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PDL – Projeto Democratização da Leitura

Apresenta:
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ESPERANDO
O AMOR

Querida leitora,

Às vezes uma espera pode ser longa, desgastante, mas, em se tratando de amor, a
pessoa verdadeiramente apaixonada espera o tempo que for necessário sem se
desesperar. Uma pessoa verdadeiramente apaixonada não tem pressa, pois sabe o que
a espera no final do longo caminho: a felicidade! É o que fez Catarina no empolgante
romance Esperando o Amor, e o prêmio para a sua paciência, e perseverança foi
maravilhoso...
Confira.

Roberto Pellegrino
Editor

Nota da Revisão:
Nesta edição, a editora mudou os nomes dos personagens principais. Como este livro é uma continuação da série
sobre a família Stanislaski, optamos por manter os nomes originais dos personagens (Freddie e Nick), em vez desses
utilizados pela editora (Catarina e Adrian).
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Capítulo 1

E
ra uma mulher com uma missão a cumprir. A mudança da Virgínia Ocidental para Nova York tinha
uma série de propósitos, todos organizados com cautela. Encontraria o lugar perfeito para morar,
tornaria-se um sucesso no campo profissional e conquistaria o homem de sua vida.
Preferia que fosse nessa ordem, mas não necessariamente. Freddie Kimball era, como gostava de pen-
sar, uma mulher flexível.
Ao caminhar pelas ruas de East Side no crepúsculo matinal da primavera, lembrou-se de casa. Seu antigo
lar em Shepherdstown, uma cidadezinha localizada na Virgínia Ocidental, onde moravam seus pais e irmãos,
era, segundo Freddie, o lugar perfeito para morar. Alegre, barulhento, cheio de música e de vozes.
Jamais teria conseguido deixar a cidade se não soubesse que seria sempre recebida de braços abertos.
Era verdade que já estivera em Nova York muitas vezes, onde também tinha parentes, mas já sentia falta
da família, de seu quarto no segundo andar do sobrado de pedras, do amor e da companhia dos irmãos, da
música do pai, das risadas da mãe.
Mas já não era mais uma criança. Com vinte e quatro anos, estava na hora de começar a correr atrás dos
próprios sonhos.
De qualquer forma, lembrou-se, sentia-se bem em Manhattan, pois passara os primeiros anos de sua vida
ali. E depois que se mudara para a Virgínia Ocidental sempre viera visitar os entes queridos.
Bem, dessa vez, pensou, endireitando os ombros, estava por sua própria conta. E tinha um dever a
cumprir. O primeiro passo seria convencer um certo Nick LeBeck de que ele precisava de um parceiro. Ou me-
lhor, uma parceira.
O sucesso e reputação que ele acumulara nos últimos anos como compositor apenas aumentariam com a
ajuda de Freddie como letrista. Era só fechar os olhos que já via a cena: os nomes LeBeck e Kimball brilhando
nos letreiros da Broadway. E deixar a imaginação cuidar do resto para que suas músicas fluíssem como um rio.
Agora tudo o que tinha de fazer, pensou, com um sorriso nos lábios, era persuadir Nick a perceber o mesmo.
Poderia, se necessário, usar a lealdade da família para ajudar a convencê-lo. Eram, de certa forma, pa-
rentes. E seriam bem mais do que isso, imaginou, e seus olhos se iluminaram. Essa era sua última e mais
importante missão. Antes de terminar, Nick se apaixonaria, da mesma forma como Freddie sempre fora
apaixonada e sempre seria louca por ele.
Fazia dez anos que o esperava, o que, para Freddie, já era bem mais do que o suficiente.
"Está mais do que na hora de encarar o seu destino, Nick", decidiu ela, ajeitando a gola do blazer
azul-marinho.
Em silêncio e cheia de confiança, Freddie parou à frente do Lower the Boom. O bar popular das redon-
dezas pertencia a Zack Muldoon, o rapaz que tinha sido criado junto com Nick; portanto, seu irmão por afeto. O
fato de Zack ter se casado com a irmã da madrasta de Freddie tornava as famílias Stanislaski, Muldoon,
Kimball e LeBeck um clã unido.
Freddie respirou fundo, arrumou mais uma vez a gola do blazer e passou as mãos pelos cachos de seus
cabelos avermelhados. Então, entrou no bar.
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Conseguiria realizar seus planos. De qualquer jeito.


No ambiente do Lower the Boom, o cheiro de cerveja misturado ao perfumado e rico aroma da cozinha.
Freddie imaginou que Patrick, o antigo cozinheiro, preparava uma deliciosa massa. A vitrola automática tocava
Runaround Sue.
Tudo estava ali, em seu devido lugar. As paredes de madeira, os enfeites de vidro e metal. Era um am-
biente aconchegante. Mas nada de Nick. Ainda assim, Freddie continuou a sorrir enquanto se dirigia a uma das
banquetas no balcão.
__ Você quer me pagar um drinque, marinheiro?
Distraído, Zack olhou para cima e parou de tirar o chope. Seus lábios se distenderam em um belo sorriso.
__ Freddie! Ei! Achei que você só viria para Nova York no final da semana!
__ Gosto de surpresas. Resolvi aparecer antes.
__ Eu também. Ainda mais quando são tão agradáveis.
Zack passou a caneca de chope para as mãos do garçom, que logo saiu para servir a mesa. Depois, se-
gurou o rosto de Freddie e deu-lhe um beijo estalado.
__ Você continua linda!
__ Você também.
Ele era um homem muito bonito. Conhecia-o fazia dez anos, e Zack melhorava a cada dia, como um bom
uísque. Os cabelos pretos continuavam grossos e ondulados, e os olhos azuis, hipnóticos. O rosto, pensou,
suspirando, bronzeado, evidenciando as linhas de sua personalidade e todo o charme.
Não era a primeira vez na vida que Freddie se lembrava de como todos os membros da família eram belos.
__ Como vai Raquel?
__ A meritíssima juíza vai bem.
Ela sorriu ao ouvi-lo referir-se à amada pelo título. A mulher de Zack, sua tia, era juíza de um tribunal
criminal. Acabara de ocupar o cargo.
__ Nós temos muito orgulho de titia. Você viu o presente que vovó mandou para Raquel, o martelo que faz
barulho de vidro estilhaçando quando bate na mesa?
__ Se vi? Ela costuma me bater com o martelo – brincou Zack. – É maravilhoso ter uma juíza na família.
Não acha que ela fica linda quando usa a beca preta?
__ Sim. E elegante também. E as crianças?
__ O trio terror? Estão todos ótimos. Aceita um refrigerante?
Freddie riu.
__ Zack, você já se esqueceu de que tenho vinte e quatro anos?
Esfregando o queixo, ele a estudou. A constituição corporal pequena e a pele de boneca de porcelana
sempre enganaram a todos. Se não soubesse a idade da sobrinha, bem como a dos próprios filhos, teria lhe
pedido a carteira de identidade.
__ É difícil aceitar, querida. A nossa pequena Freddie já virou uma mulher.
__ E, como eu já sou adulta, que tal me servir uma taça de vinho branco?
__ Deixe comigo. – A longa experiência permitia-lhe pegar o copo certo sem olhar para trás. – Como vai
sua família? E as crianças?
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__ Todos estão ótimos e mandam lembranças. – Freddie pegou o copo da mão do tio e ergueu-o num
brinde. – A nossos queridos.
Zack brindou com uma garrafa de água mineral.
__ Então, quais são seus planos, querida?
__ Ah, tio, tenho tantos... – Freddie sorriu e cheirou o vinho antes de dar o primeiro gole. Imaginou o que
Zack acharia se soubesse que o maior projeto de sua vida era casar-se com seu irmão mais novo. – Em
primeiro lugar, pretendo encontrar um apartamento para morar.
__ Você sabe que pode ficar conosco quanto tempo quiser.
__ Sei. Ou com vovô e vovó, ou com tio Mikhail e tia Sidney, ou com tio Alex e tia Bess. – Sorriu de novo.
Era muito bom saber que estava rodeada por pessoas que a amavam. – Mas quero um canto só meu. – Apoiou
o cotovelo no balcão. – Acho que chegou a hora de me aventurar um pouco.
Quando Zack abriu a boca para falar, Freddie o impediu, meneando a cabeça.
__ Você não vai me dar um sermão, não é, tio? Justo você, o homem que foi para o mar em busca de
aventura.
Freddie acertara em cheio. Zack saíra de casa aos vinte e quatro anos, partindo em um cruzeiro sem saber
quando voltaria.
__ Está certo, nada de sermões. Mas ficarei de olho em você, querida!
__ Tenho certeza de que sim. – Virou-se um pouco na banqueta e procurou manter o tom casual. – E
Nick? Onde ele está? Achei que o encontraria aqui.
__ Por aí. Acho que na cozinha, deliciando-se com as massas de Patrick.
__ O cheiro continua delicioso, como sempre. Irei até lá falar com os dois.
__ Vá em frente. E diga a ele que o piano o espera.
__ Pode deixar comigo.
Freddie levou a taça de vinho e resistiu com firmeza ao desejo de arrumar os cabelos e retocar o batom.
Sabia ser uma mulher bonita, mas não glamorosa e elegante como gostaria.
Tinha um metro e sessenta e cinco de altura, era magra. Seus cabelos avermelhados eram ondulados, e a
pele, cheia de sardas. Gostava delas. Com o passar do tempo, Freddie Kimball aprendera a gostar de si como
era.
Mas havia momentos em que sonhava em ser uma bela jovem retratada em um quadro renascentista.
Outra vez lembrou-se do que costumava repetir para si mesma: "Se quero que Nick aja com seriedade,
preciso primeiro ser sincera comigo".
Com essas palavras em mente, Freddie abriu a porta da cozinha. E seu coração quase saiu pela boca.
Não havia como controlar essa reação. Todas as vezes que se encontrava com Nick era a mesma coisa. O
homem com quem sonhava todas as noites, todos os dias, estava sentado à mesa da cozinha, inclinado sobre
um prato de macarrão.
Nick LeBeck, o garoto mau que Raquel defendera com paixão e convicção no tribunal. O jovem que fora
afastado da vida violenta com as gangues de rua pelo amor e pela dedicação de sua família.
Agora era um homem feito, mas ainda trazia consigo alguns traços de rebeldia e rusticidade da
adolescência. Nos olhos, Freddie pensou, com o coração acelerado.
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Nos tempestuosos olhos verdes. Ele ainda usava os cabelos um pouco mais compridos. Tinha a boca de
poeta o queixo de lutador de boxe e as mãos de artista.
Freddie passara diversas noites fantasiando sobre essas mãos com longos dedos e palmas largas. E
fascinada com o rosto anguloso. Nick quebrara o nariz havia alguns anos, quando sofrera um acidente de
carro.
Ele tinha um porte atlético, pernas longas e musculosas. Agora usava uma calça de sarja cinza, desbotada
nos joelhos, gasta pelo uso. As mangas da camisa estavam dobradas até os cotovelos, e três botões
desabotoados deixavam o peito com a penugem loira à mostra.
Enquanto comia, conversava com o enorme cozinheiro negro, que tirava a gordura de uma porção de
batatas fritas.
__ Não falei que tinha muito alho. Eu adoro alho. – Nick deu mais uma garfada em seu prato, como se
quisesse comprovar suas palavras. – Está ficando temperamental demais para o meu gosto, companheiro.
Acho que é a idade chegando – adicionou ele, com a boca cheia de macarrão.
__ Não me chame de velho, Nick. Sabe que ganho fácil de você – disse Patrick, com sua voz suave e
aveludada.
__ Estou tremendo de medo. – Sorrindo, Nick enfiou um pedaço de pão de alho na boca quando escutou
a porta bater. Seus olhos se encheram de alegria ao ver a "sobrinha". Levantou-se no mesmo instante. – Ei, Pa-
trick, olhe só quem está aqui. Como vai, Freddie?
Ele aproximou-se e deu-lhe um forte abraço fraternal. Então franziu as sobrancelhas ao notar que o corpo
pressionado contra o seu era de uma mulher, não mais de uma menina.
__ Ah... – Nick afastou-se, ainda sorrindo, mas colocou as mãos nos bolsos. – Achei que você chegaria só
no fim de semana.
__ Mudei de idéia – respondeu, evidenciando toda sua confiança. – Olá, Patrick. – Freddie colocou a taça
em cima da mesa para que pudesse retribuir o abraço que receberia.
__ Olá, bonequinha. Sente-se para comer um pouco de massa.
__ Acho que aceitarei um pouco de sua deliciosa comida. Fiquei sonhando som seus pratos deliciosos
durante toda a viagem. – Sentou-se e sorriu, estendendo a mão para Nick. – Termine de comer. Seu prato está
esfriando.
__ Sim. – Ele aceitou a mão de Freddie e acomodou-se ao seu lado. – E como vão todos? Brandon ainda
continua fanático por beisebol?
__ E como! Entrou para o time da escola e já venceu vários campeonatos. Acho que ele tem futuro. – Sua
boca encheu-se de água ao olhar para o prato que Patrick acabara de colocar à sua frente. – O espetáculo de
balé de Katie foi maravilhoso. Mamãe chorou, é lógico, mas ela cai em prantos por qualquer besteira. Continua
a escrever crônicas para o Washington Post. E papai está terminando uma nova composição. – Freddie
enrolou o espaguete no garfo e levou-o direto à boca. – E, você, como vai?
__ Tudo bem.
__ Algum trabalho específico?
__ Tenho mais um musical para a Broadway. – Nick arrepiou-se todo. Era difícil admitir que se importava
com alguma coisa.
__ Você deveria ter ganhado um prêmio por Última Chance. A trilha sonora da peça foi excelente.
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__ Mas fui indicado para o Tony, o que já me deixou bastante contente.


Freddie meneou a cabeça. Não se contentaria apenas com uma indicação. Iria querer levar a estatueta
também.
__ Foi um resultado surpreendente, Nick. Surpreendente. O musical ainda continua lotando o teatro.
Estamos tão orgulhosos de você, querido!
__ Que bom! Dá para ganhar um dinheirinho.
__ Não vá deixá-lo mais convencido do que já está, minha filha – advertiu o cozinheiro.
__ Você não pára de cantar as minhas músicas, seu ranzinza – comentou Nick.
Patrick deu de ombros e riu.
__ Acho que deu para salvar um ou dois acordes.
__ Você está trabalhando em alguma outra peça agora, Nick?
__ Não, só nesse próximo musical. E ainda nem comecei, para ser bem sincero.
Era isso o que Freddie queria escutar.
__ Li em algum lugar que Michael Lorrey foi contratado para um outro projeto. Você precisa de um novo
letrista.
__ Sim. – Nick franziu o cenho e continuou a comer. – Eu gostava de trabalhar com ele. Nós nos
entendíamos mais ou menos bem. Há inúmeras pessoas que não ouvem a música, mas apenas suas próprias
palavras.
__ O que é um grande problema – concordou Freddie. – Você precisa de alguém que tenha um sólido
conhecimento musical, de alguém que ouça as palavras na melodia.
__ Isso mesmo. – Nick pegou a cerveja e tomou um gole.
__ Sei do que você precisa, Nick: de mim.
Espantado, ele colocou a garrafa na mesa e olhou para Freddie como se estivesse falando em uma língua
totalmente desconhecida.
__ O quê?!
__ Tenho estudado música durante toda a minha vida. – Era difícil, mas sabia que tinha de manter a voz
indiferente. – Uma das minhas primeiras lembranças é de papai me ensinando a tocar piano, com seus dedos
em cima dos meus nas teclas. Mas, para a infelicidade dele, não tomei gosto por tocar. Prefiro as palavras.
Poderia escrever as letras das suas músicas, Nick. Você sabe que eu me daria bem. – Os olhos de Freddie,
cinzentos e serenos, encontraram-se com os dele. – Não entendo apenas a sua música, entendo você
também. E, então, que tal?
Nick espreguiçou-se na cadeira e respirou fundo.
__ Não sei o que pensar, Freddie. Não estou certo de que seria uma boa idéia.
__ Por que não haveria de ser? Você sabe que escrevi as letras para algumas das composições de papai.
E mais algumas. – Freddie partiu um pedaço de pão italiano e começou a passar manteiga. – Parece-me uma
excelente solução. Estou procurando trabalho, e você, um letrista.
__ Exato. – A idéia de trabalhar com Freddie o deixava nervoso. Para ser sincero, tinha de admitir que, nos
últimos anos, ela começara a deixá-lo nervoso.
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__ Então você pensará no assunto. – Freddie sorriu de novo, sabendo que, como membro de uma grande
família, poderia usar o suposto grau de parentesco, se fosse o caso. – E, se gostar da idéia, pode apresentá-la
aos produtores.
__ É claro – disse Nick. – Sem dúvida.
__ Ótimo. Passarei por aqui. Caso você prefira me procurar, estou hospedada no Waldorf Astória.
__ No Waldorf? Por que está em um hotel?
__ É apenas por enquanto, até eu encontrar um apartamento. Não conheço nada para alugar por aqui. E
você? Gosto deste bairro.
__ Eu... Não achei que você fosse ficar em definitivo – disse ele, franzindo as sobrancelhas.
__ Pois é. Pretendo ficar por bastante tempo aqui em Nova York. E, antes que você comece, não vou me
hospedar na casa de nenhum parente. Quero passar pela experiência de morar sozinha. Continua vivendo aqui
em cima, na antiga casa de Zack?
__ Exato.
__ Se souber de um bom local para alugar pelas redondezas, por favor, me avise.
Nick ficou surpreso por pensar que a mudança de Freddie para Nova York alteraria sua vida. "É lógico que
não acontecerá nada!"
__ Acho que você combina mais com a Park Avenue.
__ Já morei na Park Avenue – informou Freddie, limpando o prato com um pedaço de pão. – Estou
procurando algo bem diferente.
"Não seria o máximo se encontrasse um lugar perto do bar?", pensou ela. Tirou os cabelos do rosto e
encostou-se na cadeira.
__ Patrick, sua massa estava divina. Fazia tempo que eu não comia tanto! Se encontrar moradia pelas
redondezas, pode ter certeza de que aparecerei todas as noites para o jantar.
__ Talvez nós consigamos expulsar Nick lá de cima e você poderá se instalar. Prefiro mil vezes ficar olhan-
do para você do que para esse feioso.
__ Ah... – Freddie levantou-se e beijou o rosto do cozinheiro. – Nick, Zack pediu que você fosse logo para
o piano.
__ Estarei lá dentro de um minuto.
__ Eu o avisarei. E talvez fique mais um pouco para escutar suas músicas. Até mais, Patrick.
__ Até mais, boneca. – Patrick virou-se para o fogão e começou a assoviar uma balada. – A pequena
Freddie tornou-se uma bela mulher. É tão bela como uma pintura.
__ É uma boa moça. – Nick ainda estava abalado com o perfume doce e delicioso que Freddie usava. –
Continua teimosa. Não faz a menor idéia do que enfrentará daqui para a frente em Nova York nesse campo
profissional.
__ Portanto, você tem a obrigação de cuidar da jovem – ordenou Patrick, apontando-lhe uma colher de
pau – Ou serei obrigado a fazê-lo eu mesmo.
__ Que conversa! – Nick pegou a garrafa de cerveja e saiu da cozinha.

O que Freddie mais adorava em Nova York era o fato de poder andar duas quadras em qualquer direção e
deparar-se com alguma novidade. Um vestido na vitrina de uma butique, um rosto no meio da multidão, as
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pessoas se esbarrando. Sabia que era, de certa forma, ingênua, característica herdada de uma educação
cheia de amor e cuidados em uma pequena cidade. Jamais teria a desenvoltura de Nick nas ruas, mas possuía
uma bela dose de bom senso. E usou-a para planejar seu primeiro dia inteiro no centro comercial.
Brincando com o croissant, estudou a vista que o quarto do hotel lhe proporcionava. Tinha diversos com-
promissos. Uma visita a tio Mikhail na galeria mataria dois coelhos com uma só cajadada. Além de revê-lo,
poderia verificar se Sidney, sua mulher, não sabia de nenhum apartamento para alugar, pois tinha muitos
contatos com corretores de imóveis.
Também contaria ao tio que pretendia trabalhar com Nick. E não só para Mikhail, mas para toda a família.
"Não é muito honesto", disse a si mesma, e serviu-se de uma segunda xícara de café. Mas o amor nem
sempre era justo. E não se arriscaria tanto se não confiasse em seus talentos. No que se tratava de música e
composições, Freddie sabia ter o dom. Só falhara quando se tratava de conquistar Nick.
Mas, com certeza, quando estivessem trabalhando juntos, ele pararia de enxergá-la como a sobrinha mais
nova vinda da Virgínia Ocidental. Sabia que não conseguiria competir com as mulheres maravilhosas que o
rodeavam. Então, pensou, concordando consigo mesma, tinha de ser dissimulada e fazer seu amor penetrar no
coração dele como uma bela canção.
Era para o próprio bem de Nick. Freddie era a melhor coisa que lhe acontecera na vida. Agora só pre-
cisava fazê-lo perceber.
E, como não havia tempo a perder, levantou-se da cadeira e foi correndo para o quarto vestir-se.
Uma hora depois, Freddie desceu do táxi em frente a uma galeria no Soho. Tinha cinqüenta por cento de
chances de encontrar o tio, pois ele poderia ter ido para a casa onde morava com a mulher, em Connecticut,
para brincar com os filhos ou esculpir. Também existia a possibilidade de estar ajudando o pai com um trabalho
de carpintaria em algum canto da cidade.
Decidida a descobrir, Freddie abriu a porta de vidro. Se não encontrasse Mikhail, tentaria o escritório de
Sidney ou o tribunal, atrás de Raquel. Se não encontrasse nenhum deles, ainda poderia tentar achar tia Bess
no estúdio de televisão, ou tio Alex na delegacia de polícia. Corria o risco de deparar-se com toda a família,
dependendo do rumo que escolhesse.
A primeira coisa que viu ao entrar na galeria foi o trabalho de Mikhail. Embora ainda não conhecesse a
peça, identificou o estilo dele e sua musa. Mikhail esculpira sua mulher em mogno polido. Como a Madonna,
Sidney segurava um bebê nos braços: a filha mais nova, Laurel. Aos pés dela, sentadas, mais três crianças de
diversas idades. Aproximando-se da obra, reconheceu os primos Griff, Moira e Adam. Não conseguiu resistir à
tentação de passar o dedo pelo rosto do bebê.
Um dia também teria um filho. Ela e Nick.
__ Não ficarei esperando o fax! – berrou Mikhail entrando na galeria pela porta dos fundos. – Espere você!
Eu tenho de trabalhar!
__ Mas, Mik... – veio uma voz lamentosa do escritório. – Washington disse que...
__ Não quero saber o que Washington falou. Diga a ele que eu tenho três peças, nada além.
__ Mas...
__ Nada mais! – repetiu ele, batendo a porta atrás de si. Ficou resmungando em ucraniano. Palavras,
notou Freddie, que não deveria entender.
__ Que linguagem artística, tio Mik.
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Ele parou no meio de uma blasfêmia bastante criativa.


__ Freddie! – Caindo na gargalhada, levantou-a do chão como se não pesasse mais do que uma pena. –
Você continua leve como um amendoim – disse Mikhail beijando-a nas duas faces, assim que colocou-a no
chão. – Como vai a minha linda sobrinha?
__ Contente por estar aqui.
Mikhail era, como seus ultrajes, violento e exótico, com os olhos dourados e cabelos pretos dos
Stanislaski. Freddie sempre pensava que, se tivesse o dom da pintura, retrataria cada um dos membros da
família ucraniana com traços fortes e coloridos.
__ Eu admirava o seu trabalho – comentou Freddie. – É mesmo maravilhoso.
__ É fácil ser criativo quando se tem algo bastante belo para trabalhar.
Mik olhou para a escultura, com os olhos cheios de amor. Amor pela madeira, imaginou Freddie, mas
muito mais pela família que esculpira.
__ Então você veio para a cidade tentar tirar a sorte grande, minha querida?
__ Pois é, tio. – Freddie deu o braço a Mikhail e começou a andar pela galeria, analisando as obras. –
Espero poder trabalhar com Nick na próxima peça.
__ Ah, é? – Mik franziu o cenho. Um homem com tantas mulheres ao redor as compreendia bem e também
as apreciava. – Você pretende escrever as letras para suas músicas?
__ Exato. Formamos uma bela dupla, você não acha?
__ Formam, mas não é tão simples assim. – Mikhail sorriu quando a viu fazer beicinho. – O nosso Nick é o
mestre da teimosia. E ele sabe bem como ser cabeça-dura. Posso dar-lhe alguns socos, se você quiser.
Freddie gargalhou.
__ Espero que não seja necessário, mas, se precisar da sua ajuda, venho correndo pedir. – Tio e sobrinha
trocaram olhares, e ele notou que a jovem já não era mais aquela garotinha sapeca, e sim uma bela mulher. –
Sei que sou boa, tio Mik. A música está no meu sangue do mesmo modo como a escultura está no seu.
__ E quando você percebeu o que queria...
__ Farei o possível e o impossível para vencer. – Aceitando a própria arrogância, deu de ombros. – Quero
trabalhar com Nick. Quero ajudá-lo, e vou conseguir.
__ E de mim você quer o quê?
__ Apoio para me ajudar a provar que sou capaz de vencer e, se for o caso, para convencer Nick a me
aceitar como parceira. Embora eu ache que não será necessário. – Freddie jogou os cabelos para trás com um
gesto muito parecido com o de sua mãe. – O que quero de você, tio querido, é um conselho sobre apar-
tamentos. Será que tia Sidney teria algumas idéias sobre algum lugar perto do Lower the Boom?
__ Acredito que sim, mas há tantos quartos na nossa casa... Você sabe que as crianças adorariam a sua
companhia, e Sidney... – Mik notou a expressão da sobrinha e suspirou. – Prometi para a sua mãe que tentaria.
Natasha se preocupa demais com você.
__ Mas não é preciso, tio Mik. Papai e ela fizeram um belo trabalho com a minha educação. Quero apenas
um pequeno apartamento – continuou, depressa. – Peça, por favor, para tia Sidney me telefonar no Waldorf.
Talvez possamos almoçar se ela tiver um tempo.
__ Sidney sempre tem tempo para você, assim como todos nós.
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__ Eu sei. E pretendo conseguir um lar bem depressa, antes que vovó tente me convencer a mudar-me
para a casa dela no Brooklyn. Preciso ir agora. – Freddie deu um beijo no rosto de Mik. – Ainda tenho algumas
paradas a fazer antes de voltar para o hotel. Ah, e quando você falar com mamãe, diga-lhe que tentou me
convencer a ficar com vocês.
Com um aceno, saiu da galeria e esticou o braço para tomar um táxi. Mais uma semente plantada, pensou
Freddie. O táxi a levou até o Lower the Boom.
Ela subiu as escadas dos fundos e tocou a campainha Momentos depois, conversava pelo interfone com
um Nick irritado e sonolento.
__ Ainda na cama? – perguntou Freddie, com jovialidade. – Você está ficando velho para agüentar a vida
noturna, Nick.
__ Freddie? Que horas são?
__ Dez, mas qual é o problema? Abra a porta para mim. Tenho um negócio para você. Vou deixar aqui na
mesa da cozinha.
Freddie escutou algo caindo no chão e Nick resmungando em seguida.
__ Descerei em um minuto.
__ Não, não se preocupe. – Freddie aproveitou-se do fato de Nick ter acabado de acordar. – Não tenho
tempo para entrar. Abra a porta e deixarei a pasta em cima da mesa. Mais tarde, telefono para saber o que
você achou.
__ O que é? – perguntou Nick, abrindo a porta. Em vez de responder, Freddie correu para dentro, colocou
a pasta em cima da mesa de Patrick e saiu em seguida.
__ Sinto muito por tê-lo acordado, Nick. Se você estiver livre à noite, poderemos jantar juntos. Até mais.
__ Espere...
Mas Freddie já estava dentro do táxi que a aguardava. Encostou-se no banco e respirou fundo. Se ele não
se interessasse por seus talentos depois de todo o esforço que tivera para fazer a pasta, teria de recomeçar do
zero.
"Pense positivo!", ordenou-se.
__ Leve-me para a Saks – Freddie pediu ao motorista.
Quando uma mulher tem um encontro importante com o homem com quem pretende se casar, o mínimo
que tem a fazer é comprar um vestido novo.
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Capítulo 2

uando Nick encontrou uma calça e conseguiu vesti-la, desceu as escadas, mas Freddie já partira

Q havia muito. Analisou a pasta de couro que ela deixara na mesa, sentou-se e esticou as pernas.
O que a criança estaria planejando?, imaginou. Primeiro o acordava de madrugada, depois
deixava uma pasta misteriosa na cozinha. Continuando a resmungar, levantou-se, pegou-a e voltou para seu
quarto. Precisava de uma xícara de café.
Para conseguir entrar, tinha de passar por uma pilha de jornais, roupas e partituras antigas. Jogou a pasta
de Freddie no balcão e esforçou-se para lembrar-se das funções básicas do preparo de um café.
Definitivamente não era uma pessoa de hábitos matinais.
Assim que colocou a água para ferver, abriu a geladeira e olhou o conteúdo. O desjejum não constava no
cardápio do Lower the Boom. Também não podia contar com Patrick; portanto, suas escolhas eram limitadas.
Pegou uma caixa de leite e chacoalhou-a. Vazia. Nada de pão. O que lhe sobrou foi uma barra de cereais e
frutas.
Fortalecido com duas xícaras de café preto, Nick sentou-se à mesa, acendeu um cigarro e então abriu a
pasta.
O que será que Freddie tinha de tão importante para lhe mostrar a ponto de tirá-lo da cama? Até as
crianças de cidades pequenas sabiam que os bares fechavam altas horas da madrugada. E como ficava no
lugar do irmão no turno da noite, era raro ir para a cama antes das três horas.
Com um grande bocejo, Nick tirou os papéis da pasta e espalhou-os pela mesa. Eram partituras.
Freddie enfiara na cabeça que trabalhariam juntos, e Nick a conhecia bem para saber que, quando co-
locava uma idéia na cabeça, nada faria com que voltasse atrás.
Freddie tinha mesmo talento. Jamais esperaria que a filha de Spencer Kimball não tivesse ouvido musical.
A verdade era que Nick não apreciava as parcerias. Tinha de admitir, entretanto, que se dera muito bem com
Lorrey em Última chance. Mas ele não era seu parente. E não usava um perfume estonteante.
"Pare com isso, LeBeck!", advertiu-se, passando a mão pelos cabelos despenteados. O mínimo que
poderia fazer por Freddie era dar uma olhada em seu trabalho.
Quando o fez, franziu as sobrancelhas. Era sua própria música! Algo que Nick deixara pela metade em
uma das visitas à família, na Virgínia Ocidental. Agora se lembrava de estar sentado ao piano na sala de mú-
sica da grande casa de pedras, com Freddie ao lado. Verão passado? Retrasado? Será que fazia tanto tempo
assim? Não, pois recordou-se do incômodo que sentira quando ela chegava um pouco mais perto ou o olhava
com aqueles belos e grandes olhos cinzentos.
Nick meneou a cabeça, esfregou o rosto e concentrou-se outra vez na papelada. Freddie aperfeiçoara a
música, percebeu, um pouco incomodado com a idéia de ter alguém mexendo em seu trabalho. E adicionara
uma romântica, uma bela história de amor que se encaixava com perfeição a melodia.
O título era Sempre você. À medida que a música começou a se concretizar em sua mente, Nick le-
vantou-se depressa e foi até o piano na sala.
Dez minutos depois, telefonava para o hotel Waldorf Astória, deixando a primeira das inúmeras
mensagens na secretária eletrônica da Srta. Freddie Kimball.
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No final da tarde, ao voltar para a suíte, Freddie se sentia muito contente com as coisas que adquirira. Na
sua opinião, o dia fora excelente. Fizera compras e almoçara com Raquel e Bess.
Assim que deixou as sacolas no chão, correu para o telefone. Agora poderia encontrar a família em casa.
Notou que havia várias mensagens na secretária eletrônica, mas, antes que pudesse escutá-las, o telefone
tocou.
__ Alô?
__ Que droga, Freddie! Por onde você andou o dia todo?
Seus lábios se curvaram em um belo sorriso ao escutar a voz de Nick.
__ Olá! Como vai? Pelo visto, de mau humor.
__ Não tem a menor graça. Estou tentando localizá-la desde cedo. Já ia telefonar para Alex e pedir que ele
colocasse a patrulha atrás de você. – Nick a imaginara sendo assaltada, raptada e até molestada sexualmente.
Freddie tirou os sapatos, chutando-os para longe.
__ Se você tivesse telefonado para tio Alex, ele teria lhe dito que fui almoçar com Bess e Raquel. Algum
problema?
__ Problema nenhum! Por que haveria? – O sarcasmo era evidente, mesmo pelo telefone. – Você me
acordou de madrugada e...
__ Eram mais de dez horas – corrigiu Freddie.
__ ...e, depois, some durante séculos – continuou, ignorando-a. – Acho que me lembro de você ter dito
que esperaria uma ligação minha.
__ Sim. – Freddie sorriu, percebendo que havia um fio de esperança. – Você teve a oportunidade de olhar
a música que deixei aí?
Nick abriu a boca para falar, mas se conteve, mantendo-se frio.
__ Sim, dei uma olhada. – Na verdade passara horas lendo, analisando, tocando. – Não é ruim, em es-
pecial as partes que são minhas.
__ Admita que fiz um trabalho excelente, ainda mais tendo aperfeiçoado algumas partes. – Seus olhos bri-
lhavam de orgulho. – E que tal a letra da música?
Tinha certo tom de poesia, e deixara Nick impressionado, mas ele jamais admitiria.
__ Você tem sensibilidade, Freddie.
__ Acalme-se, coração meu!
__ A letra é ótima, está bem? – Nick respirou fundo. – Não sei o que está imaginando, mas...
__ Por que não conversamos mais sobre o assunto? Tem algum compromisso para hoje a noite?
Nick lembrou-se do encontro que marcara, pensou na música e logo se esqueceu.
__ Nada que não possa desmarcar.
Freddie ficou curiosa. Trabalho ou mulher?
__ Está certo. Um jantar por minha conta. Esteja aqui no hotel às sete e meia.
__ Olhe, por que nós não...
__ Teremos de jantar, de qualquer forma, não? Coloque um belo terno e sairemos para comemorar. Sete
e meia.
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Mordendo o lábio inferior, ela desligou antes que Nick pudesse argumentar. Contente, Freddie
acomodou-se na aconchegante poltrona de veludo. Tudo funcionava como planejara. Não havia por que ficar
nervosa. Nenhum motivo, assegurou-se.
Estava prestes a iniciar o plano de sedução para conquistar o homem que amava desde pequena. E, se
tudo desse errado, teria um coração partido e todos os sonhos frustrados.
"Não se preocupe, Freddie, tudo está caminhando a contento."
Decidiu, então, telefonar para os pais na Virgínia Ocidental. A voz familiar que atendeu confortou-a e fez
com que abrisse um belo sorriso.
__ Mamãe!

Às sete e meia, Nick andava de um lado para o outro no saguão do hotel, impaciente. Não estava con-
tente. Detestava usar terno. Abominava os restaurantes badalados e o serviço pretensioso que ofereciam. Se
Freddie tivesse lhe dado a mínima chance, teria pedido que ela viesse ao bar, onde poderiam conversar em
paz.
Desde que começara a fazer sucesso na Broadway, Nick era convidado com freqüência a eventos sociais,
ocasiões que exigiam o uso de roupas formais. Mas não era obrigado a gostar. Só o que queria era ter
tranqüilidade para tocar sua música.
Nick fitou um dos homens uniformizados, que com certeza o achou suspeito.
"Sou um bom homem", pensou ele. "Agora..." Zack, Raquel e o resto da família Stanislaski haviam salvado
Nick da prisão, mas ainda existia um pouco do garoto rebelde e solitário em seu íntimo.
Seu irmão, Zack, o presenteara com um belo piano dez anos atrás. Ainda se lembrava com nitidez do
misto de alegria e choque que sentira. Alguém conseguira compreender seus sonhos e realizá-los. Jamais se
esqueceria do gesto do irmão. E, para ser sincero, nunca seria capaz de retribuir tudo o que Zack fizera para
ajudá-lo.
Sabia que mudara. Já fazia tempo que não se metia em nenhuma enrascada. E não queria fazer nada que
pudesse causar desgosto para a família que o acolhera de braços abertos e com tanto carinho. Mas ainda era
Nick LeBeck, o antigo bagunceiro e boa-vida, o jovem que conhecera a juíza Raquel Stanislaski do outro lado
das grades.
O fato de usar um terno apenas aumentava a distância entre seu passado e os dias de hoje.
Ajeitou a gravata, irritado. Não costumava pensar no passado com freqüência. Não havia por quê. E algo
em Freddie o fizera rememorar aqueles dias tão terríveis de sua juventude.
A primeira vez que a vira, achara-a uma boneca de porcelana. Tinha treze anos. Era meiga, doce e
inofensiva. E Nick a amava. É lógico que sim. Um amor fraterno. O fato de agora Freddie já não ser mais aquela
garotinha não mudava nada. Nick continuava sendo seis anos mais velho; portanto, mais experiente.
Mas a mulher que saiu de dentro do elevador não parecia nenhuma garotinha.
O que ela fizera? Nick colocou as mãos nos bolsos para estudá-la enquanto se aproximava. Freddie
entrou no saguão do hotel usando um vestido curto cor de pêssego e prendera os cabelos em um coque frouxo.
Os ombros estavam à mostra, bem como o pescoço esguio. Pedras brilhantes e coloridas pendiam de sua
orelha e uma safira repousava entre a curva dos seios.
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O tipo de truque feminino que direcionava os olhos dos homens bem para aquele lugar e os fazia segurar
as mãos.
Não que Freddie tinha conseguido, mas ele achou melhor manter as mãos nos bolsos. O rosto dela
iluminou-se ao ver Nick, e ele procurou concentrar-se em seus olhos, em vez de suas pernas.
__ Olá! Estava me esperando fazia tempo? – Ela ficou na ponta dos pés para beijá-lo no canto esquerdo
da boca. – Você fica muito elegante de terno!
__ Não sei por que tanto requinte apenas para irmos a um restaurante.
__ Para que eu pudesse usar a minha roupa nova. – Freddie deu uma volta, rindo. – Que tal?
Nick conseguira manter a boca fechada.
__ Você está bonita. Mas não acha que vai passar frio?
__ Acho que não. Vamos, o carro nos aguarda lá fora.
Freddie pegou a mão de Nick e entrelaçou seus dedos nos dele, enquanto caminhavam pelo saguão do
hotel em direção à porta principal.
__ Você alugou uma limusine? – perguntou, perplexo, ao ver o carro preto estacionado. – Não posso
acreditar. Apenas para irmos até o restaurante?
__ Fiquei com vontade de me mimar um pouco. – Com a naturalidade de horas de prática, Freddie lançou
um sorriso para o motorista antes de entrar no carro. – E, além do mais, você é o primeiro homem com quem
saio em Nova York.
As palavras foram ditas em um tom casual, como se na verdade saísse sempre acompanhada. Nick a
seguiu, resmungando.
__ Nunca compreenderei as pessoas ricas.
__ Até parece que você é o sujeito mais pobre do mundo, Nick! Uma peça na Broadway indo para o
segundo ano em cartaz, uma indicação para o Tony e mais um musical pela frente.
Nick deu de ombros, ainda um pouco incomodado com a idéia do verdadeiro sucesso financeiro.
__ Não gosto de ficar me exibindo em limusines.
__ Então, aproveite, meu caro. – Freddie encostou-se no banco, sentindo-se a perfeita Cinderela indo
para o baile. A única diferença era que ia na companhia do príncipe encantado. – Está chegando o dia do gran-
de jantar na casa de vovó.
__ Sim, eu prometi a ela que apareceria.
__ Não vejo a hora de reencontrá-los, bem como as crianças. Passei na galeria de tio Mik hoje cedo. Você
viu a escultura que ele fez de tia Sidney com as filhas?
__ Sim. – O olhar de Nick suavizou-se. Ele quase se esquecera de que estava dentro de uma luxuosa
limusine e usando um terno. – É lindo. O bebê é terrível. Laurel descobriu como chegar do chão até o seu colo.
Você sabe que Bess engravidou de novo, não?
__ Ela me contou hoje no almoço. Fiquei tão contente! Esses ucranianos não têm sossego! Vovô terá de
comprar estoques e mais estoques daquelas balas deliciosas.
__ E não se preocupe com os dentes – imitou Nick. – Todos os meus netos têm dentes fortes como ferro.
Freddie caiu na risada, movimentando-se com cuidado até que seu joelho encostasse no dele.
__ O aniversário de casamento deles está chegando. Imagine só: cinqüenta e cinco anos de casados. É
uma união maravilhosa.
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__ Sim, será no mês que vem – falou Nick.


__ Nós estávamos trocando idéias sobre que tipo de festa fazer. Pensamos em alugar um salão em um
hotel ou restaurante, mas decidimos que será mais divertido e mais gostoso se optarmos por algo mais
simples. Você e Zack aceitariam nos emprestar o bar?
__ É lógico! Será bem melhor do que qualquer salão cheio de normas de etiqueta. – E não teria de usar o
bendito terno. – Patrick cuidará da comida.
__ E nós dois da música.
__ Sim, nós poderíamos cuidar da música.
__ E acho que daremos um só presente. Você sabia que vovó sempre quis ir a Paris?
__ Nadia? Paris? – Ele sorriu ao imaginá-la na França. – Não. Como você sabe?
__ Vovó comentou com mamãe, e não faz muito tempo. Foi muito sutil, como de costume. Disse que
sempre imaginou se a cidade era tão romântica como todas as músicas cantavam. E mais algumas outras
coisas. Então pensamos em presenteá-los com uma passagem e uma estada no hotel Ritz.
__ É uma excelente idéia. Yuri e Nadia em Paris... – Nick ainda tinha o sorriso nos lábios quando a
limusine dobrou a esquina e estacionou em frente ao restaurante.
__ E você, sonha em conhecer algum lugar?
__ Hum... – Nick desceu do carro e ofereceu a mão para auxiliá-la. – Não sei. O lugar mais lindo a que fui
até hoje é Nova Orleans. A música é incrível. Você pode ficar em qualquer esquina da vida e escutar um som.
O Caribe também não é tão ruim assim. Lembra-se de quando Zack, Raquel e eu fomos de navio para lá? Foi
bem antes do nascimento das crianças.
__ E você me mandou um cartão-postal de Saint Martin – murmurou Freddie. Ainda tinha o cartão
guardado.
__ Foi a primeira vez que saí do país. Zack decidiu que, como membro da tripulação, a minha melhor con-
tribuição seria na cozinha. Reclamei o tempo todo, mas devo admitir que adorei a viagem.
Entraram no restaurante, saindo da brisa fria e entrando no ambiente aquecido e aconchegante.
__ Kimball – disse Freddie ao maître, e ficou satisfeita quando os dois foram conduzidos a uma mesa em
um canto mais isolado do salão.
Bem perto da perfeição, pensou ela, ao ver as velas queimando em candelabros de prata, contrastando
com a toalha branca, o aroma da comida, o brilho do cristal. Nick poderia não perceber que estava sendo
cortejado, mas Freddie decidiu que fazia um ótimo trabalho.
__ Vamos beber um pouco de vinho? – perguntou ela.
__ Claro.
Nick pegou a carta de vinhos. Estudou a lista e meneou a cabeça ao ver os preços abusivos, bem acima
do normal. Bem, mas era a festa de Freddie.
__ O Sancerre, safra de mil novecentos e oitenta e oito – disse, passando a carta para o garçom.
__ Excelente escolha, meu senhor – elogiou o homem.
__ Concordo, pois o preço está pelo menos trezentos por cento acima do normal.
Enquanto Freddie lutava para não rir, e o garçom procurava manter sua dignidade, Nick acendeu um
cigarro.
__ E, então, você teve sorte? Já encontrou um apartamento?
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__ Eu não tive muito tempo hoje, mas pedi a tia Sidney que me ajudasse a procurar.
__ Encontrar uma casa para alugar em Nova York não é fácil, criança. E você pode ser passada para trás.
Há diversas pessoas à espreita, prontas para enganar os incautos. Acho que, por enquanto, deveria pensar em
ficar na casa de algum parente.
__ Por acaso você quer uma companheira de quarto? – indagou Freddie, franzindo as sobrancelhas.
Nick soltou a fumaça do cigarro, bem devagar.
__ Não foi bem isso o que eu quis dizer.
__ Seria ótimo para nós, partindo do pressuposto que trabalharemos juntos...
__ Espere aí! Você está trocando os pés pelas mãos.
__ Eu?! – Com um breve sorriso, Freddie reclinou-se na cadeira assim que o garçom trouxe o vinho e
apresentou-o a Nick.
__ Perfeito – respondeu ele com um aceno impaciente de mão, mas não havia como livrar-se do homem
antes de terminar todo o ritual. Nick deu a rolha a Freddie. Em seguida, bebeu um gole. – Está excelente. Pode
servir.
Com toda a elegância de um conhecedor, o garçom serviu a bebida a Freddie, depois a Nick. Então,
colocou a garrafa no suporte de prata.
__ Agora, escute, Freddie...
__ Foi mesmo uma escolha e tanto! Seco e suave. Sabe, Nick, confio em seu gosto em determinados
assuntos. Este é um deles – disse, levantando o copo. – E a música é outro. Você pode relutar em reconhecer
que a pequena Freddie é tão boa quanto você, mas a sua integridade musical não lhe permitiria agir de outro
modo.
__ Ninguém está dizendo que você é tão boa quanto eu, criança. Mas até que leva jeito. – Cedendo
apenas um pouco, ergueu o copo para brindar. Por um momento, perdeu a linha de pensamento. Tinha algo a
ver com o brilho das velas nos olhos de Freddie. Parecia que havia um segredo escondido e ela ainda não
estava pronta para compartilhá-lo. – De qualquer modo, gostei das letras.
__ Ah, Sr. LeBeck. – Ela baixou a cabeça, fingindo-se envergonhada. – Não sei o que dizer.
__ Você sempre teve a língua afiada, querida Freddie. Aquela música... Sempre você, acho que ficará
perfeita no novo musical.
__ Também acho. – Freddie sorriu ao vê-lo estreitar os olhos. – Como a filha de Spencer Kimball, tenho
alguns contatos. Eu li o livro, Nick. É lindo de morrer. A história consegue ser perfeitamente desatualizada e
contemporânea ao mesmo tempo. Tem uma magnífica história de amor central misturada com inteligência e
um toque de humor. E com Madeleine 0'Hurley no papel principal...
__ Como você sabe disso?
Ela sorriu de novo.
__ Eu já disse. Contatos. Meu pai fez uma série de trabalhos para o marido dela. Reed Valentine é um
antigo amigo da família.
__ Contatos... – repetiu Nick. – Por que você precisa de mim? Pode falar direto com Valentine. Ele é o
responsável pela aprovação da trilha sonora.
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__ Sim, eu poderia. – Despreocupada com o aborrecimento dele, Freddie saboreou o vinho. – Mas não é
assim que pretendo chegar ao topo. – Ergueu a cabeça e enfrentou o olhar de Nick. – Quero que você me
aceite como parceira. Caso contrário, a nossa sociedade não funcionará.
Freddie esperou um instante. Será que Nick não percebia que não falava apenas da música, mas também
de sua vida? Da vida de ambos.
__ Farei o possível para convencê-lo de que eu sou a parceira perfeita para você. Se disser, olhando nos
meus olhos, que não gostou do meu trabalho e que não quer trabalhar comigo, tudo bem. Então terei de aceitar
a sua decisão.
Algo lá no fundo o incomodava. Algo estranho, perigoso e indesejável. Sentiu uma urgência incontrolável
de esticar o braço e percorrer os dedos pelas faces rosadas de Freddie. Em vez disso, porém, respirou fundo e
apagou o cigarro.
__ Está bem, Freddie, tente me convencer.
O aperto em seu coração diminuiu.
__ Eu conseguirei, Nick – respondeu ela —, mas vamos pedir o jantar primeiro.
Freddie escolheu o prato, sem muito interesse. Tinha os pensamentos ocupados em formular o que de-
veria dizer e como para se preocupar com algo tão insignificante quanto comida naquele momento. Bebeu mais
um gole de vinho e observou Nick terminar de fazer o pedido. Quando acabou, olhou, para vê-la sorrindo.
__ O que foi?
__ Eu estava apenas pensando. – Freddie colocou a mão sobre a de Nick. – Lembrando d a primeira vez
que nos encontramos. Você entrou n a casa de vovó e parecia estar pisando em u m palco pela primeira vez.
__ Nunca tinha visto nada igual. Jamais imaginei que as pessoas vivessem dessa maneira, rindo, ber-
rando, crianças correndo por todos os cantos, comida em todo o lugar.
__ E Katie abraçou as suas pernas e pediu que você a levantasse.
__ Sua irmã sempre esteve de olho em mim.
__ Eu também.
Nick caiu na gargalhada, mas logo percebeu que não era tão engraçado assim.
__ Pare com isso, Freddie!
__ É verdade. Bastou olhar para você e sentir um frio na espinha. Meu coração disparou. Seus cabelos
ainda eram compridos e um pouco mais claros. E você também usava um brinco.
Ele apertou o lóbulo da orelha.
__ Faz tempo que parei de usar.
__ Achei que você era bonito e exótico, como o resto deles.
A atrapalhação inicial logo transformou-se em espanto.
__ Que resto?
__ Da família. Por Deus, aquele olhar cigano dos ucranianos, o magnetismo de Sidney, a beleza de Zack...
E então você surgiu, uma mistura de astro musical com James Dean. – Ela deu uma risadinha. – Eu tinha
acabado de entrar na adolescência. Todas as garotas têm seus primeiros flertes. E você com certeza foi o meu.
__ Não sei o que dizer. Acho que estou lisonjeado...
__ E deveria estar mesmo. Abri mão de Bobby MacArroy e de Harrison Ford por você.
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__ Harrison Ford? Impressionante. – Nick relaxou quando os aperitivos foram servidos. – Mas quem é
esse tal de Bobby MacArroy?
__ Um dos garotos mais bonitos da minha classe de oitava série. E lógico, ele não sabia que eu planejava
o nosso casamento e cinco filhos.
__ Que tonto!
__ Concordo. De qualquer forma, no dia em que deitei os olhos em você, tive de criar coragem para que as
palavras saíssem da minha boca. A pequena e sardenta Freddie – recordou ela. – No meio de todos aqueles
pássaros exóticos.
__ Você parecia uma boneca de porcelana – murmurou Nick. – Uma garotinha ruiva com olhos enormes.
Eu me lembro de ter lhe dito algo sobre como não se parecia com os seus irmãos, e você me explicou que
Natasha era sua madrasta, apesar de você amá-la como mãe. Senti muita pena de você. – Ele olhou para cima,
perdendo-se, por um instante nos olhos acinzentados. – E de mim também, por ter um quase pai e um quase
irmão. E você, sentada no sofá, me disse com a maior tranqüilidade e segurança que palavras como
"madrasta" e "padrasto" eram apenas palavras. Fiquei tocado. Emocionado, mesmo. Foi então que comecei a
encarar a situação com outros olhos.
Os olhos de Freddie se encheram de lágrimas.
__ Eu nunca soube disso. Você parecia se dar tão bem com Zack...
__ Tentei detestá-lo por muito tempo. Fazia de tudo para deixar a vida dele insuportável, bem como a
minha. E então me encantei por Raquel.
__ Encantou? Mas... – Ela baixou a cabeça e tomou um súbito interesse pela comida.
Nick se lembrava com facilidade do passado agora.
__ Sim, tinha quase dezenove anos. E por achar que Raquel tinha o porte de uma atriz de cinema e pernas
maravilhosas, julguei que não conseguiria resistir ao meu charme. Você está enrubescendo, Freddie –
zombou. – Ei, todos os garotos têm o direito de um primeiro e memorável flerte. Fiquei muito aborrecido quando
percebi que acontecia algo entre ela e Zack. Mas logo superei, pois havia uma forte magia no relacionamento
dos dois. E logo descobri que gostava muito de Raquel, mas nada de amor, apenas carinho. É assim que as
"paixonites" terminam, não?
__ Algumas vezes. E o assunto que estamos discutindo prova que devemos trabalhar juntos.
Nick esperou que o garçom servisse o prato principal. Pegou o copo de vinho que acabara de ser
completado.
__ Como?
Para enfatizar seu discurso, Freddie inclinou-se para a frente. E o perfume o afetou tanto, que Nick ficou
com água na boca.
__ Nós temos uma ligação, Nick. Em vários níveis. Temos uma história e algumas semelhanças que an-
tecedem o nosso primeiro encontro.
__ Você não está conseguindo me convencer.
Freddie meneou a cabeça, impaciente.
__ Calma, Nick. Conheço-o muito bem. Melhor do que imagina. E sei o que a música significa para você: a
salvação.
Seus olhos embaçaram e Nick perdeu o interesse na comida.
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__ É um argumento bastante forte.


__ E absolutamente certo. O sucesso é um subproduto. É a música que importa. Você escreve porque
gosta, compõe porque gosta. Foi por isso que não se perdeu nas ruas. Precisa da música para viver, e também
de mim para escrever as letras. Escuto as palavras quando ouço a sua música. Sei o que você quer dizer, pois
o compreendo. E porque eu te amo.
Nick estudou-a, tentando separar a emoção dos aspectos práticos. Mas Freddie tinha razão. Ele jamais
conseguira separá-los quando se tratava da sua música. A emoção vinha em primeiro lugar, e Freddie o
comprovara com a letra que escrevera e com as palavras que acabara de proferir.
__ Você sabe como defender sua causa, Freddie.
__ É por nós. Nós podemos formar um excelente grupo de trabalho, Nick. Melhor do que qualquer um de
nós trabalhando sozinho.
A música que tocara de manhã ao piano vinha-lhe à memória, junto com a letra. "Sempre foi você, no meu
coração, nos meus sonhos. Ninguém jamais compreenderá. Eu via o seu rosto e exultava de alegria. Você é a
lágrima e o riso."
Uma canção solitária, pensou Nick, e cheia de esperanças. Freddie estava certa, decidiu; era aquilo o que
pretendia.
__ Vamos fazer assim, Freddie: tentaremos trabalhar juntos por um tempo e veremos como funciona. Se
conseguirmos compor mais duas canções, nós as levaremos para os produtores.
Debaixo da mesa, ela tentava controlar os dedos, nervosos, em seu joelho.
__ E se aprovarem o material?
__ Você poderá se considerar a minha mais nova parceira. – Nick ergueu o copo. – Fechado?
__ Sim, é claro. – Freddie brindou com Nick. – Fechado!
Não fora apenas o vinho que a deixara tonta, percebeu, quando Nick a acompanhara até o quarto do hotel
depois do jantar. Rindo, Freddie pressionou as costas contra a porta e pôs-se a fitá-lo.
__ Nossa dupla será fabulosa. Tenho certeza disso.
Ele tirou-lhe os cabelos do rosto, colocando-os atrás da orelha. Foi um gesto bastante carinhoso.
__ Vamos ver como funciona. Venha amanhã à minha casa e traga comida. O piano já está lá – disse,
sorrindo.
__ Tudo bem. Pode deixar comigo. Estarei lá bem cedo.
__ Se aparecer antes do meio-dia, criança, se arrependerá de verdade. Onde está a sua chave?
__ Aqui – respondeu ela, mostrando-a para Nick. – Quer entrar?
__ Ainda preciso trabalhar um pouco e fechar o bar. Então... – Suas palavras e pensamentos sumiram as-
sim que Freddie entrelaçou os braços em sua nuca, pois foi acometido por um forte calor. – E dormir também –
falou ele, abaixando-se para beijá-la no rosto.
Freddie não estava tão tonta, ou talvez até tonta demais. Ela ergueu o rosto, de modo que seus lábios se
encontraram. Apenas por um segundo. Um segundo interminável.
Ela saboreou o beijo, o gosto de Nick, a textura ao mesmo tempo firme e suave de sua boca, e o aperto
instintivo das mãos dele em seus ombros.
Então afastou-se com um sorriso iluminado e resoluto nos lábios. Procurou não demonstrar a emoção.
__ Boa noite, Nick.
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Ele não moveu um único músculo, nem depois que Freddie fechou a porta do quarto. Foi o som de sua
própria respiração ofegante que quebrou a magia. Virou-se e caminhou devagar até os elevadores.
"Sempre considerei Freddie como minha sobrinha", lembrou-se, "Não é uma mulher com quem posso ter
um relacionamento.”
Entrou no elevador e, ao apertar o botão do térreo, percebeu que tinha as mãos trêmulas. Primos, pensou
de novo. Tinham uma história familiar e uma futura relação de trabalho. Não se esqueceria de jeito nenhum.
Não se permitiria perder o controle da situação.
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Capítulo 3

lá, Patrick. – Freddie balançou a bolsa, a sacola e a pasta ao entrar na cozinha do Lower the

O Boom.

que há de novo?
__ Olá, boneca. – O cozinheiro estava ocupado com os preparativos para o almoço. – O

__ Nick e eu vamos trabalhar juntos hoje – disse, subindo as escadas.


__ Espero que você tenha sorte e não precise tirá-lo da cama pelos cabelos.
Ela sorriu e continuou a andar.
__ Nós combinamos ao meio-dia e já está na hora.
Freddie bateu à porta e esperou uma resposta. Nada. Bateu de novo. Silêncio.
__ Está bem, Nick, vamos acordar! – Dentro do quarto, ela gritou seu nome.
No silêncio que se seguiu, escutou um leve som de água correndo. "Ele está no banho." Satisfeita, levou
as sacolas para a cozinha. Trouxera salada de batata, sanduíches naturais, picles e algumas frutas frescas.
Depois de ajeitar tudo sobre a mesa, foi até a geladeira à procura de alguma bebida.
Não demorou muito para descobrir que tinha apenas duas escolhas: cerveja e água com gás. E que a
cozinha de Nick precisava com urgência de uma limpeza pesada.
Quando ele apareceu alguns minutos depois, Freddie estava com as mangas da malha arregaçadas e
com as mãos dentro da pia cheia de água... e louças sujas.
__ O que está acontecendo aqui, Freddie?
__ Sua cozinha está um terror! – disse, sem se virar. – Você deveria se envergonhar, Sr. Nick, de viver no
meio de uma bagunça como esta. Coloquei restos e restos de comida naquele saco plástico. Se eu fosse você,
enterrava-o agora mesmo.
Nick resmungou e foi até a cafeteira.
__ Quando foi a última vez que você varreu ou passou um pano no chão, meu rapaz?
__ Acho que em setembro de mil novecentos e noventa. – Nick bocejou e colocou pó de café no coador de
papel. – Trouxe comida?
__ Sim, senhor. Está em cima da mesa.
Ele estudou a provável refeição com o cenho franzido.
__ Onde está o desjejum?
__ Já é hora do almoço, Nick.
__ O horário é relativo, minha cara. – Pegou um pedaço de pepino, apenas para experimentar.
Freddie terminou de lavar a louça e deixou-a secando no escorredor.
__ O mínimo que você pode fazer é limpar a sala. Não pretendo trabalhar no meio dessa bagunça.
O sabor azedo do picles melhorou o humor de Nick. Então, deu mais uma mordida.
__ Escolhi o terceiro domingo de cada mês para fazer a limpeza, quer precise, quer não.
__ Acho que devemos iniciar a faxina agora – afirmou Freddie, com as mãos na cintura. – Não vou
trabalhar com roupas espalhadas, lixo e uma camada de poeira com a espessura de um centímetro.
Inclinando-se na cadeira, Nick sorriu. Freddie tinha os cabelos presos em um rabo-de-cavalo. Seus olhos
brilhavam, como sempre.
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__ Meu Deus, como você é fofa, Freddie!


__ Sabe que eu detesto esse elogio! – queixou-se ela.
__ Sim. – O sorriso de Nick aumentou.
Sem perder a dignidade, Freddie rasgou um pedaço de toalha de papel para enxugar as mãos.
__ O que está olhando?
__ Só estou esperando o seu biquinho aparecer. Fica mais fofa ainda quando faz beicinho.
Freddie esforçou-se para não satisfazê-lo.
__ Você sabe mesmo como me irritar, Nick.
__ Assim pára de ficar me dando ordens, como faz com Brandon.
__ Eu não fico dando ordens para o meu irmão.
Nick foi até o escorredor e pegou uma das xícaras que Freddie acabara de lavar.
__ É lógico que fica. Encare os fatos, querida, você é uma perfeita mandona.
__ Não sou, não!
__ Mandona, mimada e fofa como um botão de rosa.
Para provar o autocontrole, Freddie respirou fundo.
__ Vou acertar-lhe um soco daqui a um minuto!
__ Freddie, quando você ergue o queixo fica melhor ainda do que quando faz biquinho – provocou,
servindo-se de café.
Na falta de algo melhor, ela amassou o papel-toalha e jogou-o na cabeça de Nick.
__ Vim aqui para trabalhar, não para ser insultada Se é só isso o que sabe fazer, irei embora agora
mesmo.
Nick ainda ria quando Freddie se aproximou. Pela primeira vez desde que ela chegara a Nova York, Nick
achou que o relacionamento de ambos caminhava como devia ser. Uma bela ligação de amizade entre dois
primos. Pegou-a pelo braço e a fez virar.
__ Ah, Freddie, não fique brava!
__ Não estou brava – respondeu, acertando-o na barriga com o cotovelo.
O sorriso transformou-se em uma gargalhada.
__ Vamos lá, criança, você sabe fazer melhor do que isso. Mantenha o corpo firme e golpeie com
segurança e determinação.
Freddie obedeceu, e o rápido golpe fez com que os dois perdessem o equilíbrio. Rindo, ela apoiou-se na
geladeira. Nick segurava-lhe a cintura, e Freddie, seu antebraço.
Então ele parou de rir, percebendo que os corpos estavam bem próximos. Freddie era tão delicada e
dócil... E o encarava com extrema intensidade. Tinha os olhos tão profundos e arregalados... E fazia biquinho.
Que delícia!
Ela logo percebeu a mudança. Ficou mole e sentiu o sangue fervendo nas veias. Esperara tanto por esse
momento! Anos! O instante em que estariam assim, juntinhos. Seguindo os instintos, Freddie levou as mãos
até os ombros de Nick.
"Com certeza eu a teria beijado", ele pensou, afastando-se. E não teria nada a ver com afetividade familiar.
Nick a beijaria como um homem beija uma mulher desejável.
__ Nick...
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"Eu a assustei!", Nick se repreendeu e soltou-a.


__ Sinto muito. Não deveria tê-la provocado tanto. Tudo começou com uma inocente brincadeira.
Mais confortável com a distância entre ambos, ele se afastou até alcançar a xícara que deixara em cima da
mesa.
__ Tudo bem. – Freddie sorriu, assim que conseguiu se acalmar. – Já estou acostumada. Mas ainda
continuo querendo arrumar a bagunça.
__ É a minha casa, a minha bagunça, o meu piano. Você terá de se acostumar com o ambiente.
__ Tudo bem – respondeu Freddie, depois de pensar um pouco. – E quando eu alugar o meu apartamento
e tiver o meu piano, nós trabalharemos lá.
__ Talvez. – Nick pegou um garfo e começou a comer a salada de batata. – Por que não pega uma xícara
de café e eu lhe exponho o que tenho em mente sobre o musical?
__ O que nós temos em mente, parceiro – corrigiu, servindo-se de café.
Nick e Freddie ficaram sentados à mesa da cozinha por quase uma hora, discutindo, analisando e
debatendo sobre os principais tópicos e o tema central da partitura para o musical Antes, depois e sempre.
Tratava-se da história de uma paixão cega entre dois jovens, que transformou-se em um casamento impen-
sado, um divórcio doloroso e acabou em um relacionamento maduro e carinhoso.
__ Felizes depois de tudo – sugeriu Freddie como nome.
__ A estrada perpétua – era a opinião de Nick. Os dois concordaram que ambos os pontos de vista
caberiam com perfeição na música e decidiram colocá-la em prática.
__ Ela o ama – disse Freddie ao se acomodar ao lado de Nick ao piano. – Desde a primeira vez que o viu.
__ É apaixonada pelo amor. – Nick ligou o gravador. – Os dois são. São jovens e tolos. Isso é uma das
coisas que torna os personagens atraentes, divertidos e reais. Hum... Ouça. Começa com a cena da multidão.
Muito movimento, várias pessoas, luzes, velocidade. Todos estão com pressa. – Nick revirou as partituras e
escolheu uma qualquer. – Então, quero alcançar o público com a confusão e o barulho. – Ajustou o sintetizador
ao seu lado. – E a energia dos jovens na cena de abertura.
__ Quando eles correm um para os braços um do outro.
__ Exato. Aqui.
Nick começou a tocar, um som estridente para despertar os sentidos dos espectadores. Freddie fechou os
olhos e deixou que a música falasse por si.
Notas rápidas, cheias e algumas vezes chocantes. Ah, sim, conseguia perceber o que Nick queria. Im-
paciência. Concentração. Pressa, saia do caminho. Parte de sua imaginação visualizava o palco, repleto de
dançarinos, a coreografia sincronizada, o barulho do tráfego. Buzinas.
__ Preciso melhorar esta parte – resmungou Nick. Ele quase se esquecera da presença de Freddie
quando parou para fazer anotações e mexer no sintetizador.
__ Não pare agora.
__ Só estou aperfeiçoando um pouco estas linhas.
Ela meneou a cabeça e colocou os dedos nas teclas. Com os olhos fixos na partitura, começou, unindo
sua voz à canção.
"Não pare agora. Quero ver muitos lugares lindos, conhecer pessoas interessantes. E não imagino como
enfrentar tudo sozinha."
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A voz dela era pura. Engraçado, Nick quase se esquecera. Baixa, delicada, inspirava confiança. E
muitíssimo sensual.
__ Você é rápida – elogiou ele.
__ Eu sou boa. – Freddie continuou a tocar, enquanto as palavras brincavam em sua cabeça. – Deveria
ser uma peça com coral, ponto e contraponto com um dueto de vozes entre os atores principais. Ele indo para
um lado, ela para o outro. As palavras devem se sobrepor e se fundir.
__ Sim. – Nick começou a tocar o sintetizador. – Essa é a idéia.
Freddie lançou-lhe um olhar maroto.
__ Eu sei.

Demorou mais de três horas e duas garrafas de café para que eles conseguissem terminar o ato inicial.
Não querendo que a cafeína afetasse seus sentidos, Freddie insistiu para que Nick fosse até o bar buscar uma
lata de guaraná. Sozinha, fez algumas mudanças na partitura e na letra da música. Assim que começou, foi
interrompida pelo telefone.
Levantou-se para atendê-lo.
__ Alô?
__ Eu gostaria de falar com Nick, por favor.
A voz sensual e com sotaque do Sul intrigou-a.
__ Ele foi até o bar e voltará dentro de alguns minutos.
__ Vou esperar, então. Tudo bem? Meu nome é Lorelie.
__ Oi, Lorelie. Eu sou a Freddie.
__ A sobrinha de Nick?
__ Sim, eu mesma – respondeu, entre os dentes cerrados.
__ Fico muito contente por falar com você, querida. – A mulher demonstrou-se bastante simpática. – Nick
me disse que vocês iam jantar ontem. Não me importei em desmarcar o nosso compromisso; afinal,você é da
família.
Bem que desconfiara da existência de uma mulher na vida dele...
__ Foi um gesto muito amável, Lorelie.
__ Uma garota como você, sozinha em Nova York, precisa da companhia dos homens da família. Fiquei
sozinha aqui durante cinco anos, e ainda não me acostumei direito. E todos mudam tão depressa...
__ Alguns não tão depressa – resmungou Freddie. – De onde você é, Lorelie?
__ De Atlanta, querida. Nasci e fui criada lá. Mas adoro trabalhar aqui, com o mundo da moda e da
televisão.
__ Você é modelo? – Era a única descrição que lhe cabia.
__ Sim, mas tenho feito mais comerciais de televisão do que desfiles. Eles não são tão cansativos quanto
as passarelas.
__ Tenho certeza de que não.
__ Foi assim que conheci Nick. Uma tarde, depois da filmagem de um comercial, fui até o bar. Pedi a ele
que me preparasse um drinque bem forte e gelado. E Nick me falou que eu mais parecia uma miragem. – A
risada escandalosa irritou Freddie profundamente. – Nick não é um doce de pessoa?
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Freddie olhou para cima e viu o "doce de pessoa" entrando pela porta.
__ Sim. E ele acabou de chegar.
__ Não me importo que Nick leve a querida sobrinha para passear pela cidade. Você também é do Sul?
__ Digamos que eu e você somos quase irmãs. Fale com o nosso querido Nick agora.
__ Até mais, meu bem.
__ Até.
Com a expressão mais serena do mundo, Freddie passou o aparelho para Nick.
__ Sua namorada quer lhe falar.
Nick colocou as latas no chão e pegou o fone.
__ Lorelie? – Sabia que Freddie o observava. – Sim, é. Não, ela mora em uma cidade na Virgínia Oci-
dental. Sim, é bem perto. Escute... – Virou-se de costas e baixou a voz.
Freddie voltou a dedilhar as teclas do piano.
__ Estou trabalhando agora, Lorelie. Não, não tenho nada. Hoje à noite. Está bem. Venha para o bar por
volta das sete. – Nick pensava no porquê de tanta aflição. – Também não vejo a hora. Verdade? – Olhou para
trás, com cautela. – Parece-me interessante. Até mais tarde. Um beijo.
Depois de desligar o telefone, pegou uma das latas. Abriu-a e passou-a para Freddie.
__ Está bem gelada.
__ Obrigada.
A voz dela também estava fria. Congelada. Freddie pegou a lata e deu um grande gole.
__ Devo me desculpar por ter estragado o seu compromisso de ontem à noite com Lorelie?
__ Não. Nós não... Ela é apenas... Não, imagine!
__ Eu me comovi quando soube que você lhe contou que ia sair para jantar com a sua sobrinha da Virgínia
Ocidental. – Colocou a garrafa no chão e voltou a cão para o piano. – Duvido que ela tenha acreditado.
__ Falei a verdade – disse, com certo desconforto. Afinal, não devia nenhuma satisfação a Freddie.
__ Falou que eu precisava de uma companhia para passear pela cidade?
__ Não foi bem isso. Mas qual é o problema? Você iria jantar, e eu reorganizei meus compromissos.
__ Da próxima vez que tiver um encontro marcado avise-me, Nick. Não tenho problemas em sair sozinha.
– Furiosa, Freddie pegou seus papéis e começou a enfiá-los dentro da pasta. – Não sou sua sobrinha e não
preciso que ninguém cuide de mim. Qualquer idiota percebe que já sou uma mulher adulta, bastante capaz de
se cuidar sozinha.
__ Nunca falei que...
__ Você diz isso toda vez que olha para mim. – Tropeçou em uma pilha de roupas espalhada pelo chão
quando foi pegar a bolsa. – Aposto como vários homens ficariam muito contentes se fossem convidados para
jantar comigo sem considerar uma obrigação.
__ Espere aí, Freddie!
__ Estou indo embora, Nick. – Virou-se para trás e o encarou. – Olhe bem, Sr. Nick LeBeck. Não sou mais
a pequena Freddie, queridinha da família. Exijo ser tratada como uma mulher da minha idade!
Estupefato, ele percorreu os dedos pelos cabelos.
__ Mas o que está acontecendo com você?
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__ Nada! – Freddie gritou, sem conseguir se controlar. – Nada, seu idiota! Vá aninhar-se nos braços de
sua querida sulista!
Quando Freddie saiu, batendo a porta com toda a força, Nick pegou uma lata de refrigerante e abriu-a. Só
conseguia menear a cabeça, inconformado. E pensar que ela fora uma criança com um temperamento tão
dócil...
Freddie tentou acalmar o nervosismo com uma longa caminhada. Quando sentiu-se tranqüila o suficiente
para falar sem quebrar vidros, foi até um telefone público e discou para o escritório de Sidney. A conversa
melhorou seu humor.
Depois, com um endereço nas mãos, foi conhecer um apartamento a apenas três quarteirões do de Nick.
Era perfeito. A medida que passava de um cômodo para o outro, visualizava os móveis que colocaria em
cada canto, as almofadas, os enfeites. Sua própria casa, pensou, com espaço suficiente para o piano embaixo
da janela da sala. E um sofá-cama para quando recebesse visitas. Como os irmãos, por exemplo.
E o melhor de tudo: ficava bem perto do bar.
"Que tal, Nick?", imaginou, observando a visão de Manhattan. "Ficarei de olho em você. Eu te amo tanto,
seu tonto!"
Suspirando, se afastou da janela e foi até a cozinha. Era pequena e precisava de uma pintura urgente.
Adoraria escolher os acessórios, panelas, pratos, talheres e afins. Adorava cozinhar e sempre ajudara a mãe e
a avó, no Brooklyn.
Poderia cozinhar para Nick caso ele se comportasse direito. Não. Freddie sorriu para si mesma, obri-
gando-se a controlar a impaciência. Era ela quem tinha de se comportar direito e agir com cautela e sabedoria.
Fora bastante dura com Nick, mesmo tendo ele agido como um idiota. Freddie passara toda a sua vida
apaixonada, mas Nick passara o mesmo tempo enxergando-a como uma sobrinha, apesar de não serem
parentes de verdade. Demoraria mais de um jantar romântico ou uma tarde de trabalho para mudar seu modo
de pensar.
E ela conseguiria. Com as mãos na cintura, iniciou outro passeio pelo local. Da mesma maneira que cons-
truiria uma vida ali, um lugar que refletisse seu gosto pessoal e personalidade. E, antes de terminar, o mundo
que criaria para si seria cheio de música, cores e amor.
E com Nick a seu lado.

Já passava das sete horas quando Nick desceu para o bar. Zack olhou para o irmão, continuando a agitar
a coqueteleira.
__ Um encontro ardente?
__ Lorelie.
__ Ah, sim! A bela morena alta com pétalas de rosas na voz.
__ Exato. – Nick passou para o outro lado do balcão a fim de ajudar a preparar os drinques. – Nós vamos
apenas jantar. Depois, volto para cá, e você está livre.
__ Posso ficar até mais tarde hoje.
__ Não, sem problemas. Ela gosta de ficar por aqui. Depois que eu fechar o caixa, encontraremos algo
para fazer.
__ Tenho certeza de que sim. A mesa três pediu cinco chopes e uma dose de uísque.
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__ Pode deixar.
__ Você soube que Freddie encontrou um apartamento?
Nick parou de servir o chope e olhou para o irmão.
__ Como assim?
__ Ela alugou hoje no final da tarde. Acabou de assinar o contrato. – Zack encheu um pratinho com
amendoim. – Você perdeu. Freddie veio até aqui para comemorar. Estava pulando de alegria.
__ Quem achou o lugar? Mikhail?
__ Ela não me contou. A garota tem uma boa cabeça.
__ Sim. Acho que sim. Freddie deveria ter pedido para Raquel dar uma olhada no contrato.
Rindo, Zack colocou a mão no ombro do irmão, que terminava de preparar o pedido.
__ Ei, os pássaros pequenos têm de sair do ninho algum dia.
Nick, meneando a cabeça, colocou os copos em cima da bandeja e sorriu para a garçonete que esperava.
__ E ela voltou para o hotel?
__ Não. Saiu com John.
__ John – repetiu. Seus dedos paralisaram no pano que pegara para enxugar o balcão. – O que quer dizer
com Freddie saiu com John? – Nick virou-se para o irmão. – Você apresentou-a a Stipley?
__ Sim. – Com um aceno de cabeça, Zack começou a atender a outra mesa. – Ele me perguntou quem era
a bela ruiva, e decidi apresentá-los. Entenderam-se bem.
__ Entenderam-se bem?! – repetiu Nick. – Como você a deixou sair com um estranho, Zack?
__ Ora, Nick, ele não é nenhum estranho. Nós o conhecemos há anos.
__ Sim – disse, imaginando o homem esfregar o nariz no pescoço de Freddie. – Ele fica passeando de bar
em bar.
Surpreso e contente, Zack encarou o irmão mais novo.
__ E nós também.
__ Esse não é o xis da questão. – Nick resistiu à urgência de servir-se de uma dose de uísque puro. – Você
não pode apresentá-la para um sujeito qualquer e permitir que saia com ele.
__ Os dois se conheceram, simpatizaram um com o outro e decidiram ir ao cinema. Qual o problema?
__ Nenhum.
"Filme coisa nenhuma!" Que homem em sã consciência perderia tempo assistindo a um filme com uma
ruiva de olhos acinzentados como um dia de tempestade e uma boca paradisíaca? "Ah, Deus", pensou Nick, ao
imaginá-la à mercê de John Stipley.
__ Está certo, John queria apenas um pouco de companhia no seu dia de folga. Droga, Zack, você é
louco?
__ Vou lhe contar a verdade. Eu a vendi para ele por quinhentos dólares e entradas permanentes para os
jogos de beisebol. John já deve estar terminando o serviço agora.
Nick procurou manter a imaginação fértil sob controle, mas não teve a mesma sorte com o temperamento.
__ Muito engraçado, caro irmão! Vamos ver se você também achará graça se ela chegar aqui toda
espancada.
Depois de colocar os drinques na bandeja, Zack virou-se para estudar Nick. Fúria, observou, como já vira
muitas vezes naquele mesmo rosto. Como não compreendia nada, manteve-se calmo.
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__ Freddie sabe se defender sozinha. E John não é nenhum maníaco.


__ Como se você soubesse muito sobre a vida dele... – resmungou Nick.
Pasmo, Zack meneou a cabeça.
__ Nick, o que está acontecendo? Você gosta tanto de John! Já foram a diversos jogos juntos. Ele até
emprestou-lhe o carro quando você foi para Long Island no mês passado.
__ Gosto dele. – Exasperado, pegou uma caneca de chope e começou a enxugá-la. – Por que eu não
deveria gostar de John? Mas isso não tem nada a ver com o fato de Freddie ter conhecido um estranho em um
bar e ter aceitado o convite para sair.
Zack inclinou-se para a frente e apoiou os cotovelos no balcão.
__ Sabe, caro irmão, alguém que não o conhecesse direito juraria que você está tendo uma crise de
ciúme.
__ Ciúme?! Eu? – Terrível dedução. – É idiotice, Zack! Idiotice!
Se não se mantivesse ocupado, Nick sairia pelas ruas e procuraria Freddie e Stipley por todos os cinemas
de Manhattan.
Uma idéia estranha começou a criar raízes na mente de Zack. Olhou com cautela para o irmão e imaginou
se estaria se apaixonando pela pequena Freddie Kimball.
__ Então por que não me conta qual é o problema? O que está acontecendo entre você e Freddie?
__ Nada. Absolutamente nada – respondeu, sem tirar os olhos do copo. – Estou apenas tentando cuidar
dela, nada além. É tudo o que tenho a lhe dizer.
__ Eu deveria tê-la trancado dentro de casa – brincou Zack. – Ou ter ido junto, como dama de companhia.
Da próxima vez que a vir conversando com um amigo meu, telefonarei para o esquadrão de polícia, ou melhor,
para Alex.
__ Cale a boca, Zack!
__ Acalme-se, Nick. Sua beldade acabou de chegar.
__ Ótimo.
Esforçando-se, Nick procurou esquecer-se de Freddie e de seu péssimo comportamento. Ele tinha sua
própria vida, não? E, como ela mesma dissera, já era uma mulher adulta.
Nick olhou para a frente e sorriu para Lorelie, que se aproximava do balcão. Bonita, elegante e sensual era
a melhor descrição para a morena. Deixaria o tempo tomar conta de tudo. Lorelie acomodou-se em um banco,
jogou os cabelos para trás e sorriu.
__ Olá, Nick. Esperei por este momento o dia todo.
Era difícil manter o sorriso nos lábios quando tinha outras preocupações. Esse dia, pelo menos, não
estava nem um pouco interessado na hospitalidade sulista.
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Capítulo 4

N
ick sentiu o cheiro de café e bacon assim que colocou os pés para fora do chuveiro. O aroma
deveria melhorar seu humor, mas quando um homem não dorme bem, preocupado com uma
mulher, nada muda o rumo dos acontecimentos.
Freddie tinha muito a lhe explicar, decidiu, enquanto ia até o quarto para se trocar. Ela ficara fora metade
da noite com alguém que conhecera em um bar. Tinha sido tão bem educada por Spencer e Natasha... Como,
então, se explicava essa atitude?
Nick sentia ter certa responsabilidade sobre ela. A família de Freddie, pensou, olhando-se no espelho,
sempre primou por um relacionamento excelente entre os parentes. Toda vez que ia visitá-los, Nick admirava a
devoção, o carinho e o respeito que um tinha para com o outro.
Até ficava com um pouco de ciúme. Mas todos o tratavam como membro da família.
Não conhecera esse tipo de afeto e atenção. Sua mãe era uma mulher amarga, mas Nick não a culpava
pois cuidar sozinha de um filho pequeno não era nada fácil. Quando ela se casou com o pai de Zack, as coisa
mudaram um pouco. Para melhor. Pelo menos tinham lugar decente para morar. Nunca mais Nick sentira fome
ou vira o desespero nos olhos da mãe. Com percepção tardia, até acreditava que Susane e Muldoon tinham se
amado; talvez não com paixão, mas se gostavam o suficiente para construir uma vida juntos. Seu padrasto
tentara, reconheceu Nick, vestindo o jeans. Mas era um homem teimoso e achava que sempre tinha razão.
E havia Zack. Ele fora paciente, carinhoso e simpático e sempre procurara lhe dar atenção. Talvez o fato
de Nick ter aprendido a jogar bola e a fazer travessuras com aquele menino a quem viria a amar como irmão
tenha feito com que se apegasse a crianças.
Até então, Nick achara que uma criança estava sempre à mercê dos caprichos de um adulto. E Zack lhe
mostrara que não era bem assim, que cada pessoa tinha sua devida importância e que sempre haveria alguém
para ajudá-lo nos momentos de tristeza.
Mas nem tudo dura para sempre. Assim que Zack completou maioridade, juntou suas coisas e saiu de
casa, alistando-se na Marinha. E, sem a companhia dele, Nick sentira uma solidão terrível.
Quando Susane morreu, tudo começou a complicar. Nick tornou-se rebelde e arruaceiro para encobrir sua
solidão e tristeza, e logo substituiu a família por uma gangue de rua. Costumava cruzar as ruas da cidade em
busca de encrenca. E sempre encontrava. Até o dia em que o pai de Zack também faleceu, e ele tentou ajudar
Nick a sair daquela vida sem perspectivas. Nick não facilitara, porém.
As lembranças desses dias passados o entristeciam. Se tivesse encontrado um meio para dificultar ainda
mais a situação, com certeza o teria feito. Mas Zack se manteve firme. E Raquel também. Todos os membros
da família Stanislaski se mobilizaram. Eles mudaram sua vida. E talvez o tivessem salvado da desgraça. Nick
sabia que jamais se esqueceria do aconchego daquele lar.
Quem sabe não chegara o momento de pagar a dívida? Freddie poderia ter a sólida educação que lhe
faltara na infância, mas estava enfrentando a vida sozinha. Nick achava que ela precisava de alguém para
impor-lhe limites. E, como ninguém mais parecia preocupar-se com o comportamento de Freddie, Nick sen-
tia-se na obrigação de assumir tal responsabilidade.
Enxugou os cabelos e vestiu a camiseta. Talvez ela ainda fosse muito ingênua. Nick pôs-se a considerar
seus pensamentos. Freddie passara a maior parte de sua vida vivendo em uma pequena cidade, onde as
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principais manchetes de jornal eram os roubos de roupas nos varais das casas. Mas, se estava determinada a
viver em Nova York, teria de aprender a enfrentar a cidade grande. E ele fazia questão de ensiná-la.
Nick dirigiu-se para a cozinha, resolvido a aplicar-lhe a primeira lição. Freddie estava na frente do fogão,
refogando cebolas, cogumelos e pimentão para preparar uma omelete, que decidira fazer como o início de um
pedido de desculpas. Depois de refletir um pouco, percebeu que fora muito estúpida com Nick no dia anterior.
Puro ciúme, admitiu.
O ciúme era um sentimento pequeno e mesquinho e que não tinha lugar no seu relacionamento com Nick.
Ele ainda era livre para sair com outras mulheres... por enquanto. Acessos de raiva infantis em nada a
ajudariam a conquistá-lo. Tinha de ser compreensiva e protegê-lo. Mesmo se isso a corroesse por dentro.
Notando um movimento com o canto dos olhos, ela virou-se e esboçou o melhor de seus sorrisos.
__ Bom dia. Achei que hoje você gostaria de iniciar dia com uma refeição matinal tradicional. O café está
pronto. Por que não se senta? Eu o sirvo.
Nick encarou-a, confuso.
__ O que está havendo, Freddie?
__ Nada. Estou apenas fazendo o nosso desjejum. – Ainda sorrindo, colocou os pratos com fatias de ba-
con e torradas na mesa. Encheu duas xícaras com café. – Achei que era o mínimo que podia fazer para
compensar o meu mau comportamento de ontem. Ah... Eu queria... Perdi totalmente o controle – continuou,
colocando os ovos batidos na frigideira. – Não sei o que aconteceu comigo. Acho que fiquei nervosa. Ainda não
tinha percebido que a minha vinda para Nova York seria uma mudança tão radical na minha vida.
__ Que bom! – Um pouco mais aliviado, Nick sentou-se e pegou uma fatia de bacon. – Eu percebi isso.
Você tem de tomar cuidado, Freddie. As conseqüências não levam o nervosismo em conta.
__ Conseqüências? – Surpresa, ela virou a omelete. – Você até poderia ter me expulsado daqui ontem,
mas acho quer seria demais apenas por uma simples discussão.
__ Discussão? – Agora foi a vez de Nick se surpreender.
Freddie serviu a omelete e o encarou.
__ Você brigou com John, Freddie?
__ John? Não. Por que eu haveria de ter brigado com ele?
__ Você falou que... Sobre o que está falando, Freddie?
__ Sobre ontem. Nossa discussão depois do telefonema de Lorelie. E você, está falando a respeito do
quê?
__ De ter saído com um estranho que acabara de conhecer em um bar. É disso que estou falando. – Nick
estudou-a, enquanto cortava o primeiro pedaço da omelete e o levava à boca. – Não vá me dizer que fiquei
maluco e entendi tudo errado.
__ Como? – Todas as boas intenções de Freddie começaram a desaparecer. – Você está se referindo ao
fato de eu ter ido ao cinema com um amigo de Zack?
__ Cinema? Ora, essa é boa! – Nick comeu mais um pouco e preparou o sermão. – Você não chegou ao
hotel antes da uma hora da manhã.
Freddie levou as mãos à cintura, sem poder acreditar no que escutava.
__ Como sabe a que horas cheguei?
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__ Por acaso, eu estava pelas redondezas. Vi você descendo de um táxi à porta do hotel à uma e quinze.
Vai me dizer que assistiram duas vezes ao mesmo filme?
Com toda a calma, Nick pegou a geléia e espalhou-a pela torrada. Freddie acertou-lhe a cabeça com a
colher de pau.
__ Ei!
__ Estava me espionando? O que é isso, Nick LeBeck?
__ Não é verdade; apenas tomava conta da minha sobrinha, que não sabe se cuidar sozinha. – Com
reflexos bem condicionados, Nick safou-se de levar a segunda pancada. – Coloque essa colher de pau na pia!
__ De jeito nenhum! E eu me sentindo culpada por ter gritado com você!
__ Sim, deve sentir-se culpada, mas por ter saído com um sujeito que não conhece.
__ Foi tio Zack quem nos apresentou – começou com a voz baixa e gelada, transtornada pela raiva. – Não
lhe devo satisfações da minha vida social, Nick!
Isso era o que ela pensava. De jeito algum Nick permitiria que Freddie freqüentasse bares ou qualquer
outro lugar com estranhos.
__ Você deve explicações a alguém, e essa pessoa sou eu. Aonde foi?
__ Quer saber aonde fui? Tudo bem. Nós saímos do bar e fomos para a casa de John. Passamos horas e
horas fazendo sexo selvagem e violento. Acho até que algumas posições são ilegais em alguns Estados.
Nick estava sendo consumido pela fúria. Não apenas por causa das palavras ou da atitude de Freddie. Era
bem pior, pois conseguiu imaginá-la com perfeição no cenário que descrevera. Só que não com John, e sim
com Nick LeBeck.
__ Não tem a menor graça, Freddie.
Irritada demais para perceber o tom perigoso da voz de Nick, ela devolveu a provocação.
__ Não é da sua conta aonde fui ontem, com quem saí ou a que horas voltei, como não é da minha conta
aonde você foi com a sua Scarlett O'Hara.
__ Lorelie – corrigiu ele, entre os dentes cerrados. Irritou-se mais ainda ao lembrar que não passara a
noite com a bela morena nem com ninguém. – E é da minha conta, sim, senhora! Sou responsável por...
__ Nada! – Freddie encostou a colher de pau no peito musculoso. – Por nada, entendeu bem? Sou maior
de idade, e, se quiser sair com seis homens ao mesmo tempo, o problema é todo meu. Não devo satisfações do
que faço ou deixo de fazer a ninguém. Você não é meu pai e está na hora de parar de agir como tal.
__ Não sou, mesmo – concordou. Algo na mente de Nick lhe dizia que logo perderia o controle. – Spencer
pode não ser capaz de dizer-lhe o que acontece a mulheres descuidadas. Ele não saberia lhe mostrar o que
ocorre com aquelas que dão esperanças a homens errados.
__ E você sabe.
__ Sim, eu sei. – Com um movimento rápido e inesperado, Nick tirou-lhe a colher da mão e jogou-a na pia.
Freddie arregalou os olhos.
__ Pare!
__ O que você vai fazer para me impedir? – Os gestos de Nick eram cautelosos e decididos ao
encurralá-la em um canto. – Você gritará por socorro? Acha que alguém a escutará ou lhe dará atenção?
Ele jamais a olhara daquela maneira, com tanto desejo e ímpeto. Nem outro homem o fizera. O medo
tomou conta de Freddie, e seu coração começou a bater depressa.
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__ Não seja ridículo – disse, tentando manter sua dignidade, mas falhou assim que ele colocou as mãos
na parede, impedindo-a de fugir. – Eu disse para você parar!
__ E se o tal homem não lhe der ouvidos? – Nick aproximou-se até que os corpos estivessem unidos, que-
rendo mostrar que estava no controle da situação. – Talvez ele queira bem mais uma amostra do que todo o
seu corpo tem a oferecer. – Ficou com os olhos fixos nos de Freddie, enquanto percorria as mãos por seus
braços delicados. – Ele conseguirá o que deseja. – Agora, acariciava-lhe a cintura. – Como conseguira
impedi-lo? Como pensa em agir?
Freddie não conseguia pensar, nem questionar. O medo começou a misturar-se com excitação, e ela jogo
os braços em volta do pescoço de Nick. Por um instante, o brilho nos olhos dele mudou, tornou-se sombrio. E,
então, os lábios dos dois se uniram.
Todas as fantasias e desejos se realizaram com o beijo. Freddie abraçou-o com volúpia e revelou-se no
intenso calor. Nick a segurava como Freddie sempre sonhara: com força. O beijo dele era frenético. A língua
percorrendo-lhe o lábio inferior levou-a à loucura.
Desejo. Freddie o sentia em Nick. O apetite intenso e pronto para explodir de um homem por uma mulher.
Pareciam estranhos, tão grande e impetuosa era essa manifestação de paixão e necessidade. As bocas, as
mãos e os corpos se movimentavam com volúpia.
Nick perdeu a cabeça e o autocontrole. Os lábios de Freddie eram um banquete de sabores: o ácido, o
doce, o amargo, o perfume e a textura de sua pele, muito mais do que esperava, bem melhor do que todos os
seus sonhos. Tudo sendo-lhe oferecido, convidando-o a avançar.
Não se lembrava de onde se encontravam, nem quem eram. Não conseguia pensar; deixou-se consumir
pela forte emoção, beijando-a com intensidade total.
A vontade de prosseguir começava a devorá-lo. Nick pressionou-a contra o balcão da cozinha, de modo
que pudesse acariciá-la melhor.
Escutou-a respirar fundo quando seus dedos tocaram-lhe os seios por baixo da roupa. Então, seu próprio
gemido, em parte de dor, em parte de arrependimento, quando encontrou os mamilos túrgidos e firmes, o co-
ração batendo em um ritmo erótico contra suas palmas.
Freddie começou a tremer. Um rápido arrepio, que cresceu depressa e transformou-se até levá-la a vibrar
de prazer.
A vergonha tomou conta de Nick, uma nuvem cinzenta sobre todo seu desejo. Arrependido de seus atos,
soltou-a devagar e se afastou.
Freddie mais parecia soluçar do que respirar, e seus olhos, notou Nick, furiosos, o fitavam, arregalados.
Freddie apoiou-se no balcão a fim de recobrar os sentidos.
__ Sinto muito, querida. Você está bem? – Como não obtivesse resposta, Nick usou seu humor para
combater a vergonha: – Se não estiver, só poderá culpar a si mesma. É esse o tipo de tratamento a que está se
expondo. Se tivesse sido outra pessoa, e não eu, teria sido bem pior. Peço desculpas por tê-la assustado, mas
queria ensinar-lhe uma lição.
__ E conseguiu? – Embora seu coração ainda estivesse disparado, Freddie começava a se recuperar aos
poucos. Nada do que imaginara se aproximava tanto do que sentira poucos segundos antes. E agora Nick
vinha com um monte de desculpas e um sermão. – Imagino quem ensinou uma lição a quem. Eu o beijei, Nick.
E você gostou.
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O sangue dele ainda latejava em suas veias. E não conseguia silenciá-lo.


__ Não vamos confundir as coisas, Freddie.
__ É, concordo. Você não estava beijando sua sobrinha, mas sim a mim. – Deu um passo para a frente,
invertendo os papéis. – E eu também o beijei.
A garganta de Nick ficou seca. Quem era aquela mulher? Quem era aquela incrível jovem que conseguia
incendiá-lo de desejo apenas com um olhar?
__ Talvez as coisas tenham fugido ao controle por um instante.
__ Não, elas não fugiram ao controle.
O sorriso de Freddie era presunçoso, feminino. Nick poderia até tê-lo apreciado em outra mulher.
__ Não está certo, Freddie.
__ Por quê?
__ Porque não. Não tenho como lhe explicar, Freddie. – Nick pegou o café e tomou um longo gole.
__ Acho que você tem dificuldades para explicar a si mesmo o que acabou de acontecer entre nós. Tento
imaginar, Nick, como você agiria se eu o beijasse de novo agora.
"Quero possuí-la", ele pensou, sem nenhum peso na consciência.
__ Pare com isso, Freddie. Precisamos esfriar a cabeça.
__ Você tem razão. – Os lábios dela se curvaram outra vez em um belo sorriso. – Eu diria que você precisa
de um tempo para se acostumar com a idéia de estar atraído por mim.
__ Jamais disse isso. – Nick colocou a xícara no balcão.
__ Às vezes é difícil aceitar mudanças em pessoas que conhecemos há tanto tempo. Mas não tenho
pressa.
Freddie estava imóvel, mas Nick percebia que ela o rodeava com palavras.
__ Freddie, sejamos razoáveis. Estamos tentando trabalhar juntos, e eu nem sei se vai dar certo. Talvez
algumas coisas tenham mudado, e, quaisquer que sejam essas mudanças, nós parecemos não nos entender
com tanta naturalidade como antes. Se nosso trabalho for arriscar nossa antiga amizade...
__ Você está nervoso por ter de trabalhar comigo?
Freddie não poderia ter feito pergunta melhor. Por mais que Nick agora fosse outro homem, ainda havia
resquício do jovem rebelde em seu comportamento. E o orgulho era uma questão de honra.
__ É lógico que não! Nem com você nem com ninguém.
__ Ótimo. Então não temos nenhum problema. Mas se acha que não será capaz de ficar me dando
amostras do que pode me acontecer...
__ Eu nunca mais a tocarei.
A leve fúria em sua voz fê-la sorrir.
__ Então é melhor terminarmos de tomar nosso desjejum antes que esfrie. E, depois, mãos à obra.

Nick foi fiel às palavras. Trabalharam juntos por horas e horas, e ele não encostou um só dedo em Freddie.
Mas o preço foi alto. Ele descobriu que ela possuía um jeito único de mexer o corpo, a cabeça, de olhar para
cima... Todos os gestos capazes de fazer qualquer homem são implorar por mais.
No final do dia, Nick não sabia mais afirmar sua sanidade.
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__ Está bom, muito bom – murmurou Freddie, estudando as notas, enquanto Nick tocava. – Alguém como
Madeleine O'Hurley executará o papel com perfeição.
__ Eu não disse que esse era o solo de Madeleine.
Mas esse não era o problema. O que irritava Nick era o fato de Freddie estar lendo sua mente e, em
conseqüência, suas músicas com facilidade. Ele não gostou nada.
__ Talvez eu coloque esta no segundo ato. Um dueto.
__ Acho que você não faria isso, Nick. Mas tudo bem, é você quem decide. Tenho algumas idéias para as
letras do número do casal. – Freddie encarou-o. – Na verdade a letra não cabe nessa música, mas sei como
encaixá-la. Quem sabe se você mudar o tempo..!
__ Não pretendo fazer isso. Acho que está bom assim.
__ Não para o dueto do casal. Agora, para o solo de Madeleine, acho que deveria ser algo assim: "Você
me fez esquecer do hoje, do amanhã e se..."
Nick a interrompeu:
__ Está tentando me excluir?
__ Não, estou tentando trabalhar com você. – Freddie fez uma rápida anotação na folha de papel já
rabiscada e colocou-a no piano; depois, sorriu para Nick. – Acho que precisa de um descanso.
__ Saberei quando precisar. – Pegou um cigarro no maço em cima do piano e acendeu-o. – Fique quieta
por um instante e deixe-me trabalhar nisso.
__ Tudo bem.
Freddie levantou-se, contente, e espreguiçou-se, escutando as notas, tentando mudá-las, quando ambos
sabiam que não havia a necessidade de nenhuma alteração na música.
"Nick está lutando contra mim", pensou, reconhecendo que nada a deixaria mais contente. "E se está
lutando é porque tem necessidade de se defender." Testando, Freddie colocou as mãos nos ombros de Nick e
começou a massageá-los.
__ Pare com isso, Freddie – pediu Nick, afastando os dedos do piano. – Disse para você parar.
__ Sim, senhor. Seu desejo é uma ordem – respondeu, afastando-se. – Vou buscar uma bebida gelada.
Quer algo?
__ Uma cerveja.
Na cozinha, Freddie escutou uma batida na porta e logo depois um cumprimento.
__ Você está preso por ter mantido minha sobrinha algemada ao piano a tarde inteira! – berrou Alex
Stanislaski.
__ Onde está sua credencial, policial?
Alex riu e soltou o braço de Nick.
__ Não preciso apresentar-lhe minhas credenciais Onde está a minha linda sobrinha?
__ Tio Alex! Graças a Deus você chegou! – Freddie apareceu na sala e jogou-se nos braços dele. – Minha
tarde foi terrível! Notas, mudanças, uma loucura!
__ Fique tranqüila, agora eu estou aqui. – Deu-lhe um leve beijo na face antes de soltá-la. – Bess havia
mesmo me falado que você está mais bonita do que nunca. Esse rapaz a está aborrecendo?
__ Sim. – Freddie abraçou o tio pela cintura e sorriu, marota. – Acho que você deveria prendê-lo por abuso
de autoridade.
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__ É assim? Ainda bem que cheguei para tirá-la daqui. Que tal um jantar gostoso?
__ Eu adoraria. E você pode me contar mais sobre a sua promoção.
__ Não é nada demais – respondeu Alex. Nick parou de tocar e olhou para trás.
__ Não foi bem isso o que ouvi por aí, capitão.
__ A notícia ainda não é oficial. – Alex apertou o ombro dele.
__ Brutalidade policial. – Nick levantou-se e foi até a cozinha buscar a cerveja, pois, com a chegada do tio,
Freddie a esquecera. – Ele sempre foi assim comigo.
__ Será que eu deveria ter jogado fora a chave da cela quando o peguei pulando a janela daquela loja de
produtos eletrônicos?
__ Os tiras têm memória de elefante...
__ Quando o assunto são punks... – Alex encostou-se no piano. – Gostei da música que vocês tocavam.
Estão mesmo trabalhando juntos?
__ Pelo menos é o que os rumores dizem – respondeu Freddie. – Só que Nick está tendo problema em
dividir seu tempo como meu parceiro e tio postiço.
__ Verdade?
__ Ele me seguiu ontem à noite quando saí com um homem.
__ Mentira! – Desconcertado, Nick tomou um gole de cerveja. – Ela está tendo desilusões na vida adulta.
Percebendo a tensão no ar, Alex resolveu brincar:
__ Ela me parece bem crescida.
__ Obrigada, tio. A mesma hora amanhã, Nick?
__ Sim, tudo bem.
__ Você também pode vir jantar conosco, Nick. O convite foi geral – disse Alex. – Bess quer ir a um
restaurante italiano.
__ Não, obrigado. – Nick colocou o copo de lado e percorreu as teclas com os dedos. – Ainda tenho
algumas coisas para fazer.
__ Como quiser. Vamos, Freddie, estou morto de fome. Passei um dia terrível na delegacia.
__ Estou pronta. – Inclinou-se e deu um beijo em Nick. – Até amanhã.
Alex esperou até que estivessem na rua para tocar no assunto:
__ O que está acontecendo?
__ Como?
__ Entre você e Nick.
__ Nada do que eu gostaria – respondeu ela, sem nenhum preâmbulo. Como Alex permanecesse parado,
Freddie esticou o braço para chamar um táxi.
__ Está falando no aspecto profissional ou pessoal?
__ No campo profissional estamos nos entendendo mais ou menos bem. Nick deve enviar uma parte do
material para os produtores na semana que vem. Por que não vamos de metrô? – sugeriu, percebendo que os
táxis eram escassos. – Será difícil conseguirmos um carro a essa hora do dia.
Caminharam para a estação de metrô.
__ Então você estava falando de paixão?
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__ Sim. Isso mesmo. – Freddie sorriu para o tio. A luz do sol iluminava os cabelos pretos de Alex,
fazendo-o parecer um cavaleiro recém-chegado de uma batalha. – É tão bom estar com todos vocês aqui, titio.
__ Também acho ótimo, querida.
__ Eu te amo muito, tio Alex.
__ Também te amo, Freddie. – Ele correu atrás da sobrinha, que desceu depressa as escadas da estação.
– Olhe, sei que você teve uma paixãozinha por Nick quando era criança...
__ Como? – perguntou, procurando trocados na bolsa.
__ Todos nós percebemos.
__ Menos o principal interessado. – Freddie colocou o dinheiro de volta na bolsa quando Alex apareceu
com dois bilhetes.
__ Ele é um pouco ingênuo. Só sei de uma coisa: você não é mais uma garotinha.
Freddie parou do outro lado da catraca, segurou o rosto do tio com as duas mãos e beijou-o com ternura.
__ Não tenho como lhe explicar o quanto isso significa para mim. Realmente te amo!
__ Que tal deixarmos nossa troca de elogios para quando entrarmos no trem? – perguntou Alex, per-
cebendo que atrapalhavam o resto das pessoas que queriam passar. – Mas acho que você não compreendeu
o que eu quis dizer.
__ Entendi sim. Você está preocupado com o que possa vir a acontecer entre nós, que um de nós possa
se machucar ou se arrepender depois.
__ Se ele tiver de se arrepender, pode ter certeza de que não tocará uma só música por um mês inteiro.
Freddie gargalhou.
__ Excelente sermão, tio. Você também o ama, não é?
__ Sim, mas isso não me impediria de quebrar-lhe todos os ossos de sua mão se ele os usasse de modo
indevido.
Freddie achou melhor não dizer onde as mãos de Nick tinham estado horas atrás...
__ Estou apaixonada por ele, tio Alex. É um sentimento maravilhoso. Você é a primeira pessoa a quem
revelo. Nem papai e mamãe sabem. – Freddie olhou com certa seriedade para o tio. – É uma surpresa muito
grande?
Entraram no trem e só então Alex começou a falar.
__ Escute aqui, Freddie...
__ Não, me escute primeiro. – Como o vagão estava lotado, os dois ficaram em pé. – Aposto como está
pensando que não sei a diferença entre uma brincadeira infantil e um amor de verdade, mas sei, sim, senhor –
repetiu, com tanta convicção que Alex se manteve calado. – Não amo o garoto que conheci anos atrás, titio.
Amo o homem que ele é agora. Com todos os seus defeitos, suas virtudes, a impaciência, a simpatia, até uma
ponta de maldade. Eu amo o ser inteiro; e Nick pode ainda não saber, e talvez nem aceitar, mas isso não muda
em nada meus sentimentos.
Alex respirou fundo.
__ Você cresceu bastante, Freddie.
__ Sei disso. E tenho várias pessoas fortes para tomar como exemplo. Não apenas mamãe e papai, mas
também você e Bess, e todo o resto da família. Sei também que, quando se ama de verdade, o sentimento dura
para sempre.
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Alex não tinha como argumentar. O que encontrara em Bess tornava-se mais precioso e vital a cada dia.
__ Gosto de Nick como gosto de qualquer outro membro da família, Freddie. E de você também. E posso
lhe dizer que ele não é uma pessoa fácil de lidar. Ainda tem uma série de mágoas que não conseguiu enfrentar.
__ Não posso dizer que não compreendo, mas não se preocupe demais, tio. Gostaria que você
mantivesse esse assunto apenas entre nós, pelo menos por enquanto. Quero ter um pouco mais de tempo
antes que toda a família comece a me olhar com o canto dos olhos.
Quando Freddie voltou para o hotel, havia uma mensagem na recepção. Intrigada, rasgou o envelope, en-
quanto tomava o elevador. Encontrou uma folha de papel com a caligrafia de Nick: "Está bem, você tem razão.
É o solo de Madeleine. Quero a letra pronta amanhã. E que seja boa. Marquei um encontro com Valentine e os
outros produtores. Até amanhã. Nick".
Entrando no quarto, Freddie se pôs a dançar.
Duas horas mais tarde, subia correndo as escadas do quarto de Nick. Sabia que ele estava trabalhando no
bar e não pretendia incomodá-lo. Sentou-se ao piano e ligou o gravador.
__ Aqui está a letra da música, Nick, e ficou muito boa. Escute só.
Tomada pelo próprio contentamento, ela cantou com paixão, enquanto tocava a melodia no piano. As
palavras dançavam em sua cabeça desde a primeira vez que ouvira a melodia. Agora, as palavras
combinavam com as notas como se tivessem sido criadas juntas.
Ao tocar o último acorde, ela fechou os olhos.
__ O que você está fazendo aqui?
Freddie pulou no banco, olhou para a porta e encontrou Nick parado. E não parecia nada contente, notou
ela.
__ Vim deixar-lhe uma mensagem. Você queria escutar a música antes do encontro. Está pronta.
__ Já escutei. – E sofrera, escutando-a cantar com uma voz tão linda. – Sabe que horas são?
__ Mais ou menos meia-noite, creio eu. Achei que você estava ocupado.
__ Estou, mesmo. O bar está lotado. Patrick me disse que você estava aqui.
__ Não precisava ter subido. Eu só não queria esperar até amanhã para mostrar-lhe o resultado final. – De
repente, Freddie ficou nervosa de novo. – Quanto você escutou?
__ O suficiente.
__ E então? – Impaciente, Freddie virou-se de modo que conseguisse encará-lo. – Que tal?
__ Acho que os produtores apreciarão.
__ É só isso o que tem a me dizer?
__ O que mais quer que eu diga?
__ O que sentiu quando escutou a música.
Nick não sabia como explicar, nem sabia direito o que sentira. Freddie, de alguma forma, conseguia
guiá-lo a áreas jamais exploradas. E que não pretendia explorar nunca...
__ Penso – começou ele, com cuidado – que é uma letra espetacular, que alcança o coração das pessoas.
Imagino que todos sairão do teatro com a música tocando na mente.
Explodindo de alegria, Freddie não conseguia falar. Ainda mais quando percebeu que tinha os olhos
cheios de lágrimas. Baixando a cabeça, fitou as mãos.
__ Eu não esperava ouvir um elogio desses de você.
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__ Sabe que tem talento, Freddie.


__ É, devo admitir que sim. – Mais calma, olhou de novo para cima. – Vivo me dizendo um monte de
coisas, Nick. Coisas que não consigo suportar quando estou sozinha à noite. Mas, mesmo assim, seu elogio
me deixou bastante contente.
Nick não conseguia tirar os olhos de Freddie, e percebeu que caminhava até ela.
__ Vou levar o trabalho amanhã para Valentine. Tire o dia de folga.
__ Posso começar a mobiliar o apartamento enquanto tento não ter um ataque de nervos.
__ Está certo. – Como se percebesse uma aproximação, a mão de Nick tomou a dela. A única luz na sala
era a do abajur ao lado do piano. E bem fraca.
__ Você não deveria ter voltado aqui hoje.
__ Por que não?
__ Estou pensando demais em você. E não do mesmo jeito de antes.
__ Os tempos mudam – disse, com a voz trêmula. – Bem como as pessoas.
__ Pena que nem sempre para melhor... – murmurou ele, inclinando a cabeça para ir ao encontro dos
lábios de Freddie.
Dessa vez foi um beijo leve, suave e carinhoso. Também profundo e desesperado. O corpo de Nick ficou
mole, e Freddie abraçou-o com paixão. Foi a inocência que Nick sentiu, a inocência dela vibrando contra seu
próprio desejo. As imagens que surgiam o deixaram excitado e ao mesmo tempo assustado.
__ Menti – murmurou Nick, empurrando-a para trás com dificuldade. – Prometi que nunca mais iria tocá-la
de novo.
__ Quero que você me toque.
__ Eu sei. – Nick manteve as mãos firmes sobre os ombros dela quando Freddie inclinou-se para a frente.
– Quero que vá para o hotel agora. Ligarei assim que voltar da reunião com Valentine.
__ Você quer que eu fique – sussurrou Freddie. – Deseja ficar comigo.
__ Não, não é verdade. Nós somos quase parentes, Freddie. Não quero estragar nossa amizade, que é
tão bonita. – Deu um passo para trás. – Agora, vá até o bar e peça a Patrick que lhe chame um táxi.
Todos os nervos em seu corpo estavam alertas. Embora preferisse admitir que queria gritar de frustração,
Freddie percebeu que ele estava aturdido.
__ Tudo bem, Nick. Aguardarei seu telefonema.
Ela começou a caminhar até a porta, mas logo parou e virou-se.
__ Mas você continuará a pensar em mim, Nick. E muito. E jamais será da mesma maneira que antes.
Quando Freddie fechou a porta, Nick sentou-se ao piano. "Ela tem razão", reconheceu ele, esfregando o
rosto. Nada mais seria como antes.
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Capítulo 5

almoço aos domingos na casa dos Stanislaski nunca era uma reunião tranqüila, pacata.

O Começava no início da tarde, com o som de cachorros latindo, crianças gritando e adultos dis-
cutindo. E sempre havia um delicioso aroma vindo da cozinha.
A medida que a família crescia, a casa no Brooklyn parecia diminuir. Os pequeninos se amontoavam no
chão em meio a brinquedos e jogos, ou em colos. Quando chegava a hora da refeição, todos sentavam-se à
mesa, apertados, e ficavam a conversar enquanto os pratos eram passados de mão em mão.
A casa de Mikhail e Sidney em Connecticut era bem maior; o apartamento de Zack e Raquel, mais
espaçoso para receber tanta gente, bem como o de Alex e Bess. Mas ninguém pensava em mudar a tradição
da residência superpovoada de Yuri e Nadia.
Fora lá que tudo começara, refletiu Freddie, acomodada entre Sidney e Raquel no antigo sofá. Não im-
portava onde cada um vivesse ou trabalhasse: aquela era a casa de todos.
__ Subir – ordenou Laurel, começando a escalar as pernas de Freddie. A menininha tinha o sorriso alegre
do pai e os olhos penetrantes da mãe.
__ Venha cá, querida. – Freddie pulava com a criança no colo, que se divertia com as pedras coloridas de
seu colar.
__ Então, está contente com o apartamento? – perguntou Sidney, passando a mão pelos cabelos do filho,
que passou ao seu lado, perseguindo um primo.
__ Muito mais do que contente. Fiquei bastante satisfeita com a sua ajuda. Era isso mesmo o que eu
procurava. Um bom tamanho, um lugar perfeito.
__ Ótimo. – Com um instinto maternal, Sidney olhou para o filho mais velho. – Griff! – Um único olhar foi
suficiente para que ele pensasse duas vezes antes de puxar o rabo-de-cavalo da irmã só para ver o que
acontecia. – Você está procurando mobília, Freddie?
Laurel mudou do colo de Freddie para o de Sidney.
__ Para ser bem sincera, não estou animada – admitiu. Havia uma guerra das crianças no andar de cima,
mas ninguém se importava com o barulho. – Comprei alguns objetos nos últimos dias. Acho que ficarei mais
alegre quando me mudar, na semana que vem.
__ Conheço uma loja no centro que vende tapetes a preços excelentes. Depois lhe dou o nome. Ah, Zack?
__ Hum? – Ele desviou a atenção do jogo de futebol na televisão e olhou para onde Sidney apontava.
Seu filho mais novo colocara uma cadeira ao lado a estante de Nadia e tentava alcançar o pote de balas e
Yuri.
__ Esqueça, Gideon.
__ Só uma, papai. Vovô deixou.
__ Aposto que sim. – Zack levantou-se, pegou o filho pela cintura e o suspendeu a fim de distraí-lo. –
Pegue essa trouxa, mamãe!
A experiência e o reflexo fizeram com que Raquel pegasse o garoto no ar. A nova juíza criminal ficou
balançando Gideon e virou-se para Freddie.
__ Então, onde está o nosso temperamental Nick?
Era essa a pergunta que Freddie fazia a si mesma.
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__ Acho que deve estar chegando. Ele nunca falta aos almoços de vovó. Nós nos falamos ontem.
E Nick não fora capaz, ou não quisera, de dar uma opinião sobre a reação dos produtores. E Freddie já
não agüentava mais esperar. Mas devia estar acostumada, pois esperara por Nick durante dez anos. Dez
longos anos...
O resto da conversa foi banal, e o barulho aumentava cada vez mais. Desviando-se dos brinquedos e
jogos abandonados, Freddie foi até a cozinha.
Bess estava contente sentada à mesa, dando os toques finais na enorme salada, enquanto Nadia se ocu-
pava do fogão.
"Uma bela cozinha", pensou Freddie, olhando ao redor. Um ambiente aconchegante, com diversas pra-
teleiras e armários. Na geladeira havia inúmeros desenhos, cortesia dos netos. Sempre tinha uma panela no
fogão, e o pote de biscoitos jamais ficava vazio.
Coisas pequenas assim é que tornam uma casa um verdadeiro lar. Um dia, prometeu a si mesma, teria
uma dessas.
__ Vovó? – Freddie deu um beijo na face quente de Nadia. Sentiu o aroma de lavanda misturado com o de
carne. – Posso ajudar?
__ Não, obrigada. Sente-se e tome uma taça de vinho. Minha cozinha anda cheia de cozinheiras
ultimamente.
Bess olhou para Freddie.
__ Só estou podendo ajudar porque resolvi ter aula.
__ Todos os meus filhos sabem fazer comida – disse Nadia com certo orgulho.
__ Nick não sabe – comentou Freddie, e roubou um rabanete quando a avó virou-se de costas.
__ Eu não disse que todos cozinham bem.
Nadia continuava a mexer a massa dos biscoitos. Era uma mulher pequena e encorpada, tinha cabelos
acinzentados, presos em um coque ao redor de um rosto sereno e adorável. A tranqüilidade, Freddie percebeu,
originava-se da felicidade. A idade trouxera almas linhas ao seu rosto, mas nenhuma era de preocupação ou
descontentamento.
__ Quando você aprender, ensinará aos seus filhos. – Nadia virou-se e apontou a colher de pau para
Bess, que deu de ombros.
__ Que idéia horrorosa! Na semana passada, Carmen esvaziou um saco inteiro de farinha sobre sua
cabeça e depois adicionou alguns ovos.
__ Você está indo pelo caminho certo nas aulas. – A senhora sorriu. – E seus filhos também. Eu lhe passei
receitas que minha avó me deu. Freddie, você fez o Kiev de frango que lhe ensinei?
__ Sim, vovó. – Incapaz de resistir, deu um sorriso presunçoso para Bess. – Quando estiver instalada em
minha casa nova, farei um jantar para você e vovô.
__ Exibida... – resmungou a tia.
Ouviram-se cumprimentos, perguntas e gritos vindos da sala de estar. Nadia abriu a porta do forno para
ver se a carne já assara.
__ Nick chegou – anunciou. – A comida logo ficará pronta.
Em um gesto que julgou casual, Freddie levantou-se e foi até o balcão servir-se de uma taça de vinho.
__ Quer uma bebida gelada, tia Bess?
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__ Acho que um copo de suco. – Com a língua entre os dentes, ela fatiava o pepino, concentrada. – Como
estará o jogo?
__ Eu estava pensando o mesmo – murmurou Freddie, assim que a porta da cozinha se abriu.
Lá estava Nick, com um imenso buquê de flores do campo na mão direita, uma criança na outra e mais
uma agarrada à sua perna.
__ Sinto muito pelo atraso. – Ofereceu o buquê a Nadia, com um beijo.
__ Você só me trouxe as flores para não levar bronca, não é, seu safado?
Nick sorriu.
__ E funcionou?
__ Você é um mau garoto, Nick. Coloque-as na água, por favor. Escolha um bom vaso.
Sem se importar com as crianças ao seu redor, Nick abriu um armário.
__ Carne assada – adivinhou, olhando para Laurel em seu colo. – Quase tão saborosa quanto garotinhas.
Laurel sorriu e o abraçou com mais força.
__ Eu também quero colo.
Nick olhou para o garoto puxando seu jeans.
__ Já vai, Kyle. Espere até eu ficar com as mãos livres.
__ Filho, aguarde tio Nick terminar de arrumar as flores da vovó. – Bess pegou o copo de suco que Freddie
lhe ofereceu. – Obrigada, querida.
__ Mas, mamãe, ele pegou Laurel.
__ Espere a sua vez. – Nick colocou as flores no vaso e então abaixou-se para pegar o garoto. Com as
mãos cheias de novo, virou-se e olhou para Freddie.
__ Olá, querida. Como vai?
__ É você quem tem de me dizer. – Ela pôs-se estudá-lo. Por que tinha de parecer tão lindo com a crianças
em volta e os olhos tão cheios de alegria? – Você teve notícias de Reed?
__ Hoje é domingo – relembrou ele. – Reed está com a família na casa de campo, em Bar Harbor ou em
qualquer outro lugar. Saberemos dele daqui a alguns dias.
Se demorasse mais um pouco, Freddie explodiria.
__ Reed deve ter tido uma reação.
__ De fato, não.
__ Ele escutou a fita?
Nick fez cócegas na barriga de Kyle, que pedia atenção.
__ É lógico que sim.
Mudando de humor, o garoto esticou os braços para Freddie. Ela pegou-o e acomodou-o em seu colo.
__ Então, o que Reed disse quando ouviu a gravação?
__ Não muito.
__ Deve ter feito algum comentário. Esboçado uma reação.
Nick encolheu os ombros e riu. Pegou um pedaço de cenoura na travessa que Bess enfeitava e levou um
tapa na mão.
__ Por Deus, Bess! Quem perceberá?
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__ Eu. Estou aqui fazendo um trabalho de apresentação. Cor, textura e forma. Pegue esta. – Bess ofe-
receu uma cenoura que acabara de descascar.
__ Obrigado. Por falar nisso, Freddie, por que não brinca de casinha por alguns dias? – Nick mordeu a
cenoura e mastigou, pensativo. Gostava de ver o modo como os olhos acinzentados se enchiam de fúria. Seus
lábios também pareciam inchar. – Arrume o seu novo apartamento. Faça umas compras. Telefonarei quando
tiver alguma novidade.
__ Você quer que eu fique esperando?
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Como se pretendesse mostrar-se simpático a Freddie, Kyle apoiou a cabeça no ombro dela e fez uma
careta para Nick.
__ "Você quer que eu fique esperando?" – imitou o garoto.
__ É o que temos de fazer. E nem pense em telefonar para Valentine e querer descobrir algo. Sei que ele
é um grande amigo da sua família, mas não é assim que costumo trabalhar.
Freddie podia reclamar apenas em silêncio.
__ Não vejo qual seria o problema de...
__ Não – interrompeu Nick e, passando a cenoura da qual terminara de tirar um pedaço para as mãos de
Freddie, saiu da cozinha com Laurel.
__ Cabeça-dura, teimoso, sabe-tudo! Tia Bess, quando você tem contatos, não os usa?
Bess tomou um súbito interesse na forma exata de fatiar um cogumelo.
__ Sabe, depende da situação.
__ Nick é um idiota temperamental – resmungou Freddie.
__ Idiota – concordou Kyle, enquanto ela o colocava no chão. Os dois também deixaram a cozinha.
__ Eles são crianças em um minuto, homens e mulheres logo em seguida – comentou Nadia.
__ É difícil ser adulto.
Pensativa, Nadia moldava os biscoitos.
__ Nick está preocupado demais com Freddie.
Bess ergueu a cabeça. Não sabia ao certo se a sogra percebera o mesmo. É claro que sim. Quando se
tratava da família, ela não deixava nada escapar.
__ E Freddie também – respondeu Bess. As duas mulheres caíram na risada.
__ Ela fará o possível para tentar colocá-lo na linha.
Bess concordou.
__ E ele impedirá que Freddie seja muito impulsiva.
__ Nick tem tanta bondade dentro do coração. Uma necessidade muito grande de constituir família
também.
__ Os dois têm.
__ Acho isso ótimo.
__ É maravilhoso! – concordou Bess, erguendo o copo de suco num brinde.
Essa foi a primeira de uma das inúmeras conversas sobre o mesmo tema: Freddie e Nick. Na certa, eles
ficariam estupefatos só de ouvir.
Em casa, Bess, aninhada nos braços de Alex, estava meio dormindo, meio acordada. O primeiro trimestre
de gravidez sempre a deixava preguiçosa como um gato em uma noite de inverno.
__ Alex?
__ Hum? – Ele afagou-lhe os cabelos e continuou assistindo ao filme na televisão. – Quer alguma coisa?
Os dois acompanhavam cada estágio da gravidez como se ainda fosse a primeira.
__ Acho que ainda temos um pouco de morangos e creme de amendoim na geladeira, querida.
__ Bem... – Bess pensou melhor e meneou a cabeça. – Não, acho melhor ficarmos sossegados esta noite.
– Sorriu quando o marido acariciou-lhe a barriga. – Na verdade, eu estava pensando em Freddie e Nick.
Lembrando-se da promessa que fizera à sobrinha, se manteve indiferente.
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__ O quê?
__ Você acha que eles sabem que são loucos um pelo outro ou ainda não se deram conta do que está
acontecendo?
__ Como assim? – Alex sentou-se na cama e olhou para a mulher, despenteada. – Não estou entendendo.
__ Não consegui me decidir. – Bess também mudou de posição. – Acho que é um pouco estranho para
ambos, dadas as circunstâncias.
Alex respirou fundo. Por que continuava a se iludir com a maneira livre e improvisada de Bess em começar
um assunto delicado?
__ Estranho... – resmungou ele. – Como sabe que eles se amam?
Bess, num esforço supremo, abriu os olhos.
__ Quantas vezes tenho de lhe dizer que os escritores são tão observadores quanto os policiais? Você
percebeu, não é mesmo? O jeito como eles se olham, como um fica rondando o outro.
__ Talvez. – Não tinha certeza se já se acostumara à idéia. – Alguém tem de conversar com Natasha.
Bess estava decidida a dormir.
__ Alex, comparados a uma mãe, os policiais e escritores são burros, tolos e cegos. Boa noite, meu amor.

Do outro lado da cidade, Raquel e Zack terminavam de colocar os filhos na cama. Ela soltava as tranças
da filha, e seu marido enfiava um coelho surrado debaixo do braço esquerdo da menina.
__ Lilah se parece cada vez mais com você – murmurou Zack, enquanto a observava dormindo.
__ A não ser pelo queixo dos Muldoon. Teimoso feito pedra.
De braços dados, o casal saiu do quarto e caminhou para o dos meninos, que soltaram um longo suspiro
em uníssono.
__ Se você fosse um bom pai, conseguiria encontrar seus filhos no meio do monte de brinquedos, jogos e
almofadas espalhados pelo chão e pela cama. Uma bagunça.
O braço de Jake caía da cama em cima de um urso branco gigante. Ao lado, Gideon dormia, imóvel.
__ Você tem certeza de que são seus? – perguntou Raquel, colocando o filho mais velho no meio da
cama.
__ Eu me faço a mesma pergunta todos os dias. Peguei Gideon contando para os filhos de Mik que, se
eles fizessem uma corda com lençóis e pulassem da janela do quarto do avô, conseguiriam sair voando por
Manhattan.
Raquel fechou os olhos e riu baixinho.
__ Não me diga! Algumas coisas é melhor nem sabermos. – Colocou a cabeça de Gideon no travesseiro e
cobriu-o com o lençol.
__ Querido, como você se sente em relação a Freddie e Nick?
__ Sobre estarem trabalhando juntos? Eu acho excelente. – Zack xingou quando pisou na asa de um
avião. – Droga!
__ Eu já lhe disse para usar botas de alpinismo quando entrar no quarto dos meninos. E não foi isso o que
quis dizer. Quero saber o que você acha sobre o romance.
Zack parou no mesmo instante e encarou a mulher através da escuridão.
__ Romance? Que romance?
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__ Nick e Freddie. Continue com a inspeção, Muldoon.


Zack olhou para o chão e procurou se desviar dos brinquedos.
__ Do que você está falando?
__ Sobre o fato de Freddie estar apaixonada por Nick. E sobre o fato de ele colocar as mãos nos bolsos
sem saber como agir quando a vê. Como se temesse ser tocado...
__ Vá com calma. Espere aí! – Zack ergueu a voz, e Raquel o empurrou para fora do quarto. – Você está
querendo me dizer que eles estão apaixonados?
__ Eu diria que muito mais que isso. – Divertindo-se, ela meneou a cabeça. – Qual é o problema,
Muldoon? Você está preocupado com seu irmão caçula?
__ Não. Sim. Não. – Frustrado, Zack passou a mão pelos cabelos. – Tem certeza?
__ É claro que sim. E se você parasse de olhar para Nick como se ele ainda fosse um adolescente, já teria
percebido também.
Zack apoiou-se de costas na parede do corredor.
__ Talvez eu tenha notado algo diferente, quando comentei que Freddie tinha saído com um amigo nosso.
Raquel sorriu.
__ Aposto como ele teve uma crise de ciúme. Gostaria de ter presenciado a cena.
__ Nick estava pronto para me estrangular por eu tê-los apresentado. – Devagar, os lábios de Zack se
curvaram em um belo sorriso. – Não acredito... Freddie e Nick. Quem imaginaria?
__ Qualquer pessoa esperta. Ela gosta dele faz anos.
__ Tem razão. E Freddie pode ser um doce de pessoa, mas não é uma mulher fácil de conquistar. Eu diria
que meu irmão caçula enfrentará muitos problemas. – Olhou outra vez para a mulher, que tinha os cabelos
soltos. Usava um delicado roupão de seda que começava a escorregar pelos ombros. Zack sorriu ainda mais.
– E falando em romance, meritíssima, tenho uma idéia que pode agradar o tribunal.
Inclinando-se para a frente, sussurrou-lhe algo ao ouvido que a deixou com água na boca.
__ Bem, acho que é uma sugestão bastante interessante, Muldoon. Por que não discutimos o assunto em
um lugar mais sossegado?
__ Temi que você não fosse sugerir...

Na grande casa em Connecticut, Sidney estava estirada sobre o marido. Seu coração ainda batia feito um
tambor e seu sangue cantava em harmonia.
Surpreendente, pensou ela. Depois de todos aqueles anos, ainda não se acostumara ao que Mikhail era
capaz de fazer com seu corpo. E torcia para que isso jamais acontecesse.
__ Frio? – murmurou ele, passando a mão pelas costas nuas.
__ Você está brincando? – Sidney ergueu o rosto e encontrou os olhos do marido no parco brilho das
velas. – Você é tão lindo, Mikhail...
__ Não comece...
Sidney deu uma risadinha e traçou uma linha de beijos no peito musculoso.
__ Eu te amo, Mikhail.
__ Assim, tudo bem. – Ele suspirou quando ela aconchegou-se ao seu lado.
Por um tempo, ficaram abraçados, apenas observando a dança das sombras.
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— Acha que teremos um casamento em breve, Sidney?


Não foi necessário perguntar nada. Embora ainda não tivessem discutido o assunto, ela entendeu muito
bem o que Mikhail queria dizer.
__ Nick ainda não tem certeza de seus atos, de seus desejos. Acho que Freddie sabe o que quer, mas não
como agir. É adorável ficar observando os dois se olharem.
__ Isso me faz lembrar de outros tempos. De outro casal.
Sidney olhou para o marido.
__ Verdade, querido?
__ Você era muito teimosa.
__ E você, um poço de arrogância.
__ Sim. – Mikhail não se ofendeu. – E, se eu tivesse sido menos arrogante, agora você seria uma
solteirona casada apenas com o trabalho. Mas eu a salvei.
__ E, agora, quem irá salvá-lo? – perguntou Sidney rolando para cima dele.

Sem saber do interesse da família, Freddie pegou o telefone sem fio em seu novo apartamento. Quase
dançando de excitação, discou os números, depressa. O pai estaria dando aula a essa hora do dia, mas a mãe
se encontraria na loja de brinquedos.
__ Mamãe! – Segurando o telefone, caminhava da sala para a cozinha, da cozinha para o quarto e depois
voltava. Estava adorando seu novo lar. – Adivinhe onde estou? Sim. – Seu riso ecoou pelos cômodos vazios. –
É maravilhoso. Não vejo a hora de recebê-los aqui. Quero que todos conheçam o meu canto. Sim, eu sei, no
aniversário de casamento deles. Tudo é fabuloso. – Piruetou sobre o tapete oriental que comprara na loja
indicada por Sidney. – Fui almoçar na casa de vovô no domingo. Vovó fez carne assada. Estava tudo divino.
Um presente? – Freddie parou para prestar mais atenção. – Do papai? Sim, ficarei aqui o dia todo. O que é?
Freddie sorriu e recomeçou a dançar.
__ Tudo bem, mãe, serei paciente. Recebi as louças que você me mandou. Obrigada, mãe. Até forrei o
armário da cozinha com toalhinhas de crochê para recebê-las. Também comprei alguns utensílios de primeira
necessidade.
Pegou um cookie do pote em cima da geladeira e voltou para a sala.
__ Não, ainda não vou comprar uma cama. Espero que você mantenha o meu quarto aí. Assim, sei que
sempre continuarei a ser querida em casa. Ah, fale para Brandon que ainda não consegui ir até o estádio de
futebol, mas vou tentar assistir a um jogo a semana que vem. E já comprei ingressos para um balé.
Dois ingressos, pensou. E levaria Nick de qualquer jeito.
__ Fale para Katie que prestarei atenção em cada movimento, em cada passo dos bailarinos e depois lhe
contarei tudo com detalhes. Ah, e diga a papai que... Mamãe, tenho tantas novidades para contar! Vocês
ficarão cansados de escutar a minha voz quando vierem para cá. Espere um pouco. O interfone está tocando.
Sim, pode ficar sossegada, não deixarei qualquer pessoa subir. Só um instante.
Na cozinha, Freddie atendeu ao aparelho:
__ Alô?
__ Srta. Freddie Kimball? Entrega para você.
__ Vovô?! – berrou ela.
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__ Quem achou que fosse? Frank Sinatra?


__ Suba! É o 5D.
__ Eu sei, minha querida.
__ Sim, mãe, é vovô – falou Freddie, voltando ao telefone. – Ele quer conversar um pouco com você, se
der tempo.
Destrancou a porta e deixou-a aberta.
__ Você precisa ver, mamãe. O elevador é daqueles antigos, com grades de ferro e tudo o mais. E o meu
vizinho da frente é um poeta que só usa preto e tem um forte sotaque britânico. Acho que ele não calça
sapatos. Nunca. Está sempre descalço. O elevador chegou. Vovô!
Yuri não estava só. Atrás dele saiu Mikhail, com uma caixa enorme nas mãos.
__ Panelas, tigelas plásticas e travessas – informou, quando colocou-a no chão. – Sua avó teme que você
não tenha o equipamento necessário para cozinhar.
__ Obrigada. Estou falando com mamãe.
__ Deixe-me ter uma conversa com ela. – Mikhail pegou o telefone, e Yuri aninhou Freddie nos braços.
Era um homem alto e encorpado, e a abraçou como se não se vissem havia anos.
__ Como está a minha boneca?
__ Muito bem.
Yuri exalava uma mistura de aromas: hortelã, tabaco e uma doce combinação que Freddie associava a
amor e perfeita saúde.
__ Venha conhecer o apartamento, vovô.
Yuri ajeitou o cinto e analisou a sala de estar.
__ Você precisa de algumas estantes.
__ Bem... – começou Freddie, abraçando-o pela cintura. – Ia perguntar se você conhecia algum car-
pinteiro que pudesse me ajudar...
__ Vou fazer as prateleiras. Onde estão os móveis?
__ Estou comprando tudo aos poucos.
__ Tenho uma mesa linda na minha loja. Ela ficaria perfeita aqui. – Yuri apontou para a janela. Depois foi
até lá para ver se fechavam direito. – Ótimo.
Passou então a verificar o armário da cozinha e a altura do balcão, quando Nick entrou.
__ E então, você veio esvaziar a caixa?
__ Não. – Nick presenteou Freddie com um imenso buquê de rosas vermelhas e um vaso de planta. – Vim
trazer um presente de boas-vindas ao novo lar.
Freddie não teria gostado mais se fosse um anel de diamantes.
__ Que lindas, Nick!
__ Lembrei-me de que gostava de jardinagem. Imaginei que ainda não tivesse comprado plantas. Espero
que tenha um vaso para colocar as rosas. – Com as mãos nos bolsos, estudou a sala. – Não deveria deixar a
porta aberta.
__ Não posso dizer que estou sozinha. Tenho vários protetores.
__ Papai, Natasha quer falar com você. Freddie, temos algo para beber? – perguntou Mikhail.
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__ Na geladeira. Fique à vontade – disse para o tio, sem tirar os olhos de Nick. – Então, você veio para
conhecer o meu novo lar e dar o seu parecer de aprovação?
__ Mais ou menos.
Nick passou a explorar a sala; foi até o quarto, que tinha apenas um closet cheio de roupas, algumas
caixas e um tapete que deveria ter custado muito caro.
__ Onde pretende dormir, Freddie?
__ Comprei um sofá-cama que chega hoje. Quero escolher minha cama com toda a calma do mundo.
__ Hum.
Área perigosa, pensou Nick. Imaginou-os deitados, lado a lado. Em qualquer cama.
__ Você precisa manter a janela fechada – disse, aproximando-se. – Essa escada de incêndio é um con-
vite para os ladrões.
__ Não sou tonta, Nick.
__ Não, você é apenas um pouco ingênua. Ainda não sabe o que é morar sozinha. – Olhou para cima a
tempo de pegar a lata de refrigerante que Mikhail lhe jogou. – A janela necessita de um cadeado.
__ Já contratei uma pessoa para tomar conta disso Nick. Ele vem às duas horas. Mais alguma coisa
papai?
Nick sorriu e preparava a resposta mais adequada quando o interfone tocou de novo. Outra entrega para a
Srta. Freddie Kimball.
__ Acho que é o sofá.
Nick acendeu um cigarro e olhou ao redor em busca de um cinzeiro. Encontrou uma saboneteira de
porcelana em formato de cisne. Não era o sofá. Freddie ficou boquiaberta e com os olhos arregalados quando
avistou três homens musculosos carregando um piano.
__ Onde devo colocá-lo, senhorita?
__ Ah, meu Deus! Ah, meu Deus! Papai! – Seus olhos se encheram de lágrimas no ato.
__ Coloque ali – ordenou Nick, enquanto Freddie enxugava o rosto molhado. – É um Steinway. Perfeito.
Não podia ser outro para a nossa pequena.
__ Fique quieto, Nick! – Ainda emocionada, Freddie pegou o telefone das mãos de Yuri. – Ah, mamãe! É
lindo!
Os homens foram embora e a deixaram falando com Natasha.
"Eu deveria ter ido junto", pensou Nick quando se descobriu sozinho com Freddie, meia hora depois. Ela
ficou estudando o piano, tocando e chorando ao mesmo tempo.
__ Pare com isso, Freddie – pediu Nick, acomodando-se no banco.
__ Algumas pessoas não têm vergonha de exteriorizar as suas emoções. Toque comigo.
__ Está bem – respondeu, preferindo ignorar comentário.
__ Agora nós também poderemos trabalhar aqui, se quisermos – sugeriu Freddie. Depois de um instante,
começou a tocar. – Isso é, se tivermos um projeto para trabalhar.
__ Ah... – Encantado com o piano, Nick pôs-se a tocar um blues, obrigando Freddie a acompanhá-lo. –
Escute isso.
__ Sou toda ouvidos. – Pegou o ritmo bem depressa. – O que me diz disso?
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__ Você perdeu o tempo, Freddie. Fique atenta. Esqueci de lhe dizer: teremos muito trabalho neste fim de
semana.
Ela parou de tocar e ficou apenas a observá-lo.
__ Não consigo respirar, Nick.
__ Que tal inalar e expirar o ar?
__ Não consigo. Estou pasma. Eles gostaram?
__ Adoraram. Valentine me contou que Madeleine O'Hurley achou que era o melhor número de abertura
de toda a sua carreira e que queria mais, muito mais. Ela também se apaixonou pela canção de amor. É lógico,
foi a minha melodia que a tocou.
__ Deixe disso, LeBeck!
__ Não comece de novo. Você é uma profissional.
__ Sou compositora. – Deliciada com o sucesso, Freddie jogou-se nos braços dele. – Nós somos uma
equipe.
__ Acho que sim.
O rosto de Freddie estava em seu pescoço.
__ Você vai ter de parar de usar isso.
__ Isso o quê, Nick?
__ O seu perfume. Ele me distrai.
Freddie estava nas nuvens, e não se preocuparia em tomar cuidado com as palavras.
__ Eu gosto de distraí-lo.
Freddie ergueu um pouco a cabeça até encontrar o lóbulo da orelha de Nick. Ele quase cedeu à vontade
de virar-se e beijá-la na boca.
__ Pare, Freddie. – Segurando-a com firmeza pelos ombros, empurrou-a. – Temos um relacionamento
profissional. Não quero misturar trabalho com...
__ Com o quê?
__ Hormônios. Nós já passamos da época de pensar com as glândulas.
Freddie passou a língua entre os lábios.
__ Estou incomodando as suas glândulas, Nick?
__ Fique quieta! – Levantou-se, sabendo que era melhor manter-se distante. – Precisamos estabelecer
algumas regras básicas.
__ Tudo bem. – Freddie não conseguia parar de sorrir. – E quais são?
__ Eu a informarei. Por enquanto, somos parceiros profissionais. – Decidiu que não selaria o acordo com
um aperto de mãos. Não com mãos tão incríveis e macias como as dela.
__ Profissionais – concordou Freddie. Meneou a cabeça e cruzou as pernas, com sensualidade. – Então,
quando começamos... parceiro?
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Capítulo 6

N
ick sabia que a mente de Freddie não estava concentrada no trabalho. Eles haviam se entendido
muito bem por duas semanas, mas, com a aproximação da chegada de sua família a Nova York
para a comemoração do aniversário de casamento de Nadia e Yuri, ela começara a se dispersar.
Não que estivesse bravo com Freddie, de verdade, mas desagradava-o o modo como pulava de um
assunto para o outro: uma nova receita de canapês que acabara de dar a Patrick, a luminária art déco que
comprara para a sala, as músicas que compusera para o segundo ato do musical, bem aquém de sua
capacidade, não permitiam que chegassem a um resultado efetivo.
__ Por que você não sai para fazer compras, vai à manicure? Faça alguma coisa importante.
Freddie olhou para Nick com calma e fez o possível para não olhar de novo para o relógio. Sua família
chegaria em menos de três horas.
__ Duvido que se Bill Gates tirar um dia de folga da Microsoft entrará em crise, Nick.
__ Nós temos uma obrigação. Costumo levá-las a sério.
__ Eu também. Estou falando de apenas algumas horas.
__ Algumas hoje, algumas amanhã. – Nick recusou-se a olhar para Freddie e virou a folha da partitura. –
Você já teve tempo de sobra nesses últimos dias. – Apagou o cigarro que queimava no cinzeiro. – Deve ser
duro ter de abrir mão da vida social pelo trabalho.
Freddie respirou fundo, tentando manter o autocontrole. Em vão.
__ Deve ser duro ter sempre a criatividade em guerra com a hipocrisia.
Ela acertou em cheio. Agora foi Nick quem perdeu a calma.
__ Por que não continua fazendo o seu trabalho? Não posso mais ficar carregando-a nas costas.
__ Ninguém precisa me carregar nas costas. Eu estou aqui.
__ Apenas fisicamente. Por que você não tenta contribuir com algo para que possamos ganhar dinheiro e
pagar o aluguel? Algumas pessoas não têm o apoio financeiro do papai e precisam trabalhar para viver.
__ Isso não é justo.
__ É a realidade, criança. E eu não quero um parceiro que apenas escreve as letras quando sua agenda
lotada permite.
Freddie virou-se no banco para encará-lo.
__ Tenho trabalhado tanto quanto você, todos os dias, há quase três semanas.
__ A não ser quando tem de comprar lâmpadas, lençóis ou esperar a entrega da sua cama.
Nick a estava atormentando. Mesmo sabendo disso, Freddie aceitou a provocação.
__ Eu não teria de tirar tantas "folgas" se você aceitasse trabalhar no meu apartamento.
__ Ótimo. E engolir poeira e agüentar barulho enquanto Yuri monta suas prateleiras.
__ Preciso delas. – Freddie fez o possível e o impossível para dominar o temperamento que Nick
provocava cada vez mais. – E não tenho culpa por a entrega da cama ter atrasado em três horas. Terminei o
refrão do primeiro solo no segundo ato, enquanto esperava.
__ Avisei que era um trabalho penoso. – Ignorando-a, Nick começou a tocar.
__ Está bom.
__ Não, precisa ser aperfeiçoado.
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Freddie bufou, enfurecida, recusando-se a entrar no jogo infantil.


__ Tudo bem. Aperfeiçoarei a letra. Seria mais fácil se a melodia não estivesse tão monótona.
__ Não venha me dizer uma tolice dessas. Se não consegue bolar uma letra que se adapte, eu o farei
sozinho.
__ Verdade mesmo? Você também tem tanto jeito para escrever, não? – O sarcasmo foi evidente. Freddie
levantou-se do banco. – Vá em frente, lorde Byron, escreva um pouco de poesia romântica para nós.
Quando os olhos de Nick se encontraram com os dela, estavam cheios de fúria, soltando chispas.
__ Não tente me atacar com a sua excelente educação, Freddie. Freqüentar a escola não a torna uma
compositora, muito menos os bons relacionamentos. Estou sendo camarada, e o mínimo que tem a fazer é
compor uma letra que se encaixe com o tempo.
__ Você está sendo camarada?! – gritou, furiosa. - Seu idiota e prepotente! Sei muito bem o que tenho de
fazer. Não preciso da sua ajuda. E, se não estiver contente com os meus hábitos de trabalho ou resultados, fale
com os produtores.
Freddie foi até a mesa e pegou a bolsa.
__ Aonde você pensa que vai?
__ Vou fazer as minhas unhas, como você sugeriu. – Caminhou até a porta antes que Nick a alcançasse.
__ Nós ainda não terminamos o trabalho, Freddie. Sente-se e se faça merecedora do seu salário.
Freddie sentiu vontade de esbofeteá-lo, mas decidiu manter a dignidade.
__ Vamos esclarecer uma coisa. Nós somos parceiros. Parceiros, Nick. Isso significa que não é meu
chefe. Não confunda o fato de eu ter permitido que você comandasse com subordinação.
__ Você permitiu que eu comandasse? – repetiu Nick, indignado.
__ Isso mesmo. E tolerei suas mudanças repentinas de humor, seu desleixo e seu hábito indulgente de
dormir até o meio-dia. Preferi atribuí-los à sua criatividade. Aceitei trabalhar de acordo com seu estilo de vida,
tive de me acostumar aos seus horários e até me esforçar para tentar compor letras que melhorassem
melodias de segunda categoria.
Os olhos de Nick soltavam faíscas. Em outra ocasião, Freddie poderia ter se encantado com o tempe-
ramento explosivo; não hoje.
__ Alguém a obrigou? Acho que não. Então, pare de agir como uma garota mimada, engula essa fúria e
volte ao trabalho.
Freddie acertou uma cotovelada na barriga dele. Nick ficou resmungando e observando Freddie
__ Não me aborreça! – gritou, saindo e batendo a porta.
Nick quase foi atrás dela. Mas não sabia se a estrangularia ou se a levaria para a cama. As duas opções
seriam um erro.
O que acontecera com Freddie?, imaginou, caminhando para o piano, massageando a barriga dolorida.
Ela sempre concordara com tudo, até se demonstrara um pouco tímida em determinadas circunstâncias e era
doce feito uma rosa.
"É isso o que acontece quando garotas se tornam mulheres", decidiu. Uma crítica construtiva. Droga, a
música precisava melhorar... Ela não se esforçara para compor as letras. E Nick era o primeiro a admitir que,
quando bem-feitas, as letras de Freddie eram excelentes.
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Nick passou o indicador pela madeira do piano. Bem, talvez não tivesse admitido. Não exatamente. E
Freddie sabia como ele se sentia. Devia saber.
Descontente, pressionou as têmporas. Talvez tivesse sido um pouco duro demais com ela. Freddie
sempre fora bem tratada e mimada. Isso se tornava evidente quando ela dava preferência aos compromissos
sociais em vez do trabalho.
Quanto tempo demorava para alguém ajeitar a casa? Depois da mudança de Raquel e Zack, ele colocara
tudo em ordem em algumas horas.
Franzindo as sobrancelhas, Nick virou-se e olhou para a sala. Aquela era sua grande bagunça. E a
adorava!
Não, para ser sincero, não agüentava mais. Mas sempre que se prontificava a arrumá-la, surgia algo mais
importante para fazer. Tinha de pintar as paredes, lavar os azulejos, jogar fora a cadeira com o pé quebrado.
Não era um problema tão grande: poderia livrar-se de tudo em menos de um final de semana. Não pre-
cisava de um palácio como o apartamento que Freddie alugara a poucas quadras. Trabalharia em qualquer
lugar.
O que o irritava um pouco era o fato de que quanto mais tempo passava em casa, mais bagunçada e suja
ela parecia. Mas não devia satisfações de sua vida a ninguém. E não precisava ouvir comentários sobre seu
estilo de viver.
Determinado a tirá-la da cabeça, Nick sentou-se e começou a tocar. Depois de cinco minutos, fez uma
careta. Tinha de admitir: a melodia estava monótona.

Em casa, Freddie dava os toques finais no lanche que preparara para receber os pais e irmãos. Já se
arrependera de não ter alugado um lugar maior. Se tivesse escolhido um com dois quartos, metade da família
não teria de ficar na casa de Alex e Bess.
Ainda tinha algumas coisas para ajeitar antes da reunião; queria que tudo estivesse perfeito.
Um grande problema. Tudo sempre tinha de ser perfeito para satisfazê-la. Bom não era suficiente. Mara-
vilhoso também não. Tinha de ser a perfeição. E magoara Nick por ele não ser perfeito.
Ele mereceu, pois fora bem duro com ela. Imagine só, chamá-la de criança mimada! E também insinuara
que Freddie apenas brincava com o trabalho. Ficou muito magoada, pois queria ser respeitada tanto quanto
amada por Nick. E a dor era maior ainda porque ele não compreendera nada, nem o quanto o trabalho
significava.
Sua vinda para Nova York fora um desafio. Escrever a letra das músicas para o musical era a realização
de um grande sonho, mas também uma atividade extenuante. E o medo de falhar sempre ficava a rondá-la.
Será que Nick não percebia que, se Freddie falhasse como parceira, falharia com tudo o que sempre
sonhara? Não se tratava apenas de um trabalho. Era o significado de sua vida.
Seus olhos se encheram de lágrimas; portanto, decidiu concentrar-se na noite que teria pela frente.
Irritada consigo mesma, repreendeu-se quando quase fatiou o dedo, e não o talo de aipo. Seria bárbaro ter
toda a família reunida em um único lugar, celebrando a duração e a beleza do casamento. Como achava uma
ocasião muito importante, decidiu cuidar sozinha dos preparativos para a celebração das bodas. Encomendara
flores, ajudara Patrick a preparar o cardápio e se dedicara a inúmeros outros detalhes.
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Enquanto Nick ainda dormia, Freddie estivera no Lower the Boom, decorando o bar. Ela, Zack e Raquel
tinham lavado todo o local, sem esquecer nem ao menos um canto, para que tudo ficasse brilhando. Bess a
ajudara a encher as bexigas, e Alex ficara ajustando o som. Sidney e Mikhail ficaram na cozinha auxiliando
Patrick.
Todos ajudaram, pensou. A não ser Nick...
Não, não iria pensar nele. De jeito nenhum. Tinha de se preocupar apenas em deixar a festa especial para
os avós.
Quando o interfone tocou, Freddie deu um pulo, assustada, e olhou ao redor para se certificar de que tudo
continuava em ordem.
__ Alô?
__ A tripulação Kimball acabou de aterrissar aqui
__ Papai! Vocês chegaram cedo! Subam depressa!
__ Estamos a caminho.
Freddie correu para a porta e abriu-a. Incapaz de esperar, foi para a frente do elevador com o coração aos
saltos.
Ela os viu primeiro através das grades, quando o elevador parou. Os cabelos loiros do pai, cheios de fios
brancos e os olhos escuros e penetrantes da mãe. Brandon vestia uma camiseta do time favorito, e Katie sorria
de orelha a orelha.
__ Freddie, que lugar ótimo! – Tão alta quanto a irmã, Katie jogou os braços em volta do pescoço dela. –
Há uma escola de balé na esquina. Pude ver as bailarinas ensaiando pela janela.
__ Grande coisa... – comentou Brandon. – Onde está a comida?
__ Esperando por você – garantiu Freddie. Brandon era uma mistura espetacular dos pais, um jovem loiro
e exótico. Faria muito sucesso com as garotas dali a alguns anos.
__ Papai! Que bom! – Freddie ficou na ponta dos pés para abraçá-lo. – É tão bom vê-lo... Senti tanta
saudade de vocês todos. – Piscou para evitar as lágrimas inesperadas quando abraçou Natasha. – Que alegria
ver vocês, mamãe!
__ Nós também sentimos muito a sua falta. A casa já não é mais a mesma. Mas olhe só para você. –
Natasha abraçou-a. – Tão magra e elegante... Spencer, onde está a nossa garotinha?
__ Continua aqui. – Spencer abaixou-se para beijar a filha. – Trouxemos algo para você.
__ Mais presentes? – Freddie colocou-se entre os dois e levou-os para dentro. – Ainda nem me acostumei
com o piano. É lindo, papai!
Spencer concordou, estudando o belo instrumento. A madeira escura brilhava com os reflexos do sol.
__ Você escolheu o lugar perfeito para colocá-lo. – Freddie já ia dizer que Nick o colocara ali, mas mudou
de idéia. – Não poderia ter sido melhor.
__ Você só tem comida de coelho aqui, Freddie? – perguntou Brandon, voltando da inspeção à cozinha.
__ É tudo o que vai conseguir aqui. Guarde o apetite para a festa.
__ Mamãe, papai! – berrou Katie, do dormitório. Venham dar uma olhada!
__ A minha cama – explicou Freddie para os pais. – Chegou ontem.
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"Era maravilhosa", pensou, pela centésima vez. O espaçoso quarto lhe permitira escolher uma cama king-
size. Era um móvel de pau-marfim com a cabeceira alta e gavetões embaixo. Os criados-mudos combinavam e
havia um vasinho com flores sobre cada um. Uma bonita colcha de matelassê a cobria.
__ Uau! – Foi tudo o que Brandon conseguiu pronunciar com a boca cheia de aipo.
__ É linda, não? – Adorando-a, Freddie percorreu os dedos pela madeira.
__ Você vai dormir como uma princesa de um conto de fadas – murmurou Natasha.
__ Com certeza – concordou. Se alguém compreenda seus sentimentos, essa pessoa era sua mãe. – E
vovô fez as prateleiras da sala para eu colocar as esculturas que tio Mik fez para mim durante todos esses
anos. Comprei o espelho em um antiquário. – Olhou para a moldura envelhecida e sorriu. – Ainda não achei
nenhuma cômoda que me agradasse.
__ Você fez bastante em menos de um mês – notou Spencer. Havia uma pontada de tristeza em seu co-
ração. E achava que ficaria para sempre ali quando se lembrava que sua filhinha não moraria mais com eles.
Mas tinha o orgulho acima de tudo. – Ouvi dizer que você e Nick progrediram bastante nesse tempo.
__ Temos nossos altos e baixos. – Forçando-se a sorrir, Freddie voltou para a sala, onde encontrou
Brandon esticado no sofá e Katie olhando pela janela, tentando enxergar mais um pouco do ensaio de balé.

__ Ainda preciso me trocar para a festa – disse Freddie, mais tarde, depois de terem conversado um
pouco mais.
__ Precisamos chegar mais cedo. Você trouxe as passagens, pai?
__ Sim. – Ele mostrou o bolso do paletó. – Duas para Paris, com data de volta em aberto e uma reserva
para duas pessoas na suíte presidencial do hotel Ritz.
__ Nem consigo imaginar mamãe e papai em Paris – murmurou Natasha. – Depois de todos esses anos,
eles voltarem para a Europa dessa maneira...
Com carinho, Spencer passou a mão nos cabelos claros e cacheados.
__ Não é tão excitante quanto viajar pelas montanhas em um vagão.
__ Não. – Natasha sorriu. A lembrança da fuga da Ucrânia, o medo e a tristeza nunca se esvaíam. – Mas
acho que eles preferem ir de avião, com todo o conforto. – Natasha notou, desde que chegara, uma certa preo-
cupação nos olhos da filha. – Acho que você deve ir na frente com as crianças, Spencer. Veja se Zack precisa
de ajuda. – Natasha sorriu de novo, enviando uma mensagem silenciosa para o marido. – Ficarei aqui,
colocando as novidades em dia com Freddie.
A curiosidade apareceu, mas logo sumiu dos olhos de Spencer.
__ Vocês duas estão tramando algo. Guarde a primeira dança para mim – disse ele, beijando a mulher e
logo depois a filha.
__ Sempre, querido – respondeu, acenando para eles. Sozinhas, Natasha aceitou uma taça de vinho.
__ Mostre-me o que você vai vestir à noite, filha.
__ Quando comprei a roupa, achei que seria a mulher mais sensual da festa. – Freddie encheu-se de or-
gulho ao observar a mãe tão bela em um vestido longo de seda preta. – Depois de vê-la tão elegante assim,
acho que terei de me contentar com um simples segundo lugar.
Rindo, Natasha a seguiu para o quarto.
__ Não fale em sensualidade perto de seu pai. Ele ainda não está preparado para isso.
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__ Mas papai está bem, não é, mãe? Com relação à mudança, eu digo.
__ Spencer sente demais a sua falta, e às vezes olha o seu quarto como se esperasse encontrá-la na
cama de pijama. E eu também – admitiu Natasha, sentando-se na beirada da cama. – Sim, ele aceitou bem.
Mais do que isso. Nós dois temos muito orgulho de você, filha. Não apenas por causa da música, mas pela
pessoa maravilhosa que você é.
Natasha arregalou os olhos quando Freddie jogou-se no seu colo e caiu em prantos.
__ Ah, meu amor, minha querida! O que aconteceu? – Puxando-a mais para perto, afagou os cabelos da
filha. – Conte para a mamãe, filhinha.
__ Sinto muito. – Cedendo à emoção, ela aceitou o abraço de Natasha e chorou. – Acho que estou com
esse nó na garganta o dia todo, a semana toda. A vida toda. Acho que sou imatura e mimada.
Insultada, Natasha olhou para a filha.
__ Mimada? Você não é mimada, nem imatura. Quem colocou isso na sua cabeça?
__ Ninguém, mãe. – Insatisfeita consigo mesma, Freddie pegou a caixa de lenços no criado-mudo. – Tive
uma briga tão feia com Nick hoje...
"É lógico. Como não suspeitei antes?"
__ Sempre brigamos com as pessoas que gostamos, Freddie. Você não deve levar tão a sério.
__ Não foi uma discussão boba. Nós nos ofendemos. Ele não tem respeito por mim ou pela pessoa que
estou tentando ser. Resumindo, Nick quis dizer que, se minha mudança para Nova York fracassasse, eu vol-
taria correndo para vocês dois.
__ E nós a receberíamos de braços abertos se fosse o caso, você sabe. É por esse motivo que existem as
famílias. O fato de vir a precisar da ajuda de alguém não é sinal de fraqueza.
__ Sei disso... – Mas ouvir as palavras da mãe reiteravam a idéia. – Ele acha que... Ah, como eu queria
não me importar com o que Nick pensa! – acrescentou, com amargura. – Mas eu o amo. Eu o amo tanto!
__ Eu sei.
__ Não, mãe. – Respirando fundo, Freddie levantou-se e encarou Natasha. – Não é igual ao que sinto por
Brandon e Katie ou pelo restante da família. Amo Nick como homem.
__ Eu sei. – A dor no coração de Natasha diminuiu, à medida que afagava os cabelos de Freddie. – Achou
que não tinha percebido? Você parou de amá-lo como um irmão anos atrás. E essa transformação foi dolorosa.
Confortada, Freddie deitou-se outra vez nos ombros de Natasha.
__ Acho que não deveria amá-lo. Antes era tão simples... Olhe para mim, pareço um bebê chorão.
__ Você tem sentimentos, não? E tem o direito de expressá-los.
Freddie teve de sorrir, pois as palavras da mãe eram as mesmas que dissera a Nick alguns dias antes.
__ Eu os expressei hoje à tarde. Chamei Nick de idiota e prepotente.
__ Ele é prepotente.
__ E idiota! Também é bondoso e amável. Às vezes é muito difícil de perceber, pois ele se protege como
um caramujo.
__ A vida de Nick não foi nada fácil, Freddie.
__ A minha foi. Papai se esforçou bastante para chegar aonde está. E, depois, veio você para completar a
nossa alegria, com toda a família. Sei que Nick já era um homem quando entramos em sua vida, mas o
passado deixou marcas profundas. Eu o amo do jeito que ele é, mãe.
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__ Então você terá de aprender a lidar com o jeito dele, filha.


__ Estou começando a perceber agora – disse, com um sorriso no rosto. – Tinha um plano de ação em
mente. Mas não é tão fácil convencer um homem a se apaixonar por você.
__ E você queria que fosse simples?
__ Achava que sim. Agora já não sei mais o que vou fazer.
__ Pode facilitar uma parte. – Levantando-se, Natasha tirou o lenço das mãos da filha e limpou-lhe o rosto.
– Seja você mesma. Seja fiel a seu coração. Tenha paciência. – Sorriu ao ver a filha se animar. – Sei que é
difícil, mas seja paciente, meu bem. Você sabe o que acontece quando a gente mete os pés pelas mãos. Saiba
esperar.
__ Paciência... – Mais calma, Freddie suspirou. – Acho que posso tentar. Mamãe, eu sou mandona?
__ Um pouco.
__ Teimosa?
__ Digamos que sim.
Natasha beijou-lhe a ponta do nariz.
__ Uma mulher apaixonada sempre precisa ser mandona e mais do que teimosa. Agora, vá lavar o rosto.
Você vai ficar bonita e fazê-lo sofrer feito um cão.
__ Excelente idéia!

Nick decidiu que não guardaria nenhum ressentimento. Como era a noite de Nadia e Yuri, não a estragaria
por causa da desavença com Freddie. Embora ela merecesse.
Lá no fundo, sentia-se um pouco culpado. Ainda mais depois de descer para o bar e ver, em primeira mão,
o esforço que ela fizera para dar uma festa inesquecível ao casal. Se alguém o tivesse acordado, teria ajudado
com o maior prazer. Sorrindo, Nick bateu o dedo nos sinos.
Foi forçado a admitir que não teria se lembrado dos sinos. Ou das cestas e vasos de flores que alegravam
ambiente com cores e perfume. Ou das velas em elegantes candelabros de prata sobre cada mesa.
"Freddie deve ter tido o maior trabalho para providenciar tudo", pensou. "Portanto, Nick LeBeck, você
deveria ter sido um pouco mais paciente com ela."
Sabia que conseguiria perdoá-la.
__ Ei, Nick, você experimentou os canapês?
Ele virou-se e sorriu para Brandon.
__ Quase perdi o dedo por causa deles.
__ Patrick gosta mais de mim. – Esperto, o garoto enfiou depressa o canapê na boca. – Viu a cama nova
de Freddie?
__ Cama nova? – Nick sentiu-se consumido pela culpa, pelo medo e desejo. – É claro que não.
__ É uma verdadeira obra de arte. Do tamanho de um lago. – Brandon sentou-se na poltrona e esboçou
seu sorriso mais sedutor. – E, então, Nick, que tal um chopinho?
__ Acho uma boa idéia.
__ Para mim – falou o garoto, assim que o viu servir-se.
__ Só se for nos seus sonhos. – Olhou para trás ao escutar o barulho da porta e quase deixou o copo cair
ao chão.
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Natasha estava muito elegante com um vestido de seda preta, mas seus olhos foram direto para Freddie.
Ela parecia ter sido envolvida pela lua. O vestido tomara-que-caia prateado, justo, longo, a deixara des-
lumbrante. E a echarpe em seu pescoço! Maravilhosa. Não tinha outro adjetivo para descrevê-la. Sim, na ver-
dade tinha muitos outros. Seus cabelos estavam presos em um coque frouxo e desfiado. Freddie parecia ter
saído agora da cama do tamanho de um lago. Linda e doce.
Natasha correu para abraçá-lo, mas Freddie apelas sorriu com indiferença e desviou o olhar.
__ Terno novo? – perguntou ela, percebendo que tinha de dizer algo; afinal, ficara olhando, muda, para a
camisa de Nick. Ela adorava ternos azul-marinho, mas é claro que não iria dizê-lo.
__ Achei que a ocasião pedia.
Mas não uma gravata, notou Freddie. A camisa aberta e a cerveja na mão o deixavam com um ar
descontraído. Torceu para que Nick não lesse seus pensamentos. Ele não merecia seus elogios depois de seu
comportamento reprovável.
__ Você está muito elegante – afirmou Natasha.
__ Obrigado.
__ Tudo está perfeito. Foi adorável organizar a festa de vovô e da vovó. – disse Freddie, dando uma volta
para ver se tudo estava em ordem.
__ Fez um excelente trabalho – elogiou Nick. Tentava instaurar a paz entre ambos, mas ela olhou-o com
absoluto desinteresse. – Eu achei perfeito. Você deve ter perdido bastante tempo.
__ Tenho tempo de sobra, segundo o que dizem por aí. Brandon, que tal me dar uma mãozinha? Tio Mik
vai chegar daqui a pouco com os dois.
__ Não é Mik quem os trará para a festa.
__ Como assim, Nick? É lógico que é. Fui eu que organizei tudo.
__ E eu desorganizei. Contratei uma limusine para buscá-los.
__ Uma limusine?
__ Sim, copiei a idéia de uma pessoa – disse, sorrindo. – Afinal de contas, é aniversário de casamento
deles, e não apenas um jantar.
Freddie resmungou e respirou fundo.
__ Briga à vista – disse Brandon, se aproximando.
__ Que simpático da sua parte, Nick... – A voz dela estava fria e controlada de novo, o que desapontou
Brandon. – Tenho certeza de que eles adorarão. Mesmo sendo muito fácil pegar um telefone e alugar um carro.
Com licença, vou até a cozinha ajudar Patrick. – Virou de costas e saiu.
Irritado, Nick colocou a cerveja de lado. Parecia que a noite seria longa, bem longa...
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Capítulo 7

F
reddie detestou o fato de não conseguir ficar irritada com Nick. Distante, talvez. O bar estava
lotado de gente, o ambiente cheio de barulho e não era difícil manter-se afastada dele.
Estava muito contente com o que Nick fizera por seus avós.
De qualquer forma, não havia por que ficar remoendo o rancor. Havia brindes a serem feitos, o jantar e
várias danças.
Não que Nick a tivesse tirado para dançar. Ele cortejou suas tias, sua mãe, Nadia, amigas da família, ou
seja, quase toda a população feminina da festa. E, é óbvio, a sensual Lorelie.
Bem, se ele estava brincando de ser distante, Freddie seria ainda pior.
__ Que festa linda! – berrou John, perto de sua orelha.
__ Também acho. – Freddie tentou sorrir enquanto John a guiava pela pista de dança lotada. – Que bom
você ter vindo.
__ Não perderia a festa por nada neste mundo. Conheço os parentes de Zack há muito tempo e os adoro.
São pessoas maravilhosas.
__ As melhores. – Seu sorriso aumentou um pouco quando viu Alex dançando com Natasha. – As
melhores.
__ Eu estava pensando... – John perdeu o passo e quase pisou no pé de Freddie. – Desculpe-me. Perdi a
primeira aula de dança.
__ Você está indo bem.
Embora ele estivesse quase quebrando-lhe o pulso por segurá-la com demasiada firmeza, Freddie pro-
curou pensar em outras coisas para se distrair.
__ Você experimentou a comida, John? Patrick é um exímio cozinheiro.
__ Então, vamos nos servir.
"Olhe para ela", pensou Nick, incomodado, observando Freddie, enquanto Lorelie o agarrava. "Flertando
com John." Qualquer pessoa, até mesmo a mais distraída, perceberia que Freddie não se interessava nem um
pouco por ele. Apenas brincava de seduzir. Típico comportamento feminino.
__ Nick, querido. – A voz melosa de Lorelie desviou seus pensamentos. – Você não está prestando
atenção em mim. Pareço estar dançando sozinha.
Nick lançou-lhe um sorriso charmoso, fazendo com que a compreensiva Lorelie quase acreditasse que era
o centro de seus pensamentos.
__ Imaginava se deveria ir até o bar.
__ Você acabou de voltar de lá faz cinco minutos – resmungou Lorelie, fazendo beicinho. Sabia quando
não tinha a atenção total de um homem. Mas, por mais atraente que ele fosse, sempre havia outros para
atacar. – Então por que não me traz um copo de champanhe?
__ Com prazer. Volto em um minuto.
Aliviado, Nick deixou-a. Ela não saíra de seu lado a noite toda. Esse tipo de atitude sempre o deixava
aborrecido.
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A verdade era que não estavam mais se entendendo direito. Nick não achava que despedaçaria o coração
de Lorelie ou algo tão dramático, mas aprendera por experiência própria que as mulheres nunca aceitavam
com facilidade o término de um relacionamento, por mais amigável que fosse.
Teria de afastar-se aos poucos. Sem dúvida, quanto mais cedo, melhor. Para ela. A idéia fê-lo sentir-se
altruísta e, mais leve, Nick abriu uma nova garrafa de champanhe com um belo sorriso nos lábios.
__ Como podemos tirar música daquela caixa velha? – Yuri pegou Nick pelo pescoço, impedindo-o de se
mexer. – Você é ou não um pianista?
__ Sou, sim, mas acho que estou impossibilitado de tocar.
__ Eu quero música da minha família, afinal de contas é a minha festa.
O homem que negasse um pedido de Yuri era mais valente do que Nick LeBeck.
__ Como você quiser, vovô. Estou indo para o piano. Segure a taça. – Passou-a para as mãos de Yuri.
__ Não quero, beba você.
Rindo, Nick apontou para o outro lado do salão.
__ Está vendo aquela linda morena? Aquela com grande... personalidade?
__ E quem não a veria?
__ Você levaria a taça de champanhe para ela? Explique-lhe que ficarei tocando. E não jogue todo seu
charme.
__ Sou bastante controlado. – Yuri virou-se e caminhou na direção de Lorelie.
Preparado para deliciar-se, Nick foi desviando multidão até chegar ao piano. O sorriso sumiu de seus
lábios assim que a viu sentada no banco.
__ Você está no meu lugar, Freddie.
__ Eles querem que nós dois toquemos.
__ Acho que não será necessário.
__ É a festa de vovô, não?
Nick foi obrigado a sorrir.
__ Tudo bem. Façamos a vontade do velhinho.
Nick sentou-se ao lado de Freddie, tomando todo o cuidado para não encostar um só fio de cabelo no
corpo tentador, e virou-se para o teclado. O que eles querem?
__ Cole Porter, acho. Ou Gershwin.
Resmungando, Nick começou a teclar as notas iniciais de Embraceable You. Freddie suspirou e o
acompanhou. Vinte minutos depois, estava muito entretida com a parceria para manter-se distante.
__ Nada mau.
__ Vamos tocar agora um jazz dos anos quarenta.
__ Tudo bem. – Automaticamente, Freddie entrou no ritmo da música.
Nick estava adorando demais o modo como Freddie sempre parecia adivinhar seus improvisos. E seu
perfume o deixava louco.
__ Pode tirar cinco minutos de descanso. Eu me viro sozinho. John deve estar sentindo-se solitário.
__ John? – Freddie olhou para cima como se não tivesse compreendido. – Ah, John. Acho que ele so-
breviverá sem a minha companhia. Vá descansar você. Acho que Lorelie está com saudade.
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__ Ela não é uma mulher possessiva. – Para encobrir a mentira, Nick mudou o tempo, tentando
despistá-la.
Mas Freddie continuou a acompanhá-lo com perfeição
__ Verdade? Não concordo com você. Ela não saiu do seu lado um só segundo. É claro, alguns homens...
– Freddie parou de falar quando escutou os aplausos – Olhe para eles! – Freddie quase explodiu de alegria ao
ver Yuri e Nadia dançando feito dois adolescentes. – Os dois não são maravilhosos?
__ Os melhores. Por que nós não... Miserável!
__ O que foi? – Freddie piscou e só então focalizou a cena.
Parecia que os solitários John e Lorelie estavam encontrando conforto um com o outro. Se "conforto" fosse
a palavra mais adequada, imaginou Freddie, a julgar pelo modo como conversavam em um canto.
__ Ela está quase sentada no colo de John.
__ Estou vendo onde Lorelie está sentada.
__ Foi só sair de perto que ele logo arrumou outra. – resmungou Freddie, ao mesmo tempo que Nick
ecoava os sentimentos idênticos, aplicados a Lorelie.
__ O quê? – perguntou ele. – O que você disse?
__ Nada. Não falei nada. E você?
__ Nada.
De repente, os dois estavam sorrindo.
__ Bem... – começou Freddie, continuando a movimentar os dedos sobre as teclas. – Eles não formam um
belo casal?
__ Adorável. E agora vão dançar.
__ Coitada de Lorelie... – disse Freddie, com sinceridade. – John é simpático, mas não dança nada bem.
Acho que ele deslocou meu ombro.
__ Lorelie saberá como lidar. Mas vamos diminui o ritmo antes que Yuri tenha um infarto.
Começaram a tocar Someone To Watch Over Me. Freddie suspirou. As músicas românticas sempre
tocavam-lhe o coração. Encantada, olhou para Nick.
__ Foi adorável o que você fez para vovô e vovó.
__ Não foi nada de mais. Só dei um telefonema, como você mesma disse.
__ Trégua – murmurou, tocando-lhe a mão por um instante. – Não estou me referindo apenas à limusine,
Nick, mas ao banquete que tiveram dentro do carro: caviar, vodca gelada... Que idéia linda!
__ Achei que eles iriam gostar. – Como de costume, a doçura de Freddie fez com que se sentisse culpado.
– Fui muito duro com você hoje cedo. Deveria ter levado em consideração todo o tempo e esforço que gastou
para organizar a festa e ajeitar seu apartamento. Mas ainda não consegui entender por que você demorou
tanto para encontrar uma luminária.
A nova luminária art déco era o orgulho de Freddie.
__ Por que você não continua com o pedido de desculpas?
__ Fez um belo trabalho.
__ Obrigada. – Contente com a pequena vitória, Freddie sinalizou para que o pai viesse substituí-la. – E
como você foi tão meigo – ela inclinou-se e beijou-lhe o rosto —, aceito suas desculpas.
__ Eu não estava pedindo...
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Mas Freddie já não estava mais lá. Spencer tomou o lugar da filha.
__ Mulheres!
__ Minha menina tornou-se uma bela mulher, atraente e independente.
__ Ela era uma criança tão doce... – lembrou-se Nick, saudoso. – Você não deveria tê-la deixado crescer.
Spencer notou, com um sorriso no rosto, que a teoria de romance de Natasha estava certa. Havia uma
mágoa em seu coração. E sempre a levaria consigo. A idéia de não ter mais a querida filha debaixo de suas
asas o aborrecia demais. Mas o orgulho falava mais alto. Os dois começaram a tocar Ray Charles.
__ Sabe, Nick – continuou ele —, vários garotos estão telefonando para Katie, cortejando-a.
__ Não me diga! – Nick sentiu-se chocado, mas então sentiu-se desconfortável com a chegada dos trinta
anos e a sensação de envelhecer. – Se eu tivesse uma filha, não a deixaria namorar.
__ A verdade é dura – concordou Spencer, e então decidiu ser um pouco venenoso: – Sabe, Nick, fico
muito contente em saber que você tem cuidado bem de Freddie. Minha preocupação seria maior se ela
estivesse sozinha aqui em Nova York.
__ Sim... Pode ficar sossegado. Olhe, vou até o bar ver se tudo está bem.
Spencer sorriu e continuou a tocar, com entusiasmo.
__ Você não deveria provocá-lo – disse Natasha, colocando as mãos nos ombros do marido.
__ É a minha obrigação, como pai, transformar a vida dele em um inferno. Imagine só: com a prática,
estarei melhor ainda quando chegar a vez de Katie.
__ Eu me arrepio só de pensar.

A festa terminou depois das duas horas da manhã. Apenas Nick, Freddie e alguns membros da família
ficaram. Satisfeita, ela olhou ao redor.
Parecia que o bar tinha sido invadido de repente por um exército a caminho da batalha. As travessas com
comida estavam praticamente vazias. Da obra prima de Patrick, o bolo de casamento com três andares,
sobraram apenas algumas migalhas e bolinhas de confeitos prateados.
Havia copos por todos os lados. Alguém conseguira fazer uma pirâmide impressionante com copos bai-
xos. A quantidade de guardanapos deixava o chão branco. Freddie avistou um sapato de salto alto dourado
solitário.
Imaginou como a dona do calçado fora embora apenas com um pé. Apoiando-se no bar, Zack olhou para
a bagunça e fez uma careta.
__ Acho que todos gostaram da festa.
__ Com certeza. – Raquel pegou um pano molhado e passou-o no balcão. – Papai foi embora dançando.
Minha cabeça ainda está vibrando com as músicas folclóricas da Ucrânia.
__ Você cantou quase todas – relembrou Zack.
__ O que a vodca não faz com as pessoas! Não foi maravilhoso quando eles receberam o presente?
__ Vovó caiu em prantos – murmurou Freddie.
__ E vovô lhe pedia que não chorasse – colocou Nick. – Mas ele também estava com os olhos cheios de
lágrimas.
__ Não podia ter sido um presente melhor, Freddie. – Raquel emocionou-se mais uma vez. – Romântico,
fascinante, perfeito.
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__ Todos nós queríamos dar algo especial. Eu jamais teria pensado na viagem se mamãe não tivesse co-
mentado comigo.
__ Como sempre, você se saiu muito bem. – Suspirando, Raquel deu uma analisada no local. – Sou a
favor de deixarmos para limpar tudo amanhã.
__ Estou com você, querida – disse Zack, não vendo a hora de jogar-se na cama. E torcendo para que
alguma fada madrinha surgisse para limpar tudo em um passe de mágica. – Abandonar o navio!
__ Podem ir – disse Freddie. – Quero dar uma geral nessa baderna.
__ Suponho que poderíamos... – começou Raquel.
__ Não. – Freddie lançou-lhe um olhar cúmplice. – Vão para casa. A babá está à espera de vocês. Não
tenho ninguém me esperando.
__ Uma hora a mais não faria diferença – falou Zack, dando de ombros.
__ Acho melhor irmos embora, querido. – Raquel deu um forte pisão no pé do marido.
__ Mas...
Quando afinal compreendeu, Zack deu uma risada.
__ Está bem. Comecem com a limpeza. Estou exausto. Não consigo nem ficar de olhos abertos. – Para
enfatizar suas palavras, bocejou com exagero. – Terminaremos a arrumação amanhã. Boa noite, Freddie e
Nick.
__ Até mais. – Depois que a porta se fechou, ele meneou a cabeça. – Zack estava estranho.
__ Era apenas o cansaço – disse Freddie, colocando os pratos na bandeja.
__ Não, há uma grande diferença entre "cansado" e "estranho". – Nick percebeu que sentia-se assim
quando ficava sozinho com Freddie. – Acho que eles tinham razão. Já é tarde. Por que não deixamos para
amanhã?
__ Vá para casa, se quiser. – Freddie marchou para a cozinha com a bandeja cheia. – Não conseguirei
dormir sabendo que o bar está na maior desordem. Mas parece que isso não o incomoda – disse, assim que a
porta se fechou.
__ Até parece que fiz tudo isso sozinho – resmungou Nick, enchendo outra bandeja. – Acho que vi várias
pessoas usando copos durante a noite.
__ Você falou algo? – berrou Freddie.
__ Não. Nada.
Nick carregou a bandeja para a cozinha e deixou-a em cima da mesa. Freddie colocava os pratos na
máquina de lavar louça.
__ Sua alma não será condenada se você deixar a louça na pia.
__ E você também não ganhará nenhum prêmio por ter trazido essa bandeja. Vá dormir, Nick. Cuido de
tudo sozinha.
__ "Cuido de tudo sozinha" – imitou, pegando a esponja. Encheu a pia de água e começou a lavar os
copos.
Logo Freddie veio ajudá-lo. Os dois trabalharam em silêncio durante a meia hora seguinte. Nick ficou
contente por ver o bar mais ou menos limpo. E, ainda que não estivesse assobiando, pensou Freddie, seu
humor começava a melhorar.
__ John e Lorelie foram embora juntos, Nick.
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__ Você não perde nada. – Sorriu. – Acho que eles gostaram da festa. Todos gostaram.
__ Você não se aborreceu.
__ Nosso relacionamento não era sério. Lorelie e eu nunca... Nós não dávamos certo.
Freddie tinha de se controlar para não dar pulos de alegria. Contente com a novidade, pegou uma cadeira
e levou-a para a mesa perto de onde Nick estava. Ele decidiu tocar no assunto. Freddie estava sendo tão
compreensiva...
__ Freddie, eu gostaria de conversar com você sobre hoje cedo.
__ Tudo bem. Se limparmos um pouco mais, Zack achará que não precisamos mais dele. Não quero
magoá-lo.
Então, foi até a vitrola automática e analisou as possibilidades. Inspirada, apertou o botão.
__ Você não dançou comigo, Nick.
__ Não? – Ele sabia muito bem que não e por quê.
__ Não. – Freddie foi até Nick, com passos lentos sorrindo. – Você não quer me magoar, não é, Nick?
__ Não, mas...
Freddie já estava deslizando os braços ao redor dele. Nick enlaçou-a e levou-a para dançar no meio do
salão.
Os movimentos eram delicados e cheios de estilo. Como sempre, Freddie fantasiou, descansando a ca-
beça em seu ombro. Ainda se lembrava da primeira vez que haviam dançado.
Mas agora a sensação era diferente. Já não era mais uma adolescente, mas sim uma mulher. Uma mulher
decidida.
Eles se encaixavam tão bem... Como sempre. Mas Freddie jamais estivera tão perfumada, e Nick não se
lembrava de ter ficado tão excitado com o toque dos cabelos ruivos.
Estavam sozinhos, e a música era perfeita. Eles sempre tinham sido suscetíveis à música. Nick estava
tentado a passar os lábios na face dela.
Controlando-se, deu um passo diferente, e Freddie sorriu. Os olhos dela brilharam ainda mais quando
voltou para seus braços.
Pareciam ter nascido um para o outro. Sabiam exatamente o que fazer durante a dança. Em um movi-
mento coreografado com a perfeição dos passos, Freddie levantou a cabeça.
E os lábios de Nick esperavam.
Ele aproximou-se e beijou-a. Deixou-se levar pela delicadeza do gesto. Freddie começou a afagar-lhe os
cabelos. Nick nem percebeu a música terminar, pois ela continuava tocando em sua mente. Era uma sinfonia
íntima. Que sensação surpreendente! À medida que o beijo se aprofundava, ele imaginou seria perfeito se a
pegasse no colo e a levasse para cima. Para sua cama...
A imagem chocante foi suficiente para que Nick interrompesse o beijo.
__ Freddie...
__ Não, não diga nada. – Ela estava nas nuvens. – Apenas me beije, Nick. Apenas me beije...
Os lábios de Freddie se uniram de novo aos dele. Foi o que bastou para que Nick se esquecesse de tudo.
No entanto, sabendo que estava errado, segurou-a pelos ombros e afastou-se.
__ Não está certo. Basta!
__ Por quê?
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__ Estamos em território proibido, Freddie. Agora, pegue sua bolsa. Vou levá-la para casa.
__ Quero ficar aqui com você. – A voz dela estava calma, mas o pulso, não. – Quero ir para cima com
você, para a cama.
__ Falei para você pegar sua bolsa. Está tarde.
A experiência de Freddie podia ser limitada, mas ela sabia quando avançar e quando manter-se na re-
taguarda. Com as pernas trêmulas, foi buscar a bolsa na cozinha.
__ Está bem. Façamos do seu jeito. Mas você não sabe o que está perdendo.
Temendo que soubesse, Nick passou a mão nos cabelos, nervoso.
__ Onde você aprendeu tudo isso?
__ Por aí – disse ela, caminhando para a porta. – Vamos?
De repente, ocorreu a Nick que talvez fosse melhor e mais seguro chamar um táxi para levá-la. Mas
Freddie já estava do lado de fora.
__ Espere um pouco – disse, trancando a porta do bar.
Ela começou a caminhar pela rua escura.
__ Que noite linda!
__ É mesmo. Dê-me sua bolsa.
__ O quê?
__ Dê-me sua bolsa – repetiu ele. Tirou-a da mão de Freddie e enfiou o pequeno acessório prateado no
bolso do paletó. Pela primeira vez, percebeu os brincos nas orelhas dela. – Aposto como essas pedras são
verdadeiras.
__ Estas? – Freddie levou as mãos aos brincos de brilhante e safira. – Sim. Por quê?
__ Você não deveria andar com brincos que valem um ano de aluguel.
__ Se os ganhei, tenho de usá-los.
__ Há hora e lugar para usá-los. E andar com eles em Lower East Side às três da manhã não se encaixa
em nenhum dos dois.
__ Quer colocá-los no seu bolso também? – ironizou Freddie.
Antes que pudesse lhe dizer algo, ele escutou seu nome.
__ Nick!
Olhando para a rua deserta, viu a sombra e logo reconheceu quem era.
__ Continue andando – ordenou a Freddie. – E não abra a boca.
Sem fôlego por causa da corrida, um homem magro usando calça larga, parou na frente deles.
__ Como vai, Nick, tudo bem?
__ Não posso reclamar de nada, Jack.
Freddie abriu a boca, mas não conseguiu pronunciar uma só palavra, pois levou um apertão na mão.
__ Que belezoca – elogiou Jack, acotovelando Nick. – Você sempre teve sorte...
__ Posso dizer que sim. Tenho de ir andando, Jack.
__ Sabe, Nick, estou com pouco dinheiro...
"E quando não estava?", pensou Nick.
__ Passe no bar amanhã e vejo como posso ajudá-lo.
__ Tudo bem... Mas preciso de dinheiro agora.
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Sem parar de andar, Nick enfiou a mão no bolso e tirou uma nota de vinte dólares. Sabia muito bem para
onde iriam: drogas.
__ Obrigado, companheiro! – A nota desapareceu no bolso da calça larga. – Quando eu tiver, devolvo.
__ Fechado. Até mais, Jack.
__ Até.
Furioso com o encontro e por Freddie ter presenciado um pouco do seu passado, Nick acelerou o passo.
__ Ele era da mesma gangue que você?
__ Exato. Agora é viciado em drogas.
__ Nick...
__ Jack fica pelas redondezas, às vezes durante o dia. Estava alterado e com certeza não a reconhecerá
se vocês se encontrarem de novo. Caso o veja, continue andando. Jack não é uma boa companhia.
__ Está certo.
Freddie queria abraçá-lo, confortá-lo de alguma forma. Percebeu o aborrecimento em seus olhos. Mas já
haviam chegado ao seu edifício, e Nick devolveu-lhe a bolsa. Ele pegou a chave e abriu a porta, entrou e então
apertou o botão do elevador.
__ Suba e tranque tudo.
Nick queria tocá-la, apenas mais uma vez. Mas ainda sentia os dedos imundos por ter tocado em Jack
quando lhe passara a nota de vinte dólares.
__ Você se deu conta do que acabou de acontecer, Freddie? Nós entramos em uma parte do meu
passado e, se não estivéssemos juntos, Jack poderia ter levado bem mais do que seus brincos.
__ Ele não faz mais parte da sua vida, Nick – consolou Freddie. – Não é seu amigo. E você lhe deu
dinheiro.
__ Para que Jack não assalte a primeira pessoa que encontrar pela frente.
__ Você não pertence mais a esse meio. Duvido que um dia tenha estado junto a eles.
De repente Nick estava tão frágil, tão cansado... Cedendo, encostou a testa no ombro de Freddie.
__ Você não sabe o que eu fui, o que ainda posso ser. Agora suba, Freddie.
__ Nick...
Para silenciá-la, ele beijou-a com intensidade. Quando conseguiu respirar de novo, Freddie sentiu-se
empurrada para dentro do elevador. E ficou a fitá-lo enquanto a grade se fechava.
__ Tranque a porta – repetiu Nick, e se foi. Nick olhou para a rua e esperou até ver uma luz acesa no
apartamento de Freddie. Então, seguiu seu caminho para casa.
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Capítulo 8

F
reddie teve lindos sonhos. Só dormira algumas horas e, na verdade, não tinha motivos para se
queixar. Acordara cedo e muito bem-humorada. Como tinha tempo de sobra, foi até o Village e
passou a manhã passeando por shoppings interessantes, comprando o que Nick chamaria de
"badulaques".
Quando chegou em casa, guardou suas compras e saiu de novo, feliz da vida. O dia estava espetacular
para preocupar-se com outras coisas.
A primavera chegara com força total, antecipando o verão, que prometia ser bem quente. Sentia-se con-
tente, sem o calor inclemente que costumava fazer na cidade.
Ela era, decidiu, uma das mulheres mais sortudas do mundo. Vivia em uma cidade excitante, começava
uma nova e promissora carreira, era jovem e apaixonada e, a menos que sua intuição feminina estivesse
errada, estava bem perto de convencer o homem que amava de que ele também nutria o mesmo sentimento.
Cada passo de seu plano estava caminhando a atento.
Corno estava sentindo-se generosa, Freddie parou em uma lanchonete e comprou um sanduíche para si e
para Nick. Enquanto colocava o troco no bolso percebeu um homem encostado em um prédio, do outro' lado da
rua.
O rosto fino, as roupas largas... Com um arrepio desagradável, Freddie reconheceu-o como o homem a
quem Nick chamara de Jack na noite anterior. Estava fumando e virava a cabeça de um lado para o outro,
nervoso, como um pássaro desconfiado.
Mesmo tendo sentido o olhar dele sobre si, Freddie notou que não fora reconhecida. Aliviada, continuou a
caminhada. Sabia que, se fosse inevitável, conversaria com Jack. Mas não comentaria com Nick o encontro
com um de seus antigos camaradas de rua.
Acelerou o passo, dirigindo-se ao Lower the Boom, sem olhar para trás.
Freddie tirou Jack da mente assim que entrou na cozinha. Pôs-se a elogiar Patrick pelo maravilhoso jantar
da festa de seus avós.
Segurando os sanduíches, Freddie subiu as escadas. Não se permitiria estragar o bom humor, mesmo
quando Nick abriu a porta e a repreendeu.
__ Você está atrasada!
"Que forma mais simpática de se cumprimentar uma pessoa", pensou.
__ Não imaginei que já estivesse acordado; portanto, demorei um pouco mais. A noite de ontem foi longa.
Nick não se importou em ser lembrado da festa.
__ Estou desperto e trabalhando, como pode ver, se é que lhe devo explicações.
Nick não dormira mais do que uma hora, o que o deixara cansado e irritado. Fora acometido por sonhos
antigos e novos. Era inexperiente e rude então, e continuava, agora sofrendo um misto de frustração física e
emocional, o jamais experienciara antes.
Sabia muito bem a quem culpar. A pessoa estava bem sua frente, esfuziante e brilhante como um girassol.
Mesmo sabendo que Nick estava de mau humor, Freddie sorriu e meneou a cabeça. Ele nem se importara em
fazer a barba, mas parecia não se importar com a aparência. O olhar agastado e o queixo erguido davam-lhe
um certo ar de irresponsabilidade e perigo que o deixavam ainda mais sedutor.
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"Na certa passou uma noite terrível", imaginou Freddie. "Eu não poderia ficar mais contente!"
__ Dormiu mal, Nick? Pegue um sanduíche.
__ Onde está a mostarda?
__ Na cozinha – respondeu, sentando-se ao piano. – Pronto para o trabalho?
__ Eu estava trabalhando até agora. – O que mais há a fazer quando não se consegue dormir? – Onde
esteve a manhã toda?
__ Fazendo compras.
__ Imaginei.
__ E, antes que comece a me recriminar, já terminei de compor a letra para Você não está aqui. –
Satisfeita por ter podido colocá-lo em seu devido lugar, Freddie abriu a pasta e tirou a papelada. – Acabei de
aperfeiçoá-la, antes de as lojas abrirem.
Nick resmungou algo e logo sentou-se ao lado de Freddie, no banco. Contrariando a si mesmo, seu humor
começou a melhorar quando leu a letra. Já deveria saber de antemão que estaria perfeita.
Só que não tinha motivos para deixá-la mais vaidosa ainda.
__ Nada mau.
Freddie franziu as sobrancelhas.
__ Obrigada, ilustríssimo maestro.
__ Por nada, rainha da modéstia.
Olhando direito para ela, Nick fez uma careta engraçada.
__ O que você fez com seus cabelos?
__ Eu os prendi.
__ Ficou bom, mas prefiro soltos. – Para prová-lo ele começou a tirar os grampos.
__ Pare! – gritou Freddie, tentando se debater. Nick segurou-lhe os pulsos com a mão direita, e com a
esquerda desfez o penteado.
Assim que os cabelos ficaram a seu gosto, soltou-a, rindo. Freddie o xingava.
__ Pronto! Muito melhor.
__ Virou consultor de moda, Nick?
__ Você fica mais fofinha quando seus cabelos estão desarrumados.
__ Que gentil de sua parte... – Os olhos de Freddie brilhavam. – E se eu despenteasse os seus?
Freddie tentou alcançá-lo, mas Nick foi mais esperto. Ela sempre ficava desapontada por não conseguir
vencê-lo. Nick prendeu-lhe o braço nas costas.
Demorou um tempo para que Freddie percebesse que ele não ria mais, e a fitava de uma maneira que a
deixou com a garganta seca e o coração disparado. As pernas dos dois se entrelaçaram, e Freddie de repente
se viu no colo de Nick.
Ele endireitou-a, colocando-a de volta no banco.
__ Nick!
__ Estamos perdendo tempo. – Afastou as mãos e obrigou-se a parar de ter tanta vontade repentina de
agarrá-la. – Vamos tocar a música que você terminou e ver como ficou.
"Tenha paciência", ordenou-se Freddie, e enxugou as mãos suadas na calça.
__ Tudo bem. Assim que você estiver pronto.
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Depois de um começo difícil, o trabalho começou a fluir. Ambos focalizaram a música, de modo que conse-
guissem se empenhar como colaboradores, como amigos.
Uma hora se passou. Duas, três...
Patrick subiu e lhes trouxe uma refeição com o que restara da festa da noite anterior e ficou a escutar a
bela canção por alguns instantes, com um enorme sorriso nos lábios.
Comeram um pouco, discutiram como poderiam melhorar a música, questionaram pontos mínimos e
concordaram em quase tudo.
Quase.
__ Deveria ser mais romântica, Nick.
__ Em tom de comédia.
__ É a noite de núpcias do casal.
__ Isso mesmo. – Nick aproveitou o tempo para fumar um cigarro, contente por estar diminuindo o con-
sumo diário de nicotina. – Eles entraram de cabeça em um casamento precipitado. Só se conhecem faz três
dias.
__ Estão apaixonados.
__ Não sabem direito quem são. – Pensativo, Nick deu um trago lento, formando a cena em sua cabeça. –
Os dois correram até um juiz de paz e se uniram em um casamento ridículo. Agora estão em um quarto de hotel
simples, imaginando o que farão no futuro. E como enfrentar a situação.
__ Tudo bem, mas não deixa de ser a noite de núpcias. Você tenta tornar a canção triste.
Nick sorriu.
__ Já escutou alguma vez a marcha nupcial, Freddie? – Para provar aonde queria chegar, apagou o
cigarro e pôs-se a tocá-la.
Freddie teve de admitir que era uma música solene, séria e um pouco assustadora.
__ Tudo bem. Agora entendi seu ponto de vista. Toque mais um pouco e deixe-me pensar.
Freddie deixou a música percorrer-lhe a mente. Ficou a observá-lo e a pensar.
O que em Nick a atraía tanto? Os olhares? A beleza? Talvez tivesse sido isso alguns anos atrás, quando
então era apenas uma garota e viu pela primeira vez aqueles olhos desassossegados. Mas agora pareciam
mais profundos. O jeito de ele agir? Isso a fez sorrir. Difícil. Do mesmo modo como poderia ser doce e amável,
Nick era brusco e insensível. Não que ele tivesse a intenção de ferir os outros. Apenas se esquecia de que as
pessoas tinham sentimentos.
Era seu coração, decidiu Freddie, que sempre a encantara, e sempre o faria.
Mas e se o tivesse no dia anterior? E se fossem colocados um na frente do outro como estranhos e ela se
apaixonasse loucamente? Teria ficado assustada, insegura? Excitada?
__ "Quem é esse homem – Freddie cantarolou – que se diz meu marido? Uma aliança de ouro não é
suficiente para mudar a vida de uma jovem."
Freddie franziu o nariz quando Nick a olhou.
__ Precisa ser algo mais profundo.
Absorta, levantou-se e andou pela sala.
__ "Até que a morte nos separe? É um pacto sem coração. Amor, honra e carinho até que eu pereça?"
Nick virou-se e sorriu.
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__ Eu gostei. Casamento e morte. Um par perfeito.


__ Posso fazer melhor. "Quem é este homem parado à porta? O que ele deseja? Uma mulher, uma
amante? Estará me vendo como vim ao mundo. Não há como iludi-lo..." – Freddie, parou, riu e esfregou a nuca.
– Estou ficando ousada.
__ É essa a intenção. Pânico.
__ Talvez... Talvez... – Freddie voltou para o lado dele. – E se começarmos do seu jeito? Lento, lúgubre.
Depois aumentamos o tempo depressa, mais depressa. Incitamos o pânico.
__ Com uma mudança radical.
__ Ótimo. Vamos tentar.
Para demonstrar, Freddie inclinou-se sobre Nick e colocou as mãos nas teclas.
__ Entendi o que você quis dizer. – Por Deus, como queria que os seios não estivessem tão pressionados
contra suas costas... – Você está me esmagando, Freddie.
A tensão em sua voz alertou-a.
__ Verdade? Desculpe-me. – Mas não estava nem um pouco sentida. Afastou-se e escutou-o tocar. –
Acho que é isso. – Colocou a mão nos ombros de Nick e começou a massageá-lo. – Quanta tensão!
__ Você continua me esmagando.
__ Sei disso.
Os cabelos de Freddie roçaram-lhe a face, e o delicioso perfume que chegou atingiu seus sentidos. Com a
intenção de repreendê-la, Nick virou-se, seu primeiro erro, e terminou fitando os olhos acinzentados.
__ Estou deixando você nervoso, Nick? – murmurou Freddie, sentando-se ao lado dele.
A verdade saiu antes que ele parasse para pensar:
__ Você está me enlouquecendo, Freddie.
__ Ótimo. – Aproximou-se e deu-lhe um delicado beijo molhado no canto dos lábios. – Faz anos que você
tem me deixado louca. Está na hora de virar o jogo.
A respiração de Nick estava suspensa. Achava que entendia muito bem como um homem se sentia
quando não conseguia resistir a uma mulher: sufocado, atrapalhado. E lutando uma batalha contra o destino.
Sua voz tornou-se mais dura, em autodefesa.
__ Não é um jogo, Freddie, mas você conhece as regras.
Ela deslizou as mãos pelos antebraços de Nick e descansou-as em seus ombros; depois, moveu-se
devagar até que sua boca se encontrasse com os lábios dele.
__ Eu adoraria ser sua aluna.
Nick estava perdendo o controle, como se tivesse areia escorrendo-lhe entre os dedos.
__ Se você soubesse o que quero lhe ensinar sairia correndo daqui e nunca mais voltaria.
A declaração envolvia orgulho. Freddie ergueu o queixo e desafiou-o com os olhos.
__ Experimente.
Era loucura, sabia que era loucura impeli-la contra si, continuar a provocação, atormentando-lhe a boca
com a sua. Nick disse a si mesmo que queria assustá-la, de modo que Freddie se levantasse e saísse correndo
porta afora.
Mas era mentira.
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Quando ela se aproximou, o corpo de Nick estremeceu, depois retesou e por fim cedeu aos encantos de
Freddie.
__ Droga! Droga! – Ele levantou-a do banco e pegou-a no colo do jeito como qualquer mulher sonharia. –
Dessa vez você não vai escapar, Freddie.
Ela deveria ter engasgado ao escutar a confissão, mas manteve os olhos no mesmo nível dos de Nick,
calmos.
__ Não fui eu quem fugiu da outra vez, Nick. E pode ter certeza de que eu não pretendo sair daqui tão
cedo.
__ Então, que Deus a ajude. Que Deus ajude a nós dois.
A boca de Nick uniu-se mais uma vez aos lábios entreabertos. Em seguida, levou-a para seu quarto.
Os lençóis estavam embolados na cama desarrumada, uma prova concreta da noite mal dormida. O sol do
final de tarde entrava pela veneziana, tornando a luminosidade agreste e inesquecível. Em outra ocasião, Nick
poderia ter se importado com o ambiente, com o clima romântico que uma mulher sempre esperava. Mas,
agora, apenas jogou-se com Freddie no leito e deliciou-se com o que aconteceria em breve.
Suas mãos começavam a tirar-lhe a camisa de seda, e seus lábios passeavam por todos os lugares. Ela
não protestou à rapidez dos movimentos, ou às urgências; apenas o encontrava a cada batimento cardíaco.
Depois de tê-lo esperado por tanto tempo, a pressa era evidente. Talvez houvesse uma mísera pontada de
pânico alojada dentro dela. Um medo de atrapalhar-se no momento mais importante de sua vida. Sentiria dor?,
imaginou. Humilhação? Então experimentou mais uma vez os lábios de Nick, e a pontada se foi como por
encanto.
Jamais imaginara que seria dessa forma. Uma necessidade tão intensa e violenta. Tão excitante... Todas
as suas fantasias, seus sonhos tão antigos e esperanças silenciosas espelhados contra o brilho da realidade.
Nick não conseguia parar de beijá-la. Parecia ter esperado a vida toda por esse instante. Freddie era um
banquete de sabores, doce, ácido, amargo, picante, e ele, um homem sôfrego.
A pele dela era da cor de marfim, com uma energia tal que o seduzia e aliciava. Cada mínimo movimento
que fazia, tão espontâneo como a dança da noite anterior, o excitava de modo inacreditável.
Parte de seu cérebro compreendia que Freddie era uma mulher inocente. Sabia que era pequena,
delicada. Podia sentir a pele frágil, as curvas sutis sob suas mãos. Então, mesmo sem se dar conta, Nick dimi-
nuiu o ritmo. E começou a deleitar cada pedaço do corpo de Freddie.
Era uma mulher cheia de ternura. O formato de seus lábios, a curva de seus ombros... Com delicadeza,
Nick deslizou a boca pelo pescoço de Freddie, invocando paciência para permitir que ela se ajustasse a cada
novo nível de prazer. Por isso a tocava com cuidado, com habilidade, ajustando notas e pequenos prelúdios,
deixando-os se estender. E à medida que sentia cada arrepio em resposta, o brilho que via em seus olhos,
descobriu que não havia necessidade de apressar-se.
Freddie não conseguia manter os olhos abertos por muito tempo. Estavam pesados demais. Estranho,
pois o resto de seu corpo se encontrava em perfeita forma, como vidro fino e frágil. E Nick a afagava com mãos
de artista, como se soubesse que um passo em falso a quebraria.
A boca dele foi trilhando um caminho para baixo, circulando, provocando até capturar-lhe o seio. O prazer
expressou-se por um gemido.
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"Toque-o", pensou, atordoada. "Ao menos, toque-o. Sinta a força máscula, os músculos cobertos pela
pele rígida." Meneando a cabeça em sinal de aprovação, ela iniciou seu passeio, deleitando-se com cada nova
descoberta.
As carícias brandas e tênues, provocativas, faziam com que o sangue de Nick corresse cada vez mais
rápido. Quando voltou a beijá-la nos lábios, procurou algo mais profundo, mais demorado.
Achou-a parecida com a Branca de Neve no caixão vidro, com os olhos fechados, a pele resplandecente e
os cabelos espalhados pelo travesseiro.
Mas Freddie tremia, seus lábios estavam inchados e ávidos devido ao ataque implacável e à respiração
acelerada. Absorto com ela, apenas com ela, Nick passou com gentileza para a segunda etapa.
Quando tocou a parte mais íntima de seu ser, encontrou-a pronta para recebê-lo.
Freddie abriu os olhos ao experienciar a nova sensação. E a pressão inacreditável que se espalhava por
todo o seu corpo ameaçava estilhaçá-la, prometendo surpreendê-la. Mesmo virando a cabeça de um lado para
o outro, arqueou-se contra ele.
Nick levou-a direto ao primeiro orgasmo, fazendo-a gritar de prazer, chocada, estupefata com o impacto.
Em resposta, Freddie enfiou as unhas nas costas de Nick, procurando por firmeza.
Em seguida a tensão foi embora, deixando-a mole. Achou que Nick também gritara, também tremera. Mas
ele recomeçou a acariciá-la com tanta destreza que se esqueceu de tudo. O corpo de Nick precisava se liberar.
Sabia que a machucaria. Que a prejudicaria. Que a invadiria.
Entretanto, Freddie abriu-se por completo para ele, como se estivesse esperando havia muito tempo...
Nick sabia que queimaria no inferno depois que terminasse. Não parava de se amaldiçoar, mas também
não conseguira juntar forças para parar. Estava sobre Freddie, ainda dentro dela, tentando se recuperar do
mais incrível clímax de sua vida.
Não tinha o direito de possuí-la. E muito menos de gostar.
Ele desejava que Freddie dissesse algo, uma única palavra que lhe desse a chance de descobrir como
lidar com a situação. Mas ela estava imóvel, com as mãos em suas costas.
"Culpa sua, Nick LeBeck. Agora, encare a realidade."
Com todo o cuidado do mundo, ele saiu de cima de Freddie e deitou-se ao seu lado na cama. Ela virou-se
e aninhou-se em seus braços.
Sabia que sua alma estava perdida. Ainda mais por querer começar tudo de novo.
__ Não tenho como remediar essa situação.
__ Não precisa – falou Freddie, suspirando, descansando a mão em cima da cicatriz no peito musculoso.
Nick olhava para o teto.
__ Quer algo para beber, Freddie? Um conhaque, talvez?
__ Conhaque? – Espantada, ela levantou a cabeça o suficiente para encará-lo. – Não sofri nenhum aci-
dente nem fui vítima de uma avalanche. Por que precisaria de conhaque?
__ Para... o choque. Água? Peça alguma coisa.
O êxtase do ato começava a se afastar da mente de Freddie. O suficiente para que pudesse perceber a
condenação no olhar dele.
__ Não venha me dizer que está arrependido do que aconteceu.
__ Acertou. Jamais deveria tê-la tocado e deixado as coisas irem tão longe. Sei que foi a sua primeira vez.
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O orgulho emergiu.
__ Como?
__ Vamos dizer que era óbvio.
__ Ah... – Talvez depois de tanto prazer viesse a humilhação. – Não foi bom para você?
__ Bom?! – Nick bufou, depois resmungou. Freddie o levara à loucura e ainda vinha perguntar se não tinha
sido bom? – Não, Freddie, não foi bom, foi excelente. Uma experiência única. Você foi perfeita.
__ Eu? – Um leve sorriso começou a formar-se em seus lábios. – Perfeita?
__ Mas isso não vem ao caso agora.
__ Compreendo. – Percebendo pela voz de Nick a tormenta que se passava em sua cabeça, ela levan-
tou-se até ficar cara a cara com ele. – Sempre soube que você seria o primeiro homem da minha vida. E
sempre quis que fosse assim.
__ Eu tirei vantagem...
Freddie o interrompeu com uma risada.
__ De jeito nenhum. Talvez queira se enganar achando que raptou uma virgem e a estuprou, Nick, mas fui
eu quem o seduziu, e foi difícil conseguir.
__ Estou tentando assumir a responsabilidade – disse ele, com paciência. – Está dificultando as coisas.
__ Você me faz feliz – Freddie murmurou, tocando os lábios nos dele. – Espero que nos façamos felizes.
Detestaria vê-lo triste.
Parecia não fazer muito sentido, mas Nick sorriu para ela.
__ Você deveria estar chorando, tremendo e chocada.
__ Oh! – Freddie o beijou. – Eu não quero conversar agora.
Mas tarde, Nick deixou-a em sua cama e foi para o bar.
Pela primeira vez em anos, encontrou-se olhando sem parar para o relógio. Embora atendesse aos pe-
didos e misturasse os drinques com a mesma experiência e habilidade de sempre, quase mandou embora os
clientes que insistiam em ficar até mais tarde.
No minuto em que o último saiu pela porta, Nick olhou para cima. Fez uma ligeira arrumação no bar e
voltou para casa.
Encontrou Freddie adormecida, com os cabelos espalhados no travesseiro, o braço esticado no lugar
onde Nick logo se deitaria. Sorriu, alegre apenas por vê-la, escutar o som de sua respiração, ver seus leves
movimentos durante o sono.
Então uma idéia começou a se formar.
Nick desabotoou a camisa. Deixou as roupas jogadas no chão, descobriu Freddie e pegou-lhe o pé.
Ela acordou com um arrepio de prazer. Parecia espalhar-se por todo o corpo, mergulhar em seu sangue.
Escutou o próprio suspiro, um sonho adorável. Então despertou por completo e sentou-se na cama. Nick
mordiscou-lhe o dedão.
__ Nick? – Desorientada, com o coração disparado, Freddie tirou os cabelos dos olhos e apoiou-se no
encosto da cama. – O que você está fazendo?
__ Tentando acordá-la.
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Os olhos dele estavam acostumados ao escuro como os de um gato. Ou melhor, de um lobo... Achou cati-
vante e excitante quando viu que Freddie cobriu os seios com o braço quando notou que não tinha como se
esconder.
__ Tarde demais – murmurou Nick. – Já a vi nua. – Sentindo-se tonta, ela baixou o braço. Um pouco. – Eu
tinha essa fantasia de brincar com seus pés e continuar o caminho para cima. Estou me satisfazendo.
__ Ah... – Ela deu uma risadinha. – Venha para a cama.
__ Quem sabe...
__ Eu quero... – Freddie escorregou na cama, quando ele iniciou a caminhada com a língua.
__ Achei que, como você me seduziu – prosseguiu Nick, deliciando-se com cada carícia —, seria justo lhe
retribuir o favor.
"Quem imaginaria que a parte interna do joelho é tão sensível?", pensou ela.
__ Bem... Se é o que você acha...

Quando Freddie entrou em casa, na manhã seguinte, cantava sem parar. Não estava apenas apaixonada,
mas era amante de Nick LeBeck.
Piruetou pela sala de estar, feliz da vida, cheirou as pequeninas flores de violeta e sorriu. Tudo em sua
vida começava a ficar perfeito.
Teria deixado a idéia do apartamento para trás e ido morar com ele naquela bagunça. Mas já podia até
imaginar a expressão de Nick se sugerisse algo do tipo. Chocada, reconheceu. E um pouco assustada.
"Bem, não há por que ter pressa. Ainda não..."
Mas se Nick não se manifestasse dali a algum tempo, Freddie teria de tomar a iniciativa e propor.
Por enquanto estava mais do que contente. Tudo o que queria era um banho, pois o que tomara com Nick
não contava, e trocar de roupa. Teria de voltar para o bar dentro de uma hora.
Ainda precisavam terminar a música. Estava saindo do chuveiro quando escutou o interfone.
__ Já vou! Já vou! – Vestiu o roupão enquanto corria para a cozinha. – Pois não?
__ Freddie, abra a porta.
O som da voz dele ainda tinha o poder de arrepiá-la.
__ Nick, você precisa parar de me seguir.
__ Abra logo. Não teria vindo até aqui se você cultivasse o costume de atender ao telefone.
__ Eu estava tomando banho. – Freddie destrancou a porta e voltou para o banheiro. Enrolou os cabelos
em uma toalha e passou hidratante no rosto.
__ Nunca mais deixe a porta destrancada, Freddie.
__ Você estava subindo.
__ Nunca! – repetiu ele. – Você não tomou banho há uma hora?
Ela concordou com um gesto de cabeça.
__ Pois é, mas precisava de uma ducha de água fria.
Nick aproximou-se e começou a brincar com a gola de sua roupa.
__ Qual é o nome desse traje?
__ Roupão de banho. Você conhece por outro nome?
__ Sim. Convite. Bem, infelizmente não temos tempo agora. Arrume as malas.
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__ Vou sair daqui?


__ Nós vamos sair daqui. Madeleine O'Hurley telefonou cinco minutos depois que você foi embora. Ela
nos convidou para passar alguns dias em sua casa.
Como a toalha não parava em seus cabelos, Freddie tirou-a.
__ Agora?
__ Exato. Está na casa de campo, junto com a família. – Nick pegou um cacho dos cabelos avermelhados.
– Madeleine acha que será uma excelente oportunidade para trabalharmos juntos e nos divertirmos também.
__ Parece-me mais um plano.
__ Vá logo, Freddie. – Nick estava impaciente. – Tenho de voltar para casa, arrumar a mala, alugar um
carro e fazer algumas compras para levar.
__ Tudo bem, vá em frente. Estarei pronta logo.
__ Meu Deus do céu! – exclamou ele, seguindo-a até o quarto. – Você não tem mais onde gastar dinheiro?
O que é isso?
__ Uma cama. A minha cama. Fabulosa, não?
__ Mil e uma noites ou A bela adormecida. Ainda não decidi.
__ Algo entre as duas histórias. – Freddie franziu as sobrancelhas. – É maior do que a sua.
__ É três vezes maior. – Nick alisou a bela colcha. De repente, virou-se para ela com um brilho nos olhos,
um desejo no coração. – Então, você é rápida para arrumar malas?
__ Sim, bastante – respondeu, jogando-se na cama com Nick.
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Capítulo 9

F
reddie não compreendia por que não podia dirigir. O belo carro conversível que Nick alugara era
um sonho, e adorava o vento batendo contra seu rosto, a música no rádio. E a companhia dele...
Mas preferia estar dirigindo.
__ Por que você tem de guiar?
__ Porque faço isso melhor que você, que é muito lenta.
__ Não sou, não. Apenas obedeço às regras de trânsito.
__ Molenga! – Adorando a sensação, Nick aumentou a pressão no pedal do acelerador. Não havia nada
melhor do que dirigir um bom carro, e ao som de Ray Charles. – Se você estivesse dirigindo, nós só
chegaríamos na semana que vem.
__ Torça para que não leve uma multa, engraçadinho.
"Faltam apenas vinte quilômetros para chegarmos à cidade", pensou Nick, aborrecido.
__ Os guardas rodoviários não têm senso de aventura. – Mas Nick tinha de sobra, e, para prová-lo,
acelerou ainda mais. – Modéstia à parte, sou um ótimo piloto. Co-piloto, por favor, verifique a próxima saída
Acho que estamos bem perto.
Freddie olhou para as placas.
__ Você acabou de passar da entrada, sabe-tudo.
__ Não tem problema. – De repente, Nick deu uma guinada com o carro.
Freddie gritou de susto.
__ A população daqui consegue dormir mais tranqüila sabendo que você mora em Manhattan e não
possui automóvel, Nick. Vire à esquerda. E vá mais devagar. Pretendo chegar inteira à casa de Madeleine.
Nick diminuiu um pouco a velocidade e estudou as residências gigantescas. Jardins grandes, muito vidro.
E dinheiro de sobra.
Quartos enormes, imaginou, cheios de tapetes orientais e peças de antiquários. Ou chão encerado e
móveis ultramodernos. Piscinas com cachoeiras e grandes cadeiras brancas em volta. E, lógico, seriam
rodeadas por árvores antigas.
Teria sido expulso de um bairro desses uma década atrás. Agora era convidado a visitá-lo.
__ É aquela – anunciou Freddie, inclinando-se. – A que tem uma cerejeira na frente. Que árvore
maravilhosa!
As flores já estavam caindo no chão, enfeitando a grama com suas delicadas pétalas cor-de-rosa, mas
ainda assim eram um espetáculo. Nick podia não ser um grande conhecedor de botânica, mas achou que o
perfume que pairava no ar vinha de lilases.
Quando passou pelo portão de entrada e seguiu pela alameda, deparou-se com um belo arbusto cheio
deles.
__ Nada mal para um passeio de final de semana. – murmurou Nick, estudando a estrutura multinivelada
de madeira e vidro.
__ Com certeza. Imagino que... – Freddie parou ao avistar um grupo de crianças correndo do lado es-
querdo da casa.
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Apareceram em massa, em diversos tamanhos. Até que um garotinho magro e com cabelos pretos tomou
o comando, empurrando outro para o lado.
Todas as demais crianças o seguiram, gritando e levantando as mãos.
__ Pelo visto Madeleine foi bem sincera ao dizer que toda a família estaria aqui. Acho que não faltou
ninguém – observou Freddie. – Esse é o filho mais velho dela, tentando estrangular o mais novo de Trace.
Acho.
Uma garota com mais ou menos seis anos, cabelos ruivos encaracolados e uma marca de nascença no
rosto, acenou para eles.
__ Mamãe! – berrou ela. – Ei, mãe, temos visitas. – Então, deu uma cotovelada na barriga do primo e saiu
correndo na direção do carro. – Oi, eu sou Júlia. Você se lembra de mim?
__ É lógico que sim, querida. – Assim que desceu do carro, Freddie deu um forte abraço na filha mais nova
de Madeleine. – Nick, esta linda menina é Júlia Valentine. Ainda não posso lhe apresentar as outras crianças.
Acho que não me lembro de todas.
__ Olá, Júlia.
A pequena tinha os olhos e o sorriso da mãe. Se é que Madeleine O'Hurley era parecida com a mulher que
sempre vira no palco e nos cartazes.
__ Vocês estão brincando de guerra?
__ Oi, Nick – respondeu, sorrindo. – Sim. Gostamos de brigar. Somos irlandeses.
__ Tenho certeza de que sim.
__ Somos muitos, pois existem vários gêmeos na família. Tia Trace têm dois casais de gêmeos. E tia
Chantel tem trigêmeos. Todos meninos. Vamos entrar, eu acompanho vocês.
Sendo menina, mesmo com seis ou sete anos, Júlia fixou os olhos em Nick.
__ Serei dançarina na Broadway. Como mamãe. E você poderá compor a música.
__ Obrigado.
Quando a pequena abriu a porta, eles foram cumprimentados por um garoto com cabelos espetados, olhar
maldoso e um sapo nas mãos.
__ Guarde Chauncy, Aaron – ordenou Júlia. – Ele não assusta ninguém.
__ Espere só até seus dentes crescerem – disse o garoto, e saiu correndo logo em seguida.
__ Esse é o meu irmão. Ele é uma peste.
Antes que algum comentário pudesse ser feito, uma estrela de cabelos vermelhos desceu as escadas.
Estava usando um short jeans desfiado e uma camiseta branca com a inscrição "Eu amo Nova York".
Madeleine O'Hurley, a queridinha da Broadway, fez uma entrada triunfal.
__ Aaron, seu danado! Onde você está? Já não lhe disse para deixar esse anfíbio no aquário?
Enxergando os visitantes, parou no meio da escada e desviou do animal.
__ Ah, meu Deus! – Ela assoprou os cabelos do rosto. – Que péssima recepção, Freddie! – Em seguida,
abaixou-se e pegou o sapo, passando-o para as mãos de Júlia. – Filha, por favor, leve-o de volta para seu
lugar. – Depois, pôde abraçar Freddie. – Que bom vê-la de novo. Estou contente por você ter vindo.
__ Eu também.
__ E você é Nick! – Com um braço em volta de Freddie, estendeu a outra mão para cumprimentá-lo. – Até
que enfim nos conhecemos. Admiro seu trabalho faz muito tempo.
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Nick sabia que a fitava com expressão de bobo. Era igual à mulher que vira nos palcos ou nos cartazes.
Pele de porcelana, rosto expressivo. E, mesmo sendo mãe de quatro crianças, tinha o corpo de uma dançarina.
__ Meu primeiro show na Broadway – disse Nick —, faz dez ou onze anos. Você era a estrela. Nunca tinha
visto nada igual.
__ Bem... – Madeleine decidiu que um aperto de mão não era o suficiente; beijou-o. – Vou gostar de você.
Vamos dar uma volta para encontrar com os outros. Depois, levamos a bagagem para cima.
A luz do sol entrava pelas portas e janelas de vidro, deixando o ambiente bastante claro. Encontraram
alguns obstáculos pelo caminho: carrinhos, bolas, bonecas, jogos. Esses toques caseiros se fundiam à
perfeição com a elegância da arquitetura.
Em uma sala espaçosa, cheia de flores exóticas e samambaias, descansava uma lenda de Hollywood.
Chantel 0'Hurley tinha os pés para cima e os olhos fechados. Ao lado, um homem alto e de bigode, cuja
estrutura física fez com que Nick o achasse parecido com um lutador.
__ Brent está um terror hoje – disse Quinn Doran, observando as crianças através do vidro. – Ele é tão
engraçado!
__ São todos miniaturas de monstros – falou Chantel, mas havia uma pitada de indulgência materna em
suas palavras. – Por que não nasceram três meninas doces, meigas e comportadas?
__ Você se enjoaria delas com facilidade. Além do mais, quem as ensinaria a usar um estilingue?
Chantel sorriu. Era uma mulher feliz. Depois de inúmeras tentativas para engravidar, conseguira. E dera à
luz três lindos garotos. Estendeu a mão para o marido.
__ Venha cá, querido, antes que sejamos descobertos por alguém.
__ Tarde demais – anunciou Madeleine. – Já temos companhia. Nick, essa é a minha irmã, Chantel, fa-
zendo pose de Cleópatra, e seu marido, Quinn Doran.
__ Freddie. – Chantel beijou o rosto dela, mas seus olhos pararam em Nick. – Você tem muito bom gosto,
querida.
__ Também acho.
Agora Nick não estava apenas fitando. Tinha os olhos arregalados. A deusa loira o analisou. Cada nervo
em seu corpo ficou alerta.
__ É você quem está compondo as músicas para o novo musical de Madeleine? Pelo visto, tem talento
suficiente para que ela possa ser classificada como profissional.
__ Chantel está com inveja, pois eu tenho dois Tonys, e ela, apenas um mísero Oscar. – Satisfeita, Made-
leine apontou para fora. – Vamos conhecer o resto do pessoal.
__ Só um instante – pediu Freddie, assim que saíram da saleta. Deu um leve beliscão no canto dos lábios
de Nick.
__ O que foi?
__ Nada. Estou limpando a sua baba.
__ Ora, pare com isso, Freddie. – Mas Nick não resistiu e olhou, mais uma vez para trás. – Ela é muito
mais bonita pessoalmente.
__ Comporte-se, Nick. Detestaria encontrá-lo morto no meio da noite pelas mãos de Quinn. As más
línguas dizem que ele é rápido e discreto. – Antes que ele abrisse a boca, Freddie saiu correndo. – Trace! –
Jogou-se nos braços dele.
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__ Freddie! – Trace beijou-lhe ambas as faces. – Como vai a minha boneca?


__ Bem. – Soltando o pescoço de Trace, Freddie olhou para Nick. – Trace O'Hurley, Nick LeBeck.
__ Prazer em conhecê-lo.
Embora fosse bastante simpático, Nick o achou parecido com um policial, apesar de saber que Trace era
músico. Até admirava seu trabalho. Mas os olhos de um policial sempre eram os olhos de um policial.
__ Acho que o resto do pessoal está na cozinha – continuou Trace. – Abby está preparando o almoço.
__ Ainda bem. – Madeleine sorriu. – Ela é a única em quem confio. Vocês estão com fome?
__ Bem, eu...
__ É claro que estão famintos. – Ela pegou Nick pelo braço, sem deixá-lo terminar de falar. – Sempre fico
esfomeada depois de uma viagem.
Os quatro passaram por um grande corredor. Trace continuou segurando Freddie como se ela fosse uma
princesa. Quando Madeleine abriu a porta, o barulho os alcançou.
A cozinha era grande, mas tão cheia de pessoas que ficava aconchegante. Apenas a loira que mexia a pa-
nela no fogão parecia descansada.
Um senhor grisalho alto e magro dançava com uma mulher de meia-idade pela cozinha. Os passos de am-
bos se fundiam com perfeição, e eles evitavam, sem olhar para os lados, as cadeiras, mesa e balcão, além da
platéia.
__ Então chegamos ao último ato – anunciou Frank, girando Molly —, e quase derrubamos o teatro.
Com uma graça impressionante, Frank jogou a mulher para os braços de outro homem encostado no
balcão e se aproximou de outra senhora ruiva.
__ Molly sabe que tenho dois pés esquerdos – brincou Dylan Crosby, passando a sogra para seu filho
mais velho. – Venha, Paul, dance com a sua avó antes que eu acabe com os pés da coitada.
Avistando Trace, o sorriso de Frank, sempre presente em seu rosto, aumentou.
__ Dancei com a sua mulher. Ela é ótima. Se você permitisse, seria uma estrela do primeiro escalão. Olá,
Freddie, venha até aqui me dar um beijo.
Trace passou-a para os braços do pai, deixando-a surpresa. Era a sua vez de girar com Frank.
__ Você sabe dançar rapaz? – perguntou a Nick.
__ Na verdade eu...
__ Pai, deixe-os respirar um pouco. – Afastando-se do fogão, uma mulher aproximou-se de Nick. – Olá, eu
sou Abby Crosby.
__ Mas antes você era O'Hurley – recordou o pai.
__ Abby 0'Hurley Crosby – corrigiu-se. – E, se você for bastante esperto, sentará bem depressa antes que
papai comece a lhe dar aula de dança.
Eles eram uma equipe, descobriu Nick. Antes de conhecer sua família, não sabia que as pessoas viviam
assim. Mas, como os Stanislaski, esse grupo confuso e barulhento era uma equipe unida.
Nick aprendeu que famílias assim sempre mantinham conversas e mais conversas. Falavam sobre os
filhos, sobre trabalhos, sobre os amigos. E eram muito ligados.
Logo que botou os pés na casa, teve uma certeza: adoraria o final de semana. Agora, quase no final da
refeição, já conseguia distinguir algumas das crianças gêmeos e trigêmeos misturados apenas para confun-
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di-lo. Mas não era de surpreender, pois Madeleine e suas irmãs, Abby e Chantel, eram trigêmeas. Trace era o
único filho homem.
Depois da refeição, Freddie e Nick concordaram com Madeleine em tocar algumas das músicas do
espetáculo.
Nick não teve dificuldades em ajustar-se ao ritmo frenético da casa. Até conseguiram trabalhar entre uma
distração e outra.
__ Mamãe? – A filha mais velha de Madeleine apareceu na sala. – Douglas está sendo bobo de novo. – O
olhar de Cassandra era sombrio ao reclamar do irmão.
__ Ele é homem, querida – falou Madeleine. – Tenha paciência.
Reed repreendeu a mulher com um olhar divertido, devido a sua opinião sobre o sexo oposto.
__ Cassie, mamãe está trabalhando, sabia?
__ Sim, eu sei. – Cassie suspirou com pesar. – Nada de interrupções, a menos que haja sangue. Talvez
venha a ter – resmungou, retirando-se.
__ Por que não começamos com o segundo verso? "Eu ainda tenho pessoas para conhecer..."
__ Com mais entusiasmo, filha – interrompeu Frank, três minutos depois. – O público do fundo não
conseguirá escutar. O tom está perfeito. Na verdade, eu estava pensando nos movimentos de Madeleine.
Sabe, acho que...
__ Papai, nós precisamos terminar a música antes de nos preocuparmos com a coreografia. Onde está
mamãe? – perguntou Madeleine, antes que Frank pudesse dizer o que havia de errado.
__ Lá fora com as crianças. Mas eu ainda acho que...
__ Talvez tenha ido tomar sorvete. – Sem a mãe por perto, Madeleine tinha de utilizar-se de táticas nada
recomendáveis para lidar com o pai. – Ouvi algo sobre uma calda quente de chocolate.
__ Verdade? – Os olhos dele brilharam feito os de uma criança. – Bem, então vou procurá-los. As crianças
não podem comer demais. Contas de dentista, sabe?
__ Sinto muito. – Madeleine ergueu a mão quando o pai saiu. – Essa é a minha família.
Nick tentou um novo acorde.
__ Tenho um começo diferente para o segundo verso – disse, mas perdeu toda e qualquer linha de pensa-
mento assim que Chantel entrou na sala.
__ Não se importem comigo. Vou me sentar no canto da sala e ficar quieta como um ratinho.
__ Um ratinho... – repetiu a irmã. – Saia daqui, Chantel, você está distraindo meu compositor.
Sabendo que era verdade, ela deu de ombros.
__ Como você é temperamental, Madeleine. Acho que vou para a piscina. Talvez as crianças queiram dar
um mergulho. – Lançou um último sorriso para Nick, depois se retirou.
__ Não se preocupe. – Madeleine deu um tapinha nas costas dele. – Ela ataca os homens dessa maneira.
Envenenamento por testosterona.
__ Segundo verso, Nick – relembrou Freddie, acertando-o nas costelas.
__ Eu... Estava apenas pensando.
Esforçando-se, Nick tentou terminar o verso e entrar no refrão, mas então Abby passou correndo ao lado
da janela, gritando e fugindo do marido, que tentava acertá-la com uma pistola d'água.
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__ Essas crianças... – falou Reed, meneando a cabeça. – Por que não consideramos hoje como um ótimo
dia de trabalho e aproveitamos para descansar? Um mergulho é uma excelente idéia.
__ Brilhante, por sinal – concordou Madeleine.
__ Vão em frente. – Freddie pegou uma partitura. – Eu ainda quero tocar por alguns minutos.
__ Venham quando terminarem – disse ela, dando a mão para o marido. – Se conseguirem sair daí...
Nick esticou o pescoço para espiar a piscina.
__ Acha que ela usará biquíni?
Freddie franziu o cenho.
__ Madeleine?
Ambos sabiam a quem ele se referia. Vendo que Nick estava perdido com a possibilidade de tantas
mulheres em trajes de banho, Freddie caiu na risada.
__ Menino travesso!
__ Você acha que Abby também vai nadar?
__ Acho que você pode se meter em uma enrascada se continuar cobiçando a mulher do próximo. Agora,
se conseguir controlar seus hormônios, gostaria de tocar You're not here mais uma vez. Acho que Madeleine
retomará depois.
__ Agora? Duvido.
__ De qualquer modo, precisamos aperfeiçoar o refrão.
"Concordo", pensou Nick, achando melhor trabalhar apenas com a companhia de Freddie.
__ Tudo bem. Eu estava pensando em...
Freddie fechou os olhos e escutou com atenção as primeiras notas. Aprovando, colocou sua voz na
música. No jardim, Madeleine cutucou a irmã e apontou para dentro.
__ Escute.
__ É adorável – murmurou Abby, com os olhos cheios de lágrimas. – Triste e romântica. Ela não sabe
esconder o fato de estar apaixonada quando canta.
__ Não. – Chantel abraçou Abby, de modo que as três ficaram lado a lado. – Acho que estão um pouco
envergonhados conosco.
__ Nós os envergonhamos... – Com a música na cabeça, Madeleine dirigiu-se para a piscina.

Dylan tentava afogar uma das filhas de Trace. Os trigêmeos de Chantel brincavam na bóia, e Gillian e
Cassie jogavam bola. Douglas jogava água na filha mais velha de Abby.
Frank estava sentado à mesa, deliciando-se com um belo sundae na companhia dos gêmeos de Trace.
Paul e Chris, filhos de Abby, eram jovens altos, bonitos, e discutiam sobre qual CD colocar para tocar. Quinn e
Trace descansavam à sombra, bebendo cerveja e trocando histórias sobre guerra, enquanto Molly aplaudia
uma das netas, que dava saltos ornamentais. Aaron e o filho mais novo de Abby procuravam insetos com mais
de duas patas na grama. Júlia os seguia com um pote de vidro na mão.
"Minha família", deliciou-se Madeleine, acenando para Reed. "Todos presentes e se divertindo."
__ Eu me sinto ótima. – Madeleine respirou fundo e virou o rosto para o sol. – E tenho uma forte intuição de
que aqueles dois ao piano me ajudarão a conseguir mais um Tony.
Incapaz de resistir, Chantel provocou-a.
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__ Querida, você já ganhou algum prêmio?


Caindo na risada, ela saiu correndo, com Madeleine atrás. À noite, quando a casa estava silenciosa, Nick
abraçou Freddie, que descansou a cabeça em seu ombro. Como Madeleine os colocara em quartos separa-
dos, ele não sentia a menor culpa em escapar para o de sua amada.
Era uma delícia ficar apenas deitado, escutando as batidas de seu coração voltando ao normal, seu corpo
deliciado com o ato de amor. Freddie adorava a sensação de liberdade. Como será que conseguira dormir sem
Nick até esse dia?
__ Cansada?
__ Um pouco. Relaxada, eu diria. O dia foi longo. Adorei revê-los. E como as crianças cresceram!
__ São uma família muito unida.
__ É mesmo. Acho maravilhoso como eles se agendam para poder passar uma ou duas semanas juntos.
De vez em quando, vão para a fazenda de Abby e Dylan, na Virgínia. – Freddie suspirou, sonolenta, e
aninhou-se mais nos braços de Nick, que começou afagar-lhe os cabelos. – Fui lá duas vezes. É linda, cheia de
montanhas, de cavalos. E a casa é muito espaçosa.
__ Nunca se tem espaço suficiente com tantas crianças juntas. Abby é mãe das gêmeas, não?
__ Não, elas são de Trace e Gillian. Abby tem quatro, mas um nasceu de cada vez: Paul, Chris, Eva e Jed.
__ Quatro – repetiu Nick.
__ Você adora crianças, não é?
Freddie endireitou-se, levantando um pouco a cabeça, de modo que conseguisse ver o rosto amado. Era
belo, heróico, parecia um personagem de uma lenda medieval.
__ Sim, mas me espanta o fato de as pessoas conseguirem lidar com tantas e ao mesmo tempo.
Freddie ficou embevecida com a beleza dos olhos verdes, gélidos, em seu rosto escultural. Queria ser
possuída outra vez. E depois de novo.
__ Gosto de famílias grandes. Fui uma criança solitária por muitos anos. Só não fiquei sozinha porque
tinha papai. Mas tudo ficou perfeito quando Natasha apareceu. Eu queria uma irmã menor, mas Brandon
nasceu primeiro, e eu gostei.
Nick fora uma criança solitária. E como! E não tinha um pai.
__ Sempre quis um irmão. E Zack apareceu na minha vida. – Nick arrepiou-se. – Ele foi para o mar, e eu
não.
__ Foi difícil para você quando ele partiu.
__ Sim, mas Zack fez o que tinha de ser feito. Na hora, achei que estava sendo abandonado. Mas mais
tarde consegui superar.
__ Agora você tem seu irmão de volta e uma grande família. Nunca mais ficará sozinho, a não ser que
queira. É por isso que pretendo ter três filhos.
Um pequeno alarme de advertência na mente de Nick. Olhou para ela e depois focalizou o lustre no teto.
__ Que bom.
Resposta sucinta, pensou Freddie, tomando o cuidado de não suspirar. Era demais pensar em ter filhos. E
com Nick. A hora era perfeita para mudar de assunto.
__ Chantel não parece mãe de ninguém.
__ Bem, ela é. E se quer um conselho de amiga, tente evitar ficar de boca aberta toda vez que ela aparece.
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__ Ciúme?
Surpresa e ao mesmo tempo insultada, Freddie gargalhou. Teve de sentar-se na cama para conseguir re-
cobrar o fôlego.
__ Eu? Com ciúme? Sim, Nick, estou verde de ciúme. Não há dúvidas de que Chantel largaria o marido
para fugir com você. Todos percebem que eles apenas se toleram. É por isso que o ar fica tão elétrico quando
estão no mesmo ambiente.
O orgulho de Nick estava um pouco ferido.
__ Então ela enjoou do marido? Como você acha que ele encara as cenas mais quentes que ela faz no
cinema?
__ Sabendo que Chantel não está representando quando estão juntos, imagino eu. – Incapaz de resistir,
Freddie passou os dedos pelos cabelos dele. – É esse o objetivo do casamento. Confiança e respeito, bem
como amor e paixão.
Mais um sinal de alerta.
__ Acho que sim. – Foi seu único comentário. – Zack não vai acreditar quando eu chegar e lhe contar que
conheci Chantel O'Hurley. Ele assistiu a todos os filmes com ela mais de dez vezes. Acho que até sabe alguns
de cor.
__ E pretende provocá-lo?
__ Exato.
Nick, mais calmo agora, olhou para Freddie. Era tão bonita, tão... mágica. A luz do luar refletia sobre a pele
alva. Os cabelos estavam despenteados, do jeito que mais gostava; os lábios, um pouco curvados.
__ Então você não está cansada?
Mais do que interessada, Freddie percorreu o peito musculoso com os dedos. Estivera pensando em algo
que a agradava: Nick.
__ Vamos começar tudo de novo?
__ Estou apenas recobrando minhas forças.
__ Muito bem – disse ela, posicionando-se sobre Nick. – Fique sossegado, dessa vez você não precisará
delas.
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Capítulo 10

V
ocê está me dizendo que conheceu Chantel O'Hurley?!
__ Sim, foi isso o que eu falei. – Era uma grande chance para Nick zombar do irmão. Todo o
mundo sabia que a deusa loira habitava as fantasias de Zack, como Raquel colocara, seca. – A
mesma Chantel O'Hurley cujos filmes você compra assim que saem em vídeo. – Levou mais uma caixa de
refrigerantes para a despensa.
__ Espere só um instante. – Indo atrás de Nick, de mãos vazias, Zack segurou-lhe o cotovelo. – Quer dizer
que conheceu-a em carne e osso?
__ Sim, e devo lhe dizer que não conseguia parar de encará-la. Nós jantamos juntos várias vezes. – Nick
falava como se fosse algo normal, nada fora do comum. – É lógico, as irmãs também estavam lá. As duas são...
__ Deixe as irmãs para conversarmos mais tarde. Você jantou com ela, mesmo? Só com ela? – Zack não
sabia o que fazer. – Juntos? Você e Chantel O'Hurley?
__ Exato. – E com toda a família, incluindo as crianças, mas não havia necessidade de mencionar tais de-
talhes insignificantes. – Contei a você que passaria alguns dias com Madeleine e Reed.
__ Eu não pensei... – resmungou Zack. – Não me dei conta... Se você jantou mesmo com Chantel
O'Hurley, diga-me como é pessoalmente.
__ Hum!
__ Conte-me, Nick. Você está me matando de curiosidade. – Vítima de suas próprias fantasias, Zack saiu
correndo atrás do irmão. – Quero dizer, como Chantel é na vida real?
__ Ela ficou muito bem com um biquíni preto.
__ Biquíni! – Extasiado, Zack apertou a mão contra o coração. – Você a viu de biquíni?!
__ Nós nadamos juntos algumas vezes.
Na verdade, Freddie e Nick ficaram brincando com os trigêmeos na piscina. Mas para que entrar em
pormenores?
__ Nadou com ela... – Zack respirou fundo. – Que tal?
__ Normal.
__ E vocês conversaram?
__ O tempo todo. Ela é inteligente e culta. Perfeita. Uma mulher bonita e sábia. Nós nos divertimos
bastante.
__ Sei. – Era uma diversão inofensiva, Zack pensou, para um homem bem casado que adorava a mulher.
– Você a conheceu, mesmo? – Suspirou e serviu-se de um drinque.
__ Não apenas a conheci. Eu a beijei.
__ Pare de contar lorotas!
__ Tem razão, eu não a beijei.
__ Pare de brincar, Nick.
__ Ela me beijou. – Apoiou-se no balcão e levou os dedos aos lábios. – Bem aqui.
__ Você está parado aí me dizendo que Chantel O'Hurley o beijou... na boca?
__ Por que eu mentiria para você?
Zack ficou a pensar.
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__ Não é possível, Nick. Duvido que fosse capaz de mentir para mim, ainda mais sobre um assunto como
esse.
Antes que Nick pudesse perceber suas intenções, Zack segurou-o pelo braço e beijou-o, como fizera
Chantel: na boca.
__ Droga, Zack! O que está acontecendo com você? – perguntou Nick, esfregando os lábios. –
Enlouqueceu?
__ Ei, pense que é o mais próximo que posso chegar de você. – Satisfeito, Zack levou a última caixa de
cerveja para a despensa. – Um homem tem seus sonhos, camarada.
__ Então mantenha os seus bem longe de mim. – Nick limpou mais uma vez a boca. – E se alguém tivesse
visto?
__ Só estamos nós dois aqui, irmão. E gostei de você ter vindo me ajudar antes de ir para a cidade.
__ Não comente nada com ninguém. Ficarei quieto no meu canto.
__ O que Freddie achou da estada na casa de pessoas ricas e famosas?
__ Ela está acostumada. – Nick enxugou o pescoço, que começava a suar. – Foi educada em ambientes
abastados, lembra?
__ Tem razão. É difícil admitir. Mas aqui em Nova York ela é apenas Freddie.
Terminaram de guardar as mercadorias e foram ate a geladeira servir-se do chá gelado que Patrick havia
lhes preparado.
__ Está quente para junho – comentou Zack. – Você terá de consertar o ar-condicionado no seu quarto.
__ Antes tarde do que nunca.
Parecia uma ótima maneira de começar o assunto.
__ Estava pensando, Nick... Sua carreira vem crescendo a olhos vistos e tudo... – Tudo era Freddie, mas
ainda era cedo para tocar no nome dela. – Você pode não querer mais ficar aqui.
__ Lá em cima?
__ Sim, e aqui no bar também, trabalhando.
Estranhando, Nick colocou o copo no balcão.
__ Você está me despedindo?
__ É evidente que não. A verdade é que não sei o que faria sem você agora. Mas comecei a me preocupar
por achar que possa estar se sentindo obrigado. Ser barman não era a sua perspectiva para o futuro.
__ Nem a sua.
__ É diferente, Nick. – Zack meneou a cabeça quando encontrou os olhos do irmão. – Tudo bem, talvez
não fosse. Tive a chance e fiz a minha escolha. E a verdade é que adoro este lugar. Ele me faz feliz. Mas não
quero que você fique preso aqui apenas por obrigação. Sei que tem outros objetivos para a sua vida.
__ Você continua o mesmo...
__ É o hábito.
Os lábios de Nick se curvaram.
__ Vamos colocar de outra forma. Mais cedo ou mais tarde, terá de contratar outro barman e outra pessoa
para tocar piano. Por enquanto, trabalhar no turno da noite não tem interferido na minha carreira como
compositor. E, se a música for um horror, precisarei de amparo financeiro.
__ Não seja modesto, Nick, você sabe que é muito bom.
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__ Tem razão, mas vamos deixar tudo como está. – Olhou para o relógio e resmungou. – Estou atrasado.
Prometi a Freddie que começaríamos a trabalhar meia hora atrás. Até mais tarde, meu irmão.
Sozinho, Zack voltou para trás do balcão. Não, pensou ele, não estava no convés de um navio nem com as
mãos no leme. E Raquel não era uma artista de cinema deslumbrante. Sorriu e terminou de tomar o chá gelado.
Era um homem muito feliz.
Para mudar o cenário, Nick decidiu que estava na hora de experimentar o piano de Freddie. Apesar das
distrações, do barulho e da vontade de ficar apenas se divertindo, em vez de trabalhar durante a visita aos
O'Hurley, eles haviam conseguido progredir bastante.
Nick preferiria esperar mais um ou dois dias para retomar o trabalho, mas ela quisera recomeçar logo de
cara. Então decidiram começar à tarde no apartamento de Freddie. Faltavam apenas alguns acertos no fe-
chamento do primeiro ato.
__ Está ótimo – decidiu Nick. – Achei excelente não termos terminado quando Frank estava por perto. Ele
na certa já estaria se ocupando da coreografia.
__ Também gostei, mas acho que...
__ Não, é hora de pararmos de pensar. – Levantou-se e tomou-a nos braços.
__ Solte-me, Nick. Nós ainda nem começamos o número de abertura do segundo ato.
__ Fica para amanhã.
__ Hoje – insistiu Freddie, tentando se desvencilhar. – Nick, estamos na metade do dia.
__ Melhor ainda.
__ É você quem sempre diz que temos muito trabalho para fazer.
__ Isso era quando eu tentava evitar o que vou fazer agora.
Levou-a até o quarto e jogou-a na cama.
__ Nós ainda não terminamos nossa parte de hoje, Nick.
Quando ele sorriu e começou a desabotoar-lhe a blusa, Freddie tentou levantar-se.
__ Não é sobre essa parte que estou falando.
__ Você está tentando me induzir a seduzi-la?
__ Não. – No mesmo instante, Freddie pensou melhor. Meneando a cabeça, lançou-lhe um olhar pensa-
tivo. – Talvez.... Isto é, se você acha que consegue...
Nick já tinha desabotoado a camisa. A idéia de um desafio colocava uma nova aventura no prazer que
antecipava. Sentou-se na beirada da cama e começou a observá-la.
__ Apenas o seu olhar não me atrai muito.
__ Gosto de ficar olhando para você.
__ Que comovente, Sr. Romance.
__ Você deve se lembrar de que não é o meu tipo, de acordo com uma fonte incontestável. – Pegou-a pela
cintura e segurou-a na cama, para que não escapasse.
__ Não estou interessada – disse Freddie. – Solte-me.
__ Sim, você está interessada, sim. Por que seu coração está batendo tão depressa? Olhe só...
__ É impressão sua.
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__ Mas não é mesmo. Eu a conheço, Freddie. Quando você fica irritada, forma-se uma linha bem aqui –
disse, passando a mão por entre as sobrancelhas dela. – Exatamente assim. – Nick beijou-a, satisfeito, quando
as linhas sumiram.
__ Não quero que você... – Freddie esqueceu o que ia dizer no instante em que seus lábios se tocaram.
__ O que disse?
__ Para...
__ Foi o que pensei.
Qual homem seria capaz de resistir a uma mulher como aquela? Freddie se deliciava com o beijo e não
fazia nada para dissimular a excitação. Apenas deixava acontecer.
Nick queria fazer amor com Freddie de imediato. Devagar e com calma, para que todo o seu ser pudesse
absorver cada pequena e sutil mudança nela. Um toque, e Freddie se entregava. Um murmúrio, e evidenciava
seu prazer. Parecia que não havia nada em Nick a que Freddie não respondesse cheia de desejo.
Ele queria vê-la por inteiro, enquanto o sol entrava pela janela, trazendo consigo o barulho do trânsito.
Suas mãos foram pacientes ao recomeçar a abrir-lhe os botões da blusa. Por baixo, Freddie usava um sutiã de
algodão com um singelo laço no meio. Nick percorreu os dedos sob o elástico, e ela suspirou.
Era sempre assim, pensou Freddie. Sem esforço e com amor. Todas as vezes que ficavam juntos era
sempre simples. E tão perfeito...
Freddie percebeu a própria excitação florescer dentro de seu corpo, como um rosa, pétala por pétala. Era
tão fácil se entregar a Nick, trazê-lo para perto, de modo que seus lábios se encontrassem e seus corpos se
fundissem em um só!
A suave brisa que penetrava pela janela a tocava, bem como as mãos de Nick. Sua pele esquentava,
esfriava, esquentava, esfriava. Como em um sonho, os sons da rua e os raios de sol se encaixavam como um
pano de fundo, um tipo de palco para suas fantasias.
Freddie arqueou as costas para ajudá-lo a tirar seu sutiã. Nick tirou a calça e jogou-a longe, bem como a
camisa.
Freddie não soube dizer quando seu coração disparou, ou quando o calor aumentou. A urgência latente
invadiu seu corpo como uma droga, indo direto para seu sangue. Estava agarrada a Nick, movimentando-se
com frenesi sobre ele.
__ Eu te quero agora, Nick.
O prazer, de repente, tornou-se obscuro, perigoso, transformando-se de sonhos enevoados em um
acesso de ganância. A paixão os consumiu, levando-os, juntos, ao mais perfeito clímax.
Ninguém nunca dera a Nick nada igual. Freddie era uma mulher ímpar.

Já era tarde quando Nick pôs-se a pensar. Ele e Freddie estavam deitados na cama, abraçados, exaustos
como crianças depois de um dia de brincadeiras. Nick nunca fora romântico com ela: nada de velas, garrafas e
taças de vinho, flores ou passeios de mãos dadas pelo Central Park em um domingo ensolarado.
Ela merecia mais, muito mais. Outra vez tentara convencê-la de que tinha direito a coisas que não podia
lhe oferecer. Como Freddie não lhe dera ouvidos, tudo o que tinha a fazer era oferecer algo em troca.
Desejou poder oferecer o mundo a Freddie.
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De onde viera esse pensamento?, imaginou Nick, soltando a respiração devagar. A emoção tentava
consumi-lo, alcançando-o como uma tormenta. Aquecendo-o feito o fogo. Chamando-o feito a música.
Quando parara de vê-la como sobrinha? Quando começara a amá-la como mulher?
"Pare com isso, pare com isso!", advertiu-se. Seria desastroso para ambos se deixasse o que tomava
forma dentro de seu peito sair do controle. "É melhor voltar à idéia inicial", decidiu, forçando-se a pensar que
não lhe daria nada além de um jantar especial.
__ Você tem um monte de roupas engraçadas no seu closet.
Freddie sorriu ao notar que Nick reparara em seu guarda-roupa.
__ Nós estamos sempre fazendo compras na Virgínia Ocidental, e procuramos não repetir as roupas.
__ Não comece... Eu adoro a Virgínia Ocidental.
Freddie crescera lá, em uma casa grande, com móveis antigos e uma governanta. E Nick crescera em um
bar, e nas ruas, com um pai que preferia o uísque. "Lembre-se sempre de seu passado, Nick LeBeck, antes de
enfiar qualquer idéia maluca em sua cabeça."
__ Que tal você vestir uma roupa bem bonita para sairmos?
__ Sair? – Intrigada, Freddie sentou-se na cama e esfregou os olhos. – Aonde vamos?
__ Aonde você quiser ir. Tenho alguns contatos por aí. Poderia conseguir algumas entradas para um
musical ou teatro.
Freddie sorriu, deliciando-se com a idéia de um encontro.
__ Acho que já é tarde para tentar obter entradas.
__ Não se sabemos para quem telefonar.
Nick passou o dedo pelo braço de Freddie, que suspirou, contente. Ela imaginou se ele se dera conta de
que a tocara da mesma maneira cinco minutos atrás. O que se passava na cabeça de Nick?
__ E depois poderemos jantar em um restaurante. Conheço um que serve comida francesa. Você adorará.
Seria ótimo. – Freddie não sabia como reagir e, antes que pudesse dizer algo, Nick já estava em pé se
vestindo. – Vá se aprontar. Darei alguns telefonemas e depois irei para a minha casa. Espero você daqui a uma
hora.
Nick inclinou-se para beijá-la e foi embora, deixando-a com os olhos arregalados. Talvez não fosse Sir
Lancelot, pensou ela, sorrindo. Mas tinha seus momentos.
Freddie usou cada minuto do tempo que tinha para se embelezar. Torceu para que Nick apreciasse o
conjunto de seda azul que escolhera.
Chegando ao bar, passou pela cozinha e cumprimentou Patrick, que assobiou, elogiando-a. Subiu as
escadas, bateu à porta e entrou.
__ Agora é você quem está atrasado!
__ Tive de ajudar Zack com uma entrega.
__ Ah... – Freddie mordeu o lábio. – Eu tinha até me esquecido do turno da noite.
__ Hoje é minha folga. – Nick saiu do quarto vestindo a jaqueta. Sorriu, aprovando. – Muito bom.
__ Você tem um jeito ímpar de elogiar as pessoas, Nick.
__ Que tal isso? – Tomou-a nos braços, deixando-a na ponta dos pés, e beijou-a.
__ Melhor – respondeu Freddie assim que conseguiu respirar. – Bem melhor.
De repente, Nick ficou nervoso e soltou-a.
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__ Nós ainda temos um tempo para tomar um drinque.


"Por que não finjo ser barman pessoal de Freddie Kimball?"
__ Ótimo. Eu gostaria de tomar uma taça de vinho tinto.
__ Acho que tenho uma bebida que a agradará ainda mais. – Pegou uma garrafa de champanhe.
Freddie arregalou os olhos.
__ Pelo visto, a noite de hoje será memorável.
__ É essa a intenção. – Nick percebeu que gostava de surpreendê-la, fazer algo fora do normal por
Freddie. – Um brinde aos laços de família – disse, tocando o copo dela com o seu.
Freddie sorriu, erguendo o próprio copo.
__ Posso saber o motivo de tanto bom humor? Não estou entendendo nada.
__ Ainda não sei se consigo explicar – respondeu Nick, sentindo um frio na espinha.
O fato de não ter explicação não o irritou como achou que aconteceria. O motivo era um só: estava muito
contente. E ficava mais feliz ainda cada vez que olhava para Freddie. Tinha certeza de que poderia ficar
observando-a durante a vida toda. Quando esse pensamento inesperado se formou em sua mente, ele parou
de respirar e arregalou os olhos.
__ Está tudo bem? – Solícita, Freddie deu-lhe um tapinha nas costas.
__ Sim... Sim, obrigado, eu estou bem.
Então foi a vez de Freddie ficar nervosa.
__ Por que está me olhando assim, Nick? – perguntou, dando um passo para trás.
__ Assim como?
__ Como se nunca tivesse me visto antes.
__ Não sei. – Mas era mentira. Ele já a vira antes, e muito, mas não com os olhos de um homem
apaixonado.
Nick descobrira que acontecera algo surpreendente. Tinha se apaixonado perdidamente por sua melhor
amiga.
__ Vamos nos sentar. – Era do que mais precisava.
__ Tudo bem. – Com cautela, Freddie acomodou-se no sofá. – Nick, se você não estiver bem, nós po-
deremos sair outro dia.
__ Não, imagine. Quem disse que há algo errado?
__ Você está pálido.
Nick acreditou que sim. Jamais estivera apaixonado antes. Já tivera diversos relacionamentos, mas nada
parecido com esse. Pelo visto, chegara ao ponto culminante. Com Freddie.
Já começava a se acostumar ao fato de serem amantes. Mas estar apaixonado era algo bem diferente.
Pena que não fosse capaz de controlar sua imaginação fértil.
__ Freddie, tudo tem acontecido tão depressa entre nós...
Ela franziu a testa.
__ Se você acha que uma década é pouco tempo...
__ Sabe o que estou querendo dizer. Penso que a estou importunando durante nosso trabalho.
O arrepio que percorreu a espinha de Freddie foi gelado e cheio de medo. Mas conseguiu manter a calma
na voz:
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__ Você está tentando se livrar de mim?


__ Não. – A simples idéia o abalou. Perdê-la agora era algo impensável. – Não! – repetiu Nick, segu-
rando-lhe a mão com firmeza. – Eu te quero tanto, Freddie! E só agora começo a perceber quanto.
O coração dela se encheu de alegria.
__ Eu sou toda sua, Nick – respondeu, baixinho. – Sempre fui.
__ As coisas mudam. – Ainda não sabia como expressar da maneira mais adequada. Mas tinha de
deixá-la a par do que estava sentindo. – Não apenas porque fomos para a cama. Tudo o que está acontecendo
entre nós nunca aconteceu comigo antes. É algo muito forte.
__ Nick! – Contente ao máximo, Freddie segurou-lhe o rosto. – Você nunca me disse algo tão bonito antes.
Não esperava escutar isso tão cedo.
Nem ele. Agora, assustado, temia que não conseguisse encontrar as palavras exatas.
__ Não quero ser precipitado, Freddie, mas acho que você deve saber que...
Os pesados passos na escada interromperam a conversa. Nenhum dos dois se mexeu quando Patrick
apareceu, com a expressão preocupada.
__ Nick, acho melhor você descer.
Seu coração disparou.
__ Zack?
__ Não, não é nada com Zack. – Patrick lançou um olhar de desculpas a Freddie. – Acho melhor você vir
comigo.
__ Fique aqui – ordenou Nick, mas o cozinhem o contradisse.
__ Não, acho melhor Freddie vir também. Ela pode nos ajudar. – Quando Nick passou ao seu lado, Patrick
segurou-lhe o ombro. – É Maria.
Nick hesitou, mas logo olhou para Freddie. Não havia como mantê-la fora do assunto.
__ Ela está muito mal?
Patrick meneou a cabeça e esperou que os dois o acompanhassem. O nome não significava nada para
Freddie. Imaginou que seria uma antiga namorada de Nick que aparecera bêbada no bar.
Mas o que viu na cozinha logo afastou esse pensamento. Era uma mulher negra, magra e que com certeza
fora bela um dia, mas as marcas do cansaço a envelheciam. E estava cheia de cicatrizes.
Cabisbaixa, ficou imóvel na cadeira. Tinha um bebê com mais ou menos três meses no colo e uma garota
sentada a seus pés, com o dedão na boca. A outra criança estava sentada em uma cadeira ao lado da mãe,
chorando baixinho.
Nick sentiu vontade de esbofeteá-la. Como uma mulher tão bonita, tão cheia de vida podia ser tão burra?
Em vez disso, porém, caminhou até ela e ergueu-lhe o queixo com cuidado. A primeira lágrima escapou-lhe dos
olhos assim que o encarou.
__ Sinto muito, Nick. Sinto tanto... Eu não sabia aonde ir.
__ Você não precisa se desculpar por ter vindo até aqui. Olá, Cario. – Ele tentou sorrir para o garoto, mas
de nada adiantou, pois o pequeno se manteve imóvel, porque sabia que não devia confiar em mãos grandes. –
Como vai essa menina linda? É Jenny?
Nick pegou-a no colo. Ela encostou-se em seu ombro sem tirar o dedo da boca.
__ Patrick, por que você não prepara uns sanduíches para as crianças?
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__ Já estão quase prontos.


__ Jenny, quer se sentar no balcão e olhar Patrick cozinhar?
A menina fez que sim, e Nick acomodou-a. Cario foi logo atrás.
__ Não quero lhe causar mais problemas, Nick – começou Maria, levantando-se para ninar o bebê.
__ Aceita um pouco de café? – Sem esperar a resposta, Nick encheu uma xícara. – O bebê está com
fome, Maria.
__ Eu sei. – Com um esforço terrível, ela abaixou-se para pegar a sacola no chão. – Não posso mais dar
de mamar, mas consegui comprar um pouco de leite em pó.
__ Posso prepará-lo – ofereceu-se Freddie. Com um sorriso confortante nos lábios, estendeu o braço para
pegar a lata e a criancinha. – Você não se importa se eu segurá-la?
__ Não, é claro que não. Ela é uma boa menina. É que... – De repente, Maria começou a chorar, em
silêncio.
__ Você está a salvo aqui – animou-a Freddie. — Tudo ficará bem.
__ Estou tão cansada!
__ Maria. – Nick deu-lhe a xícara com o café forte. – Você apanhou de novo, não foi?
__ Nick! – Freddie lançou um olhar de advertência por causa das crianças.
__ Acha que eles não sabem o que está acontecendo? – Mesmo assim, ele baixou a voz: – Bem-vinda à
realidade. – Nick sentou-se ao lado de Maria e segurou-lhe as mãos trêmulas. – Você vai à delegacia dessa
vez?
__ Não posso. Não sei o que aconteceria comigo se ele descobrisse. Reece é louco, e você sabe como
fica quando bebe.
__ Sim. – Nick passou a mão pelo peito. Tinha uma cicatriz como lembrança. – Você me falou que o
largaria, Maria.
__ Eu o larguei. Juro! Não mentiria para você, Nick. Estava naquele apartamento que você me ajudou a
alugar antes de o bebê nascer. Não aceitaria Reece de volta não depois do que aconteceu na última vez.
Esse dia, Reece a jogara escadaria abaixo. E Maria estava grávida de seis meses.
__ Então como conseguiu esse olho roxo e todos os machucados?
Maria olhou para a xícara em suas mãos e levantou-a para tomar um gole. Patrick lhe trouxe um prato.
__ Vou levar as crianças para comer lá dentro.
__ Obrigada. Comportem-se crianças. Não atormentem Patrick. – Maria quase sorriu para Freddie quando
a viu sentar-se para dar de mamar ao bebê. – Ela se chama Dorothy, como em O Mágico de Oz. As crianças
escolheram o nome.
__ É um doce de menina.
__ Agradeço a Deus por ter me mandado uma criança tão adorável. Dorothy quase nunca chora e dorme
a noite toda.
Nick interrompeu-a, perdendo a paciência.
__ Maria!
__ Ele não pára de me telefonar, diz que quer ver as crianças – continuou ela, respirando fundo.
__ Reece não dá a mínima para os filhos.
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__ Eu sei. – Maria esforçou-se para que os lábios parassem de tremer. – Mas ele me pareceu tão triste ao
telefone e veio visitá-los... Trouxe até sorvetes.
Maria sabia que ter esperanças, nesse caso, era uma idiotice.
__ Não pensava em aceitá-lo de volta. Apenas achei justo deixá-lo ver os filhos. Mas sempre ficava por
perto para certificar-me de que não beberia. Hoje à noite, entretanto, quando eu estava no quarto com Dorothy,
Jenny o deixou entrar. Logo percebi que estava bêbado e mandei-o sair. Mas já era tarde demais.
__ Vá com calma. – Nick levantou-se para pegar um pouco de gelo a fim de aliviar-lhe os machucados.
__ Reece começou a chutar tudo, a jogar objetos no chão e a gritar. Levei as crianças até o quarto para
que ele não as machucasse. Isso o deixou mais furioso ainda. Então, veio atrás de mim, mas consegui me
trancar com as crianças. Nós escapamos pela escada de incêndio e corremos.
__ Nick? – chamou Freddie. – Segure o bebê. Eu vou cuidar dos ferimentos – disse, pegando um pano
molhado. Com mãos hábeis, começou a limpar o rosto de Maria.
Enquanto o fazia, procurava confortá-la com palavras afetuosas sobre as crianças, sobre o bebê. Quando
percebeu que a mulher começou a responder, sentou-se de novo e segurou-lhe as mãos.
__ Pode ir a vários lugares seguros para você e seus filhos, Maria.
__ Ela tem de chamar a polícia. – A voz de Nick era dura, mas ele aninhava o bebê no colo com
delicadeza.
__ Não discordo de Nick, mas compreendo o seu medo, Maria. Você terá total apoio no abrigo de mu-
lheres. Eles também ajudam as crianças.
__ Nick já tinha me dito para ficar em um abrigo, mas achei melhor enfrentar a situação sozinha.
__ Todo o mundo precisa de ajuda de vez em quando.
Maria fechou os olhos e tentou juntar toda sua coragem.
__ Não posso permitir que Reece machuque meus filhos. Nunca mais. Irei para o abrigo se você achar
certo, Nick.
__ Freddie, vá até o apartamento e pegue a minha agenda telefônica, por favor. Na letra K, procure por
Karen. Telefone para ela e explique a situação.
__ Tudo bem.
Quando saiu, escutou Maria chorando de novo. Freddie acabara de desligar o telefone quando Nick entrou
e ficou a estudá-la no elegante vestido.
__ Não sei como agradecer, Freddie. E o pior é que ainda não acabou.
__ Fique sossegado, Nick. Mas não entendi o que você quis dizer. Coitada de Maria...
__ Quero que os leve para o abrigo. Não gostam de receber homens lá. Eu ficaria mais tranqüilo se sou-
besse que você a levou.
__ É claro que sim. Voltarei assim que...
__ Não, vá para casa. – A ordem escapou-lhe dos lábios. – Volte para o seu apartamento depois de dei-
xá-los no abrigo. Tenho um assunto para resolver.
__ Mas, Nick...
__ Não tenho tempo para discutir com você. – Virou-se e saiu, batendo a porta.
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Nick tinha algo a fazer... Deduziu que seria bastante simples encontrar seu antigo companheiro de rua.
Reece continuava a fazer parte das mesmas gangues que costumavam freqüentar quando adolescentes.
Ainda andava pelas ruas e pelos ambientes sombrios onde alguns dólares comprariam uma boa quantidade de
drogas.
Nick encontrou Reece abraçado a uma garrafa de uísque, num botequim a algumas quadras do Lower the
Boom. O ar estava empesteado de fumaça, o chão, cheio de cascas de amendoim.
__ Reece!
Ele engordara com o passar dos anos. Não era o peso da maturidade, mas a obesidade decorrente da
bebida. Virou-se aos poucos no banco e esfregou os olhos embaçados.
__ Vejam só se não é o honesto LeBeck. Traga uma bebida para o meu amigo, Gus, e mais uma dose para
mim. Coloque tudo na conta dele. – Reece achou suas palavras tão engraçadas que caiu na gargalhada.
__ Não quero nada! – esbravejou Nick.
__ Você é bom demais para tomar um drinque com um velho amigo, LeBeck?
__ Não bebo com pessoas que atiraram em mim, Reece.
__ Ei, eu não estava apontando para você. – Reece bebeu o resto do uísque e bateu o copo na mesa,
indicando que queria outro. – E fiquei preso tempo suficiente. Cinco anos, três meses e dez dias. – Tirou um
maço de cigarros do bolso e puxou um com os dentes. – Ainda está magoado comigo por causa de Maria, não
é mesmo? Ela sempre teve uma atração fatal por mim. Nós saíamos juntos quando você achava que ela era só
sua.
__ Um homem esperto aprende a deixar o passado para trás, Reece. Mas você nunca foi muito brilhante.
E por causa de Maria que vim aqui. E vamos conversar agora.
__ A minha mulher é um assunto só meu. E as crianças também.
__ Eram, talvez. – Havia um lobo furioso dentro de Nick, com garras afiadas. – Você nunca mais chegará
perto deles de novo. Jamais. E se tentar se aproximar, eu o matarei.
Suas palavras foram tão suaves e saíram com tamanha casualidade que o dono do bar foi até a gaveta da
caixa registradora verificar se sua arma estava lá. Reece grunhiu. Lembrou-se dos dias longínquos. Nick não
tinha coragem de cumprir suas ameaças. Sempre vacilava na hora H.
__ Aquela tagarela foi correndo para você de novo?
__ Sim, Maria está no bar. Dessa vez não se machucou muito. Nem teve de ir para o hospital.
__ Um homem tem o direito de mostrar à esposa quem manda na casa. – Respirando fundo, Reece en-
goliu a nova dose de uísque em um só gole. – Ela vivia me provocando. Maria sabia que eu não queria a última
criança. Mas que droga, o primeiro fedelho nem filho meu é. Aquele bastardo! Então não venha me dizer como
devo tratar a minha mulher.
__ Não vou lhe dizer. Eu vou lhe mostrar. – Nick colocou-se em pé. – Levante-se, Reece.
Os olhos avermelhados começaram a brilhar.
__ Vai me acertar, colega?
__ Levante-se – repetiu Nick.
Vendo que o proprietário se movimentava, pegou a carteira no bolso e tirou algumas notas, jogando-as em
cima do balcão.
__ Acho que isto cobre o prejuízo.
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Ele pegou o dinheiro e contou-o.


__ Tudo bem.
__ Quem você pensa ser, Nick LeBeck? – Reece levantou-se da cadeira. – Sou eu quem vai acertá-lo.
Não foi nada bonito. A primeira chance, o maltrapilho deu seu golpe e se esquivou. Os outros se levan-
taram das mesas para assistir ao espetáculo.
O uísque só deixava Reece mais furioso. O soco acertou a têmpora de Nick em cheio, deixando-o tonto.
Em seguida, levou um golpe na barriga. Reagindo, juntou suas forças e acertou o maxilar do adversário. Seguiu
com a sucessão de socos metódicos, frios e calculistas. O nariz de Reece sangrou assim que ele caiu de cara
sobre uma mesa. A madeira cedeu com tanto peso.
Com um grito de raiva, Reece pulou em cima de Nick como um búfalo, cabisbaixo e com os punhos
cerrados. Nick esquivou-se do primeiro golpe, mas, como o bar era pequeno, não tinha aonde ir. Acertou,
então, o pescoço de Reece.
Nick sentiu as mãos de Reece em volta do pescoço. Estava sem ar, mas conseguiu inverter a situação.
Segurando-o com as duas mãos, Nick golpeou-o até que caísse ao chão.
Mesmo sabendo que o outro já desmaiara, Nick continuou a bater. Havia um animal furioso dentro dele.
__ Já chega! – Dois garçons e o dono no bar seguraram Nick. – Não quero ver ninguém morto no meu
estabelecimento. Você já conseguiu o que queria, agora saia daqui!
Nick respirou fundo e limpou o sangue da boca com as costas da mão.
__ Diga a Reece que, se ele se aproximar mais uma vez de Maria, eu não hesitarei em terminar o trabalho.
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Capítulo 11

F
reddie até cogitou ir para casa depois de ter deixado Maria e os filhos no abrigo para mulheres
vítimas de maus-tratos. Só Deus sabia como estava exausta, tanto emocional quanto fisicamente.
Jamais experienciara tal sensação em toda a vida. Não passara da recepção do estabelecimento,
mas sentiu um grande alívio ao perceber que era um lugar decente. Nick pesquisara direito.
Havia alguns desenhos de crianças colados na parede e uma pequena sala de espera, onde os móveis
eram poucos, porém confortáveis.
A mulher que as cumprimentou parecia fatigada, mas a voz era calma. A última vez que Freddie viu Maria
foi quando a assistente social a levou para cima. Freddie não foi para casa, a despeito da insistência de Nick,
mas dirigiu-se até o bar a fim de esperá-lo.
__ Imaginei que você voltaria, pequena – falou Patrick ao vê-la na cozinha. – Deixou Maria e as crianças
no abrigo? Correu tudo bem?
__ Sim. – Freddie sentou-se e recostou os ombros na cadeira. – Pareceu-me um bom lugar. E seguro.
Nem sei se ela se deu conta de onde estava. Maria apenas seguiu a assistente social, junto com os filhos.
__ Você fez tudo o que podia. – Patrick colocou um prato à frente dela. – Agora, coma um pouco. Sem
discussão. É uma ordem.
__ Nem ao menos tenho forças para contestar. – Pegou o garfo e começou a comer o prato de arroz
frango grelhado e legumes que o cozinheiro preparara. – Quem é ela, Patrick?
__ Uma garota que Nick conheceu. Ele não a encontrou muitas vezes depois que foi morar com Zack e
Raquel. Quando ficou grávida do garoto, Cario, a família expulsou Maria de casa.
__ Que maldade! Como as pessoas podem ser tão desumanas? E o pai da criança?
__ Suponho que não tenha se interessado em conhecer o filho. – Um arrepio percorreu o corpo de Patrick,
que virou-se para ela. – Cario não é filho de Nick.
__ Você não precisa me dizer isso, Patrick. Tenho certeza absoluta de que ele jamais os deixaria nessa
situação. – Colocando o garfo de lado, Freddie esfregou o rosto. – O sujeito que a persegue não é o pai de
Cario?
__ Não. Eles só se envolveram quatro anos atrás. O miserável estava desempregado quando o garoto
nasceu.
__ Mas que nobre cavalheiro!
__ Reece é um canalha de marca maior. – Em vez de uma xícara de café, como de costume, Patrick
serviu-lhe uma caneca de chá de ervas. – Acho que você não está fazendo ligação com o nome.
__ Não. – Freddie franziu as sobrancelhas e aspirou o aroma do chá. Camomila. Quase sorriu. – Eu
deveria fazer?
__ Ele quase matou Nick. – Os olhos escuros de Patrick tornaram-se soturnos. – Pouco mais de dez anos
atrás, Reece invadiu o bar com alguns dos companheiros de gangue, armado até os dentes. Queriam assaltar
o estabelecimento. Reece estava prestes a atirar em Zack.
O sangue sumiu do rosto de Freddie.
__ Agora me lembrei. Ah, meu Deus, é verdade! Nick jogou-se na frente do irmão.
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__ E levou o tiro em seu lugar. Achei que nós o perderíamos. Mas ele é forte feito um touro. Nick sempre
foi robusto.
Devagar, Freddie se levantou.
__ Onde está Nick? Aonde ele foi?
Patrick poderia ter mentido, mas preferiu contar a verdade.
__ Atrás de Reece. E com certeza o encontrou.
Freddie teve de lutar para conseguir respirar.
__ Nós temos de avisar Zack. Temos de...
__ Zack está vindo para cá. E Alex também. – Patrick abraçou-a com carinho. – Não há nada a fazer,
querida, apenas esperar.
Então Freddie aguardou, indo de vez em quando até o quarto de Nick, onde ficou andando de um lado
para o outro. Cada ruído vindo da rua ou do bar a alertava, Cada som de sirene fazia disparar seu coração.
"Ele é forte feito um touro. Nick sempre foi robusto."
Não importava se era forte ou não. Queria vê-lo em casa, são e salvo.
Atormentada pelas imagens que lhe rondavam a mente, Freddie manteve as mãos ocupadas. Começou a
limpar o quarto, tirar o pó, esfregar o chão.
Quando escutou passos na escada, estava ajoelhada lavando o chão da cozinha. Levantou-se no mesmo
instante e correu para a porta.
__ Nick! Ah, meu Deus! Nick! – Tomada por um repentino alívio, Freddie se jogou nos braços dele.
Nick deixou-a ficar um pouco assim, embora os ferimentos doessem ainda mais com a pressão do corpo.
Quando encontrou energia suficiente, afastou-a.
__ O que está fazendo aqui, Freddie? Você deveria estar na sua casa.
__ Não importa. Eu... Você está machucado.
Os olhos dela se arregalaram assim que o alívio se transformou em choque. Nick tinha o rosto ensan-
güentado e um olho inchado. E sangue nas roupas também.
__ Você precisar ir para o hospital.
__ Não vou a hospital nenhum. – Saiu de perto de Freddie e, cambaleando, foi sentar-se em uma poltrona.
– Não comece a me dizer o que devo ou não fazer. Já passei por isso com Zack. Vá embora, Freddie!
Em vez de obedecer-lhe, ela caminhou para o banheiro e pegou a caixa de primeiros socorros.
Apanhando anti-séptico, gaze e algodão molhado, Freddie voltou para a sala e o encontrou na mesma posição.
__ Não quero que você cuide de mim – resmungou, exausto.
__ Fique quieto. – Suas mãos ao tentar estancar o sangue eram bem mais firmes do que a voz. – Nem
quero imaginar como o seu adversário está. Você não tinha nada de ter ido atrás dele.
__ Sei o que tenho de fazer, Freddie. Maria foi muito importante para mim um dia. – Nick assobiou quando
ela pressionou um pano molhado sobre seu olho inchado. – E, mesmo se nunca a tivesse visto antes...
Qualquer homem que espanca uma mulher merece uma bela surra.
__ Não discordo da sua fúria, mas sim dos seus métodos. Seu olho ficará roxo.
__ Ordeno que você vá embora, Freddie!
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__ Pois bem, não irei! – Ela tentou confortar-se com o fato de que os cortes no rosto dele não neces-
sitariam de pontos. Então viu suas mãos. E ficou furiosa. – Olhe só o que você fez com elas, seu idiota! Por que
não usa a cabeça em vez da violência?
Freddie podia ter chorado de raiva. As mãos talentosas e bonitas de um artista cheias de ferimentos e de
sangue. Havia hematomas escuros e feios, marcando, deixando os dedos inchados.
__ Acertei-lhe os dentes várias vezes.
__ Não é seu estilo agir assim? Não é bem típico? Primeira regra de Nick LeBeck: se você não consegue
solucionar o problema, parta para a ignorância. – Freddie enrolava-lhe as mãos em panos úmidos enquanto
falava. – Poderia ter telefonado para Alex.
__ Não me diga o que tenho de fazer, Freddie, eu já disse! Você a escutou. Maria não pretende dar queixa
na polícia.
__ Ela está no abrigo, não?
__ E Reece solto por aí. De jeito nenhum. —Testando seus movimentos, Nick flexionou os dedos.
Estavam doloridos e inchados. – Ele tentou matar meu irmão e ficou preso por menos de seis anos. A lei diz
que é uma pessoa reabilitada, então sai por aí batendo em Maria. Portanto, não respeito o sistema.
__ Ele quase o matou uma vez. – Os lábios de Freddie contraíram. – Poderia ter tentado de novo.
__ E foi isso o que ele fez. Agora, saia daqui.
Nick levantou-se com dificuldade e foi até a cozinha. Tentou localizar a aspirina e abrir o frasco bem
depressa, mas suas mãos não o permitiram. Freddie ajudou-o a abrir o frasco e colocou-o em cima do balcão.
Depois, encheu um copo com água.
__ Até quando, Nick? – A voz de Freddie estava controlada demais. – Até quando vai me evitar?
Ele não se mexeu. Ficou imóvel, com as mãos em cima do balcão, seu corpo latejando com os inúmeros
ferimentos.
__ Não quero falar sobre esse assunto agora. Se você quer fazer alguma coisa por mim, por favor, vá
embora. Deixe-me em paz. Não a quero aqui.
__ Assim seja. Eu deveria ter me lembrado, o lobo solitário prefere ficar sozinho lambendo as feridas. Fi-
que com suas dores, Nick! – Magoada, Freddie virou-se e foi embora. Estava quase na porta quando Zack
entrou. Limpando o rosto molhado, continuou andando. – Cuidado, tio. Acho que ele foi mordido por um
cachorro raivoso.
__ Freddie...
Mas ela já estava no fim da escada. Zack foi até a cozinha.
__ O que aconteceu? Por que Freddie saiu chorando?
Nick resmungou e pegou quatro aspirinas no balcão.
__ Não se meta. – Fez uma careta quando a água irritou-lhe a garganta machucada. – Não estou que-
rendo companhia, Zack.
__ Não vim aqui para isso. Agora, sente-se, antes que desmaie.
A sugestão do irmão pelo menos parecia razoável. Com cautela, Nick acomodou-se em uma cadeira.
Encostado no balcão, Zack estudou o irmão. Freddie limpara as feridas, mas ele ainda estava com a aparência
péssima.
__ Você apanhou bastante, não?
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__ Reece me acertou alguns golpes.


__ Vamos tirar a camisa para dar uma olhada.
__ Não estou muito interessado. – Só que não teve forças para impedir o irmão, que começou a desabo-
toar-lhe a roupa. A expressão de Zack confirmou o pior. – O ferimento é grave?
__ Sim, e há mais de um.
__ Mas que coisa, Nick! Você foi atrás de problemas?
__ Não tive de ir tão longe assim. – Olhou para cima e encontrou os olhos do irmão. – Já faz muito tempo,
Zack. Agora está feito.
Zack assentiu e começou a procurar algo nos armários.
__ Você não tem mercurocromo por aqui?
__ Em algum lugar. Talvez debaixo da pia.
Assim que encontrou o medicamento, Zack continuou a fazer o que a sobrinha não terminara.
__ Você se sentirá pior ainda amanhã, Nick.
__ Obrigado, era o que eu mais queria ouvir. Tem um cigarro? Não sei onde coloquei meu maço.
Zack pegou um, acendeu-o e colocou-o entre os dedos inchados de Nick.
__ Espero que ele esteja tão estragado quanto você.
__ Pode ter certeza de que está pior. Bem pior.
__ Pelo menos isso. O que me surpreende é você ainda ter tido energia para brigar com Freddie.
__ Não briguei com Freddie. Apenas a queria fora daqui. Ela não deveria ter se envolvido em tudo isso. De
jeito nenhum.
__ Talvez não. Mas eu diria que minha sobrinha é capaz de cuidar de si mesma.

Dois dias haviam se passado e Nick permanecia determinado a evitar Freddie. Ainda lambendo as feridas,
ela imaginara, voltando mais uma vez ao apartamento dele. Só que não esperava deparar com a porta
trancada. Seu único consolo foi o fato de Zack ter lhe dito que o irmão melhorava aos poucos.
Estava cansada de se preocupar com Nick. E, como não poderia trabalhar enquanto as mãos dele não sa-
rassem, Freddie tinha de encontrar algo para preencher o tempo.
Gostou muito de ter levado brinquedos ao abrigo, mais de uma vez. Maria ainda parecia nervosa e es-
gotada, mas as crianças já relaxavam. A felicidade de Freddie completou-se quando o pequeno Cario pre-
senteou-a com um belo sorriso.
"Eles apenas precisam de tempo e carinho", pensou.
E do que Nick precisaria? Pelo visto, não necessitava de Freddie Kimball. Então ela decidira deixá-lo
absorto em seus pensamentos. Mas logo se cansaria de esperar.
"Por que o amor é tão complicado?" Olhou para a calçada. Tudo lhe parecera tão simples quando viera
morar em Nova York... Tudo o que planejara começara a acontecer aos poucos. Agora o passado de Nick
estragava o seu presente.
Suspirando, abriu a porta do prédio. O súbito ataque a deixou pasma. Teria caído, mas um braço
segurou-a com firmeza.
__ Continue andando – ordenou a voz. – E fique quieta. Está sentindo? É uma faca. Não me obrigue a
usá-la.
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"Calma, Freddie. Não entre em pânico. Ainda é dia. Menos mal."


__ Tenho dinheiro na bolsa. Pode pegar tudo.
__ Depois conversamos sobre isso. Entre no elevador.
A idéia de ficar fechada com um estranho segurando uma faca contra suas costas fez com que se
arrepiasse toda. Freddie engoliu um grito de dor quando sentiu a faca penetrando em sua pele.
__ Entre no elevador ou acabo com você agora mesmo.
Lutando para manter parte de sua mente indiferente e livrar-se do medo que fazia seu corpo tremer, ela
obedeceu. Assim que entraram, o homem virou-a, e Freddie pôde ver quem era. O rosto fino, os olhos
brilhantes. O homem que Nick chamara de Jack.
__ Você é amigo de Nick. – Freddie manteve a voz serena. – Eu estava com ele na noite em que lhe pediu
dinheiro. Se precisa de mais, pode pegar na minha bolsa.
__ Você me dará mais do que dinheiro. – Jack ergueu a faca e passou-a no rosto delicado. – É uma
questão de honra, querida.
__ Não compreendo. – A esperança de sair correndo e gritando quando chegassem a seu andar se foi por
água abaixo quando Jack torceu-lhe o braço nas costas. – Nem um pio. Nós vamos direto para o seu apar-
tamento, e sei qual é. Vi a luz acesa outro dia quando você chegou. Depois destrancará a porta e nós
entraremos.
__ Nick não gostaria de saber que você me machucou.
__ Que pena para ele. Tire só as chaves da bolsa; caso contrário, considere-se uma mulher morta.
Freddie cumpriu as ordens, com os movimentos muito lentos. Se demorasse um pouco mais, alguém
poderia chegar e ajudá-la.
__ Depressa!
Jack levantou-lhe o braço torcido. A dor era insuportável. As lágrimas começaram a escorrer-lhe pelo rosto
quando entrou em casa.
__ Agora somos só nós dois. – Ele colocou-a em uma cadeira. – Nick não deveria ter ido atrás de Reece.
Uma vez da turma, sempre da turma.
__ Foi Reece quem lhe pediu para vir aqui? – Uma nova ponta de esperança encheu-lhe o coração. – Jack
você não precisa fazer isso. Reece o está usando.
__ Reece é meu amigo, companheira. – Os olhos dele começaram a brilhar ainda mais. – Muitos outros
esqueceram o que aconteceu nos dias do passado. Mas não Reece. Ele mantém-se fiel à nossa amizade.
Freddie seria capaz de sentir pena, pois Jack inspirava compaixão, mas sentiu os dedos finos em sua
garganta.
__ Se você me machucar é você quem se dará mal, e não Reece.
__ Depois me preocuparei com o que acontecerá. Tire as roupas já.
Agora o pânico evidenciou-se em seus olhos. Percebendo, Jack sorriu. Estava alucinado. Usara o dinheiro
que Nick lhe dera para comprar cocaína.
__ Vamos nos divertir um pouco antes. Tire a roupa, docinho. Tenho certeza de que Nick escolheu mais
uma beldade.
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Seria estuprada, pensou. Por mais abominável que fosse a idéia, sentia que sobreviveria. Mas percebeu,
a julgar pela fúria de Jack, que ele não tinha a intenção de deixá-la viva. Seria estuprada e depois assassinada
a facadas.
E ele sentiria prazer com ambos.
__ Por favor, não me machuque. – Freddie deixou o terror transparecer em sua voz. Tentaria usá-lo para
se defender.
__ Faça o que eu mandar. Seja boazinha comigo e ninguém se machucará. – Jack passou a língua nos
lábios. – Levante-se e tire a roupa ou terei de começar a cortá-la.
__ Não me machuque — repetiu, abraçando-se. Precisaria de um momento de lucidez e de muita sorte.
Se não conseguisse, talvez não tivesse uma segunda chance. – Farei tudo que você me pedir. Qualquer coisa.
__ Eu sei que sim. Levante-se já!
Jack mostrou-lhe a faca e sorriu. Freddie olhou para o dormitório e arregalou os olhos. Ele foi estúpido o
suficiente para seguir o olhar.
Então ela pulou.
As chaves, que Jack não se incomodara em tirar-lhe das mãos, estavam agarradas com firmeza. Sem um
só momento de hesitação ou arrependimento, Freddie foi direto aos olhos dele.
Jack gritou. Freddie jamais escutara um homem berrar assim, com tanta fúria. Jack procurava pela faca,
tapando os olhos com a outra mão. Com toda a força, Freddie pegou sua luminária art déco e acertou-lhe a
cabeça com um golpe só.
A faca caiu no chão. Ofegante, ela o fitou desmaiado. Como num sonho, foi até o telefone.
__ Tio Alex? Preciso de ajuda.

Catarina não perdeu os sentidos. Procurou seguir as instruções do tio e sair do apartamento. Estava no
hall de entrada, encolhida a um canto, quando a primeira viatura policial apareceu.
Alex surgiu trinta segundos depois.
__ Você está bem? – Pegou a sobrinha nos braços e aninhou-a, afagando-lhe os cabelos. – Machucou-se
querida?
__ Não, acho que não. Só estou um pouco tonta.
__ Sente-se, meu bem. Sente-se aqui – disse, indicando as escadas. – Coloque a cabeça entre os joelhos.
Respire fundo. Bem devagar. Vá até lá em cima – ordenou a um dos policiais. – Tire aquele ser repugnante do
apartamento da minha sobrinha. Acuse-o de tentativa de assalto, estupro e assassinato. Quero que a faca seja
medida. Se estiver acima do limite legal, também use-a contra ele.
__ Jack disse que foi mandado por Reece, titio.
__ Não se preocupe, nós tomaremos conta de tudo, querida. Vamos até o hospital. Não a deixarei sozinha
aqui.
__ Não acho que seja necessário irmos até o hospital. – Freddie ergueu a cabeça de novo. A tontura pas-
sara, mas sentia-se meio fraca. – Ele me cortou um pouco nas costas.
A fim de verificar, Alex passou o dedo pelo ferimento e arregalou os olhos ao ver o sangue.
__ Direto para o hospital.
__ Não, por favor, tio. O corte não é profundo e quase parou de sangrar. Só precisa de um curativo.
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Naquele momento, teria feito tudo o que ela lhe pedisse. Com Freddie nos braços, Alex viu dois de seus
homens tirando Jack todo ensangüentado de dentro do elevador.
Não podia levá-la de volta para o apartamento. E a queria longe da cena do crime.
__ Está bem, meu amor. Estamos perto do bar. Eu a levarei até lá e verificarei o corte. Se não gostar do
que vir, você irá direto para o hospital comigo.
__ Tudo bem. – Freddie apoiou a cabeça no ombro de Alex, descobrindo que tudo o que queria era dormir.
__ Este elemento precisa de um médico – disse um dos policiais a Alex. – E logo.
__ Leve-o para a delegacia e tente reanimá-lo. Quero vê-lo em forma quando jogá-lo na cela.
Tudo de que Freddie se lembrou da ida até o Lower the Boom foi a voz confortante do tio. Veio-lhe a
imagem de quando tivera catapora quando criança.
__ Não permiti que ele me machucasse, tio Alex.
__ Não, querida, você soube se cuidar. Deixe o resto comigo.
Patrick deu um grito quando Alex abriu a porta da cozinha.
__ Sente-a aqui! Quem machucou a minha pequena? Quem foi capaz de molestar a minha criança? Nick!
– berrou o cozinheiro antes que Alex ou Freddie respondessem. – Venha até aqui agora!
Movendo-se feito um general, Patrick abriu a porta que separava a cozinha do bar.
__ Muldoon, traga-me o conhaque, e depressa. Fique sossegada, meu doce. E procure relaxar –
continuou ele, com uma voz suave.
__ Estou bem, Patrick. De verdade.
Ele colocou-lhe um pano embebido em vinagre na testa.
__ Vá um pouco para a frente, querida – pediu Alex. Quando viu o ferimento, sentiu um grande alívio.
__ O corte não é profundo. Eu farei um curativo.
__ O que está acontecendo por aqui? – Aborrecido com a ordem, Zack entrou na cozinha trazendo um
copo de conhaque. Um olhar para a sobrinha fez com que corresse até ela e ajoelhasse a seu lado.
__ Dê-lhe espaço para respirar. – Com os dedos trêmulos, Patrick passou-lhe o copo com a bebida forte –
Beba tudo, Freddie.
Ela teria obedecido se não tivesse avistado Nick descendo as escadas. Seu olho machucado estava bem
melhor agora, mas ainda tinha uma série de cortes no rosto. Quando ele a viu, o sangue sumiu-lhe do rosto.
__ O que aconteceu? Um acidente? Freddie, você está ferida?
Nick segurou sua mão livre, quase esmagando-lhe os ossos.
__ Dê-lhe um tempo – ordenou Alex. – Beba o conhaque, Freddie. Com calma.
__ Estou bem, tio.
__ É sangue? – Nick fitou, horrorizado, a mancha vermelha em sua blusa. – Meu Deus do céu, ela está
sangrando!
__ Nós já estamos cuidando do ferimento. – Alex pegou o anti-séptico das mãos do cozinheiro e aplicou-o
sobre o ferimento. – Quero que você venha para casa comigo, querida. Quando melhorar, escutarei seu
depoimento.
__ Posso fazê-lo agora. Acho que prefiro.
__ O que quer dizer com depoimento? Você foi assaltada? – indagou Nick. – Mas que droga, Freddie,
quantas vezes eu já lhe disse para tomar cuidado?
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__ Pior do que isso, Nick. Seu antigo companheiro, Jack, não estava interessado no dinheiro.
Alex se arrependeu no mesmo instante do que dissera. Pálido, Nick soltou a mão dela e deu um passo
para trás.
__ Jack. – À medida que a fúria foi surgindo, seus olhos verdes tornaram-se mais reluzentes ainda. – Onde
está ele?
__ Preso. Ou melhor, o que sobrou dele. – Alex afagou os cabelos de Freddie antes de pegar o bloco de
notas. – Conte-me o que aconteceu, desde o começo. Procure se lembrar de tudo.
__ Eu estava indo para casa.
Nick escutou, o amargor queimando-lhe a garganta, a impotência consumindo-o. Era tudo culpa sua,
pensou. Cada instante de terror fora causado por ele. A necessidade de acertar as contas, de enfrentar os
problemas do seu jeito, poderia ter custado a vida de Freddie.
__ ... então telefonei para você, tio Alex. Vi que Jack sangrava. Os olhos... – Freddie engoliu em seco,
agoniada.
__ Deixe que eu me preocupo com ele – falou Alex. – Agora procure se esquecer de tudo. Vou até o apar-
tamento buscar algumas roupas para você. Poderá ficar conosco quanto tempo quiser.
__ Agradeço, tio, mas quero ir para casa. – Freddie pegou-lhe a mão antes de ouvir um protesto. – Não
posso ter medo de ficar no meu próprio lar, tio Alex. Era essa a intenção de Jack. Não permitirei que isso
aconteça.
__ Teimosa. – Beijou-lhe a testa. – Se você mudar de idéia, é só telefonar. – Alex ficou em pé e olhou para
os três homens. – Cuidem dela. Vou até a delegacia cuidar de tudo. – Em um pedido de desculpas, colocou a
mão no ombro de Nick. – Faça o resto. Ela o escutará.
Quando Alex se foi, Freddie sentiu três pares de olhos sobre si.
__ Senhores, não vou cair em prantos.
Sem dizer uma só palavra, Nick foi até ela e pegou-a no colo.
__ Não preciso ser carregada.
__ Fique quieta. Vou levá-la para cima. Você ficará deitada.
__ Posso descansar na minha cama.
Ignorando-a, Nick começou a subir a escada.
__ Você não me quer aqui. – Como se fosse para completar o dia, as lágrimas surgiram nos olhos can-
sados. – Acha que não sei que não sou bem-vinda?
__ É aqui que ficará por enquanto. – Nick levou-a direto para o dormitório. – Repousará até que a cor volte
ao seu rosto.
__ Não quero ficar com você.
Aborrecido com as palavras dela, Nick suspirou. Não podia culpá-la.
__ Vou deixá-la sozinha, não se preocupe. – Sua voz estava calma e distante. – Não tente me enfrentar
agora, Freddie. Por favor.
Depois de colocá-la na cama, Nick cobriu-a com o lençol e a colcha amassados, mas não se importou em
tirar-lhe os sapatos.
__ Irei para o bar. Você precisa de algo? Quer que eu telefone para Raquel ou para alguém?
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__ Não. – Freddie fechou os olhos. Uma vez deitada, não sabia se conseguiria colocar-se em pé tão cedo.
– Não quero nada.
__ Tente dormir um pouco. – Nick cerrou a veneziana, deixando o quarto mais escuro e confortável. – E,
se quiser algo, é só chamar.
Freddie manteve os olhos fechados, desejando ficar sozinha. Não abriu-os nem quando escutou a porta
se fechando.
Nick não fora carinhoso como Alex, nem demonstrara-se preocupado como Patrick ou Zack. "Ele ficou
furioso", pensou, "indignado com o que quase aconteceu". Freddie sabia que Nick se preocupava. Um fazia
parte da vida do outro havia muito tempo.
Mas Nick não a segurara. Não do jeito como Freddie precisava. Será que ele o faria algum dia?
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Capítulo 12

F
reddie não achou que conseguiria dormir. Foi uma grande surpresa acordar tonta no final da tarde.
Não soube se achou bom ou ruim lembrar-se logo do que lhe acontecera e por que estava sozinha
na cama de Nick ainda de dia.
Fazendo uma careta de dor quando se mexeu, jogou o lençol para o lado. Estava morta de sede e se lem-
brava de ter tomado uma bela dose de conhaque.
Na torneira da cozinha, encheu um copo com água e bebeu-o em um gole só. Era estranho e
desagradável, pensou, com as mãos trêmulas. Só então lhe ocorreu que não se alimentava desde o café da
manhã, pois não tivera tempo para almoçar.
Sem muita esperança, abriu a geladeira de Nick. Havia uma barra de chocolate e uma maçã. Sentindo-se
faminta, pegou ambas. Estava acabando de servir-se de mais um copo de água quando Nick apareceu com
uma bandeja nas mãos.
O coração dele se encheu de alegria ao vê-la parada ali, tão pequena e delicada. E lembrou-se do que po-
deria ter lhe acontecido.
__ Você acordou – afirmou Nick com a voz calma, em um gesto de autodefesa.
__ É o que parece – respondeu Freddie, mantendo O mesmo tom distante.
__ Patrick achou que você talvez quisesse comer algo. – Colocou a bandeja na mesa. – Sua cor voltou.
__ Estou bem.
__ Muito bem – ironizou Nick.
__ Já falei que estou bem. É você quem parece ter sido atropelado por um caminhão.
__ Fui atrás de briga. Você não. E nós dois sabemos quem é o culpado de tudo.
__ Reece.
Na tentativa de manter a tranqüilidade, Nick tirou um cigarro do maço e levou-o aos lábios, acendendo-o
logo em seguida.
__ Reece nem teria ligado para você se não fosse por minha causa. E, se Jack não tivesse nos visto juntos
aquele dia, nem saberia onde encontrá-la.
Freddie precisou de um momento para continuar firme.
__ Então tudo aconteceu por sua causa. No seu ponto de vista, fui atacada por um louco com uma faca por
ter sido vista na sua companhia uma noite dessas.
A faca... O ataque... O sangue de Nick congelou.
__ Não há nada de estranho na minha lógica. Reece queria se vingar de mim e encontrou uma maneira.
Não posso fazer nada, pois Alex...
__ Fazer? – repetiu ela, interrompendo-o. – O que você faria, Nick? Correria atrás de Reece mais uma
vez? Acabaria com Jack? Assim ficaria satisfeito?
__ Não, nada me deixaria satisfeito. Só se pudéssemos voltar no tempo e impedir que tudo isso tivesse
acontecido. – Não havia como remediar a situação agora. Nick apagou o cigarro e percebeu que preferia não
se envolver em brigas mais uma vez. – Nós também temos de acertar a nossa situação. Acho que você deve
trabalhar no seu apartamento quando melhorar e sentir-se pronta. Posso lhe mandar a música.
__ O que está querendo me dizer?
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__ O que você ouviu. Chegamos a um ponto em que será mais construtivo se trabalharmos separados. –
Os olhos de Nick se encontraram com os de Freddie. – Não quero você ao meu redor.
__ Percebi. – Precisava de todo o seu orgulho agora.
__ Você está se referindo ao campo profissional e ao pessoal, não?
__ Sim, é isso mesmo. Sinto muito.
__ Sente muito? É mesmo? "Sinto muito, Freddie, chegou a hora de colocarmos um ponto final em tudo."
Eu te amei toda a minha vida, Nick.
__ Eu também te amo, mas é o melhor que temos a fazer.
__ "Eu também te amo" – repetiu Freddie, aproximando-se dele, segurando-o pela gola da camisa. –
Como se atreve a me dar uma resposta dessas quando lhe digo que te amo?!
Com cautela, Nick afastou os dedos dela.
__ Cometi um erro. – Tinha de se convencer disso. – E agora estou tentando remediá-lo. Compreendo que
você possa ter misturado sentimentos com sexo.
Freddie acertou-lhe o peito com as duas mãos, com toda a força. Por um único momento, ouviu-se apenas
sua respiração ofegante. Então Freddie explodiu, deixando toda a fúria transparecer.
__ Acha que foi apenas sexo? O que aconteceu entre nós foi um encontro carnal? Sabe que não! Sabe
disso! Talvez essa tenha sido a melhor maneira de eu conseguir me aproximar. Só via você na minha frente.
Estudei cada passo para fazer com que me enxergasse. Planejei cada detalhe, até que...
__ Planejou? – Nick olhou-a com raiva. – Você planejou tudo? Veio para Nova York, convenceu-me a
aceitá-la como parceira e a levá-la para a cama? E tudo foi parte de um grande plano?
Freddie abriu a boca, mas fechou-a de novo. Parecia tão frio, tão calculado e meticuloso. Não fora assim,
não fora essa a sua intenção. Não quando existe amor. Amor de verdade.
__ Eu pensei em tudo.
__ Tenho certeza de que sim. – O deslize dera a Nick a oportunidade que necessitava para aumentar
ainda mais a ira e manter-se distante. – Aposto como você planejou cada detalhe nessa pequena cabeça. E
quando quer alguma coisa, faz o possível e o impossível para alcançá-la.
__ Sim. – Freddie sentou-se, enfraquecida pela vergonha. – Queria que você me amasse.
__ E qual é o resto do plano? Obrigar-me a casar e constituir uma família, ter filhos e tudo o mais? –
__ Não, jamais o obrigaria a fazer algo que não quisesse.
__ Você pode não desejar, mas admita que era a meta.
__ Mais ou menos...
__ Ah... – Nick caminhou devagar até a cozinha. – A lista de metas de Freddie. Mudar-se para Nova York.
Trabalhar com Nick. Casar-se com Nick. Criar uma família. A família perfeita – adicionou em um tom que a
arrepiou. – Tudo teria dado certo, não? Você sempre trabalhou para alcançar a perfeição. Sinto muito por
desapontá-la. Não estou interessado.
__ Está claro o suficiente. – Freddie fez menção de se levantar, mas Nick a impediu, segurando-a pelo
ombro.
__ Você acha que é fácil? Olhe bem para o homem que escolheu para ficar ao seu lado o resto da vida.
Estou bem perto do sujeito que a atacou com uma faca. Você sabe disso. Toda a família sabe. E é nessa
família que está baseando as suas fantasias. Não é, Freddie? Como os Stanislaski?
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__ E por que não o faria? Por que você não o faria?


__ Porque vivi nas ruas, e você não. Quantas pessoas acha que existem como eles? Está usando um
modelo muito difícil de alcançar.
__ Não há nada de errado nisso. Acho que funciona com perfeição.
__ Com eles. E com alguns outros. Foi isso o que começou a se formar em sua mente quando estivemos
com os O'Hurley? Mais uma família grande e contente?
Freddie ergueu o queixo.
__ Acho de tenho de provar o meu ponto de vista. Talvez funcione.
__ Para eles. – Nick apoiou as mãos na mesa, forçando-a a encará-lo. – Olhe outra vez para mim. O que
aconteceu nos últimos dias faz parte do meu mundo, Freddie. Mulheres espancadas, crianças assustadas,
homens bêbados. Sujeitos que se divertem em atacar mulheres indefesas. E você quer começar uma família
comigo? Impossível.
__ Você não é responsável pelo que aconteceu com Maria ou comigo.
__ Ah, não? – Os lábios de Nick se curvaram. – Talvez tenha conseguido me livrar da vida nas ruas mas
apenas por causa da ajuda da sua família. Como acha que reagiriam se soubessem que estamos dormindo
juntos?
__ Não seja ridículo. Eles o amam.
__ Sim, eles me amam. Eu também os amo demais. Pensa que ficarão contentes se souberem que estou
dormindo com você em cima de um bar? Acredita que sou louco o suficiente para pensar em casamento e
filhos? Crianças! Pelo amor de Deus, de onde eu venho?! Nem sei quem foi meu pai. Mas sei muito bem quem
sou, e não pretendo dar continuidade a minha estirpe. Preocupo-me demais com você, pode ter certeza disso,
é por esse motivo que a quero fora daqui e da minha vida.
__ Você se preocupa comigo. Por isso está jogando tudo por água abaixo.
__ É. Estava fora de mim quando permiti que tudo começasse. – Nesse momento quase perdeu os
sentidos ao se lembrar que por pouco não se declarara poucos dias antes. – O que importa é que você me ma-
nipulou, deixando as coisas fora de controle. Mas tudo termina aqui. Por amor à família, vamos tentar esquecer
tudo o que aconteceu entre nós.
__ Esquecer?
__ Tudo. Não quero me arriscar a machucá-la ainda mais, muito menos a magoar a família. Eles são tudo
o que eu tenho, as únicas pessoas que se preocuparam comigo.
__ Coitadinho do Nick... – disse ela, em tom gélido. – Coitado do pobre e rejeitado Nick. Acha que foi o
único a ser rejeitado quando criança? Bem, já está na hora de aprender a lidar com isso. Eu aprendi.
__ Você não sabe nada sobre rejeição.
__ Minha mãe nunca me quis.
__ Que idiotice. Natasha....
__ Não ela. A minha mãe biológica.
Isso o fez pensar. Era tão fácil de se esquecer que Spencer fora casado antes...
__ Ela morreu quando você era apenas um bebê, Freddie. Não pode saber como sua mãe se sentia.
__ Sei muito bem. – Não havia amargura em sua voz. Não havia nenhuma emoção. – Papai fez questão
de me contar tudo o que aconteceu. Não fui mais do que um erro cometido por ela. Minha mãe me deixou
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quando eu era um bebê, sem pensar duas vezes. E tenho o seu sangue. O sangue frio, calejado. Mas aprendi
a conviver com isso e a superar.
Nick não conseguia imaginá-la nutrindo esse tipo de dor, de dúvida.
__ Sinto muito. Não sabia de nada. Ninguém nunca falou sobre o assunto. – Desejou pegá-la no colo, ofe-
recer conforto, até que o corpo de Freddie perdesse aquela rigidez toda. – Mas isso não muda em nada o que
está acontecendo agora entre nós.
__ Não, não muda. Você não permitirá que nada mude. – Freddie chorava, mas eram lágrimas quentes,
mais de raiva do que de dor. – Sempre soube que eu estava apaixonada, não é? E sabia que eu faria qualquer
coisa para deixá-lo feliz. Mas não gosta de compromissos, Nick LeBeck.
__ Você está aborrecida demais para conversar sobre isso agora. Vou chamar um táxi para levá-la para
casa.
__ Não vai fazer nada! Não vai me mandar para lugar nenhum. Irei quando achar que chegou a hora. Sei
cuidar de mim sozinha. Provei isso hoje, não? Não precisei de você!
Freddie deixou as palavras no ar e fechou os olhos por um instante. Quando os abriu de novo, estavam
cheios de fúria.
__ Não preciso de você. Que tolice a minha! Posso viver sem você, Nick, portanto não se preocupe, não
farei mais nada. Achei que conseguiria fazer com que me amasse. – Sua respiração vinha tranqüila, revi-
gorando-a. – Culpa minha. Você não é capaz de amar dessa maneira. Eu queria tão pouco de você... Tão pou-
co que estou até envergonhada.
__ Freddie...
__ Cale a boca! Vou dizer tudo o que está entalado na minha garganta. Você não me disse uma só vez que
me amava. Não do jeito que um homem se declara a uma mulher. Nem sequer tentou demonstrar seus
sentimentos, a não ser na cama. E não foi o suficiente. Nenhuma palavra carinhosa. Nem uma. Você podia até
ter se esforçado, pelo menos uma vez, para me dizer que sou bonita. Nada de flores, nada de música, a não ser
para os outros. Nenhum jantar à luz de velas, a não ser quando organizei tudo. Fui eu quem o cortejou, Nick.
Isso me torna patética. Queria pouco e foi isso que consegui.
__ Não foi bem assim. É lógico que acho você uma mulher bonita.
__ Agora quem está sendo patético?
__ Se não pensei em romance, foi porque tudo se confundiu depressa demais. – Era uma grande mentira,
e ele sabia. Imaginou por que tentava se defender, por que sentia tanta dor ao olhar para toda a mágoa nos
olhos de Freddie. – Não posso lhe dar o que você deseja.
__ Isso está bem evidente. Ficarei melhor sem você, o que também está claro. Então façamos como
sugeriu. Vamos nos esquecer de tudo.
Nick colocou a mão no braço dela, que começou a caminhar na direção da porta.
__ Freddie, espere um pouco!
__ Não encoste em mim! – disse, em um tom tão baixo e furioso que ele obedeceu no ato. – Nós ter-
minaremos o musical. E conversaremos formalmente nos encontros familiares. De outra forma, não quero vê-lo
na minha frente.
__ Você mora a poucas quadras daqui.
__ Isso é fácil de mudar.
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__ Vai voltar para casa depois de tudo.


Freddie lançou-lhe um olhar frio.
__ Não nessa vida.

Nick pensou em se embebedar. Era um modo simples de fugir. E só afetaria a sua pessoa. Mas não
conseguiu se entusiasmar pela idéia. Passou a noite toda sem dormir. A música que tentara compor nas
primeiras horas da manhã ficara enfadonha e vazia.
Fizera o que tinha de ser feito, disse a si mesmo. Então, por que sentia-se tão miserável?
Freddie não tinha o direito de atacá-lo. Não depois de ter lhe dito que tudo o que acontecera após sua
vinda para Nova York fazia parte de um plano mirabolante. Ele era a vítima, e ainda assim fizera tudo para
protegê-la. Imagine só, Nick LeBeck casando-se com Freddie e criando filhos.
Jogou-se em uma cadeira, sem saber como agir, pois era uma idéia tentadora, na verdade. Insana talvez,
refletiu, mas tentadora. Uma família só sua, uma mulher que o amava. Com certeza era uma concepção
insana.
Loucura ou não, agora não tinha como voltar atrás. A mulher que saíra pela porta de seu quarto no dia
anterior já não o amava. Agora ela apenas o desprezava.
"Está vendo o que você fez, LeBeck? Seu idiota!"
Não tinha mais nada a fazer. Agora tudo se esclarecera. O breve relacionamento chegara ao fim. Tivera
uma chance de amar e ser amado, mas jogara tudo por água abaixo. Poderia ter tido uma vida maravilhosa
com a única mulher que fora importante em sua vida.
Como pudera ser tão estúpido, tão idiota, tão cego? Sempre fora Freddie. Se tinha novidades, ela era a
primeira pessoa para quem gostava de contá-las. Se estava triste, sabia que era só pegar o telefone e ligar
para ela que seu humor melhorava no ato.
Amigos... Supôs que sempre se vira como amigo de Freddie. Eles eram amigos. Mas quando percebeu
que o sentimento era mais forte do que simples amizade, tentou evitá-lo, ignorando-o, negando-o. Usou todas
as desculpas possíveis para esconder a verdade.
Não se achava merecedor do amor dela. Mesmo quando o relacionamento de ambos mudara, Nick se
manteve afastado. Freddie tinha razão. Ele nunca lhe dissera palavras dóceis. Nunca a cortejara.
E agora tinha perdido tudo.
Nick deixou a cabeça pender para trás e fechou os olhos. Ela ficaria melhor sozinha. Com certeza. A
batida na porta causou-lhe um sobressalto. "Ela voltou!", era só o que conseguia pensar.
Toda a alegria sumiu de seu rosto quando deparou-se com Raquel.
__ Belo cumprimento, Nick.
__ Sinto muito. – Beijou-lhe o rosto. – Eu estava... Nada. O que você faz aqui?
__ Uma visita. Não tenho de ir ao tribunal nas próximas horas. – Raquel foi até uma cadeira, acomodou-se
e apontou para outra. – Sente-se, Nick. Preciso falar com você.
A voz de juíza o manteve alerta.
__ Qual é o problema?
__ Você. Pode acreditar. Agora sente-se. – Quando ele obedeceu, Raquel pegou-lhe a mão. – Eu te amo.
__ Sim, eu sei. E aí?
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__ Só queria deixar isso bem claro antes de lhe dizer quanto você é idiota. – A mão que o segurara com
tanto carinho empurrou-lhe o ombro. – Você é um sujeito cretino, cego, sem consideração e tolo.
__ Qual é o problema? – perguntou Nick, entre os dentes cerrados, quando Raquel quase acertou-lhe um
ponto dolorido. Nick achou que merecia a dor.
__ Fiquei com Freddie a noite passada. Ela não queria, mas consegui convencê-la.
__ Verdade? – Nick respirava com cuidado. – E como está ela?
__ Com relação ao ataque, está se recuperando. No que diz respeito à sua agressão, está bastante ferida.
__ Espere um pouco. Não fui eu quem a agrediu.
__ Objeção negada. Consegui fazer com que Freddie me contasse quase tudo o que aconteceu entre
vocês. Acho péssimo que tenha partido o coração da coitada, Nick, mas estragar a sua própria vida é um ato
duplo de burrice.
__ Olhe – defendeu-se ele, antes que Raquel continuasse com o sermão —, nós dormimos juntos algu-
mas vezes. Percebi que havia cometido um erro e decidi colocar um ponto final em tudo.
__ Não me ofenda, Nick.
Ele fechou os olhos e respirou fundo. Ora, por que ficar se defendendo? Por que colocar o orgulho acima
de tudo?
__ Eu a amo, Raquel. Não percebi quanto até que Freddie saiu por aquela porta ontem.
Era duro, mas Raquel prometeu manter-se distante, evitando confortá-lo nesse momento.
__ Você se importou em dizer que a amava?
__ Não da forma como Freddie gostaria de ter escutado. Eu não soube como agir.
__ Percebi.
__ Não estava preparado. – Nick levantou-se e começou a andar pela sala. – Freddie tinha tudo planejado,
cada passo que daria.
__ E você se ofendeu. Isso prova que é um tonto. Alguns homens mais inteligentes poderiam ter achado
atraente, ou melhor, um verdadeiro elogio de uma mulher.
__ Fiquei tocado, está bem? Tudo o que eu estava sentindo por Freddie me jogou contra a parede. Eu não
sabia que seria assim, tão complicado.
__ E para tentar remediar a situação, expulsou-a daqui?
__ Ela foi embora porque quis.
__ Você quer que Freddie continue a seguir sua vida? Freddie o fará. E se ousar me dizer que não se acha
bom o suficiente para fazê-la feliz, lhe darei um soco. Sobraram apenas alguns resquícios do adolescente
rebelde que você foi um dia. Eis aqui, na minha frente, uma pessoa encantadora, Nick.
Ele queria acreditar nas palavras da cunhada. E havia mais de uma década...
__ Não sei se posso dar a Freddie o que ela merece.
__ Então não dê – devolveu Raquel, sem a menor simpatia. – E ela sobreviverá. Freddie chorou a noite
toda e conseguiu livrar-se de grande parte da mágoa. A mulher que acabei de deixar sozinha estava muito
controlada e determinada a tirá-lo da cabeça.
__ Eu a quero de volta. – O pensamento não foi tão assustador assim. Na verdade, parecia perfeito. –
Quero tudo de volta.
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__ Então é melhor você ir atrás do que deseja, amiguinho. – Raquel levantou-se e o abraçou, dando-lhe
um beijo no rosto. – Aposto em você, LeBeck!
Nick não sabia se apostava em si mesmo. Era muita mágoa junta, pensou, carregando suas coisas para a
casa de Freddie. Seria difícil convencê-la a aceitá-lo de volta, tinha consciência disso. E sabia que merecia.
Olhou para o quinto andar e dirigiu-se à escada de emergência.
__ Aonde você pensa que vai, LeBeck?
O policial que conhecera Nick havia muitos anos apareceu, dando-lhe um tapinha nas costas.
__ Como vai indo, Mooney?
O veterano olhou cheio de suspeita para as sacolas de Nick.
__ Perguntei aonde você vai, LeBeck.
__ Preciso entrar no prédio, companheiro.
__ Verdade? E por que não me conta o que vai fazer?
__ Está vendo aquela janela? – perguntou, apontando para o apartamento de Freddie. – A mulher que eu
amo vive ali.
__ A sobrinha do delegado Stanislaski mora ali. E a garota está cheia de problemas.
__ Sei disso tudo. É ela quem eu amo. Freddie está um pouco aborrecida comigo.
__ Não me diga!
__ Estraguei tudo e agora pretendo consertar a besteira. Ela não me deixará entrar pela porta da frente.
__ E você acha que eu permitirei que suba pela escada de emergência?
__ Mooney, faz quanto tempo que nos conhecemos?
__ Muito. – O policial sorriu. – O que tem em mente?
No instante em que terminou de contar seu plano ao policial. Mooney sorria com gosto.
__ Olhe só: como sei que agora você é um homem regenerado, vou ficar parado bem aqui e permitir que
tente reconquistar a mulher que ama. Mas, se a senhorita não for acolhedora, você descerá no mesmo
instante.
__ Tudo bem. Só que pode demorar um pouco. Freddie é meio cabeça-dura. – Como todas as mulheres.
__ Vou ajudá-lo.
Com o auxílio de Mooney, Nick subiu a escada. Depois de um tempo, percebeu que suas feridas ainda
doíam bastante. Bateu na janela de Freddie. Momentos depois, ela abriu-a. Os olhos dela estavam inchados, e
não se demonstrou nem um pouco receptiva.
__ Freddie, eu quero...
Ela bateu a janela no rosto de Nick e trancou-a.
__ Cartada número um, Nick! – berrou Mooney. Um homem saindo da padaria parou ao lado do policial.
__ O que está acontecendo?
__ Aquele homem está tentando reconquistar a mulher amada.
Nick torceu para que fosse apenas temperamento. Se fosse mesmo rejeitado, perderia tudo o que mais
importava em sua vida. Tinha de conseguir chamar-lhe a atenção. Primeiro tirou as flores do bolso. Estavam
um pouco amassadas, mas torceu para que Freddie nem notasse. Bateu com mais força na janela.
__ Abra, Freddie. Eu lhe trouxe flores. Olhe. – Mais do que desesperado, Nick acenava com o buquê
Quando a viu do outro lado do vidro. – Rosas amarelas, suas favoritas.
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Em resposta, Freddie fechou a cortinas.


__ Cartada número dois, Nick.
__ Cale a boca, Mooney!
Sabia estar sendo observado por uma multidão, mas não se deixou intimidar. Depois de colocar as velas
no candelabro, acendeu-as. Virou-se para a janela e tentou falar o mais alto possível, para que Freddie o
escutasse, mas não tanto a ponto de ser ouvido pelos espectadores.
__ Olhe, trouxe velas também. Já lhe disse como você fica bonita à luz de velas? O modo como iluminam
a sua pele de porcelana? Você é linda de qualquer jeito, de manhã, à tarde, à noite... Eu devia ter lhe dito isso
antes. Aliás, tenho tanto a lhe falar, Freddie...
Nick fechou os olhos por um momento e respirou fundo.
__ Tive medo de arruinar a sua vida e, com isso, quase acabei com a minha. – Nick pressionava as mãos
contra a janela, como se fosse capaz de abri-las com a força do pensamento. – Permita que eu conserte o meu
erro. Preciso lhe dizer tudo o que não fui capaz. Respiro você, mesmo quando não está perto de mim, ao lado
do piano. Parece que está dentro de mim.
__ Isso foi bonito – comentou Mooney, dirigindo-se à multidão, que aumentava a olhos vistos. Todos
concordaram.
__ Abra a janela, Freddie. Preciso tocar você.
Nick não sabia se estava sendo escutado. Só conseguia enxergar a barreira de cortina. Tirou o teclado
portátil da mochila e começou a tocar, encorajado pelas pessoas.
__ Escrevemos essa música para nós dois, lembra? – Ele tocou as notas iniciais de Sempre você e, dei-
xando o orgulho de lado, pôs-se a cantar.
Estava no segundo verso quando Freddie abriu as cortinas e a janela.
__ Pare – ela ordenou. – Você está agindo como um idiota e me envergonhando. Quero que você...
__ Eu te amo.
Isso a acalmou. Nick viu os olhos de Freddie se encherem de lágrimas, e ela não tentou lutar para impedir
que escorressem.
__ Não vou me envolver com você de novo. Vá embora.
__ Sempre te amei, Freddie. Por isso nunca encontrei uma mulher que me satisfizesse. Enganei-me. Fui
estúpido por deixá-la partir. Quero que me perdoe. Dê-me outra chance. Não consigo viver sem você.
A primeira lágrima escorreu-lhe pela face.
__ Por que está fazendo isso comigo, Nick? Já esqueci que você existe.
__ Era o que eu deveria ter feito muito tempo atrás. Não me deixe, Freddie. Dê-me uma chance. – Ofe-
receu-lhe as flores.
Depois de um instante de hesitação, ela aceitou o buquê.
__ Eu tinha medo de admitir que te amava, Freddie. É um amor tão grande, tão intenso que temi ser
consumido por completo. E tive medo de demonstrar meus sentimentos.
Os olhares se encontraram. Freddie sempre sonhara em ver aquele brilho nos olhos de Nick.
__ Jamais quis que você fosse outra pessoa, Nick.
__ Saia. – Os olhos dele não se desviaram dos de Freddie quando estendeu-lhe a mão. – Bem-vinda ao
meu mundo.
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Ela fungou e enxugou as lágrimas; então, meneou a cabeça, sorrindo.


__ Tudo bem, mas corremos o risco de ser presos.
__ Não tem problema. Tenho um policial cuidando de nós.
Quando Freddie saiu, olhou para a multidão. Além do homem fardado, havia várias outras pessoas apre-
ciando o espetáculo.
__ Nick, isso é ridículo. Vamos conversar dentro de casa.
__ Prefiro aqui fora.
Ela queria romance? Pois teria.
__ Não tenho muito o que contar. Só quero ouvir que você me ama, Freddie.
__ Eu te amo. – Emocionada, levou a mão ao rosto de Nick. – Eu te amo demais.
__ Você me perdoa?
__ Não, não tinha a intenção. Jamais. Tinha resolvido aprender a viver sem você.
__ Era isso o que eu temia. – Ele olhou-a com ternura. – E agora?
__ Você não me deixou muitas escolhas. – Freddie enxugou uma lágrima. – O que pretende com velas e
música antes do meio-dia?
"Ela quase me desculpou", ele pensou, feliz da vida.
__ Achei que estava na hora de cortejá-la. Afinal de contas, é a minha vez. Você quer que eu dê o próximo
passo do meu grande plano?
__ Quero pedir desculpas por isso.
__ Espero que não o faça. – Nick abraçou-a e beijou-a de tal modo que Freddie perdeu o fôlego. –
Pretendo fazer com que você se lembre todos os dias da sua vida que sou o homem perfeito para você. Ainda
bem que arquitetou todo aquele plano. Senti-me muito lisonjeado, mas não fui capaz de admitir. – Beijou-a de
novo. – Precisarei de bastante tempo para demonstrar a minha gratidão. Case-se comigo, Freddie. – Tirou um
anel de brilhantes do bolso e mostrou-o a ela. – Ninguém nunca te amará dessa maneira, querida.
__ Nick... Sim, é claro que sim! – Gargalhando, Freddie jogou-se nos braços dele.
__ Parece que LeBeck conseguiu ser convincente – observou Mooney. Estava adorando assistir à
demonstração de amor entre o casal cinco andares acima. – Bem, andando, pessoal. O espetáculo terminou. E
com final feliz.
Assobiando, Mooney seguiu seu caminho. Olhou uma, duas vezes para trás e sorriu ao ver Freddie jogar
o buquê de rosas amarelas para cima.
"Nick LeBeck", o policial pensou. "Enfim, ele encontrou a tão sonhada e merecida felicidade."
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Epílogo

O RITMO DA BROADWAY
Por Angela Browning

D
epois do grande sucesso da noite de abertura de Antes, Depois e Sempre, estrelado pela
luminosa Madeleine O'Hurley e pelo magnífico Jason Craig, não existe dúvida de que
essas duas estrelas sempre brilharão na Broadway. O público adorou-os desde o ato
de abertura até o desfecho romântico. A Sra. O'Hurley provou, em particular, todo o
seu talento e a capacidade para compor Carolina, transformando-a de uma mulher sofredora em uma
vencedora.
Enquanto esses dois astros iluminaram o palco, foi a música que enlouqueceu a produção. A
julgar pela noite de estréia, na minha opinião, pode-se dizer que a Broadway tem agora mais dois
queridinhos. Os parceiros Freddie Kimball e Nick LeBeck criaram um musical que emocionou a todos
os presentes, atingindo-os no fundo do coração. Acreditem em mim, poucas pessoas saíram do teatro
com os olhos secos, e não eram apenas mulheres, quando Sempre você foi reprisada. As notas e letras
são sempre o âmago de qualquer musical, mas esse foi cheio de energia e criatividade.
O Sr. Nick LeBeck consagrou-se com Antes, depois e sempre, após o grande sucesso de Última
chance.
Sua nova parceira compreendeu todo o espírito do musical. As letras da Sra. Freddie Kimball são
uma mistura de poesia e cinismo, adaptando-se com perfeição às notas de LeBeck, de modo que não é
possível descobrir o que foi criado antes. Como todas as outras grandes parcerias, essa também parece
perfeita.
Talvez o sucesso esteja relacionado ao fato de os dois não serem apenas parceiros musicais, mas
também recém-casados. Juntos há apenas três meses, mulher e marido têm motivos de sobra para rir
depois do sucesso da noite de estréia do musical. Eu lhes desejo uma parceria longa, feliz e produtiva.

__ Quantas vezes você pretende ler essa reportagem?


Freddie suspirou. Estava sentada, com as pernas cruzadas em cima da cama desarrumada, rodeada de
exemplares de jornais e revistas. E ao lado de Nick. O penteado que fizera na noite anterior para assistir ao
espetáculo já não existia mais havia muito. O vestido que passara dias escolhendo estava embolado no chão,
desde o instante em que ele a despira com paixão.
Haviam chegado pouco depois do amanhecer, muito felizes. Tinham celebrado o sucesso com
champanhe e um belo jantar a dois.
__ Foi maravilhoso.
Nick sorriu.
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__ Obrigado.
Rindo, Freddie acertou-o com o jornal e observou a aliança brilhando contra a luz do sol, que penetrava
através da janela entreaberta. Ainda se enchia de orgulho ao olhar para a jóia em seu dedo anular.
__ Não estou falando disso, seu bobo, mas você esteve ótimo. Refiro-me à noite de ontem – falou,
fechando os olhos para relembrar-se de cada momento. – A multidão, o sucesso, as luzes e a música. Os
aplausos... Adorei os aplausos! Lembra-se de como toda a platéia se levantou para elogiar Eu estou partindo
antes?
Nick cruzou os braços sob a cabeça e continuou com o sorriso nos lábios. Freddie era tão meiga, tão
doce... Estava ali, usando uma de suas camisetas surradas, despenteada e com os olhos brilhando.
Ela parecia tão... sua!
__ Verdade? Não percebi.
__ Aposto que não. Foi por isso que quase esmagou todos os dedos da minha mão.
__ Só tentava segurá-la para que você não saísse correndo e subisse no palco.
__ Senti vontade de estar ao lado de Madeleine e de Jason. Queria pular e dançar. Todos amaram o
espetáculo, Nick. Eles adoraram o nosso trabalho conjunto.
__ Eu também. Adorei estar sentado no meio da platéia, escutando o que tínhamos criado no meu velho
piano. E lembrando o que aconteceu entre nós enquanto compúnhamos a música.
Freddie passou a mão no peito do marido.
__ Foi a época mais excitante de toda a minha vida. E a noite passada apenas a tornou mais especial.
Todos estavam tão maravilhados! Toda a família. Foi quase como o dia do nosso casamento, com as pessoas
bem vestidas e exultantes. E você, tremendo de nervoso.
__ Você estava deslumbrante, Sra. LeBeck. —Nick observou-a sorrir. – Eu te amo.
__ Nick... – Freddie abraçou-o, com ternura. – E tudo tão perfeito! Eu sabia que seria, se tivesse paciência.
E de agora em diante, tudo tende a melhorar. Nós somos uma equipe, afinal.
__ Somos um sucesso. LeBeck e Kimball. Os mais novos queridinhos da Broadway.
Ela riu e beijou-lhe o pescoço.
__ Agora é a sua vez de ler – disse Freddie.
__ Agora? – perguntou Nick, enfiando a mão por baixo da camiseta.
__ Depois... – murmurou Freddie, rolando sobre as revistas e jornais com Nick.
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