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30º DOMINGO DO TEMPO COMUM


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23 de outubro de 2022
O discipulado e a via da humildade.

Leituras: Eclo 35,15b-17.20-22a (gr. 12-14.16-18)


Sl 33(34),2-3.17-18.19.23 (R. 7a.23a)
2Tm 4,6-8.16-18
Lc 18,9-14

1. Situando-nos
A justiça de Deus, à diferença da que é comumente praticada pelos
seres humanos, nunca se deixa corromper e jamais se deixa comprar
com ações cultuais, ainda que bem feitas e esplendorosas. O que conta
é a intenção da mente e do coração; não adianta não se vangloriar de
suas ações, ainda que pautadas na sua Lei, mas demonstrar-se incapaz
de olhar para o mais necessitado.
A Primeira Leitura (Eclo 35,15b-17.20-22a) apresenta o Senhor
Deus como justo juiz. Dado singular, visto que provém de um escrito
de índole sapiencial. Sem dúvida, atesta uma adequada reflexão sobre
a Torá. O dado central e inabalável encontra-se na certeza de que Deus
não faz acepção de pessoas, mas não despreza o mais fraco que somente
nele coloca a sua confiança, sabendo reconhecer as suas limitações e
pecados, certo de que nada lhe escapa. A viúva, o órfão e o estrangeiro
são os típicos representantes dos mais humildes, porque são, segundo
a lógica da Sagrada Escritura, os dependentes de Deus.
A Segunda Leitura (2Tm 4,6-8.16-18) também pode ser lida
sob a ótica da primeira. As condições de vida do Apóstolo Paulo
são deploráveis, mas atestam a grande transformação que começou
a ocorrer desde a sua conversão a Jesus ressuscitado, aceitando-o
como o Cristo de Deus. A partir disso, começou a viver somente do
Evangelho, graça que deu total sentido à sua vocação e missão. Se tem

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“Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus” 57

diante de si o abandono humano, tem, igualmente, a certeza de que


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Deus lhe é próximo, o sustenta e o encoraja a conservar a integridade


da fé. Na base está o núcleo da sua pregação: a justificação pela fé e não
pelas obras da Lei.
O Evangelho (Lc 18,9-14) apresenta um exemplo pertinente do
que fora anunciado na primeira leitura. O fiel encontra-se diante de
uma parábola, repleta de índole sapiencial por sua explícita contrapo-
sição, que se destina a propor não apenas um modelo de oração, mas
como essa ação deve corresponder à vida, quando o fiel se apresenta
diante de Deus. Nas duas posturas estão dois caminhos: o da autossu-
ficiência, assumida pelo fariseu convicto da sua fé, pautada na Lei, e o
da humildade, assumido pelo publicano convicto de que somente em
Deus encontraria compaixão.

2. Recordando a Palavra
Na Primeira Leitura aparece, claramente, a firme convicção do
sábio de que Deus não pode ser comprado nem se deixa corromper
pelos sacrifícios que lhe são oferecidos. Deus não se deixa enganar
pela opulência de nossas orações. Essa convicção prenuncia o que Jesus
disse à mulher samaritana: os adoradores autênticos de Deus são os
que o cultuam em espírito e em verdade. Para o sábio, o dependente
de Deus – órfão, viúva e estrangeiro – adora a Deus em verdade, pois
sabe que é vão colocar a sua confiança nos poderosos. Assim, se existe
uma oração que “adentra” nos Céus é a que é feita pelo humilde, isto é,
por quem reconhece a sua própria condição e não se vangloria diante
de Deus. Em sua pobreza, é capaz de cultuar a Deus com a própria
vida. Por isso, o sábio afirma que a oração dessas pessoas é ouvida, pois
Deus é justo e sempre disposto a salvar quem a Ele se confia.
Na Segunda Leitura, a humildade do Apóstolo Paulo é um
autêntico testemunho de fé. No centro da sua fala não está o que
foi capaz de fazer pela graça de Deus, mas está o próprio Deus que,
por meio dele, tudo fez em função da proclamação da mensagem do
Evangelho aos pagãos. Como um soldado que sobreviveu a inúmeras

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58 Roteiros Homiléticos para o Tempo Comum II

batalhas, o Apóstolo tem consciência de que seus dias estão por


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terminar. Seu balanço de vida é positivo, pois foi capaz de conservar


a fé, pela qual reconheceu a presença e a ação do Senhor em todos
os momentos da sua vida, em particular nos mais difíceis, quando
passou por vários tribunais (boca do leão). O olhar do Apóstolo para o
passado no seu momento presente lhe permite entrever o futuro. Está
certo de que o Senhor o livrará de todo mal, isto é, experimentará,
de maneira definitiva, a salvação que lhe permitirá entrar no Reino
celeste. A  glória que eleva a Deus, reconhecendo a sua bondade e
misericórdia, atesta que vive do perdão de Deus, máxima expressão do
seu poder e da sua justiça, razão pela qual o Apóstolo Paulo não pode
fazer outra coisa que, igualmente, perdoar quem tanto mal lhe fez ao
longo da sua vida, vocação e ministério.
No Salmo Responsorial, o orante se faz porta-voz do humilde
diante de Deus e endossa o sentido e o valor que cultiva sobre a divina
justiça. O ato de bendizer a Deus faz parte da espiritualidade dos
humildes, isto é, dos que buscam se refugiar em Deus que desafia todas
as formas de manobras humanas dos agentes de injustiças e de iniqui-
dades. Abandonar-se em Deus é o grande ensinamento desse Salmo,
pois é fonte de alegria, de paz e de esperança. O humilde, abandonando-
-se a Deus, experimenta a sua proximidade e a sua defesa inabalável.
O texto de Lc 18,9-14 pode ser apresentado a partir de cinco
pontos e é uma descrição exemplar do que se encontra afirmado na
Primeira Leitura sobre o modo de ser e de agir diante de Deus.
No primeiro (v. 9), Jesus introduz o seu ensinamento sobre
a presunção de quem se julga justo e despreza os outros que não
conseguem rezar no mesmo manual de orações.
No segundo (v. 10), inicia a parábola, falando de dois homens que
realizaram a mesma ação e intenção: “subiram ao Templo para rezar”.
Sem escrúpulos, porém, classifica os dois: o primeiro era fariseu e o
outro era publicano. A lógica é confrontá-los de modo antitético.
No terceiro (v. 11-12), Jesus apresenta a postura e a oração do
fariseu. É um piedoso que se julga modelo de homem religioso,

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busca caminhar, ainda que com sacrifícios pessoais, além do que a


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Lei prescreve. É alguém culto e, por isso, julga-se autossuficiente


no confronto de Deus, capaz, inclusive, de ostentar a sua condição
meritocrática no tocante à salvação. Seu equívoco foi a pretensão de se
autojustificar diante de Deus, usando o publicano como sinal da sua
condição de observante rigoroso da Lei.
No quarto (v. 13), Jesus apresenta a postura e a oração do publicano,
considerado um malfeitor em sua sociedade pela ocupação que realiza.
Na verdade, era mais que hostilizado, era odiado. Por isso, carrega
um estigma que lhe pesa na mente e no coração. Se comparece ao
templo e reza, é porque também se considera religioso, por isso, pede
piedade e perdão. No fundo, sabe que não pode esperar algum tipo de
compaixão dos homens, preferindo, então, cair nas mãos de Deus que
é bondoso, misericordioso e compassivo, lento para a ira e grande em
graça e fidelidade (Ex 34,6).
No quinto (v. 14), Jesus não apresenta apenas a moral da parábola,
mas se posiciona ao demonstrar preferência pelo publicano. Assim,
inverte a lógica religiosa, pois se pronuncia a favor de quem é conside-
rado malfeitor pelos que se consideram justos. Faz a sua opção pelos
incapazes, se reconhecem pecadores e demonstram prontidão para
suplicar o perdão a Deus. Então, salva-se quem não se apoia em
sua autossuficiência e em suas próprias seguranças, mas quem faz o
contrário não experimenta a justificação que vem de Deus.

3. Atualizando a Palavra
A temática proposta pelas leituras é bem clara: a oração deve ser
feita com humildade. Não deve ser entendida somente como condição
de vida exterior, mas fluir do interior como um modo concreto de se
comportar diante de Deus e do próximo. Pela forma como alguém
reza, é possível dizer algo sobre a própria identidade religiosa.
Reconhecer diante de Deus as próprias misérias e necessidades é a
condição indispensável para vencer a tentação do mérito que, a todo
custo, busca tirar vantagens de Deus em suas adversidades.

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Sendo assim, a oração revela a consciência que cada fiel possui não
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apenas da própria condição de vida, mas tem, igualmente, a capaci-


dade de estabelecer uma relação com Deus pautada não no “toma lá,
dá cá”, como se fosse um comércio ou fruto de autojustificação pessoal
que busca os favores na concepção de mérito.
A oração repleta de fé é humilde, sincera e expressa como cada fiel
se assume diante de Deus em relação a si mesmo e aos seus semelhantes.
A vida, então, se torna oração e tudo o que nela acontece se transforma
em matéria a ser apresentada a Deus.

4. Ligando a Palavra com a ação litúrgica


A Celebração Litúrgica mostra que Deus não se revela de forma
convencional. A relação com Ele é autêntica se baseada no amor ao
próximo. É por este que se demonstra o amor a Deus. Só assim a nossa
oração não cai no vazio.
O direito de Deus e a sua justiça não se traduzem em confor-
mação com a legalidade, mas com a demonstração concreta de atenção,
bondade e misericórdia para com o necessitado. É o juízo de Deus que
salva a humanidade que experimenta a Celebração Eucarística. É a
prova concreta do seu amor incondicional que apela para uma vida de
justiça e de santidade vivida não como exclusividade ou como exclusão
dos demais, mas como vocação e missão em prol da comunhão com o
Pai, pelo Filho, na unção do Espírito Santo.
Quando não existe dicotomia entre a vida e a expressão religiosa,
a incompreensível misericórdia de Deus é vivida como gratuidade
pelo perdão dos pecados, mediante o qual se pode expressar a imensa
alegria do reencontro com Deus e com a novidade da sua mensagem:
quem se abre para Deus e busca a sua misericórdia, não pode fechar-se
ao seu próximo, mas deve julgar-se não pelo confronto com a Lei, mas
com a humildade capaz de se reconhecer dependente de Deus e do
seu infinito amor revelado no Mistério da Encarnação e da Paixão do
Filho que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida
em resgate da nossa.

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