arrependeram-se disto só depois do amanhecer,
quando o sol lhes queimava a cara. Também
perceberam que estavam muito famintas. Melissa
pegou suas sementes e começou a semear na terra já
remexida.

- vamos procurar algum lugar para comer, Melissa.


Não vamos aguentar trabalhar de estômago vazio!

Na verdade Melissa já estava acostumada a ficar um


dia inteiro sem comer, mas Kida jamais ficava sem seu
café da manhã. Porém, Kida não planejava morrer de
trabalhar.

- Claro, só estou semeando estas sementes onde já


arrumamos para começar a crescer logo. O dinheiro
que você trouxe não será suficiente para nos pagar
todas as nossas refeições. Pelo menos comerei

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tranquila, sabendo que nossa fonte já está começando
a germinar.

- Bem pensado Melissa. Não penso tão bem de barriga


vazia.

Kida ajudou a semear e percebeu que não


desmaiaria de fome, como costumava acreditar, se
ficasse muito tempo sem comer ou se começasse seu
dia sem o café da manhã.
Assim que terminaram, montaram nos cavalos que
vieram puxando a carroça, e procuraram um lugar para
comer. Combinaram de se separar e se reencontrar na
entrada da cidade, onde deixaram os cavalos,
comendo, para decidirem qual era o melhor lugar.
Melissa encontrou o lugar. Lá elas eram encaradas por
todos os rostos. Mulheres não saiam de casa
desacompanhadas de seus maridos. Ficaram bem

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desconfortáveis com os olhares, porém Kida não se
conteve e deu o primeiro passo para dissolver o clima.

- Não é sempre que recebem uma princesa em sua


hospedaria, é?

Melissa chutou Kida por debaixo da mesa e


sussurrou:

- Pensei que manteríamos em segredo!

- Desculpa - respondeu inclinando a cabeça e


erguendo um ombro. Não aguentava ser limitada.
Queria poder fazer o que todos fazem sem ser vista
como violadora da lei. Por isso decidira usar sua carta
da manga. Mas prometeu à amiga que não faria mais

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isso.

Um rapaz se aproximou da mesa das garotas.


Tinha cabelos castanhos até o ombro, ondulados. Sua
barba era mal-feita e falhada.

- Desculpe por nossos modos. Meu nome é Adrian, e


gostaria que se juntassem a nossa mesa

- Muito gentil da sua parte, sr. Adrian. Certamente


adoraríamos nos juntar a vocês.

Na mesa eram mais dois, um rapaz de cabelo


encaracolado, preto, e outro mais velho e barbudo.
Faltava-lhe logo um dos dentes da frente.
Eles estavam curiosos com a vinda das garotas à
hospedaria.

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- Na verdade, não temos como preparar nosso próprio
café da manhã ainda. Estamos nos mudando e a
primeira coisa que decidimos fazer é deixar nosso
espaço de trabalho preparado.
Adrian olhou para o velho desdentado e soltou um
riso de deboche.

- Espaço de trabalho? O que é isso pra vocês? Nossas


mulheres chamam de cozinha.

- E nós de medicina - respondeu Melissa, provocada


pelo deboche.

- Desculpa, não queria ofendê-las.

Kida riu, sem saber muito bem o porquê, apenas


queria manter o ambiente agradável, o que
desagradou Melissa. Esta levava seu trabalho muito à

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sério.
Após o café da manhã delicioso, as garotas
pagaram a conta e adoraram sair de lá com uma nova
amizade.
Arrancaram mais mato e conseguiriam terminar o
serviço antes do sol se pôr. Dessa vez apagaram a
fogueira e foram dormir do lado de dentro. Era bem
gelado, ainda mais pelo contraste de terem estado
próximas à fogueira antes.
Deitada, olhando para cima e tendo suas mãos
sobrepostas no estômago, Kida atrapalhou o sono de
Melissa. Não era apenas de sonhar acordada, mas de
compartilhar seus sonhos, ter certeza de que não
sonhava sozinha.

- Você acha que encontraremos Adrian amanhã se


formos tomar café na mesma hospedaria?

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- Acho que não. São viajantes. De verdade. Do tipo
que vão de hospedaria em hospedaria. Não ficam nas
sombras de seu lar.

Aquilo foi uma alfinetada que talvez Kida tivesse


mesmo que escutar. Será que sabia o que estava
fazendo, ou para onde levara a amiga? Só sabia que
sua amiga era bem melhor resolvida com retirar raízes
que Kida. Ficar na casa de verão dos pais era como
tentar arrancar as raízes com a tesoura.
No dia seguinte Kida acordou ansiosa para ir à
hospedaria. Por mais que Adrian não estivesse lá, já
se sentiria melhor por não ser mal-recebida tendo em
vista que todos já estavam avisados.
Sentadas, fizeram seus pedidos e o dono da
hospedaria quis saber mais daquelas garotas. Melissa
já logo aproveitou para dar o segundo passo e

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espalhar a fama de curandeira, para conseguir quem
comprasse seus chás, e para aprender mais com as
doenças, mas de repente viu que o interesse do dono
da hospedaria era na história das princesas que
queriam ser independentes. Estava intrigado na
aventura das garotas e até Melissa tinha passado de
curandeira para princesa ingênua aventureira. Parecia
achar, na verdade, que tinha alguma chance com elas,
como se na verdade suas aventuras fossem espalhar
amor aos homens carentes. Melissa levantou.

- Bem, Kida. Já estou satisfeita. Vou plantar o resto das


sementes e estudar um pouco mais.

- Ahh, Melissa! Fique mais um pouco! Estamos tendo


um ótimo momento de relaxamento!

- Só que o trabalho deve continuar. Relaxar sem ter

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trabalhado é procrastinar.

Melissa saiu e Kida continuou conversando com o


dono da hospedaria. Sentada do lado de fora da
cabana, Melissa lia seu livro sob a luz do sol. Já havia
plantado as sementes, e já via uma pontinha verde no
solo do dia anterior. Kida retornou, sentou-se ao lado
da amiga e começou a falar:

- Sinto falta de Pietro... E quanto mais homens eu


conheço, mais falta ele me faz.

- Kida, será que não percebe que vai sempre sofrer


porque depende do que os outros sentem por você?
Fugiu de Pietro e agora quer suprir a falta dele tendo
atenção de outros homens! Faça o seguinte - Melissa
foi até a carroça e escolheu um livro. Ainda não tinham
tirado as coisas da carroça para a cabana.

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Entregou-lhe o livro - Divirta-se com coisas, não com
pessoas. Pessoas são imperfeitas e podem te chatear.
Preencha seu vazio com sabedoria.

O livro era sobre plantas medicinais. Kida começou a


lê-lo, mas não se focava. Foi à noite a uma hospedaria
diferente. O bar era mais cheio à noite. Tinha música.
Levou o livro mas sabia que não conseguiria prestar
muita atenção nele. Na verdade, jogou-o na mesa e foi
dançar. Durante aquela dança agitada e divertida viu
que Adrian estava lá. Melissa tinha razão. Ele não
ficaria no mesmo lugar. Dançaram e se divertiram
muito, batendo os pés no chão e rodopiando. Quando
julgou estar tarde, Kida virou o copo num último gole,
pôs as moedas sobre o balcão e virou-se para partir.
Adrian apressou-se em alcançá-la:

- Desculpe se estou sendo muito atrevido, mas

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gostaria de poder acompanhá-la em casa. Já está
tarde.

Kida não se sentia em perigo mas aceitou apenas


porque gostava da companhia. Chegando na cabana
encontraram Melissa próxima à fogueira, lendo.
Tomava seu fermentado verde.

- Desculpe-me pelo horário - começou Adrian

- O que ele está fazendo aqui? - replicou Melissa,


voltando-se para Kida

- O homem só quis ser gentil me trazendo em casa

- Você precisa que alguém te traga, Kida?

- Bom, perdoem-me - disse Adrian olhando para

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Melissa, e se atreveu a mostrar os dentes num sorriso
confuso. Virou-se e partiu.

- E o livro? - perguntou Melissa à Kida

- Esqueci lá! - disse com uma puxada de ar audível


precedendo.

- E pelo visto não te interessou muito, não é?

- É - respondeu com um sorriso envergonhado - mas


estou exausta… Podemos falar disso amanhã?

Assim que acordaram Melissa foi até a carruagem


e escolheu outro livro. Ilíada? Não, Kida tem que
canalizar sua energia para outros assuntos. Descartou.
Ótimo! Platão! Pegou A República e levou à amiga.
Assim que voltou à cabana se deparou com Adrian

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conversando com Kida. Tinha trazido consigo o livro
que Kida deixara na hospedaria.

- Ah, que ótimo que você encontrou outro livro para


mim - Kida levantou-se rapidamente e pegou o livro da
mão de Melissa - Como vê, sr. Adrian, não preciso
desse livro mais. Agradeço mesmo assim - Saiu e foi
ler seu livro sob a luz do dia nublado, deixando Melissa
com Adrian.

- "Plantas milagrosas" - Leu ele em voz alta o título do


livro que tinha nas mãos.

- Não gosto muito desse termo. Dá a entender que as


plantas possuem algum tipo de magia...

- Se você as usa para curar enfermidade, por que não


teriam algum tipo de magia?

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- Não sei muito bem até você entende, sr. Adrian,
portanto é inútil tentar manter a conversa...

- Meu conhecimento se resume a doenças como


problemas, e certas plantas como soluções

- É verdade... Mas deve saber também que não são


apenas soluções... Algumas podem te envenenar.
Tudo que ingerimos causa alguma reação em nosso
corpo, afinal, nosso corpo está recebendo substâncias
novas, e deve lidar com ela de uma forma ou de outra.
A reação não é uma decisão mágica da planta ou do
corpo, que decidiu fazer algo em relação à substância
que recebeu. A reação é uma tendência a um estado
de equilíbrio.

- Ainda me parece muito abstrato.

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- É claro que parece. Até mesmo uma introdução ao
assunto merece mais tempo. Venha, vou te mostrar os
livros que tenho, e você pode escolher algum que te
interesse.

Levou o rapaz até a carruagem e passaram a


manhã conversando sobre o que era ciência e o que
era magia. Kida, após poucas páginas de leitura se
entediou. Almoçaram qualquer coisa desta vez, sem
sair de casa, e foram com baldes buscar água para
regar as ervas.

- Pareceu-me hoje que estava evitando Adrian, Kida -


Cortou o silêncio no caminho do lago

- É verdade... Uma coisa é sair, dançar, conversar. Mas


quando o vi hoje... Não sei o que me deu. Acho que

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não gosto dele, quer dizer, nem desgosto, só não faço
questão de gostar, entende?

- Faz questão de desgostar, isso sim. Parecia repeli-lo


- Kida apenas escutou o barulho da água, não
respondeu - O que achou de "A República"?

- Sensacional! Achei interessantíssimo que a lei seja


feita pelo mais forte e aquele que não a segue é
punido. É uma forma de fazer da injustiça justa. Aliás,
é basicamente a limitação que sofremos quando
queremos sair sozinhas e os homens não querem que
façamos isso. Estamos infringindo suas leis. Ele me
leva a crer que a felicidade está em quem é justo, mas
para ser justa devo seguir a lei do opressor? Isso não é
felicidade! É manipulação! - respirou um pouquinho -
Mas ainda entediante! Como livros podem ser duas
coisas tão opostas ao mesmo tempo?

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- Porque você não está acostumada a se focar em
algo, então acaba precisando de muita energia. É uma
pena.

Encheram os baldes e fizeram o caminho de volta.


Quando chegaram, regaram as plantas e fizeram a
última fogueira que poderiam fazer do mato que
arrancaram. Tomaram de um fermentado novo, de cor
rosa. Era menos amargo e mais azedo, levemente
adocicado. Então Melissa lançou mais uma tentativa à
fazer Kida se apaixonar por algo da vida em vez de
alguém:

- Kida, como poderia me provar que um menos um é


zero?

- Simples, Tenho uma pedra em minha frente, se eu a

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retirar, não terei mais nenhuma.

- Mas você está usando do mundo imperfeito para


descrever a matemática, que é perfeita? Isso é
inconcebível! Ensine isso a uma criança, mas não
venha me dizer que está provado!

- Ora, e como se prova então?

- Você deve usar a relação de igualdade. Se eu estou


dizendo que tenho um menos um do lado esquerdo da
igualdade, e tenho zero do lado direito da igualdade,
não importa o quanto eu mexa dos dois lados, se eu
mexer igual, os dois lados serão sempre iguais. 1-1=0,
+1 dos dois lados terei 1-1+1=0+1, que dá 1=1, o que
também é verdade e isso não precisa ser provado.

Kida tomou o livro de cálculo da amiga, encantada

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por entender o que era a relação de igualdade e o que
se podia fazer com ela. Melissa pensou finalmente ter
encontrado a paixão de Kida. Não era ciências, não
era filosofia, não era arrumar a casa, não era Pietro,
não era Adrian nem de longe, nem as festas que ia.
Parecia que era os números. Mas só percebeu isso
depois que os dias se passaram e Kida não enjoou do
livro, tal como enjoara de Adrian.

Passou para o Livro de Newton, e aquilo havia


caído como uma luva para Kida. Ficou muito intrigada
em resolver os problemas apresentados.
Passavam o dia trabalhando juntas, plantando
ervas, colhendo, desidratando em grandes fornos,
moendo, testando uma amostragem e empacotando o
resto. No tempo livre Kida resolvia problemas de física
e Melissa fazia suas anotações sobre suas ervas.

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Menos Kida tinha vontade de ir à hospedaria, porém
ainda sentia falta de Pietro, até que um dia tomou a
decisão de falar com Melissa:

- Melissa... Primeiramente gostaria de me desculpar


por tê-la convencido a vir comigo numa fuga minha que
chamamos de aventura. Acontece que o problema não
era Pietro não me dar atenção, ou não ser romântico.
Tenho consciência que sempre que quiser poderei abrir
este livro e me deliciar com ele. Porém pessoas têm
vontades que devem ser respeitadas. Então gostaria
enfim de lhe agradecer por ter me feito enxergar que
não preciso de ninguém senão de mim mesma, e me
dar uma chance de me amar foi a melhor maneira de
entender o que é o amor.

- Então o que está esperando? Que Pietro se case


novamente?

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Kida montou em seu cavalo e cavalgou como o
vento de volta para seu reino, levando unicamente seu
livro consigo e com a esperança de ser aceita de volta
por Pietro. Contudo, sabia que já tinha encontrado seu
verdadeiro amor. Não era Pietro. Não era o livro. Era
tudo que a vida lhe oferecia e ela negligenciava por
sua obsessão de ser amada. Nunca imaginara que o
amor só ela podia se dar. E que não tinha mais para
quê fugir de quem a amava. Acordar do lado da
pessoa amada era tudo que precisava. Só poderia
esperar algo de uma pessoa: Ela mesma.

Chegando ao reino, à noite, procurou por Pietro


no palácio. Achou o no salão, tocando piano sozinho.

- Pietro - Ele olhou para trás espantado pela voz que o


chamara. Kida foi cautelosamente se aproximando -

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Venho pedir que aceite-me de volta. Fugi de você sem
saber que estava tentando fugir de mim mesma.
Estava triste por pensar que você não sabia me amar,
quando na verdade eu nem sei o que é amar.
Enchi-me de expectativas por você e acabei me
decepcionando por isso - Pietro já tinha se levantado e
agora estavam bem próximos. Kida já estava se
arrependendo e querendo voltar atrás, pensando que
já tinha estragado seu casamento - o único que pode
me decepcionar agora é Newton - deu uma risada para
disfarçar o clima constrangedor que ela os metera -
Portanto - recuperou a seriedade e lembrou-se de tudo
que passara e de como se sentia ignorada antes, e
deu valor a tudo que dizia - Venho pedir que me aceite,
não como esposa, não como um caso de amor, como
seu conforto, mas como companheira, que estará ao
seu lado quando precisar, assim como você estará ao
meu, quando eu precisar - no ápice de seu medo de

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ser rejeitada, quando já estava a desistir de tudo
aquilo, Pietro abraçou a esposa e deu graças à Deus
por tê-la de volta.

- Perdoe-me por não ser o marido dos seus sonhos!


Perdoe-me por não ser o príncipe das histórias que
sempre lera! Mas nunca te farei mal algum! A única
coisa que preciso é ver seu rosto, ouvir sua voz. Não
prometo que serei o marido perfeito, afinal, você me
deu uma grande lição, mas eu estaria prometendo
contra o meu coração, contra quem eu sou.

- Eu aceito quem você é. Basta agora você me aceitar


como sou. Não te tenho mais em primeiro lugar. Tenho
novas prioridades…

Pietro pousou o dedo na boca de Kida, segurando


as palavras que queriam vir. Ela percebeu então que

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tudo era sempre sobre ela… Dessa vez olhou-o e viu
uma carência que não sabia que existia. Quando ela
estava exigindo amor, será que parou para ouvir
Pietro? Será que amou Pietro ou sofreu por que não se
dava amor e precisava que Pietro a amasse o dobro
para compensar a balança? Não se lembrava. Nunca
teve um dedo que lhe freasse os lábios.

- Então você está pronta para me amar.

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