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A MÚLTIPLA CODIFICAÇÃO DO TEXTO LITERÁRIO:

CÓDIGO LINGUÍSTICO, CÓDIGO BIBLIOGRÁFICO, CÓDIGO-FONTE


Manuel Portela (Universidade de Coimbra) [13 de setembro de 2022]

1. O contexto desta intervenção

Quando fui convidado pelos Professores Juliana Steil e Luís Girão para fazer um
seminário da disciplina ‘Literatura, Cultura e Tradução II’ do Programa de Pós-
Graduação em Letras da Universidade Federal de Pelotas, o tópico sugerido foi
“código bibliográfico nas investigações acerca das Materialidades da Literatura
(seus primeiros sinais nos Estudos Literários e atuais desdobramentos virtuais).”
Posteriormente, na sequência de um e-mail em que me pediam a indicação de um
texto que pudesse servir de introdução a esta problemática, dei-me conta da
ausência de textos em português que abordassem especificamente aquela noção.
Depois de descartar vários artigos e livros em inglês por serem demasiado
específicos ou demasiado datados ou demasiado complexos, ocorreu-me a
dissertação de mestrado de Samuel Teixeira “O livro de artista como metalivro”,
originalmente apresentada em 2011.1

Embora seja uma abordagem num domínio de atividade muito particular – o da


exploração da materialidade do livro como obra de arte -, pareceu-me que poderia
ser um bom modo de introduzir a noção de código bibliográfico. Aliás, a história da
daquela dissertação está diretamente ligada à minha reflexão sobre essa noção: em
outubro de 2008 fui convidado a fazer um seminário para os estudantes do Mestrado
em Práticas Editoriais da Universidade de Aveiro. Esse seminário, intitulado “A
forma dos livros nos livros de artista”, acabou por fazer com que Samuel Teixeira
encontrasse o seu tema de investigação e viesse trabalhar comigo nos anos
seguintes. De facto, tinha começado a explorar essa noção alguns anos antes, no
contexto de um seminário sobre arquivos e edições eletrónicas iniciados em 2003 na
Universidade de Coimbra. Ao levar a noção para o campo do livro de artista e para o
domínio da edição eletrónica, estava de certo modo a testá-la e a explicitá-la um
pouco mais.

Ao voltar aos slides esquecidos dessa apresentação de 2008, reparo que ela estava
estruturada em sete tópicos: (1) O que é o código bibliográfico?; (2) Como é que o código
bibliográfico produz sentido?; (3) Como é que o livro fala sobre si mesmo?; (4) A estrutura do
livro como sintaxe; (5) Efeitos semânticos do código bibliográfico; (6) Pragmática da leitura
do códice; (7) Código bibliográfico e interpretação. É evidente nesse trabalho aquilo que
referi acima: a tentativa de clarificar aquela noção como um operador analítico que
nos permitisse falar do programa de ação do livro. Esse exercício era realizado

1
Samuel Teixeira, O livro de artista como metalivro, Dissertação de Mestrado em Estudos Editoriais,
Universidade de Aveiro, 2011. https://ria.ua.pt/handle/10773/7566
2

através da intersecção entre o domínio de origem do conceito – o da edição crítica


de textos e da teoria social da edição – e o domínio da história e dos estudos do livro,
e do livro de artista em particular. Esta problemática veio a dar origem a uma das
linhas de investigação do Programa de Doutoramento em Materialidades da
Literatura, designada “ReCodex: Formas e Transformações do Livro”, no âmbito da
qual produzimos algumas teses de doutoramento.2 Aquilo que me proponho fazer
hoje é revisitar criticamente essa noção, mostrando, por um lado, um pouco da sua
história concetual, e por outro, o seu potencial e as suas limitações.

2. Mini-história concetual da noção de “código bibliográfico”

Comecemos pela história concetual. Tal como por vezes acontece na evolução
teórica em determinadas áreas disciplinares, aquilo que parece uma novidade num
determinado discurso disciplinar é um dado adquirido num outro campo discursivo.
Creio que a noção de “código bibliográfico” constitui um desses casos. Embora ela
surgisse como uma novidade no domínio da investigação textual durante a década
de 1980 e inícios da década de 1990 – em particular no campo da teoria da edição
crítica de textos –, a sua presença (ainda que não com aquela designação) era uma
evidência para quem trabalhava no domínio dos estudos e das artes do livro,
designadamente nos campos da tipografia e do design. Se para a crítica textual a
instanciação material dos textos – isto é, a sua existência como inscrições com
determinada estrutura sobre determinados materiais organizados de uma certa
maneira – tendia a ser invisível, para os designers, teóricos e historiadores do livro
nada parecia mais visível do que a retroação que se estabelecia entre o texto
considerado na sua dimensão verbal e a sua encarnação tipográfica e bibliográfica.

Seria por isso possível argumentar que falar de “código bibliográfico” em 1991 era
inventar algo que já estava inventado. Por outro lado, não se pode negar o efeito
renovador que determinada perspetiva pode ter quando migra de um campo
disciplinar para outro. Poderíamos fazer observações equivalentes se exportássemos
determinados conceitos de texto no âmbito da teoria literária das últimas décadas
para o campo dos estudos do livro e do design. Digamos que o valor heurístico dos
conceitos – isto é, aquilo que eles permitem pensar e nomear – é também contextual e
não simplesmente teórico. O facto de a teoria literária ter reificado os textos como
objetos quase exclusivamente linguísticos – destinados a suportar exercícios
hermenêuticos e de edição também exclusivamente linguísticos – implicava, na sua
prática discursiva, obliterar outras dimensões dos processos materiais de produção

2
Pela sua relevância direta para este tema, destaco: Ana Sabino, Instruções de leitura: um estudo sobre
convenções gráficas de apresentação da palavra escrita, Tese de Doutoramento em Materialidades da
Literatura, Universidade de Coimbra, 2020. https://estudogeral.uc.pt/handle/10316/92415
Um resumo das principais atividades e publicações do “ReCodex” encontra-se em:
https://www.uc.pt/fluc/clp/inv/proj/meddig/recod
3

de sentido, incluindo a realidade bibliográfica das inscrições, isto é, o facto de os


textos se estruturarem e circularem de acordo com um conjunto específico de
tecnologias comunicacionais e de formas materiais, de que o códice impresso era um
exemplo paradigmático.3 A consciência dessa cegueira esteve, porventura, na
origem da teoria social da edição, associada a autores como D.F. McKenzie (1931-
1999) e Jerome McGann, entre outros. A atenção aos pormenores bibliográficos das
edições de um certo conjunto de obras e de autores levou-os a sublinhar a dimensão
semiótica e social desses elementos materiais.

D.F. McKenzie contribuiu para pôr em evidência os processos de significação


bibliográfica como parte das redes de sentido que estruturam as formas textuais.
Alguns dos seus ensaios seminais foram coligidos em Bibliography and the Sociology of
Texts (The British Library, 1986; 2ªedição, Cambridge University Press, 1999)
e Making Meaning: "Printers of the Mind" and Other Essays (University of Massachusetts
Press, 2002). Criticando as limitações de uma abordagem meramente semiótica das
marcas bibliográficas, McKenzie redefiniu bibliografia como sociologia dos textos,
capaz de integrar produção e receção no conhecimento da historicidade específica
dos atos e das marcas de significação. Defendeu também o alargamento dos
princípios bibliográficos ao estudo de formas textuais não-impressas e não-
bibliográficas, considerando que a textualização é um fenómeno transversal aos
diferentes média e suportes documentais, da gravura à fotografia, ao teatro, ao
cinema, à televisão, ao computador e a formas de significação das culturas orais.4

A crítica de McKenzie à bibliografia descritiva e analítica implica a rejeição da


existência de uma fronteira entre crítica textual e crítica literária e, igualmente
importante, a valorização da materialidade específica de cada edição. Embora não
pondo em causa a possibilidade de recuperar a intenção autoral, McKenzie
reconheceu que todas as reconstituições textuais inscrevem a sua própria
historicidade no processo de reprodução e releitura dos artefactos textuais do
passado. Simultaneamente notação tipográfica e ato de leitura, qualquer codificação
bibliográfica representa uma ressocialização do texto num novo contexto.

My argument therefore runs full circle from a defence of authorial meaning,


on the grounds that it is in some measure recoverable, to a recognition that,
for better or worse, readers inevitably make their own meanings. In other
words, each reading is peculiar to its occasion, each can be at least partially

3
A criação do Programa de Doutoramento em Materialidades da Literatura (DML) na Universidade de
Coimbra em 2010 tem uma genealogia múltipla, mas este foi um dos elementos do seu código
genético. Vejam-se as vinte teses já produzidas pelo DML: https://matlit.wordpress.com/teses/
4
Uma das melhores demonstrações da aplicabilidade da teoria social da edição e da noção de código
bibliográfico ao meio digital está na obra de Matthew G. Kirschenbaum, Mechanisms: New Media and
the Forensic Imagination (Cambridge, MA: The MIT Press, 2008). Veja-se também o seu estudo sobre a
história do processador de texto e o modo como alterou a ecologia das práticas de escrita literária:
Matthew G. Kirschenbaum, Track Changes: A Literary History of Word Processing (Harvard, MA:
Belknap/Harvard University Press, 2016).
4

recovered from the physical forms of the text, and the differences in
readings constitute an informative history. What writers thought they were
doing in writing texts, or printers and booksellers in designing and
publishing them, or readers in making sense of them are issues which no
history of the book can evade. (McKenzie 2004: 19)

Por seu turno, Jerome McGann argumentou, em The Textual Condition (Princeton
University Press, 1991), que as obras literárias não são apenas codificações
linguísticas, mas estão codificadas bibliograficamente, isto é, na forma material
específica que o seu modo de reprodução e transmissão assume. Esta forma material
específica representa o estágio inicial de socialização da obra, uma vez que muitos
aspetos da codificação bibliográfica não dependem das intenções do autor, mas
resultam do modo de produção dos artefactos textuais. Daí decorre que a intenção
do autor não pode ser o único critério nas decisões textuais quando se trata de
estabelecer a matriz a partir da qual se geram novas edições de uma obra.

First, a careful distinction must be drawn between the linguistic and the
bibliographical features of text. The distinction is important because it
highlights the interactive nature of textuality as such. […]
Second, both linguistic and bibliographical texts are symbolic and signifying
mechanisms. Each generates meaning, and while the bibliographical text
commonly functions in a subordinate relation to the linguistic text,
“meaning” in literary works results from the exchanges these two great
semiotic mechanisms work with each other. (McGann 1991: 66-67)

Every literary work that descends to us operates through the deployment of


a double helix of perceptual codes: the linguistic codes, on one hand, and the
bibliographical codes on the other. (McGann 1991: 77)

Esta teoria social da edição pressupõe um certo grau de indeterminação na


possibilidade de limitar a flutuação e a variabilidade textual, que será tanto maior
quanto maior for o arquivo dos materiais textuais existentes. Além disso, o arquivo
de uma obra seria constituído não apenas pelos materiais originais (manuscritos,
provas tipográficas e primeiras edições), mas incluiria todas as reconstituições
textuais e bibliográficas da obra em momentos posteriores. Isto significa que
qualquer reedição de uma obra é uma recodificação da sua materialidade com
consequências semióticas e hermenêuticas.

McGann viu ainda na tecnologia digital a possibilidade de simular os processos


bibliográficos de textualização e socialização textual, ou seja, um instrumento para
investigar a natureza e a história da textualidade (McGann 2001). Esta teoria está na
base de vários projetos de arquivos eletrónicos da primeira geração, como é o caso
dos arquivos Blake, Rossetti, Dickinson e Whitman, iniciados na década de 1990, que
procuram representar eletronicamente o acervo de produção e transmissão das
5

obras daqueles autores em redes desierarquizadas de documentos textuais e visuais.


A consciência crítica acerca dos dispositivos bibliográficos acentuou-se com a
emergência das edições e arquivos digitais. Com efeito, a necessidade de recodificar os
textos e os livros para processamento digital obrigou-nos a tornar mais explícitos os nossos
modelos de texto e de livro.5 A metáfora da dupla hélice para designar o
entrelaçamento da dimensão linguística e da dimensão bibliográfica na experiência
do texto pode assim complexificar-se se quisermos pensar a codificação informática
como uma dimensão adicional da materialidade textual no meio digital.

3. A múltipla codificação do texto literário

Aquilo que proponho a seguir são algumas distinções que nos permitam
compreender a múltipla codificação do texto literário e o valor crítico dessas distinções,
mas também as limitações inerentes à concetualização da textualidade e da
materialidade enquanto códigos. Chamarei a atenção em particular para as
diferentes aceções e implicações da palavra código quando usada para referir as
componentes linguísticas, bibliográficas e computacionais. Tentarei fazê-lo através
de respostas exemplificativas às três perguntas seguintes:

1. Quais as implicações da noção “múltipla codificação” do texto literário?

2. O que significa “código” em cada um dos três casos (código “linguístico”,


código “bibliográfico”, código-“fonte”)? Existe paralelismo entre as três
noções?

3. Como se entrelaçam “textualidade” e “materialidade” nos processos de


produção de sentido?

A resposta à primeira pergunta tem várias implicações a nível das nossas


metodologias de análise de texto. A primeira é a de que os textos devem ser analisados
também como artefactos bibliográficos, isto é, como formas literárias que dependem de
determinadas tecnologias e convenções de inscrição material. Estas tecnologias e
convenções manifestam-se em componentes textuais específicas e condicionam
aspetos como o género textual e os modos de circulação e uso dos textos. A
dimensão social dos processos de produção textual torna-se mais facilmente
analisável se pensarmos na textualidade como entrelaçamento da materialidade do
discurso verbal com a materialidade dos múltiplos modos de inscrição. A segunda
implicação é a de que a significação resulta não apenas da semiose do discurso verbal mas
também das interações desses elementos com outros elementos materiais que dão forma às

5
O Arquivo LdoD: Arquivo Digital Colaborativo do Livro do Desassossego (2017-2022), projeto que coordenei
ao longo da última década, é um exemplo extremo desta remodelação da natureza da experiência do
texto e do livro no meio eletrónico.
6

inscrições e as permitem ser reproduzidas e circular. A própria noção de


materialidade deve ser reconcetualizada para abarcar esta dimensão semiótica da
presentificação sensorial dos meios e materiais de inscrição. Assim, quando nos referimos
à materialidade do livro não estamos a referir os compostos materiais do livro (na
aceção física e química dos elementos que entram na sua composição), mas sim a
ativação formal dessa matéria pela interação entre os processos linguísticos e
bibliográficos de produção de sentido. A terceira implicação é a de que o texto
literário tem múltiplas formas de inscrição (do discurso oral ao texto impresso à
gravação sonora ao texto computacional), cada uma das quais com codificações
bibliográficas (em sentido lato) materialmente específicas.

A resposta à segunda pergunta parece-me um pouco mais complexa. Ainda que a


noção de código funcione nos três casos para sugerir que podemos falar de sistemas
de significantes formalmente articulados, creio que se torna necessário fazermos
distinções entre os três usos da palavra. No caso do código linguístico, podemos assumir a
noção de língua como sistema, garantido pelo conjunto de regras que definem o seu
modo de funcionamento sintático, semântico, fonológico e morfológico, ao qual
teríamos de acrescentar também a língua como prática, definida pelos usos
discursivos e pragmáticos de grupos e comunidades particulares. Tanto numa
aceção como na outra é possível fazermos uma descrição formal dos componentes
que permitem produzir sentido, incluindo as situações criadas por atos de fala
particulares. A tradução é uma evidência da existência dos códigos linguísticos
como repertórios estruturados de significantes.

No caso do código bibliográfico, quando a aplicado aos livros e aos textos escritos
(manuscritos ou impressos) em geral (ou, num sentido lato, a outras modalidades de
inscrição material), não podemos falar de sistemas de significantes formalmente
articulados. Ou seja, não se trata de um código num sentido formalizado, mas de
uma extensão metafórica na noção. Poderíamos falar de convenções socialmente
estruturadas – por exemplo, no âmbito da composição tipográfica do texto (escolha
dos tipos, relação texto-ilustração, etc.) ou do desenho das capas ou dos formatos e
tipos de papel – que garantem o funcionamento de certas camadas simbólicas dos
processos bibliográficos. Apesar de a sua articulação não estar formalmente
explicitada, o seu funcionamento semiótico é facilmente observável quando
pensamos nos géneros textuais e no modo como esses géneros estão
bibliograficamente marcados. A organização de uma livraria permite observar
facilmente a codificação bibliográfica como um elemento de estruturação na
arrumação dos livros, por exemplo.

Por último, prestemos atenção à noção de código no discurso computacional. Neste


caso, código é usado para referir diferentes linguagens de programação, desde as
linguagens de alto nível – que usam elementos de linguagem natural e automatizam
determinados procedimentos de forma abstrata – às linguagens de baixo nível –
7

mais próximas da assembly language que faz a tradução das instruções para o código-
máquina específico de determinada arquitetura de computador. Vejamos duas
instâncias da noção de código neste domínio: código-binário e código-fonte. O código-
binário (e também o código hexadecimal) são usados, por exemplo nas normas ASCII e
Unicode, como formas de notação para produzir sinais gráficos (carateres de
escritas, carateres especiais, símbolos, emojis, etc.), assim como sinais de controlo e
de formatação.6 Podemos descrevê-los, neste uso particular, como um modo de
representação computacional de um determinado sinal escrito. Já código-fonte
designa de forma genérica qualquer texto escrito de um programa que usa uma
linguagem de alto nível. Podemos falar, por exemplo, de código-fonte HTML ou XML
ou Javascript para designar um texto de código escrito numa daquelas linguagens.

Existem alguns paralelismos entre código linguístico e código-fonte, uma vez que as
linguagens de programação obedecem a princípios de organização sintática e
semântica que determinam a estrutura dos enunciados possíveis. Há, todavia, uma
diferença fundamental, o código-fonte é um pedaço de linguagem executável que se
traduz num conjunto de procedimentos automáticos e que não permite
ambiguidade sob pena de o sistema operativo e a máquina não processarem as
instruções. Poderíamos talvez querer argumentar que o código-fonte está para o
código linguístico no texto digital tal como o código bibliográfico está para o código
linguístico no texto impresso. Mas não creio que esse paralelismo resista a uma
análise mais fina: de facto, há aspetos do código bibliográfico que podem ser
codificados digitalmente e passar a ser representados pelo código-fonte – por
exemplo, as propriedades tipográficas dos carateres; mas também há dimensões
singulares do próprio código-fonte que não correspondem a qualquer representação
de outras propriedades que tenham expressão no código bibliográfico – por
exemplo, as modalidades de interação que são específicas da materialidade digital.

Em suma, se quisermos concetualizar a articulação entre código linguístico, código


bibliográfico e código-fonte no domínio da textualidade digital, teremos de considerar
a interação entre os três componentes tendo em conta que as suas diferenças não
residem apenas nas diferenças entre “linguístico”, “bibliográfico” e “fonte” (ou
“digital”, se quisermos usar um sinónimo daqueles dois adjetivos neste contexto),
mas igualmente nos diferentes modos de cada um dos três ser código. Esta diferença –
que é uma complexificação da diferença sintetizada há trinta anos na metáfora da
dupla hélice linguístico/bibliográfico – mostra também de que modo a tecnologia
digital expandiu as possibilidades de entrelaçamento entre “textualidade” e
“materialidade” nos processos de produção de sentido. A terceira pergunta fica
assim por responder, não porque tenha sido esquecida mas porque a investigação
que permite responder a essa pergunta permanece em aberto.

6
A versão atual da norma Unicode (versão 14.0, setembro de 2021) permite a codificação de 144,697
carateres. O formato UTF-8 requer 8, 16, 24 ou 32 bits para a codificação de cada carater, o formato
UTF-16 requer 16 ou 32, e o formato UTF-32 requer 32. Cf. “Unicode”, Wikipedia,
https://en.wikipedia.org/wiki/Unicode
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Referências
Drucker, Johanna (1995). The Century of Artists’ Books, New York: Granary Books.
Drucker, Johanna (2006). “Graphical Readings and the Visual Aesthetics of
Textuality”, Text: An Interdisciplinary Journal of Textual Studies, 16: 267-276.
https://www.jstor.org/stable/30227973
Grazia, Margreta de, and Peter Stallybrass (1993). “The Materiality of the
Shakespearean Text”, Shakespeare Quarterly, 44.3: 255–283.
https://doi.org/10.2307/2871419
Kirschenbaum, Matthew G. (2007). Mechanisms: New Media and the Forensic
Imagination. Cambridge, MA: The MIT Press.
Kirschenbaum, Matthew G. (2016). Track Changes: A Literary History of Word Processing.
Harvard, MA: Belknap/Harvard University Press.
McCaffery, Steve & bp Nichol (2000). “The Book as Machine” [1973], A Book of the
Book: Some Works & Projections about the Book & Writing, edited by Jerome
Rothenberg and Steven Clay, New York: Granary Books, pp. 17-24.
McGann, Jerome (1991). The Textual Condition. Princeton, New Jersey: Princeton
University Press.
McGann, Jerome (2001). Radiant Textuality: Literature after the World Wide Web. New
York: Palgrave.
McKenzie, D.F. (2004 [1999]). Bibliography and the Sociology of Texts [1986]. Cambridge:
Cambridge University Press.
Portela, Manuel (2013). Scripting Reading Motions: The Codex and the Computer as Self-
reflexive Machines. Cambridge, MA: The MIT Press.
Portela, Manuel (2022). Literary Simulation and the Digital Humanities: Reading, Editing,
Writing. New York: Bloomsbury.

Outras leituras
Entrevista a Johanna Drucker (MATLIT, 1.1, 2013)
https://impactum-journals.uc.pt/matlit/article/view/2182-8830_1-1_10
Entrevista a Jerome McGann (MATLIT, 4.2, 2016)
https://impactum-journals.uc.pt/matlit/article/view/2182-8830_4-2_12
Entrevista a Matthew Kirschenbaum (MATLIT, 4.2, 2016)
https://impactum-journals.uc.pt/matlit/article/view/2182-8830_4-2_13
Recensão crítica de Radiant Textuality (Comparative Critical Studies, 1.3, 2004)
https://www.euppublishing.com/doi/epdf/10.3366/ccs.2004.1.3.371
Recensão crítica de Mechanisms (Digital Humanities Quarterly, 4.1, 2010)
http://www.digitalhumanities.org/dhq/vol/4/1/000087/000087.html
Recensão crítica de Track Changes (electronic book review, 11-06-2016)
https://electronicbookreview.com/essay/processing-words-or-suspended-
inscriptions-written-with-light/

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