Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RESUMO: O estudo de caso com caráter qualitativo, reflexivo e participante emergiu PALAVRAS-CHAVE:
das reflexões levantadas durante a execução do projeto de pesquisa intitulado “Estudo Educação, Ensino, Prática de
ensino, Professores, Psicologia
da avaliação do disparador de aprendizagem Simulação”. As reflexões elaboradas escolar
surgiram das observações participantes e do diário de campo da pesquisa. O objetivo
do estudo é compreender as possibilidades de interlocuções entre as teorizações de
Basil Bernstein e de Paulo Freire para as pesquisas no campo pedagógico. Os pontos KEYWORDS:
de encontro entre as teorizações ocorreram na interface do organismo pedagógico, Education, Teaching, Practice
sobremodo nas dinâmicas dos processos de contextualização do dispositivo pedagógico Teaching, Teachers, School
psychology
e do inacabamento. O estudo reflexivo apresentado é considerado inacabado e requer
mais aprofundamentos teórico-científicos em pesquisas vindouras.
ABSTRACT: The case study with qualitative and reflexive participant emerged from
the discussions raised during the execution of the research project entitled “Study on
evaluation of the trigger simulation learning.” The reflections developed emerged
from the participants and the daily observations of the field study. The objective is
to understand the possibilities of dialogues between the theories of Basil Bernstein
and Paulo Freire for research in the pedagogical field. The meeting point between the
theories occurred at the interface of the teaching body, greatly in the dynamics of the
processes of contextualization of pedagogic device and incompleteness. The reflective
study presented is considered incomplete and requires more theoretical and scientific
insights into future researches.
Artigo Original
Recebido em: 19/11/2011
Avaliado em: 25/11/2013
Publicado em: 30/05/2014
Publicação
Anhanguera Educacional Ltda.
Coordenação
Instituto de Pesquisas Aplicadas e
Desenvolvimento Educacional - IPADE
Correspondência
Sistema Anhanguera de
Revistas Eletrônicas - SARE
rc.ipade@anhanguera.com
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O estudo das práticas pedagógicas envolve diversos aspectos educacionais que perfazem
etapas de planejamento, ação e avaliação do processo ensino-aprendizagem. As repercussões
destas etapas são cíclicas nas relações dos dispositivos pedagógicos em sala de aula,
estabelecendo diálogos e interlocuções que perfazem as práticas pedagógicas. A sala de aula
como cenário de pesquisa constante e com infinita gama de possibilidades dialógicas é o
espaço que motiva a pesquisa em educação para compreender as relações pedagógicas com
a finalidade de territorializar o ensino no contexto em que está inserido. A identidade do
ato de ensinar em cada contexto é constantemente construída e envolvida por uma rede de
relações e disputas. Neste sentido, o diálogo entre autores como o sociólogo da educação
Basil Bernstein e o educador Paulo Freire são possibilidades que emergem para ajudar a
compreender o campo pedagógico.
Paulo Reglus Neves Freire, nascido em Recife, em 1921, tendo uma realidade infante em
meio à pobreza, foi e ainda é um educador comprometido com os mais pobres e consolidou
no Brasil os princípios norteadores da educação popular. Ele trilhou caminhos no Brasil, na
América Latina, na África e na Europa, concretizando um jeito de metodológico de ensinar
e aprender. Os trabalhos escritos e as ações de Paulo Freire foram dedicados a pensar o
ato pedagógico e contribuir para a formação docente. Nesta concepção, o educador como
um animador cultural, reconhecendo a realidade contextual dos alunos e da comunidade,
promove a ação cultural e a educação como um grande encontro de saberes (FREITAS;
GHIGGI; CAVALCANTE, 2011). Paulo Freire, na perspectiva do olhar e das aprendizagens,
demonstra o refinamento do ofício de mestre por meio da humanização, dos valores, dos
saberes e da cultura (ARROYO, 2000).
Basil Bernstein, nascido em 1924 e falecido em 2000, foi professor do Instituto de
Educação da Universidade de Londres, Inglaterra, e, na mesma instituição exerceu, ainda,
o cargo de diretor da Sociological Research Unit (SADOVNIK, 1991; MORAIS; NEVES, 2001).
Morais e Neves (2001), em uma antologia sobre Basil Bernstein, afirmam que ele é considerado
o mais interessante sociólogo britânico da última metade do século vinte. As autoras
argumentam que as idéias de Basil Bernstein oferecem a mais desenvolvida gramática para
compreender a morfologia e o caráter da atual política educacional. Bernstein começou a
publicar seus estudos em 1958 e manteve-os até o ano 2000. O conjunto de livros publicados,
divididos em cinco volumes, denominado Class, Codes and Control, teve a sua primeira edição
publicada em 1971. O último volume, em segunda edição revisada, publicado na Inglaterra
em 2000, é intitulado Pedagogia, controle simbólico e identidade (Pedagogy, symbolic control
and identity).
Conforme Santos (2003), Bernstein constrói a sua teoria sobre o processo de constituição
dos conhecimentos escolares a partir do conceito dos códigos lingüísticos e estabelecendo
Revista de Educação
152
Mateus Casanova dos Santos
analogias entre estes e os processos educacionais. Para Bernstein, a escola reflete imagens
que são projeções da hierarquia de valores de classe, um espaço de vozes plurais que lida
com as hierarquias externas a ela e com as questões de ordem social, justiça e conflito.
O objetivo do estudo é compreender as possibilidades de interlocuções entre as
teorizações de Basil Bernstein e de Paulo Freire para as pesquisas no campo pedagógico.
O estudo de caso de caráter qualitativo, reflexivo e participante (BOGDAN; BIKLEN,
1994; MION, 2002; THIOLLENT, 2003; MONTEIRO et al, 2010) emergiu das reflexões
levantadas durante a execução do projeto de pesquisa intitulado “Estudo da avaliação
do disparador de aprendizagem Simulação”. As reflexões elaboradas surgiram das
observações participantes e do diário de campo da pesquisa. O estudo foi realizado com
o acompanhamento da sala de aula do disparador de aprendizagem Simulação Clínica da
Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas. A coleta dos dados aconteceu
nos meses março, abril e maio de 2010, assegurando os preceitos éticos e legais da pesquisa.
Neste estudo de caso reflexivo, os encontros entre as teorizações de Basil Bernstein
(BERNSTEIN, 1999; 2000; 2003) e de Paulo Freire (1992) tiveram a contribuição das leituras
de Bott (1980), Steiner (1995), Baldi (2003) e Santos e Leite (2010), remetendo o pesquisador à
alusão entre o sistema hepato-biliar humano e a imagem desta funcionalidade no organismo
educacional e pedagógico. O jogo de palavras e as interlocuções organizadas entre Bernstein
e Freire, como demonstra a figura 1, foram elaboradas durante as atividades da disciplina
Biobliografia de Paulo Freire, do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade
Federal de Pelotas, sob orientação do professor Gomercindo Ghiggi.
Figura 1 – Jogo de palavras entre Bernstein e Freire: movimentos, relacionamentos, intersecções e sobreposições para
a pesquisa das práticas pedagógicas (ilustração do diário de campo do autor).
a linfa que particulariza conhecimentos sensíveis para todo o corpo e a secreção biliar salina
que separa conhecimentos hidrofílicos da digestão do mundo e aglutina conhecimentos
hidrofóbicos ou lipofílicos ingeridos do mundo. A metabolização lipídica depende da
capacidade hepática de secretar a bile e de transformar os conteúdos em realidades próprios
do organismo. As metabolizações das classificações e dos enquadramentos da sala de aula
dependem da capacidade docente de organizar o dispositivo pedagógico para fins de efetivar
a digestão, a assimilação. O processo de aprender remonta a digestão do conhecimento dentro
do próprio indivíduo. São as recontextualizações do aprender que, em Bernstein (1999,
2000, 2003) organizam as regras recontextualizadoras, as regras distributivas e as regras
avaliativas do dispositivo pedagógico, em que são assimiladas e organizam apreendizado
do adquirente.
O aprendizado do ensinante ao ensinar se verifica na medida em que o ensinante,
humilde, aberto, se ache permanentemente disponível a repensar o pensado, rever-
se em suas posições; em que procura envolver-se com a curiosidade dos alunos e os
diferentes caminhos e veredas, que ela os faz percorrer (FREIRE, 2009, p.27).
Revista de Educação
156
Mateus Casanova dos Santos
conhecimento. Assim como existe o fenômeno de primeira passagem hepática dos nutrientes
e medicamentos, há o fenômeno de primeira passagem docente dos conhecimentos brutos e
elaborados do mundo, contextualizados à luz da metabolização hepática.
Revista de Educação
158
Mateus Casanova dos Santos
Figura 3 – Fisiopatologia anatomofuncional das práticas pedagógicas do organismo educativo - a funcionalidade hepa-
to-pedagógica enferma (ilustração do diário de campo do autor)
Revista de Educação
160
Mateus Casanova dos Santos
REFERÊNCIAS
ARROYO, M.. Ofício de mestre: imagens e autoimagens. Petrópolis: Vozes, 2000.
BALDI, V.M.. Enfermagem e Antroposofia: uma possibilidade de diálogo. Tese (Doutorado)- Escola
de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 2003. 153p.
BERNSTEIN, B.. Pedagogy, symbolic control and identity: theory, research, critique. Lanham:
Rowman e Littlefield, 2000.
BERNSTEIN, B.. A pedagogização do conhecimento: estudos sobre recontextualização. Cadernos
de Pesquisa, n. 120, p. 75-110, nov. 2003.
BERNSTEIN, B.. Vertical and horizontal discourse: an essay. British Journal of Sociology of
Education, v.20, n.2, p.157-173, 1999.
BOTT, V.. Medicina Antroposófica - uma ampliação da arte de curar. Volume I. São Paulo:
Associação Beneficente Tobias, 1980.
BOGDAN, R.C.; BIKLEN, S.K.. Investigação qualitativa em educação. Porto (Portugal): Porto
Editora, 1994.
FREIRE, A.M.A.. A pedagogia da libertação em Paulo Freire. São Paulo: UNESP, 2001.
FREIRE, P.. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1992.
FREIRE, P.. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e
Terra, 1996.
FREIRE, P.. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. 29 ed.. São Paulo: Olho d`água,
2009.
FREITAS, A.N.S.; GHIGGI, G.; CAVALCANTE, M.H.K.. Leituras de Paulo Freire na partilha de
experiências. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2011.
MORAIS, A.M.. Basil Bernstein at the Micro Level of the Classroom. British Journal of Sociology of
Education, London, v. 23, n. 4, p.559-569, 2002.
MORAIS, A.M.; NEVES, I.P.. Basil Bernstein: Antologia. Revista de Educação, n.10, v.2, p.149-159,
2001.
MION, R.A. Investigação-ação e a formação de professores em Física: o papel da intenção na
produção do conhecimento crítico. 2002. Tese (Programa de Pós-Graduação em Educação) – Centro
de Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
MONTEIRO, C.F.S.; MOREIRA, M.R.C.; OLIVEIRA, E.A.R.; MOURA, E.M.S.; COSTA, J.V..
Pesquisa-ação: contribuição para prática investigativa do enfermeiro. Rev. Gaúcha Enferm., v. 31, n.
1, p.167-174, 2010.
SADOVNIK, A.R.. Basil Bernstein´s theory of pedagogic practice: a structuralist approach.
Sociology of Education, v. 64, n. 1, p.48-63, 1991.
SANTOMÉ, J.T.. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1998.
SANTOS, L.L.C.P.. Bernstein e o campo educacional: relevância, influências e incompreensões.
Cadernos de Pesquisa, n. 120, p. 15-49, nov. 2003.
SANTOS, M.C.; LEITE, M.C.L.. A avaliação das aprendizagens na prática da simulação em
enfermagem como feedback de ensino. Rev. Gaúcha Enferm., v. 31, n. 3, p.552-556, 2010.
SANTOS, M.C.; LEITE, M.C.L.; HECK, R.M.. Recontextualização da simulação clínica em
enfermagem baseada em Basil Bernstein: semiologia da prática pedagógica. Rev. Gaúcha Enferm.,
v. 31, n. 4, p.746-752, 2010.
STEINER, R.. A arte da educação. São Paulo: Antroposófica, 1995.
THIOLLENT, M.. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 2003.
Revista de Educação
162