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A Teoria na Prática
DA #11445289 v2
DA #11445289 v2
Índice
APRESENTAÇÕES
Marc Stalder ....................................................................................................................................................................... 4
Heitor de Freitas ................................................................................................................................................................. 5
AMANDA GIL
Sobre o Requerimento na Usucapião Extrajudicial ........................................................................................................... 21
GEORGIOS ALEXANDRIDIS
A Continuidade da Posse nos Casos de Accessio Possessionis e de Sucessio Possessionis e as Causas de Suspensão e
Interrupção da Prescrição Aquisitiva com Enfoque na Lei n° 14.010/2020 ...................................................................... 35
ROBSON DE OLIVEIRA
A Usucapião como Forma de Regularização de Copropriedade ....................................................................................... 43
DA #11445289 v2
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APRESENTAÇÕES
Marc Stalder
É com enorme satisfação que eu apresento a obra “Usucapião extrajudicial: a teoria na prática”, resultado
da iniciativa conjunta da AD NOTARE - Academia Nacional de Direito Notarial e Registral e de Demarest
Advogados, que representa, sem dúvida, a mais atual e completa fonte de informações a respeito da
usucapião extrajudicial.
É mais uma demonstração do apreço inegociável da AD NOTARE e de Demarest Advogados pela qualidade
e profundidade da teoria jurídica aplicada com precisão aos assuntos práticos, em um ambiente
propositivo e que permite a difusão do conhecimento.
Essa obra é o resultado da união do time de profissionais altamente qualificados de um escritório como o
Demarest que, com mais de 70 anos de existência, é um dos escritórios de advocacia mais respeitados do
Brasil e da América Latina, com ilustres membros da AD NOTARE, profissionais de ponta e reconhecidos
nos seus diferentes ramos de atuação. Mais uma demonstração do propósito principal e do compromisso
de longo prazo do Demarest: oferecer serviços jurídicos com o mais alto padrão de qualidade e excelência.
Honrado pela oportunidade de coordenar esse trabalho ao lado do admirável advogado e amigo Heitor
Ronaldo de Freitas, saúdo e agradeço a todos os autores. Desejo que essa obra seja tão edificante e
instrutiva para todos quanto foi para mim.
Marc Stalder
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Marc Stalder. Advogado. Sócio da área de imobiliário de Demarest Advogados. Diretor Técnico e de Conteúdo da
Academia Nacional de Direito Notarial e Registral. Mestrando em direito imobiliário (“LLM, Real Estate Law”) na
Universidade de Illinois em Chicago (John Marshall “Law School”). Professor convidado dos cursos de pós-graduação
em Direito Imobiliário da ESA OAB/SP e do COGEAE PUC/SP. Especialista em Direito Registral Imobiliário pela PUC-
MG/IRIB e em Direito Empresarial pela UniFMU. Membro da MDDI - Mesa de Debates de Direito Imobiliário.
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USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 5
Heitor de Freitas
Com entusiasmo lhes apresento esta qualificada obra coletiva intitulada “Usucapião extrajudicial: a teoria
na prática”, impulsionada pela auspiciosa iniciativa do inquieto estudioso e estimado amigo Marc Stalder,
que com sua peculiar gentileza me agraciou com a oportunidade de, ao seu lado, reunir assuntos
relevantes a respeito deste importante instrumento de regularização fundiária, que conta com mais de
quatro anos de vigência e vem, por esse tempo, se revelando um meio seguro, eficaz e célere de
reconhecimento do domínio imobiliário, imprimindo no cotidiano da advocacia, do notariado e dos
registros públicos, a prestação da garantia constitucional da dignidade da pessoa humana e do efetivo
cumprimento do princípio da função social da propriedade urbana e rural em nosso país.
Para tanto, a eleição dos prestigiados autores deste trabalho passou pela pretensão de se obter, pelas
perspectivas do Advogado, do Tabelião, do Registrador e do Magistrado, as principais impressões sobre
assuntos polêmicos e atuais acerca da usucapião extrajudicial, profissionais estes nacionalmente
reconhecidos e que integram o quadro do Demarest Advogados, assim como compõem a Academia
Nacional de Direito Notarial e Registral como Membros e Colaboradores convidados, os quais por suas
cirúrgicas percepções, robusteceram a obra com conteúdo teórico, prestigiando, de igual modo, os
anseios práticos da comunidade jurídica.
Deste modo, fixadas as premissas nestes primeiros promissores anos de vigência da usucapião
extrajudicial, o convite proposto ao leitor neste trabalho é justamente destacar outras questões
acadêmicas como os aspectos da desjudicialização do instrumento; os impactos que a pandemia gerada
pela COVID-19 trouxeram na continuidade da posse e no cômputo do prazo da prescrição aquisitiva; a
utilização da usucapião extrajudicial como regularização de condomínio pro indiviso; as polêmicas entre
as restrições rurais e ambientais, versus o modo originário de aquisição da propriedade.
Trataremos, outrossim, de até agora tímida utilização da usucapião coletiva pela via extrajudicial, criando
pontes para futuras reflexões; discorremos a respeito dos desafios enfrentados na instrução da Ata
Notarial a formar as percepções do Tabelião; assim como discutiremos o requerimento e sua instrução,
bem como o processamento perante o Oficial de Registro de Imóveis, passando pela dúvida registral e
suas peculiaridades em relação à usucapião extrajudicial e, por fim, em caso de indeferimento do pedido,
abordaremos a possibilidade de utilização dos atos praticados na via judicial.
Heitor de Freitas
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Heitor Ronaldo de Freitas. Advogado. Especialista em Direito Notarial e Registral pelo Centro de Estudos Notariais e
Registrais da Universidade de Coimbra – CENoR. Membro fundador e Conselheiro da Academia Nacional de Direito
Notarial e Registral. Membro convidado da Comissão de Direito Imobiliário do Instituto dos Advogados de São Paulo
- IASP. Membro da Comissão Especial de Direito Notarial e Registral da OAB/SP (triênio 2016/2018). Presidente da
Comissão de Direito Imobiliário, Notarial e Registral da 150ª Subseção da OAB/SP – Franco da Rocha (triênio
2016/2018). Coordenador e Professor do Curso de Usucapião Extrajudicial da ADNOTARE.
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O Código Civil de 1916 tratou da palavra como masculina, enquanto o Código vigente preferiu utilizar “a
usucapião”, atendendo as raízes latinas.
Nas raízes romanas mais modernas, a usucapião resulta da fusão de dois institutos da mesma índole, mas
de campos diversos de atuação, a usucapio e a longo temporis praescriptio.
Usucapio deriva de capere (tomar) e de usus (uso). Portanto, tomar pelo uso. Era modalidade de aquisição
da propriedade do ius civile, portanto reservada apenas aos cidadãos romanos. A praescriptio, assim
denominada porque vinha no cabeçalho de uma fórmula, era uma exceção, meio de defesa da coisa,
surgida depois da usucapio, no direito clássico. Os dois institutos já surgem unificados na codificação de
Justiniano, sob a denominação de usucapião.
Estabeleceram-se então os requisitos modernos do instituto, mantidos nas legislações atuais: res habilis
(coisa hábil), iusta causa (justa causa), bona fides (boa-fé), possessio (posse) e tempus (tempo).
Fundamento
A possibilidade de a posse gerar a propriedade justifica-se social e axiologicamente, em prol de sua função
social. Premia-se aquele que se utiliza eficazmente da coisa, em detrimento de quem a abandona e deixa
escoar tempo razoável sem dela se valer. O sentido é propiciar o uso e gozo da coisa móvel àquele que
dela cuidou e a utilizou para lavoura, moradia ou outro uso útil.
Embora destinado a móveis e imóveis, é evidente que sua maior utilidade se dirige à propriedade imóvel.
Nossa legislação admite várias modalidades de prazo para a posse, atendendo diferentes situações
sociais.
Código de 2002
A usucapião recebe uma nova perspectiva a partir do Código Civil de 2002, com uma nova dinâmica,
acrescendo novos princípios. A Constituição de 1988, no mesmo sentido, acrescentou modalidades mais
singelas do instituto. Desse modo, a ideia básica nesta contemporaneidade é no sentido de que as
modalidades de usucapião se coloquem na duração do tempo do período aquisitivo, mais ou menos longo.
Sob esse prisma se mostra a usucapião extraordinária, descrita no art. 1.238 do Código. Prazo geral de
quinze anos de posse ininterrupta, sem oposição, sendo esse o único imóvel do possuidor. Na forma do
parágrafo único do artigo, esse prazo reduz-se a dez anos, se o prescribente estabeleceu nesse imóvel sua
residência habitual.
Nessa modalidade não há exigência de justo título e boa-fé. No caput e no seu parágrafo temos, portanto,
duas modalidades de usucapião extraordinária.
A usucapião ordinária é tratada no art. 1.242, aquele cuja aquisição exige justo título e boa-fé por dez
anos ininterruptos. Há ainda outra possibilidade de usucapião ordinária versada no parágrafo único desse
artigo: “Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente,
com base em registro constante no respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os
possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e
econômico”.
A doutrina houve por bem denominar essa última hipótese de usucapião documental ou tabular. Buscou-
se a proteção do proprietário aparente.
De qualquer forma, nesses dois artigos acima indicados estão descritas as duas modalidades históricas
mais tradicionais de usucapião.
A Lei nº 6.969/81 disciplinou usucapião especial, destinada a imóveis rurais, sob o prazo de 5 anos e
especiais requisitos (art. 1º), em extensão máxima de 25 hectares. Essa aquisição era permitida inclusive
em terras devolutas (art. 2º), o que abria exceção à imprescritibilidade de terras públicas.
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A Constituição atual disciplina a usucapião urbana e rural em duas disposições. O art. 183 se refere
expressamente a imóvel urbano no que se denomina usucapião pro misero. Para área urbana de até 250
metros quadrados, por cinco anos ininterruptos e sem oposição, utilizando-a para si ou sua família, não
sendo proprietário de outro imóvel urbano ou rural. O vigente Código Civil assume a mesma redação no
art. 1.240. A Lei nº 12.424/2011 introduz o art. 1.240-A, mantendo idêntica noção de proteção social,
referindo-se também à mesma extensão máxima de imóvel, acentuando ser possível usucapir imóvel que
dividia com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua família, desde que
não tenha outro imóvel. O prazo nesse caso é exíguo: dois anos de posse. O abandono do imóvel pelo ex-
consorte será mais um fator de prova.
Nessa malha desconexa de leis que prima nosso ordenamento, o Estatuto da Cidade também repete, com
mínimo acréscimo, texto sobre essa mencionada usucapião urbana.
Por sua vez, o art. 191 da Constituição dispõe sobre usucapião, recepcionado pelo art. 1.239 do CC, com
algumas particularidades. especial rural, denominado prolabore. Suas particularidades são estudadas em
nossa obra sobre Direitos Reais, assim como a denominada usucapião coletiva instituída pelo Estatuto da
Cidade, bem como a possibilidade de aquisição da propriedade imóvel reivindicando na forma do art.
1.228, §4º do Código Civil.
Há que ser visto se há possibilidade de definição dessas modalidades por via cartorária, o que, em
princípio, não nos parece possível, tendo em vista necessidade de provas. Contudo, a questão está em
aberto.
Processo de Usucapião
A ação de usucapião é de eficácia declaratória (art. 1.241 do Código Civil). Reconhece-se a existência da
aquisição da propriedade pela sentença, segundo o direito tradicional.
Somente a sentença podia declarar a usucapião; não havia procedimento administrativo em nosso
ordenamento, o que foi alterado pelo art. 1.071 das disposições transitórias do Código de Processo Civil
de 2015. Por esse dispositivo, incluído em local impróprio, instituiu-se a possibilidade de processamento
de reconhecimento de usucapião perante cartório de registro de imóveis da comarca onde estiver situado
o imóvel.
Essa possibilidade de atuação registrária segue uma tendência de desafogo do Poder Judiciário,
propiciando procedimentos administrativos em várias situações como temos, por exemplo, para a
retificação de áreas de imóveis, inventários, divórcios, reconhecimentos de paternidade. Trata-se de
tendência que a doutrina estrangeira insere como um capítulo da chamada “fuga do judiciário”, sendo a
arbitragem o mais efetivo exemplo. Nos procedimentos nos quais não existem lides, resistência
contrastante das partes para consecução de direitos, mormente os tradicionalmente denominados
processos de jurisdição voluntária, a solução tem trazido bons resultados, desde que obedecidas
determinadas condições.
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 9
De qualquer modo, em sede de usucapião, o processo foi simplificado no CPC de 2015, apenas referido
no art. 246, §3º, sobre citação dos confinantes. Aplica-se o procedimento comum. A inicial deve ser
instruída com planta informando os confrontantes e a certidão do registro de imóveis, ainda que negativa,
que também deve ser apresentada. A boa planta do local, desenhada por técnico é o melhor caminho
para a usucapião. Se houver necessidade de perícia, o procedimento administrativo será inconveniente.
Lembre-se de que a ação de usucapião não se limita somente à obtenção do domínio, mas pode objetivar
servidão e outros direitos reais de gozo.
Superamos então o tradicional e velho processo de usucapião, essencialmente burocrático, com duas
fases distintas, a primeira com audiência de justificação sumária de posse, que se mostrava inócua e inútil.
A citação editalícia somente se faz necessária quando não se localizam pessoalmente os confinantes para
a citação.
Os representantes da Fazenda serão cientificados, pois poderão ter interesse. Essa ciência não pode ser
dispensada, tanto que nos sistema de usucapião administrativo, o oficial do registro imobiliário dará
ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal e ao Município (art. 216-A, do §3º da Lei n° 6.015/1973 (Lei
dos Registros Públicos), acrescido pelo art. 1.071 do CPC, de 2015, alterado pela Lei nº 13.465/2017, que
dispõe sobre a regularização fundiária e urbana). Se o órgão estatal for lindeiro, deve ser citado
pessoalmente.
A Súmula 263 do STF dispõe: “O possuidor deve ser citado, pessoalmente, para a ação de usucapião”.
Cuida-se da hipótese em que o usucapiente, embora tivesse prazo aquisitivo, pode ter perdido ou
confundido a posse com outro possuidor. A cautela exige que todos os interessados no imóvel sejam
cientificados.
Sobre o mesmo tema estatui a Súmula 391 do mesmo pretório: “O confinante certo deve ser citado,
pessoalmente, para a ação de usucapião”. Sem a citação do confinante da pessoa que consta no registro
imobiliário, nulo será o processo.
A citação-edital somente será admitida e necessária nas hipóteses de esses sujeitos estarem em lugar
incerto e não sabido.
O vigente estatuto processual não exige mais a audiência prévia de justificação de posse, que a prática,
no passado, demonstrou ser desnecessária e inútil.
A intervenção do Ministério Público no processo é de fiscal da lei, embora o texto processual não mais a
menciona. A questão está ainda em aberto. Pode, em princípio, contestar o pedido, requerer provas e
diligências.
Como acentuado, o registro da sentença que declara a usucapião no registro imobiliário serve para
regularizar o direito do prescribente, garantindo a eficácia erga omnes.
Usucapião alegada em matéria de defesa não pode ser registrada, salvo a exceção do art. 7º da Lei nº
6.969/81, na mesma orientação do Estatuto da Cidade.
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O foro competente para a ação é o da situação do imóvel. Quando a União Federal demonstrar interesse,
desloca-se a competência para a Justiça federal. Esse interesse é jurídico, qual seja, contestação ou
alegação de que a decisão possa prejudicar interesse da União, não bastando simples pedido de
acompanhamento do feito.
A estratégia, conquanto útil para as usucapiões ordinárias e extraordinárias, não nos parece a melhor
solução e a possibilidade de se dirigir às usucapiões especiais, que aqui mencionamos, por exigirem
provas, como, por exemplo, para a usucapião familiar. Nada que não se possa resolver trazendo algumas
soluções legais envolvendo o universo registral. Contudo, como o legislador não excepcionou, há que se
concluir que o procedimento administrativo está aberto, em tese, a todas as modalidades de usucapião.
Assim, ainda que não existam vedações jurídicas, situações de ordem prática podem recomendar que se
utilize da via judiciária, ainda porque o oficial registrador não possui a amplitude de poderes do
magistrado e nem pode emanar decisão com as características de sentença. Os interessados devem, a
esse respeito, serem absolutamente claros a respeito de qual modalidade de usucapião se referem,
demonstrando sua posse e os demais requisitos.
Com o silêncio da atual legislação, persiste a dúvida sobre a necessidade de participação do Ministério
Público no procedimento.
Quando não há resistência, sem discussão de área, posse etc., com concordância dos confinantes, esse
procedimento muito facilita os interessados. A experiência vem trazendo resultados positivos, assim
também como nos demais procedimentos autorizados por lei para essa solução.
Sempre ficará possibilitado o processo judicial, tanto para a produção de provas, se necessárias, como na
hipótese de o pedido ser rejeitado pelo oficial do registro. O art. 216-A, introduzido na Lei dos Registros
Públicos, é minucioso em regrar esse importante procedimento, exigindo série de documentos. Lembre-
se, ainda, de que o Provimento 65/2017, especifica e descreve com maiores minúcias o procedimento a
ser seguido nos cartórios. Os trabalhos presentes conosco nestes estudos aqui programados irão
certamente comentar suas minúcias. Há, inclusive, discussões sobre inconstitucionalidade de dispositivos
da Lei nº 13.465/17.
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Dr. Silvio de Salvo Venosa. Sócio nas áreas de imobiliário, contencioso e arbitragem de Demarest Advogados, pós-
graduado pela USP, pela PUC-SP e bacharel em Direito pela USP. Foi juiz no Estado de São Paulo por 25 anos. Atuou
como professor na Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP), na FMU, na Faculdade de Direito de São Bernardo do
Campo, nas Faculdades Integradas de Itapetininga e na UNIP. Autor de diversos livros sobre Direito: “Coleção Direito
Civil”, “Lei do Inquilinato Comentada”, “Introdução ao Estudo do Direito: Primeiras Linhas, Introdução ao Estudo do
Direito”, “Código Civil Comentado, v. XII”, “Código Civil Anotado”, “Código Civil Interpretado”, “Comentários ao
Código Civil Brasileiro, v. XVI” e “Código Comercial e Legislação Empresarial”. Organizador de “Novo Código Civil”.
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A antiga questão que inquieta o espírito dos economistas, traduzida na pergunta: "Como satisfazemos
desejos ilimitados com recursos limitados?", conhecida como problema econômico, acaba por encontrar
no Direito, dentre os diversos ramos das ciências sociais, algumas importantes respostas, refletidas nos
diversos institutos pensados pelo legislador pátrio, desde o modelo constitucional do tipo de Estado —
que na nossa hipótese foi o Estado Democrático de Direto — como também no modo de organização da
sociedade, notadamente no trato das relações das pessoas entre si ou delas em face dos bens e direitos
por elas almejados.
Nossa Carta Magna, logo no seu artigo primeiro, estatui que a dignidade da pessoa humana e os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa são alguns dos fundamentos do Brasil, estabelecendo, em seguida,
no seu artigo 5º, que todos têm assegurada a inviolabilidade do direito à propriedade, que, nos termos
do inciso XXIII, deve atender a sua função social.
Dentre os direitos de propriedade, a titularidade sobre bens imóveis é, sem dúvida, a que desperta maior
interesse social e jurídico, pois são considerados bens de raiz, sinônimo de segurança jurídica e
econômica, o que, não raro, vem inspirando uma redobrada atenção do legislador na sua regulamentação
e organização.
Assim, as formas de aquisição, uso, gozo, disposição e extinção do direito de propriedade, principalmente
em relação aos bens imóveis, vem sendo estratificadas e organizadas ao longo dos séculos, sob diversos
vieses e diplomas legais.
O ponto que nos interessa nesse breve ensaio trata de uma das formas mais interessantes de aquisição
do direito de propriedade, qual seja, a usucapião e o que ela tem em comum com o direito notarial.
Esse instituto remonta ao direito romano, no esteio da ideia que coloca a res immobiles no centro dos
desejos humanos, uma vez que é da terra que o homem retira grande parte do seu sustento e, por meio
de a possuir e assenhorear-se dela, é que ele demonstra seu poder e fortuna.
1
Hernando de Soto, O MISTÉRIO DO CAPITAL, Editora Record, 2001.
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 13
Como nos ensina Venosa (2016, p. 221) 2, “no direito de Justiniano, a usucapião resulta da fusão de dois
institutos de mesma índole, mas com campos diversos de atuação, a usucapio e a longi temporis
praescriptio”.
A ideia central desse instituto é permitir ao possuidor, preenchidos determinados requisitos legais, alçar-
se a posição jurídica de proprietário do bem usucapiendo, trazendo, em consequência, a perda de tal
direito para o proprietário que se quedou inerte (dormientibus non sucurrit Ius).
Sabe-se que “os pressupostos da usucapião são: coisa hábil (res habilis) ou suscetível de usucapião, posse
(possessio), decurso do tempo (tempus), justo título (titulus) e boa-fé (fides). Os três primeiros são
indispensáveis e exigidos em todas as espécies de usucapião. O justo título e a boa-fé somente são
reclamados na usucapião ordinária” (GONÇALVES, 2015, p. 274). 3
Com relação à posse, como requisito à prescrição aquisitiva, deve ser esclarecido que apenas a “posse ad
usucapionem” é a que contém os requisitos exigidos pelos arts. 1.238 a 1.242 do Código Civil, sendo o
primeiro deles o ânimo de dono (animus domini ou animus rem sibi habendi). Requer-se, de um lado,
atitude ativa do possuidor que exerce os poderes inerentes à propriedade; e, de outro, atitude passiva do
proprietário, que, com sua omissão, colabora para que determinada situação de fato se alongue no
tempo. Exigem os aludidos dispositivos, com efeito, que o usucapiente possua o imóvel “como seu”. Não
tem animo de dono o locatário, o comodatário, o arrendatário e todos aqueles que exercem posse direta
sobre a coisa, sabendo que não lhe pertence e com reconhecimento do direito dominial de outrem,
obrigando-se a devolvê-la” (GONÇALVES, 2015, p. 280) 4.
Antes de adentrarmos no tema da ata notarial, faremos uma breve incursão em cada uma dessas espécies
e seus requisitos.
A usucapião extraordinária, prevista no caput do artigo 1.238 do Código Civil, é a modalidade que exige
posse mansa e pacífica, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, independentemente de título e
boa-fé.
A modalidade extraordinária reduzida está prevista no parágrafo único do mesmo artigo 1.238 e permite
uma redução do prazo de quinze para dez anos, se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua
moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
Temos a usucapião ordinária deferida ao possuidor que, nos termos do artigo 1.242 do Código Civil, detém
a posse contínua e inconteste, com justo título e boa-fé, pelo período de dez anos.
2
in Silvio de Salvo Venosa, Direito Civil, REAIS, 17ª edição, 2016, Ed.Atlas, p. 221.
3
in Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Brasileiro Vol. 5: Direito das Coisas, 11ª edição, 2015, Ed. Saraiva, p. 274.
4
in Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Brasileiro Vol. 5: Direito das Coisas, 11ª edição, 2015, Ed. Saraiva, p. 280.
14
O parágrafo único do artigo 1.242 prevê a denominada usucapião tabular, estabelecendo que será de
cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no
registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele
tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.
A usucapião especial urbana foi estabelecida pelo legislador constituinte como um dos importantes
instrumentos de regularização fundiária, contida no artigo 183 da Carta Magna, que prevê que aquele que
possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o
domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Essa modalidade de usucapião
está regulamentada pela Lei nº 10.257/01.
Há, ainda, a usucapião especial rural, do artigo 191 da CF, que permite àquele que, não sendo proprietário
de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra,
em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua
família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
A usucapião indígena está prevista no artigo 33 do Estatuto do Índio (Lei 6.001/1973), que assim dispõe:
Art. 33. O índio, integrado ou não, que ocupe como próprio, por dez anos consecutivos, trecho de terra
inferior a cinquenta hectares, adquirir-lhe-á a propriedade plena.
Ainda na linha de buscar maior justiça social, com o advento do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001),
foi introduzida no ordenamento jurídico a usucapião coletiva, deferida aos os compossuidores que, não
sendo proprietários de outro imóvel urbano ou rural, residam em núcleos urbanos informais existentes
sem oposição há mais de cinco anos e cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a
duzentos e cinquenta metros quadrados.
Por fim, mais recentemente, foi introduzido o artigo 1240 A, no Código Civil, que trata da usucapião
familiar ou por abandono de lar, estabelecendo que aquele que exercer, por 2 anos ininterruptamente e
sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m², cuja propriedade
dividia com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua
família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou
rural.
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 15
Extraordinária Reduzida 10 X X — X —
Ordinária 10 X X — — —
Indígena 10 X X — — ≤ 50 ha
Tabular 5 X X — X —
Especial Rural 5 X X X X 50 ha
Coletiva 5 X X X X ≤ 250 m
Familiar 2 X X X X 250 m
A usucapião é uma exceção aos meios usuais de acesso à propriedade, uma vez que por esse instituto o
direito dominial não será transmitido pelo seu titular a seu sucessor. Em verdade o proprietário terá
declarado o perdimento de tal direito para o possuidor usucapiente e, por tal razão, a usucapião sempre
dependeu do reconhecimento judicial, após devido processo legal, muitas vezes moroso e dispendioso.
Contudo, com o advento da Lei nº 13.105/2015, que instituiu o novo Código de Processo Civil, foi
acrescentado o artigo 216-A na Lei nº 6.015/73, flexibilizando a estrita via jurisdicional para a declaração
da usucapião, admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, a ser processado
diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel
usucapiendo.
Essa alteração foi implementada como uma das outras tantas medidas de desjudicialização e vem se
mostrando bastante eficaz no movimento de regularização fundiária, tão essencial para a economia e
bem-estar da sociedade, notadamente em razão da importância dos ativos representados pelos imóveis.
Pois bem, após esse breve panorama acerca das modalidades de usucapião, seus requisitos e
especificidades, vamos ao tema central do presente artigo, que toca à interseção entre o direito notarial
e a usucapião, qual seja, a ata notarial de usucapião.
Esse indispensável meio de prova está previsto no primeiro inciso do mencionado artigo 216-A, que assim
estabelece:
I - ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus
antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias;
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Permito-me, aqui, abrir um breve parêntese acerca da minha experiência como Promotor de Justiça,
atuante junto às Varas de Registros Públicos da Capital Bandeirante, época em que me deparava
diuturnamente com inúmeras ações de usucapião (na Capital de São Paulo a competência para ações de
usucapião é exclusiva das Varas de Registro Público).
Segundo tal experiência, a comprovação de dois fatores são primordiais para a procedência do pedido,
quais sejam: posse mansa e pacífica, com animus domini e o decurso do lapso temporal legalmente
previsto, de acordo com a modalidade da usucapião pretendida e, por óbvio, o preenchimento das demais
condições estabelecidas, com relação à tamanho do bem, justo título, finalidade social, etc.
O Juiz — destinatário da prova nas ações judiciais declaratórias da usucapião — precisa estar seguro e
indene de dúvidas quanto ao cumprimento, por parte do autor, de todos os requisitos legais, uma vez
que sua sentença romperá a cadeia de transmissão do bem usucapiendo (princípio da continuidade
registraria), inaugurando, como meio originário de aquisição, um novo direito dominial em favor do autor
usucapiente.
Considerando que a posse qualificada se trata de um fato jurídico, era quase sempre obrigatória a
realização de audiências de instrução, nas quais eram colhidos os depoimentos de confrontantes, vizinhos
e demais pessoas que pudessem atestar, não só a existência, mas a qualidade da posse e, sobretudo, o
animus domini do possuidor.
A ata notarial é, sem dúvida, o instrumento probatório mais importante do procedimento extrajudicial da
usucapião, pois somente através dela é que será constatada a posse qualificada, o animus domini e demais
requisitos que autorizam a aquisição do direito de propriedade.
Não é por outra razão que os DD. Juízes Assessores da Corregedoria Geral de Justiça destacaram tal
importância desse instrumento notarial 5:
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Processo: 162.132/2012 – CGJ – Provimento 40/2012.
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 17
Sobre o poder autenticador do notário, Walter Ceneviva 7 pontua que a autenticação "significa a
confirmação, pela autoridade da qual o notário é investido, da existência e das circunstâncias que
caracterizam o fato, enquanto acontecimento juridicamente relevante". Para Kollet 8 a autenticação
contém a ideia de certeza da existência de um fato ou ato jurídico, atestado pelo notário em instrumento
solene.
Portanto, em decorrência do poder autenticador do notário, os documentos por ele produzidos, para fins
de direito — em especial os probatórios — detém a presunção legal de veracidade e, por via de
consequência, o ônus da prova é de quem contesta o que nele se contém – presunção iuris tantum.
É o instrumento público através do qual o notário capta, por seus sentidos, uma determinada situação,
um determinado fato, e os transpõem para o seu livro de notas ou outro documento.
O objeto da ata decorre do próprio conceito do instituto. Trata-se da apreensão, pura e simples, de um
fato jurídico e a sua transladação para o livro notarial (protocolar), ou para outro documento (extra
protocolar). Não pode haver alteração, adaptação ou juízo de valor:
“Para conceituá-la, e distingui-la da escritura pública, socorre-se, aqui, das palavras de Leonardo
Brandelli:
A ata notarial é, enfim, o instrumento público mediante o qual o notário capta, por seus
sentidos, uma determinada situação, um determinado fato, e o translada para seus livros de
notas ou para outro documento.
6
Fundamentação do parecer que embasou a alteração do Capítulo XIV das NSCGJ
7
Lei dos notários e dos registradores comentada, p. 43.
8
Kollet, Ricardo Guimarães, Manual do Tabelião de Notas para Concursos e Profissionais, 2ª Ed., FORENSE, Rio de Janeiro, 2015.
9
https://recivil.com.br/artigo-breves-apontamentos-sobre-a-fe-publica-notaria-des-ricardo-dip/
10
Processo: 162.132/2012 – CGJ – Provimento 40/2012.
18
A ata notarial de usucapião tem seu arcabouço legislativo previsto no Código de Processo Civil, artigos
384 11 e 405 12; artigo 216-A da Lei no 6.015/73 13, assim como nas Normas de Serviço da Corregedoria
Geral de Justiça, Capítulo XVI, Item 137 e seguintes 14 e Capítulo XX, item 425 15.
Consoante adrede mencionado, a ata notarial de usucapião deve retratar o tempo de posse do requerente
e de seus antecessores (conforme o caso) e suas circunstâncias, tais como se trata de imóvel destinado à
residência da família ou algum outro requisito legal de natureza fática e essencial ao reconhecimento da
prescrição aquisitiva, de modo a demonstrar estarem preenchidos todos os pressupostos para a inscrição
do direito de propriedade.
Dentre os elementos que devem estar contidos na ata notarial, a normativa administrativa destaca: a)
local, data, hora de sua lavratura e, se diversa, a hora em que os fatos foram presenciados ou verificados
pelo Tabelião de Notas; b) nome e qualificação do solicitante; c) narração (língua portuguesa)
circunstanciada dos fatos; d) declaração de haver sido lida ao solicitante e, sendo o caso, às testemunhas;
e) assinatura e sinal público do Tabelião de Notas (item 138 do Cap. XVI das NSCGJ).
Importante destacar que, nos termos do item 139 da mesma norma, a ata notarial poderá conter
relatórios ou laudos técnicos de profissionais ou peritos, que serão qualificados e, quando presentes,
assinarão o ato e conter imagens e documentos em cores, podendo ser impressos ou arquivados em
classificador próprio.
Saliente-se, ainda, que, conforme o item 138.1 do Capítulo XVI das Normas de Serviço da Corregedoria
Geral de Justiça 16, é da coleção desses documentos, somada às narrativas colhidas pelo tabelião no bojo
da ata notarial, que o oficial do registro de imóveis vai extrair a certeza necessária para a inscrição do
imóvel em nome do requerente.
11
Art. 384. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado,
mediante ata lavrada por tabelião;
Parágrafo único. Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial;
12
Art. 405. O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o chefe de secretaria, o
tabelião ou o servidor declarar que ocorreram em sua presença;
13
Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será
processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a
requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com:
I - ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e de seus antecessores, conforme o caso e suas
circunstâncias, aplicando-se o disposto no art. 384 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil);
14
137. Ata notarial é a narração objetiva, fiel e detalhada de fatos jurídicos presenciados ou verificados pessoalmente pelo Tabelião
de Notas.
137.1 A ata notarial é documento dotado de fé pública.
137.2 A ata notarial será lavrada no livro de notas.
15
Item 425 (Cap. XX das NSCGJ). Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião,
que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel
usucapiendo. O interessado, representado por advogado, instruirá o pedido com:
I. Ata notarial lavrada pelo tabelião da circunscrição territorial em que situado o imóvel atestando o tempo de posse do
requerente e de seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias, aplicando-se o disposto no art. 384 da Lei n.
13.105, de 2015;
16
138.1. Da ata notarial para fins de reconhecimento extrajudicial de usucapião, além do tempo de posse do interessado e de seus
sucessores, poderão constar:
a) declaração dos requerentes de que desconhecem a existência de ação possessória ou reivindicatória em trâmite
envolvendo o imóvel usucapiendo;
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 19
Assim, como para todo e qualquer ato notarial a ser praticado, a lavratura da ata notarial exige a
apresentação de alguns documentos, a saber: todos os documentos hábeis para a devida qualificação e
individualização das partes, tais como RG e CPF (apresentação do original), certidão de casamento (se
casado, separado, divorciado ou viúvo), certidão de óbito (se viúvo), indicação de endereço e profissão
para as pessoas físicas. Na hipótese de uma das partes ser pessoa jurídica, é de ser apresentado o número
do CNPJ; contrato social (última alteração e alteração em que conste modificação de diretoria, ou
consolidação do contrato social) e ata de eleição da diretoria (se o caso). RG, CPF, profissão, estado civil
e residência de quem assinará a ata, certidão da junta comercial de que não há outras alterações.
Com relação ao profissional responsável pela planta e memorial descritivo (engenheiro ou arquiteto),
além da indicação da nacionalidade, estado civil e endereço profissional, telefone e e-mail, devem ser
apresentadas cópia da carteira profissional, registro de responsabilidade técnica.
Com relação ao bem pretendido, devem ser apresentados: certidão de matrícula ou transcrição atualizada
do imóvel usucapiendo e dos imóveis confrontantes, planta/croqui e memorial descritivo da posse, com
o maior número de informações possíveis, sobre as dimensões do imóvel, sua localização, seus
confrontantes e as matrículas ou transcrições atingidas; recibos ou guias de pagamento de tributos
relativos ao imóvel; cadastro na prefeitura municipal ou carne de pagamento de tributos; contratos como
compromisso de compra e venda, arras etc.; contas de consumo vinculadas ao imóvel, como água, luz,
telefone, TV; documentos indicativos de construções ou benfeitorias feitas no imóvel. Todos esses
documentos visam comprovar o animus domini e o lapso temporal, necessários à aquisição do domínio
pela usucapião.
Por óbvio, a fim de comprovar a mansuetude da posse, devem ser juntadas as certidões de feitos ajuizados
da situação do imóvel e do domicílio do solicitante, tais como certidão do distribuidor cível, com prazo de
vinte anos, em nome do solicitante e de eventuais antecessor na posse, na hipótese de acessio
possessionis; certidão do distribuidor cível em nome dos titulares de domínio, que deve abranger,
também, inventários e arrolamentos; certidão de objeto e pé, se em alguma das certidões anteriores
constar ação referente à posse ou à propriedade, ação de despejo ou inventário ou arrolamento de titular
de domínio.
Suplantadas essas premissas, resta-nos algumas indagações interessantes que merecem a atenção do
estudioso do direito:
Pode a usucapião ser manejada como forma de regularização pelo proprietário do bem, ou seja, é possível
usucapião de coisa própria?
A resposta deve ser afirmativa. Por óbvio, devem ser tomadas redobradas cautelas para que tal
expediente não seja manejado indevidamente pelo titular do domínio, de modo que possa ele se esquivar
do cumprimento da lei tributária, das exigências registrais ou das obrigações de natureza propter rem 17.
Tenho para mim, em princípio, ressalvado entendimento em sentido contrário, que a resposta também é
afirmativa. Não será a natureza da usucapião ou a exigência de prova mais específica e detalhada sobre o
preenchimento de determinado requisito legal que servirá empecilho para o procedimento extrajudicial
da usucapião. O que, efetivamente, afastará essa possibilidade é a existência de impugnação ou litígio.
No mais, desde que a parte interessada consiga demonstrar, por meios hábeis (ata notarial), o
preenchimento dos requisitos gerais e específicos da modalidade de usucapião pretendida, não vejo óbice
a que o procedimento possa se dar na esfera administrat6iva extrajudicial.
Por fim, uma última questão que encontra divergência de entendimento, é quanto à existência de
territorialidade para a lavratura da ata notarial de usucapião. Com todo respeito aos que pensam de forma
contrária, tenho para mim que, por se tratar de um fato a ser comprovado (posse ad usucapionem),
apenas o tabelião da circunscrição territorial em que situado o imóvel usucapiendo é que pode lavrar a
respectiva ata notarial, em razão da vedação prevista no artigo 9º da Lei nº 8.935/94. 18 Esse
entendimento foi expressamente acolhido pela normativa administrativa no Estado de São Paulo,
conforme item 425, I, do Capítulo XX, já mencionado.
São esses, pois, os breves apontamentos que se me pareciam pertinentes para um Caderno Especial sobre
usucapião extrajudicial.
_____________________________________________________________________________________
Márcio Pires de Mesquita. Tabelião de Notas e de Protesto de Indaiatuba. Bacharel em Direito pela Faculdade de
Direito da USP, turma de 1988. Especialista em Direitos Difusos e Coletivos pela Escola Superior do Ministério Público.
Professor de Direito Notarial e Registral Imobiliário. Exerceu o cargo de Promotor de Justiça do Estado de São Paulo
pelo período de 15 anos, até sua aprovação, como primeiro colocado, no 3° Concurso para Outorga de Delegações
de Notas e Protesto do Estado de São Paulo.
17
Vide nesse sentido o artigo Usucapião de coisa própria. Pode o proprietário usucapir bem que lhe pertence?, da lavra dos
magistrados Fernando Antonio Maia da Cunha e Alexandre Dartanhan de Mello Guerra
(http://www.tjsp.jus.br/download/EPM/Publicacoes/ObrasJuridicas/cc35.pdf?d=636808166395003082#:~:text=Pode%20o%20pro
priet%C3%A1rio%20usucapir%20bem%20que%20lhe%20pertence%3F,-
Fernando%20Antonio%20Maia&text=%E2%80%9CDesde%20as%20fontes%20romanas%2C%20a,adquiridos%20a%20t%C3%ADtul
o%20de%2D%20rivado.&text=Desembargador%20(2005)%2C%20com%20assento,4%C2%AA%20C%C3%A2mara%20de%20Direito
%20Privado.)
18
Art. 9º O tabelião de notas não poderá praticar atos de seu ofício fora do Município para o qual recebeu delegação.
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 21
AMANDA GIL
a) ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e de seus
antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias, aplicando-se o disposto no art. 384 da Lei
nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil);
b) planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de
anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos
titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na
matrícula dos imóveis confinantes;
c) certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do
requerente;
d) justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a
natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem
sobre o imóvel.”
Verifica-se que a previsão legal acerca da necessidade de que o pedido administrativo da usucapião seja
feito por meio de um requerimento já pode ser constatada na simples leitura do caput do mencionado
art. 216-A, ou seja, trata-se de requisito que deve ser cuidadosamente elaborado, de modo a viabilizar o
ingresso do pedido no registro de imóveis. O requerimento deve ser instruído com a documentação
indicada em seus incisos I a IV.
A regulamentação trazida pelo CNJ acerca da chamada usucapião extrajudicial pode auxiliar os advogados
na condução do processo junto ao cartório de registro de imóveis e, no tocante ao tema em estudo,
aponta os elementos que devem nele conter.
Cumpre mencionar que diversas são as Corregedorias estaduais que publicaram provimentos, no âmbito
de sua territorialidade, disciplinando o trâmite extrajudicial da usucapião, mas, para fins deste pequeno
estudo, utilizaremos apenas a normativa estabelecida pelo CNJ.
22
O artigo 3º do Provimento 67/2017 do CNJ 19 trata do requerimento, indicando que deve contemplar, no
que couber, os requisitos da petição inicial, estabelecidos pelo artigo 319 do Código de Processo Civil, 20
sendo, portanto, uma diretriz a ser observada pelo advogado, no que tange ao processamento
extrajudicial.
O pedido, assinado por advogado, deve ser feito em nome do(s) requerente(s), atentando-se ao seguinte
(relação não exaustiva):
— Endereçamento;
— Qualificação do(s) requerente(s) – usucapiente(s);
— Identificação dos interessados;
— Informação acerca da modalidade de usucapião pretendida;
— Fatos e fundamentos jurídicos;
— Qualificação dos possuidores anteriores;
— Registro imobiliário do imóvel;
— Pedidos;
— Valor atribuído ao imóvel / valor da causa.
Passaremos a discorrer brevemente acerca de alguns dos tópicos acima elencados, que consideramos de
grande valia para o protocolo do requerimento.
Como primeira providência, é necessário saber onde será processado o pedido de usucapião. O
requerimento será direcionado ao cartório de registro de imóveis com atribuição para registrar o imóvel,
qual seja, a circunscrição imobiliária atual/competente.
19
Art. 3º Prov 65 CNJ. O requerimento de reconhecimento extrajudicial da usucapião atenderá, no que couber, aos requisitos da
petição inicial, estabelecidos pelo art. 319 do Código de Processo Civil – CPC, bem como indicará:
I – a modalidade de usucapião requerida e sua base legal ou constitucional;
II – a origem e as características da posse, a existência de edificação, de benfeitoria ou de qualquer acessão no imóvel usucapiendo,
com a referência às respectivas datas de ocorrência;
III – o nome e estado civil de todos os possuidores anteriores cujo tempo de posse foi somado ao do requerente para completar o
período aquisitivo;
IV – o número da matrícula ou transcrição da área onde se encontra inserido o imóvel usucapiendo ou a informação de que não se
encontra matriculado ou transcrito;
V – o valor atribuído ao imóvel usucapiendo.
20
Art. 319 CPC. A petição inicial indicará:
I - o juízo a que é dirigida;
II - os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas
Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu;
III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;
IV - o pedido com as suas especificações;
V - o valor da causa;
VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;
VII - a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação.
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 23
O já mencionado artigo 216-A da LRP prevê que o processamento se dá perante o cartório da comarca
em que estiver situado o imóvel usucapiendo. A identificação é fácil quando há apenas um cartório em
determinada comarca.
O § 6º do mesmo art. 216-A indica que, após o processamento do pedido e estando em ordem a
documentação, o oficial registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas. Sendo assim,
depreende-se que, nos casos de comarca com mais de uma circunscrição imobiliária, a usucapião
tramitará naquela que for competente para o registro da área, não se mostrando possível o trâmite do
processo em um cartório e o registro da usucapião em outro.
Importante destacar que no caso de imóveis situados em mais de uma comarca ou circunscrição, valendo-
nos dos ensinamentos do Dr. Henrique Ferraz Corrêa de Mello 21, indica-se três possíveis
encaminhamentos:
Parece-nos razoável (fazendo uma analogia com o art. 21, § 1º, da Lei 6.766/1979 22) que os imóveis
situados em zonas limítrofes devessem ser fracionados, reconhecendo-se a aquisição da propriedade de
cada porção no cartório que tiver competência para o registro.
No entanto, o art. 2º do Provimento 65 CNJ estabelece que o processamento deve ser feito no cartório
da circunscrição em que estiver localizado o imóvel ou a maior parte dele. Nesse caso, na fase de
publicação de editais, o art. 16, §3º do Provimento 65 diz que o edital será publicado em jornal de todas
as localidades.
Quanto aos requerentes, devem assim figurar aqueles que possuírem o imóvel, sendo que sua completa
qualificação no requerimento e a junção dos documentos de identificação são de extrema importância,
pois servirão de base para o registro, quando da admissão do pedido.
21
MELLO, Henrique Ferraz Corrêa de. Usucapião extrajudicial. 2. ed. São Paulo: YK Editora, 2018.
22
Art. 21, § 1º Lei 6.766. Nenhum lote poderá situar-se em mais de uma circunscrição.
(Embora seja possível o registro do loteamento em comarcas/circunscrições limítrofes, o lote dele resultante deve estar registrado
em apenas uma delas).
23
Art. 8º Prov 65. O reconhecimento extrajudicial da usucapião pleiteado por mais de um requerente será admitido nos casos de
exercício comum da posse.
24
Cabe dizer, entretanto, que, de acordo com o art. 18 do CPC, “ninguém poderá pleitear direito alheio em
nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico”. Assim, não pode um possuidor
requerer o reconhecimento da usucapião e apenas relacionar no corpo do requerimento o nome dos
demais possuidores.
No caso de pessoas casadas ou que vivam em união estável, é importante bastante atenção, visto que,
exceto no regime da separação absoluta de bens, faz-se necessário o consentimento do cônjuge para
pedidos que versem sobre direitos reais. 24 25
Se o pedido for feito em nome de apenas um dos cônjuges, a comunicabilidade do imóvel seguirá
conforme o regime de bens do casamento.
Ressalte-se no que diz respeito a requerentes estrangeiros, quanto à aquisição por usucapião de imóvel
rural, há notícia de decisões do Tribunal de Justiça bandeirante que acolhem essa possibilidade, sem a
necessidade de anuência do INCRA, justificando-se no caráter originário da usucapião. Trata-se, sem
dúvida, de questão controversa que merece um estudo aprofundado oportunamente.
Vale fazer constar que o condomínio edilício pode adquirir imóvel por usucapião, com a comprovação de
que a aquisição implica em benefícios para os condôminos, conforme consta no Enunciado nº 596
aprovado na VII Jornada de Direito Civil.
Em relação à indicação dos interessados, que devem ser enumerados no requerimento, de acordo com
os ensinamentos de Leonardo Brandelli 26, não há, de início, réu no processo extrajudicial de usucapião.
A legitimidade passiva diz respeito à qualidade das pessoas que devem participar do processo por terem
seus direitos atingidos pelo direito requerido.
A modalidade de usucapião deve ser apontada com base na qualidade da posse e das provas que
corroborem com o tipo de usucapião que a situação se enquadra, de acordo com os critérios legais
atinentes.
24
Art. 73 CPC. O cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação que verse sobre direito real imobiliário, salvo
quando casados sob o regime de separação absoluta de bens.
25
Art.4, § 4º Prov. 65. Será dispensado o consentimento do cônjuge do requerente se estiverem casados sob o regime de separação
absoluta de bens.
26
BRANDELLI, Leonardo. Usucapião administrativa: de acordo com o novo código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 2016.
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 25
Quanto aos fatos e fundamentos jurídicos, o requerimento deve apresentar as razões que justifiquem a
usucapião que se pretenda seja reconhecida. É enriquecedor que se faça uma narrativa que exponha com
detalhes o início da posse, suas características, datas de ocorrência e fatos relevantes. Além disso, é
importante justificar ou deixar evidente a dificuldade ou impossibilidade de se realizar a escrituração
regular da transferência da propriedade. 27
A indicação da origem registrária irá delimitar a situação do imóvel na tábula registral. Nem sempre é
possível identificar e localizar o número de matrícula ou transcrição onde se insere a área, mas é requisito
constante no art. 3º, IV do Provimento 65 CNJ 28.
Além da indicação do valor da causa/valor do imóvel, o requerimento deve ser finalizado com os pedidos
pertinentes:
— o processamento do pedido;
— a notificação dos interessados;
— notificação das Fazendas Públicas;
— publicação de editais;
— métodos alternativos para a solução de conflitos;
— deferimento do pedido com o reconhecimento da usucapião;
— registro da usucapião (com ou sem abertura de matrícula).
Por fim, um pedido bem instruído e fundamentado poderá favorecer a tramitação e deferimento do
processo extrajudicial de usucapião.
_____________________________________________________________________________________
Amanda Gil. Advogada e Consultora Jurídica no Extrajudicial. Pós-graduação lato sensu em Direito Notarial e Registral
Imobiliário. Autora de artigos e obras jurídicas, dentre os quais a recente obra "Usucapião: julgados para o
extrajudicial", da Editorial Lepanto. Experiência em regularização fundiária urbana. Professora do curso de pós-
graduação em Direito Imobiliário, da Escola Superior de Advocacia - ESA/SP.
27
Art. 13, § 2º Prov. 65. Em qualquer dos casos, deverá ser justificado o óbice à correta escrituração das transações para evitar o uso
da usucapião como meio de burla dos requisitos legais do sistema notarial e registral e da tributação dos impostos de transmissão
incidentes sobre os negócios imobiliários, devendo o registrador alertar o requerente e as testemunhas de que a prestação de
declaração falsa na referida justificação configurará crime de falsidade, sujeito às penas da lei.
28
Art. 3º, IV Prov. 65. o número da matrícula ou transcrição da área onde se encontra inserido o imóvel usucapiendo ou a informação
de que não se encontra matriculado ou transcrito.
26
Importante salientar desde já que não obstante a previsão legal acima mencionada, ficará dispensada a
apresentação do material técnico no procedimento de usucapião extrajudicial quando a área usucapienda
coincidir com a descrição contida em seu registro imobiliário, ou quando houver planta arquivada em
órgãos competentes que contemplem a descrição da área a ser usucapida, possibilitando desta forma a
sua localização e correta estremação em atendimento do princípio da especialidade registral.
A referida dispensa acima mencionada foi disposta no art.4º, §5º do Provimento nº 65 do Conselho
Nacional de Justiça, editado em 14 de dezembro de 2017 29, provimento este que deu diversas diretrizes
para o procedimento de usucapião extrajudicial aos serviços notariais e de registro de imóveis,
flexibilizando inclusive procedimentos que antes inviabilizavam o procedimento e desencorajavam
aqueles interessados que não conseguiam atender incialmente a todos os preceitos trazidos pela já
referida Lei nº 13.105/2015, como, por exemplo, a dispensa do material no caso anteriormente citado, a
dispensa da intimação de confrontantes e interessados em situações específicas e a presunção de
concordância do proprietário tabular, interessado/confrontante ao pedido de usucapião extrajudicial em
caso de silêncio destes no decorrer do prazo legal para a respectiva manifestação.
29
Será dispensada a apresentação de planta e memorial descritivo, se o imóvel usucapiendo for unidade autônoma de condomínio
edilício ou loteamento regularmente instituído, bastando que o requerimento faça menção à descrição constante da respectiva
matrícula.
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 27
Uma vez que a dispensa do material técnico não se aplica ao caso concreto, o interessado deverá observar
alguns requisitos importantes para a sua elaboração. Inicialmente anota-se que a planta e memorial
descritivo da área usucapienda devem ser elaborados por um profissional técnico habilitado regularmente
inscrito em sua respectiva entidade de classe, e executar o levantamento sob anotação ou registro de
responsabilidade técnica (ART ou RRT).
A confecção da planta e do memorial, quanto à forma, deve observar os requisitos técnicos contidos na
NBR nº 6492/94, editada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), lá o profissional técnico
habilitado encontrará diretrizes sobre a representação do objeto no desenho, orientações para a escala,
dados que deverão conter no carimbo da planta, escolha adequada do papel e outras especificações
necessárias. Lembramos que o memorial descritivo é documento que compõe o material técnico a ser
apresentado, e que detalha as coordenadas do perímetro da área usucapienda, de forma a servir de base
para a elaboração da descrição do imóvel em sua matrícula, contudo o memorial descritivo pode ser
dispensado pelo Oficial Registrador caso as informações que devem constar no memorial já estiverem
refletidas na planta da área por meio de quadro de coordenadas.
Com relação ao conteúdo, o material deve observar ao quanto necessário para a identificação clara dos
limites da área usucapienda, os característicos, as confrontações, a qualificação mínima dos confrontantes
(nome) e campo para a respectiva assinatura, a exata localização da área, e, ainda, quando se tratar só de
terreno, se esse fica do lado par ou do lado ímpar do logradouro, em que quadra e a que distância métrica
da edificação ou da esquina mais próxima, tudo conforme disposto no artigo 225 da Lei dos Registros
Públicos 30, além de outras informações complementares eventualmente requeridas pelas Corregedorias
Gerais de Justiça locais.
A identificação dos registros dos imóveis confrontantes da área usucapienda e qualificação de seus
proprietários ou ocupantes como providência simultânea ou precedente ao início do levantamento
técnico trará elementos importantes para a identificação de informações que poderão ser manuseadas
de forma a prevenir eventuais litígios futuros, possibilitando ao interessado antecipar quaisquer questões
relativas ao levantamento técnico em um ambiente amistoso e desvinculado de quaisquer prazos de
cartório para manifestação.
Frisamos que, neste momento, a conciliação entre a situação de fato e as informações técnicas disponíveis
ao profissional através dos títulos dos confrontantes é bastante relevante, qualquer dificuldade em obter
informações tanto do imóvel vizinho quanto de seu proprietário ou ocupante, atrito inicial ou divergência
de entendimento havido podem ser refletidos na ata notarial a ser elaborada pelo tabelião competente,
de modo a prevenir direitos e resguardar responsabilidades quando do ingresso do pedido perante o
Cartório de Registro de Imóveis.
30
Art. 225 - Os tabeliães, escrivães e juízes farão com que, nas escrituras e nos autos judiciais, as partes indiquem, com precisão, os
característicos, as confrontações e as localizações dos imóveis, mencionando os nomes dos confrontantes e, ainda, quando se tratar
só de terreno, se esse fica do lado par ou do lado ímpar do logradouro, em que quadra e a que distância métrica da edificação ou
da esquina mais próxima, exigindo dos interessados certidão do registro imobiliário.
28
Ademais, a identificação dos registros imobiliários dos confrontantes da área usucapienda pode
apresentar elementos técnicos que poderão auxiliar o profissional na condução dos trabalhos, o imóvel
confrontante pode eventualmente já ter sido objeto de retificação de registro imobiliário ou até objeto
de procedimento de usucapião, facilitando ao profissional técnico contratado identificar os limites
comuns entre os imóveis, viabilizando, se aplicável, a reprodução dessas divisas na planta e no memorial
descritivo da área usucapienda.
Anota-se que a reprodução de tais divisas, sem a anuência expressa do confrontante na planta do imóvel
usucapiendo conforme preceitua o artigo 216-A da Lei dos Registros Públicos, não dispensará a notificação
deste para se manifestar quanto ao pedido de usucapião extrajudicial, situação diferente daquela prevista
no artigo 213, I, “f”, da Lei dos Registros Públicos 31, onde o Oficial Registrador procederá com a retificação
de registro do imóvel caso haja a reprodução de descrição de linha divisória de imóvel confrontante que
já tenha sido objeto de retificação sem a necessidade de sua participação no procedimento retificatório.
Por fim, lembremos que a falta de quaisquer elementos formais ou de conteúdo do material técnico pode
acarretar o indeferimento do processamento da usucapião extrajudicial pelo Oficial Registrador, razão
pela qual recomenda-se que o interessado e o profissional técnico estejam atentos a todas as
recomendações e preceitos aduzidos neste artigo, de modo a viabilizar a conclusão satisfatória do
procedimento.
_____________________________________________________________________________________
Thiago Augusto Lopes. Advogado da área de Direito Imobiliário de Demarest, Thiago Augusto Lopes é bacharel em
Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie em 2009. Thiago especializou-se em Direito Imobiliário,
Urbanístico e Registral pelo SECOVI (2011) e fez pós-graduação em Direito Societário pela Escola de Direito da
Fundação Getúlio Vargas (GV-Law) em 2018. Sua atuação está voltada para a estruturação de negócios imobiliários
envolvendo parques logísticos, shopping centers e empreendimentos imobiliários de usos diversos. Possui também
forte atuação em regularização fundiária, registral e regulatória.
31
Art. 213. O oficial retificará o registro ou a averbação:
I - de ofício ou a requerimento do interessado nos casos de: ...
f) reprodução de descrição de linha divisória de imóvel confrontante que já tenha sido objeto de retificação.
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 29
Introdução
O instituto da usucapião está presente em nosso ordenamento jurídico brasileiro praticamente desde sua
origem, quando emprestado do direito português. A origem do instituto é extremamente antiga, estando
presente formalmente desde o Direito Romano. Notadamente é quase que inerente à natureza humana
o sentimento de propriedade proveniente do exercício da posse sobre determinado bem, sentimento
esse que é quase que da essência do ser humano.
Ora a usucapião consiste na aquisição da propriedade sobre determinado bem em decorrência de seu uso
contínuo e prolongado. Notem que a usucapião pode recair tanto sobre bens móveis, como sobre bens
imóveis, exceto bens públicos. Sobre a usucapião de bens móveis, Professor Sílvio de Salvo Venosa leciona
que “terá o possuidor de coisa móvel necessidade de comprovar e regularizar a propriedade”,
mencionando a propriedade de veículos automotores, em que sua propriedade é transferida pela
tradição. Nesse sentido, Dr. Silvio ressalta que o possuidor do veículo “pode obter a declaração da
propriedade por meio da usucapião.” 32 Neste artigo nos dedicaremos à usucapião de bens imóveis,
notadamente pela via administrativa, extrajudicial.
— Extraordinária: pelo exercício da posse sobre imóvel, por quinze anos, sem interrupção, nem
oposição, independentemente de título e boa-fé, conforme estabelece o art. 1.238 do Código
Civil;
— Ordinária: pelo exercício da posse contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, por
dez anos, conforme prescreve o art. 1.242 do Código Civil;
32
Direito Civil: Direitos Reais. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 264.
No mesmo sentido vide https://www.aasp.org.br/noticias/cnj-pleno-virtual-do-cnj-confirma-que-cartorio-pode-homologar-
usucapiao/
30
— Especial Rural: pela posse por cinco anos ininterruptos, sem oposição, de área de terra em zona
rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua
família, tendo nela sua moradia, conforme previsto no art. 191 da Constituição Federal Brasileira
e art. 1.239 do Código Civil 33.
Em 2015, foi incluído o art. 216-A na “Lei de Registros Públicos” ou “LRP” (Lei Federal no 6.015/73), que
trouxe a possibilidade do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, processado diretamente
perante o cartório do registro de imóveis competente.
Em 2017, o Conselho Nacional de Justiça emitiu o Provimento no 65 (“Provimento 65”), com diretrizes aos
cartórios de registro de imóveis e tabeliães de notas, acerca do procedimento da usucapião extrajudicial.
Uma vez recebido o pedido pelo oficial de registro de imóveis, esse deve ser autuado e analisado pelo
oficial competente, o qual deverá:
a. Caso a planta apresentada não contenha a assinatura de qualquer dos titulares de direitos
registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis
confinantes, notificar pessoalmente ou pelo correio esse titular para se manifestar em quinze
dias quanto ao seu consentimento, interpretado o silêncio como consentimento;
b. Dar ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal e ao Município, pessoalmente, por intermédio
do oficial de registro de títulos e documentos, ou pelo correio, para que se manifestem, em
quinze dias, sobre o pedido de usucapião;
c. Infrutíferas as notificações aos confrontantes e/ou titulares de direitos registrados ou averbados
na matrícula do imóvel ou dos imóveis confinantes, estando o(s) notificando(s) em lugar incerto,
não sabido ou inacessível, o oficial de registro de imóveis promoverá a notificação por edital
publicado, por duas vezes, em jornal local de grande circulação, pelo prazo de quinze dias cada
um, interpretando o silêncio do notificando como discordância;
d. Promover a publicação de edital em jornal de grande circulação, onde houver, para a ciência de
terceiros eventualmente interessados, que poderão se manifestar em quinze dias contados da
data da publicação;
33
Notem que tanto o texto Constitucional como o Código Civil mencionam imóvel rural ou urbano, em em zona rural. Esclarecemos
que essa contradição é apenas aparente, à medida em que imóvel localizado em zona rural pode ser considerado como urbano, se
destinado a atividades urbanas, tais como de moradia ou outras, pelo princípio da destinação, ainda que localizado em zona rural,
conforme classificação pela legislação municipal competente, especialmente para fins tributários. Sobre o tema vide artigo
“Caracterização de Imóveis: Rurais x Urbanos”, de autoria de Flávia Bahia Vidigal e Henrique Rodrigues Anders, na obra: Direito
Imobiliário e Urbanístico Temas Atuais, p. 81 e seguintes, Ed. Foco, 2019.
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 31
e. Solicitar ou realizar diligências, para elucidação de qualquer dúvida decorrente da análise dos
documentos apresentados.
O parágrafo 7º do art. 216-A da LRP e o art. 23 do Provimento 65 preveem que, em qualquer caso, o
interessado poderá suscitar procedimento de dúvida observado o disposto no art. 198 da LRP, que
equivale à interposição de um recurso à Vara de Registros Públicos, em relação à decisão do oficial de
registro de imóveis competente.
A notificação à União, ao Estado, ao Distrito Federal e ao Município se presta especialmente para que se
manifestem acerca de ser ou não imóvel público, caso em que a usucapião deverá ser negada, dada a
impossibilidade de usucapião de imóveis públicos 34.
Transcorrido o prazo para manifestação de terceiros por conta do edital, não havendo pendência de
diligências e achando-se em ordem a documentação apresentada, o oficial de registro de imóveis
registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, sendo permitida a abertura de
matrícula, se for o caso.
34
Vide Miranda, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, tomo XIII, 1977,
pp. 381-382.
35
LRP, art. 216-A, § 2º Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos reais e de outros direitos
registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, esse será notificado pelo
registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar seu consentimento expresso em
15 (quinze) dias, interpretado o seu silêncio como discordância.
32
Frise-se que a LRP só autoriza a concessão da usucapião ao solicitante, uma vez presente toda a
documentação necessária, bem como a anuência expressa dos titulares de direitos reais e outros direitos
registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e nas matrículas dos imóveis confinantes 36.
A notificação dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo, bem
como de seus imóveis confinantes, para que se manifestem sobre sua concordância em relação à
usucapião, que pode ser suprida pela assinatura dessas pessoas na planta e memorial descritivo do imóvel
usucapiendo evidencia a importância da participação de terceiros no reconhecimento da usucapião. Esse
também é elemento importante para a segurança do registrador de imóveis em conceder a usucapião
pela via administrativa.
Ora, além da assinatura mencionada acima, há também a possibilidade de o tabelião responsável pela
lavratura da ata notarial para fins da usucapião administrativa obter o depoimento e declarações de tais
pessoas, na própria ata notarial, emprestando a tais depoimentos a fé pública que lhe é de ofício.
Ainda, a ata notarial com a declaração dos confrontantes, atendendo aos critérios técnicos para a
descrição da área, também pode ser mais um elemento de prova, tanto da localização e confrontação do
imóvel usucapiendo, como em relação ao tempo de exercício da posse pelo interessado / solicitante.
Impugnações
Não obtidas as anuências dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel
usucapiendo e dos imóveis confinantes, ganha relevância a publicação do edital pelo oficial de registro de
imóveis, dá publicidade à usucapião, abrindo prazo para que as pessoas interessadas apresentem suas
eventuais impugnações, que poderão ser baseadas em diferentes aspectos, desde possuírem título sobre
o imóvel usucapiendo até a titularidade de direitos sobre tal imóvel, tais como de garantia.
Como já mencionado, o simples decurso do prazo do edital não supre a manifestação expressa de
anuência dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo, bem
como de seus imóveis confinantes, para o reconhecimento administrativo da usucapião.
36
LRP, art. 216-A, § 6º Transcorrido o prazo de que trata o § 4º deste artigo, sem pendência de diligências na forma do § 5º deste
artigo e achando-se em ordem a documentação, com inclusão da concordância expressa dos titulares de direitos reais e de outros
direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, o oficial de registro
de imóveis registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, sendo permitida a abertura de matrícula, se for o caso.
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 33
As questões levantadas nas impugnações devem ser analisadas pelo oficial de registro de imóveis
competente, e, sendo o caso, o oficial deve buscar a conciliação entre o solicitante, interessado em obter
a usucapião, e a pessoa que alega ter titularidade sobre o imóvel ou de direito ao ônus, interessado em
ter o direito ao ônus resguardado ou mesmo excutido.
Caso a conciliação não seja frutífera, a impugnação impedirá o reconhecimento da usucapião pela via
extrajudicial, restando apenas a via judicial, sendo que em hipóteses em que a impugnação diga respeito
apenas à parte do imóvel usucapiendo, a usucapião administrativa poderá ser reconhecida em relação à
porção incontroversa do imóvel.
Desta maneira, o oficial de registro de imóveis exerce pivotante analisando e validando evidências e
direitos, posto que a usucapião é essencialmente pautada e baseada em comprovação de fatos (posse).
Nessa esteira, vale ressaltar que a usucapião administrativa não deve ser utilizada como ferramenta para
oportunismos indevidos. É sabido que em muitas ocasiões, quando deflagrado o processo administrativo
da usucapião, surgem pessoas com pretensões infundadas e descabidas. Nesse momento, cabe ao
registrador, como presidente do procedimento, agir no sentido de evitar essas iniciativas oportunistas.
Lembramos que, na hipótese de uma impugnação que seja rejeitada ou indeferida pelo oficial de registro
de imóveis, cabe procedimento de suscitação de dúvida, previsto no parágrafo 7º do art. 216-A da LRP, e
mesmo que esse procedimento mantenha a decisão do registrador de imóveis, cabe ainda a instância
judicial. Esse aspecto serve de segurança para a atuação do registrador.
34
Conclusão
A nosso ver, a usucapião extrajudicial é importante ferramenta para a validação de titularidade sobre
imóveis, em linha com as tendências mais modernas do direito de desjudicialização e celeridade.
Ressaltamos aqui também a importante função do registrador de imóveis nesse procedimento por ele
presidido, no sentido de organizar e ordenar os atos do procedimento, analisar a documentação a ele
submetida, bem como, em justa medida, rechaçar pretensões oportunistas e infundadas.
_____________________________________________________________________________________
Henrique Rodrigues Anders. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP),
especialista em Transações Imobiliárias pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP) e mestre em Liderança pela Regent
University, VA, Estados Unidos. Atende regularmente fundos de investimento imobiliário, indústrias, construtoras,
bem como gestoras de ativos e family offices. Possui forte atuação no setor imobiliário em operações envolvendo
tanto imóveis urbanos como rurais, com clientes nacionais e estrangeiros, em estruturações de investimentos em
participação societária, mercado de capitais e ativos imobiliários. Membro atuante da Mesa de Debates de Direito
Imobiliário – MDDI e do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – IBRADIM.
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 35
GEORGIOS ALEXANDRIDIS
Introdução
A usucapião 37 é uma forma originária 38 de aquisição da propriedade pela qual uma situação de fato
(posse) 39 se transmuta no direito real de propriedade 40 pelo decurso do tempo e desde que satisfeitos os
requisitos gerais, comuns a qualquer modalidade de usucapião e, dentro da análise do caso concreto, os
requisitos específicos de cada modalidade de usucapião prevista em lei.
Neste artigo será explorada a possibilidade de soma de tempo de posse através da accessio possessionis
bem como da sucessio possessionis, analisando a sua repercussão na contagem do tempo de posse, bem
como será tratada a influência das causas suspensivas e interruptivas da prescrição, com enfoque na Lei
n° 14.010/2020.
37
“Usucapião: a usucapião se dá pela prescrição aquisitiva, ou seja, o decurso do tempo da posse legítima, em diversas
possibilidades, a aquisição da propriedade por usucapião, com base na teoria monista que, ao nosso ver, é a que melhor explica o
instituto da usucapião, pois considera que é ao mesmo tempo uma energia criadora de direito e extintiva, pois redunda na perda
da propriedade, visão unitária da prescrição e da usucapião, conforme Diniz (2009:325).” FIGUEIREDO, Fábio Vieira. Manual de
Direito Civil. 2. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 618.
38
“A usucapião é um direito novo, autônomo, independente de qualquer ato negocial provindo de um possível proprietário, tanto
assim que o transmitente da coisa objeto de usucapião não é o antecessor, o primitivo proprietário, mas a autoridade judiciária que
reconhece e declara por sentença a aquisição por usucapião”. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito das
Coisas, vol. 4., 23. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva 2008, p.155.
39
“Aliás, é no usucapião, forma originária de aquisição do domínio que se perfectibiliza pela satisfação de seus pressupostos, que a
posse transcende a concepção de aparência de propriedade para modo de aquisição desta.” LOTTI, Armando Antonio. Revista de
Direito Imobiliário. RDI 59/61. Jul-dez/2005. Registro Imobiliário; aquisição de propriedade / Ricardo Dip, Sérgio Jacomino,
organizadores – 2. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. – (Coleção doutrinas essenciais: direito registral; v.3), p.
1091.
40
Cumpre sempre destacar que não é só o direito real de propriedade que pode ser adquirido pela usucapião, outros direitos reais
também podem, v.g.: aquisição da Servidão Aparente, artigo 1.379, do CC; do Usufruto, artigo 1.391, CC; do Uso, artigo 1.413, CC;
da Habitação, artigo 1.416,CC.
36
A posse possui natureza econômica intrínseca, diversa da do direito real de propriedade, tanto que pode
ser transferida, ainda que temporariamente, mediante uma remuneração, v.g. contrato de locação,
comodato, ou ser transmitida de forma definitiva, quer seja a título oneroso ou gratuito, quer seja por ato
entre vivos ou causa mortis. Assim, mostra-se necessário analisar as implicações da transmissão da posse
na contagem do tempo para a prescrição aquisitiva da propriedade.
Independentemente de ser tratada como uma situação de fato ou um direito 42 revela-se interessante e
economicamente relevante na sociedade a formulação de negócios jurídicos envolvendo a posse.
Nesse sentido cabe destacar que a transmissão da posse em caráter definitivo independe de lavratura de
escritura pública e de registro perante o cartório de registro de imóveis competente, visto que as
exigências contidas nos artigos 108 e 1.227, ambos do CC, para a transmissão por atos entre vivos, é
afastada por a posse não estar elencada como direito real no artigo 1.225, do CC, podendo assim ser
realizada por contrato particular verbal ou escrito.
Nas hipóteses em que a posse é transmitida de maneira singular, por ato entre vivos, é evidenciada uma
nova posse, com características próprias, autônomas, desvinculadas do anterior possuidor alienante,
apesar de ser dela derivada, iniciando uma nova contagem de prazo para a prescrição aquisitiva da
propriedade, sendo que será facultado ao possuidor promover a accessio possessiones 43, conforme o
quanto estabelece a segunda parte do artigo 1.207, do CC.
A faculdade de unir a posse do adquirente com a de seu antecessor pode, de um lado, ser interessante
pela soma dos tempos de posse, contudo, por outro lado, deverá observar, nos termos do artigo 1.243,
do CC, que a posse do antecessor deverá ser contínua, pacífica e, ainda, cumprir os demais requisitos
específicos para a usucapião aplicável no caso concreto, como ter justo título e boa-fé, no caso do artigo
1.242, do CC (usucapião ordinária). 44
41
O “animus domini” (ou intenção de dono) é requisito indispensável para a configuração da usucapião, pois o possuidor tem a
perspectiva de que o imóvel lhe pertence e, assim, age como dono, sem qualquer necessidade de devolução do imóvel a outrem
que seria possuidor indireto.
42
“Enquanto Savigny sustenta ser ambos, um fato se considerada em si mesma, e um direito, se levados em conta seus efeitos
(usucapião e interditos), Ihering aduz ser um direito, baseado em que o direito é o interesse juridicamente protegido e que,
consequentemente, inexiste dúvida de que a posse seja um direito. Estariam agrupados os dois elementos exigidos para a existência
de um direito: o substancial, consistente no interesse, e o formal, que envolve a proteção jurídica.” RIBEIRO, Benedito Silvério.
Tratado de Usucapião, volume 1. 8. ed. rev. e atual com a usucapião familiar – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 733.
43
“este tipo de acessão se dá no caso de sucessão singular, quando o objeto adquirido constitui coisa certa ou determinada. Essa
posse nasce desligada da posse do alienante, apesar de recebê-la dele, já que o adquirente constitui para si nova posse. Exemplos:
compra e venda, troca, doação e dação em pagamento.” CASSETTARI, Christiano. Elementos de Direito Civil. São Paulo: Saraiva,
2011, p. 328.
44
Destaca-se que na IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal – foi aprovado o Enunciado 317 que estabelece que:
“A accessio possessionis de que trata o art. 1.243, primeira parte, do Código Civil não encontra aplicabilidade relativamente aos arts.
1.239 e 1.240 do mesmo diploma legal, em face da normatividade do usucapião constitucional urbano e rural, arts. 183 e 191,
respectivamente”.
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 37
De outro lado, eventual vício que não seja objetivo na posse do antecessor será afastado, v.g. o
desconhecimento por parte do adquirente de que o alienante tinha conhecimento do dever de restituir o
bem ao legítimo titular, embora quando da transmissão fez o adquirente crer que adquiriu com animus
domini, na hipótese o adquirente, ao não se valer da faculdade de acrescer à sua posse a dos seus
antecessores (artigo 1.207, do CC), inaugurará uma nova posse, com contagem do prazo iniciada do zero
para a configuração da prescrição aquisitiva.
Ainda, por se tratar de um direito economicamente aferível, a posse também é transmitida em razão da
morte do seu titular a seus sucessores, que se dá de forma imediata com base no princípio de saisine,
conforme prescreve o artigo 1.784, do CC 45, sendo que neste caso ocorre a sucessio possessiones em que
na forma da primeira parte do artigo 1.207, do CC, o sucessor universal continua de direito a posse do seu
antecessor 46, tendo a posse transmitida aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos
caracteres (artigo 1.206, do CC).
Na sucessão a título universal não há faculdade para os herdeiros, por sua conveniência, acrescer ou não
a posse do de cujus tal como era exercida, a norma é imperativa ao estabelecer diretamente a soma das
posses, implicando diretamente na viabilidade ou não da busca pela declaração de aquisição da
propriedade pela usucapião.
45
Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.
46
“na sucessão de posses, o herdeiro continua obrigatoriamente a mesma posse antes exercida pelo de cujus, com suas virtudes e
vícios. Pela ficção da saisine (art. 1784, do CC), a propriedade e a posse dos bens são transmitidas automaticamente com a morte,
preservando-se todas as suas características.” FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Reais. 11. ed. rev., ampl. e atual. –
São Paulo: Atlas, 2015. (Curso de direito civil; v.5), p. 356.
38
O artigo 1.244, do CC, não deixa dúvidas quanto à aplicação das causas que obstam, suspendem ou
interrompem a prescrição, estabelecidas nos artigos 197 a 204, todos do Código Civil, à usucapião. O foco
a ser destacado neste artigo e, neste momento excepcional que vivemos em razão da COVID-19, está em
como resta a aplicação das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição aquisitiva, face
à aplicação e interpretação da Lei 14.010/20 que estabeleceu o Regime Jurídico Emergencial e Transitório
das Relações jurídicas de Direito Privado (RJET).
O Congresso Nacional por sua vez, já durante a pandemia, aprovou o Projeto de Lei 1.179/2020 que após
sanção presidencial, com alguns vetos, entrou em nosso ordenamento como a Lei 14.010/2020, publicada
no DOU em 12.06.2020 e que em seu artigo 10 dispõe que suspendem-se os prazos de aquisição para a
propriedade imobiliária ou mobiliária, nas diversas espécies de usucapião, a partir da entrada em vigor
desta Lei até 30 de outubro de 2020.
Sobre esse dispositivo legal, importante destacar que o instituto da usucapião não se limita apenas à
aquisição da propriedade, como dito alhures, outros direitos reais também são adquiridos pela prescrição
aquisitiva, por certo com menor incidência prática, mas com a mesma relevância jurídica do direito real
de propriedade, tais como, v.g. aquisição da Servidão Aparente, artigo 1.379, do CC; do Usufruto, artigo
1.391, CC; do Uso, artigo 1.413, CC; da Habitação, artigo 1.416,CC, dentre outros.
47
A usucapião na qualidade de prescrição aquisitiva da propriedade, e de outros direitos reais, tem grande relevância em nosso
ordenamento, reconhecendo a função social da propriedade exercida pelo possuidor, eliminando dúvidas ou contestações e, assim,
segurança e estabilidade à propriedade, promovendo a paz social ao não eternizar conflitos, consolidando a aquisição originária ao
possuidor que através de exercício da posse adquire o direito à propriedade.
48
Publicado em: 04/02/2020 | Edição: 24-A | Seção: 1 - Extra | Página: 1.
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 39
Sendo assim, o legislador acabou por limitar no artigo 10 da Lei 14.010/2020 apenas a prescrição aquisitiva
da propriedade, a suspensão de seu prazo em razão da pandemia, o que não se mostra coerente, contudo,
à luz da interpretação conjunta do artigo 1.244, do Código Civil, e do artigo 3°, da Lei 14.010/2020 49, a
falha do legislador acaba sendo solucionada e, portanto, pode-se afirmar que, qualquer que seja o direito
real a ser adquirido pela usucapião, a contagem de seu respectivo prazo de prescrição aquisitiva está
suspenso até 30 de outubro de 2020.
Outro ponto que merece especial reflexão se relaciona com o período em que, em razão da pandemia da
COVID-19, o prazo da prescrição aquisitiva estaria suspenso.
A par da norma legal contida no artigo 10 da Lei 14.010/2020 ser clara ao estabelecer o início da suspensão
como sendo a partir da entrada em vigor desta Lei, por certo, a impossibilidade fática do titular do direito
real buscar a salvaguarda do seu direito não se iniciou apenas neste momento.
Ao analisar as causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, estabelecidas nos artigos
197 a 204, todos do Código Civil, aplicáveis à usucapião por força do artigo 1.244, do CC, não há
regramento que possa ser usado diretamente na proteção do titular do direito real com vistas a impedir
a computação do prazo da prescrição aquisitiva no período compreendido entre o início da pandemia
reconhecida pelo governo brasileiro através da Portaria GM/MS nº 188/2020 50, até a data de entrada em
vigor da Lei 14.010/2020, publicada no DOU em 12.06.2020.
Contrariamente, o argumento pela não suspensão do prazo de prescrição até a entrada em vigor da Lei
14.010/2020 encontra forte argumento no artigo 6° da LINDB, bem como no artigo 5°, inciso XXXVI, da
CF, ao estabelecerem que a lei não prejudicará o direito adquirido, daí porque o comando dos artigos 3°
e 10, ambos da Lei 14.010/2020 não poderiam, sob este fundamento, ter estabelecido que o início da
suspensão da prescrição aquisitiva se daria antes da entrada em vigor da própria Lei.
Contudo, por outra ótica, também é cláusula pétrea a garantia do direito de propriedade, nos termos do
artigo 5°, inciso XXII, da CF, assim, ao sopesar direitos fundamentais, a situação excepcional vivida em
razão da pandemia da COVID-19 não deve ser levada em conta em razão da impossibilidade fática de
proteção de um legítimo direito? Visto que não houve negligência por parte do titular do direito real a
resposta a este questionamento levantado deve ser sim.
49
Art. 3º. Os prazos prescricionais consideram-se impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da entrada em vigor desta Lei
até 30 de outubro de 2020.
50
Publicado em: 04/02/2020 | Edição: 24-A | Seção: 1 - Extra | Página: 1.
40
Explica-se: O instituto da prescrição foi criado com vistas a promover segurança jurídica, posto que o
direito não socorre aquele que dorme (Dormientibus non succurit jus). Contudo, a notória situação fática
de isolamento social e medidas restritivas a atividades impostas pelo Poder Público, impossibilitaram no
plano fático/prático o exercício, por qualquer forma legalmente prevista, pelo titular do direito real de
impedir a continuidade da contagem do prazo a favor daquele que, ao exercer a posse ad usucapionem,
contava os dias para adquirir a propriedade (ou outro direito real) pela usucapião sendo legítima a
extensão da suspensão da prescrição 51 desde o início da pandemia da COVID-19 52.
Destaca-se que foi sancionada a Lei 13.979/2020, publicada no DOU de 7.2.2020, que dispôs sobre as
medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente
da COVID-19, autorizando as autoridades públicas, nos termos do artigo 3° da referida Lei, de estabelecer
medidas de isolamento social, regulamentação do funcionamento de atividades, dentre outras, sendo
que a advocacia privada, nos termos do artigo 3°-J, §1°, da referida Lei, não estava elencada dentre os
profissionais essenciais ao controle de doenças e à manutenção da ordem pública 53.
Ainda que no âmbito do CNJ tenha sido editada a resolução 313/2020 que ao estabelecer regime de
Plantão Extraordinário, para uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários, com o objetivo de
prevenir o contágio pelo novo coronavírus – Covid-19, e garantir o acesso à justiça nesse período
emergencial, possibilitando, nos termos do artigo 2°, §1°, inciso I, da referida Resolução, a distribuição de
processos judiciais, fato é que o jurisdicionado titular do direito real na iminência de ser perdido ou
limitado não teve condições fáticas/materiais de buscar a salvaguarda de seu direito, visto que foi
impossibilitado de ter acesso a documentos, consulta e contratação de advogado, este por sua vez não
pode exercer plenamente a sua atividade durante o isolamento social imposto, ou seja, restou
caracterizada na prática a justa causa 54 que impediu a simples busca pela defesa de seu interesse ante os
efeitos da pandemia de COVID-19.
51
Nesse sentido Pablo Stolze Gagliano e Carlos Eduardo Elias de Oliveira pontuam que: “Por fim, assim como expusemos nos
comentários ao art. 3º da Lei do RJET, para período anterior à entrada em vigor dessa lei emergencial, é cabível sustentar a
paralisação do prazo de usucapião com base no princípio do "contra non valentem agere non currit praescriptio" desde 3 de
fevereiro de 2020 (data da Portaria GM/MS nº 188/2020), ou, em situação extremamente excepcional de comprovada
impossibilidade de reivindicar seus direitos no caso concreto, desde uma data anterior.”
https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/859582362/comentarios-a-lei-da-pandemia-lei-14010-2020. Consultado em
15.10.2020.
52
No período compreendido entre o início da pandemia reconhecida pelo governo brasileiro através da Portaria GM/MS nº
188/2020, até a data de entrada em vigor da Lei 14.010/2020, publicada no DOU em 12.06.2020.
53
Conforme lecionam Rodrigo Mazzei e Bernardo Azevedo: “Ademais, há que se registrar a ausência do exercício da advocacia
privada no rol de atividades essenciais previstas nos decretos que regulamentaram o §8º da Lei 13.979/2020, de modo que, a toda
evidência, a advocacia privada está sujeita às restrições de quarentena e isolamento social eventualmente impostas pelo Poder
Público. Dessa forma, é possível afirmar que, a depender das medidas impostas pelo Poder Público em determinada região, haverá,
sim, justo motivo que impedirá a parte e o advogado de distribuírem ações judiciais antes do término do prazo prescricional.”
https://migalhas.uol.com.br/coluna/migalhas-contratuais/323091/prescricao---o-direito-nao-socorre-aos-que-dormem---e-aos-
que-se-isolam Consultado em 15.10.2020.
54
A par da prescrição ser um instituto de direito material, tendo em vista que causa reflexo processual, é possível se valer como
argumento complementar o quanto estabelecido no artigo 223, do Código de Processo Civil.
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 41
Interessante destacar que o STJ possui entendimento consolidado 55 no sentido de prorrogar o prazo
prescricional quando este se der no curso do recesso forense, ora, se o recesso forense é experimentado
de forma ordinária e previsível, com maior razão deve ser aplicado esse entendimento, por analogia, para
a hipótese extraordinária e imprevisível vivenciada pela COVID-19 desde o seu reconhecimento até a
entrada em vigor da Lei 14.010/2020.
Desta forma, defensável a ampliação da suspensão da prescrição aquisitiva, bem como para a prescrição
extintiva, para também atingir o período compreendido entre o início da pandemia reconhecida pelo
governo brasileiro através da Portaria GM/MS nº 188/2020, publicada em 04/02/2020, até a data de
entrada em vigor da Lei 14.010/2020, publicada no DOU em 12.06.2020, posto que a não atuação do
titular do direito real não foi motivada por sua negligência, mas sim por motivo de força maior. Contudo,
por cautela dada à excepcionalidade da interpretação que se propõe, importante seja evidenciada certa
restrição na aplicação desse entendimento aos casos em que, pela proximidade da caracterização da
prescrição aquisitiva, mostre-se relevante a suspensão para propiciar a efetiva proteção do direito real
objeto da usucapião.
55
AgInt no AREsp no 964877/PR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Terceira Turma, DJe 05/10/2017; AgInt no REsp
1554278/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/12/2018, DJe 07/12/2018.
42
Referências Bibliográficas
CASSETTARI, Christiano. Elementos de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2011.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas, vol. 4., 23. ed. rev. atual. e ampl.
– São Paulo: Saraiva 2008.
FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Reais. 11.ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Atlas,
2015. (Curso de Direito Civil; v.5).
FIGUEIREDO, Fábio Vieira. Manual de Direito Civil. 2. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPodivm,
2020.
LOTTI, Armando Antonio. Revista de Direito Imobiliário. RDI 59/61. Jul-dez/2005. Registro Imobiliário;
aquisição de propriedade / Ricardo Dip, Sérgio Jacomino, organizadores – 2. ed. – São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2013. – (Coleção doutrinas essenciais: direito registral; v.3.
RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião, volumes 1 e 2. 8. ed. rev. e atual. com a usucapião
familiar – São Paulo: Saraiva, 2012.
_____________________________________________________________________________________
Prof. Dr. Georgios Alexandridis. Doutor em Direito das Relações Sociais, subárea de Direitos Difusos e Coletivos pela
PUC/SP; Mestre em Direito das Relações Sociais, subárea de Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP; Especialista em
Direito das Relações de Consumo pela PUC/SP; Supervisor Acadêmico do Curso de Pós-graduação em Advocacia
Consumerista da EBRADI - Escola Brasileira de Direito; Professor em Cursos de Pós-graduação e de Extensão na
ESA/OABSP; Palestrante do Departamento de Cultura e Eventos da OAB/SP; Professor de Direito Processual Civil e
Direito do Consumidor em Cursos de Graduação e Pós-graduação; Professor de Cursos de Advocacia Prática para
Leilões de Imóveis; Advogado por formação; Consultor; Parecerista; Autor de obras jurídicas; Membro da Comissão
de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/SP – Subseção de Osasco/SP; Gestor nomeado da Coordenadoria de
Leilões de Imóveis da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/SP – Subseção de Osasco/SP; Gestor do
site de leilões www.alexandridisleiloes.com.br; Leiloeiro Público Oficial do Estado de São Paulo;
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 43
ROBSON DE OLIVEIRA
Segundo Flavio Tartuce: “Verifica-se a existência do condomínio quando mais de uma pessoa tem o
exercício da propriedade sobre determinado bem. Serve como suporte didático o conceito de Limongi
França, segundo o qual o condomínio “é a espécie de propriedade em que dois ou mais sujeitos são
titulares, em comum, de uma coisa indivisa (pro indiviso), atribuindo-se a cada condômino uma parte ou
fração ideal da mesma coisa” (Manual de Direito Civil, Ed. Método, 2020, p. 1510).
Pretende-se aqui problematizar a possibilidade da usucapião como forma de regularização de imóvel por
aquele que detém uma fração ideal em condomínio, conjugada à posse mansa, pacífica, contínua, por
tempo determinado de uma área delimitada na propriedade, pretendendo a titularidade exclusiva dessa
parcela, com sua individualização exata, estabelecendo seus limites, confrontações e divisas no bem.
Um dos caminhos para atingir esse objetivo seria a utilização da ação de divisão, prevista no artigo 569
do Código de Processo Civil, o qual assenta que cabe ao condômino a ação de divisão para obrigar os
demais consortes a estremar os quinhões.
Com efeito, não é anormal a existência de condomínios pro indiviso em imóveis, principalmente nos
rurais, com utilização de áreas determinadas, por longos anos, de modo manso, pacífico e contínuo, por
um ou mais proprietários que se sucedem naquela titularidade e posse, mas que acabam encontrando
dificuldades no manejo da ação divisória, em razão do curso do tempo, sucessões hereditárias e
desconhecimento do paradeiro dos demais condôminos, o que impede e/ou dificulta o uso do referido
procedimento judicial para a estremação de quinhões.
44
Assim, exercida posse mansa e pacífica, com exclusividade sobre uma parcela física do imóvel, certa e
delimitada, é possível a usucapião que recairá apenas sobre essa parte, subdividindo o bem, na
impossibilidade da ação de divisão, com os requisitos por ela exigidos, o que obstaculiza a regularização
da área, inclusive para fins de: (i) transferência da propriedade; (ii) obtenção de crédito; (iii) exploração;
(iv) celebração de contratos; e (v) realização de negócios em geral. Trata-se, portanto do uso da aquisição
originária do domínio em um bem cuja propriedade até então era apenas de uma fração ideal para sua
efetiva regularização, atendendo-se, desse modo, a função social da propriedade.
Deste modo, está pacificado tanto na doutrina como na jurisprudência sobre a matéria, no sentido de
conferir a realização da usucapião como alternativa ao coproprietário, na impossibilidade/dificuldade de
fazê-lo por outro modo, para ter individualizada a área que utiliza no bem de uso comum.
BENEDITO SILVÉRIO RIBEIRO ressalta: “A princípio, o que se tem de considerar é que ao condômino está
vedado usucapir bem objeto de condomínio. Como cediço, não pode a posse recair sobre pars incerta,
devendo a coisa ser hábil e certa, descabendo possuir-se coisa incerta incertam partem possidere nemo
potest. […] Entrementes, mostra-se plenamente possível que o titular de fração certa, localizada e
demarcada no condomínio se valha do processo de usucapião para o reconhecimento do domínio de
sua quota-parte. Poderá buscar o seu reconhecimento por via de usucapião de menor prazo, tendo título
que lhe sirva de base.”(RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
v. 1, p. 300).
E segue: “[…] poderá o condômino usucapir o equivalente ao seu quinhão, de vez que mantenha posse
em parte certa, isto é, perfeitamente delimitada ou individuada e sem confundir-se com o todo. Tendo
o condômino posse de sua parte, desde que devidamente localizada no todo e perfeitamente definida,
com limites certos e indiscutidos, poderá promover a cessação do estado de indivisão. O condomínio
cessará de fato, em razão dessa circunstância, regularizando-se o domínio por meio da ação de usucapião.
Assim, a posse localizada e exclusiva sobre porção do condomínio, com divisas certas, visíveis e sem
reclamações dos demais condôminos, uma vez revestida de qualificativos (ad usucapionem) e decorrido o
tempo necessário, conduzirá à prescrição aquisitiva. Deverá a posse ser determinada, certa e exclusiva,
separada materialmente da compossessão, com sinais visíveis, despontando o quinhão como
independente do restante, tal como se tivesse havido divisão entre os condôminos, cada qual com uma
fração determinada do imóvel.”(RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2006. v. 1, p. 313).
Observe-se que o autor ressalta a necessidade de a fração ser certa, localizada e perfeitamente
demarcada no condomínio.
FRANCISCO LOUREIRO também leciona: “A usucapião é modo não só de adquirir a propriedade, mas
também de sanar os vícios de propriedade ou outros direitos reais adquiridos com vícios a título derivado”
(PELUSO, Cezar (Coord.). Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. Ed. Manole, p. 1.060).
Assim, o que se tem é um requerente, que já é proprietário de uma parte ideal registrada na matrícula,
pretendendo a estremação de parte ideal de imóvel por meio da usucapião.
O tema - estremação de parte ideal por meio da usucapião -, como já se referiu é há muito tratado da
jurisprudência.
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 45
A exemplo, tem-se que o STF admitiu a possibilidade de estremação em voto da lavra do Ministro Moreira
Alves, no julgamento do RExt 79834-MG, em 31/10/1975, 2ª turma, acolhido por unanimidade:
“Não há dúvida de que um condômino pode usucapir parte da gleba, ou toda ela, conforme sua
posse se localize numa parcela, devidamente delimitada, ou em todo o imóvel (...)”.
Não foi outro o entendimento do STJ em decisão de lavra do Ministro Ari Pargendler no RESP 101009/SP:
Importante aqui ressaltar que, embora o condômino seja titular da fração ideal, nenhum dos requisitos
da usucapião são dispensados à aquisição de seu quinhão.
Assim, a usucapião de fração ideal de imóvel em copropriedade pressupõe tempo, posse prolongada no
tempo e sem oposição, seja o procedimento judicial ou extrajudicial. Os requisitos são os mesmos.
Possível, outrossim, a chamada "acessão da posse", ou seja, a soma da posse do antecessor, desde que
todas as posses sejam pacíficas, sem oposição. Tal circunstância é comum em imóveis rurais, grandes
propriedades, em condição condominial, nas quais ocorre a transmissão do domínio de fração ideal, mas
com a utilização de área certa e determinada, de modo que, na soma das posses, preenchido o requisito
da prescrição aquisitiva necessário ao manejo da demanda para a regularização pretendida.
Por fim, diante do acima exposto, uma vez que é pacificada na doutrina e nos tribunais a possibilidade de
usucapião pelo coproprietário de fração ideal, tem-se que o artigo 1244 do Código Civil não indica a
existência de condomínio como causa que obste, impeça, suspenda ou interrompa a prescrição para fins
de usucapião, de modo que essa ação muito bem pode ser utilizada na forma pretendida.
Conclusão
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 47
São inúmeras as situações nas quais coproprietários de imóveis enfrentam para a transferência da
propriedade, obtenção de crédito, exploração, celebração de contratos, realização de negócios em geral,
em razão de obstáculos que encontram na ação de divisão, tanto em razão da abertura de sucessão, com
a não localização de herdeiros, decorrentes de muitos fatores, dentre eles celebrações de contratos
particulares que, com o decurso do tempo, impedem a localização dos interessados e por consequência
a regularização do bem.
A usucapião, definida como a forma de aquisição originária da propriedade, mediante requisitos previstos
constitucionalmente e na lei civil, decorre da posse de um bem móvel ou imóvel por um determinado
tempo, de maneira contínua e incontestadamente, não havendo impedimento à sua utilização em caso
de condômino.
Portanto, aquele que detém uma fração ideal em condomínio, conjugada à posse mansa, pacífica,
contínua por tempo determinado de uma área delimitada dentro da propriedade, pretendendo a
regularização e titularidade exclusiva dessa parcela, com sua individualização exata, estabelecendo seus
limites confrontações e divisas no imóvel, pode fazê-lo por intermédio da ação de usucapião.
Trata-se, portanto, de modo de alinhar a posse e o domínio de um bem, cuja propriedade até então era
apenas de uma fração ideal pro indiviso, admitida doutrinária e jurisprudencialmente como forma a
regularizar a titularidade do imóvel, tornando-a pro diviso, colaborando para o cumprimento de sua
função social, sem descuidar dos requisitos necessários à aplicação do instituto.
_____________________________________________________________________________________
Robson de Oliveira. Advogado do escritório Demarest Advogados, Pós-graduado em Direito Imobiliário, Especialista
em Direito Imobiliário, Ex-Membro das Comissões de Direito Imobiliário, Urbanístico e de Direito Notarial e Registros
Públicos da OAB/SP, Vencedor do Chambers Diversity & Inclusion Awards 2019, na categoria Future Leader- Minority
Lawyers, Co-Fundador e membro do Comitê D Raízes do Demarest Advogados, membro da Comissão de Igualdade
Racial da OAB/SP e do Fórum de Prevenção e Combate à Discriminação Racial no Trabalho do Ministério Público do
Trabalho – MPT/SP, Coordenador do Projeto Incluir Direito, autor de artigos publicados.
48
Dada a existência de múltiplas questões que dela emergiram e ainda suscitam, o que tem chamado a
atenção é a que concerne à possibilidade de participação de mais de um postulante na relação processual.
Vale destacar que nem o texto da lei, nem o Provimento 65/CNJ expressamente previram essa moldura
que o Código de Processo Civil estabelece, senão no que diz respeito ao cônjuge ou companheiro(a), à
sucessão e ao estado de composse.
Este modestíssimo artigo se ocupa com o consorciamento para além da relação conjugal, sucessória ou
da convivência estável e duradoura. Nesse caso, o Provimento 65/CNJ fincou raiz na posse em comum,
deixando à margem o consórcio por afinidade de questões por ponto comum de fato ou de direito que a
lei processual prevê com outro timbre, é dizer, o litisconsórcio facultativo (art. 113, III). E deixou também
à deriva a legitimação extraordinária, como tal consubstanciada na regra do artigo 18, CPC. Tudo isso sem
se olvidar da usucapião especial coletiva urbana concebida pela Lei 10.257/2001 (“Estatuto da Cidade”),
que para alguns não se conciliaria com a usucapião extrajudicial menos pela forma silenciosa albergando
essa possibilidade do que pela presumida contenciosidade que dela se poderia supor inerente a essa
modalidade 56.
56
Artigo 770-C, § 4º , do Provimento nº 03/2016-CGJ/CE, de 1º de agosto de 2016: “Tendo em vista o potencial litigioso da usucapião
familiar, prevista no Art. 1.240-A do Código Civil e usucapião coletiva prevista no Art. 10 da Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001,
não se aplicam na forma extrajudicial administrativa;”
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 49
Do Individualismo ao Coletivismo
É preciso ter em mente que a usucapião extrajudicial se inspirou no processo judicial de usucapião
modelado no Código de Processo Civil de 1973. O individualismo do processo civil cedeu terreno, porém,
ao direito coletivo, mormente após a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988. Não apenas a
estrutura do processo se alterou. Era preciso tutelar toda a gama de interesses, no maior número possível,
como é o caso dos interesses difusos e coletivos. O Código de Defesa do Consumidor constitui a esse
respeito exemplo clássico da tutela desses interesses, além de verdadeiro marco de ruptura da visão
individualista da dogmática do primeiro quartel do século passado, equiparando já em seu artigo 2º,
parágrafo único, o consumidor à coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo
nas relações de consumo. Em seu artigo 81, a propósito, previu a tutela coletiva, por meio da defesa dos
interesses ou direitos difusos e coletivos, bem como dos interesses individuais homogêneos, assim
entendidos os decorrentes de origem comum.
Em 2001, foi editada a Lei 10.257, denominada de “Estatuto da Cidade”, dispondo em seu artigo 10 que
as áreas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa
renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível
identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, seriam usucapíveis coletivamente, desde que os
possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
Tal ênfase dada ao interesse plural na regularização da propriedade imobiliária urbana, notadamente nas
áreas ocupadas pela população de baixa renda, não passou desapercebido pelo legislador de 2009, que,
ao instituir o Programa Minha Casa e Minha Vida, disciplinou a usucapião administrativa, fruto da
concepção da regularização fundiária coletiva insculpida no próprio texto do diploma legal
correspondente, no caso, a Lei 11.977.
A Lei 13.465 surgiu em boa hora em 2017, alterando a Lei 6.015/73 e também a Lei 11.977/09. Com isso,
restou dizimada a terrível presunção de discordância que derivava da contumácia do notificado que não
anuiu na planta do imóvel usucapiendo. Na realidade, corrigiu-se aquilo que o Senado havia deformado
no substitutivo da Câmara, colocando o legislador de 2017 a usucapião extrajudicial no seu devido lugar.
Nesse cenário de incremento à regularização coletiva urbana, instituiu-se a legitimação fundiária para as
ocupações da população de baixa renda com escopo de garantia do direito social à moradia justa 57, em
paralelo à usucapião administrativa, mais flexível do que a de outrora, tornando fértil o terreno para a
adoção de outros mecanismos de macrorregularização. À consideração de promover a regularização dos
núcleos informais consolidados no tempo, de forma ainda mais ampla, foi alterada também a redação
dada pela Lei 10.257/2001 à usucapião especial coletiva urbana consignando o legislador, em seu artigo
10, que Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de cinco anos e cuja área total
dividida pelo número de possuidores seja inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor
são suscetíveis de serem usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de
outro imóvel urbano ou rural. O que a alguns pareceu tratar-se de nova moldura à usucapião
constitucional, dispensando o requisito da moradia na aquisição do domínio.
Sensível à necessidade de ampliar o acesso à titulação da ocupação informal de outros núcleos que não
alcançam a legitimação fundiária e que porventura também não se enquadram nos ditames da Lei
10.257/2001, a Egrégia Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo inseriu no arcabouço normativo das
serventias extrajudiciais disposição de grande sentido e eficácia. Efetivamente, afirmou-se a possibilidade
de os titulares das ocupações coletivas urbanas usucapirem áreas certas e determinadas sem que delas
fosse necessário recorrer ao condomínio geral que a Lei 10.257/2001 instituiu na usucapião especial
coletiva urbana, fadada, aliás, a eterno desuso (art.10, § 3º). Dito de outra forma, independentemente da
usucapião especial coletiva urbana regulada pela Lei 10.257/2001 - própria para as ocupações irregulares
e desordenadas que não possam, sem prejuízo de sua substância estrutural, serem distinguidas umas das
outras num espaço físico determinado, como, v.g., as favelas e palafitas -, é possível usucapir
coletivamente áreas certas extremadas, como sói ocorrer em sua maioria com os lotes urbanos. Com esse
novo procedimento, viabiliza-se a usucapião espacial geodésica de cada ocupante, sem que para tanto
seja necessário instituir um condomínio geral forçado e indivisível, além de praticamente imutável (art.
10, § 4º 58).
57
Vide artigo 10, III, VI, e VII, Lei 13.465/2017: “Art. 10. Constituem objetivos da Reurb, a serem observados pela União, Estados,
Distrito Federal e Municípios: (...) III - ampliar o acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, de modo a priorizar a
permanência dos ocupantes nos próprios núcleos urbanos informais regularizados; (...) VI - garantir o direito social à moradia digna
e às condições de vida adequadas; VII - garantir a efetivação da função social da propriedade;”. No que toca à legitimação fundiária
propriamente dita, dispõe o artigo 23, §§ 1º e 2º, I, II e III, da Lei 13.465/2017: “Art. 23. A legitimação fundiária constitui forma
originária de aquisição do direito real de propriedade conferido por ato do poder público, exclusivamente no âmbito da Reurb,
àquele que detiver em área pública ou possuir em área privada, como sua, unidade imobiliária com destinação urbana, integrante
de núcleo urbano informal consolidado existente em 22 de dezembro de 2016. § 1º Apenas na Reurb-S, a legitimação fundiária será
concedida ao beneficiário, desde que atendidas as seguintes condições: I - o beneficiário não seja concessionário, foreiro ou
proprietário de imóvel urbano ou rural; II - o beneficiário não tenha sido contemplado com legitimação de posse ou fundiária de
imóvel urbano com a mesma finalidade, ainda que situado em núcleo urbano distinto; e III - em caso de imóvel urbano com finalidade
não residencial, seja reconhecido pelo poder público o interesse público de sua ocupação”.
58
“Art. 10 (omissis) § 4o O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável
tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio”
(Lei 10.257/2001).
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 51
Conforme se infere da norma supra, o requerimento pode ser formulado por uma associação de
moradores regularmente instituída 59. Cuida-se de legitimação extraordinária com o cognome de
substituição processual, lembrando, como ponderado por Fredie Didier Jr. e Hermes Janet Jr. 60, que “a
legitimidade extraordinária não é uma exclusividade dos processos coletivos – não é, enfim, uma sua
especificidade. Basta lembrar os casos de legitimação extraordinária individual existentes em todos os
ordenamentos jurídicos; v. g., no ordenamento brasileiro, a legitimação extraordinária: (a) do Ministério
Público para promover ação de alimentos para incapaz; (b) da administradora de consórcio para cobrar
valor mensal do consorciado; (c) do terceiro que pode impetrar mandado de segurança em favor de outra
pessoa, nos termos do art. 3.º da Lei 12.016/2009 etc.”.
59
Discute-se a necessidade de ato assemblear aprovando o ingresso. Considerando o disposto no item 416.22, “e”, NSCGJSP,
subtende-se possa ser realizada assembleia com o maior número de associados ou com anuência expressa de cada um deles, que,
à sua falta, deverão ser notificados. Dispositivo análogo se acha inserto no Estatuto da Cidade para a usucapião especial coletiva:
“Art. 12. São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial urbana: (...) III – como substituto processual, a
associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente
autorizada pelos representados.”
60
DIDIER Jr., Fredie; JANET Jr., Hermes. Conceito de Processo Jurisdicional Coletivo. REpro, v. 229/2014, p. 273-280.
52
Na usucapião plúrima, cabe à requerente a demonstração dos requisitos da usucapião, de forma conjunta
e unitária, sem prejuízo das atribuições individuais das áreas de cada ocupante qualificado no memorial
descritivo e na própria listagem que haverá de instruir o pedido. A qualificação subjetiva deve seguir os
moldes previstos no art. 176, II, 4, “a” e “b”, da Lei 6.015/73.
A usucapião urbana coletiva a que se denomina de plúrima como expressão diferenciadora daquela outra
do Estatuto da Cidade de escassa utilização (usucapião especial coletiva, ex-vi do artigo 10, § 2º, da Lei
10.257/2001), se satisfaz com a prova conjunta e unitária; isto é, em bloco, com larga vantagem sobre a
usucapião litisconsorcial multitudinária, em que a produção de provas deve ser feita de forma
singularizada, com incontrastável prejuízo ao célere andamento da ação, sendo por isso mesmo recusável
(art. 113, § 1º, CPC) 61. Essa prova poderá ou não se limitar à ata notarial, que haverá de atestar as
condições do exercício da posse do núcleo geralmente considerado, admitindo todo e qualquer meio
legal, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados em lei.
No sentido do texto: Apelação Cível nº 1075681-86.2019.8.26.0100, São Paulo, 9ª Câmara de Direito Privado - TJSP, Relator Des.
61
Nesse arcabouço probatório, as normas de serviço da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça ajuntam
certidão do município confirmando as ocupações, observados os requisitos de implantação do
parcelamento 62 ou condomínio de lotes e de sua integração à malha viária urbana. Cumpre à associação
requerente anexar, outrossim, planta e memorial descritivo compreendendo o perímetro do imóvel
usucapiendo como um todo ou de partes dele e as porções a serem destacadas, com atribuição aos
ocupantes associados. Além desses documentos, pode a associação requerente instruir ao pedido justos
títulos de seus associados, entre outros documentos comprobatórios da posse e de sua transferência,
como, p.ex., instrumentos de aquisição e cessão de posse, pagamento dos impostos prediais, tarifas de
energia elétrica e água, alvarás de construção e conservação, etc. Exigem-se ainda as negativas dos
distribuidores cíveis em nome dos associados e requerente, bem como de eventuais antecessores, além
do instrumento de mandato, público ou particular, com poderes especiais e com firma reconhecida, por
semelhança ou autenticidade, outorgado ao advogado pela associação requerente. Aos condomínios de
lotes, soma-se a instituição e especificação, aliadas à convenção e ao quadro de áreas segundo as normas
técnicas vigentes.
Conclusão
Não se esperava que neste artigo fosse possível exaurir todas as possibilidades e questões que derivam
da usucapião coletiva urbana. Não obstante, do exame perfunctório de confronto entre a usucapião
especial coletiva e o procedimento adotado nas normas da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça de São
Paulo, já é possível antever um meio alternativo de bom alcance para a solução da regularização das
ocupações coletivas informais urbanas, quando os métodos de regularização fundiária preconizados na
legislação especial se revelarem insuficientes, ineficazes ou simplesmente inexistentes para tal
desiderato.
62
V.g. escoamento das águas pluviais, iluminação pública, adequado esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia
elétrica pública e domiciliar e vias de circulação.
54
A usucapião plúrima tende a ser mais vantajosa do ponto de vista financeiro e operacional do que a
individual, evitando a multiplicação de pedidos de reconhecimentos de domínio em cartório por várias
pessoas que, por afinidade de questões por ponto comum de fato ou de direito, poderiam ingressar com
ação de usucapião em litisconsórcio 63, como é o caso de loteamentos e condomínios de lotes irregulares
desprovidos de toda medida de regularização pelo município. Não é desarrazoado, ademais, imaginar a
hipótese em que, não sendo possível a outorga de títulos de legitimação fundiária ao ocupante por se
tratar de núcleo urbano informal consolidado fora da órbita da Reurb-S 64, a usucapião extrajudicial
plúrima seria talvez a mais aconselhável do ponto de vista econômico, não apenas em razão da
possibilidade de rateio dos custos e da verba honorária contratada. Isso evidentemente levando em conta
as circunstâncias de cada caso, entre as quais a complexidade e o vulto da regularização. Entre outros
aspectos que justificariam a opção pela usucapião plúrima, poderíamos citar a hipótese não incomum da
falta de títulos e de identificação de todos os antecessores na cadeia possessória, ou ainda a falta de
interesse ou simplesmente a impossibilidade na obtenção do título de legitimação de posse 65, tanto mais
quando sujeita a novo lapso temporal de aquisição da propriedade por meio da conversão da posse
inscrita que a usucapião extrajudicial torna dispensável.
Em suma, quando a regularização fundiária não existe ou é incapaz de solucionar o problema de titulação
de seus ocupantes, a usucapião brilha no meio urbano, podendo ser efetivada de forma concentrada,
evitando a pulverização dos interesses.
63
Não se ignora controvérsia sobre o tema, devendo aqui restar registrado acórdão pela inadmissibilidade proferido na Apelação
Cível nº 408.214-4/6-00, 3ª Câmara de Direito Privado, Relator Des. Beretta da Silveira, TJSP, j. 17.10.2006; contra, implicitamente
admitindo o litisconsórcio facultativo ativo, embora não recomendável diante do número elevado de possíveis litisconsortes: TJSP,
Apelação Cível nº 461.907-4/7-00 Cotia, 4ª Câmara de Direito Privado, Relator Des. Francisco Loureiro, j. 15.03.07 (TJSP, Apelação
Cível 0012590-45.2012.8.26.0048 - 6ª Câmara de Direito Privado, Relator Des. Francisco Loureiro, j. 11.09.2014).
64
Art. 13, I e II, Lei 13.465/2017: “Art. 13. A Reurb compreende duas modalidades: I - Reurb de Interesse Social (Reurb-S) -
regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados predominantemente por população de baixa renda, assim
declarados em ato do Poder Executivo municipal; II - Reurb de Interesse Específico (Reurb-E) - regularização fundiária aplicável aos
núcleos urbanos informais ocupados por população não qualificada na hipótese de que trata o inciso I deste artigo.”
65
Art. 26. § 1º, Lei 13.465/2017: “Art. 26. Sem prejuízo dos direitos decorrentes do exercício da posse mansa e pacífica no tempo,
aquele em cujo favor for expedido título de legitimação de posse, decorrido o prazo de cinco anos de seu registro, terá a conversão
automática dele em título de propriedade, desde que atendidos os termos e as condições do art. 183 da Constituição Federal,
independentemente de prévia provocação ou prática de ato registral. § 1º Nos casos não contemplados pelo art. 183 da Constituição
Federal, o título de legitimação de posse poderá ser convertido em título de propriedade, desde que satisfeitos os requisitos de
usucapião estabelecidos na legislação em vigor, a requerimento do interessado, perante o registro de imóveis competente.”
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 55
Referências Bibliográficas
DIDIER Jr., Fredie; JANET Jr., Hermes. Conceito de Processo Jurisdicional Coletivo. REpro, v. 229/2014.
MELLO, Henrique Ferraz Corrêa de. Usucapião extrajudicial. São Paulo: YK Editora, 2016.
RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. 8. ed. rev. e atual. com a usucapião familiar. São Paulo:
Saraiva, 2012. v. 1-2.
_____________________________________________________________________________________
Henrique Ferraz Melo. Oficial do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas e Naturais no
Estado de São Paulo. Mestre em Direito Civil e Doutor em Direito Processual Civil pela PUC/SP e pós-graduado pela
Escola Paulista da Magistratura no 1º Curso de Especialização em Direito Registral e Notarial. Membro da Comissão
do Pensamento Registral do Instituto do Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) e da Associação dos Registradores
Imobiliários de São Paulo (ARISP). É membro da Academia Brasileira de Direito Registral Imobiliário (ABDRI). Autor de
obras e artigos publicados.
56
Nesse artigo abordaremos a fixação de limites máximo e mínimo para imóveis elegíveis ao chamado
usucapião especial rural, tema relevante tanto para procedimento administrativo, quanto judicial.
A usucapião estreou no ordenamento jurídico na Constituição Federal de 1934 e não mais deixou nossas
leis. Modernamente, a usucapião sobre imóveis rurais esteve no art. 98 do Estatuto da Terra (Lei nº
4.504/1964), no capítulo que regulava a posse sobre terras públicas federais, e que disciplinou a matéria
até 1981, quando foi editada a Lei da Usucapião Rural (Lei nº 6.969/1981). Esse diploma segue vigente,
embora significativamente alterado pelo art. 191 da Constituição Federal de 1988 66, integralmente
reproduzido pelo art. 1.239 do Código Civil. Seu processamento administrativo, à semelhança das demais
modalidades de usucapião, está regulamentado pela Lei de Registros Públicos (“Lei nº 6.015/1973”).
66
É justamente o fato – atípico, frise-se – de estar positivado na Carta Magna que confere a essa modalidade de usucapião o
qualificador “especial”.
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 57
Esse emaranhado de normas vigentes e coexistentes propõe um primeiro desafio: identificar quais são os
imóveis que podem ser adquiridos por usucapião especial rural, o que pode não ser tão fácil. Note que o
atualmente revogado art. 1º da Lei da Usucapião Rural delineava os requisitos para a prescrição aquisitiva
de área rural contínua. A Lei da Usucapião Rural por algum motivo decidiu não aproveitar o conceito de
imóvel rural que vigorava ao tempo de sua edição – e que segue forte atualmente - no art. 4º, inc. I, do
Estatuto da Terra, e art. 5º de seu decreto regulamentador (Decreto nº 55.891/1965) 67. O Estatuto da
Terra conceitua o imóvel rural de acordo com o uso dado à terra, mas a Lei da Usucapião Rural pareceu
querer disciplinar imóveis localizados geograficamente no campo.
O constituinte de 1988, talvez com a atenção voltada para uma política de propriedade aliada à integração
nacional, optou por positivar algumas linhas gerais sobre a usucapião no campo em seu art. 191. Elas
foram suficientes para recepcionar em parte a Lei de Usucapião Rural e jogar luz sobre quais imóveis
seriam disciplinados por essa legislação:
Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por
cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta
hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia,
adquirir-lhe-á a propriedade.
Esse conceito foi integralmente reproduzido no art. 1.239 do Código Civil e fechou a questão sobre quais
os imóveis usucapíveis por essa norma: aqueles localizados fora dos contornos dos perímetros urbanos
municipais. É interessante notar que estes podem não ser rurais de acordo com a definição que se apega
ao uso da terra e que serve de linha mestra para a disciplina dos imóveis rurais. Mas, se o nosso sistema
jurídico está caminhando a passos cada vez mais largos no sentido de desjudicializar determinadas
questões, é salutar que se tenha optado pelo critério da localização do imóvel em relação aos perímetros
municipais urbanos, que é de mais fácil aferição.
Houve, entretanto, uma modificação relevante: se a Lei de Usucapião Especial Rural permitia a prescrição
aquisitiva sobre terras devolutas 68, a Carta Magna e Código Civil excluíram essa possibilidade ao proibir a
usucapião sobre bens públicos 69.
Identificado o bem, passamos à qualificação da posse: a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil
deram continuidade à tradição iniciada pela legislação de 1981 de premiar com a propriedade a posse
para fins de moradia e produção. De um modo geral, a legislação prestigia esse tipo de posse e não poderia
ser diferente com os imóveis rurais, que desempenham uma função social especialmente cara ao direito
brasileiro.
67
Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se:
I - "Imóvel Rural", o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa
agrícola, pecuária ou agroindustrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada.
Art. 5º Imóvel rural é o prédio rústico, de área contínua, qualquer que seja a sua localização em perímetros urbanos, suburbanos
ou rurais dos municípios, que se destine à exploração extrativa, agrícola, pecuária ou agroindustrial, quer através de planos públicos
de valorização, quer através da iniciativa privada.
68
Terras devolutas são terras públicas sem destinação pelo Poder Público e que nunca pertenceram a particulares.
69
Vale dizer que, ainda que se admitisse a usucapião sobre bens públicos, ela não poderia ser processada pela via administrativa, já
que o art. 2º, §4º, do Provimento nº 65/2017 do Conselho Nacional de Justiça exclui esses bens dessa modalidade de usucapião.
58
Por fim, e não menos importante, o tempo da posse não oferece maiores dificuldades: a usucapião rural
requer o exercício da posse pelo prazo ininterrupto e sem oposição de 5 (cinco) anos, o que deve ser
igualmente objeto de comprovação por ata notarial.
Chegamos, pois, à disciplina atual: a legislação admite a usucapião de imóveis localizados fora dos
perímetros urbanos municipais e pertencentes a particulares. A posse ininterrupta e sem oposição de tais
imóveis por prazo igual ou superior a 5 (cinco) anos, em que se estabeleça produção e residência,
requisitos que deverão ser provados por ata notarial, fará nascer a pretensão aquisitiva.
Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 e Código Civil estabeleceram um limite máximo de área
para a usucapião de imóveis rurais: 50 (cinquenta) hectares. E há limite mínimo? Em que pese a revogação
do art. 1º da Lei de Usucapião Especial Rural, seu parágrafo único aborda uma questão tão atual quanto
incômoda: como proceder nos casos em que o imóvel usucapiendo tiver área inferior ao módulo rural da
região?
Para responder a essa pergunta, vale um olhar detido nesse conceito de módulo rural, que vigora no
direito brasileiro desde 1964, quando foi introduzido pelo Estatuto da Terra. Inserido em um contexto de
justa distribuição do solo brasileiro e suas riquezas, o módulo rural exprime o tamanho de área entendido
como o mínimo necessário para a exploração de atividade agrícola destinada à subsistência familiar. O
legislador quis evitar, com isso, a proliferação de minifúndios que, segundo entendia, poderiam não gerar
a produtividade necessária à autossuficiência familiar e acabar impedindo o progresso.
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 59
Esse conceito foi mais tarde incorporado pelo art. 8º da Lei do SNCR (Lei nº 5.868/1972), que vedou
expressamente a divisão e desmembramento de imóveis rurais em áreas inferiores aos módulos rurais e
a uma nova medida aqui introduzida: a fração mínima de parcelamento 70.
A fixação do módulo rural e da fração mínima de parcelamento é inspirada pela mesma lógica: garantir
que as propriedades localizadas em zona rural possam atingir seu racional aproveitamento e assegurar a
autossuficiência familiar, avançando, assim, a função social.
No entanto, em um país em que a fração mínima de parcelamento pode variar entre 2 e 110 hectares, a
fixação de uma área mínima pode prejudicar a pretensão aquisitiva em determinadas regiões. E, quando
for esse o caso, como deve ser a dialética de princípios do direito?
A jurisprudência ainda carece de robustez sobre o tema. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça
recentemente jogou luz sobre o tema no Recurso Especial nº 1.040.296 71. No voto vencedor, o Ministro
Luis Felipe Salomão pontuou que o legislador, além de não delimitar área mínima, deu especial ênfase ao
elemento posse-trabalho como gatilho para o nascimento da pretensão aquisitiva.
Subscrevemos a essa tese, que nos parece fazer especial sentido no caso dos imóveis rurais. Se a
usucapião exige a comprovação de produtividade sobre o imóvel em questão, e se essa produtividade é
comprovadamente obtida em uma área menor àquela representada pelo módulo rural, então a eficiência
produtiva não deve ser punida com a negativa ao direito de se adquirir a propriedade imobiliária. Se os
critérios de módulo rural e fração mínima de parcelamento são relevantes para se garantir uma função
social da propriedade em tese, não podem servir de óbice à aquisição da propriedade nos casos concretos
em que esse verdadeiro princípio-valor é alcançado em uma área que lhe é inferior.
No campo jurídico, essa orientação conforma com o §4º, inc. III, do art. 8º da Lei do SNCR, a seguir
transcrito:
Art. 8º - Para fins de transmissão, a qualquer título, na forma do Art. 65 da Lei número 4.504, de
30 de novembro de 1964, nenhum imóvel rural poderá ser desmembrado ou dividido em área
de tamanho inferior à do módulo calculado para o imóvel ou da fração mínima de
parcelamento fixado no § 1º deste artigo, prevalecendo a de menor área.
[...]
III - aos imóveis rurais cujos proprietários sejam enquadrados como agricultor familiar nos
termos da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006; ou (incluído pela Lei nº 13.001, de 2014);[...]
70
Vale uma nota: embora o instituto da usucapião especial rural não adote o conceito de imóvel rural do Estatuto da Terra, em
algumas instâncias, o tratamento dispensado aos imóveis usucapiendos é idêntico ao dos imóveis rurais.
71 REsp 1.040.296/ES, Relator: Min. Marco Buzzi, SO, Quarta Turma, julgado em 06/06/2004, DJ 14/08/2004.
60
O dispositivo acima mostra como a legislação recente tem evoluído para acomodar situações que
avançam a função social da propriedade, a despeito de parâmetros objetivos de área. Nesse sentido, a
divisão e desmembramento de propriedade inferior aos mínimos legais é franqueada ao agricultor rural
e empreendedor familiar rural, entendido como tal aquele que:
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural
aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes
requisitos:
k) não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais 72;
l) utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu
estabelecimento ou empreendimento;
m) tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao
próprio estabelecimento ou empreendimento;
n) tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu
estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo; (Redação dada
pela Lei nº 12.512, de 2011).
o) dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família. 73
No campo técnico, parece igualmente acertado o alinhamento da extensão territorial a outros critérios
que permitam aferir o cumprimento da função social da propriedade. O agronegócio brasileiro, atividade
ainda predominante em imóveis rurais, tem se revelado um modelo de eficiência e tem demandado cada
vez menos terras para cada vez mais produção. Isso indica que muitos módulos rurais pelo país podem
representar um excesso de área em relação ao que seria necessário para a autossuficiência familiar.
72
Critério diferente do módulo rural e da fração mínima de parcelamento, utilizado para cálculo do Imposto Territorial Rural.
73
Note que as atividades listadas nos itens II a IV não são necessariamente rurais, de forma a caracterizar imóvel rural nos termos
do Estatuto da Terra. Aliás, vale dizer que, no caso objeto do REsp 1.040.296 acima mencionado, os usucapientes desenvolviam no
imóvel a fabricação de caixas para produtos de hortifruti, atividade que não se encaixa no conceito de rural.
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 61
Conclusão
A nosso ver, a usucapião especial rural pode sim compreender áreas inferiores aos módulos rurais e
frações mínimas de parcelamento e as serventias extrajudiciais estão preparadas para atuar em casos que
demandem uma análise mais detida. A complexidade da questão fundiária brasileira seguirá
apresentando desafios que farão essa prática cada vez mais interessante.
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Flavia Bahia Vidigal. Advogada da área de Direito Imobiliário do Demarest Advogados. Bacharel em Direito pela
Faculdade de Direito Milton Campos em 2007 e com LL.M. pela Universidade da Califórnia – Los Angeles. Possui forte
atuação em consultoria imobiliária, atendendo clientes de diversos segmentos, em transações envolvendo imóveis
urbanos e rurais, estruturação de investimentos, compra e venda, locações típicas e atípicas e operações de mercado
de capitais. Seus principais clientes são empresas do ramo de indústria e varejo, energia, tecnologia e fundos de
investimento.
62
A proteção da vegetação nativa pelo atual Código Florestal se dará, principalmente, nas Áreas de
Preservação Permanente e na Área de Reserva Legal, localizadas no imóvel rural.
De acordo com o art. 3º, II, do atual Código Florestal, a Área de Preservação Permanente é uma:
área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os
recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico
de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.
A principal função ambiental das Áreas de Preservação Permanente é a preservação dos recursos hídricos
e a estabilidade geológica. Por isso as Áreas de Preservação Permanente foram estabelecidas às margens
de cursos d’água, entorno de nascentes, lagos e lagoas, nas encostas, restingas e manguezais (art. 4º).
74
O termo “atual Código Florestal” nos parece ser mais adequado para a Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, uma vez que a
revogada Lei nº 4.771, de 1965, autodenominou-se “novo Código Florestal”.
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 63
Elas devem ser mantidas pelos proprietários e possuidores, conforme o tamanho da propriedade 75, pois
a manutenção da vegetação nativa nas Áreas de Preservação Permanente se trata de um dever real
(propter rem) 76.
Por sua vez, a Área de Reserva Legal é entendida no art. 3º, III, do atual Código Florestal, como uma:
área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12,
com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do
imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a
conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora
nativa;
O tamanho da Área de Reserva Legal a ser mantido pelo proprietário ou possuidor, como um dever real,
altera conforme a localização do imóvel 77, o tamanho da propriedade (até 4 módulos fiscais) 78 e data da
supressão da vegetação nativa 79, sendo permitido o cômputo da Área de Preservação Permanente no
cálculo do percentual da Reserva Legal do imóvel 80.
A localização da Área de Reserva Legal deverá ser aprovada pelo órgão competente e, uma vez aprovada,
é vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de
desmembramento.
Essas áreas deverão ser obrigatoriamente inscritas pelo proprietário ou possuidor do imóvel rural no
Cadastro Ambiental Rural 81, por meio da apresentação de planta e memorial descritivo, contendo a
indicação das coordenadas geográficas com pelo menos um ponto de amarração, com as informações das
Áreas de Preservação Permanente e da Área de Reserva Legal.
No caso de posse, a Área de Reserva Legal será instituída por meio de um termo de compromisso, com
força de título executivo extrajudicial, firmado pelo possuído com o órgão competente, nos termos do
art. 18, §2º da Lei nº 12.651/2012. A transferência da posse implica na sub-rogação das obrigações
assumidas no citado termo de compromisso.
Com a inscrição da propriedade ou posse rural no CAR será emitido um recibo pelo Sistema de Cadastro
Ambiental Rural – Sicar e permitida a adesão ao Programa de Regularização Ambiental pelo proprietário
ou possuidor, a fim de regularizar ambientalmente a sua propriedade ou posse rural.
75
Artigos 4º e 61-A da Lei nº 12.651/2012.
76
CONTADIN, Eder Augusto; SOUZA, Eduardo. Dever ambiental propter rem e reponsabilidade civil por dano ambiental –
diferenciações necessárias. Revista IBERC, Minas Gerais, v. 2, n. 3, p. 1-14, set./dez. 2019.
77
Art. 12, I, a; b; c e II da Lei nº 12.651/2012.
78
Art. 67 da Lei nº 12.651/2012.
79
Art. 68 da Lei nº 12.651/2012.
80
Art. 15 da Lei nº 12.651/2012.
81
Art. 29 da Lei nº 12.651/2012. É criado o Cadastro Ambiental Rural - CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre
Meio Ambiente - SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade
de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento,
planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.
64
A identificação da Área de Reserva Legal no Cadastro Ambiental Rural desobriga averbação da Área de
Reserva Legal à margem da matrícula do imóvel pelo proprietário, como era exigida no art. 16, § 8º, da
Código Florestal revogado (Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965) 82.
Apesar da mencionada previsão legal, que desobriga a averbação à margem da matrícula do imóvel da
Área de Reserva Legal, a jurisprudência e as Corregedorias Gerais de Justiça têm exigido a averbação do
número de inscrição do imóvel rural no CAR com a demarcação do percentual mínimo da área de Reserva
Legal para o deferimento da usucapião administrativa, como será demonstrada a seguir.
Ou seja, não houve a exigência legal de inscrição do imóvel rural no Cadastro Ambiental Rural para o
registro do reconhecimento da usucapião extrajudicial.
Em que pese desobrigação da averbação da Área de Reserva Legal (art. 18, § 4º, do atual Código Florestal),
a jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça entende ser necessária a averbação do
número do CAR com a Área da Reserva Legal para o registro da usucapião no Cartório de Registro de
Imóveis.
82
A área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente,
sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da
área, com as exceções previstas neste Código.
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 65
(REsp 1356207/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em
28/04/2015, DJe 07/05/2015).
Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça, por meio do Provimento nº 65, de 14 de dezembro de
2017, que estabeleceu diretrizes para o procedimento da usucapião extrajudicial nos serviços notariais e
de registro de imóveis, condicionou o registro do reconhecimento extrajudicial da usucapião de imóvel
rural à apresentação do recibo de inscrição do imóvel rural no Cadastro Ambiental Rural – CAR, conforme
art. 19, I:
Art. 19. O registro do reconhecimento extrajudicial da usucapião de imóvel rural somente será
realizado após a apresentação:
I – do recibo de inscrição do imóvel rural no Cadastro Ambiental Rural – CAR, de que trata o art.
29 da Lei n. 12.651, de 25 de maio de 2012, emitido por órgão ambiental competente, esteja ou
não a reserva legal averbada na matrícula imobiliária, fazendo-se expressa referência, na
matrícula, ao número de registro e à data de cadastro constantes daquele documento;
66
Também, caminhou nessa direção o Tribunal de Justiça de São Paulo, que reproduziu nas recentes Normas
de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça (NSCGJ), destinadas aos cartórios extrajudiciais (Tomo II) 83, o
texto do Provimento do CNJ e condicionou, além dos documentos previstos no art. 216-A da Lei nº 6.015,
de 1973, a apresentação do recibo de inscrição do imóvel rural no Cadastro Ambiental Rural – CAR para
o registro do reconhecimento da usucapião extrajudicial, conforme item 422, I, Cap. XX, NSCGJ.
No recibo de inscrição do imóvel rural no Cadastro Ambiental Rural – CAR, objeto da usucapião, deverá
constar a especialização da Área da Reserva Legal exigida no art. 12, I e II, da Lei nº 12.651, de 2012, sob
pena de indeferimento do pedido de reconhecimento da usucapião extrajudicial pelo Registrador, nos
termos do item 123.2.1. Cap. XX, NSCGJ, copiado abaixo.
123.2.1. Nas retificações de registro, bem como nas demais hipóteses previstas no item.123.2, o
Oficial deverá, à vista do número de Inscrição no CAR/SICAR, verificar se foi feita a especialização
da reserva legal florestal, qualificando negativamente o título em caso contrário. A reserva legal
florestal será averbada, gratuitamente, na respectiva matrícula do bem imóvel, em momento
posterior, quando homologada pela autoridade ambiental através do Sistema Paulista de
Cadastro Ambiental Rural - SICAR-SP.
Por outro lado, o mencionado provimento e, tampouco, as normas de serviço previram as hipóteses dos
artigos 67 84 e 68 85 do atual Código Florestal, que relativizaram a obrigação de manutenção de percentual
da Área de Reserva Legal, previsto nos incisos I e II do art. 12.
Diante da ausência de previsão normativa, recomenda-se que, nos casos dos art. 67 ou art. 68, o
requerente da usucapião extrajudicial junte, aos demais documentos que instruíram o procedimento da
usucapião, uma declaração assinada e com a firma reconhecida que justifique a ausência da
especialização da Área de Reserva Legal com base no art. 67 ou art. 68 da Lei nº 12.651, de 25 de maio de
2012, conforme Nota Técnica Conjunta Arisp/SMA/Cetesb, datada de 28 de junho de 2016 86.
83
São Paulo (Estado). Normas extrajudiciais da Corregedoria Geral de Justiça. Disponível em:
https://api.tjsp.jus.br/Handlers/Handler/FileFetch.ashx?codigo=120771. Acesso em 12/out/2020.
84
Art. 67. Nos imóveis rurais que detinham, em 22 de julho de 2008, área de até 4 (quatro) módulos fiscais e que possuam
remanescente de vegetação nativa em percentuais inferiores ao previsto no art. 12, a Reserva Legal será constituída com a área
ocupada com a vegetação nativa existente em 22 de julho de 2008, vedadas novas conversões para uso alternativo do solo.
85
Art. 68. Os proprietários ou possuidores de imóveis rurais que realizaram supressão de vegetação nativa respeitando os
percentuais de Reserva Legal previstos pela legislação em vigor à época em que ocorreu a supressão são dispensados de promover
a recomposição, compensação ou regeneração para os percentuais exigidos nesta Lei.
86
Sustentabilidade ARISP. Disponível em: http://sustentabilidade.registradores.org.br/noticias/nota-tecnica-conjunta-
arispsmacetesb.html. Acesso em 12/out/2020.
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 67
Conclusão
O atual Código Florestal impôs uma nova sistemática de regularização ambiental dos imóveis rurais por
meio da inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR) do imóvel rural, adesão ao Programa de
Regularização Ambiental (PRA) e a desnecessidade de averbação à margem da matrícula do imóvel da
Área de Reserva Legal.
No caso de o imóvel rural estar enquadrado nas hipóteses do artigo 67 ou artigo 68 do atual Código
Florestal, que relativiza o tamanho da Área de Reserva Legal, recomenda-se que o pedido de
reconhecimento da usucapião extrajudicial seja instruído, também, com uma declaração assinada e com
a firma reconhecida que justifique a ausência da especialização da Área de Reserva Legal.
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Bruno Drumond Gruppi. Advogado (FMU) e geógrafo (USP). Especialista em direito ambiental e sustentabilidade
(COGEAE-PUC/SP), registral e notarial (EPD). Coordenador temático da ADNOTARE e membro efetivo da comissão
especial de Geodireito da OAB-SP e das comissões do Ibradim de rural e de meio ambiente.
68
Aspectos Gerais
O termo “dúvida” é equívoco, ainda que seja considerado apenas no âmbito do registro de imóveis.
Mesmo no estrito campo do direito registral brasileiro, com efeito, “dúvida” pode significar, pelo
menos: 87
87
A esse respeito cf. PASSOS, Josué Modesto, e BENACCHIO, Marcelo, A Dúvida do Registro de Imóveis, São Paulo: Revista dos Tribunais,
p. 37-38.
88
Deste ponto por diante, todas as referências legislativas, sem remissão expressa, entendem-se feitas à Lei 6.015/1973.
89
Saliente-se que o próprio art. 216A, § 5º, trouxe mais um sentido para “dúvida”, que é o de incerteza sobre matéria de fato durante
o processo extrajudicial de usucapião.
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 69
Na absoluta maioria dos casos, o assim chamado “processo do registro” (arts. 182-216) é, na verdade, um
procedimento documentário. 90 Isso quer dizer que, iniciada com a rogação ou instância (art. 13, II) –
normalmente, pela mera apresentação do título ao protocolo – e a prenotação (art. 182), a tramitação de
um pedido de inscrição de inscrição desenrola-se sem a formação de contraditório (daí a sua
caracterização como mero procedimento) e sem a produção de provas mediante depoimentos pessoais,
testemunhos, inspeções ou perícias (e por isso a sua designação como documentário). O consentimento
do afetado pela inscrição rogada, quando é exigível, busca-se não mediante a vinda de sua manifestação
ao procedimento (o que faria deste um verdadeiro processo), mas por meio de análise do título: se o título
existe, vale e é eficaz, então se conclui que o titular inscrito concorreu, concordando, para o deferimento
da inscrição. Nessa mesma ordem de ideias, também se espera que, apresentado o título a registro, nada
mais haja nele a ser complementado: se houver, a completação ou complementação será realizada fora
da esfera registral, segundo indicações fornecidas por meio de nota em que se esclareçam todas as razões
da recusa (art. 198, 1ª parte). Disso decorre, ainda, que “o controle jurídico acerca da inscrição de um
título singular” 91 – isto é, a qualificação registral – tem de fazer-se, tanto quanto possível, de uma vez só.
Com isso sucede que o rito se complica: em vez de um procedimento documentário, a lei admite, perante
o oficial de registro de imóveis, um processo instrutório que, como tal, conhece fases e, portanto,
percalços. A qualificação registral – que usualmente se pode e se deve fazer de uma só vez, sobre um
título que se bastante em si mesmo, num iter simples –, agora como que se desdobra em diversos atos,
conforme cada um dos estágios de um caminho acidentado. É dizer: os impedimentos ao pedido do
interessado (= a dúvida como objeção) podem aparecer por diversas vezes, o que leva à possibilidade de
que surjam, na mesma proporção, pretensões à tutela jurídica (= a dúvida como ação) e se desdobrem,
igualmente, outras tantas instâncias de “lide” registral (= a dúvida como processo).
90
DIP, Ricardo Henry Marques. Registros sobre Registros (Princípios), tomo II, Descalvado: Primus, 2018, p. 215, n. 457.
91
DIP, Ricardo Henry Marques. Registros sobre Registros (Princípios), tomo I, Descalvado: Primus, 2017, p. 52, n. 53.
70
As possíveis objeções de natureza material são aquelas ligadas ao mérito do processo extrajudicial, vale
dizer, aquelas que se relacionem aos requisitos substantivos de toda e qualquer prescrição aquisitiva:
a) a posse ad usucapionem, ou seja, aquela própria, 92 e mansa (ou seja, contínua, sem interrupção),
e pacífica (isto é, sem oposição, incontestada);
b) a coisa hábil (res habilis): como se sabe, são insuscetíveis de usucapião os imóveis públicos
(Constituição Federal – CF, arts. 183, § 3º, e 191, par. único; Cód. Civil – CC, art. 102) e os bens
fora do comércio; os bens com cláusula de inalienabilidade e com área inferior à fração mínima
de parcelamento podem ser adquiridos por usucapião;
c) o tempo (tempus), segundo as diversas espécies de usucapião reconhecidas em lei
(extraordinária: CC, art. 1.238; ordinária: CC, art. 1.242; especial: CF, arts. 183 e 191, CC, arts.
1.239, 1.240 e 1.240A, Lei nº 10.257/2001, art. 10, Lei 6.001/1973, art. 33); há entendimento
segundo o qual o prazo da usucapião pode ser completado no curso do processo; sobre accesio
temporis e causas suspensivas e interruptivas, cf. CC, arts. 1.243 e 1.244 c. c. arts. 1970-202; para
questões de direito intertemporal, cf. CC, arts. 2.028-2.029; e
d) justo título (iustus titulus) e boa fé (bona fides), tratando-se de usucapião ordinária (CC, art.
1.242): segundo o entendimento que hoje parece dominar, o justo título é o instrumento que
seria apto a causar a transmissão do domínio, em tese, independentemente de registro; a bona
fides (ou boa fé subjetiva) é aquela exercida por possuidor que ignora o vício ou o obstáculo que
impede a aquisição da coisa (CC, arts. 1.201-1.202).
Por sua vez, as possíveis objeções de natureza adjetiva estão relacionadas aos requisitos da relação
jurídica processual, a saber:
92
Já é mais que tempo (cento e três anos depois da vigência do Código Civil de 1916!) de deixar de dizer que a posse ad usucapionem
é posse com intenção de dono (animus domini). O que se deve falar tecnicamente, em lugar da defeituosa expressão “posse com
animus domini”, é posse própria, ou seja, a posse que se exerce como se o possuidor fosse dono, sem estar submisso a um nenhum
poder fático superior (à semelhança do que ocorre com o exercício do domínio, o qual, na estrutura dos direitos reais, não conhece
nenhum poder jurídico que o supere).
93
Um problema interessante, aqui, está em saber se o condomínio edilício, por não ser pessoa e, pois, não ter plena capacidade
jurídica, pode ou não usucapir; a resposta parece positiva, contanto que a usucapião, no caso concreto, esteja intimamente ligada
aos atos de gestão próprios da vida condominial).
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 71
Constatando-se que é caso de levantar-se qualquer dessas objeções contra o pedido do interessado,
convém que o oficial de registro de imóveis o faça o quanto antes – até mesmo por qualificação abreviada
–, para que não se percam tempo e esforços num processo fadado a mau sucesso. O oficial então
notificará a objeção ao interessado, dando-lhe por escrito as razões de sua exigência, para que a falta seja
suprida (art. 198, 1ª parte); não se conformando o interessado, ou não podendo satisfazer o que lhe foi
demandado, cabe-lhe requerer, por escrito, 95 que o oficial inicie (“suscite”) a ação de dúvida (arts. 198,
2ª parte, e 216A, § 7º).
Cabe à legislação local determinar a competência de juízo para o processo da dúvida, em primeiro e
segundo graus de jurisdição. No Estado de São Paulo, o juízo competente, na primeira instância, é o
corregedor permanente do registro de imóveis de cada comarca, por designação do Corregedor Geral da
Justiça. Em grau recursal, a competência é do Conselho Superior da Magistratura, porque o ato final
pretendido é um registro stricto sensu (art. 167, I, 28, c. c. art. 203, II, verbis “registro”).
O interessado tem prazo de quinze dias para impugnar a dúvida (art. 198, III), e deve fazê-lo por meio de
advogado (aqui já está, afinal, numa fase propriamente processual da ação de dúvida, o que ainda não se
dava naquele momento em que o interessado, perante o ofício de registro, solicitara a suscitação).
94
Tenha-se em vista que nem de longe se pretendeu, aqui, fazer uma lista exaustiva de todas as possíveis vicissitudes do processo
extrajudicial de usucapião.
95
PASSOS e BENACCHIO, A Dúvida, p. 75.
96
Note-se que autos de ação de dúvida, no Estado de São Paulo, são remetidos ao juízo dos registros em forma eletrônica, e não
em papel.
72
A impugnação (nota bene!) tem de abranger todas as exigências que tenham sido formuladas; o silêncio
entende-se como anuência, e isso leva à extinção do processo de dúvida sem julgamento de mérito
(“dúvida prejudicada”: cf. art. 199) e, portanto, à extinção do próprio processo de usucapião perante o
oficial de registro de imóveis (ou seja, ressalvando-se, se for o caso, o disposto no art. 216A, § 10).
Havendo ou não impugnação, ouve-se o Ministério Público e, não existindo diligências por tomar, o juízo
dos registros profere sentença, no prazo de quinze dias (art. 201).
Vale salientar que cabem diligências no processo de usucapião (art. 216A, § 5º), mas não no processo da
dúvida: 97 a razão disso está em que este último não serve para completar ou complementar defeitos que
tenham sido indicados no processo de usucapião, mas apenas para decidir se essa indicação foi correta
ou não – se foi, a consequência é a extinção do processo perante o oficial, porque o interessado poderia
ter suprido a falta, e não o fez.
Da sentença cabe apelação, para a qual também se exige a representação por advogado (mas não
preparo, na lei paulista). No Estado de São Paulo, como dito, a apelação é julgada pelo Conselho Superior
da Magistratura, e o relator é sempre o Corregedor Geral da Justiça.
Tenha ou não havido recurso da sentença, a decisão final não faz coisa julgada material (arts. 203 e 204),
porque o processo da dúvida (como, de resto, o processo de usucapião aqui tratado) não tem natureza
jurisdicional, mas administrativa – e tanto é assim, que a lei adverte (embora não precisasse fazê-lo) que
a busca da via extrajudicial não exclui o socorro perante o Poder Judiciário (art. 216A, caput e § 9º).
Preclusa essa decisão, e se a dúvida é procedente (= se fica mantida a objeção oposta pelo oficial de
registro de imóveis), a prenotação é cancelada e o processo de usucapião é extinto perante o oficial de
registro de imóveis (art. 203, I), mas pode prosseguir na via jurisdicional, conforme o caso, aproveitando-
se os atos (cf. art. 216A, § 10). Se, contudo, a dúvida é improcedente (= se ficam afastadas as objeções
levantadas pelo oficial), prossegue-se no processo, até o registro final (arg. ao art. 203, II), ou, antes disso,
até que nova objeção seja oposta ao pedido, em razão de nova falta por suprir – o que dará ensejo,
novamente, a mais uma ação de dúvida.
_____________________________________________________________________________________
Josué Modesto Passos. Juiz com vinte anos de carreira, Juiz Assessor da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo,
desde julho de 2020. Especialista em Direito Notarial e Registral Imobiliário. Acadêmico da Academia Notarial
Brasileira (cadeira 20). Membro da Academia Nacional de Direito Notarial e Registral. Tradutor de Prinzipien des
Römischen Rechts, de Fritz Schulz (Princípios do Direito Romano, 1ª ed., São João da Boa Vista: Filomática Sorocabana,
2020). Autor do capítulo Perspectiva Histórica do Conceito de Negócio Jurídico, em coautoria, na obra Negócio
Jurídico, Ed. Quartier Latin, 2013.
97
Exceção feita para o caso em que o interessado precise demonstrar que seja absolutamente impossível cumprir a exigência feita
pelo oficial (impossibilitas praestandi): PASSOS e BENACCHIO, A Dúvida, p. 88-89.
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 73
O novo Código de Processo Civil, em seu art. 1.071, permitiu a dicotomia de caminhos para o
reconhecimento da aquisição originária da propriedade imobiliária, diretamente perante o Oficial de
Registro de Imóveis.
É sabido pelos estudiosos do Direito Notarial e Registral que o pressuposto dos serviços extrajudiciais é a
presença do consenso, tendo como princípio fundamental a manutenção da paz social, não se permitindo
a prática de atos nulos, que sejam ineficazes no mundo jurídico ou ainda atos que possam originar um
litígio.
Nesse sentido, os serviços notariais e de registros públicos regulamentados pela Lei nº 8.935/94, com o
objetivo de materializar os institutos jurídicos, outorgando-lhes eficácia, fé pública, publicidade e
segurança.
O art. 216-A e seguintes da Lei nº 6.015/73 permitiram que a serventia registral competente da situação
do imóvel seja a responsável direta pelo conhecimento do pedido de reconhecimento extrajudicial de
usucapião, processando-se diretamente todos os atos perante a fé pública do Oficial, o qual poderá
inclusive realizar audiências de instrução e conciliação.
74
Nessa análise, algumas divergências entre os serviços notariais e de registros públicos se confundiram, na
medida em que, enquanto a atividade notarial tutela o consentimento das partes (nas escrituras públicas,
procurações e reconhecimentos de firma), também autenticam 98 os fatos presenciados e materializados
nas atas notariais.
Por outro lado, o oficial de registros públicos se limita a verificar a presença dos elementos de validade
(requisitos) exigidos por lei para poder assentá-los em seus livros.
No processo de usucapião extrajudicial, o Oficial do Registro de Imóveis não apenas analisará os requisitos
do pedido, mas também verificará as declarações das partes e testemunhas, em claro prejuízo à fé pública
notarial.
Nesta nova atribuição, o Oficial não qualificará um título, mas sim o confeccionará durante o processo, e
de forma imprópria, usurpando a imediação “notarial” na apuração da verdade real manifestada pelas
partes de forma exclusiva e direta, como o faz na esfera judicial, pelo juiz de direito, no convencimento
da verdade.
Assim, foi-se o tempo em que o registrador, ao qualificar o título que lhe era apresentado, examinava
apenas seus aspectos formais 99 ou extrínsecos 100- 101.
Pensamos que fez mal o legislador atribuir ao registrador o poder de convencimento jurisdicional da
usucapião, pela impropriedade existente entre as serventias extrajudiciais e o Poder Jurisdicional de
reconhecer um direito naturalmente conflituoso.
Desse modo, aqueles pedidos de usucapião fundados em jus possessionis 102 sofrerão uma análise mais
criteriosa, tendo em vista a ausência de prova inequívoca da posse mansa e pacífica. Nesses casos,
provavelmente o Oficial exigirá que a “ata notarial” certifique com todas as letras o reconhecimento da
posse e o tempo transcorrido pelo Tabelião de Notas.
98
O ato de autenticar pode ser definido como o poder de declarar a veracidade de um ato ou fato constatado pelo detentor da fé
pública.
99
Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo. Apelação Cível: 9000004-16.2012.8.26.0210 relator Des. Elliot Akel, j.
3.3.2015 Disponível em: <http://www.kollemata.com.br/kollemata/integra.php?id=26821> acesso em 4 junho/2015.
100
Sentença da 1ª Vara dos Registros Públicos de São Paulo. Processo: 000973/81, julgado pelo Juiz de Direito Narciso Orlandi Neto
em 28.10.1981 Disponível em: <http://www.kollemata.com.br/kollemata/integra.php?id=6095> acesso em 4 junho/2015.
Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo. Apelação Cível: 0909846-85.2012.8.26.0037 relator Des. José Renato
101
Entretanto, tal reconhecimento do tempo de posse se torna impossível de ser declarado pelo notário,
como afirmamos em nossa obra 103, ratificado pelo Provimento nº 65/17 da Corregedoria Nacional de
Justiça em seu art. 5º, parágrafo terceiro, ao determinar que, finalizada a ata notarial, o tabelião deverá
cientificar o requerente e consignar no ato que a ata notarial não tem valor como confirmação ou
estabelecimento de propriedade, servindo apenas para a instrução de requerimento extrajudicial de
usucapião para processamento perante o registrador de imóveis.
A justificativa é simples. É vedada a emissão de juízo de valor pelo notário na constatação dos fatos, assim
como impossível será a autenticação de fatos pretéritos. Não se permitirá, portanto, declarar se o direito
do interessado decorre de posse ou detenção e se transcorreu o tempo necessário exigido pela
modalidade de usucapião pretendida.
Sendo a ata notarial stricto sensu um instrumento de prova, notamos seu descompasso com o
procedimento de reconhecimento de usucapião, na esfera extrajudicial, pela atribuição dada ao Oficial de
Registro de Imóveis de reconhecer a presença dos pressupostos e requisitos da usucapião, a depender do
conjunto probatório prenotado pelo advogado diretamente na serventia.
Nesse diapasão, Leonardo Brandelli assevera “tem a ata notarial o condão de preconstituir prova dotada
de fé pública, isto é, os fatos que o notário declarar que ocorreram em sua presença presumem-se
verdadeiros, tornam-se críveis, até que se prove o contrário. Por isso diz-se que a ata notarial tem a
característica de perpetuar o fato no tempo, com força de fé pública”. 104
Havendo prova inequívoca do tempo de posse pelo interessado, o procedimento extrajudicial fatalmente
será indeferido pelo registrador.
Nessa hipótese, deverá o interessado ingressar com o pedido na esfera judicial, permitindo-se
naturalmente o aproveitamento de todos os atos praticados pelo Oficial de Registro de Imóveis, como
eventuais notificações, diligências e produções de provas.
Tal afirmação se dá pela faculdade prevista no caput do art. 216-A da Lei nº 6.015/73 105.
É de se concluir, destarte, que o processo de usucapião extrajudicial se torna uma alternativa interessante
para aqueles casos em que a posse tem origem no jus possidendi, como nos casos de aquisição de imóveis
em loteamentos clandestinos ou nas hipóteses em que o alienante já tenha falecido ou até mesmo
desaparecido.
Entretanto, em nenhuma hipótese será negado o acesso ao Poder Judiciário para declarar o direito
constitucional de propriedade a todos os interessados que provarem cumprir a função social da posse.
103
KIKUNAGA, Marcus. Direito Notarial e Registral à luz do Código de Defesa do Consumidor: Visão Estruturada da Atividade
Extrajudicial. São Paulo: Editorial Lepanto, 2019, p. 329.
104
BRANDELLI, Leonardo. Introdução ao Direito Notarial e Registral. Porto Alegre: IRIB/Sergio Antonio Fabris, 2004, p. 55
Lei nº 6.015/73 - Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião,
105
que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel
usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com: (...) (g.n.)
76
Referências Bibliográficas
ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Órgãos da fé pública. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1963.
BRANDELLI, Leonardo (coord). Ata Notarial. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 2004.
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SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 30ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. 106
_____________________________________________________________________________________
Marcus Kikunaga. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES);
Especialista em Direito Notarial e Registral pela Escola Paulista de Direito (EPD); Coordenador da Especialização em
Direito Imobiliário, com ênfase em Direito Notarial e Registral da Escola Superior de Advocacia – ESA/SP, Professor
em Cursos de Especialização (PUC/COGEAE, Mackenzie/Campinas, Legale/SP, Escola Paulista de Direito – EPD/SP,
Centro Universitário de Curitiba - Unicuritiba/PR, Proordem/Goiânia) e de Cursos Preparatórios para concursos de
delegações notariais e de registro; Coautor da obra Provas no Novo CPC da Editora IASP; Coautor da obra Teses
Jurídicas dos Tribunais Superiores – Direito Civil – vol. 6, Tomo II, da Editora RT; Presidente da Academia Nacional de
Direito Notarial e Registral – AD NOTARE. Advogado.
Note-se que autos de ação de dúvida, no Estado de São Paulo, são remetidos ao juízo dos registros em forma eletrônica, e não
106
em papel.
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL | A Teoria na Prática 77
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