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Marcos Napolitano
EDS
Discutindo a História do Brasil
Marcos Napolitano
Coordenação:
Maria Helena Capelato
Maria Lígia Prado
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O Marcos Napolitano, 1998.
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Copyright desta edição:
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SARAIVA S.A. Livreiros Editores, São Paulo, 2000.
Av. Marquês de São Vicente, 1697 — Barra Funda
01139-904 — São Paulo — SP
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Bibliografia
ISBN 85-7056-871-]
98-0060 CDD-981.08
.. .. .. .. .. es ee es ee ne en ce ne er eo re nc en eo ne oo 1
Bate-papo com O autor ..
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1. A ar qu it et ur a de
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2. Os “anos 39
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crescimento ec
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4. Rompendo o
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5. Abertura
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7. Conclusão ...
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Cronologia .,.
Bibliografia co me nt ad a ... ... ..r .ee ner een mae sen ere res eee ene nee os 105
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Discutindo
Bate-papo com o autor
Nelson Toledo
A crise da
democracia populista
4
each
AUTO
tudo nos períodos eleitorais, e, por outro, pressupunha o controle
político das organizações populares, impedindo ou dificultando
suas iniciativas mais autônomas. Assim, todo o sistema convergia
para as máq uin as part idár ias e para O pod er de Esta do, amb os
cen tra liz ado s em lid era nça s per son ali sta s — os chef es polí tico s. A
ação desses líderes era decisiva no controle das constantes tensões
políticas, ao evitar que elas se transformassem em crises mais
agudas que ame aça sse m o sist ema. Tais cris es tant o pod iam ser
produt o das div erg ênc ias entr e seto res da pró pri a elit e com o de
conf lito s soci ais mais pro fun dos , entr e clas ses soci ais ant agô nic as.
O
Cabia, portanto, a tais lideranças (e aos partidos) administrar
frágil jogo entr e o con tro le das mas sas pop ula res e as con ces sõe s
para apa zig uá- las , vis and o à man ute nçã o do pod er das
necessárias
elites. Vejamos como isso se dava.
Um dos legados do longo governo de Getúlio foi o chamado
um
varguismo, um conjunto de idéias e práticas sustentadas por
ideário naci onal ista ; def ens or da mod ern iza ção indu stri al do país e de
sua aut ono mia polí tica dian te das gra nde s pot ênc ias , sob ret udo os
o
Estados Unidos. Durante seu governo democrático (1951-1954),
Brasil passou por profundas mudanças: a industrialização acelerou-
se, aum ent and o sig nif ica tiv ame nte o pro ces so de urb ani zaç ão; a
classe média e o operariado tornaram-se parcelas expressivas da
população, convertendo-se em agentes destacados no jogo político.
Tais mudanças davam à realidade brasileira uma nova feição, exigin-
do da elite a implantação de uma nova dinâmica, que, de alguma
forma, viabilizasse a expressão e participação política desses novos
agentes.
Assim, do ponto de vista político-partidário, todo o período que
se seguiu à deposição de Vargas foi marcado pela aliança no poder de
duas das maiores agremiações partidárias então existentes: o Partido
Social Democrático (PSD), que reunia parte das elites agrárias, e O
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), representando setores mais po-
pulares. Na oposição destacava-se a União Democrática Nacional
(UDN), que representava setores da elite conservadora, e cuja princi-
pal bandeira era exatamente o combate ao populismo, ou seja, à
tradição varguista que persistia mesmo após a morte de Getúlio.
Os governos de 1950 a 1961 tentaram manter-se dentro desse
jogo de forças entre setores dominantes que ora conseguiam conver-
gência, ora produziam sérias tensões, uma vez que os interesses dos
fazendeiros eram frequentemente conflitantes com os dos industriais,
5
Nesse período não foram poucos os momentos de crise em que
ameaças de golpe foram aventadas.
A esse cenário de instabilidade interna deve-se somar o quadro
mundial dominado pelo tenso clima da Guerra Fria, do qual o Brasil
não escapava. O país era considerado território de influência norte-
americana, e a forte presença de empresas desse país em nossa eco-
nomia consolidava essa tese. Entretanto, como em quase todos os
países subdesenvolvidos da América Latina, Ásia e África, eram cres-
PRE
centes os defensores da busca de uma certa autonomia diante do
=
embate Leste-Oeste. Em outras palavras, eram os partidários da políti-
SPAS da
ca de não-alinhamento, que pregava uma postura de equidistância,
tanto dos países capitalistas mais avançados como da União Soviética.
No final do governo de Juscelino Kubitschek, ao cenário de
conflitos políticos somou-se um quadro econômico preocupante. O
Brasil não conseguia mais manter as elevadas taxas de crescimento,
principalmente no setor industrial; as finanças públicas estavam
desequilibradas, gerando déficits e, consequentemente, inflação; e os
salários não aumentavam na mesma proporção que o custo de vida.
Naturalmente, o resultado disso foi o aumento das tensões sociais, em
que as classes trabalhadoras começaram a pressionar o governo a
adotar políticas que revertessem o processo de agravamento das
desigualdades sociais.
Não bastassem esses problemas, o presidente Jânio Quadros,
eleito em janeiro de 1961, renunciou oito meses após sua posse.
Como determinava a Constituição, o vice-presidente, João Goulart,
deveria assumir. Ocorre que Goulart — a essa altura alçado à condi-
ção de principal herdeiro do varguismo, junto com Leonel Brizola —
era visto com muita desconfiança por parte da elite. Essa desconfian-
ça era antiga, desde quando ele, como ministro do Trabalho de Var-
gas, havia autorizado um aumento de 100% no salário mínimo, medi-
da considerada demagógica e que jogava patrões contra empregados.
Visto pela elite como nacionalista e próximo da esquerda, Jango
— como João Goulart era popularmente conhecido — foi impedido
de assumir a plenitude do poder, submetendo-se às novas regras do
parlamentarismo, instituído por meio de uma emenda constitucional,
fruto de manobras políticas dos setores conservadores do poder.
Quando, porém, um plebiscito restituiu ao presidente a plenitude
do comando do governo, em janeiro de 1963, os acontecimentos
tomaram um novo rumo. É que nesse momento ganhava força a
mobilização popular em torno do plano das Reformas de Base — um
6
conjunto de ações governamentais que deveriam promover a reforma
agrária, a reforma urbana, a reforma fiscal e a reforma bancária, entre
outras. O objetivo geral dessas ações era garantir a continuidade do
desenvolvimento econômico, ampliando o mercado interno, e aten-
der às demandas populares, que eram cada vez maiores.
Para completar o cenário que antecedeu a deposição de João
Goulart, é importante acrescentar mais dois aspectos. O primeiro
refere-se ao apoio que o PTB, partido de Jango, havia recebido do
Partido Comunista Brasileiro (PCB), uma vez que os ideais nacionalis-
tas e a defesa da modernização industrial desvinculada dos interesses
econômicos norte-americanos eram pontos comuns em ambos os
partidos. O PCB acreditava que, ao apoiar o desenvolvimento políti-
co-econômico do país, expandindo as relações capitalistas em todos
os setores da economia, estava criando as condições para que, no
futuro, a revolução socialista ocorresse. A adesão dos comunistas ao
programa de reformas consolidou ainda mais a aliança, a despeito das
divergências entre os militantes das duas agremiações. Para os setores
conservadores, sobretudo os latifundiários, banqueiros e industriais,
além de empresários ligados às multinacionais, essa aliança e mesmo
as Reformas de Base eram muito malvistas, pois eram entendidas
como a implantação do comunismo no país.
O segundo aspecto a ser acrescentado é que o sucesso da Re-
volução Cubana (em 1959), ao tornar realidade o sonho da experiên-
cia socialista na América Latina, passou a representar uma ameaça
para a influência norte-americana no continente. Assim, a política
externa dos Estados Unidos estava orientada para impedir a ocorrên-
cia de conflitos e revoltas sociais (de inspiração socialista) que
implicassem qualquer mudança na ordem interna dos países sob sua
influência.
Assim, os últimos meses do governo Goulart foram marcados por
muitas tensões. Até mesmo alguns setores da esquerda aumentavam
suas críticas ao governo, acusando-o de tímido ou de reformista,
quando, para eles, a saída seria a radicalização através da revolução
popular. Jango se viu, então, pressionado pela esquerda e pela
direita, ou seja, pelos pólos antagônicos que formavam o “pacto
político” da democracia populista. Sem poder atender completamen-
te às exigências de ambos, o governo foi se tornando indeciso e fraco,
enquanto boa parte das elites civis e militares conspirava contra
Jango. Diante da crescente mobilização popular em torno das Refor-
mas de Base, as correntes que defendiam a derrubada do governo
7
pela força ganhavam cada vez mais adeptos, sobretudo entre a classe
média, cujo grande medo era que O “comunismo” viesse junto com as
Reformas. Diga-se de passagem que esse conservadorismo da classe
média será um dos pilares de apoio do golpe que logo ocorreria.
O agravamento da crise socioeconômica e a crescente organiza-
ção dos trabalhadores na forma de movimentos sociais e sindicais
eram entendidos pelas elites como sinônimos de fraqueza do gover-
no, incapaz de controlar a instabilidade econômica e os conflitos
sociais. Para perturbar ainda mais a conjuntura política do Brasil, o
governo Jango, dependente do apoio das elites (sobretudo aquelas
ligadas ao PSD), estava impedido de radicalizar sua política de
reformas, para atender às reivindicações dos trabalhadores. Se o
fizesse, perderia parte importante daquele apoio, fato que efetiva-
mente ocorreu, aliás, mesmo sem a radicalização do governo.
Cercado pelos conspiradores e prisioneiro de seus próprios
limites, já que identificado com um sistema democrático-populista, o
governo Jango foi derrubado pelo golpe militar de 1964, o que não
implica afirmar que toda a sociedade brasileira tenha se rendido ao
golpe e ao regime imposto. O Brasil entrava, assim, na era do “regime
militar”, que não só afetou a face política do país como acabou por
transformar outros aspectos da vida nacional.
O golpe de Estado
8
b) Oposição militar: esse núcleo também remonta à decada de 50 e
foi atuante ao longo da crise de 1954. Compartilhando um
anticomunismo radical com um alinhamento com os “interesses
ocidentais”, representados pelos Estados Unidos da América, esse
setor militar conspirativo se fortaleceu sobretudo quando a hierar-
quia e os interesses das Forças Armadas se viram ameaçados pela
política populista. A crescente politização dos quartéis, entre 1963
e 1964, quando a tropa fez uma série de reivindicações de
participação política (por exemplo, o direito ao voto), levou
diversos comandantes militares a engrossar esse núcleo.
O núcleo ligado ao Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES)
foi criado em 1962, pelo general da reserva Golbery do Couto e
Silva. Além de articular a conspiração dos setores militares —
ligados à Escola Superior de Guerra (ESG) — e empresariais —
oriundos principalmente das empresas multinacionais instaladas
no Brasil, que se viram ameaçadas pela política nacionalista —, o
IPES foi o responsável pela elaboração de um projeto político
alternativo à democracia populista. Tal projeto, que se tornaria
mais claro nos anos seguintes ao golpe, era baseado nos princí-
pios da Doutrina de Segurança Nacional: crescimento econômico
dentro do capitalismo internacional, controle da sociedade civil
por parte do Estado (para evitar que os conflitos levassem a
revoluções sociais), racionalização da administração do Estado
(evitando que as pressões das camadas assalariadas interferissem
nas políticas públicas). A Doutrina de Segurança Nacional foi
criada pelos estrategistas norte-americanos após a Segunda Guer-
ra Mundial e apresentada aos militares da América Latina, tendo
como objetivo básico conter a ação dos “comunistas” na vida
política dos países subdesenvolvidos. Esse núcleo conspirativo,
segundo o cientista político Rene Dreifuss, foi o responsável pela
sistemática desestabilização do governo Goulart, através da pro-
paganda de massa e outras ações coordenadas.
10
difícil, porém, controlar todos os líderes conspiradores, cada qual
motivado por interesses próprios a derrubar o presidente. Em 28 de
março, o governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto (um dos
donos do extinto Banco Nacional), reuniu-se com o general Olímpio
Mourão, comandante da IV Região Militar (sediada em Minas Gerais),
e resolveram antecipar o golpe, pois queriam ser os primeiros a
colher os frutos da vitória. Na madrugada de 31 de março, o general
Mourão ordenou que suas tropas marchassem para o Rio de Janeiro.
No dia seguinte, o general Amaury Kruel fazia o mesmo em São
Paulo, depois de uma breve hesitação.
José de Campos
E e M nba = ” i a
11
Num documento “entregue” em 31 de março ao presidente da
República, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, general Pery
Bevilacqua, assumia o movimento:
E.
da grave crise de autoridade que, nos dias que correm, forma,
com a crise inflacionária, um círculo vicioso, a um tempo causa
e efeito dos males que assoberbam a vida do nosso povo. A
ignomínia de uma ditadura comuno-sindical paira sobre a Na-
ção Brasileira [..] a segurança do Governo e das instituições
democráticas só pode repousar nas Forças Armadas. Não é possi-
vel, neste terreno, a coexistência pacífica do Poder Militar com o
“poder sindical” subversivo e fora da lei (apud IANNI, O. p. 141). E
12
mm — id sd dns To
É t5 a
4
José de Campos
«
O presidente
João Goulart,
derrubado pelo
golpe militar de
1964, nos seus
últimos
momentos em
solo brasileiro.
13
SE desafios do novo regime
As vrearticulações políticas e a
institucionalização do golpe
15
|
aceitável pelas elites políticas
oca
e econômicas que apoiaram
o golpe. O apoio de impor-
sos
tantes líderes civis, como La-
cerda e Juscelino, ampliava
ainda mais a legitimidade do
TOO
novo governo. A não-extin-
ção dos partidos políticos e a
manutenção do Congresso e
da Constituição de 1946 cria-
vam uma fachada legalista,
TS
importante perante a opinião
pública.
Contudo, a promulga-
ção do Ato Institucional nº 1
)
(AJ-1), em 9 de abril de 1964,
dava início à era dos Atos
Institucionais, que só termi-
j
naria em 1978, demonstrando
como o legalismo golpista era
artificial. O Al-l, elaborado
por Francisco Campos (o re-
dator da Constituição fascista PE | | o a
do Estado Novo em 1937), O marechal Castelo Branco,
deveria vigorar até 31 de ja- líder dos golpistas.
neiro de 1966. Estabelecia
uma série de medidas de controle da sociedade e dos poderes
Be
públicos por parte do Executivo (ou seja, o governo federal), tais
como: o poder de cassar os direitos políticos dos cidadãos, decretar
estado de sítio (suspensão dos direitos individuais e concessão de
plenos poderes às forças de repressão policial), controlar o Congres-
so Nacional. Por outro lado, marcava a data das próximas eleições
presidenciais: 3 de outubro de 1965, que acabaram não acontecendo.
Em vista disso, aqueles que inicialmente apoiavam Castelo Branco,
como Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda, então os principais
candidatos à Presidência, deixaram de acreditar na transitoriedade do
novo governo militar. Logo perceberam que a revolução tinha vindo
para ficar. Aliás, Juscelino foi cassado poucos meses após o golpe
militar, causando mal-estar mesmo entre os setores conservadores da
sociedade.
16
As primeiras medidas da política
econômica e o controle sobre a
sociedade
19
estudantes se tornaram o foco principal da oposição da sociedade
civil ao regime militar.
ER
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et
processo
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O controle do 1
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político-eleitoral pone e
20
A institucionalização
do regime militar e a
sociedade civil
O Estado de
Segurança Nacional
21
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a
ud
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Ra
A,
a
A
is
territoriais; b) como consequência, o inimigo da nação poderia estar
dentro do território nacional, professando, sub-repticiamente, uma
ideologia inimiga e ameaçadora da ordem; c) a estratégia para
combater o inimigo interno e externo deveria ser global, isto é,
política, militar e econômica; d) o desenvolvimento nacional, portan-
to, reforçava a segurança interna, ao passo que a segurança interna
era a condição básica do desenvolvimento nacional; e) segurança e
desenvolvimento eram vistos como “Objetivos Nacionais Permanen-
tes”, incompatíveis com o liberalismo político que havia norteado a
relação dos Estados modernos com a sociedade civil; ) logo, o Estado
não deveria ceder às pressões dos grupos sociais em conflito, mas
garantir os Objetivos Nacionais Permanentes, vigiar e reprimir tais
conflitos, que poderiam ser explorados pelo inimigo interno para
desestabilizar a nação; g) o poder político do Estado deveria estar
centralizado numa instituição de caráter nacional, hierárquico e
disciplinado, vista pelos ideólogos dessa doutrina como “neutra” e
“acima dos interesses localizados” — as Forças Armadas.
Na prática, os princípios da Doutrina de Segurança Nacional,
acima resumidos, significaram a militarização do Estado nacional e a
vigilância constante sobre qualquer cidadão que pudesse se constituir
em inimigo interno “a serviço do comunismo internacional”. O
Estado, em vez de ser o administrador dos conflitos sociais, dentro
dos princípios da democracia, passou a ser o repressor dos grupos
sociais insatisfeitos com a política vigente. Além disso, as Forças
Armadas nunca foram uma instituição acima dos interesses localiza-
dos: não só sofriam pressão dos grandes grupos econômicos (os
principais beneficiários da política econômica do regime) como
também foram palco de lutas internas que ameaçaram a unidade e a
hierarquia, tão caras aos militares. No fundo, essa doutrina servia de
base para uma opção política autoritária das elites dos países capita-
listas dependentes (aqueles menos desenvolvidos) dentro do contexto
da Guerra Fria, que dividia o mundo em dois sistemas opostos,
liderados pelos Estados Unidos, de um lado, e pela União Soviética,
de outro.
Apesar de ter passado para a história como um período liberal do
regime militar, o governo Castelo Branco realizou de fato o aprofun-
damento da institucionalização autoritária e a sistematização legal da
Doutrina de Segurança Nacional. O objetivo era impedir, a médio e
longo prazos, a volta do poder civil e, ao mesmo tempo, atender às
pressões dos quartéis.
Lembremos que, entre os diversos grupos de pensamento dentro
das Forças Armadas, havia dois tipos básicos em constante conflito ao
longo dos 21 anos de regime militar: os generais ligados ao chamado
“sistema”, articulados em torno da ESG, das Escolas Militares, da bu-
rocracia militar, e a oficialidade que comandava mais diretamente os
quartéis e tropas, que era conhecida como “linha dura” por desejar a
militarização completa do Estado e o controle repressivo permanente
sobre a sociedade. Conforme o cientista político João Roberto Martins
Filho, tais grupos não podem ser vistos simplesmente como “modera-
dos” e “duros”, uma vez que traduzem uma complicada dinâmica
política interna à instituição militar, durante o regime imposto em
1964. A diferença entre eles estava na forma pela qual encaravam o
papel do Exército dentro do sistema político. Era principalmente nos
momentos de sucessão presidencial que as diferenças acabavam vin-
do a público, revelando os vários matizes do pensamento político das
Forças Armadas, todos eles, porém, de fundo autoritário.
23
convocando extraordinariamente o Congresso Nacional e regulando
suas atividades, visava garantir a aprovação da nova Constituição
Federal. A nova Carta sofreria duras críticas por parte dos liberais, e
até daqueles que haviam conspirado contra o governo Goulart. O
ponto mais polêmico era o aumento do poder do Executivo, em
detrimento dos outros poderes constitucionais.
Em novembro de 1966, antigos simpatizantes do golpe militar,
Jiderados por Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek, lançaram a
Frente Ampla, uma entidade suprapartidária de oposição civil. Apesar
das divergências, aproximaram-se do ex-presidente João Goulart,
exilado no Uruguai. Lá, firmaram o Pacto de Montevidéu, um acordo
para superar as antigas divergências e unificar a oposição civil ao
regime que se consolidava. Até abril de 1968, quando de sua
dissolução pelo governo, a Frente Ampla não havia conseguido
ampliar suas ações para O conjunto da sociedade civil, permanecendo
restrita ao apoio de alguns setores da burguesia nacional.
Mas as dissidências não ocorriam só da parte dos antigos aliados
civis. Em maio de 1966, o general Olímpio Mourão Filho, por meio de
um depoimento distribuído à imprensa, rompia publicamente com o
governo. Os militares perdiam o apoio daquele que havia iniciado o
movimento militar,
As expectativas da oposição civil acabaram sendo catalisadas
pelo movimento estudantil. A Reforma Universitária proposta pelos
militares não agradava nem às lideranças nem a amplos segmentos da
massa estudantil. Em setembro de 1966, a questão estudantil explodiu
na forma de protestos de rua. Às reivindicações específicas da
categoria juntaram-se palavras de ordem mais amplas, que exigiam
“liberdades democráticas”. No dia 22 de setembro de 1966, o movi-
mento estudantil convocou o Dia Nacional de Luta contra a Ditadura,
ocasionando vários conflitos com a polícia nas principais cidades do
país. Daí até o final de 1968, o movimento estudantil se tornaria O
grande ator político da oposição, atuando como protagonista em
vários protestos de rua, além de fornecer o maior número de
voluntários para os movimentos guerrilheiros que então se organiza-
vam para combater o regime.
Se em 1964 a maior parte da imprensa liberal, composta pelos
grandes jornais diários, apoiou o golpe, a Lei de Imprensa, decretada
no início de 1967, causou grande mal-estar entre os jornalistas e entre
os próprios donos das empresas jornalísticas. A edição final da lei
acabou acatando algumas modificações propostas pela imprensa, mas
24
isso não dissipou por completo o mal-estar causado pela imposição
do decreto governamental. Mesmo longe da radicalização da oposi-
ção estudantil, a imprensa passou a dar mais espaço para as críticas
ao governo e ao regime. O jornal carioca Correio da Manhã chegou a
publicar um manifesto contra essa lei, em 3 de janeiro de 1967. Geral-
mente, a imprensa liberal tentava interferir no processo político, suge-
rindo a liberalização do regime, sem usar argumentos que pudessem
provocar a linha dura. Essa forma de oposição liberal, dúbia e conci-
liadora, foi mantida até a saída dos militares em 1985. Essa posição
ambígua da grande imprensa é explicável: se a repressão política
desagradava aos liberais, nem sempre a política econômica lhes era
desfavorável. Além disso, enquanto porta-voz do liberalismo, temia
que a radicalização das críticas fortalecesse a oposição de esquerda.
Outro pólo importante na oposição ao regime militar foi consti-
tuído pelos artistas. A sociedade civil brasileira encontrou em muitos
deles um canal de expressão contra o regime. Boa parte do público
desses artistas era constituída de jovens e estudantes ativistas, o que
favorecia a inclusão de temas políticos nos produtos culturais em
circulação. O teatro, através do show Opinião (estreado no Rio de
Janeiro em novembro de 1964), reafirmou, simbolicamente, a aliança
de classes derrotada com Goulart: um “favelado” (Zé Keti), um
“camponês” ( João do Valle) e uma “classe-média de esquerda” (Nara
Leão) alternavam músicas e anedotas contra o regime. Na música
popular, surgiram os festivais da canção, patrocinados pelas TVs Excel-
sior, Record e Globo, que acabaram se tornando centros de verdadeiros
debates musicais, ao premiar canções politizadas e críticas ao regime,
como Disparada (1966) e Caminhando — Pra não dizer que não falei
das flores (1968), de Geraldo Vandré; Arrastão (1965) e Ponteio (1967),
de Edu Lobo; e Roda Viva (1967), de Chico Buarque. A música popular
e o teatro, aliás, seriam as maiores vítimas da censura cultural imposta
a partir de 1969. No cinema, Glauber Rocha consagrava-se com Deus e
o Diabo na Terra do Sol (1964) e Terra em transe (1967), obras que
problematizavam as lutas populares e as contradições da democracia
populista, deposta em 1964. Na literatura, coube destaque a Antônio
Callado, com seu romance Quarup (1967), no qual se narra a trajetória
de um padre que, em viagem pelo interior do Brasil, após sofrer um
processo de conscientização, descobre um novo sentido político e
existencial para sua vida nos valores e nas lutas do povo.
Ao mesmo tempo que redimensionavam, através das suas obras,
os valores políticos e ideológicos herdados do período pré-golpe, os
25
EEPe
artistas engajados serviam como porta-vozes de importantes parcelas
da sociedade civil. Paralelamente, a circulação de obras mais críticas
ame
e comprometidas expressava um conjunto de insatisfações em rela-
ção à ordem vigente, forjando uma contundente cultura de oposição
que sobreviveria, até mesmo, ao furor da censura.
a
realidade da repressão
e
Empossado em 15 de março de 1967, o marechal Artur da Costa e
Silva vinha de uma “corrente” diferente da de seu antecessor, o mare-
chal Castelo Branco. Considerado mais nacionalistae menos alinhado
à política externa norte-americana, o novo presidente chegou a pro-
vocar uma expectativa positiva por parte de alguns opositores. Entre
os políticos civis acreditava-se que esse “nacionalismo militar” traria
consigo maior liberdade política, por se tratar de uma corrente contra
a doutrina disseminada pela ESG, de linha castelista. Segundo o cien-
tista político João Roberto Martins Filho, o presidente Costa e Silva
estava cercado de, pelo menos,
quatro grupos militares: a) os cas-
ai te
A GAR
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RE AMME E " Mm
26
RE CR
27
pelo legendário Luís Carlos Prestes, insistia na formação de uma
frente democrática (que incluía setores da burguesia liberal) contra a
ditadura, atuando por vías pacíficas pela derrubada do regime militar.
Por não concordarem com essa linha, muitos dirigentes resolveram
sair do PCB e fundar seus próprios grupos. Carlos Marighela, após
participar da assembléia da Organização Latino-Americana de Solida-
riedade (OLAS) em Havana (Cuba), fundou a Ação Libertadora
Nacional (ALN). A proposta básica da ALN era iniciar um processo de
guerrilha urbana a fim de conseguir recursos para a formação de uma
guerrilha rural, base de um futuro “Exército de Libertação Nacional”,
que deveria derrubar o regime.
Outro grupo importante, fruto de uma dissidência do PCB ocorri-
da antes do golpe, em 1962, era o Partido Comunista do Brasil
(PCdoB). A partir de 1967, inspirado em outro tipo de tática revolu-
cionária, o PCdoB decidiu montar uma base guerrilheira na região do
Araguaia, enviando para lá mais de sessenta guerrilheiros. A idéia do
PCdoB era a de explorar os conflitos pela posse da terra, comuns na
região, e organizar um exército camponês que deveria desencadear
uma “guerra popular prolongada”, criando “zonas liberadas”, até a
derrubada do governo central e do regime vigente. A base guerrilhei-
ra foi localizada por volta de 1972, quando o governo passou a
desencadear uma verdadeira operação de guerra no Araguaia, dizi-
mando os últimos guerrilheiros por volta de 1975.
Outros grupos foram surgindo entre 1967 e 1968, e também
foram importantes na tentativa da derrubada do regime pela via
armada: o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), o
Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e a Vanguarda
Popular Revolucionária (VPR), cujo membro mais conhecido foi o
capitão Carlos Lamarca, que em abril de 1969 desertou do quartel
de Quitaúna, em Osasco (SP), levando consigo um caminhão
carregado de armamentos. Apesar de muito divididos pelas diferen-
tes análises teóricas sobre o caráter da revolução brasileira e pelas
táticas e estratégias de luta que julgavam ser as mais corretas, OS
diversos grupos de esquerda conseguiram provocar algum impacto
na opinião pública pelos assaltos a bancos (para angariar fundos
para a guerrilha) e pelos sequestros de diplomatas estrangeiros.
Nesse particular, a ação mais ousada foi o sequestro do embaixador
norte-americano pelo MR-8, em 1969. Normalmente tais sequestros
também eram uma forma de libertar companheiros presos, reestru-
turando, assim, a organização.
28
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Iconographia
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AJU D E A P R O T E G E R
S U A V I D A E A D E
SEUS FAMILIARES
Cartaz distribuído pelo governo com fotos de "terroristas" procurados. O primeiro rosto,
no canto superior esquerdo, é de Carlos Lamarca, um dos guerrilheiros mais conhecidos.
29
A luta armada, patrocinada pelos diversos grupos de esquerda,
foi uma forma de resistência contra O regime que não se expandiu
pela sociedade com a rapidez que imaginavam seus ideólogos. A
violenta reação do governo foi um dos fatores da derrota, mas não o
único. Até hoje a esquerda brasileira tenta avaliar sua “dupla derrota”,
em 1964 e 1968. Alguns dizem que a primeira derrota deveu-se ao
legalismo e ao pacifismo, enquanto a segunda foi devida à clandesti-
nidade e ao sectarismo dos diversos grupos, que não conseguiram
realizar um trabalho de conscientização das massas e dispersavam
suas forças, fragmentando-se, enquanto o governo os enfrentava de
forma unificada e centralizada. Outras análises procuram enfatizar O
momento inoportuno escolhido pelas organizações de esquerda para
desencadear a luta armada, pois o governo, ao controlar a crise
econômica capitalista, passou a desfrutar de prestígio junto a grande
parte da população, enquanto as organizações populares estavam
reprimidas, o que dificultava o trabalho de massas. O historiador
Daniel Aarão Reis Filho chega mesmo a sugerir que a
“revolução faltou ao encontro” (aliás, título do seu
livro sobre esse tema). Segundo o autor — que
discorda da idéia de que a esquerda brasileira era
fraca e desorganizada —, foi a sociedade que não
abraçou a causa revolucionária. Os grupos esta-
vam organizados e preparados para a ação, mas
Hamilton Correa/Agência JB
30
Em 19668, o movimento estudantil viveu um momento de
efervescência. Na foto, Vladimir Palmeira, um dos
líderes do movimento, discursa numa assembléia.
31
va sua presença contra O regime
Iconographia
militar, no evento conhecido
como “Passeata dos Cem Mil”.
Esse evento atingiu tais propor-
ções que foi formada uma co-
missão (escolhida durante a ma-
nifestação) para ter uma audiên-
cia com o próprio marechal Cos-
ta e Silva, visando negociar a
libertação dos estudantes presos
nos dias anteriores e a reabertura
do restaurante Calabouço. Mas O
que estava por trás dessas reivin-
dicações específicas era a luta
ampla contra o regime militar. E
O governo sabia disso.
Os dias de outubro de 1968
foram fatais para o movimento
estudantil. Nos dias 2 e 3. um
conflito público de grandes pro-
porções colocou em confronto
direto os estudantes da Faculda-
de de Filosofia, Ciências €& Letras
da Universidade de São Paulo.
identificados com a esquerda, e
os alunos da Faculdade Macken-
zie, sede do Comando de Caca
aos Comunistas (CCC). Os dois
prédios, vizinhos, localizados na
rua Maria Antônia, no centro da
capital paulista, se transforma-
ram em verdadeiros quartéis. O
conflito terminou com a ocupa-
ção policial e a destruição do
prédio da USP, deixando como
saldo a morte de um estudante
secundarista e dezenas de feri
59
sucessória para a Presidência da República, que se tornaria mais
acirrada após a doença e o consequente afastamento de Costa
e Silva,
em agosto de 1969.
Com o afastamento de Costa e Silva. uma junta milita
r Ocupou
provisoriamente o poder, a fim de impedir a posse do vice-presiden-
te, o civil Pedro Aleixo (opositor do AI-5). Por mei
o de uma emenda
à Constituição, novas regras institucionais foram estabelec
idas para a
sucessão presidencial: um militar, e não um civil. ocuparia
a Presidên-
cia. Prevalecia, assim, a vontade do Alto Comando
Militar, e a disputa
sucessória se daria exclusivamente no meio militar.
Nesse contexto, Albuguerque Lima — porta-voz da
corrente
nacionalista e ministro do Interior — entrou em
conflito com o
general Lira Tavares, ministro do Exército. ligado ao
castelismo e à
ESG. Em meio a tal disputa, o nome que acabou sendo escolh
ido, por
votação direta entre os generais do Alto Comando,
foi o de Emílio
Garrastazu Médici. Médici — além de ser o general de mai
or patente
entre os pré-candidatos — pertencia ao grupo palaciano,
que havia
apostado no fechamento político do Estado para favorecer-se
no jogo
sucessório e conquistar a simpatia dos quartéis, cujos co
mandantes
exigiam uma repressão mais eficaz contra os subversivos.
Começavam os “anos de chumbo”.
en
O general Emílio
Garrastazu Médici,
presidente entre
1969 e 1974.
O
SH Os “anos de chumbo”
— repressão política e
crescimento econômico
55
A esquerda dita “revolucionária”, cuja gênese vimos no capítulo
anterior, havia conseguido realizar, até o fim de 1969, algumas ações
ousadas e constrangedoras para o governo. Marighela (ALN) e
Lamarca (VPR) eram os guerrilheiros mais conhecidos pelo público e
também os mais procurados pelas forças de repressão. Marighela
comandava a guerrilha urbana (primeira fase de sua estratégia) e
Lamarca montou um foco de operação no vale do Ribeira (SP). O
primeiro foi morto numa emboscada, em plena região central
da
cidade de São Paulo, e o segundo, após escapar de um enorme cerco
no vale do Ribeira, fugiu para o interior da Bahia, onde foi capturado
e morto em 1971. Nesse mesmo ano, com o cerco dos guerrilheiros
do PCdyl3 no Araguaia, a luta armada estava praticamente derrotada:
a muior parte dos grupos (constituídos por dezenas de grandes e
pequenas organizações) estava desmantelada, e seus membros esta-
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4
vam presos, mortos ou no exílio.
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Em pouco mais de três anos, o regime militar não só havia
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cotada Pa tp SO,
vencido a guerra revolucionária como também fechara o cerco sobre
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toda a sociedade organizada. A declaração do coronel Fiúza de Castro
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(criador do Centro de Informações do Exército) ilustra bem esse fato:
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“Nós vamos organizar um martelo-pilão para matar uma mosca,
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o diabo é que espanadores do DOPS não vão mais adiantar. Talvez
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não seja uma boa solução, mas a mosca será esmagada” (apu
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Ventura, Z. p. 187). Nas metáforas
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do coronel,
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a “mosca” eram os
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grupos guerrilheiros; os “espanadores” eram os vários Departamentos
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CR ,Pas
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de Ordem Política e Social (DOPS), ligados às polícias estaduais;
O
“martelo-pilão” era a “comunidade de informações”, conjunto dos
órgãos de repressão política. Construía-se, assim, o que mais tarde
seria chamado de “o círculo do medo”, cujo objetivo estratégico era
a
despolitização da sociedade (pois o outro pólo da vida nacional,
o
Estado, já estava sob controle desde o golpe), desmobilizando
qualquer manifestação contrária às políticas vigentes.
As siglas que designavam os diversos órgãos de info
rmação
(espionagem interna) e repressão eram muitas: Serviço Naci
onal de
Informações (SND), criado em 1964, objetivando ser uma asses
soria de
espionagem do governo; Centro de Informações da Marinha
(CENI-
MAR), mais antigo, modelo para outros centros,
como o Centro de
Informações do Exército (CIEX) e o Centro de
Informações da
Aeronáutica (CISA), criados respectivamente
em 1967 e 1968. Tais
órgãos pareciam, entretanto, ineficazes no combate
à guerrilha, pois
atuavam de forma pulverizada e no âmbito
da instituição militar à
36
ma
37
dotada de métodos sistemáticos. Equipes especializadas, com
assessoria de psicólogos e médicos, infligiam ao preso imobili-
zado uma série de violências previamente estudadas (aprendidas
em cursos com aulas práticas), cujo objetivo era fazer com que ele
chegasse ao limite da dor física e da humilhação moral. As sessões
se repetiam diariamente, com violência crescente. Inclufam diversas
técnicas, utilizadas alternadamente sobre uma mesma pessoa: es-
pancamentos, afogamentos, choques elétricos em
RESTA IE
partes sensíveis,
isolamento do preso em locais inóspitos, e outras. Nos casos mais
extremos, alguns presos (e presas sobretudo) sofreram estupro
deEr DEE
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coletivo dos torturadores e empalamento (introdução de objetos
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perfurantes no intestino pela via anal). Tudo isso executado em
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nome da “ordem”
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“bons costumes”, por profissionais pagos
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com dinheiro público. A triste história dos porões do regime militar
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está muito bem contada e documentada no livro Brasil: nunca
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mais, escrito com base num estudo da Comissão de Justiça e Paz
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da Arquidiocese de São Paulo.
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1
Quando um preso morria sob tortura, geralmente depois de ser
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detido ilegalmente, sem mandado de prisão, por agentes sem identi-
e
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ficação, era providenciado o seu “desaparecimento”. O processo era
o seguinte; ou o corpo era jogado no mar ou enterrado numa vala
comum, misturado a outras ossadas. Os presos oficialmente dados
como mortos eram enterrados em caixões lacrados, com atestados de
óbito que falsificavam a causa mortis. Oficialmente, a maioria dos
presos mortos “resistiu à voz de prisão, reagiu e foi baleado”, como
atestam documentos forjados.
A comunidade de informações — um
poder paralelo
38
a e Cr
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Tabela 1:
200 +
150 +T
0 Le l —+
1964 1966 1968 1970 1972 1974 1976 1978 1980 1982 1984
Tabela 2:
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59
ao poder, tentaram aproximar-se delas e beneficiar-se do seu amplo
espectro de ação. Além disso, muitos agentes, aproveitando-se
dessa autonomia de ação, passaram a vender seus Serviços a
criminosos comuns, como traficantes de drogas, quando não se
tornaram eles próprios bandidos. Assim nasceram os “esquadrões
da morte”, outro nome para a velha prática de assassinato sob
encomenda.
As armadilhas do “milagre
econômico”
40
PEC
Es
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ção dos valores dos títulos, compensando as perdas provocadas pela
inflação. Através das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional
(ORTNS), O índice inflacionário era repassado automaticamente a
todos os preços da economia, iniciando um processo inflacionário
auto-alimentado que duraria até recentemente. A partir de 1980, esse
processo saiu do controle: o índice da ORTN, que servia para
atualizar os preços em relação à inflação passada, passaria também a
servir de base para novos aumentos, gerados a partir da expectativa
de inflação futura.
O único valor da economia mantido fora desse reajuste automáti-
co era o da mão-de-obra, ou seja, os salários. Mediante uma legisla-
ção especial, os salários eram reajustados pela média (rebaixada)
anual da inflação. A aplicação dessa política salarial era amplamente
facilitada por uma legislação trabalhista que cerceava a organização
dos trabalhadores e diminuía seu poder de negociação, de luta por
reajustes salariais e ganhos de produtividade.
Através de mecanismos baseados na indexação de preços infla-
cionados, do arrocho e do não-pagamento dos índices de produtivi-
dade aos trabalhadores do setor industrial, o modelo econômico do
regime militar consolidava um processo histórico do capitalismo
brasileiro: a concentração de renda. Enquanto a economia aumenta-
va sua produtividade, a diferença entre os mais ricos e os mais pobres
aumentava de forma acelerada.
A princípio, a constituição de um modelo capitalista baseado na
concentração de renda poderia apontar para um paradoxo: todo
sistema capitalista precisa de mercado consumidor. Em outras pala-
vras, quanto maior o mercado, maior o lucro das empresas, pois elas
passam a vender mais. Portanto, seria lógico aumentar a renda dos
trabalhadores — a maioria da população — para que eles compras-
sem mais mercadorias. Mas essas regras simples não valem para o
modelo capitalista brasileiro, implantado na década de 50 e consoli-
dado pelas políticas econômicas do regime militar.
Esse modelo — baseado no fortalecimento dos grandes oligopó-
lios (setores produtivos comandados por pouquíssimas empresas),
sem concorrência efetiva, voltados para a produção de mercadorias
caras e elitistas — criou um dos capitalismos mais dinâmicos do
mundo, movimentando grandes somas em dinheiro e produtos, A
mão-de-obra, barata e abundante, permitia a produção de mercado-
rias mais baratas que as importadas. Os antigos consumidores (que já
compravam produtos duráveis importados), ao lado da nova
41
classe média (gerada pelos novos empregos criados pelas indús-
trías e serviços que então se instalavam), formavam um mercado
consumidor relativamente limitado, mas garantido. A maioria da
população trabalhadora, tradicional consumidora de bens de con-
sumo não duráveis (roupas, alimentos industrializados, produtos
domésticos), não só permanecia fora desse mercado mais sofisti-
cado, mas também era obrigada a consumir cada vez menos, por
causa da crescente perda de seu poder aquisitivo. Para compensar
esse estrangulamento de mercado interno, o governo passou a
incentivar a exportação de bens de consumo não duráveis e de
alimentos em geral. Com isso, o regime militar habilmente dimi-
nuía a pressão dos industriais desse setor (majoritariamente nacio-
nal), ao mesmo tempo que criava um novo pólo gerador de
divisas. No início de sua implantação, devido à inflação, ainda em
patamares baixos, e ao crédito popular facilitado, os efeitos do
arrocho não foram sentidos.
O que importava, para o sucesso do modelo, era manter os níveis
de consumo do pólo mais dinâmico da economia: o setor de bens
duráveis, capitaneado pela indústria automobilística sediada em São
Paulo. Esse setor, embora não dependesse do mercado de consumo
externo, necessitava do financiamento e das tecnologias estrangeiras.
Além disso, ele não precisava expandir obrigatoriamente seu merca-
do, pois seus lucros eram altíssimos. Nessa época, por mais alto que
fosse o preço de um produto nacional, ele jamais chegaria perto do
valor de um importado, pois o principal custo da produção — a mão-
de-obra — era reduzido. Isso era possível porque, de um lado, os
salários eram baixos, se comparados com os pagos na Europa e nos
Estados Unidos, e, de outro, havia na prática uma reserva de mercado
para as montadoras instaladas no país: a alta tributação sobre os
veículos importados e as constantes desvalorizações da nossa moeda
tornavam praticamente proibitiva a importação de automóveis. Por-
tanto, a fixação dos preços desses produtos não tinha limitações.
No setor agropecuário, a estratégia do governo era promover,
mediante subsídios fiscais e empréstimos a juros baixos, a mecaniza-
ção das grandes propriedades, sem alteração da estrutura fundiária
do país. Com isso, os economistas do regime acreditavam ser possível
produzir mais alimentos (diminuindo o custo da cesta básica do
trabalhador urbano) utilizando menos trabalhadores agrícolas. A
adoção dessa política gerou um excedente de mão-de-obra agrícola
que migrou em massa para as cidades, em busca de emprego na
42
indústria. Esse enorme contingente, formado de candidatos a um
emprego mal-remunerado, fechava o círculo do barateamento da
mão-de-obra, favorecendo os grandes empresários nacionais e multi-
nacionais: como todo preço, o excesso de oferta (nesse caso, de mão-
de-obra) gera o rebaixamento do seu preço unitário (o salário).
A migração em massa, consequência da mecanização do campo,
incrementou o aumento da população urbana, fortalecendo uma
tendência que se delineava desde os anos 50. Entretanto, nenhuma
política eficaz fora criada para administrar os novos problemas daí
decorrentes. Nas cidades, os recém-chegados se amontoavam em
bairros distantes do centro e do trabalho, desprovidos de serviços
básicos (hospitais, moradias e escolas) e de infra-estrutura urbana e
sanitária (transportes, energia, saneamento). Com o tempo, contudo,
esses segmentos passaram a se organizar para reivindicar melhor
qualidade de vida. Na medida em que essas organizações se transfor-
mavam em movimentos sociais, elas acabaram por se constituir num
novo foco de tensão entre o regime, a administração pública e a
sociedade civil.
Resumindo: se, por um lado, o milagre econômico conseguiu
resolver alguns problemas do capitalismo brasileiro, por outro, não
solucionou os problemas sociais, no sentido de gerar melhores
condições de vida e trabalho para a maioria da população. Obvia-
mente, a modernização econômica trouxe consigo muitas riquezas,
mas que acabaram concentradas na parcela socioeconômica mais
alta. Além disso, o endividamento externo e interno e o arrocho
salarial se mostraram problemas quase insolúveis quando os preços e
OS juros internacionais aumentaram a partir da crise do petróleo de
1975. Essa crise — causada pela guerra entre árabes e israelenses, no
Oriente Médio — fez elevar os preços internacionais do petróleo
Unsumo básico da economia capitalista), abalando a economia mun-
dial, Por sua vez, a economia brasileira — grande importadora dessa
mercadoria e financeiramente dependente dos países capitalistas
desenvolvidos — não demoraria a mostrar sua fragilidade: inflação
em alta e crescimento econômico reduzido já a partir de 1974. Tais
consequências se transformariam, nos anos 80, numa crise econômi-
ca sem precedentes, causando recessão, inflação crônica e desempre-
go em massa.
Quando os ideólogos do regime militar se vangloriavam de ter
alçado o Brasil à condição de décima potência capitalista do planeta,
omitiam o fato de que, no mesmo período, o país passava a ocupar os
43
últimos lugares entre os indicadores de qualidade de vida da popula-
ção (acesso à saúde, concentração de renda, mortalidade infantil,
etc.). O que torna a análise histórica ainda mais difícil, nesse caso
, é
que os dois processos não se excluíam, nem eram paradoxais.
Pelo
contrário, o crescimento da economia, dentro desse modelo, alimen-
tou e foi alimentado pelo rebaixamento dos índices sociais.
Esse processo socioeconômico, somado à impunidade dos casos
de corrupção (na medida em que a repressão tornava difícil q
denúncia e a investigação desses casos, sob pena de ser tachado de
“ato de subversão”) e de violência policial, acabou por criar um
conjunto de relações sociais igualmente autoritárias, reflexo e susten-
táculo do Estado de Segurança Nacional.
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1
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Além disso, para muitos jovens da classe média, o milagre econômi-
co representou, efetivamente, o acesso a uma carreira bem-remunerada
nas empresas multinacionais, uma vez que crescera significativamente o
número de postos médios nessas empresas. Um pequeno setor de
operários qualificados se beneficiou com a expansão dos postos de
trabalho e com a demanda por esse tipo de mão-de-obra. A maioria dos
operários, porém, que sempre havia sido superexplorada nas fábricas,
através dos baixos salários e das longas jornadas de trabalho, nada
herdou do regime militar. Para os camponeses, a situação também não
foi diferente de outras épocas. A ênfase repressiva recaífa sobre as
instituições (universidades, escolas, imprensa) e entidades organizativas
(sindicatos, partidos, associações comunitárias). A única instituição que
conseguiu escapar do controle do govemo foi a Igreja Católica, pois
enquanto instituição religiosa internacional estava ligada a outro Estado
(o Vaticano) e, portanto, relativamente protegida das ações repressivas.
Apesar de ter apoiado o golpe, a maioria dos sacerdotes e agentes
pastorais ampliava, desde 1968, o espaço de resistência ao regime militar,
a partir de suas atividades comunitárias.
Apesar da indiferença, ou mesmo satisfação, de um amplo
segmento da sociedade em relação ao governo Médici, o círculo do
medo transformou-se na experiência básica de muitos brasileiros,
politicamente conscientes ou não. Mesmo para as classes trabalha-
doras, para as quais a repressão policial foi constante na história
do Brasil, o AI-5 inaugurava uma nova etapa, mais terrível ainda.
Mas para a geração crescida nos anos 70 — conhecida como
“geração AI-S” — foi uma experiência de alienação, de medo em
participar da vida em sociedade e de impotência diante dos rumos
da vida nacional. Mas nem tudo era conformismo e passividade.
Na luta contra a censura e a ditadura, concorreram muitos grupos
e indivíduos. Nos anos 70, por exemplo, artistas populares — sobretu-
do aqueles ligados à música, como Chico Buarque de Holanda, Ivan
Lins, Vitor Martins, Gonzaguinha, João Bosco, Aldir Blanc, Milton
Nascimento, Elis Regina, entre outros —, aproveitando-se do próprio
crescimento da indústria cultural no Brasil, tornaram-se porta-vozes
dos valores democráticos e emancipadores, que se contrapunham à
realidade política vigente. Mesmo sob censura, a música popular foi
fundamental para disseminar na sociedade, sob forma poética e
metafórica, o imaginário da liberdade, constituindo-se naquilo que José
Miguel Wisnik chamou de “rede de recados” pela democracia. Na
segunda metade da década de 70, o público desses artistas aumentou
45
consideravelmente, sobretudo entre os jovens da classe média, que
cada vez mais se tornavam atuantes na oposição ao regime.
Mesmo na TV — na qual a Rede Globo se consolidava como um
grande império de comunicação aliado dos governos militares e onde
a censura era muito presente — muitos artistas conseguiram fazer
passar algum típo de crítica. Exemplo disso foi a exibição, com
grande sucesso, do seriado A grande família, escrito por volta de
1973 pelo dramaturgo comunista Oduvaldo Vianna Filho. Nele era
retratada, em tom jocoso, uma típica família da classe média que não
conseguia desfrutar do “milagre econômico”, vivendo em permanen-
te dificuldade financeira.
ÂÀ imprensa escrita, por sua vez, sofreu uma censura mais sistemá-
tica, nem sempre efetivada pelos agentes do governo. Na maioria das
vezes, a censura era feita pelos próprios editores, homens de confian-
ça dos donos das empresas jornalísticas, que recebiam instruções do
governo acerca dos temas que poderiam ou não ser publicados.
Notícias sobre corrupção de altos funcionários, guerrilha, torturas a
presos, críticas à política econômica, greves, entrevistas com líderes
políticos cassados, eram os itens da pauta jornalística mais vigiados e
proibidos. No caso do jornal O Estado de S.Paulo, estabeleceu-se uma
censura prévia muito rígida, como mostra a tese de Maria Aparecida
Aquino, Censura, imprensa, Estado autoritário (1968-1978), na qual
a autora afirma que a ação da censura chegava a ameaçar a distribui-
ção do jornal, pois todo material a ser editado deveria passar antes
pelo censor, o que atrasava o fechamento das edições e a chegada do
jornal às bancas. Esse foi um ponto de conflito permanente entre o
tradicional periódico paulista e o governo. Muitas vezes, para preen-
cher o espaço vazio das notícias censuradas, o jornal precisava
colocar receitas de bolo e poemas de Camões. Ironicamente, O
Estado de S.Paulo havia sido um dos mais entusiasmados defensores
do golpe militar de 1964. Apesar de perseguida e censurada, a
imprensa escrita — sobretudo seus periódicos mais importantes,
como o já citado Estadão, a revista Veja, a Folha de S.Paulo, o Jornal
do Brasil, enue outros — se destacaria no processo de abertura
política como importante interlocutor entre a sociedade civil e O
governo.
Havia, porém, outro tipo de imprensa que começava a se desen-
volver em meados da década de 70, q “Imprensa alternativa”, assim
denominada por publicar jornais econômica e politicamente inde-
pendentes das grandes empresas jornalísticas. O mais fa
moso jornal
46
“nlternativo”, ou “nanico” (também chamado assim porque seu for-
mato era reduzido), foi O Pasquim, criado por alguns humoristas
cariocas em 1969. Conforme Bernardo Kucinski, em Jornalistas e
revolucionários, a grande inspiração para a imprensa alternativa
brasileira foi a revista Realidade, editada pela Editora Abril entre 1966
e 1968, que veiculava tanto matérias sobre comportamento quanto
sobre política (nacional e internacional). Segundo o autor, havia duas
correntes principais do jornalismo alternativo: os jornais que enfatiza-
vam os temas existenciais e comportamentais (cujo maior exemplo
foi O Pasquim, já citado) e os que veiculavam preferencialmente
temas políticos (como Movimento, Opinião, Em Tempo, entre outros).
Essas tendências, porém, não se opunham, antes se complementa-
vam como espaços críticos ao regime.
Se, por um lado, a grande imprensa representava o espaço dos
opositores liberais, frequentemente ligados a parcelas significativas
das elites, por outro, a imprensa alternativa foi o grande espaço de
rearticulação da esquerda brasileira, sobretudo após 1974. Embora
parte de suas organizações tenha sido destroçada na derrota militar
imposta pelo governo, os sobreviventes se juntaram às organizações
mais resistentes à repressão e fizeram dos jornais nanicos seu fórum
de debates privilegiado. Na segunda metade da década de 70, os
jornais alternativos tiveram uma boa aceitação popular, e alguns
números chegaram a vender mais de 100 mil exemplares.
Apesar do controle da expressão do pensamento e da opinião, as
universidades e centros de pesquisa, como o Centro Brasileiro de
Análise e Planejamento (CEBRAP), foram importantes focos de oposi-
ção ao regime. Na década de 70 havia nessas instituições uma grande
efervescência intelectual, estimulada sobretudo pela falência das
explicações tradicionais para a dinâmica política das sociedades em
países subdesenvolvidos como o Brasil. Novos temas entravam para o
debate: a dinâmica do capitalismo dependente, as novas formas de
relação entre Estado e sociedade, os movimentos sociais urbanos, a
questão democrática, entre outros.
47
movimentos sociais. Surgidos a partir das dificuldades sentidas
pelos trabalhadores no dia-a-dia das grandes cidades, tais como
custo de vida alto, dificuldade de encontrar moradia, deficiência de
serviços básicos (transporte, saúde e educação), entre outras, esses
movimentos nasceram no começo dos anos 70. Inicialmente se
expressando de forma tímida e fragmentada, eles acabariam se tor-
nando, cinco anos depois, uma referência política contra a situação
vigente no Brasil ao promover grandes manifestações públicas.
A politização em torno dos problemas urbanos básicos se deu
graças a dois fatores: de um lado, à percepção crescente dos morado-
res organizados de que o poder público municipal ou era incapaz de
reverter uma política econômica maior, ou protegia os interesses de
alguns setores empresariais (como donos de empresas de ônibus,
empresários da construção civil, as grandes imobiliárias, entre outros)
que viviam da exploração dos serviços e dos espaços na cidade. De
outro, o trabalho de organização realizado pela Igreja Católica,
principalmente através das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs),
contribuiu para a politização dos setores populares. A repolitização
da sociedade, a partir da ação dos movimentos sociais, decorreu dos
movimentos de lutas locais e cotidianas, e não da busca de uma
ruptura imediata e total com o sistema.
Conforme Vera da Silva Telles, no artigo “Anos 70: experiên-
cias, práticas e espaços coletivos”, o autoritarismo e o fechamento
político consolidado em 1968 forçaram a “introjeção” dos cidadãos
no mundo cotidiano (já que os espaços públicos tradicionais da
política — parlamento, sindicatos, partidos, imprensa — estavam
fechados). Ainda segundo a autora, muitos militantes de esquerda
optaram por uma espécie de “exílio” voluntário nos bairros distan-
tes das metrópoles, visando continuar seu trabalho político, intima-
mente ligado ao cotidiano urbano. Assim, essas lutas voltadas para
a solução de problemas urbanos básicos acabaram favorecendo a
politização das questões cotidianas, e marcaram profundamente a
década de 70. A política de resistência e a abertura de novas frentes
de atuação coletiva transformariam os espaços do dia-a-dia em
espaços públicos de reorganização política e oposição ao regime.
Assim, bares (locais de divertimento) e igrejas (locais de culto
religioso) foram utilizados para reuniões e encontros, onde proble-
mas comuns de trabalho e moradia eram discutidos coletivamente.
Num momento de grande repressão, essas pequenas ações assumi-
ram um papel importante na luta pela democracia.
48
Os movimentos de base, como também eram chamados, agluti-
naram vários tipos de militantes: esquerdistas oriundos dos grupos
desarticulados pela repressão, moradores que se destacavam como
líderes comunitários, sindicalistas que estavam impedidos de exercer
à atividade sindical, padres e agentes pastorais filiados à Teologia da
Libertação (conjunto de idéias nascidas nos anos 60 que procuravam
dar um sentido mais social e político à mensagem do Evangelho
cristão). As CEBs, surgidas em 1969, embora estivessem ligadas
formalmente à Igreja Católica, abrigavam todo tipo de militantes e
incentivavam a discussão de temas de interesse coletivo. As reuniões
eram iniciadas com a leitura de um texto religioso, seguida de uma
discussão sobre os problemas concretos da comunidade. Depois
desse processo, em que todos podiam declarar sua opinião, buscava-
se uma forma de ação coletiva, viável e segura (por exemplo, um
abaixo-assinado, uma audiência com os poderes públicos ou um ato
público em frente à prefeitura).
O governo não via com bons olhos esse tipo de movimentação,
mas a aparente banalidade das reivindicações (escolas, creches,
linhas de ônibus, postos de saúde) e a proteção da Igreja Católica
dificultavam uma repressão mais contundente.
O Movimento do Custo de Vida (MCV) foi um exemplo de
como uma pequena ação localizada acabou por se articular com
outras e formar um poderoso movimento social. Em fins de 1971,
numa distante paróquia da periferia de Santo Amaro, na zona sul
de São Paulo, duas freiras propuseram a criação de um “clube de
mães”. Inicialmente, apenas cinco mulheres resolveram investir na
idéia. Já na primeira reunião, em janeiro de 1972, cerca de 46
donas de casa compareceram, dividindo suas atividades entre o
aprendizado de tarefas domésticas, leituras de textos cristãos e
discussão sobre problemas cotidianos (como o custo de vida). A
cada reunião, realizada semanalmente, comparecia um número
maior de pessoas. Outros clubes de mães foram surgindo e discu-
tindo prioritariamente o tema “custo de vida”, já que eram as
mulheres que experimentavam, como donas de casa, o problema
de administrar o pequeno orçamento familiar,
Em 1973, no auge do milagre econômico, um desses clubes
produziu um documento intitulado “A situação da classe trabalhado-
ra”, distribuído de casa em casa, em vários bairros de trabalhadores, e
acompanhado de uma pesquisa sobre os preços dos gêneros básicos.
Em 1975, o documento inspirou a criação de um movimento organi-
49
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fim a
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a
zado que reuniu mais de setenta clubes e outros movimentos sociais
Em 20 de junho de 1976, o Movimento do Custo de Vida reuniu mais
de 4 mil pessoas, numa assembléia realizada no pátio de um colégio
católico, e apresentou um abaixo-assinado contra a carestia. Esse
documento continha mais de 18 mil assinaturas e exigia o congela-
mento dos preços. Ao longo de dois anos, o movimento cresceu e
passou a elaborar um discurso mais estruturado e politizado. Conse-
guiu realizar em 1978 uma assembléia gigante na Praça da Sé, na qual
cerca de 20 mil pessoas entregavam às autoridades, simbolicamente,
o abaixo-assinado de 1976, contendo então mais de 1,2 milhão de
assinaturas.
A trajetória do MCV traduz o espírito da nova resistência civil
construída nos anos 70. Representava a sociedade auto-organizada,
atuando politicamente fora dos partidos, sem lideranças das elites
tradicionais, sem os grandes projetos utópicos da esquerda “orto-
doxa”. Nesse sentido, era o nascimento de uma nova forma de
participação política, diferente da tradição da democracia populista
da década de 50 e parte da de 60, que favorecia a barganha entre
a comunidade de eleitores e as elites políticas tradicionais. Surgiu
uma outra noção: a de direitos coletivos, base da cidadania. Nos
anos 70, a novidade dos movimentos sociais consistia na percepção
de que não se deveria trocar os direitos por votos, mas exigir que
esses fossem respeitados.
Preocupados com a manutenção da estabilidade do regime e
com as pressões sociais que então se renovavam, os altos escalões
do regime, em meados da década de 70, elaboraram outra estra-
tégia política. Passada a ameaça da esquerda armada, os mesmos
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estrategistas que estavam por trás do golpe de 1964 passaram a
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uma nova fase na institucionalização do regime militar: a chama-
da transição “lenta, gradual e segura” para o poder civil.
Assim, por volta de 1974, o Brasil entrava numa nova fase de
incertezas. Mas dessa vez as incertezas eram portadoras de algu-
mas esperanças.
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O general Ernesto Geisel, presidente entre 1974 e 1979, um dos militares de maior
influência durante todo o regime.
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Médici percebeu o “golpe” de Figueiredo (orientado e identificado
com os castelistas), era tarde: a candidatura Geisel recebia o aval do
Colégio Eleitoral do Congresso, com 400 votos a favor, contra os 76
da candidatura de protesto (na vigência do regime militar era impos-
sível derrotar o candidato oficial) do líder do MDB, deputado Ulysses
Guimarães, um dos mais destacados opositores liberais da ditadura.
Conforme Thomas Skidmore, autor de Brasil: de Castelo a Tan-
credo, o novo governo, empossado em 15 de março de 1974, tinha
em mente quatro objetivos estratégicos: a) manter o apoio majoritário
dos militares, reduzindo ao mesmo tempo o poder da linha dura e
restabelecendo o caráter mais puramente profissional dos membros
das Forças Armadas; b) controlar os subversivos e a oposição de
centro-esquerda como um todo; c) retornar a um tipo de democracia,
ainda que restrita e controlada; d) manter altas as taxas de crescimen-
to, fator fundamental para a legitimação política do governo perante
os empresários e a sociedade. Dessas quatro metas nasceria o projeto
de “distensão” do regime militar, comandado por Ernesto Geisel e
Golbery do Couto e Silva.
A necessidade da distensão política, ou abertura, não era vista
somente como um problema moral; ou seja, Geisel, Golbery e os
castelistas não propuseram a abertura só porque a repressão e a
censura sobre a sociedade eram indignas e ilegítimas, mas sobre-
tudo porque eram insustentáveis a longo prazo. Com a oposição
armada derrotada (os últimos focos de guerrilha no Araguaia ha-
viam sido destruídos em 1975), parecia acertado enfrentar os sinais
de crise econômica à vista (sob o impacto da crise geral do
capitalismo internacional a partir de 1973) com uma nova estrutura
de poder, baseada na recomposição do sistema político. Para os
comandantes da abertura, essa recomposição deveria seguir alguns
procedimentos: abrir frentes de diálogo com a sociedade (sobretu-
do com as instituições mais importantes, como imprensa, Igreja e
universidades); dividir o poder, de forma gradual, com os civis
“confiáveis”, fortalacendo aos poucos o Legislativo e o Judiciário:
permitir o exercício (controlado) dos direitos políticos básicos,
como a liberdade de expressão; controlar e neutralizar a influência
política, dentro do aparelho militar, dos órgãos de repressão, cuja
existência era uma constante ameaça à hierarquia militar (devido à
sua autonomia de ação) e à estabilidade dos próprios governos
militares (como ficaria provado nos incidentes ocorridos no início
do governo Geisel).
53
O sentido geral da política de abertura era instituir uma “demo-
cracia forte” (a expressão foi criada pelo governo), que, em palavras
mais diretas, queria significar uma democracia sem participação po-
pular, uma democracia plebiscitária, na qual as alternativas políticas
fossem limitadas, reduzindo-se ao “sim” ou “não” ao governo. Na
idéia de abertura, a sociedade deveria se expressar mediante formas
institucionais restritas, ou seja, as permitidas e controladas pelo regi-
me. As eleições parlamentares e os partidos legalizados deveriam ser
os espaços privilegiados da manifestação política da sociedade civil.
Com isso, os militares tentavam evitar a politização de entidades civis
mais ligadas às massas, como, por exemplo, sindicatos de trabalhado-
res, Órgãos de representação estudantil, movimentos sociais de base,
O sistema político deveria absorver e direcionar as reivindicações desses
segmentos sociais e impedi-los de exercer influência direta sobre as
políticas de Estado, interferindo nos “objetivos nacionais”, tão caros à
Doutrina de Segurança Nacional. Ao mesmo tempo, caberia ao regime
controlar as regras de funcionamento do sistema, evitando que a oposi-
ção conquistasse o poder, pelo menos a médio prazo.
Em resumo, a abertura — enquanto tentativa de institucionaliza-
ção de alguns princípios da Doutrina de Segurança Nacional sem
supervalorização do papel da repressão policial direta — deu mais
espaço político à sociedade civil, principalmente à oposição liberal,
mais ligada aos interesses da elite socioeconômica. Em outras pala-
vras, a abertura tentou realizar o ideal autoritário da “democracia sem
povo”, como se dizia na época. Mas tais objetivos não eram facilmen-
te atingíveis, se é que chegaram a ser atingidos. O período que vai de
1974 a 1984 caracteriza-se por um conflito permanente entre o Estado
e amplos setores da sociedade civil: o primeiro tenta controlar O
segundo, que, por sua vez, tenta ampliar sua influência sobre O
primeiro, exigindo o fim do regime militar. Mas, nesse processo, nem
o Estado nem a sociedade estavam isentos de conflitos internos de
interesse, disputas pela hegemonia política, tensões entre os atores
políticos e entre as diversas classes sociais.
25
seguição a comunistas infiltrados na imprensa, realizada entre 1974
e 1975, ao mesmo tempo que justificava a existência desses órgãos
perante as Forças Armadas (já que a guerrilha não era mais
ameaça) colocava o governo Geisel em situação constrangedora, na
medida em que o governo buscava parceiros liberais no apoio à
distensão política.
O recrudescimento da repressão atingiu membros ou simpatizan-
tes do PCB, que até então fora preservado da repressão mais brutal,
por ser contrário à luta armada. Isso coincidiu com um momento
político delicado para o governo: a vitória do MDB, contra todos os
prognósticos, nas eleições parlamentares de novembro de 1974,
Imediatamente após as eleições, os órgãos de segurança díssemina-
ram a idéia de que o Partido Comunista estaria se infiltrando no MDB,
ampliando o voto oposicionista.
Na verdade, o voto na oposição foi uma forma de manifestação
da sociedade contra as políticas do regime militar, que, além de
abusar da violência policial, dava sinais de esgotamento no campo
econômico e não favorecia os trabalhadores mais pobres. Nesse
contexto, o MDB se apresentava ao mesmo tempo como oposição e
como fiador da política de distensão, que começava a ser cogitada
pelo novo governo. Tendo um relativo acesso à propaganda eleitoral
na TV, o MDB conseguiu ampliar seu número de votantes, sobretudo
nas áreas urbanas mais modernas. Com isso, a oposição cresceu na
Câmara e no Senado (ainda que não conseguisse fazer a maioria das
cadeiras) e obteve o controle das Assembléias Legislativas de São
Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Paraná. Segundo Thomas
Skidmore, a ênfase do discurso eleitoral do MDB recaiu sobre três
pontos: justiça social, liberdades civis e denúncias de desnacionaliza-
ção da economia.
Para complicar a situação do governo, estudos realizados por
assessores políticos demonstravam que, nas eleicões seguintes
(1978), os votos da oposição iriam crescer ainda mais, fazendo O
governo perder completamente o controle do Congresso Nacional
(e do Colégio Eleitoral). Portanto, o avanço da repressão policial
ocorreu num momento em que a política oficial de abertura pas-
sava por uma reavaliação de conjuntura. O afastamento do general
Golbery, em janeiro de 1975, por problemas de saúde, abriu ainda
mais os caminhos para a linha dura. As novas vítimas da repressão,
na sua maioria jornalistas e sindicalistas, foram as tristes peças
desse jogo.
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sociedade civil
No dia 27 de outubro de 1975, o comando do II Exército, com
sede na cidade de São Paulo, divulgou a notícia do suposto suicídio
de um jornalista, muito respeitado no meio profissional, chamado
Wladimir Herzog, diretor de jornalismo da TV Cultura. Intimado a
comparecer ao DOI-CODI, Herzog havia se apresentado voluntaria-
mente para prestar depoimento. No dia seguinte, ele apareceu morto
numa cela, depois de ter assinado uma “confissão” na qual admitia ser
membro do Partido Comunista,
Obviamente ninguém acre-
Folha Imagem
ditou na notícia de suicídio.
Nem o DOI-CODI esperava
que acreditassem. A morte
de um importante jornalista,
completamente desvincula-
do de qualquer grupo de
guerrilha, servia para de-
monstrar o poder desafiador
do aparato repressivo, sob a
guarda do comando militar
local. Tanto foi assim que pe-
la primeira vez um prisio-
neiro não desaparecia, nem
eram simuladas sua fuga e
“morte por atropelamento”.
A foto do corpo de Herzog,
amplamente divulgada nos
jornais, pendurado na janela
da cela, numa posição em
que dificilmente alguém con-
seguiria se enforcar, era uma
montagem artificial e maca-
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Tudo isso não impediu, contudo, que em janeiro de 1976 ocorres-
se mais uma morte no DOI-CODI, em São Paulo, consolidando a
“déia de que o comando do II Exército articulava as sabotagens ao
projeto de abertura do governo. O sindicalista Manoel Fiel Filho
apareceu morto, depois de ser interrogado pelas forças de repressão.
Percebendo a ameaça à sua autoridade política e a franca indisciplina
de setores do Exército, Geisel não hesitou: um dia depois da morte do
sindicalista, o presidente demitiu sumariamente o comandante do TI
Exército, nomeando um general de sua confiança. A linha dura militar
perdia um importante pólo de ação. Se essa mudança de posto não
neutralizava completamente a ameaça dos órgãos de repressão à
sociedade, ela trazia de volta para a Presidência da República a
iniciativa política da abertura. Mas, dentro das estratégias do governo,
tal política só teria sucesso se a economia se mantivesse em cresci-
mento, o que representava outro desafio.
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Mesmo sentindo os efeitos da crise do petróleo, como a diminui-
ção do crescimento e o aumento da inflação, o país conseguiu evitar
o colapso geral da economia. Os tecnocratas da economia (funcioná-
rios do alto escalão do governo que se diziam administradores
públicos de caráter “técnico”, isto é, sem interesses político-partidá-
rios, O que sempre foi muito discutível) criaram várias estratégias para
a obtenção de recursos necessários aos investimentos. Outro proble-
ma a ser enfrentado era a cobertura do déficit do balanço internacio-
nal de pagamentos (diferença entre os recursos que o país recebe e os
que envia ao exterior ). O governo abriu mão do depósito obrigatório
que os investidores deveriam fazer no Banco Central, diminuiu à
taxação sobre a remessa de lucros para o exterior e reduziu o prazo
mínimo de permanência dos recursos no país. Outra fonte de
recursos capaz de viabilizar o novo modelo industrializante e promo-
ver o equilíbrio da balança comercial era o empréstimo puro e
simples, em dólares, tomado dos bancos internacionais,
O problema estava se agravando porque, para cada dólar que
entrava no Brasil, o governo deveria emitir a quantidade equivalente
em cruzeiros (a moeda vigente na época), aumentando a soma total
de cruzeiros em circulação, enquanto a produção de bens de consu-
mo e alimentos não crescia na mesma proporção. Além disso, o fato
de haver cada vez mais cruzeiros em circulação não significava que
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eles estavam sendo distribuídos de maneira equitativa entre os
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diversos segmentos sociais.
Alguns dados apontam para o início da crise econômica que se
estenderia, intercalada por períodos de crescimento, até o início da
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reconheceu o “erro”, e o movimento sindical calculou as perdas, que
não foram repassadas aos salários: 34,1%. Como o índice de inflação
oficial era a base para os reajustes salariais da maioria dos trabalhado-
res. à falsificação do índice de 1973, somada ao aumento da inflação
(que nunca era reposta integralmente no salário), começou a inquie-
tar os segmentos mais pobres. Os movimentos sociais, entre os quais
se destacava o já citado Movimento do Custo de Vida de São Paulo, e
o movimento operário reiniciaram suas manifestações contra a políti-
ca econômica do governo.
O Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e
Diadema comandou a luta pela reposição salarial e denunciou a falta
de “seriedade” do governo no trato da questão salarial. Era o primeiro
choque mais direto entre o regime e os trabalhadores organizados
desde as greves de 1968. Uma grande assembléia, se considerarmos
os tempos de repressão então vividos, foi realizada em setembro de
1977, atraindo mais de 5 mil operários à sede do sindicato. Naquele
contexto, a Tribuna Metalúrgica, órgão do Sindicato dos Metalúrgi-
cos de São Bernardo e Diadema, trazia a seguinte declaração: “Para
nós interessa muito aquela democracia que também dê liberdade aos
sindicatos. Esse negócio de democracia só para políticos não dá pé,
porque a gente vai continuar espremido aqui no pedaço” (nº 43, set.
1977, p. 8).
Os desajustes da ordem econômica se uniam às deformidades do
sistema político imposto pelo regime, criando vários focos de resis-
tência e oposição democráticos, colocando lado a lado liberais e
esquerdistas, classe média e operariado, na luta contra o regime
militar. O aumento da interferência direta do Estado na economia,
mediante a atuação no mercado das empresas estatais, acabou
desagradando muitos empresários, que passaram a criticar a falta de
liberdade econômica e a excessiva burocratização dos negócios.
Mesmo os Estados Unidos, tradicional aliado do regime militar,
entravam em choque com vários pontos do governo Geisel: a
orientação nacionalista de sua política econômica (para os setores
nuclear e de informática, por exemplo), o crescimento do setor estatal
na economia e da violação sistemática de direitos humanos, que
passavam a ser um tema da política internacional do presidente norte-
americano Jimmy Carter.
Entretanto, mesmo debaixo de crescentes críticas, o governo Gei-
sel conseguia manter o controle do jogo político e da sociedade civil.
Uma das estratégias fundamentais do regime como um todo (e do
61
governo Geisel, em particular) consistia em manter a sociedade des-
politizada e, sobretudo, desmobilizada. Mas essa tática começava à
dar sinais de esgotamento. Nesse ponto, o ano de 1977 seria decisivo.
Em abril de 1977, preocupado com o processo eleitoral de 1978,
que poderia redundar na derrota da Arena, o governo editou uma
série de medidas autoritárias que ficou conhecida como o “pacote de
abril”. Os pontos mais importantes desse pacote eram: a extensão do
mandato do próximo presidente da República, de cinco para seis
anos; as eleições para governadores de Estados seriam indiretas (ao
contrário do que previa a própria Constituição do regime); um terço
dos senadores seria nomeado pelo presidente; mudança do cálculo
do número de cadeiras por Estado na Câmara Federal (visando
diminuir a representatividade dos Estados em que a oposição ganha-
va força, como Rio de Janeiro e São Paulo).
Além disso, as Polícias Militares estaduais teriam sua própria
justiça interna, livrando-se do controle dos civis. Todas essas medi-
das, além de outras, foram impostas pelo fechamento do Congresso
por quinze dias. Junto decretou-se a chamada “Lei Falcão” (que
recebeu esse nome de Armando Falcão, ministro da Justiça do
governo Geisel), que praticamente proibia o acesso da oposição à TV.
Desse modo, o governo tinha em mãos um verdadeiro arsenal
jurídico para reestruturar O sistema político,
Se, de um lado, tínhamos, então, o Pacote de Abril e a preo-
cupação do governo em controlar o sistema político, de outro, a
sociedade se movimentava com desenvoltura cada vez maior, exi-
gindo democracia e ampliando as manifestações de rua: estas
violentamente reprimidas pela polícia, Mas a batalha das ruas esta-
va só começando.
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Quadro comparativo — eleições: 1970-1978
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63
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grandes manifestações que atraíram a simpatia de outros segmentos.
Após várias manifestações de menor impacto, os estudantes de
importantes cidades brasileiras realizaram uma série de protestos de
rua, mesclando reivindicações estudantis com exigências de redemo-
cratização política. Um grande conflito entre estudantes e polícia teve
lugar em São Paulo, no início de maio de 1977. Mesmo cercados pela
Polícia Militar, um grupo de estudantes, sentados no asfalto do
viaduto do Chá, leu, em coro, a “Carta aberta à população”: “Hoje,
consente quem cala. [...) É por isso que conclamamos todos, neste
momento, a aderirem a esta manifestação pública sob as mesmas e
únicas bandeiras: fim às torturas, prisões e perseguições políticas;
anistia ampla, geral e irrestrita a todos os presos, banidos e exilados
políticos; pelas liberdades democráticas”.
Ainda em maio de 1977 foi marcada a data do Dia Nacional de
Luta pela Anistia, e os conflitos de rua tornaram-se ainda mais
violentos. O movimento estudantil conseguiu realizar grandes mani-
festações em Belo Horizonte e Brasília (onde a Universidade de
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Em 1977, o movimento estudantil voltou às ruas, realizando grandes
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Brasília entrou em greve e, posteriormente, foi invadida pela PM),
além de São Paulo. Em junho, o Dia Nacional de Luta se repetiu.
Mediante uma tática que denotou muita organização, os estudantes
conseguiram enganar a vigilância policial no centro de São Paulo e
realizaram inúmeras minipasseatas durante todo o dia. Embora as
rádios e TVs estivessem proibidas de divulgar os fatos, a imprensa
escrita deu grande destaque para o protesto, parte dela apoiando a
luta estudantil.
No segundo semestre de 1977, entre agosto e setembro, o
movimento cresceu ainda mais, ganhando simpatizantes em outros
setores da sociedade brasileira. A Igreja Católica, o MDB e entidades
civis divulgaram seu apoio ao movimento estudantil, outorgando-lhe
a função de porta-voz da sociedade civil pela causa democrática.
Mesmo integrado por grupos de esquerda, como os trotskistas
(adeptos das idéias do líder da Revolução Russa, Leon Trótski), ou
ligados a setores católicos, o movimento estudantil extrapolou suas
fronteiras ideológicas, recebendo a simpatia e a solidariedade dos
democratas em geral.
Em setembro, a brutal invasão da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUC) — uma das poucas instituições de ensino que
desenvolviam um pensamento crítico sem o controle do regime —,
quando aí se realizava o Encontro Nacional de Estudantes, só
aprofundou essa solidariedade. A invasão e a destruição da PUC,
comandada pelo próprio Secretário de Segurança do Estado de São
Paulo, coronel Erasmo Dias, teve grande repercussão nacional e
internacional. Atingia, de uma só vez, a Igreja Católica (à qual a PUC
era ligada), o movimento estudantil, além da própria PUC, uma
universidade de prestígio. A violência policial não ficou só na
depredação das instalações físicas da universidade: provocou inúme-
ros feridos entre estudantes, funcionários e professores.
Enquanto o movimento estudantil se ampliava, desafiando o
controle do espaço público pelo regime, o ambiente político do país
era agitado por outros fatores adicionais. Agosto fora um mês
partircularmente tenso para a vida política nacional. Dois eventos
merecem destaque, uma vez que ajudaram a redefinir os rumos do
processo de liberalização política: a divulgação (em agosto de 1977)
de um manifesto dos liberais, conhecido como “Carta aos brasileiros”,
e o acirramento do choque político entre o ministro do Exército,
Sílvio Frota, e o presidente Ernesto Geisel, em razão da indicação do
próximo presidente da República.
65
A “Carta aos brasileiros”, escrita pelo professor da USP e jurista
Gotredo Telles Junior, foi lida em coro como um manifesto pela
redemocratização, no pátio da Faculdade de Direito do Largo São
Francisco, reunindo centenas de estudantes, que depois saíram em
passeata pelo centro da cidade. O documento foi reproduzido em
alguns jomais da grande imprensa e recebeu apoio e divulgação
nacional e intemacional. Esse evento simbolizou o afastamento defi-
nitivo dos liberais brasileiros com relação aos princípios da Doutrina
de Segurança Nacional. O manifesto, de catorze laudas, continha uma
discussão sobre a natureza do governo, das leis, do poder político,
e também sobre as origens e a legitimidade da democracia. Numa
clara alusão à maquiagem jurídica que o regime usava para legitimar
o seu autoritarismo, o documento afirmava: “Distinguimos entre legal
e legítimo. Toda lei é legal. Mas nem toda lei é legítima [...] O único
outorgante do Poder Legislativo é o Povo. Somente o Povo tem
competência para escolher seus representantes”. O documento termi-
nava com uma palavra de ordem: “Estado de direito Já!”. Mesmo entre
segmentos da esquerda, conforme observa Bernardo Kucinski em
Jornalistas e revolucionários, o manifesto provocou uma discussão
muito acirrada, e grupos como o PCdoB e o MR-8 passaram a defender
a idéia de que a esquerda deveria, naquele momento, deixar que os
liberais tomassem a frente do processo de redemocratização do Brasil.
No bojo das disputas pela sucessão presidencial, uma grave crise
quase provocou o colapso da política de abertura. Para manter a
estratégia de institucionalização do regime, a dupla Geisel-Golbery
precisava manter o controle do poder sob os castelistas, partidários da
abertura. Mas, desde março, o ministro do Exército, Sílvio Frota,
tentava articular sua candidatura, arregimentando o apoio dos quar-
téis e do Alto Comando do Exército.
Pelas regras internas das Forças Armadas, Sílvio Frota seria O
candidato natural à Presidência, pois era o general mais graduado.
Embora não fizesse parte do grupo castelista, o general Frota fora
nomeado ministro do Exército, por imposição das circunstâncias: O
general escolhido por Geisel morrera antes de tomar posse, e o
próximo nome na hierarquia era o de Frota. Percebendo a insatisfa-
ção dos “duros” diante da perspectiva de volta dos civis ao poder, O
general Frota tentou se aproximar dessa corrente, aproveitando-se de
sua situação de comandante de tropa. Criticava abertamente à condu-
ta do presidente Geisel em relação às manifestações de rua, acusan-
do-o de ser tolerante com os subversivos.
66
"rm outubro de 1977, a tensão chegou ao máximo: a rebelião de
uma unidade militar em Minas Gerais, a mesma que havia iniciado o
de 196 4, rep res ent ava à pos sib ili dad e de gol pe. Mas o
movimento
grupo lígado ao presidente agiu mais rápido. Em 12 de outubro,
tendo já convidado secretamente outro general para ser ministro,
Geisel exonerou O general Frota. Esse, ao saber da exoneração,
67
Carlos Namba/Abril Imagens
uma grande campanha de propaganda em torno da imagem de
Figueiredo, apresentado-o como um homem “simples” e “simpáti-
co”. A perspectiva da perda de controle sobre a crise econômica
já era uma realidade por volta de 1978, e exigia novas formas de
legitimação do governo. Apesar de toda a propaganda, o presidente
Figueiredo foi infeliz em algumas declarações públicas, como na
ocasião em que disse preferir o “cheiro dos cavalos ao cheiro do
povo”,
Tendo reconquistado o controle do sistema político, garantindo
seu sucessor e aproveitando o relativo refluxo dos protestos de rua
estudantis, o governo Geisel fechou seu mandato com uma série de
reformas liberalizantes. Em 1978, depois de dez anos, o governo
acabou com a vigência do Ato Institucional nº 5, além de permitir a
volta do recurso do habeas-corpus. Com isso se definia a pauta
(conjunto de itens a serem atingidos) da transição política para um
regime mais aberto, obra que deveria ser realizada por Figueiredo.
Essa pauta incluía ainda a reforma partidária, a promulgação de uma
anistia aos presos políticos e perseguidos pelo regime e as eleições
diretas para governadores de Estado. Era a chamada “abertura lenta,
gradual e segura” que se consolidava,
Quanto às distorções sociais geradas pela política econômica
do regime, não havia nenhum sinal de alteração. No máximo,
estudava-se uma nova lei salarial que permitisse um repasse mais
68
inflação. Portanto, ainda fiel aos princípios da Doutrina
eficaz da
de Segurança Nacional, a estratégia de abertura não previa uma
ipa ção mai or das cla sse s tra bal had ora s na def ini ção da vid a
partic
ec on ôm ic a. Mas o go ve rn o não pod ia con tro lar a his tór ia:
solítica e
a partir de 1978-1979, os trabalhadores passaram a ocupar a cena
politica do país, deixando claros os limites da política de abertura.
r
Eles se tornariam os principais atores da oposição ao regime milita
e apontariam para um novo projeto de sociedade que colocava em
xeque a Doutrina de Segurança Nacional, as idéias liberais clássicas
e mesmo as posturas da esquerda, representada pelos partidos
comunistas mais antigos.
09)
A be tura e | Uta
O la de mM OC FACA
70
ist a de um cor one l do II Exé rci to à rev ist a Ist oÉ (de 24
A entrev
8) traduz a pe rp le xi da de ger al. In da ga do pel o rep órt er
de maio de 197
rn o iria rep rim ir o mo vi me nt o, ele re spondeu: “Repressão
ce O gove
novo. Greve sem violência, ses
como? Este é um fato absolutamente
nec ess ári o re co nh ec er que nes ta gre ve não há ingerências
agitação. É
ma, não se po de faz er nad a. E im po ss ív el pre ten -
externas. Dessa for
a pol íci a em açã o par a obr iga r os ope rár ios a
der que se deva colocar
trabalhar à força”.
e e r á r i a n o A B C p a u l i s t a e m m a i o d e 1 9 7 8 d r i b l a v a d e
A grev op
maneira inédita a vigilância do governo militar. Preparado no coti-
diano das fábricas, a partir de reuniões informais nos intervalos para
o cafezinho e idas ao banheiro, o movimento conseguiu formar um
tipo de organização muito difícil de controlar e reprimir. O controle
do governo sobre as entidades dos trabalhadores, como os sindicatos,
acabou forçando a necessidade de uma organização mais invisível e
informal, mas nem por isso menos organizada. Tanto assim que, em
agosto daquele ano, o governo editou uma nova lei de greve,
modificando a legislação vigente desde 1964, que visava agilizar os
mecanismos jurídicos de controle e repressão das atividades sindicais.
Outro fato novo foi o não-acatamento, pelos grevistas de 1978, da
decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), que declarou a
greve ilegal. Ao contrário, após a sentença do TRT de São Paulo, o
movimento ampliou-se ainda mais.
Diversamente de 1964, quando os grupos de esquerda organiza-
dos (como o PCB) ou os grupos ligados ao sindicalismo oficial
varguista (como o PTB) tinham supremacia nos sindicatos e consti-
tuíam as principais lideranças operárias, o novo movimento dos
trabalhadores possuía um caráter muito mais democrático e descen-
tralizado. Não exigia só a democracia formal, fora das fábricas, mas se
colocava contra o sindicalismo centralizado e controlado pelo Minis-
tério do Trabalho e pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a
legislação vigente desde a época do Estado Novo (1937-1945). Essa
legislação, promulgada num contexto autoritário, se somava àquela
específica do regime militar no controle da vida profissional e social
dos trabalhadores. Além disso, as novas lideranças do movimento
eram efetivamente operárias, surgidas a partir da experiência das
fábricas. Esse foi o caso de Luís Inácio da Silva, o “Lula”, e de outros
líderes.
As greves de 1978 apresentaram um balanço positivo: além do
atendimento parcial das reivindicações, elas trouxeram novas formas
71
de atuação e organização para o movimento operário, contribuindo
para a ampliação das lutas democráticas do período, na medida em
que representavam uma possibilidade histórica inédita de participa-
ção efetiva das classes trabalhadoras na vida nacional. O já citado
jornal sindical Tribuna Metalúrgica, em seu número de junho de
1978, foi feliz ao resumir as novas perspectivas políticas dos trabalha-
dores: “Finalmente nos revelamos a nós mesmos: percebemos que
temos força e que somos capazes, quando unidos e organizados, de
levar O patronato ao diálogo produtivo com o nosso sindicato,
respeitando nossas reivindicações”.
O crescimento da organização e da participação operária do setor
mais dinâmico e moderno do capitalismo brasileiro exigia uma
recolocação das estratégias de ação não só do governo militar, mas da
oposição civil em geral. As ameaças que a luta operária trazia ao
sistema construído em 1964 eram grandes, pois o regime militar se
colocava como o tutor dos conflitos sociais mais profundos e admi-
nistrador da modernização capitalista, sem a participação dos traba-
lhadores. O ativismo sindical autônomo foi percebido pela opinião
pública como uma novidade histórica. Ao lado dos movimentos
sociais de bairros, acabou redefinindo os valores democráticos que
norteavam a luta contra o regime: já não bastava exigir liberdades
democráticas, era necessário lutar pela justiça social efetiva e pela
participação dos assalariados na riqueza nacional. Os acontecimentos
de 1979 e 1980 acabariam levando a classe trabalhadora ao centro da
vida política nacional, deixando claros os estreitos limites da política
de abertura proposta pelo governo.
”: >
Assembléia
Ma
operária no
Estádio de Vila
Euclides, em São
Bernardo do
Campo (março de
1979),
AS
2 Ri
e
Diante disso, O governo resolveu endurecer, o que acabou favo-
recendo a politização do movimento e tornou os operários metalú rgi-
cos a categoria social mais destacada na oposição ao regime militar. O
govemador do Estado de São Paulo, Paulo Maluf, político afinado
com o golpe de 1964, tomando o partido das grandes empresas, li-
berou a polícia para agir “com rigor”, leia-se, com violência acima do
normal. Dois dias depois de sua eclosão, o TRT declarava a greve
legal, fato que não intimidou os trabalhadores. Dez dias depois, o
Ministério do Trabalho usaria a tática de 1964: a intervenção federal
no sindicato organizador do movimento e a destituição de sua
diretoria eleita.
A intervenção federal, longe de desorganizar e esvaziar o movi-
mento, acabou transformando-o num protesto público generalizado
contra o regime. Na cidade de São Paulo e em outras cidades brasi-
leiras, várias categorias sociais organizaram atos de protesto, exigindo
o fim da intervenção e a abertura das negociações. Em São Bernardo,
no dia da intervenção, uma assembléia se transformou em passeata,
que, impedida de entrar no sindicato, se dirigiu à praça da igreja ma-
triz, onde ocorreu uma das cenas mais marcantes da época, ampla-
mente documentada em fotos jornalísticas: centenas de operários, ao
tentar formar com seus corpos a palavra “democracia”, eram dispersa-
dos pela polícia.
Imagens
Eduardo Simões/N.
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à questão democrá-
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i s a m e n t e as mu lt id õe s que trouxeram
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regime militar como um todo, desafiando os limites impostos pelo
processo de abertura.
À ense econômica, materializada pela inflação e pelo arrocho
salarial crescentes, era a maior causadora de tensões sociais. O
modelo de desenvolvimento capitalista patrocinado pelo regime
mostrava claramente suas duas faces: se, por um lado, o govern
o
Geisel havia conseguido aumentar o parque industrial brasileiro, ao
incentivar as indústrias pesadas (máquinas e equipamentos ind
us-
triais) e de tecnologia mais sofisticada (como a informática), manten
-
do o crescimento industrial num contexto de recessão do capitalismo
mundial, por outro, tinha sido responsável pela perda do controle das
contas extemas. O Brasil virava a década endividado em US$ 40
bilhões. O general Figueiredo manteve, a princípio, o economista
Mario Henrique Simonsen no Ministério da Fazenda, ocupado por ele
desde a gestão anterior. Percebendo, contudo, que o crescime
nto
baseado no endividamento externo era insustentável, Simonsen co-
meçou a defender o desaquecimento (crescimento menos acelerado)
da economia, o que na prática significava recessão, um dos remédios
clássicos para reorganizar as finanças públicas e controlar a inflação.
Agravando ainda mais esse cenário, em 1979 os preços internacionais
do petróleo tiveram um novo aumento, e o Brasil, grande importador
desse produto, viu suas contas externas se desequilibrarem ainda
mais. Pressionado por empresários e banqueiros, o presidente demi-
Uu Simonsen, e em seu lugar nomeou Delfim Netto, o administrador
do milagre econômico dos anos 70 e pouco compromissado com a
saúde das finanças públicas.
Delfim Netto tomou posse prestigiado por banqueiros e empre-
sários, prometendo crescimento econômico “a qualquer preço”
,
conforme foi sintetizado no II Plano Nacional de Desenvolvimento.
O preço foi alto e acabou, como de costume, sendo pago pel
os
assalariados. Em 1979, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu cerca
de 6%, mas a inflação dobrou em relação a 1978, chegando a
quase
80% ao ano. Em 1980, a inflação deu um novo salto, pulando par
a
110%, e a dívida externa beirava os US$ 50 bilhões. Par
a agravar
ainda mais a situação econômica, os juros internaciona
is — que
estipulavam os valores a serem pagos anualmente aos
bancos
credores — estavam em alta. Em 1981, para uma dív
ida global de
US$ 61 bilhões, o Brasil teve de pagar quase
US$ 10 bilhões aos
banqueiros, entre juros e principal. Pela pri
meira vez em quatro
décadas, o PIB brasileiro acusava um índice neg
ativo, ou seja, O
srs
ko)
:
E
iso
oaís não s6 deixava de res como também diminuía globalmente
a] |
qe
cas atividades econômicas. exterior di mí nu ia a ca da ano , poi s
en tr ad a de di nh ei ro do
— Comoa nã o in ve st ia m ma is na
€ ba nq ue ir os in te rn ac io na is
empresários divisas ( moeda
O Brasil deveria gerar
economia Intino-americana, as ex po rt ações.
dí vi da s, in ce nt iv an do
internacional) para pagar SUdo Figueiredo,
ve rn o
rt a, la nç ad o pe lo go
O lema “Exportar é o que impo me rc ad or ia s (b as ic a-
ra ex po rt ar
escondia a face perversa do plano: pa a ba ix o pr eç o era
um o nã o du ráveis e al im en to s)
ment e be ns de co ns
à ba ix o cu st o € im pe di r qu e as ve nd as pa ra O
necessário produzi- las josa s a o s e m p r e s á r i o s q u e as
fossem mais vanta
mercado interno
a nã o é di vi sa ac ei ta pa ra pa ga me nt os
exportaçõe s Como nossa moed r e s , p a r a
r re cu rs os , OU se ja , d ó l a
, era preciso gera
internacionais
ad e em co ns eg ui r em pr és ti mo s ex te rn os .
compensar a dificuld u O
lo ec on ôm ic o, nã o é dif íci l de du zi r qu em pa go
Com esse mode
po lí ti ca de fe nd id a po r De lf im Ne tt o: os as sa la ri ad os em ge ral,
preço da
da s mé di as e os op er ár io s. Co mo a in fl aç ão au me n-
sobretudo as cama
qu e os sa lá ri os , os em pr es ár io s ga nh av am du pl a-
tava muito mais do
nor
mente, pois a mão-de-obra representava uma parcela cada vez me
dos custos, embora o preço dos produtos aumentasse sempre. Conse-
quentemente, o consumo interno tendia a ser decrescente, já que O
co mp ra do s as sa la ri ad os ia di mi nu in do , au me nt an do po ré m
poder de
o po te nc ia l de ex po rt aç ão . Is so tu do , so ma do a um a po lí ti ca de de sv a-
lo ri za çã o ca mb ia l (q ue re nd ia ma is cr uz ei ro s pa ra ca da dó la r ex po rt a-
do) e à em is sã o de se nf re ad a de mo ed a (p ar a co br ir os ga st os pú bl ic os
não cobertos pelos impostos), deu origem à “década perdida”, como
muitos caracterizam o ciclo econômico brasileiro nos anos 80. É impor-
tante destacar que ela foi perdida para a maioria do povo, mas para
a pe qu en a pa rc el a co ns is ti u nu m pe rí od o de en or me pr os pe ri da de .
um
Assim, embora ainda em seu início, a crise trava do regime militar
um dos seus maiores trunfos: o sucesso na área econômica. Se Os
ár io s ti nh am su a su bs is tê nc ia am ea ça da , a cl as se mé di a as sa la -
oper
riada via desaparecer suas possibilidades de ascensão social, consu-
mo e conforto. A explosão de greves em 1979 era uma resposta da
sociedade à falência do modelo econômico desenvolvimentista e à
de r de co mp ra do s sa lá ri os , ag ra ad a po r um a in fl aç ão
perda do po
que crescia em progressão geométrica,
Apesar da tensão política causada pela perda do controle sobre à
economia e pela mobilização sindical crescente, Os estrategistas do regime
conseguiram manter sob seu controle O processo de reformas políticas.
o
Ê
Anistia e novos partidos políticos
Ibarra Júnior/Agência JB
SU
a
4
ga çã o da Lei de An is ti a nã o at en de u a to das
ve rdade, a promul
Na
qu e vi nh a cr es ce nd o de sd e o
s da campanha popular
as reivindicaçõe mi té Brasileiro pela Anistia (CBA).
co m a fu nd aç ão do Co
fim de 1975, momentaneamente
apesar disso, à comunidade de informações,
id or es do Es ta do , nã o ta rd aria a
bast
desativada, mas atuante nos so ci ed ad e ci vi l. Em
ên ci as de pu ni çã o feitas pe la
responder as ex ig pu ni r Os
ve rn o admi ti u à hi pó te se de
mo me nt o, al iá s, o go
ne nhum
re s, cu jo s no me s iam aparecendo em relatórios de investiga-
torturado
ções das entidades civis.
do importante ano de 1979, uma nova legis-
“Ainda em novembro
aprovada, acabando com O bipartidarismo (regi-
lação Pp artidária foi
partidos) e tornando possível fundar novas organizações
me de dois
governista era beneficiar-se das di-
(pluripartidarismo). A estratégia
internas do MDB, que a essa altura reunia muitas forças
vergências
conflitantes e, por isso, certamente se fragmentaria em diver-
políticas
sas organizações, tão logo o bipartidarismo fosse extinto. Os defenso-
do regime, entretanto, deveriam concentrar-se num só partido
res
político, com base na antiga Arena. Conforme Bernardo Kucinski, em
Abertura: história de uma crise, os assessores políticos do governo
previam que a oposição se dividisse entre “liberais! (liderados por
Tancredo Neves e Ulysses Guimarães), “trabalhistas” (base do antigo
PTB acrescida de novos sindicalistas, liderados por Leonel Brizola,
mas sem a máquina do Estado em suas mãos) € “esquerdistas mais
radicais” (articulados por Miguel Arraes, ex-governador de Pernam-
buco). Em linhas gerais, esse prognóstico se cumpriu.
A Arena se transformou no Partido Democrático Social (PDS). A
maior parte do MDB se manteve no Partido do Movimento Democrá-
tico Brasileiro (PMDB), atraindo também parte da esquerda, como
Miguel Arraes e os comunistas do PCB e do PCdoB (ilegais). Os
liberais mais conservadores, como Tancredo Neves e Magalhães
Pinto. formaram inicialmente o Partido Popular (PP), de vida curta, já
que logo se fundiria com o PMDB, com vistas às eleições de 1982. Em
torno do novo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), de inspiração
varguista, houve uma disputa legal entre Ivete Vargas ( sobrinha de
Getúlio) é Leonel Brizola. Essa disputa foi estimulada pelo governo,
que pretendia desgastar Brizola, considerado o mais temido nome da
oposição, o grande “incendiário” de 1964, como diziam os oficiais
militares. Perdendo a presidência da legenda PTB, Brizola fundou o
Partido Democrático Trabalhista (PDT), muito mais fiel ao antigo
populismo varguista do que o novo PTB.
Mas a grande novidade partidária, como reconheceram na época
todos os analistas políticos, foi o surgimento do Partido dos Trabalha-
dores (PT). O PT surgiu, inspirado em algumas organizações sindicais
e populares, com o apoio da esquerda católica (remanescentes da
Ação Popular dos anos 60) e da esquerda desvinculada do Partido
Comunista Brasileiro (parte dos trotskistas). Também foi importante a
adesão de setores intelectuais, especialmente nos meios universitá-
nos. Mas a grande ousadia protagonizada pelo PT foi que, pela
primeira vez na história do Brasil, criou-se um partido político de
massas completamente desligado das elites socioeconômicas e dos
partidos comunistas tradicionais, de linha marxista-leninista. Parado-
xalmente, a criação do PT não era vista como um problema a curto
prazo pelo governo, embora não tenha sido prevista por seus
estrategistas. Pelo contrário, o general Golbery pensou que a criação
do PT iria dividir e enfraquecer os dois agrupamentos ideológicos
mais ameaçadores ao sistema: o PDT, brizolista, e os comunistas, até
então hegemônicos no campo sindical.
Com efeito, os comunistas ligados sobretudo ao PCB não viram
positivamente a criação do PT. Na concepção dos mais antigos e
ortodoxos, os sindicalistas e os militantes dos movimentos de base
deveriam fazer um trabalho sindical e comunitário, enquanto o
trabalho propriamente partidário e político, no plano nacional, deve-
ria ser feito pelos partidos de esquerda já existentes.
Mesmo desacreditado pelo governo e sofrendo críticas da própria
esquerda, o PT logo se consolidou, atraindo um grande número de
simpatizantes, sobretudo em parcelas da classe média intelectualizada e
entre os operários mais organizados. Ao contrário do ultracentralizado
PCB, o PT pregava a participação da militância em todas as decisões
partidárias, enfatizando que a democracia deveria começar pelo próprio
cotidiano partidário para chegar às instâncias mais elevadas. Na verdade,
O ideário petista era inovador ao defender a participação da sociedade
organizada em todas as decisões do poder público, e não só no mo-
mento do voto. A proposta de democratização radical e transformadora,
baseada na participação permanente da sociedade, encontrava eco
numa sociedade cansada do autoritarismo do Estado. Apesar disso, as
primeiras participações eleitorais do PT, em 1982, não se traduziriam
numa votação significativa. A maioria dos eleitores de oposição, teme
n-
do que as opções “radicais” levassem a um novo fechamento
do Estado,
votaria em massa no PMDB. Além disso, certos segmentos
médios viam
com muita desconfiança o crescimento do partido.
02
A direita resiste
as d o m i n a v a a ce na po lí ti ca
79 , u m c o m p l e x o jo go de forç
Em 19 nh a se r a m i f i c a d o e m vá ri as
brasileira: a oposição a essa al tu ra ti ;
) ado co. ;
a d a s às ma is ra di ca is ; O g o v e r n o
re nt es , in do das mais moder j |
co que lh e de ss em ai nd a o co nt ro -
fa ze r pe qu en as co nc es so es
procurava nd o ai nd a ag ru pa me nt os de
e s s o c o m o 1 im to do , ha ve
le d o p r o c m o c o m e s s a s
ã o c o n c o r d a v a m n e m m e s
extrema dir e i t a , q u e n
agrupamentos, formados por setores
pequenas concessões. Tais
õe s, co me ça ra m à ag ir cl an de st in a-
ligados à comunidade de informaç mo do de
it uc io na l de cr es ci a. Es se
mente à medida que seu poder inst pe dir
ra do pe lo Es ta do , co mo fo rm a de im
ação acabou sendo tole s à
ex tr em a di re it a pa ss ou a pr at ic ar at aq ue
agitações nos quartéis. A
s ci vi s, co mo à As so ci aç ão Br as il ei ra de
bomba contra entidade
BI e a Or de m do s Ad vo ga do s do Br as il (O AB ), al ém de
Imprensa (A
qu es tr ar at iv is ta s do s di re it os hu ma no s. No an o de 1980,
ameaçar e se
at en ta do s à bo mb a e se gu es tr os re al iz ad os po r gr up os
o número de
ta re s de di re it a cr es ce u co ns id er av el me nt e. Os ca so s ma is
paramili
bizarros foram os incêndios provocados nas bancas de jornais que
ve nd ia m pe ri ód ic os de es qu er da , co mo Mo vi me nt o, Fo ra do Po vo ,
Te mp o e ou tr os . Na s se de s da OA B e da AB I, Os at en ta do s
Em
mataram é feriram funcionários. Nesse mesmo ano, durante a visita
Pa ul o II ao Br as il , um gr up o de di re it a se qu es tr ou €
do papa João
espancou o jurista Dalmo Dallari, ligado à militância católica pelos
direitos humanos.
ic e da ou sa di a, e, pa ra do xa lm en te , o in íc io do de cl ín io do
O áp
terrorismo de direita contra a abertura, foi o atentado do pavilhão do
Riocen tr o. Pa ra co me mo ra r o Di a do Tr ab al ho de 19 81 , si nd ic al is ta s e
es qu er da or ga ni za ra m um sh ow de mú si ca po pu la r co m os
grupos de
ral ao
artistas que mais se destacavam na oposição político-cultu
regime. Os terroristas, desejando solapar o evento, elaboraram um
a
plano: trancariam as saídas de emergência, cortaram a energi
elétrica e explodiriam bombas no interior do pavilhão, onde cerca de
3 mil pessoas estariam concentradas. Uma bomba colocada no
gerador de energia chegou a explodir, sem causar maiores danos. A
outra bomba, porém, explodiu por acidente no colo de um dos
agentes, quando estava sendo preparada num carro estacionado,
matando um deles e ferindo o outro gravemente. O acidente atraiu a
imprensa, e o plano do atentado se tornou público, pois descobriu-se
83
que os ocupantes do carro eram militares ligados ao DOI-CODI do
Rio de Janeiro.
As investigações foram feitas por uma comissão interna do Exér-
cito, sob a vigilância do SNI, que, conforme muitos jornais da época,
toi o coordenador das ações terroristas. Obviamente, as investigações
toram manipuladas e a patética conclusão da comissão foi a de que os
militares tinham sido vítimas da esquerda, pois estavam tentando de-
sarmar a bomba quando ela explodiu. A manipulação das investiga-
ções fez com que Golbery do Couto e Silva, que perdia sua influência
junto ao govemo Figueiredo, pedisse demissão em agosto de 1981.
Na perspectiva de Golbery, uma investigação aberta e mais honesta,
ainda que não conduzisse à efetiva punição dos responsáveis, iria
significar o desmantelamento completo dos sabotadores da estratégia
de abertura e uma maior aproximação do governo com a sociedade,
fato fundamental para as estratégias eleitorais do PDS nas eleições de
1982. Apesar do abafamento do caso, o terrorismo de direita perdeu
sua força, após o episódio do Riocentro. A conjuntura se tornava
desfavorável para qualquer retrocesso autoritário.
84
cd
D E S O L I D A R I E D A D E
BONUS
ua co
de
A a qi
"
ÍÉ
Es
:
qa
Fac-símile do bônus de solidariedade à greve dos
metalúrgicos do ABC, em 1980.
86
Os tr ab al ha do re s, pa rt ic ul ar me nt e os op er ár ios
t i c a s d e o posição.
p o l í de valores
ú r g i c o s , se tornavam o centro de um novo conjunto
me t a l -
r á t i c o s , um 4 alternativa radical à Doutrina de Segurança Na
de m o c
cional. i c i a v a , O i s o l a m e n t o do
a d é c a d a d e 80 , q u e e n t ã o se i n
Durante
i a a v e z m a i s , e m g r a n d e p a r t e d e v i do à
governo se aprofundar cad
ã o c o n ô m i c a d o p a í s , q u e p i o r a v a a c a d a a n o . O r e g ime militar
situaç e
i s e d e c l í n i o p o l í t i c o . M a s a l g u m a s q u e s t õ e s come-
dava, enfim, sina d
i ç ã o : c o m o d e v e r i a s e r a t r a n s i ç ã o a o poder
cavam à dividir a opos d u r a? Quais
a n i z a r à s o c i e d a d e e o E s t a d o a p ó s a d i t a
civil? Como reorg
t i v a s p a r a O m o d e l o e c o n ô m i c o v i g e n t e ? Como
seriam as alterna -
incorporar as organizações dos trabalhadores à vida política demo
crática?
s d a g a ç õ e s m a r c a r i a m a ú l t i m a f a s e d o r e g i m e
Essas e outra in
r, m m o m e n t o e m q u e a o p o s i ç ã o l i b e r a l c o m e ç ava a tomar à
milita nu
c e s s o p o l í t i c o e a n e g o c i a r a s a í d a d o s m i l i t a r e s do
dian t e i r a d o p r o
poder.
ogia o at
q Mana
ag e
A crise do regime
militar e a transição
4 '
democrática
Motim de
desempregados
em São Paulo,
em 5 de abril
de 1983.
Re FOSSAS REA = SD on SAP ERP A EEE PDS ERES e SR RSS TSE
OT
espalhava por toda a periferia de São Paulo, chegando ao centro da
ee
cidade. No mesmo dia, no palácio dos Bandeirantes (sede do gover-
e
rea
no estadual), enquanto o governador recebia uma comissão de
desempregados, a multidão que permanecia fora acabou forçando e
aa
derrubando as grades que cercavam os jardins do palácio, numa cena
que fazia lembrar os momentos que antecederam as grandes revolu-
cões sociais da história. Somente no terceiro dia de conflitos, a polícia
conseguiu controlar a situação na cidade. Enquanto isso, novos
saques e depredações ocorriam em outras cidades importantes, mas
sem o grau de violência visto em São Paulo, onde centenas de
pessoas foram presas ou saíram feridas dos distúrbios.
Com a situação controlada, as forças políticas começaram a fazer
um balanço dos acontecimentos, propondo alternativas e trocando
acusações. O governo federal, que colocara o Exército de prontidão,
apontou a hesitação do governador Franco Montoro ao lidar com os
manifestantes. O PMDB, partido de Montoro, culpou os grupos
radicais ligados ao PT. O PCB (aliado ao PMDB) acusou os “infiltra-
dos” de direita, que queriam desestabilizar o governo estadual recém-
eleito. O PT, por sua vez, culpou a política recessiva do governo
federal, Todos os partidos de oposição, porém, concluíram que era
necessário propor um novo modelo político para o país; caso con-
trário, tais acontecimentos iriam se repetir de forma mais grave e
incontrolável.
Entre tantas avaliações sobre o episódio, vale a pena citar uma
opinião simples e direta de um transeunte que presenciou o motim,
colhida pela Folha de S.Paulo, de 5 de abril de 1983: “Nunca vi nada
igual nesta vida. É a guerra da fome”.
94
Fac-sinih
do panfleto convocatorto do
primeiro grande comício pelas eleições
diretas, em janeiro de 1984.
95
a
A
á AM x
my F FA
at “rf
1977, nas greves operárias e nos atos públicos organizados pelos
movimentos sociais. Para os personagens que não tinham espaço
institucional na política de abertura, ocupar as ruas era uma forma.
ainda que simbólica, de exercer a cidadania e protestar contra os
rumos históricos da nação.
O govemo federal, ao tentar diminuir a importância das manifes-
tações, chegava a ridicularizar os participantes dos comícios. afirman-
do que o seu comparecimento em massa era devido ao show de
cantores populares. Com isso, só aprofundava seu isolamento politi-
co. Apesar de tudo, Figueiredo se comprometia, formalmente. à
respeitar e a fazer cumprir a decisão do Congresso acerca da Emenda
Dante de Oliveira, o que não significava que o regime não usaria
todos os meios de coerção para tentar influenciar à votação.
Paralelamente à campanha das diretas, o PDS se agitava para
escolher o candidato à sucessão de Figueiredo. Dois nomes, basi
ca-
mente, disputavam a indicação do partido: o ex-governador
de São
Paulo, Paulo Maluf (apoiado por Golbery e pelos castelistas), e
o ex-
ministro Mário Andreazza (ligado ao grupo medicista e apoi
ado por
Figueiredo). Maluf acabou ganhando a prévia do partido,
tornando-se
candidato a presidente. A indicação do ex-governador, na
época um
dos políticos mais impopulares do Brasil, acabou complican
do ainda
mais à situação política do regime. De qualquer forma,
o próprio PDS
acabou por enterrar a possibilidade do continuísmo
militar, pois
Mário Andreazza, o derrotado, era um militar
da reserva ligado
diretamente aos interesses do chamado “grupo
palaciano” (aglutina-
do em torno do ex-presidente Médici).
Entre fevereiro e março de 1984, a campanha
das Diretas-já se
espalhara pelo país. Em todas as principais cida
des foram realizados
grandes comícios, reunindo enorme contingente
de manifestantes.
Alguns dados revelam a dimensão da campanha
: Belém, 60 mil: Belo
Horizonte, 300 mil: Rio de Janeiro, 200 mil: Recife,
80 mil. A imprensa
enumerou diversos eventos organizados
espontaneamente pela po-
pulação, em torno do tema das Diretas-já:
bailes de carnaval, carrea-
tas, churrascadas, cerimônias de
formatura, partidas de futebol,
exposições de arte, etc. Nos escritórios e
fábricas, os trabalhadores
compareciam ao trabalho trajando vest
imenta ou portando uma fita
amarela — cor simbólica da campan
ha — e broches e camisetas
com
"m meados de março, tendo percebido o impacto do movimento,
aos gove rnad ores Fran co Mont oto e
alguns setores do PMDB ligados
Tancredo Neves decidiram se afastar e não mais incentivar as manifes-
ações de rua. Políticos ligados ao governo federal e setores das Forças
acen aram com à poss ibil idad e de uma tran siçã o negociada
Armadas
der civil, apoi ando a cand idat ura de Tanc redo Neve s no
para O Pt
Eleit oral, em troca do fim da camp anha das diret as. Em
Colégio
am que
declarações à imprensa na época, Tancredo e Montoro anunciar
não iriam mais participar dos comícios pró-diretas. No caso de Monto-
ro, à despeito da discordância de sua assessoria mais próxima, as bases
do PMDB conseguiram que ele voltasse atrás em sua decisão. De
qualquer forma, ficava claro que as mesmas forças políticas que haviam
lançado a campanha estavam agora receosas de suas consequências.
Um dos temores da oposição liberal era de que a campanha de rua
dificultasse a saída negociada dos militares no poder.
Apesar das tentativas de dissolver o ímpeto da campanha, a
sociedade manteve a ocupação das ruas e o fôlego do movimento.
Com a definição da data da votação da Emenda Dante de Oliveira
para o dia 25 de abril, a campanha cresceu ainda mais, empolgando
aqueles que ainda não tinham ido às ruas. O comício do dia 10 de
abril, no Rio de Janeiro, foi um exemplo. Uma impressionante
multidão, calculada em 1 milhão de pessoas, promoveu um verdadei-
ro “carnaval da democracia”, como foi qualificado na época. Fanta-
sias, faixas e cartazes bem-humorados, bandas de música, discursos,
palavras de ordem — todos os recursos foram utilizados para reivin-
dicar diretas-já. Uma das faixas dizia: “Se alguns pediram 64, agora
todos pedem diretas”. A tese, tão cara à Doutrina de Segurança
Nacional, de que a politização das ruas gera necessariamente distúr-
bios da ordem pública, ficava definitivamente afastada. O SNI e a
Polícia Federal tentaram incutir medo entre aqueles setores que,
mesmo opositores ao regime, viam com reservas as ações da esquer-
da, “denunciando” a presença de “agitadores” nos comícios, simboli-
zados pelo uso das bandeiras vermelhas. Os anos de propaganda
ideológica tinham conseguido que a parcela mais despolitizada
acreditasse que esses grupos fossem uma ameaça para o país. Apesar
dessa tentativa de contrapropaganda, a festa cívica das Diretas-já
contagiava a maior parte da sociedade brasileira, que a essa altura
não depositava nenhuma confiança no regime.
O governo tentou retomar a coordenação do processo político,
lançando outra emenda constitucional, alternativa à emenda da
97
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oposição e na qual se propunham algumas reformas liberalizantes na
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dente somente para 1988.
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Com a chegada do dia da votação da emenda das Diretas-já, 25 de
abril, as entidades de oposição realizaram uma vigília cívica em todo
o país, dO longo da madrugada, horário da votação em Brasília. Para
4 frustração geral da nação, uma parte dos deputados, liderada pelo
candidato do regime, Paulo Maluf, boicotou a votação, impedindo
que o Congresso atingisse o quórum mínimo para aprovar a emenda.
Mais do que a Emenda Dante de Oliveira, a maioria dos brasileiros foi
derrotada.
Nos meses que se seguiram à derrota das diretas, em meio à
frustração da sociedade mais organizada, realizaram-se inúmeras ne-
gociações de bastidores e articulações partidárias. Uma parte do PDS
retirou seu apoio ao governo, formando a Frente Liberal. Essa, junto
com o PMDB, apresentou uma chapa, considerada extremamente
conservadora, para disputar a votação no Colégio Eleitoral, marcada
para janeiro de 1985: Tancredo Neves para presidente e José Sarney
— um aliado histórico do regime que se tornara dissidente de última
hora — para vice. Uma tentativa de reeditar a grande campanha po-
pular foi feita pela imprensa e pelos partidos liberais, e boicotada pela
oposição de esquerda, cujo principal porta-voz, o PT, se recusou a
comparecer ao Colégio Eleitoral (embora aí só tivesse seis votos).
Em janeiro de 1985, a chapa Tancredo-Sarney conseguiu uma
vitória esmagadora contra Paulo Maluf. O presidente vitorioso, que
não chegaria a tomar posse devido a problemas de saúde, prometia o
advento da Nova República e o encerramento do ciclo dos militares
no poder. Era o começo de uma “transição democrática”, produto da
saída negociada dos militares. Mesmo acusada pela esquerda de ser
uma opção conservadora, a Nova República prometia a redemocrati-
zação não só do Estado, mas também da sociedade brasileira.
Se a transição democrática começou contrariando a vontade de
milhões de brasileiros que não puderam influenciar no destino
político imediato do país, os valores democráticos exercitados nos
últimos anos do regime pela oposição civil como um todo marcaram
época e foram o contraponto das dinâmicas políticas do regime.
Aquela derrota não poderia apagar a presença de amplos setores da
sociedade que desejavam participar, após 21 anos de coerção social e
política em nome da Segurança Nacional, Como escreveu na Folha de
S.Paulo (de 26 de abril de 1984) o jornalista Fernando Gabeira,
testemunha dos acontecimentos de Brasília: “O coração do Brasil não
está aqui [nos palácios de Brasílial, o coração do Brasil está nas ruas.
nas fábricas, nos escritórios, nas escolas...”.
99
Conclusão
101
Cronologia
Ds
1961
* Renúncia do presidente Jânio Quadros (PTN-UDN). Seu vice, João
Goulart (PTB), não é aceito pelos militares, por ser visto como um
esquerdista. A solução para a posse é a adoção do parlamentaris-
mo, no qual o presidente fica com os poderes diminuídos.
1964
* Após a tentativa de implementar medidas como a reforma agrária e
a nacionalização de algumas empresas, bem como incentivar a
democratização interna das Forças Armadas, João Goulart é depos-
to por um golpe militar apoiado por civis, em 31 de março. Sobe ao
poder o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco.
1967
* Promulgação da nova Constituição. Posse do marechal Ar
tur da
Costa e Silva como presidente. Parte da esquerda brasilei co
ra meça
a organizar a luta armada contra o regime.
1968
* À crise estudantil chega ao ápice. Entre março e outu
bro explode
um grande movimento de massa, apoiado por muit
os setores da
sociedade civil. Organizam-se os primeiros grupos gu
errilheiros
contra o regime. Em 13 de dezembro, o govern pr
o omulga o Al-5,
que lhe dá plenos poderes para reprimir os opositores
.
1969
* Posse do general Emílio Garra
stazu Médici, após o afastament de
Ped
ro Aleixo, vice-presidente civil de Cost e o
a Silva, Reorganiza-se a
repressão policial e estabelece-se a cens
ura q todos os meios de
comunicação.
102
1975
+ Desmantelamento total dos últimos grupos guerrilheiros de esquer-
da. Auge do “milagre econômico”.
1974
e Posse do general Ernesto Geisel, prometendo “distensão” (liberali-
zação do regime e relaxamento da repressão). A economia começa
a dar sinais de crise. O governo (Arena) sofre uma derrota significa-
tiva nas eleições parlamentares.
19:77
e Primeiras manifestações públicas de massa contra o regime militar,
organizadas pelo movimento estudantil, depois do A-5S. O movi-
mento operário volta a se pronunciar publicamente contra a política
de arrocho salarial. Em outubro, o general Sílvio Frota, ministro do
Exército e contrário à política de abertura, tenta organizar um gol-
pe contra Geisel.
1978
e Em maio eclode uma greve-surpresa nas fábricas do ABC paulista.
O líder metalúrgico Luis Inácio da Silva, o Lula, torna-se O porta-voz
da oposição dos trabalhadores ao regime. O governo anuncia o fim
do AlI-5, prometendo continuar a abertura no próximo governo.
1979
e Crescimento da oposição contra o regime. A crise econômica é um
fato consumado. O movimento sindical e o movimento popular
organizam grandes manifestações. Em março/abril, quando da
posse do general João Baptista Figueiredo como presidente, uma
grande greve paralisa o ABC paulista. O governo anuncia à anistia
aos presos políticos, após um grande movimento popular. Inicia-se
a reforma partidária, que acaba com o bipartidarismo, vigente
desde 1966, estabelecendo o pluripartidarismo,
1980
* O movimento operário, o movimento popular e as esquerdas
(menos o PCBe o PCdoB) decidem criar o Partido dos Trabalhado-
res. Eclode a grande greve de 41 dias no ABC, transformando-se
num dos maiores conflitos políticos entre o regime militar e a
sociedade civil. Todas as lideranças são presas, mas quem sai
105
desgastado é o governo. Ocorre uma série de atentados de extrema
direita contra entidades civis e bancas de jornais que vendiam
jomais de esquerda.
1982
Primeiras eleições diretas para governador de Estado. A oposição
(PMDB) sai vitoriosa na maioria dos Estados. |
1983
Auge da crise econômica, da recessão e do desemprego. O Brasil
pede dinheiro ao Fundo Monetário Internacional. Fundação da
Central Única dos Trabalhadores. Desempregados realizam saques
e depredações em várias capitais do país. Em novembro é lançado
o movimento por eleições diretas para presidente.
1984
Entre janeiro e abril, milhões de pessoas saem às ruas para protestar
e exigir a volta das eleições diretas para presidente da República.
No dia 25 de abril, a emenda constitucional proposta pelo deputado
Dante de Oliveira é rejeitada pela maioria conservadora do Con-
gresso. comandada pelo candidato indireto Paulo Maluf. A oposi-
ção, liderada pelo PMDB, decide participar da eleição indireta no
Colégio Eleitoral, lançando Tancredo Neves para presidente e José
Sarney para vice. Os militares negociam sua saída do poder. Uma
das condições é a não-punição daqueles que praticaram torturas.
1985
A oposição vence no Colégio Eleitoral. Tancredo Neves adoece
antes da posse, vindo a falecer pouco depois. José Sarney, na
condição de vice, toma posse como o primeiro presidente civil do
Brasil desde 1964. Fim do regime militar, Nasce a Nova República.
104
Bibliog pafia comentada
DG
BRASIL NU NC A MAI S: UM RE LA TO PAR A A HIS TÓR IA. 12. ed. São Pau lo/
Petrópolis: Arquidiocese de São Paulo/Vozes, 1985.
Este livro é o resultado de um levantamento minucioso €
rig oro so rea liz ado com o apo io da Igre ja Cat óli ca, que tor nou
públicos os mecanismos de repressão e tortura à presos políticos. É
um imp ort ant e doc ume nto que rev ela com det alh es o “te rro r de
Estado” montado pela ditadura militar brasileira.
105
E O ES ES TS
Er RR e PR E sm 2. o
eai neo PR um diicênio PER TR
106
a
e
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s
Discutindo o texto
a uso eo sor
2. Por que o presidente João Goulart não era bem visto pelos
setores conservadores da sociedade brasileira?
uma fac ção da esq uer da bra sil eir a opt ou pel a gue rri lha
9. Por que
como forma de combater o regime?
15. O que foi a política de abertura? Por que o regime militar propôs
essa política?
108
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