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Perispírito

Agora, podemos entender o que é e como se forma o perispírito. Na


questão 93 do LE, Kardec pergunta aos Espíritos se eles possuem algum
tipo de substância que os cobre ou envolve, ao que eles respondem que
sim que “Envolve-o uma substância, vaporosa para os teus olhos, mas
ainda bastante grosseira para nós; assaz vaporosa, entretanto, para poder
elevar-se na atmosfera e transportar-se aonde queira.” Em nota a essa
questão, Kardec propõe o termo/palavra “perispírito”.

Se uma “substância vaporosa” envolve o Espírito e forma o seu perispírito,


do que é feito essa substância? Como o perispírito se forma? Voltamos à
obra A Gênese onde Kardec responde isso no item 7 do capítulo XIV:

O perispírito, ou corpo fluídico dos espíritos, é um dos mais importantes


produtos do fluido cósmico. Ele é uma condensação desse fluido em torno
de um foco de inteligência ou alma. (Grifos em negrito, nossos).

Assim, o perispírito é, simplesmente, formado de fluidos que, por sua vez,


são modificações do FU realizadas pelo próprio Espírito. Isto é, o Espírito,
através do seu pensamento, modifica o FU ao redor e forma em torno de
si, uma “cobertura” que Kardec deu o nome de perispírito. Enfatizamos
que o perispírito se forma apenas em torno de “um foco de inteligência”
e, portanto, não existe perispírito sem Espírito. O corpo material pode
existir separado do Espírito, como por ocasião da morte e antes de se
decompor. Mas o perispírito não pode existir separado da alma. Esse é
outro princípio importante da Doutrina Espírita.

As propriedades do perispírito, de acordo com a Doutrina Espírita, podem


ser resumidas assim (todas elas decorrem de comentários de Kardec
presentes no cap. XIV de GE):
a) Imponderável. Como os fluidos espirituais são imponderáveis, e o
perispírito é composto por esses fluidos, naturalmente o perispírito será
relativamente leve e sutil, não estando sujeito à ação da gravidade. Nas
palavras de Kardec (item 7, cap. XIV da GE): “No perispírito, a
transformação molecular ocorre de maneira diferente, uma vez que o
fluido conserva a sua imponderabilidade e as suas qualidades etéreas.”
Assim como os fluidos espirituais não podem ser “presos” por objetos
materiais, o perispírito igualmente não pode ser preso.

b) Plasticidade. Sua forma pode variar conforme o pensamento e a


vontade do Espírito. Nas palavras de Kardec (item 14, cap. XIV da GE): “É
assim, por exemplo, que um Espírito se apresenta à visão de um
encarnado, dotado de visão espiritual, com a aparência que tinha quando
vivo na época em que o encarnado o conheceu, embora ele tenha vivido,
depois dessa época, muitas outras encarnações. Ele se apresenta com as
roupas, os sinais exteriores, enfermidades, cicatrizes, membros
amputados, etc., que tinha então. Um decapitado se apresentará sem a
cabeça. Isso não quer dizer que ele tenha conservado essa aparência,
claro que não, uma vez que, como Espírito, ele não é coxo, nem maneta,
nem zarolho e nem decapitado. O que ocorre é que seu pensamento
reportando-se à época em que era assim, seu perispírito toma
instantaneamente aquela aparência, que ele deixa, do mesmo modo, logo
que o pensamento deixa de agir naquele sentido.” Faz-se, entretanto,
uma ressalva de que de modo geral, a forma humana é a forma natural
dos Espíritos se apresentarem[1].

c) Expansível. Por ter plasticidade, o perispírito pode se expandir. No


encarnado, isso significa que o seu perispírito pode se expandir para além
das percepções localizadas nos órgãos. Nas palavras de Kardec (item 17,
cap. XIV da GE): “Pela sua união íntima com o corpo, o perispírito
desempenha um papel preponderante no organismo; pela sua expansão,
ele coloca o Espírito encarnado em relação mais direta com os Espíritos
livres.”
d) Assimila fluidos com facilidade. Nas palavras de Kardec (item 18, cap.
XIV da GE): “Como o perispírito dos encarnados é de uma natureza
idêntica à dos fluidos espirituais, ele os assimila com facilidade, como uma
esponja que se embebe de líquido. Esses fluidos têm sobre o perispírito
uma ação tanto mais direta quanto, por sua expansão e sua irradiação, o
perispírito se confunde com eles.”

e) Em seu estado normal, é invisível e intangível para os sentidos


humanos. Nas palavras de Kardec (item 35, cap. XIV da GE): “O perispírito
é invisível para nós no seu estado normal, mas, como é formado de
matéria etérea, o Espírito pode, em certos casos, por um ato da sua
vontade, fazê-lo sofrer uma modificação molecular que o torne
momentaneamente visível. (...) Conforme o grau de condensação do
fluido perispiritual, a aparição, às vezes, é vaga e vaporosa; outras vezes é
mais nitidamente definida; outras, enfim, tem todas as aparências da
matéria tangível. Pode, mesmo, chegar até à tangibilidade real, a ponto de
o observador se enganar sobre a natureza do ser que tem diante de si.”

f) Irradiação. Nas palavras de Kardec (item 17, cap. XIV da GE): “O Espírito,
ao encarnar, conserva o seu perispírito com as qualidades que lhe são
próprias, e que, como se sabe, não é circunscrito pelo corpo, mas irradia
em torno dele e o envolve como em uma atmosfera fluídica.”

g) Evolui com o Espírito. Nas palavras de Kardec (item 10, cap. XIV da GE):
“Daí também resulta que o envoltório perispiritual de um mesmo Espírito
se modifica com o progresso moral que ele realiza em cada encarnação,
embora encarnando no mesmo meio;” e (item 9, cap. XIV da GE): “A
natureza do envoltório fluídico está sempre de acordo com o grau de
adiantamento moral do Espírito.”

h) Densidade relativa. Pela razão da propriedade do item f), o perispírito


dos Espíritos não é igual para todo o Espírito. Nas palavras de Kardec (item
7, cap. XIV da GE): “Existem alguns cujo envoltório fluídico, mesmo sendo
etéreo e imponderável em relação à matéria tangível, ainda é muito
pesado, se assim podemos dizer, em relação ao mundo espiritual, para
permitir que eles saiam do meio onde se encontram.” E também (item 10,
cap. XIV da GE): “... conforme o próprio Espírito seja mais ou menos
depurado, seu perispírito se forma das partes mais puras ou das mais
grosseiras desse meio.”

As propriedades do perispírito, acima descritas, combinadas com as


propriedades dos fluidos permitem resumir, a seguir, as funções do
perispírito, segundo a Doutrina Espírita, como sendo:

i) O agente das sensações exteriores (Questão 257 do LE e item 22, cap.


XIV da GE);

ii) O veículo de transmissão do pensamento, como o fio elétrico (Questão


455 do LE);

iii) Comprova a existência do Espírito e torna reconhecida a sua


individualidade. (itens 4 e 17 do cap. XI da GE, e questões 150 e 284 do
LE);

iv) Influencia na formação do corpo físico (nos itens 11, 16 e 29 do cap. XI


de GE, Kardec fala sobre a influência do Espírito na evolução da forma
física).

A seguir, veremos como essas propriedades e funções do perispírito e dos


fluidos permitem entender os mecanismos da mediunidade segundo a
Doutrina Espírita.

III. Percepções dos Espíritos


A pergunta que desejamos responder nesse artigo é: como ocorre a
mediunidade segundo o Espiritismo? Como a pessoa que tem a faculdade
mediúnica, o médium, consegue sentir essa influência dos Espíritos a tal
ponto de poder transmitir uma mensagem ou informação deles a outras
pessoas? A resposta a essas questões consiste dos mecanismos por trás da
mediunidade.

Para descobrir tais mecanismos, é preciso verificar, primeiro, como a


Doutrina Espírita ensina a forma pela qual os Espíritos sentem as coisas.
Em outras palavras, como são as percepções nos ou dos Espíritos?
Encontramos nas questões de 245 em diante do LE, as primeiras
informações sobre isso. Os Espíritos afirmaram que o sentido da visão
reside em todo o Espírito, e não de modo circunscrito como através de um
órgão de visão (os olhos e a retina) nos encarnados. Kardec, ao perguntar
se ocorre da mesma forma com a percepção da audição dos Espíritos,
recebe de resposta não apenas a informação sobre a audição em si, mas
também o esclarecimento geral sobre a questão das percepções dos
Espíritos (resposta à questão 249a do LE):

“Todas as percepções constituem atributos do Espírito e lhe são inerentes


ao ser. Quando o reveste um corpo material, elas só lhe chegam pelo
conduto dos órgãos. Deixam, porém, de estar localizadas, em se achando
ele na condição de Espírito livre.” (Grifos em negrito, nossos).

A resposta acima esclarece a questão de modo geral pois os Espíritos


afirmam que “todas as percepções” são atributos do Espírito. Isso significa
duas coisas importantes:

A) Todo Espírito possui percepções. Encarnado ou desencarnado, simples


e ignorante ou puro, todos os Espíritos tem capacidade de perceber as
coisas. Dizendo de outra forma, não existe Espírito sem percepções ou
incapazes de ter percepções.
B) Se o Espírito estiver encarnado, as sensações lhe chegam pelos órgãos
do sentido presente no corpo físico. Se o Espírito estiver na condição
“livre”, isto é, emancipado como, por exemplo, através do sono, ou
desencarnado, as sensações não são localizadas, isto é, não lhe chegam
através de órgãos similares aos do sentidos (os cinco sentidos).

A combinação dos conteúdos das respostas dadas às questões de 245 e


249 forma mais um dos fundamentos da Doutrina Espírita: o mecanismo
das percepções nos Espíritos. Quando encarnado (isto é, quando um
Espírito está revestido de um corpo material) as percepções lhe chegam
através dos órgãos dos sentidos que são: a visão, audição, paladar, olfato
e tato[2]. Os órgãos são os olhos, os ouvidos, a língua, o nariz e a pele,
respectivamente. Inclui-se o sistema nervoso que é responsável por
permitir que os estímulos externos sejam encaminhados ao cérebro. Na
condição de Espírito livre, as percepções deixam de estar localizadas, o
que significa que elas deixam de depender dos órgãos dos sentidos. Elas,
as percepções, residem em todo o Espírito, “em todo ele” como
responderam os Espíritos a Kardec na questão 245 do LE. Essa palavra
“localizada” é muito importante. Ela diz respeito à correspondência que
nossa mente faz entre a percepção e a parte do corpo que recebe o
estímulo que a produz. Embora a ciência já tenha mostrado que os
sentidos são percebidos pelo cérebro, pelos estímulos luminosos
chegarem através dos olhos, por exemplo, pensamos ou temos a
impressão de que a visão se localiza na nossa fronte, na cabeça.
Similarmente, pensamos ou temos a impressão de que o olfato ocorre no
nariz, a audição nos ouvidos, o paladar na língua e a pele localiza a
percepção do tato e temperatura.

Note que os estímulos da visão, audição, paladar, olfato e tato são todos
de natureza material. A luz que adentra os olhos e formam a imagem na
retina, o som que chega até os tímpanos no ouvido, as substâncias que
geram sabores nos alimentos e odores nos aromas, e os estímulos do tato
e temperatura são todos fenômenos materiais que envolvem objetos e
sistemas materiais conhecidos. No caso dos Espíritos em estado livre, não
existem órgãos no perispírito que recebem esses estímulos de percepção.
Segundo os Espíritos, eles podem perceber diretamente no perispírito
algumas dessas impressões. Nas palavras de Kardec (questão 257 do LE):
“Outro tanto não acontece com os de perispírito mais denso, os quais
percebem os nossos sons e odores, não, porém, apenas por uma parte
limitada de suas individualidades, conforme lhes sucedia quando vivos.
Pode-se dizer que, neles, as vibrações moleculares se fazem sentir em
todo o ser e lhes chegam assim ao sensorium commune, que é o próprio
Espírito, embora de modo diverso e talvez, também, dando uma
impressão diferente, o que modifica a percepção.” No item 22 do cap. XIV
da GE, Kardec diz: “Pelos órgãos do corpo, a visão, a audição e as diversas
sensações são localizadas e limitadas à percepção das coisas materiais;
pelo sentido espiritual, elas são generalizadas; o Espírito vê, ouve e sente
por todo o seu ser o que se encontra na esfera de irradiação do seu fluido
perispiritual.” No caso das percepções dos Espíritos, são os fluidos
espirituais que eles percebem através do seu perispírito. Nas palavras de
Kardec (item 24 do cap. XIV da GE): “... para o mundo espiritual existe uma
luz especial cuja natureza nos é desconhecida, mas que, sem dúvida, é
uma das propriedades do fluido etéreo, adequada às percepções visuais
da alma.”

A partir disso podemos concluir que embora uma pessoa que tenha
nascido com alguma deficiência em algum(ns) órgão(s) do sentido, ou o(s)
tenha lesado em algum acidente, e esteja prejudicada a percepção
correspondente, isso vale apenas enquanto ela estiver encarnada. Em
estado emancipado, portanto livre, a pessoa permanece com sua
capacidade de ter percepções espirituais intactas.

Voltemos ao significado de Espírito livre ou em estado livre. Já


comentamos que há duas situações gerais a respeito: a) por Espírito livre,
entende-se o Espírito desencarnado e, portanto, livre de um corpo físico
material; e b) por Espírito livre, pode se entender o Espírito encarnado em
algum estado de emancipação da alma como o sono, por exemplo, já
citado acima. Nesse caso, o estado livre do Espírito é momentâneo e
parcial pois que momentâneo é o estado alterado de consciência e parcial
a emancipação (total apenas no caso de desencarnação). O corpo físico,
nesse segundo caso, está com suas atividades de vigília suspensas,
reduzidas ou adormecidas, e o Espírito goza de estado relativamente livre.
Nesse estado, o Espírito pode se afastar do seu corpo físico, se relacionar
com outros Espíritos no mundo espiritual e se deslocar a lugares do seu
interesse. Suas percepções nesse estado, são similares a de um Espírito
completamente livre ou desencarnado, isto é, não são localizadas.

O ponto que nos interessa aqui é o estado de Espírito livre ou


relativamente livre que um encarnado pode ter. Estando, portanto, um
encarnado em um estado de emancipação da alma, a Doutrina Espírita
garante que seu Espírito tem todas as suas percepções, visão, audição e
outras sensações, ocorrendo através do seu perispírito, como um todo, e
não através dos órgãos no corpo. Nas palavras de Kardec, ao falar sobre a
visão espiritual, é esclarecido que (item 26, cap. XIV da GE): “A visão
espiritual, portanto, oferece percepções especiais que, não tendo por
sede os órgãos materiais, ocorrem em condições muito diversas das da
visão corporal.” (Grifos em negrito, nossos). No item 22, cap. XIV da GE,
diz: “Pelos órgãos do corpo, a visão, a audição e as diversas sensações são
localizadas e limitadas à percepção das coisas materiais; pelo sentido
espiritual, elas são generalizadas; o Espírito vê, ouve e sente por todo o
seu ser...” (Grifos em negrito, nossos).

Aproveitamos o tema para apresentar um esclarecimento. Não existiriam


órgãos do sentido no perispírito? Não! A questão 257 do LE afirma
claramente que não existem órgãos sensitivos no perispírito. Como já
citado nos vários trechos de Kardec acima, os Espíritos no estado livre têm
suas percepções ocorrendo através de todo o perispírito. Portanto, os
Espíritos não enxergam com os “olhos do perispírito”, nem ouvem com os
“ouvidos do perispírito”, e assim por diante, mas simplesmente sentem as
imagens ou os sons, ou percebem os pensamentos dos outros Espíritos
através do seu perispírito. No máximo, se pode dizer, com Kardec (item
22, cap. XIV da GE) que “O perispírito é o órgão sensitivo do Espírito...”
Outros estudos demonstram isso apresentando mais argumentos com
base em Kardec (MASSI, 2018).

(Continua na próxima edição.)


(1) Sobre a forma humana, ver itens 3, 53, 56, e questão 28 do item
100, do Livro dos Médiuns (LM) (KARDEC, 1996).

(2) A ciência já reconhece a existência de outros sentidos, mas todos eles


estão relacionados ao sistema nervoso.

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