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PARA UMA LEITURA OPERATÓRIA DA LÓGICA DE HEGEL

EXPERIMENTOS ADICIONAIS
PARA UMA LEITURA OPERATÓRIA
DA LÓGICA DE HEGEL

EXPERIMENTOS ADICIONAIS

Antônio Carlos da Rocha Costa


Diagramação: Marcelo A. S. Alves
Capa: Ana Carolina de Moraes Godoi

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


COSTA, Antônio Carlos da Rocha (Orgs.)

Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais [recurso eletrônico] /
Antônio Carlos da Rocha Costa -- Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2022.

416 p.

ISBN: 978-65-5917-592-5
DOI: 10.22350/9786559175925

Disponível em: http://www.editorafi.org

1. Filosofia; 2. Lógica; 3. Interpretação; 4. Hegel; 5. Ciência da Lógica; I. Título.

CDD: 100
Índices para catálogo sistemático:
1. Filosofia 100
Para:
Beth
Juliana e André
Hugo e Maíra
Fernanda, Eduardo e Alice
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 11

SEÇÃO I
QUESTÕES METODOLÓGICAS

1 15
A SILOGÍSTICA DE ARISTÓTELES COMO UM SISTEMA DE SEQUENTES, COM
APLICAÇÃO À SEMÂNTICA DO INÍCIO DA LÓGICA DE HEGEL

2 122
PRINCÍPIOS DE UMA LINGUAGEM PARA APRESENTAÇÃO FORMALIZADA DA LÓGICA
DE HEGEL: O PRIMEIRO CAPÍTULO DA CIÊNCIA DA LÓGICA COMO ESTUDO DE CASO

SEÇÃO II
TEMAS ESPECÍFICOS

3 155
O INÍCIO DA LÓGICA OBJETIVA DE HEGEL: UMA APRESENTAÇÃO FORMALIZADA

4 176
A MACROOPERAÇÃO DE PROGRESSÃO DE ETAPA E SUA ATUAÇÃO NO INÍCIO DO
PROCESSO DE DERIVAÇÃO DE CONCEITOS, NA CIÊNCIA DA LÓGICA DE HEGEL
5 207
UM SISTEMA DE REGRAS DE DERIVAÇÃO PARA DETERMINAÇÕES DE REFLEXÃO, COM
APLICAÇÃO AO SURGIMENTO DO CONCEITO DE COISA-EM-SI NA ESFERA DA
EXISTÊNCIA

6 231
A DERIVAÇÃO DA NOÇÃO DE OBJETO NA "CIÊNCIA DA LÓGICA" DE HEGEL: UMA
APRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA

7 250
DERIVAÇÃO DO SILOGISMO SUJEITO-GÊNERO-ESPÍRITO QUE ESTÁ IMPLÍCITO NA
NOÇÃO DE VIDA DA CIÊNCIA DA LÓGICA DE HEGEL

8 300
A ESTRATIFICAÇÃO DO CONCEITO DE MUNDO NA CIÊNCIA DA LÓGICA DE HEGEL

SEÇÃO III
APLICAÇÕES

9 323
INTERSECCIONALIDADE E LUGAR DE FALA: UMA ARTICULAÇÃO LÓGICO-OPERATÓRIA
COM BASE NO CONCEITO DE MUNDO ESTRATIFICADO SETORIAL

10 371
ESTRUTURALISMO E FINITUDE, PÓS-ESTRUTURALISMO E PROGRESSÃO INFINITA:
UMA ANÁLISE LÓGICO-HEGELIANA DA APRESENTAÇÃO DO ESTRUTURALISMO E DO
PÓS-ESTRUTURALISMO POR JAMES WILLIAMS

11 391
O INFINITO VERDADEIRO EM HEGEL E O INFINITO ABSOLUTO EM CANTOR: UMA
ANÁLISE COMPARATIVA
APRESENTAÇÃO
Antônio Carlos da Rocha Costa 1

Este é o segundo volume que reúne artigos contendo experimentos de


apresentação formal da lógica de Hegel, realizados na sequência do primeiro
volume (Costa 2019) e com a mesma intenção: elaborar um formalismo lógico
capaz de alavancar uma compreensão contemporânea daquela lógica.
Tal tarefa transcende, claramente, a capacidade de qualquer
pesquisador individual. Esta série de volumes não tem, portanto, a
finalidade de apresentar uma solução para essa questão, mas apenas
indicar uma possibilidade para ela. Mesmo que, por mero acaso, essa
possibilidade seja encampada por outros pesquisadores, é praticamente
certo que a forma final que ela, eventualmente, venha a adquirir será
diferente daquela utilizada aqui: consolidação de vocabulário,
sistematização de métodos etc., são procedimentos intersubjetivos que
necessariamente modificam as formas simbólicas iniciais de que a
proposta se valeu inicialmente.
Este segundo volume, além de experimentos de apresentação formal
imediata de elementos da lógica hegeliana (na Seção II), traz também
reflexões metodológicas (Seção I e partes dos artigos das Seções II e III) e três
experimentos de aplicação daquele formalismo à análise lógico-hegeliana
de conteúdos contemporâneos não prontamente relacionáveis com a
questão da apresentação formal da lógica de Hegel (Seção III).

1
Programa de Pós-Graduação em Filosofia – PPGFil. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul – PUCRS. Email: ac.rocha.costa@gmail.com
SEÇÃO I

QUESTÕES METODOLÓGICAS
1
A SILOGÍSTICA DE ARISTÓTELES COMO UM SISTEMA
DE SEQUENTES, COM APLICAÇÃO À SEMÂNTICA DO
INÍCIO DA LÓGICA DE HEGEL
Antônio Carlos da Rocha Costa 1

RESUMO

Este artigo apresenta uma leitura dos Analíticos Anteriores, de


Aristóteles, a qual tem três objetivos principais:

• Primeiramente, captar as principais operações e relações constitutivas da


silogística aristotélica, por meio de sua formulação como um particular tipo
de sistema de sequentes, que denominamos Sistema de Sequentes
Silogístico (sistema S3).
• A seguir, fazer uso das operações e relações com que Aristóteles demonstra
a validade de seus silogismos para auxiliar na definição do modelo semântico
intensional-extensional com que ele fundamenta, implicitamente, aquelas
demonstrações.
• Finalmente, adaptar as demonstrações de validade de silogismos realizadas
por Aristóteles para a demonstração da validade das regras do sistema S3,
relativamente àquele modelo semântico.

Adicionalmente, várias opções de interpretação da silogística


aristotélica são fixadas em termos do vocabulário formal do sistema S3.
Possibilidades de aplicação do sistema S3 a outros sistemas silogísticos,
que não o aristotélico, são brevemente discutidas.
O artigo conclui com três estudos específicos:

1
Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Email:
ac.rocha.costa@gmail.com
16 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

• uma breve comparação do sistema S3 com o sistema de dedução natural com


que John Corcoran procurou formalizar, em 1974, a silogística aristotélica;
• uma consideração sobre o sentido dos silogismos construídos a partir de
premissas opostas, tal como examinados por Aristóteles no Livro II dos
Analíticos Anteriores;
• a aplicação do modelo semântico do sistema S3 à análise semântica do início
da Lógica de Hegel.

1. INTRODUÇÃO

Este artigo 2 tem por objetivo geral estabelecer, de forma


preliminar, um sistema de sequentes que seja capaz de captar
adequadamente os aspectos centrais dos sistemas silogísticos
desenvolvidos ao longo da história da Lógica.
Diferentes sistemas silogísticos foram desenvolvidos ao longo
dessa história:

• O sistema de Aristóteles, que formulou o primeiro sistema silogístico no seu


Analíticos Anteriores (Aristóteles, 2010);
• Os sistemas dos medievais, ver (Lagerlund, 2016), que se apropriaram da
silogística aristotélica, a estenderam e vestiram com outra roupagem
linguística;
• O sistema de Hegel, que na sua Doutrina do Conceito (Hegel, 2018 [1816]),
retrabalhou operatória e semanticamente a noção de silogismo;
• O sistema de De Morgan, que estendeu a noção de silogismo em diversos
aspectos (De Morgan, 1847), dando-lhe uma formulação simbólica e
vinculando-o à lógica de relações, que teve seu início naquela obra;
• O sistema de George Boole (1948 [1847]), que não desenvolveu a silogística,
mas - pelo contrário - a reduziu a estruturas algébricas da Matemática,
mais especificamente à álgebra de classes - cujas bases formais ele

2
Este artigo é uma versão revisada do artigo publicado originalmente, de modo informal, em
https://www.researchgate.net/profile/Antonio-Carlos-Rocha-Costa
Antônio Carlos da Rocha Costa • 17

estabeleceu naquela obra -, colocando a silogística como uma aplicação da


álgebra de classes e decretando, com isso, o fim do possível interesse geral
dos matemáticos pela silogística.

O artigo toma o sistema silogístico apresentado por Aristóteles nos


Analíticos Anteriores (Aristóteles, 2010) como o primeiro sistema
silogístico a ser examinado, visando o desenvolvimento da forma
preliminar do sistema de sequentes que temos em vista. Outros
sistemas silogísticos deverão ser examinados, posteriormente, com a
finalidade de estender e aprimorar a forma preliminar de sistema de
sequentes elaborada aqui.
O foco deste artigo é o sistema dos silogismos válidos,
apresentados por Aristóteles. Por isso, não consideramos as
construções silogísticas que Aristóteles mostrou não serem válidas.
Dois são os principais recursos lógicos contemporâneos utilizados
para apresentar formalmente os resultados obtidos da análise da
silogística aristotélica:

• a noção de sistema de sequentes, uma generalização da noção de cálculo de


sequentes, primeiramente elaborada por Gentzen;
• a noção de semântica denotacional, elaborada inicialmente para os sistemas
lógicos a partir da concepção de verdade de Tarski, mas muito desenvolvida
posteriormente para as linguagens computacionais.

Assim, a ideia central deste artigo é a de ler o Livro I dos Analíticos


Anteriores como se Aristóteles tivesse por objeto demonstrar a validade
das regras de S3 com base no modelo semântico que definimos.
O resultado é um sistema de sequentes que, imaginamos, capta
muito do que há de comum a todos os sistemas silogísticos elaborados
até hoje, mas que - certamente - vai requerer extensões e adaptações
18 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

para poder dar conta de outros sistemas silogísticos que não o de


Aristóteles.
Finalmente, uma observação importante, apontando para uma
questão etimológica central: lembramos que συλλογισµος deriva de
συλλογη, que pode ser traduzido por juntar, reunir e, particularmente,
ligar.
Num silogismo envolvendo três termos 𝑋𝑋, 𝑌𝑌 e 𝑍𝑍, com a forma de
sequente que utilizamos neste artigo para representar silogismos, a
ligação entre o primeiro e o terceiro termo, através do termo
intermediário, pode ser representado esquematicamente como:

𝑋𝑋 ⊲ 𝑌𝑌 𝑌𝑌 ⊲ 𝑍𝑍
𝑋𝑋 ⊲ 𝑍𝑍

Esse sentido de ligação - há silogismo quando dois termos são


ligados com base na mediação de um terceiro, não deve ser esquecido
quando se lê o termo silogismo em Aristóteles: silogismo é, em primeiro
lugar, a ligação que resulta dessa operação inferencial, só depois é a
estrutura de termos e proposições envolvida nessa operação.

1.2 A ORGANIZAÇÃO DO ARTIGO

A Parte I faz uso informal do sistema S3 para resumir os aspectos


da silogística de Aristóteles mais relevantes para o presente artigo:

• Seção 2: discute questões preliminares, necessárias à compreensão da


inserção do artigo no conjunto dos estudos da silogística aristotélica e a
compreensão inicial dos objetivos do trabalho.
• Seção 3: discute a noção geral de silogismo e vários aspectos relacionados
com ela.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 19

• Seção 4: examina as operações utilizadas na demonstração da validade dos


silogismos.
• Seção 5: apresenta, resumidamente, as demonstrações da validade dos
silogismos assertóricos, elaboradas por Aristóteles.
• Seção 6: faz o mesmo com as demonstrações da validade dos silogismos
apodíticos.
• Seção 7: discute a questão da validade dos silogismos contingentes.
• Seção 8: lista alguns metateoremas formulados por Aristóteles em relação
à sua silogística.

A Parte II traz a definição formal do sistema S3 e resume o método


de validação de proposições que se baseia no domínio de conceitos desse
sistema.

• Seção 9: introduz a linguagem formal do sistema S3.


• Seção 10: introduz a estrutura básica do modelo semântico do sistema S3.
• Seção 11: introduz a função semântica do sistema S3.
• Seção 12: sumaria o método aristotélico de validação de proposições
denominado método de seleção de premissas, que faz uso da estrutura
relacional do domínio de conceitos.
• Seção 13: apresenta as duas regras de corte do sistema S3.
• A Parte III é a parte final do artigo:
• Seção 14: discute o sistema de dedução natural proposto por John Corcoran
para a formalização da silogística aristotélica e a teoria da dedução que
Aristóteles utilizou para demonstrar a validade dos seus silogismos.
• Seção 15: discute o sentido dos silogismos que partem de premissas opostas,
tal como eles foram examinados por Aristóteles no Livro II dos Analíticos
Anteriores;
• Seção 17: aplica o modelo semântico do sistema S3 à análise semântica do
início da Lógica de Hegel, estabelecendo com base nessa análise a semântica
intensional das relações lógicas de passagem e devir.
• Seção 18: é a conclusão do artigo.
20 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

1.3 ALGUNS TRABALHOS SOBRE A FORMALIZAÇÃO DA SILOGÍSTICA


ARISTOTÉLICA NÃO EXAMINADOS AQUI

Alguns trabalhos que provavelmente seriam relevantes para a


elaboração deste artigo não foram examinados. Citamos três deles aqui.
Primeiramente, mencionamos que não examinamos a
interpretação que Jan Lukasiewicz apresentou da silogística de
Aristóteles na década de 1950 (Lukasiewicz, 1957[1951]). A principal
razão é que a intepretação de Lukasiewicz nos pareceu consistir na
redução da silogística aristotélica a um cálculo proposicional, expresso
na notação formal chamada notação polonesa, que Lukasiewicz mesmo
tinha desenvolvido anteriormente). Uma análise dessa interpretação
nos levaria a um esforço que, à primeira vista, teria apenas interesse
histórico, posto que as principais críticas que John Corcoran (1974) faz
dele nos pareceram bastante pertinentes.
Em segundo lugar, examinamos apenas um dos trabalhos de Robin
Smith, nomeadamente (Smith, 2017), mas não examinamos sua
introdução à tradução dos Analíticos Anteriores que ele mesmo realizou
(Smith, 1989). De qualquer modo, a formalização da silogística de
Aristóteles ali apresentada segue as linhas gerais do sistema de dedução
natural proposto por Corcoran (1974), referência bibliográfica
amplamente considerada aqui.
Cabe mencionar, também, a tese de doutoramento de Mateus
Ricardo Fernandes Ferreira (Ferreira, 2012), que relatou de modo seguro
o estado da arte, na época, dos estudos sobre a silogística aristotélica
instrumentalizados pelas noções da lógica contemporânea.
Finalmente, cabe lembrar que a dificuldade da formalização dos
sistemas silogísticos foi exaustivamente examinada por Jean Piaget, em
Antônio Carlos da Rocha Costa • 21

seu Ensaio de Lógica Operatória (Piaget, 1976 [1972]). Ao examinar as


propriedades operatórias da lógica de classes e da lógica de relações
implicadas pela silogística tradicional, detectou a fraca diferenciação
que ela estabelece entre forma e conteúdo, e estabeleceu a estrutura
algébrica dos grupamentos como a estrutura operatória que melhor
aproxima, em grau minimamente satisfatório, da estrutura operatória
daquelas lógicas.
O sistema de sequentes silogístico introduzido neste artigo
procura captar alguns aspectos da estrutura de grupamento (p. ex., a
correlação entre conceitos e objetos, ver seção 10.1), mas não tenta
incorporar plenamente aquela estrutura pois, tendo caráter preliminar,
o artigo não pretende se comprometer, desde já, com os resultados de
Piaget.

SEÇÃO I: A SILOGÍSTICA DE ARISTÓTELES

2. QUESTÕES PRELIMINARES

2.1 AS LEITURAS CONTEMPORÂNEAS DA SILOGÍSTICA ARISTOTÉLICA

John Corcoran (1994) estabelece uma clara distinção entre duas


leituras contemporâneas de Aristóteles. Por um lado, uma leitura
inaugurada por Jan Lukasiewicz (1957 [1951]), em que os silogismos são
lidos como determinadas proposições condicionais quantificadas
universalmente, que entendemos serem aquelas que, pelo Teorema da
Dedução (Mendelson, 1997, p.37), correspondem a argumentos
silogísticos válidos.
Por outro lado, uma leitura inaugurada pelo próprio John
Concoran (1974), juntamente com Timothy Smiley (1973), em que os
22 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

silogismos são lidos como resultados de demonstrações de que


determinadas proposições seguem necessariamente, como conclusões,
a partir de determinados conjuntos de proposições, assumidas como
premissas.
Para Corcoran (1994), o ponto de vista inaugurado por Lukasiewicz
implicaria que os Analíticos de Aristóteles teriam por objetivo
determinar qual é o conjunto das proposições verdadeiras, resultante das
regras silogísticas do sistema. Já para o próprio de Corcoran, os
Analíticos têm por objetivo investigar a teoria de um método dedutivo,
método caracterizado por sua consistência e capacidade de completeza:
enquanto que para Lukasiewicz os Analíticos se limitariam a especificar
uma coleção de proposições verdadeiras, para Corcoran, os Analíticos
elaboram um sistema lógico e sua metateoria.
A perspectiva desenvolvida no presente artigo se propõe a ser uma
variante do ponto de vista elaborado por John Corcoran (1974). Mais
especificamente, aqui tratamos a silogística introduzida por Aristóteles
no Livro I dos Primeiros Analíticos por meio de um tipo particular de
cálculo de sequentes, que chamamos Sistema de Sequentes Silogístico (S3)
e não por meio de um sistema de dedução natural, como proposto por
Corcoran.

2.2 A TERMINOLOGIA

Há uma certa variedade de modos de traduzir para o Português os


termos técnicos dos Analícos Anteriores, em parte motivada pela
tentativa dos tradutores de "atualizar" o vocabulário do texto, em parte
devida a opções de tradução motivadas por "interpretações" lógicas ou
metafísicas motivadas por posicionamentos pessoais dos tradutores.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 23

Não se trata, aqui, de fazer um apanhado dessas diferenças num


muito menos de identificar as razões de cada alternativa que foi
proposta.
Trata-se, simplesmente, de fixar o vocabulário utilizado neste
artigo e estabelecer o significado dos principais termos técnicos
utilizados para referir os elementos da silogística aristotélica.
Definições mais precisas, e mesmo formais, são apresentadas no corpo
do artigo.
Assim, temos o seguinte:

• por silogismo entendemos uma sequência de três proposições, as duas


primeiras chamadas de premissas do silogismo, a terceira chamada de
conclusão do silogismo;
• por proposição entendemos uma sequência composta por um primeiro termo,
um operador de relação e um segundo termo;
• por termo entendemos uma expressão que significa um conceito e se refere à
extensão desse conceito.
• Igualmente, temos:
• por demonstração de um silogismo entendemos uma sequência de proposições,
em linguagem natural ou em uma linguagem formalizada, que indica que o
silogismo é válido;
• proposições e silogismos podem ser qualificados em termos de modalidades:
podem ser assertóricos, apodíticos ou contingentes (um comentário adicional,
referente à terminologia das modalidades, encontra-se na seção 3.3).
• Também temos o seguinte:
• termos, proposições e silogismos podem ser concretos, quando constituídos
por expressões de uma linguagem natural, e podem ser abstratos, quando
constituídos por expressões de uma linguagem formal;
• por esquema de uma proposição entendemos a estrutura formal da
proposição, seja concreta ou abstrata;
• por esquema de um silogismo entendemos a estrutura formal do silogismo,
seja concreto ou abstrato;
24 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

• representamos um esquema de proposição por uma proposição abstrata


qualquer que se conforme a esse esquema;
• representamos um esquema de silogismo por um silogismo abstrato qualquer
que se conforme a esse esquema;
• frequentemente, a expressão esquema silogístico faz as vezes da expressão
esquema de silogismo.

Finalmente, temos:

• proposições podem ser verdadeiras e silogismos podem ser válidos,


relativamente ao modelo semântico implícito na silogística aristotélica;
• um esquema de silogismo é válido se todos os silogismos concretos que lhe
correspondem são válidos;
• correspondentemente, dizemos que um silogismo abstrato é válido se e
somente se ele representa um esquema de silogismo válido.

Esse vocabulário também é utilizado, conforme estabelecido no


corpo do artigo, para referir os correspondentes elementos do sistema
S3.
Uma observação sobre o termo silogismo: Aristóteles reserva o
termo silogismo para aquilo que denominamos silogismo que é conforme
a um esquema válido ou, mais simplesmente, silogismo com esquema
válido. Isto é, a noção se silogismo, em Aristóteles, tem tanto um
componente sintático (uma combinação de proposições) quanto um
componente semântico (a verdade das premissas e da conclusão do
silogismo), ao passo que na noção terminologia, silogismo tem apenas o
componente sintático.
Por isso, precisamos explicitar a conformidade do silogismo a um
esquema válido, quando queremos significar a mesma coisa que
Aristóteles significa apenas com o termo silogismo.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 25

Finalmente, uma observação sobre o termo premissa: Aristóteles


usa o termo premissa de modo equívoco. Por um lado, premissa é (como
caracterizamos acima, uma proposição a partir da qual a conclusão de
um silogismo pode ser estabelecida). Por outro lado, Aristóteles usa o
termo premissa de um modo aparentemente confuso, significando toda
e qualquer proposição participante de um silogismo, inclusive a
conclusão.
Esse segundo sentido, contudo, pode ser esclarecido tomando-se
em conta o modo com que Aristóteles se refere às proposições quando
explicita seu método para descobrir "um bom suprimento de silogismos
para enfrentar qualquer problema" (Aristóteles, 2010, p.169).
O método consiste em examinar os conceitos expressos pelos termos
do problema (aqui, a proposição a validar) e explicitar as relações entre
eles. Duas relações principais se estabelecem (Aristóteles, 2010, p.170-
171):

• a relação de consequência, pela qual um conceito se mostra como


consequente de outro;
• a relação de antecedência, pela qual um conceito se mostra como antecedente
de outro.

Na terminologia do presente artigo (ver seção 2.2), vale que 𝑋𝑋 é


consequente de 𝑌𝑌 e 𝑌𝑌 é antecedente de 𝑋𝑋 se e somente se 𝑋𝑋 está presente
em (ou: é uma nota característica de) 𝑌𝑌. Na terminologia mais usual,
vale que 𝑋𝑋 é consequente de 𝑌𝑌 e 𝑌𝑌 é antecedente de 𝑋𝑋 se e somente ocorre
que: 𝑌𝑌 é 𝑋𝑋.
Consequentes e antecedentes são identificados, portanto, por meio
de uma análise conceitual do problema a ser examinado
silogisticamente, uma análise de todos os conceitos envolvidos no
26 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

problema. As relações de consequência e antecedência estabelecem,


assim, as relações de presença que constituem as proposições com as
quais os silogismos relativos ao problema são construídos.
Dito de outro modo, todas as proposições relevantes ao problema
são estabelecidas previamente à construção dos silogismos e, por isso,
são todas elas premissas dessa construção: a construção dos silogismos
só pode proceder após a completação da análise conceitual.
É nesse sentido que, entendemos, Aristóteles pode fazer uso do
termo premissa para se referir mesmo às conclusões dos silogismos: até
mesmo as possíveis conclusões dos silogismos foram obtidas,
anteriormente à construção dos mesmos, por meio da análise conceitual
do problema (ver próxima seção e, também, seção 2.2).
Isso reforça, nos parece, a ideia de que o componente intensional é
essencial à semântica dos silogismo de Aristóteles (ver seção 10).

2.3 O PROJETO DE ARISTÓTELES PARA SUA SILOGÍSTICA

Projeto, empreendimento, objetivo, finalidade: com qualquer desses


termos podemos traduzir a expressão τελος (Aristotle, 1962, p.362) com
que Aristóteles indica o resultado teórico e metodológico que buscava
estabelecer para sua silogística.
Mais precisamente, no capítulo XXXII do Livro I dos Analíticos
Anteriores, Aristóteles se expressa do seguinte modo:

"Se examinarmos os meios pelos quais são produzidos os <argumentos>,


detivermos a capacidade de descobrí-los ou inventá-los e pudermos
também reduzir os <argumentos>, quando construídos, às figuras
previamente descritas, nosso projeto original estará realizado
completamente." (Aristóteles, 2010, p.181)
Antônio Carlos da Rocha Costa • 27

onde:

• por argumento deve-se entender uma sequência de proposições que justifica


a verdade da conclusão que se segue dela;
• por figuras previamente descritas deve-se entender os esquemas básicos de
silogismos estudados na Parte I do presente artigo.

Resumidamente, o projeto teórico-metodológico visado por


Aristóteles para sua silogística pode ser resumido pela fórmula:

Projeto =
meios de produção de silogismos válidos
+ método de produção de silogismos válidos
+ método de redução de argumentos a silogismos válidos

onde os silogismos válidos servem como base garantidora da validade


dos argumentos que podem ser reduzidos a eles. Isto é, para Aristóteles,
a silogística funciona como sistema lógico subjacente aos argumentos
que, não necessariamente, são formulados silogisticamente.
Essa ideia é resumida graficamente pelo seguinte diagrama:
28 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

O diagrama indica que para estabelecer a validade de um argumento


é necessário reduzí-lo a um silogismo dotado de um esquema válido. Se
essa redução não é possível, o argumento não é válido silogisticamente.
O diagrama indica também que os esquemas silogísticos válidos,
tanto os universais da Figura I (a figura dos esquemas silogísticos
paradigmáticos, ver seção 3.4) quanto os demais, são sistematicamente
produzidos a partir do modelo semântico da silogística.
Finalmente, o diagrama indica que todos os esquemas silogísticos
válidos podem ser reduzidos aos esquemas universais da Figura I.
O fato de que nem todo esquema de argumento válido é um esquema
de silogismo válido é explicitamente reconhecido por Aristóteles:

"Mas necessário apresenta uma extensão significativa maior do que


silogismo, pois se todo silogismo <com um esquema válido> é necessário,
nem tudo que é necessário é um silogismo <com um esquema válido>.
(Aristóteles, 2010, p.182)

Note-se, porém, que Aristóteles assume que todo argumento válido


pode ser indiretamente reduzido a um silogismo com esquema válido, por
meio de determinados procedimentos:

"Consequentemente, se alguma coisa resulta de certas suposições, não nos


cabe de imediato tentar reduzir o argumento a <i.é, colocá-lo
imediatamente na forma de> um silogismo. Devemos, primeiramente,
apreender as duas premissas <que podem estar implícitas no argumento>,
proceder assim à análise de seus termos e postular como termo médio o que
é enunciado em ambas as premissas <..>." (Aristóteles, 2010, p.182)

Os componentes do projeto silogístico aristotélico, indicados no


diagrama acima, constituem os conteúdos essenciais do Livro I dos
Analíticos Anteriores, que vamos analisar formalmente, no presente
Antônio Carlos da Rocha Costa • 29

artigo, em termos do sistema de sequentes silogístico S3 introduzido na


Parte II.

2.4 FORMALISMO BÁSICO DO SISTEMA S 3

Definimos um sistema de sequentes como um sistema de regras que


possibilita representar correlações entre expressões de uma linguagem
formal.
Essa noção de sistema de sequentes generaliza os tradicionais
cálculos de sequentes estabelecidos originalmente por Gentzen para sua
análise da consistência de provas matemáticas (Negri & Plato, 2001), ver
também (Plato, 2014).
Dizemos que um sistema de sequentes, em sua forma geral, é um
conjunto de regras de derivação cuja forma básica é a seguinte:

Γ1 ⊢ Γ2 Γ3 ⊢ Γ4
Γ5 ⊢ Γ6

onde:

• a regra deve ser lida verticalmente, de cima para baixo;


• Γ1 ,..., Γ6 são sequências de expressões da linguagem formal em questão;
• ⊢ é a correlação considerada, no sistema, entre duas sequências de
expressões;
• Γ1 ⊢ Γ2 , Γ3 ⊢ Γ4 e Γ5 ⊢ Γ6 são denominados sequentes;
• os sequentes Γ1 ⊢ Γ2 e Γ3 ⊢ Γ4 são as premissas da regra, o sequente Γ5 ⊢
Γ6 é a conclusão;
• a regra indica que o sequente Γ5 ⊢ Γ6 é demonstrável a partir dos sequentes
Γ1 ⊢ Γ2 e Γ3 ⊢ Γ4 .
30 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Os formatos das regras podem variar, com os cálculos de sequentes


admitindo regras com apenas um, ou com nenhum, antecedente. Uma
regra sem antecedente é entendida como representando um axioma do
cálculo, isto é, um sequente básico, que não deriva de nenhum outro.
O sistema S3 possui diversas particularidades, que o tornam
bastante elementar (ver seção 2.2, para a terminologia adotada):

1. As sequências de expressões limitam-se a sequências unitárias, isto é,


sequências com uma única expressão. Além disso, cada uma dessas
expressões é constituída por apenas um termo, entendido no sentido da
silogística de Aristóteles. Como termos são elementos primitivos nessa
silogística, portanto irredutíveis a outros termos, o sistema S3 constitui
uma protológica, no sentido de (Fletcher,1998).
2. O sistema S3 opera com seis relações de derivação, não apenas uma, como
nos cálculos de sequentes usuais. As seis relações de derivação são
denotadas por um dos símbolos:

�, ⊳
⊲, ⊳, ⊲ �
� , ∝,∝

3. Elas geram seis diferentes formas de sequentes, cada uma correspondendo a


uma das formas de proposição abstrata definida admitidas na silogística de
Aristóteles. As seis formas possíveis de sequentes são:

• 𝑋𝑋 ⊲ 𝑌𝑌;
• 𝑋𝑋 ⊳ 𝑌𝑌;
• 𝑋𝑋 ⊲
� 𝑌𝑌;
• 𝑋𝑋 ⊳
� 𝑌𝑌;
• X ∝ 𝑌𝑌;
• X∝
� 𝑌𝑌;
Antônio Carlos da Rocha Costa • 31

onde as letras 𝑋𝑋 e 𝑌𝑌 representam sequências unitárias, isto é, sequências


constituídas por um único termo (sobre como verbalizar essas relações de
derivação, ver seção 3.1).
4. As relações de derivação desses sequentes têm um sentido silogístico
específico: elas são relações de presença de termos. Elas representam as
diferentes formas com que um termo pode estar presente em outro (ver seção
3.1).
5. As relações de presença de termos podem ser de diferentes modalidades de
presença (assertórica, necessária, contingente), em conformidade com o
conjunto de modalidades dos silogismos.
6. Além disso, as relações de presença de termos podem ser determinadas
quanto à sua polaridade (afirmativa, negativa) e quanto à sua quantidade
(universal, particular, indefinida), também em conformidade com a
variedade correspondente dos silogismos.
7. Cada regra do sistema S3 formaliza ou um silogismo abstrato da silogística
aristotélica ou uma operação de demonstração de silogismos.

Por exemplo, a seguinte regra do sistema S3 representa o primeiro


silogismo abstrato que Aristóteles apresenta como válido, o silogismo
abstrato assertórico da Figura I que é tradicionalmente denominado
Barbara (as letras 𝐴𝐴, 𝐵𝐵 e 𝐶𝐶 representam termos quaisquer):

𝐴𝐴 ⊲ 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊲ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲ 𝐶𝐶

Claramente, essa regra que formaliza o silogismo Barbara tem uma


forma particular daquilo que, nos cálculos de sequentes em geral, é
denominado regra de corte, a regra mais importante de todo cálculo de
sequentes (Negri & Plato, 2001, p.18).
A possibilidade de entender formalmente o silogismo Barbara
como uma regra de corte justifica pensar a silogística de Aristóteles em
termos de um sistema de sequentes. Note-se, porém, como será mostrado
32 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

na seção 3.1, que como o sistema S3 diz respeito às seis relações


mostradas acima (as seis relações de presença de termos: ⊲, etc.), ele é
potencialmente dotado de mais de uma regra de corte (mas, ver as
reduções dos diversos esquemas de silogismo aos esquemas universais,
na seção 5), ao contrário dos cálculos de sequentes usuais que, dizendo
respeito a uma única relação de derivação, estão dotados de uma única
regra de corte.

2.5 MODELOS SEMÂNTICOS EXTENSIONAIS E INTENSIONAIS

Utilizamos as expressões extensão e intensão como sinônimos das


expressões referência e sentido utilizadas por Frege no texto Sobre o
Sentido e a Referência (Frege, 2009a).
Chamamos de modelo semântico extensional de uma linguagem
formalizada uma estrutura conjunto-teorética estabelecida sobre um
universo de objetos e servindo como contradomínio de uma função
semântica extensional, a qual indica, para cada componente sintático
significativo da linguagem, qual objeto do universo, ou qual subestrutura
da estrutura conjunto-teorética, deve ser tomado como a extensão
daquele componente sintático.
Chamamos de modelo semântico intensional-extensional de uma
linguagem formalizada uma estrutura conjunto-teorética estabelecida
sobre uma combinação de um universo de elementos intensionais com um
universo de elementos extensionais, e servindo como contradomínio de
uma função semântica intensional-extensional, a qual indica, para cada
componente sintático significativo da linguagem, qual subconjunto de
elementos intensionais e qual subconjunto de elementos extensionais devem
ser tomado como a intensão e a extensão daquele componente sintático.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 33

No caso do sistema de sequentes silogístico deste artigo, o universo


de elementos intensionais adotado é um domínio de elementos que
denominamos domínio de conceitos, cada conceito sendo definido como
um subconjunto de conceitos do próprio domínio.
Claramente, essa configuração do domínio de conceitos impõe a esse
domínio o requisito dado pela seguinte equação (𝐶𝐶 é o domínio de
conceitos, ℘(𝐶𝐶 ) é o conjunto potência de 𝐶𝐶):

𝐶𝐶 = ℘(𝐶𝐶)

equação que só se resolve no contexto da Teoria dos Domínios,


introduzida por Dana Scott (Abramsky & Jung, 1994).
Essa caracterização do domínio de conceitos implica que a parte
intensional da semântica da silogística aristotélica precisa ser vista sob
a perspectiva da teoria semântica denominada Semântica Denotacional
(Tennent, 1994), a qual também foi introduzida por Dana Scott, visando
inicialmente o caso das linguagens computacionais.
No presente artigo, contudo, não examinamos as questões técnicas
relativas ao caráter domínio-teorético desse aspecto intensional da
semântica da silogística aristotélica. Lidamos com a parte intensional
dessa semântica de modo meramente intuitivo.
Por outro lado, a utilização de um modelo semântico com um
componente intensional não é opção de aceitação geral. Por exemplo,
John Corcoran é taxativo:

"Aristotle regarded the truth-values of the non-modal categorical


propositions as determined extensionaIly <..>." (Corcoran, 1974, p.103)
34 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Atribuímos essa opinião contrária à leitura da expressão


aristotélica "termo contido em outro", que interpretamos como sendo
tanto intensional quanto extensional (ver seção 3.1), em função da
tradição extensionalista resultante do processo histórico de
matematização de lógica (ver o excurso histórico na seção 11.7). Na seção
3.2.2, mostramos que o entendimento extensional da semântica da
silogística aristotélica é insuficiente para justificar distinções entre
proposições que essa silogística distingue.

3. OS ESQUEMAS SILOGÍSTICOS PARADIGMÁTICOS

3.1 TERMOS E PROPOSIÇÕES

Neste artigo, fazemos a distinção entre termos concretos e termos


abstratos, assim como entre proposições concretas e proposições
abstratas. Termos e proposições concretos são aqueles expressos em
uma linguagem natural, ao passo que termos e proposições abstratos são
aqueles expressos na linguagem formalizada com que se teoriza sobre
termos e proposições concretos. Além disso, proposições podem ser
parcialmente abstratas:

• animal, homem, caminha são termos concretos;


• Todo homem caminha, assim como Algum animal não é homem, são
proposições concretas;
• 𝐴𝐴, 𝐵𝐵, 𝑀𝑀, 𝑁𝑁 são termos abstratos;
• 𝐵𝐵 está presente em todo 𝐴𝐴, assim como 𝑁𝑁 não está presente em todo 𝑀𝑀, são
proposições parcialmente abstratas, porque contém expressões concretas
(está presente em todo, está presente em todo);
• � 𝑀𝑀 são proposições abstratas da linguagem formalizada
𝐴𝐴 ⊲ 𝐵𝐵, 𝑁𝑁 ⊳
utilizada no presente artigo.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 35

Observamos que, no contexto do sistema S3, verbalizamos


proposições utilizando preferencialmente a forma parcialmente abstrata
𝐵𝐵 está presente em 𝐴𝐴, ao invés das formas parcialmente abstratas mais
usuais, de que Aristóteles se vale: 𝐵𝐵 se aplica a 𝐴𝐴, 𝐵𝐵 está contido em 𝐴𝐴, 𝐵𝐵
se predica de 𝐵𝐵 e 𝐴𝐴 é 𝐵𝐵.
Porém, observamos que essas verbalizações, em particular a
verbalização na forma está contido em, devem ser tomadas tanto com o
significado intensional quanto com o significado extensional, como é
mais comum.
Isto é, todas essas verbalizações, inclusive a verbalização 𝐵𝐵 está
contido em 𝐴𝐴, devem ser entendidas como tendo os dois significados:

• o significado intensional: o conceito 𝐵𝐵 está presente, enquanto nota


característica, no conceito 𝐴𝐴;
• o significado extensional: a extensão do conceito 𝐴𝐴 está incluída, enquanto
conjunto, na extensão do conceito 𝐵𝐵.

De um modo geral, se 𝑋𝑋 e 𝑌𝑌 são termos abstratos quaisquer, as


proposições abstratas da linguagem formalizada utilizada no presente
artigo podem ser de qualquer uma das quatro formas seguintes:

• 𝑋𝑋 ⊲ Y, verbalizada como: X está presente em todo Y;


• X ⊳ Y, verbalizada como: X está presente em algum Y;
• � Y, verbalizada como: X não está presente em nenhum Y;
X⊲
• � Y, verbalizada como: X não está presente em algum Y.
X⊳

Na tradição escolástica do silogismo (ver, p.ex., (Lagerlund, 2016)),


estas proposições abstratas têm as seguintes verbalizações:

• 𝑋𝑋 ⊲ Y, verbalizada como: Todo Y é X;


• X ⊳ Y, verbalizada como: Algum Y é X;
36 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

• � Y, verbalizada como: Nenhum Y é X;


X⊲
• � Y, verbalizada como: Algum Y não é X.
X⊳

� e⊳
Assim, os símbolos ⊲, ⊳, ⊲ � da linguagem formalizada utilizada
neste artigo correspondem, respectivamente, aos símbolos tradicionais
𝐴𝐴, 𝐼𝐼, 𝐸𝐸 e 𝑂𝑂, de modo que o quadrado das oposições das proposições
abstratas da linguagem formalizada tem a estrutura seguinte:

Note-se que utilizamos as expressões contrapostas e sub-


contrapostas, ao invés das expressões tradicionais contrárias e
subcontrárias, para ficarmos em sintonia com a terminologia utilizada
em (Aristóteles, 2010).
� Y são ditas
Note-se também que as proposições 𝑋𝑋 ⊲ Y e X ⊲
� Y são ditas particulares. Por
universais e as proposições X ⊳ Y e X ⊳
outro lado, as proposições 𝑋𝑋 ⊲ Y e X ⊳ Y são ditas afirmativas e as
� YeX ⊳
proposições X ⊲ � Y são ditas negativas.
Note-se, por outro lado, que Aristóteles usa a expressão genérica
proposições opostas para designar tanto proposições contraditórias
quanto proposições contrapostas. Assim, uma contradição é uma oposição
entre proposições em que uma é universal e a outra é particular, ao
passo que uma contraposição é uma oposição entre proposições em que
as duas são universais ou as duas são particulares.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 37

Por fim, note-se que Aristóteles apresenta o quadrado das oposições


de modo implícito, apenas listando as quatro formas das proposições,
no capítulo VII do Da Intepretação (Aristóteles, 2010, p. 87), ao passo que
no capítulo XV do Livro II dos Analíticos Anteriores, Aristóteles afirma
a existência apenas de três pares de proposições opostas (Aristóteles,
2010, p.229), reduzindo duas a apenas uma porque sua oposição é
"puramente verbal":

"Afirmo que há quatro pares de premissas que exprimem oposição verbal


<as quatro oposições do quadrado das oposições>. Mas [, a rigor,] há
somente três pares, porque a oposição 'aplica-se a algum' <que
simbolizamos pela relação ⊳ > e 'não aplica-se a algum' <que simbolizamos
� > é puramente verbal." (Aristóteles, 2010, p.229)
pela relação ⊳

E reafirma a definição das noções de contradição e contraposição:

"Destes três pares <restantes> as premissas universais 'aplica-se a todos'


<que simbolizamos pela relação ⊲ > e 'aplica-se a nenhum' <que
� > são contrárias; [as premissas dos outros
simbolizamos pela relação ⊲
pares] <em que uma proposição é universal e a outra particular> são
contraditórias." (Aristóteles, 2010, p. 219)

Isso significa que, no capítulo XV do Livro II dos Analíticos


Posteriores, Aristóteles apresenta, implicitamente, um quadrado de
oposições que tem a seguinte forma incompleta, sem a noção de sub-
contraposição:
38 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

3.2 O PROBLEMA DAS PROPOSIÇÕES INDEFINIDAS

3.2.1 O PROBLEMA

Além das proposições universais e particulares, afirmativas e


� Y, e X ⊲
negativas, que simbolizamos acima por 𝑋𝑋 ⊲ Y e X ⊲ � YeX ⊳
� Y,
Aristóteles estabelece um outro tipo de proposição: as proposições
indefinidas (ou, indeterminadas) que igualmente podem ser afirmativas
ou negativas.
Esses três tipos de proposições (ou orações), universal, particular e
indefinido, são introduzidos bem no início do Livro I dos Analíticos
Anteriores:

"A premissa é uma oração que afirma ou nega alguma coisa de algum
sujeito. Esta oração pode ser universal, particular ou indefinida. Entendo
por universal a oração que se aplica a tudo ou nada do sujeito; por particular
entendo a oração que se aplica a alguma coisa do sujeito, ou não se aplica a
alguma coisa deste, ou não se aplica a todo; por indefinida entendo a oração
que se aplica ou não se aplica sem referência à universalidade ou
particularidade, por exemplo: 'Contrários são objeto da mesma ciência' ou
'O prazer não é bem'." Aristóteles, 2010a, p.111-112)

É tradicional a menção à dificuldade usual de interpretação do


significado do tipo indefinido, o que leva alguns intérpretes a questionar
Antônio Carlos da Rocha Costa • 39

a possibilidade de tratar a silogística de Aristóteles com base


exclusivamente em uma semântica extensional:

"Another feature of Aristotle's doetrine of truth which strikes one as


anomalous in view both of modem practice and of his own apparent
practice is his inclusion of a third variety of syllogistic premiss alongside
universal and particular premisses. This third premiss variety - indefinite
(αδιοριστος) - seems to resist extensional truth valuation and so to
remain outside the set-theoretic interpretation which is usually given to
syllogistic and which at least some statements of Aristotle's seem to
indicate that he intended for it." (Mulhern, 1974, p.145)

Mulhern avança, então, e propõe uma específica interpretação da


noção de oração indefinida:

"A clue is provided at 26b24, where αδιοριστος is opposed to


διωρισµενον. Translators customarily render these 'indefinite' and
'definite', but this seems to be a hedge. Aristotle uses διωρισµενον in the
Categoriae in his discussion of the two kinds af quantity (4b20 sqq).
Quantity, he says, is either discrete (διωρισµενον) or continuous
(συνεχες), and among discrete quantities is number. So, if διωρισµενον
means definite in the sense of 'discrete and numerable', I think we may take
αδιοριστος as its opposite, not in the sense of 'continuous', because
συνεχες already takes care of that, but simply in the sense of
'innumerable'." (Mulhern, 1974, p.146)

3.2.2 NOSSA PROPOSTA DE SOLUÇÃO

Aproveitamos das sugestões de Mulhern a primeira ideia - a de que


o termo indefinido indica impossibilidade de tratamento semântico
estritamente extensional -, mas rejeitamos a segunda - a de que o termo
indefinido indica uma quantidade inumerável - porque rejeitamos que a
40 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

ideia de que a noção de quantidade aplicada a oração tenha a ver com


quantificação numérica e enumerabilidade.
Pensamos que, sim, universal e particular têm o caráter
quantitativo que se atribui comumente aos quantificadores universal e
existencial na lógica de predicados - uma noção qualitativa de
quantidade -, mas pensamos que a noção aristotélica de indefinido não
se encontra nesse plano conceitual, mesmo Aristóteles o tendo listado
na mesma frase.
Ao contrário, lemos a frase aristotélica " Esta oração pode ser
universal, particular ou indefinida." como significando: Esta oração pode
ser tanto universal ou particular quanto indefinida.
Confrontamos esta leitura com a citação acima, em que Aristóteles
apresenta sua definição de oração indefinida:

"por indefinida entendo a oração que se aplica ou não se aplica sem


referência à universalidade ou particularidade".

Consideramos os seguinte:

1. Aristóteles entende os termos universalidade e particularidade como se


referindo ao alcance do predicado sobre o sujeito ("se aplica a tudo ou nada
do sujeito", " se aplica a alguma coisa do sujeito");
2. alcance é um termo de caráter extensional: se relaciona à porção (todo, parte)
do sujeito alcançada pelo predicado;
3. assim, entendemos que o fato de a oração indefinida se aplicar "sem
referência à universalidade ou particularidade" significa: a oração
indefinida se aplica sem referência ao alcance do predicado sobre o sujeito;
4. o que implica que a oração indefinida se aplica sem referência extensional;
5. concluímos, portanto, que a oração indefinida se aplica apenas com
significado intensional.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 41

Em que consistem uma oração que tem apenas significado


intensional? Sobre o que ela fala? A que ela diz respeito? De que tipo é
seu sujeito?
Nossa leitura da definição aristotélica de oração indefinida tem
como resposta:

• essa oração diz respeito a uma intensão;


• ela toma uma intensão como sujeito e predica essa intensão;
• ela é, portanto, uma meta-oração;
• ela realiza uma meta-predicação de uma intensão.

O exemplo que consideramos paradigmático de oração indefinida,


dada por Aristóteles naquela passagem, é:

"O prazer não é bem."

Nesse exemplo, Aristóteles não está falando dos diversos prazeres,


na sua multiplicidade. Também não está falando de um prazer em
particular. Aristóteles está falando do prazer enquanto conceito.
É do prazer enquanto conceito que ele diz: não é bem; o que
entendemos, intensionalmente, como significando, na linguagem do
sistema S3: bem não está presente em prazer, isto é, o conceito de prazer
não contém a nota característica chamada bem (ver seção 2.2).
Consequentemente, com base nessa interpretação, consideramos
que todo silogismo que envolve uma oração indefinida é um meta-
silogismo.
Podemos ainda aditar, em reforço a esta solução, o modo como
Aristóteles se refere aos sujeitos das orações indefinidas. No Da
Interpretação, Aristóteles refere os sujeitos das orações indefinidas
também como "sujeitos universais" (Aristoteles, 2010b, p.86). Isto é, as
42 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

orações são indefinidas, mas os sujeitos delas são definidos e universais,


exatamente como são os conceitos.
Um argumento adicional a favor desta solução pode ser inferido de
uma passagem do próprio Aristóteles:

"Então, se que o prazer é bom, a menos que todo seja adicionado como
antecedente de prazer, não haverá silogismo." (Aristóteles, 2010, p.153)

que interpretamos como constatando que não é possível derivar


conclusões em nível de linguagem objeto a partir de uma premissa de
meta-nível: a quantificação indefinida faz constar apenas a intensão do
termo na premissa, e ela é insuficiente para suportar um silogismo de
nível objeto. O adicionamento de todo (e, alternativamente, de algum)
quantifica a premissa e lhe adiciona o caráter extensional necessário,
trazendo-a para o nível da linguagem objeto.
Por isso, apesar de Aristóteles ensaiar por diversas vezes um
tratamento uniforme das orações universais, particulares e indefinidas,
achamos adequado remover o tratamento das orações indefinidas da
análise da silogística que realizamos aqui e os silogismos envolvendo
sequentes abstratos da forma 𝑋𝑋 ∝ 𝑌𝑌 não serão analisados neste artigo
(ver seção 3.4).
A leitura dos Analíticos realizada por John Corcoran concorda com
nossa orientação, ainda que por razões diferentes:

" Some may also question our omission of the 'indefinite propositions' <..>.
Although these are mentioned by Aristotle, he seems to treat them as extra-
systematic insofar as his system of scientific reasoning is concerned.
(Corcoran, 1974, p.100)
Antônio Carlos da Rocha Costa • 43

Finalmente, mencionamos uma razão singela para a interpretação


puramente intensional das proposições indefinidas: o fato de que elas
não incluem quantificadores (Todo, Algum) deve ser tomado como
indicador direto de que ela não tem nenhum caráter extensional, pois
não havendo quantificação, não há por que haver extensão, isto é,
domínio de quantificação.

3.3 AS MODALIDADES DAS PROPOSIÇÕES

Por comodidade, como mencionamos na seção 2.2, seguimos a


terminologia adotada na tradução de Edson Bini, utilizando os termos
assertórico, apodítico e contingente (com apodítico sendo substituído, por
vezes, pelo termo necessário, e contingente sendo substituído, por vezes,
pelos termos contingente ou possível - ver Aristóteles, 2010a, p.129, nota
101)).
Em particular, notamos o uso que Aristóteles faz do termo
contingente como significando não necessário nem impossível:

"Em seguida, nos manifestaremos sobre o tipo problemático (contingente)


quanto a quando e em que sentido e por quais meios obtemos um silogismo.
Chamo de eventual e de contingente (possível) a coisa que quando - não sendo
necessária -, ao ser assumida, não acarreta nenhuma impossibilidade (digo
não sendo necessária porque aplicamos o termo contingente
homonimamente ao que é necessário <i.é, o necessário é possível, mas o
possível não é necessário>). Que este seja o significado da expressão ser
contingente torna-se evidente se consideramos as negações e afirmações
contraditórias, pois 'não é contingente (possível) que se aplique', 'é
impossível que se aplique' e 'é necessário que não se aplique' ou são
idênticas ou resultam umas das doutras - e assim, suas contraditórias: 'é
possível que se aplique', 'não é impossível que se aplique' e 'não é nessário
44 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

que não se aplique' [também] ou são idêntidas ou resultam umas das outras
<..>." Aristóteles, 2010a, p.136)

Formalmente, indicamos a modalidade dos sequentes por sinais


superscritos às relações de presença, na forma (a modalidade assertórica
não leva sinal superscrito):

• � 𝑌𝑌, 𝑋𝑋 ⊳
sequentes assertóricos: 𝑋𝑋 ⊲ 𝑌𝑌, 𝑋𝑋 ⊳ 𝑌𝑌, 𝑋𝑋 ⊲ � 𝑌𝑌;
• sequentes apodíticos: 𝑋𝑋 ⊲∗ 𝑌𝑌, 𝑋𝑋 ⊳∗ 𝑌𝑌, 𝑋𝑋 ⊲
� ∗ 𝑌𝑌, 𝑋𝑋 ⊳
� ∗ 𝑌𝑌;
• sequentes contingentes: 𝑋𝑋 ⊲+ 𝑌𝑌, 𝑋𝑋 ⊳+ 𝑌𝑌, 𝑋𝑋 ⊲
� + 𝑌𝑌, 𝑋𝑋 ⊳
� + 𝑌𝑌.

Por outro lado, não apenas as proposições, mas os próprios


silogismos podem ser qualificados conforme a modalidade em que
operam:

• silogismo assertórico: aquele em que as premissas e a conclusão são


assertóricas;
• silogismo apodítico: aquele em a conclusão é necessária;
• silogismo contingente aquele em a conclusão é contingente.

sendo que os demais silogismos não tem qualificação determinada.

3.4 OS ESQUEMAS SILOGÍSTICOS PARADIGMÁTICOS

Chamamos de esquemas silogísticos paradigmáticos a


representação, na linguagem formal do sistema S3, das três figuras dos
silogismos aristotélicos assertóricos que estão mostradas nas tabelas a
seguir:
Antônio Carlos da Rocha Costa • 45

As Figuras Paradigmáticas

Figura I
Figura II
1. Barbara 𝐴𝐴 ⊲ 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊲ 𝐶𝐶 Figura III
1.Camestres 𝑀𝑀 ⊲ 𝑁𝑁 𝑀𝑀 ⊲ � 𝑂𝑂
𝐴𝐴 ⊲ 𝐶𝐶
� 𝑂𝑂
𝑁𝑁 ⊲ 1. Darapti 𝑃𝑃 ⊲ 𝑆𝑆 𝑅𝑅 ⊲ 𝑆𝑆
2. Celarent � 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊲ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲
� 𝑁𝑁 𝑀𝑀 ⊲ 𝑂𝑂
𝑀𝑀 ⊲ 𝑃𝑃 ⊲ 𝑅𝑅
� 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲ 2. Cesare
� 𝑂𝑂
𝑁𝑁 ⊲ 2. Felapton � 𝑆𝑆 𝑅𝑅 ⊲ 𝑆𝑆
𝑃𝑃 ⊲
3. Darii 𝐴𝐴 ⊲ 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊳ 𝐶𝐶
3. Festino � 𝑁𝑁 𝑀𝑀 ⊳ 𝑂𝑂
𝑀𝑀 ⊲ � 𝑅𝑅
𝑃𝑃 ⊳
𝐴𝐴 ⊳ 𝐶𝐶
� 𝑂𝑂
𝑁𝑁 ⊳ 3. Disamis 𝑃𝑃 ⊳ 𝑆𝑆 𝑅𝑅 ⊲ 𝑆𝑆
4. Ferio � 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊳ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲
4. Baroco 𝑀𝑀 ⊲ 𝑁𝑁 𝑀𝑀 ⊳ � 𝑂𝑂 𝑃𝑃 ⊳ 𝑅𝑅
� 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊳
� 𝑂𝑂
𝑁𝑁 ⊳ 4. Datisi 𝑃𝑃 ⊲ 𝑆𝑆 𝑅𝑅 ⊳ 𝑆𝑆
𝑃𝑃 ⊳ 𝑅𝑅
5. Bocardo � 𝑆𝑆 𝑅𝑅 ⊲ 𝑆𝑆
𝑃𝑃 ⊳
� 𝑅𝑅
𝑃𝑃 ⊳
6. Ferison � 𝑆𝑆 𝑅𝑅 ⊳ 𝑆𝑆
𝑃𝑃 ⊲
� 𝑅𝑅
𝑃𝑃 ⊳

3.5 AS OPERAÇÕES DE DEMONSTRAÇÃO DE VALIDADE DE ESQUEMAS


SILOGÍSTICOS

Aristóteles (2010) se vale de duas operações principais para realizar


a demonstração da validade dos esquemas silogísticos:

• a operação de conversão, pela qual um sequente da forma 𝑋𝑋 rel 𝑌𝑌 é


convertido em um sequente da forma 𝑌𝑌 rel' 𝑋𝑋, onde a relação de presença
de termo rel ′ é a relação conversa da relação rel;
• a operação de exemplificação, pela qual um sequente da forma 𝑋𝑋 rel 𝑌𝑌, onde
𝑌𝑌 é um termo universal , é exemplificado (ou, instanciado) por um sequente
da forma 𝑋𝑋 rel 𝑦𝑦, onde o termo 𝑦𝑦 é um exemplo (ou instância) de 𝑌𝑌.

A operação de exemplificação é utilizada por Aristóteles em poucas


demonstrações de validade de silogismos. Já a operação de conversão é
utilizada na maioria das demonstrações.
Claramente, a operação de exemplificação corresponde ao que, na
Lógica de Predicados contemporânea é denominada operação de
eliminação de quantificador universal (Prawitz, 1965).
46 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Por seu lado, a operação de conversão é uma operação relacional


que pode envolver todos os aspectos da relação de presença que está
sendo convertida.
As tabelas abaixo indicam os resultados das operações de conversão
que podem ser realizadas sobre os sequentes do sistema S3 (não é
� 𝑌𝑌,
possível a conversão da relação de presença particular negativa, 𝑋𝑋 ⊳
em nenhuma das modalidades):

Relações de Presença Assertóricas


Sequente direto Sequente converso
𝑋𝑋 ⊲ 𝑌𝑌 𝑌𝑌 ⊳ 𝑋𝑋
𝑋𝑋 ⊳ 𝑌𝑌 𝑌𝑌 ⊳ 𝑋𝑋
𝑋𝑋 � 𝑌𝑌
⊲ 𝑌𝑌 � 𝑋𝑋

𝑋𝑋 � 𝑌𝑌
⊳ 𝑌𝑌 � 𝑋𝑋

Relações de Presença Apodíticas


Sequente direto Sequente converso
𝑋𝑋 ⊲∗ 𝑌𝑌 𝑌𝑌 ⊳∗ 𝑋𝑋
𝑋𝑋 ⊳∗ 𝑌𝑌 𝑌𝑌 ⊳∗ 𝑋𝑋
�∗
𝑋𝑋 ⊲ 𝑌𝑌 �∗
𝑌𝑌 ⊳ 𝑋𝑋
�∗
𝑋𝑋 ⊳ 𝑌𝑌 �∗
𝑌𝑌 ⊳ 𝑋𝑋

Aristóteles demonstra a validade das conversões das relações de


presença assertóricas e necessárias nos capítulos II e III do Livro I dos
Analíticos Anteriores (Aristóteles, 2010).
Quanto à conversão de relações de presença contingentes,
Aristóteles mostra, no final do capítulo III e no início do capítulo XIII,
que a operação conversão dessas relações, quando realizada nos
mesmos termos da conversão das relações assertóricas e necessárias
resulta em que:

• ou a modalidade da contingência se trivializa (a proposição ser contingente é


tomado como significando que a proposição ou é necessariamente verdadeira
ou não é necessariamente verdadeira Aristóteles, 2010a, p.115)) ;
Antônio Carlos da Rocha Costa • 47

• ou a conversão se torna uma operação incompleta: "a premissa negativa


universal não é suscetível de conversão" Aristóteles, 2010a, p.115).

Aristóteles escolhe então, no início do capítulo XIII, fazer com que


a operação de conversão das relações de presença contingentes, fugindo ao
padrão da conversão das relações assertóricas e necessárias, seja
considerada como sendo a operação de contraposição do quadrado de
oposições das proposições contingentes (ver seção 7.1):

Relações de Presença Contingentes


Sequente direto Sequente converso
𝑋𝑋 ⊲+ 𝑌𝑌 𝑋𝑋 � + 𝑌𝑌

𝑋𝑋 ⊳+ 𝑌𝑌 𝑋𝑋 � + 𝑌𝑌

�+
𝑋𝑋 ⊲ 𝑌𝑌 𝑋𝑋 ⊲+ 𝑌𝑌
�+
𝑋𝑋 ⊳ 𝑌𝑌 𝑋𝑋 ⊳+ 𝑌𝑌

Com isso, Aristóteles evita aqueles dois problemas: que a conversão


das relações de presença contingentes se trivialize e que fique
incompleta.

4. A DEMONSTRAÇÃO DA VALIDADE DOS SILOGISMOS ASSERTÓRICOS

Aristóteles (2010), nos capítulos IV a VII do Livro I, demonstra a


validade dos silogismos assertóricos. Na presente seção, resumimos
formalizadamente a demonstração da validade de tais silogismos.

4.1 DEMONSTRAÇÃO DA VALIDADE DOS SILOGISMOS ASSERTÓRICOS DA


FIGURA I

Nesta figura, os termos universal, particular e singular são


representados pelas letras 𝐴𝐴, 𝐵𝐵 e 𝐶𝐶, respectivamente. O termo médio,
em todos os silogismos, é o termo particular 𝐵𝐵.
48 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

4.1.1 DEMONSTRAÇÃO DA VALIDADE DOS SILOGISMOS ASSERTÓRICOS


DOS MODOS I.1 E I.2

Os modos I.1 e I.2 da Figura I são:

I.1 Barbara 𝐴𝐴 ⊲ 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊲ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲ 𝐶𝐶

I.2 Celarent � 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊲ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲
� 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲

São modos ditos de silogismos universais, porque todas as premissas


e todas as conclusões desses dois modos têm caráter universal.
Aristóteles demonstra a validade dos silogismos dos modos I.1
Barbara e I.2 Celarent através do seguinte argumento:

"Quando três termos estão de tal forma ligados entre si que o último está
completamente contido no termo médio e o termo médio está completamente
contido ou não contido no primeiro termo, então temos necessariamente um
silogismo perfeito." Aristóteles, 2010a, p. 116)

Notamos que esta primeira demonstração é a única em que


Aristóteles utiliza a formulação "𝑋𝑋 está contido em 𝑌𝑌". Em todas as
demais demonstrações dos Analíticos Anteriores, Aristóteles utiliza a
formulação "𝑌𝑌 se aplica a 𝑋𝑋".
Refraseando a demonstração de Aristóteles com esta última
formulação, temos:

Quando três termos estão de tal forma ligados entre si que o primeiro se
aplica a todo ou não se aplicada a nada do termo médio e o termo médio se
aplica todo último termo, então temos necessariamente um silogismo
perfeito.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 49

Então, podemos apresentar formalmente tal demonstração como


segue:

Quando três termos 𝐴𝐴, 𝐵𝐵 e 𝐶𝐶, estão de tal forma ligados entre si que 𝐴𝐴 se
aplica a todo ou não se aplica a todo 𝐵𝐵 e 𝐵𝐵 se aplica todo 𝐶𝐶, então temos
necessariamente um silogismo perfeito.

Claramente, essa demonstração de Aristóteles não é propriamente


uma demonstração, mas a declaração da validade dos silogismos dos
modos I.1 e I.2 como sendo um fato fundamental de sua silogística.
Em outros termos, a validade dos silogismos que têm modos I.1 ou
I.2 é pressuposta por Aristóteles e a infinidade dos silogismos que se
conformam a esses dois modos é assumida como o conjunto das regras
básicas do sistema.

4.1.2 DEMONSTRAÇÃO DA VALIDADE DOS SILOGISMOS ASSERTÓRICOS


DOS MODOS I.3 E I.4

Os modos I.3 e I.4 da Figura I são modos de silogismo assertórico


em que a segunda premissa tem caráter particular. Eles têm a forma:

I.3 Darii 𝐴𝐴 ⊲ 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊳ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊳ 𝐶𝐶

I.4 Ferio � 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊳ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲
� 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊳

Aristóteles limita-se a afirmar o seguinte, sobre a validade dos


silogismos que têm esses modos:

"Se um dos termos [extremos] estiver numa relação universal e o outro


numa relação particular como o termo restante <o termo médio>, quando a
proposição universal (afirmativa ou negativa) se referir ao termo maior <o
50 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

primeiro> e a proposição particular for afirmativa e se referir ao termo


menos <o terceiro>, teremos necessariamente um silogismo perfeito; <..>."
Aristóteles, 2010a, p. 117)

No que segue, apresentamos formalmente a demonstração que


Aristóteles dá, por redução ao absurdo, da validade dos silogismos que
têm os modos I.3 e I.4, conforme sugerido por Aristóteles na conclusão
geral sobre os silogismos assertóricos mencionada acima:

• Demonstração da validade dos silogismos do modo I.3:


Suponha que a conclusão não valha, isto é, que 𝐴𝐴 não se aplique a algum 𝐶𝐶
� 𝐶𝐶). Mas, por hipótese, 𝐴𝐴 se aplica a todo 𝐵𝐵 (𝐴𝐴 ⊲ 𝐵𝐵). Então, para que a
(𝐴𝐴 ⊳
conclusão não valesse, seria preciso que 𝐵𝐵 não se aplicasse nenhum 𝐶𝐶
� 𝐶𝐶). Mas, por hipótese, 𝐵𝐵 se aplica a algum 𝐶𝐶 (𝐵𝐵 ⊳ 𝐶𝐶), o que constitui
(𝐵𝐵 ⊳
� 𝐶𝐶). Então, a suposição inicial não vale
a contradição buscada (𝐵𝐵 ⊳ 𝐶𝐶 e 𝐵𝐵 ⊳
e, com isso, vale a conclusão proposta originalmente para o modo de
silogismo que está em questão, de que 𝐴𝐴 se aplica a algum 𝐶𝐶 (𝐴𝐴 ⊳ 𝐶𝐶).

• Demonstração da validade dos silogismos do modo I.4:


Suponha que a conclusão não valha, isto é, que 𝐴𝐴 se aplique a algum 𝐶𝐶 (𝐴𝐴 ⊳
𝐶𝐶). Por hipótese, 𝐵𝐵 se aplica a algum 𝐶𝐶 (𝐵𝐵 ⊳ 𝐶𝐶). Para que a conclusão
correta fosse 𝐴𝐴 ⊳ 𝐶𝐶, seria preciso ou que 𝐴𝐴 se aplicasse a todo 𝐵𝐵 (𝐴𝐴 ⊲ 𝐵𝐵),
ou que 𝐴𝐴 se aplicasse a algum 𝐵𝐵:
� 𝐵𝐵), o que
(𝐴𝐴 ⊳ 𝐵𝐵). Mas, por hipótese, 𝐴𝐴 não se aplica a nenhum 𝐵𝐵 (𝐴𝐴 ⊲
� 𝐵𝐵 quanto 𝐴𝐴 ⊳ 𝐵𝐵 e
constitui a contradição buscada (tanto 𝐴𝐴 ⊲ 𝐵𝐵 e 𝐴𝐴 ⊲
� 𝐵𝐵). Então, a suposição inicial não vale e, com isso, vale a conclusão
𝐴𝐴 ⊲
proposta originalmente para o modo de silogismo que está em questão, de
� 𝐶𝐶).
que 𝐴𝐴 não se aplica a algum 𝐶𝐶 (𝐴𝐴 ⊳
Antônio Carlos da Rocha Costa • 51

4.2 DEMONSTRAÇÃO DA VALIDADE DOS SILOGISMOS ASSERTÓRICOS DA


FIGURA II

Aristóteles comenta a validade dos silogismos assertóricos dessa


figura da seguinte maneira:

"Nessa figura não pode haver, em hipótese alguma, um silogismo


perfeito, mas pode haver um silogismo válido <imperfeito>, sejam os
termos universais ou não." Aristóteles, 2010a, p.119)

Quer dizer, a demonstração dos silogismos conformes aos modos


da Figura II requer ou a conversão de alguma premissa, para reduzir tais
modos diretamente a algum modo de silogismo da Figura I, ou o
emprego do raciocínio por redução ao absurdo, através da possível
utilização de algum modo de silogismo da Figura I.
Nesta figura, os termos universal, particular e singular são
representados pelas letras 𝑀𝑀, 𝑁𝑁 e 𝑂𝑂, respectivamente. O termo médio,
em todos os silogismos, é o termo universal 𝑀𝑀.
Os modos II.1 e II.2 da Figura II são:

II.1 Camestres 𝑀𝑀 ⊲ 𝑁𝑁 𝑀𝑀 ⊲ � 𝑂𝑂
� 𝑂𝑂
𝑁𝑁 ⊲

II.2 Cesare � 𝑁𝑁 𝑀𝑀 ⊲ 𝑂𝑂
𝑀𝑀 ⊲
� 𝑂𝑂
𝑁𝑁 ⊲

Apresentamos formalmente a demonstração que Aristóteles dá da


validade dos silogismos se que conformam a esses modos da seguinte
maneira:

• Demonstração da validade dos silogismos do modo II.1:


� 𝑂𝑂. Podemos converter a premissa
Sejam dadas as premissas 𝑀𝑀 ⊲ 𝑁𝑁 e 𝑀𝑀 ⊲
� 𝑂𝑂, estabelecendo assim que 𝑂𝑂 não se aplica a nenhum 𝑀𝑀 (𝑂𝑂 ⊲
𝑀𝑀 ⊲ � 𝑀𝑀). As
52 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

� 𝑀𝑀 e 𝑀𝑀 ⊲ 𝑁𝑁, o que
duas premissas assumem, então, as formas 𝑂𝑂 ⊲
configura a redução do modo II.1 ao modo I.2. A conclusão intermediária
� 𝑁𝑁. Esta conclusão intermediária
que se obtém por meio deste último é: 𝑂𝑂 ⊲
pode ser convertida, resultando na conclusão do modo de silogismo que está
� 𝑂𝑂).
em questão, de que 𝑁𝑁 não se aplica a algum 𝑂𝑂 (𝑁𝑁 ⊲
• Demonstração da validade dos silogismos do modo II.2:
� 𝑁𝑁 e 𝑀𝑀 ⊲ 𝑂𝑂. Podemos converter a premissa
Sejam dadas as premissas 𝑀𝑀 ⊲
� 𝑁𝑁, estabelecendo assim que 𝑁𝑁 não se aplica a nenhum 𝑀𝑀 (𝑁𝑁 ⊲
𝑀𝑀 ⊲ � 𝑀𝑀). As
� 𝑀𝑀 e 𝑀𝑀 ⊲ 𝑂𝑂, o que
duas premissas assumem, então, as formas 𝑁𝑁 ⊲
configura a redução do modo II.2 ao modo I.2. A conclusão que se obtém,
por meio deste modo I.2, é diretamente a conclusão do modo de silogismo
� 𝑂𝑂).
em questão, de que 𝑁𝑁 não se aplica a algum 𝑂𝑂 (𝑁𝑁 ⊲

Os modos II.3 e II.4 da Figura II são:

II.3 Festino � 𝑁𝑁 𝑀𝑀 ⊳ 𝑂𝑂
𝑀𝑀 ⊲
� 𝑂𝑂
𝑁𝑁 ⊳

II.4 Baroco 𝑀𝑀 ⊲ 𝑁𝑁 𝑀𝑀 ⊳ � 𝑂𝑂
� 𝑂𝑂
𝑁𝑁 ⊳

Apresentamos formalmente a demonstração que Aristóteles dá da


validade dos silogismos se que conformam a esses modos da seguinte
maneira:

• Demonstração da validade dos silogismos do modo II.3:


� 𝑁𝑁 e 𝑀𝑀 ⊳ 𝑂𝑂. A premissa 𝑀𝑀 ⊲
Sejam dadas as premissas 𝑀𝑀 ⊲ � 𝑁𝑁 pode ser
� 𝑀𝑀. As duas premissas assumem, então, as
convertida, resultando em 𝑁𝑁 ⊲
� 𝑀𝑀 e 𝑀𝑀 ⊳ 𝑂𝑂, o que configura a redução do modo II.3 ao modo
formas 𝑁𝑁 ⊲
I.4. A conclusão que se obtém, por meio deste modo I.4, é diretamente a
� 𝑂𝑂).
conclusão do modo em questão, de que 𝑁𝑁 não se aplica a algum 𝑂𝑂 (𝑁𝑁 ⊲
• Demonstração da validade dos silogismos do modo II.4:
� 𝑂𝑂. Suponhamos que a conclusão
Sejam dadas as premissas 𝑀𝑀 ⊲ 𝑁𝑁 e 𝑀𝑀 ⊳
� 𝑂𝑂 não vale, isto é, suponhamos que 𝑁𝑁 se aplica a todo 𝑂𝑂 (𝑁𝑁 ⊲ 𝑂𝑂). As
𝑁𝑁 ⊳
duas premissas assumem, então, as formas 𝑀𝑀 ⊲ 𝑁𝑁 e 𝑁𝑁 ⊲ 𝑂𝑂, o que
Antônio Carlos da Rocha Costa • 53

configura a redução do modo que está em questão ao modo I.1. A conclusão


intermediária que se obtém, por meio deste modo I.1, é que 𝑀𝑀 se aplica a
� 𝑂𝑂), o
todo 𝑂𝑂 (𝑀𝑀 ⊲ 𝑂𝑂). Mas, por hipótese, 𝑀𝑀 não se aplica a algum 𝑂𝑂 (𝑀𝑀 ⊳
� 𝑂𝑂). Então, a suposição
que constitui a contradição buscada (𝑀𝑀 ⊲ 𝑂𝑂 e 𝑀𝑀 ⊳
inicial (𝑁𝑁 ⊲ 𝑂𝑂) não vale e, com isso, vale a conclusão proposta
originalmente para o modo em questão, de que 𝑁𝑁 não se aplica a algum 𝑂𝑂
� 𝑂𝑂).
(𝑁𝑁 ⊳

4.3 DEMONSTRAÇÃO DA VALIDADE DOS SILOGISMOS ASSERTÓRICOS DA


FIGURA III

Aristóteles comenta a validade dos silogismos assertóricos dessa


figura da seguinte maneira:

"<..> tampouco obtemos um silogismo perfeito nesta figura, embora


tenhamos um silogismo potencial <i.é, imperfeito>, quer os termos estejam
numa relação universal como o [termo] médio ou não." Aristóteles, 2010a,
p.123)

Nesta figura, os termos universal, particular e singular são


representados pelas letras 𝑃𝑃, 𝑅𝑅 e 𝑆𝑆, respectivamente. O termo médio é
o termo singular 𝑆𝑆. Esta é a única figura com seis modos.
Os modos III.1 e III.2 da Figura III são:

III.1 Darapti 𝑃𝑃 ⊲ 𝑆𝑆 𝑅𝑅 ⊲ 𝑆𝑆
𝑃𝑃 ⊲ 𝑅𝑅

III.2 Felapton � 𝑆𝑆 𝑅𝑅 ⊲ 𝑆𝑆
𝑃𝑃 ⊲
� 𝑅𝑅
𝑃𝑃 ⊳

Apresentamos formalmente a demonstração que Aristóteles dá da


validade dos silogismos que se conformam a esses modos da seguinte
maneira:
54 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

• Demonstração da validade dos silogismos que se conformam ao modo III.1:


Sejam dadas as premissas 𝑃𝑃 ⊲ 𝑆𝑆 e 𝑅𝑅 ⊲ 𝑆𝑆. A premissa 𝑅𝑅 ⊲ 𝑆𝑆 pode ser
convertida, resultando em 𝑆𝑆 ⊳ 𝑅𝑅. As duas premissas assumem, então, as
formas 𝑃𝑃 ⊲ 𝑆𝑆 e 𝑆𝑆 ⊳ 𝑅𝑅, o que configura uma redução do modo III.1 ao modo
I.3. A conclusão que se obtém, por meio deste modo I.3, é diretamente a
conclusão do modo em questão, de que 𝑃𝑃 se aplica a algum 𝑅𝑅 (𝑃𝑃 ⊳ 𝑅𝑅).
• Demonstração da validade dos silogismos que se conformam ao modo III.2:
� 𝑆𝑆 e 𝑅𝑅 ⊲ 𝑆𝑆. A premissa 𝑅𝑅 ⊲ 𝑆𝑆 pode ser
Sejam dadas as premissas 𝑃𝑃 ⊲
convertida, resultando em 𝑆𝑆 ⊳ 𝑅𝑅. As duas premissas assumem, então, as
� 𝑆𝑆 e 𝑆𝑆 ⊳ 𝑅𝑅, o que configura uma redução do modo III.2 ao modo
formas 𝑃𝑃 ⊲
I.4. A conclusão que se obtém, por meio deste modo I.4, é diretamente a
� 𝑅𝑅).
conclusão do modo em questão, de que 𝑃𝑃 não se aplica a algum 𝑅𝑅 (𝑃𝑃 ⊳

Os modos III.3 e III.4 da Figura III são:

III.3 Disamis 𝑃𝑃 ⊳ 𝑆𝑆 𝑅𝑅 ⊲ 𝑆𝑆
𝑃𝑃 ⊳ 𝑅𝑅

III.4 Datisi 𝑃𝑃 ⊲ 𝑆𝑆 𝑅𝑅 ⊳ 𝑆𝑆
𝑃𝑃 ⊳ 𝑅𝑅

Apresentamos formalmente a demonstração que Aristóteles dá da


validade dos silogismos que se conformam a esses modos da seguinte
maneira:

• Demonstração da validade dos silogismos que se conformam ao modo III.3:


Sejam dadas as premissas 𝑃𝑃 ⊲ 𝑆𝑆 e 𝑅𝑅 ⊳ 𝑆𝑆. A premissa 𝑅𝑅 ⊲ 𝑆𝑆 pode ser
convertida, resultando em 𝑆𝑆 ⊳ 𝑅𝑅. As duas premissas assumem, então, as
formas 𝑃𝑃 ⊲ 𝑆𝑆 e 𝑆𝑆 ⊳ 𝑅𝑅, o que configura uma redução do modo III.3 ao modo
I.3. A conclusão que se obtém, por meio deste modo I.3, é diretamente a
conclusão do modo em questão, de que 𝑃𝑃 se aplica a algum 𝑅𝑅 (𝑃𝑃 ⊳ 𝑅𝑅).
• Demonstração da validade dos silogismos que se conformam ao modo III.4:
Sejam dadas as premissas 𝑃𝑃 ⊲ 𝑆𝑆 e 𝑅𝑅 ⊳ 𝑆𝑆. A premissa 𝑃𝑃 ⊲ 𝑆𝑆 pode ser
convertida, resultando em 𝑆𝑆 ⊳ 𝑃𝑃. As duas premissas assumem, então, as
formas 𝑅𝑅 ⊲ 𝑆𝑆 e 𝑆𝑆 ⊳ 𝑃𝑃, o que configura uma redução do modo III.4 ao modo
Antônio Carlos da Rocha Costa • 55

I.3. A conclusão intermediária que se obtém, por meio deste modo I.3, é que
𝑅𝑅 se aplica a algum 𝑃𝑃 (𝑅𝑅 ⊳ 𝑃𝑃). Essa conclusão intermediária pode ser
convertida, resultando na conclusão do modo em questão, de que 𝑃𝑃 se aplica
a algum 𝑅𝑅 (𝑃𝑃 ⊳ 𝑅𝑅).

Os modos III.5 e III.6 da Figura III são:

III.5 Bocardo � 𝑆𝑆 𝑅𝑅 ⊲ 𝑆𝑆
𝑃𝑃 ⊳
� 𝑅𝑅
𝑃𝑃 ⊳

III.6 Ferison � 𝑆𝑆 𝑅𝑅 ⊳ 𝑆𝑆
𝑃𝑃 ⊲
� 𝑅𝑅
𝑃𝑃 ⊳

Apresentamos formalmente a demonstração que Aristóteles dá da


validade dos silogismos que se conformam a esses modos da seguinte
maneira:

• Demonstração da validade dos silogismos que se conformam ao modo III.5:


� 𝑆𝑆 e 𝑅𝑅 ⊲ 𝑆𝑆. Suponhamos que a conclusão
Sejam dadas as premissas 𝑃𝑃 ⊳
� 𝑅𝑅 não vale, isto é, suponhamos que 𝑃𝑃 se aplica a todo 𝑅𝑅 (𝑃𝑃 ⊲ 𝑅𝑅). As
𝑃𝑃 ⊳
duas premissas assumem, então, as formas 𝑃𝑃 ⊲ 𝑅𝑅 e 𝑅𝑅 ⊲ 𝑆𝑆, o que configura
a redução do modo que está em questão ao modo I.1. A conclusão
intermediária que se obtém, por meio deste modo I.1, é que 𝑃𝑃 se aplica a
� 𝑆𝑆), o que
todo 𝑆𝑆 (𝑃𝑃 ⊲ 𝑆𝑆). Mas, por hipótese, 𝑃𝑃 não se aplica a algum 𝑆𝑆 (𝑃𝑃 ⊳
� 𝑆𝑆). Então, a suposição inicial
constitui a contradição buscada (𝑃𝑃 ⊲ 𝑆𝑆 e 𝑃𝑃 ⊳
(𝑃𝑃 ⊲ 𝑅𝑅) não vale e, com isso, vale a conclusão proposta originalmente para
� 𝑅𝑅).
o modo de silogismo em questão, de que 𝑃𝑃 não se aplica a algum 𝑅𝑅 (𝑃𝑃 ⊳
• Demonstração da validade dos silogismos que se conformam ao modo III.6:
� 𝑆𝑆 e 𝑅𝑅 ⊳ 𝑆𝑆. A premissa 𝑅𝑅 ⊳ 𝑆𝑆 pode ser
Sejam dadas as premissas 𝑃𝑃 ⊲
convertida, resultando em 𝑆𝑆 ⊳ 𝑅𝑅. As duas premissas assumem, então, as
� 𝑆𝑆 e 𝑆𝑆 ⊳ 𝑅𝑅, o que configura uma redução do modo III.6 ao modo
formas 𝑃𝑃 ⊲
I.4. A conclusão intermediária que se obtém, por meio deste modo I.4, é
diretamente a conclusão do modo em questão, de que 𝑃𝑃 não se aplica a
� 𝑅𝑅).
algum 𝑅𝑅 (𝑃𝑃 ⊳
56 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

4.4 SUMÁRIO DAS DEMONSTRAÇÕES DOS SILOGISMOS ASSERTÓRICOS

Reproduzimos aqui a tabela apresentada por Robin Smith (2017), a


qual resume, numa notação linear bastante esclarecedora, o conjunto
dos silogismos assertóricos, juntamente com suas demonstrações. Na
tabela, o símbolo ⊢ separa as premissas das conclusões dos silogismos, o
símbolo → denota a aplicação de uma operação de conversão e o símbolo
+ denota a introdução de uma hipótese para fins de demonstração via
redução ao absurdo. O subscrito de cada o símbolo ⊢ indica qual
silogismo foi utilizado, como regra dedutiva, para completar a
demonstração do silogismo constituído por aquele símbolo.

Modo Mnemônico Prova


Figura I
Aab,Abc ⊢ Aac Barbara Perfect
Eab,Abc ⊢ Eac Celarent Perfect
Aab, Ibc ⊢ Iac Darii Perfect; also by impossibility, from
Camestres
Eab, Ibc ⊢ Oac Ferio Perfect; also by impossibility, from Cesare
Figura II
Eab,Aac ⊢ Ebc Cesare (Eab,Aac) → (Eba,Aac) ⊢Cel Ebc
Aab,Eac ⊢ Ebc Camestres (Aab,Eac) → (Aab,Eca) = (Eca,Aab) ⊢Cel Ecb →
Ebc
Eab, Iac ⊢ Obc Festino (Eab, Iac) → (Eba, Iac) ⊢Fer Obc
Aab,Oac ⊢ Obc Baroco (Aab,Oac + Abc) ⊢Bar (Aac,Oac) ⊢Imp Obc
Figura III
Aac,Abc ⊢ Iab Darapti (Aac,Abc) → (Aac, Icb) ⊢Dar Iab
Eac,Abc ⊢ Oab Felapton (Eac,Abc) → (Eac, Icb) ⊢Fer Oab
Iac,Abc ⊢ Iab Disamis (Iac,Abc) → (Ica,Abc) = (Abc, Ica) ⊢Dar Iba →
Iab
Aac, Ibc ⊢ Iab Datisi (Aac, Ibc) → (Aac, Icb) ⊢Dar Iab
Oac,Abc ⊢ Oab Bocardo (Oac,+Aab,Abc) ⊢Bar (Aac,Oac) ⊢Imp Oab
Eac, Ibc ⊢ Oab Ferison (Eac, Ibc) → (Eac, Icb) ⊢Fer Oab
Antônio Carlos da Rocha Costa • 57

5. A DEMONSTRAÇÃO DA VALIDADE DOS SILOGISMOS APODÍTICOS

Limitamo-nos nesta seção a apresentar as condições de validade


dos silogismos apodíticos, sem entrarmos nos detalhes das
demonstrações dos mesmos.
Por conveniência, seguimos a apresentação de (Aristóteles, 2010) e
utilizamos, aqui, as variáveis 𝐴𝐴, 𝐵𝐵 e 𝐶𝐶 para denotar, respectivamente,
os termos universal, particular e singular em todas as figuras de
silogismos.

5.1 A QUESTÃO GERAL DA INTERPRETAÇÃO DOS SILOGISMOS APODÍTICOS

Aristóteles se expressa assim, a respeito da questão das


modalidades dos juízos:

"Uma vez que se aplicar não é o mesmo que se aplicar necessariamente ou se


aplicar contingentemente (visto que há muitos predicados que se aplicam,
mas não necessariamente, e outros que nem se aplicam necessariamente
nem, com efeito, aplicam-se pura e simplesmente, mas são
contingentemente aplicáveis), fica claro que o silogismo, inclusive, é
diferente em cada um desses casos e que os termos não estão relacionados
do mesmo modo, um silogismo concluindo a partir daquilo que é
necessariamente, um outro a partir daquilo que é e um terceiro a partir
aquilo que é contingente." Aristóteles, 2010a, p.128-129)

5.2 A VALIDADE DOS SILOGISMOS APODÍTICOS DA FIGURA I

Aristóteles estabelece da seguinte maneira a validade dos


silogismos da Figura I em que todas as premissas são necessárias:

"Se as premissas forem apodíticas, as condições serão, a grosso modo, as


mesmas de quando as premissas são assertóricas. <..> A única diferença será
58 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

os termos terem agregados a si as expressões 'se aplica necessariamente' ou


'não se aplica necessariamente', pois a premissa negativa se converte da
mesma forma e disporemos da mesma explicação da expressão 'estar
inteiramente contido em' ou 'ser predicado de todo'." Aristóteles, 2010a,
p.129)

Formalizamos a validade dos silogismos apodíticos da Figura I


como segue:

Figura I

1. Barbara 𝐴𝐴 ⊲∗ 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊲∗ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲∗ 𝐶𝐶

2. Celarent � ∗ 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊲∗ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲
� ∗ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲

3. Darii 𝐴𝐴 ⊲∗ 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊳∗ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊳∗ 𝐶𝐶

4. Ferio � ∗ 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊳∗ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲
� ∗ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊳

Em relação ao caso dos silogismos em que apenas a premissa maior


é apodítica, mas a premissa menor é assertórica, Aristóteles se expressa
assim:

"<Seja o caso em que> 𝐴𝐴 foi tomado como se aplicando necessariamente a


𝐵𝐵, e 𝐵𝐵 como se aplicando simplesmente a 𝐶𝐶. Se as premissas forem tomadas
desta forma, 𝐴𝐴 se aplicará necessariamente (ou não se aplicará <no caso de
a premissa 𝐴𝐴𝐴𝐴 ser negativa>) a 𝐶𝐶, pois visto que 𝐴𝐴 necessariamente se
aplica (ou não se aplica) a todo 𝐵𝐵, e 𝐶𝐶 é algum 𝐵𝐵, é evidente que 𝐴𝐴 terá
também que se aplicar (ou não se aplicar) <necessariamente> a 𝐶𝐶.
Aristóteles, 2010a, p.130)
"Nos silogismos particulares, se a premissa universal for apodítica, a
conclusão também será apodítica; mas se a premissa particular é que for
Antônio Carlos da Rocha Costa • 59

apodítica <e a universal for assertórica>, a conclusão não será apodítica<..>


Aristóteles, 2010a, p.130-131)

Formalizamos o caso em que apenas a premissa maior é apodítica,


nos silogismos da Figura I, da seguinte maneira:

Figura I

1. Barbara 𝐴𝐴 ⊲∗ 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊲ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲∗ 𝐶𝐶

2. Celarent � ∗ 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊲ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲
� ∗ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲

3. Darii 𝐴𝐴 ⊲∗ 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊳ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊳∗ 𝐶𝐶

4. Ferio � ∗ 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊳ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲
� ∗ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊳

Dado que é tradicional considerar confusas as provas aristotélicas


dos silogismos com premissas modalidades apodítica e contingente -
ver, p.ex., (Smith, 2017) - é muito esclarecedor considerar, aqui, o caso
do silogismo Barbara em que as premissas são tais que 𝐴𝐴 ⊲ 𝐵𝐵 e 𝐵𝐵 ⊲∗ 𝐶𝐶,
isto é, em que a premissa maior é assertórica e a menor é apodítica.
Sobre esse caso, Aristóteles diz:

"Se, entretanto, a premissa 𝐴𝐴𝐴𝐴 não for apodítica, mas 𝐵𝐵𝐵𝐵 o for, a conclusão
não será apodítica." Aristóteles, 2010a, p.130)

Quer dizer, esta modalidade do silogismo Barbara não constitui um


silogismo apodítico, tendo estrutura:

𝐴𝐴 ⊲ 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊲∗ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲ 𝐶𝐶
60 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

O esclarecimento da diferença entre as demonstrações da forma


apodítica e desta forma não apodítica do silogismo Barbara se dá
facilmente se considerarmos o operador de asserção ⊲ no seu sentido
mais estrito, com 𝐴𝐴 ⊲ 𝐵𝐵 significando: é certo que 𝐴𝐴 está presente em 𝐵𝐵.
Com esse sentido:

• 𝐴𝐴 ⊲∗ 𝐵𝐵 significa: é certo que 𝐴𝐴 está presente em 𝐵𝐵 e é impossível que não esteja;


• 𝐴𝐴 ⊲ 𝐵𝐵 significa: é certo que 𝐴𝐴 está presente em 𝐵𝐵, mas é possível que não
estivesse.

Então:

• no caso do silogismo Barbara apodítico, dado que é impossível que 𝐴𝐴 não


esteja presente em 𝐵𝐵 (𝐴𝐴 ⊲∗ 𝐵𝐵), como é certo que 𝐵𝐵 está presente em 𝐶𝐶 (𝐵𝐵 ⊲
𝐶𝐶), vê-se que é impossível que 𝐴𝐴 não esteja presente em 𝐶𝐶 (𝐴𝐴 ⊲∗ 𝐵𝐵), mesmo
sendo possível que 𝐵𝐵 não estivesse presente em 𝐶𝐶.
• no caso do silogismo Barbara não apodítico, dado que é certo que 𝐴𝐴 está
presente em 𝐵𝐵, mesmo sendo possível que não estivesse (𝐴𝐴 ⊲ 𝐵𝐵), o fato de
ser impossível que 𝐵𝐵 não esteja presente em 𝐶𝐶 (𝐵𝐵 ⊲∗ 𝐶𝐶) é suficiente para
garantir que é certo que 𝐴𝐴 está presente em 𝐶𝐶 (𝐴𝐴 ⊲ 𝐶𝐶), mas não para
garantir que seja impossível que não esteja (𝐴𝐴 ⊲∗ 𝐶𝐶), já que 𝐴𝐴 ⊲ 𝐵𝐵 não é
suficiente para garantir que, em todos os casos, 𝐴𝐴 estará presente em 𝐵𝐵.

5.3 A VALIDADE DOS SILOGISMOS APODÍTICOS DA FIGURA II

Sobre os silogismos apodíticos da Figura II, Aristóteles se


manifesta da seguinte maneira:

"Na segunda figura <Figura II>, se a premissa negativa for apodítica,


também a conclusão será apodítica, mas não se a premissa afirmativa for
apodítica." Aristóteles, 2010a, p.131)
Antônio Carlos da Rocha Costa • 61

"O mesmo princípio se apresentará no caso dos silogismos particulares.


Quando a premissa negativa for universal e apodítica, a conclusão também
o será; mas quando a premissa afirmativa for universal e a negativa
particular, a conclusão não será apodítica. <..> Tampouco a conclusão será
apodítica se a proposição negativa for apodítica e particular <..>."
Aristóteles, 2010a, p.132)

Apresentamos formalmente essas condições de validade conforme


mostrado a seguir:

Figura II

𝐴𝐴 ⊲ 𝐵𝐵 𝐴𝐴 ⊲ � ∗ 𝐶𝐶
1. Camestres
� ∗ 𝐶𝐶
𝐵𝐵 ⊲

� ∗ 𝐵𝐵 𝐴𝐴 ⊲ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲
2. Cesare
𝐵𝐵 ⊲� ∗ 𝐶𝐶

� ∗ 𝐵𝐵 𝐴𝐴 ⊳ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲
3. Festino
𝐵𝐵 ⊳� ∗ 𝐶𝐶

5.4 A VALIDADE DOS SILOGISMOS APODÍTICOS DA FIGURA III

Sobre os silogismos apodíticos da Figura III, Aristóteles se


manifesta como segue:

"Na última figura <Figura III>, estando os termos extremos <𝐴𝐴 e 𝐶𝐶> numa
relação universal com o termo médio <𝐵𝐵>, e sendo ambas as premissas
afirmativas, se uma proposição ou outra for apodítica, a conclusão também
o será. Se, todavia, uma [premissa] for negativa e a outra afirmativa, quando
a negativa é apodítica, a conclusão será também apodítica; entretanto,
quanto a afirmativa é apodítica, a conclusão não o será." Aristóteles, 2010a,
p.133).
"Se um termo, porém se achar numa relação universal e o outro numa
particular, sendo ambas as premissas afirmativas - quando a relação
62 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

universal for apodítica -, a conclusão também será apodítica. <..> Se,


contudo, é a premissa particular que é apodítica, a conclusão não será
apodítica.<..> Se, entretanto, um dos termos for afirmativo e o outro
negativo, sendo a premissa universal negativa e apodítica, a conclusão
também será apodítica <..>. Aristóteles, 2010a, p.134).

Apresentamos formalmente essas condições de validade conforme


mostrado a seguir:

Figura III

1a. Darapti 𝐴𝐴 ⊲∗ 𝐵𝐵 𝐶𝐶 ⊲ 𝐵𝐵
𝐴𝐴 ⊲∗ 𝐵𝐵
1b. Darapti 𝐴𝐴 ⊲ 𝐵𝐵 𝐶𝐶 ⊲∗ 𝐵𝐵
𝐴𝐴 ⊲∗ 𝐵𝐵
1c. Darapti 𝐴𝐴 ⊲∗ 𝐵𝐵 𝐶𝐶 ⊲∗ 𝐵𝐵
𝐴𝐴 ⊲∗ 𝐵𝐵
2. Felapton � ∗ 𝐵𝐵 𝐶𝐶 ⊲ 𝐵𝐵
𝐴𝐴 ⊲
� ∗ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊳
3. Disamis 𝐴𝐴 ⊳ 𝐵𝐵 𝐶𝐶 ⊲∗ 𝐵𝐵
𝐴𝐴 ⊳∗ 𝐶𝐶
4. Datisi 𝐴𝐴 ⊲∗ 𝐵𝐵 𝐶𝐶 ⊳ 𝐵𝐵
𝐴𝐴 ⊳∗ 𝐶𝐶
6. Ferison � ∗ 𝐵𝐵 𝐶𝐶 ⊳ 𝐵𝐵
𝐴𝐴 ⊲
� ∗ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊳

6. A VALIDADE DOS SILOGISMOS CONTINGENTES

6.1 A NOÇÃO DE SILOGISMO CONTINGENTE

Aristóteles se manifesta do seguinte modo a respeito dos dois


significados do termo possível e define, em função disso, o que entende
por silogismo contingente e por convertibilidade das premissas
contingentes:

"<..> a expressão ser possível (ser contingente) é empregada em dois sentidos:


[1] na indicação do que geralmente acontece, porém carece de necessidade;
por exemplo, o fato de um homem tornar-se grisalho <..>, ou em geral aquilo
Antônio Carlos da Rocha Costa • 63

que é naturalmente aplicável a um sujeito <..>; e [2] na indicação do


indeterminado, do que é potencialmente ocorrível tanto de uma dada
maneira quanto de maneira diversa; por exemplo o caminhar de um animal,
ou uma ocorrência de um terremoto enquanto ele está caminhando, ou uma
ocorrência fortuita em geral, pois não é mais natural que uma tal coisa
venha a acontecer de um modo do que do modo oposto." Aristóteles, 2010a,
p.136-137).

Em relação aos silogismos contingentes:

"Não há ciência e silogismo demonstrativo das proposições indeterminado


porque o termo médio não é estabelecido [ou seja, é incerto]. Mas há ambos
no que toca às proposições que são naturalmente aplicáveis e - a nos
expressarmos em sentido amplo - é com proposições que são possíveis
nesta acepção que estão envolvidas todas as discussões e investigações."
Aristóteles, 2010a, p.137)

Em relação à convertibilidade das premissas contingentes (=


problemáticas):

"Segue-se que todas as premissas problemáticas são mutuamente


convertíveis. O que quero dizer não é que as afirmativas apresentam
convertibilidade com as negativas, mas que todas que possuem forma
afirmativa são convertíveis com suas opostas; por exemplo, "ser possível
aplicar-se" com "ser possível não aplicar-se", e "ser possível aplicar-se a
todo" com "ser possível aplicar-se a nenhum" ou "<ser possível> não se
aplicar a todo"; e "ser possível aplicar-se a algum" com "ser possível não se
aplicar a algum", e analogamente, nos demais casos <..>." Aristóteles, 2010a,
p.136)

Portanto, Aristóteles distingue entre possibilidades e


impossibilidades opostas e possibilidades e impossibilidades
64 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

contraditórias (ver seção 3.3). Para as premissas contigentes universais,


vale:

• 𝐴𝐴 ⊲+ 𝐵𝐵 (é possível que 𝐴𝐴 se aplique a todo 𝐵𝐵) é contraposta a 𝐴𝐴 ⊲


� + 𝐵𝐵 (é
possível que 𝐴𝐴 não se aplique a todo 𝐵𝐵);
• 𝐴𝐴 ⊲+ 𝐵𝐵 (é possível que 𝐴𝐴 se aplique a todo 𝐵𝐵) é contraditória com 𝐴𝐴 ����
⊲+ 𝐵𝐵
(não é possível que 𝐴𝐴 se aplique a todo 𝐵𝐵);

de onde resulta uma combinatória que pode ser resumida por meio
do seguinte quadrado de possibilidades/impossibilidades:

Como a forma 𝐴𝐴 ����


⊲+ 𝐵𝐵, significando "não é possível que 𝐴𝐴 se
aplique a todo 𝐵𝐵", também pode ser formulada como "é necessário que
𝐴𝐴 não se aplique a todo 𝐵𝐵", temos que a contraditória de 𝐴𝐴 ⊲+ 𝐵𝐵 pode
� ∗ 𝐵𝐵, resultando no quadrado:
ser formalmente escrita como 𝐴𝐴 ⊲

Já ara as premissas contingentes particulares, vale:


Antônio Carlos da Rocha Costa • 65

• 𝐴𝐴 ⊳+ 𝐵𝐵 (é possível que 𝐴𝐴 se aplique a algum 𝐵𝐵) é contraposta a 𝐴𝐴 ⊳


� + 𝐵𝐵 (é
possível que 𝐴𝐴 não se aplique a algum 𝐵𝐵);
• 𝐴𝐴 ⊳+ 𝐵𝐵 (é possível que 𝐴𝐴 se aplique a todo 𝐵𝐵) é contraditória com 𝐴𝐴 ����
⊳+ 𝐵𝐵
(não é possível que 𝐴𝐴 se aplique a algum 𝐵𝐵);

de onde resultam as combinatórias dadas pelos seguintes


quadrados de possibilidades e impossibilidades:

Adicionalmente, Aristóteles examina, em separado, o caso


particular da composição de premissas contingentes:

"Visto que a expressão 'ser possível a um termo aplicar-se a um outro' pode


ser tomada em dois sentidos distintos, a saber, ou que é possível que se
aplique a um sujeito ao qual o outro termo se aplica, ou que pode se aplicar
a um sujeito ao qual o outro termo pode se aplicar (uma vez que a proposição
de que 𝐴𝐴 pode ser predicado daquilo de que 𝐵𝐵 é predicado significa uma de
duas coisas: ou que pode ser predicado do sujeito do qual 𝐵𝐵 é predicado, ou
que pode ser predicado do sujeito do qual 𝐵𝐵 pode ser predicado, e a
66 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

proposição de que 𝐴𝐴 pode ser predicado do sujeito do qual 𝐵𝐵 é predicado


não difere de modo algum da proposição de que 𝐴𝐴 pode se aplicar a todo 𝐵𝐵),
é conspícuo que há dois sentidos nos quais estamos capacitados a dizer que
𝐴𝐴 pode se aplicar a todo 𝐵𝐵. Comecemos, portanto, por indicar qual e de que
tipo será o silogismo, se 𝐵𝐵 puder ser predicado do sujeito ao qual 𝐶𝐶 pode ser
predicado e 𝐴𝐴 puder ser predicado do sujeito ao qual 𝐵𝐵 pode ser predicado
posto que neste tipo ambas as premissas são problemáticas. Mas quando 𝐴𝐴
pode ser predicado do sujeito do qual 𝐵𝐵 é predicado, uma premissa é
problemática e a outra, assertórica." Aristóteles, 2010a, p. 138).

Em outras palavras, Aristóteles estabelece aqui que vale o seguinte:

• a aplicação contingente 𝐴𝐴 ⊲+ 𝐵𝐵 é equivalente à aplicação assertórica 𝐴𝐴 ⊲


𝐵𝐵, quando 𝐴𝐴 ⊲+ 𝐵𝐵 significa que 𝐴𝐴 pode se aplicar a todos os sujeitos aos
quais 𝐵𝐵 se aplica, e não lhe é equivalente, quando 𝐴𝐴 ⊲+ 𝐵𝐵 significa que 𝐴𝐴
pode se aplicar a todos os sujeitos aos quais 𝐵𝐵 pode se aplicar;
• 𝐴𝐴 ⊲+ 𝐵𝐵 composta com 𝐵𝐵 ⊲+ 𝐶𝐶 tem quatro sentidos possíveis, conforme
cada uma dessas premissas seja, ou não, equivalente a uma premissa
contingente (i.é, conforme a relação ⊲+ seja tomada como equivalente à
relação ⊲, ou não).

6.2 A VALIDADE DOS SILOGISMOS CONTINGENTES DA FIGURA I

Nos capítulos XIV a XXIII do Livro I, Aristóteles (2010) examina


exaustivamente as composições de juízo, nas três figuras, em que pelo
menos um deles é contingente, indicando quais deles constituem
silogismos. Na presente seção, nos limitamos a mostrar os resultados
de Aristóteles para os silogismos conformes à Figura I:

• se 𝐴𝐴 ⊲∘ 𝐵𝐵 e 𝐵𝐵 ⊲∘ 𝐶𝐶 então há silogismo perfeito e 𝐴𝐴 ⊲∘ 𝐶𝐶;


• � ∘ 𝐵𝐵 e 𝐵𝐵 ⊲∘ 𝐶𝐶 então há silogismo perfeito e 𝐴𝐴 ⊲
se 𝐴𝐴 ⊲ � ∘ 𝐶𝐶;
• se 𝐴𝐴 ⊲∘ 𝐵𝐵 e 𝐵𝐵 ⊲
� ∘ 𝐶𝐶 então há silogismo imperfeito, por conversão de
� ∘ 𝐶𝐶, resultando na forma:
𝐵𝐵 ⊲
Antônio Carlos da Rocha Costa • 67

• se 𝐴𝐴 ⊲∘ 𝐵𝐵 e 𝐵𝐵 ⊲∘ 𝐶𝐶 então 𝐴𝐴 ⊲∘ 𝐶𝐶;
• � ∘ 𝐵𝐵 e 𝐵𝐵 ⊲
se 𝐴𝐴 ⊲ � ∘ 𝐶𝐶 então há silogismo imperfeito, por conversão de
� ∘ 𝐵𝐵 e 𝐵𝐵 ⊲
𝐴𝐴 ⊲ � ∘ 𝐶𝐶, resultando na forma:
• se 𝐴𝐴 ⊲∘ 𝐵𝐵 e 𝐵𝐵 ⊲∘ 𝐶𝐶 então 𝐴𝐴 ⊲∘ 𝐶𝐶 𝐴𝐴 ⊲
� ∘ 𝐶𝐶;
• se 𝐴𝐴 ⊲∘ 𝐵𝐵 e 𝐵𝐵 ⊳∘ 𝐶𝐶 então há silogismo perfeito e 𝐴𝐴 ⊳∘ 𝐶𝐶;
• � ∘ 𝐵𝐵 e 𝐵𝐵 ⊳∘ 𝐶𝐶 então há silogismo perfeito e 𝐴𝐴 ⊳
se 𝐴𝐴 ⊲ � ∘ 𝐶𝐶;
• se 𝐴𝐴 ⊲∘ 𝐵𝐵 e 𝐵𝐵 ⊳
� ∘ 𝐶𝐶 então há silogismo imperfeito, por conversão de
� ∘ 𝐶𝐶, resultando na forma:
𝐵𝐵 ⊳
• se 𝐴𝐴 ⊲∘ 𝐵𝐵 e 𝐵𝐵 ⊳∘ 𝐶𝐶 então há silogismo perfeito e 𝐴𝐴 ⊳∘ 𝐶𝐶;

os quais tabelamos formalmente a seguir:

Figura I

1. Barbara 𝐴𝐴 ⊲∘ 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊲∘ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲∘ 𝐶𝐶
2. Celarent � ∘ 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊲∘ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲
� ∘ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲
por conversão de 𝐴𝐴 ⊲∘ 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊲ � ∘ 𝐶𝐶
� ∘ 𝐶𝐶
𝐵𝐵 ⊲ 𝐴𝐴 ⊲∘ 𝐶𝐶

por conversão de � ∘ 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊲
𝐴𝐴 ⊲ � 𝐶𝐶
� ∘ 𝐵𝐵 e 𝐵𝐵 ⊲
𝐴𝐴 ⊲ � ∘ 𝐶𝐶 𝐴𝐴 ⊲∘ 𝐶𝐶

3. Darii 𝐴𝐴 ⊲∘ 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊳∘ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊳∘ 𝐶𝐶
4. Ferio � ∘ 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊳∘ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲
� ∘ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊳
por conversão de 𝐴𝐴 ⊲∘ 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊳ � ∘ 𝐶𝐶
� ∘ 𝐶𝐶
𝐵𝐵 ⊳ 𝐴𝐴 ⊳∘ 𝐶𝐶

6.3 ALGUNS METATEOREMAS DA SILOGÍSTICA ARISTOTÉLICA

Aristóteles estabelece, em função de sua análise das figuras dos


silogismos, uma série de metateoremas. Alguns desses metateoremas
são específicos, valendo para silogismos de uma particular figura e/ou
modalidade, outros são gerais, valendo para todas as figuras e
modalidades.
68 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

A seguir, mencionamos alguns dos metateoremas válidos para


todas as figuras, mas alguns válidos apenas para algumas modalidades:

• Sobre os silogismos assertóricos:


"<É> possível reduzir todos o silogismos <assertóricos> aos silogismos
universais <assertóricos> da primeira figura." (p.127)
• Sobre os silogismos apodíticos:
"<E>nquanto não há nenhum silogismo assertórico, salvo se ambas as
premissas estiverem no modo assertórico, há um silogismo apodítico,
mesmo se apenas uma das premissas for apodítica." (p. 135)
"<N>ão será possível que a conclusão seja apodítica ou assertórica, a menos
que uma premissa seja tomada como apodítica ou assertórica." (p.135)
• Sobre todas as modalidades de silogismos (assertóricos, apodíticos,
contingentes):
"<T>oda demonstrção e todo silogismo serão produzido por meio das três
figuras <I, II e III>." (p.163)
"<T>odo silogismo <assertórico, apodítico, contingente> é completado
mediante a primeira figura <assertórica, apodítica, contingente> e é
reduzível aos silogismos universais <assertóricos, apodíticos,
contingentes> desta figura." (p.163)

Finalmente, uma passagem que sintetiza bem o caráter de catálogo


de silogismos e modos de dedução, próprio da silogística aristotélica,
assim como de toda silogística em geral (Burris, 2018):

"A <proposição> universal afirmativa é demonstrada somente pela primeira


figura e por meio desta em um único modo somente. A negativa, contudo, é
demonstrada tanto pela primeira figura quanto pela figura mediana: pela
primeira em um único modo e pela mediana em dois modos. A particular
afirmativa é demonstrada pela primeira e última figuras: pela primeira em
um único modo e pela última em três modos. A particular negativa é
demonstrada por todas as três figuras, com a diferença de que na primeira
figura é demonstrada em um modo, ao passo que na segunda e na terceira
Antônio Carlos da Rocha Costa • 69

é demonstrada respectivamente em dois e três modos." (Aristóteles, 2010,


p.168)

SEÇÃO II : O SISTEMA S 3

7. A LINGUAGEM FORMAL DO SISTEMA S 3

A definição da linguagem formal do sistema S3, 𝐿𝐿𝐿𝐿𝑆𝑆 3 , é dada por:

𝐿𝐿𝐿𝐿𝑆𝑆 3 = 𝑇𝑇𝑇𝑇𝑇𝑇 ∪ 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆 ∪ 𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸

onde:

1. 𝑇𝑇𝑇𝑇𝑇𝑇 é um conjunto (não vazio) de elementos denominados termos;


2. 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆 é o conjunto dos elementos denominados sequentes;
3. 𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸 é o conjunto dos elementos denominados esquemas de regras;
4. Se 𝑋𝑋, 𝑌𝑌 ∈ 𝑇𝑇𝑇𝑇𝑇𝑇 então:
i. � 𝑌𝑌, 𝑋𝑋 ⊳
𝑋𝑋 ⊲ 𝑌𝑌, 𝑋𝑋 ⊳ 𝑌𝑌, 𝑋𝑋 ⊲ � 𝑌𝑌 ∈ 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆;
� 𝑌𝑌, X ∝ 𝑌𝑌, X ∝
5. Se 𝑆𝑆1 , 𝑆𝑆2 , 𝑆𝑆3 ∈ 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆 então:

𝑆𝑆1 𝑆𝑆2
∈ 𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸
𝑆𝑆3

Como evidenciado ao longo da seção 2.4, um esquema de regra


representa formalmente um silogismo da silogística aristotélica se e
somente se a função semântica determina que tal esquema de regra é
válido.
Denotamos o conjunto das regras válidas do sistema S3 por 𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅.
Note-se, então, a condição de dependência existente entre o conjunto de
regras do sistema S3 e seu modelo semântico, determinada pelo fato de
que 𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅 é dependente da função semântica fs (ver seção 11.4).
70 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Isto é, a dependência do conjunto de silogismos da silogística


aristotélica em relação ao modelo semântico que lhe está implícito, se
deve a que esse conjunto de silogismos não é estabelecido
axiomaticamente, mas sim construído, silogismo a silogismo, em
função da demonstrabilidade da validade de cada um, relativamente a
esse modelo semântico, isto é, conforme cada silogismo se deixa validar
pelas operações de demonstração de validade (ver seção 11.6).
Por outro lado, note-se que, formalmente, também ocorre de fs ser
dependente de 𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅, posto que 𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅 é parte do seu domínio de definição,
via sua inclusão em 𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸 (ver seção 11.4). Em consequência, vê-se que,
no sistema S3, sintaxe e semântica se definem mutuamente, de um modo
recursivo dado por equações da forma:

• 𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅 = 𝐷𝐷𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅 (fs);


• fs = 𝐷𝐷fs (𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸);

onde 𝐷𝐷𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅 e 𝐷𝐷fs representam as respectivas definições de 𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅 e fs.


Aqui, também, não examinamos as condições técnicas que
garantem a existência de uma solução para esse sistema de equações.
Observamos, apenas, que ele deve ser visto como um sistema de
equações de domínios (Abramsky & Jung, 1994, p.66), para o qual
pensamos ser possível mostrar que 𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅 é ponto-fixo de 𝐷𝐷𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅 ∘ 𝐷𝐷fs em
𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸. Neste artigo, no entanto, elaboramos apenas intuitivamente
uma solução para o mesmo.
Adicionalmente, observamos que, quando conveniente, podemos
denotar um esquema de regra pela expressão linear: (𝑆𝑆1 , 𝑆𝑆2 )/𝑆𝑆3 .
Nesse sentido, a linguagem do sistema S3 se distingue da linguagem
L definida no artigo de Corcoran, em que cada variável representa um
Antônio Carlos da Rocha Costa • 71

predicado concreto e cada expressão formal representa uma expressão


concreta da linguagem natural:

"In effect each sentence in L should be thought of as representing a specific


categorical proposition. <..> For example, if 𝑢𝑢 and 𝑣𝑣 represent the
universals 'man and 'animal' then the structure of 𝐴𝐴𝐴𝐴𝐴𝐴 should reflect the
structure of the proposition 'All men are animais'. <..> It is to be emphasized
that a sentence in L is supposed to represent a particular proposition (as
envisaged by AristotIe's theory) and not a propositional form, propositional
function, proposition scheme or anything of the sort." (Corcoran, 1974,
p.100)

8. A ESTRUTURA BÁSICA DO MODELO SEMÂNTICO

Por simplicidade, introduzimos nesta seção apenas a estrutura


geral do modelo semântico do sistema S3, mas sem os detalhes da
estrutura relacional do domínio dos conceitos. Deixamos para
introduzir os detalhes da estrutura relacional do domínio dos conceitos
na seção 10.
A estrutura básica do modelo semântico ModSem do sistema S3 é
composta de um par de domínios:

ModSemGer = (𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶, 𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂)

onde:

• 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 é o domínio dos conceitos;


• 𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂 é o domínio dos objetos.
72 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

8.1 O DOMÍNIO DE CONCEITOS

Como indicado na seção 2.5, assumimos que o universo de discurso


do modelo semântico intensional do sistema S3 é um domínio de
conceitos, caracterizado pela seguinte equação de domínios:

𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 = ℘(𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶)

8.1.1 A RELAÇÃO DE PRESENÇA PARCIAL

Para cada conceito 𝑐𝑐 ∈ 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶, denotamos por:

𝑐𝑐 ′ ⊓ 𝑐𝑐

o fato de que o conceito 𝑐𝑐 ′ ∈ 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 está presente em parte (ver seção


3.1) do conceito 𝑐𝑐 ∈ 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 (ou, simplesmente, está presente parcialmente
em 𝑐𝑐 ∈ 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶) de modo que:

𝑐𝑐⊓ = {𝑐𝑐 ′ ∈ 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 | 𝑐𝑐 ′ está presente parcialmente em 𝑐𝑐}


= {𝑐𝑐 ′ ∈ 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 | 𝑐𝑐 ′ ⊓ 𝑐𝑐}

Adicionalmente, distinguimos três tipos de presença parcial de


conceitos do domínio 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶:

• presenças parciais assertóricas, cujo subconjunto representamos por 𝑐𝑐 ∘ ;


• presenças parciais necessárias, cujo subconjunto representamos por 𝑐𝑐 ∗ ;
• presenças parciais contingentes, cujo subconjunto representamos por 𝑐𝑐 + ;

de modo que 𝑐𝑐 = 𝑐𝑐 ∘ ∪ 𝑐𝑐 ∗ ∪ 𝑐𝑐 + .
Com isso, dizemos que:

• 𝑐𝑐 ′ está presente parcialmente em 𝑐𝑐 assertóricamente se 𝑐𝑐 ′ ∈ 𝑐𝑐 ∘ ;


Antônio Carlos da Rocha Costa • 73

• 𝑐𝑐 ′ está presente parcialmente em 𝑐𝑐 necessariamente se 𝑐𝑐 ′ ∈ 𝑐𝑐 ∗ ;


• 𝑐𝑐 ′ está presente parcialmente em 𝑐𝑐 contingentemente se 𝑐𝑐 ′ ∈ 𝑐𝑐 + .

Observamos que, nesta apresentação formalizada do domínio de


conceitos da semântica intensional do sistema S3, não é necessário
especificar explicitamente a natureza dos tipos em que se dividem as
relações de presença parciais entre os conceitos. Para o presente
tratamento formal dessa semântica, é suficiente apenas prever tal
divisão.
Note-se, assim, que a especificação do critério que é efetivamente
usado para realizar tal divisão, em relação a cada domínio de conceitos
que pode ser considerado, é questão externa a este tratamento formal.
Em particular, é possível que, para um mesmo domínio de conceitos,
diferentes critérios possam ser utilizados, fazendo com que diferentes
funções semânticas intensionais sejam estabelecidas, determinando
diferentes conjuntos de silogismos concretos válidos (ver seção 11).
Claramente, para que qualquer critério desses possa ser adotado de
modo compatível com a ideia geral da silogística aristotélica, ele precisa
ser compatível com a explicação intuitiva dada por Aristóteles sobre as
três modalidades de aplicação de conceitos - ver, p.ex., Aristóteles, 2010a,
p. 128-129). Caso contrário, tal critério determinará silogismos concretos
válidos não compatíveis com a concepção silogística original de
Aristóteles, mesmo que tal critério satisfaça as condições formais da
semântica intensional.
Este ponto é importante porque a silogística aristotélica, como já
se mencionou acima (e se está vendo em mais detalhes na presente
seção) não se limita a um conjunto de especificações sintáticas, mas exige
74 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

também que seja estabelecido um conjunto de especificações semânticas


precisas.
Finalmente, estabelecemos uma relação de ordem parcial ⋑ em
𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶, de modo que se 𝑐𝑐 ′ ⋑ 𝑐𝑐 dizemos que 𝑐𝑐 ′ é um gênero (direto ou
indireto) de 𝑐𝑐 e que 𝑐𝑐 é uma espécie (direta ou indireta) de 𝑐𝑐 ′ .
Denotamos a negação de 𝑐𝑐 ′ ⊓ 𝑐𝑐 por 𝑐𝑐 ′ ⊓
� 𝑐𝑐. Verbalizamos a relação
𝑐𝑐 ′ ⊓
� 𝑐𝑐 como 𝑐𝑐 ′ não determina parcialmente 𝑐𝑐.
Por simplicidade, sempre que não houver risco de confusão,
verbalizamos 𝑐𝑐 ′ ⊓ 𝑐𝑐 e 𝑐𝑐 ′ ⊓
� 𝑐𝑐 simplesmente como 𝑐𝑐 ′ está presente em 𝑐𝑐 e
𝑐𝑐 ′ não está presente em 𝑐𝑐.

8.1.2 A RELAÇÃO DE PRESENÇA TOTAL

Para quaisquer conceitos 𝑐𝑐, 𝑐𝑐 ′ ∈ 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶, denotamos por:

𝑐𝑐 ′ ⊑ 𝑐𝑐

o fato de que o conceito 𝑐𝑐 ′ ∈ 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 está presente em todo (ver seção 3.1)
o conceito 𝑐𝑐 ∈ 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 (ou, simplesmente, está presente totalmente em 𝑐𝑐 ∈
𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶) de modo que:

𝑐𝑐⊑ = {𝑐𝑐 ′ ∈ 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 | 𝑐𝑐 ′ está presente totalmente em 𝑐𝑐}


= {𝑐𝑐 ′ ∈ 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 | 𝑐𝑐 ′ ⊑ 𝑐𝑐}

A relação de presença total é transitiva. Assim, se valem 𝑐𝑐 ′′ ⊑ 𝑐𝑐 ′ e


𝑐𝑐 ′ ⊑ 𝑐𝑐 então vale também 𝑐𝑐 ′′ ⊑ 𝑐𝑐.
Denotamos a negação de 𝑐𝑐 ′ ⊑ 𝑐𝑐 por 𝑐𝑐 ′ ⋢ 𝑐𝑐.
Verbalizamos essas relações como:

• 𝑐𝑐 ′ ⊑ 𝑐𝑐: 𝑐𝑐 ′ está presente totalmente em 𝑐𝑐;


Antônio Carlos da Rocha Costa • 75

• 𝑐𝑐 ′ ⋢ 𝑐𝑐: 𝑐𝑐 ′ não está presente totalmente em 𝑐𝑐.

Por simplicidade, sempre que não houver risco de confusão,


verbalizamos 𝑐𝑐 ′ ⊑ 𝑐𝑐 e 𝑐𝑐 ′ ⋢ 𝑐𝑐 simplesmente como 𝑐𝑐 ′ está presente em 𝑐𝑐
e 𝑐𝑐 ′ não está presente em 𝑐𝑐.
Já na verbalização informal convencional, é comum dizer-se:

1. 𝑐𝑐 ′ ⊑ 𝑐𝑐: 𝑐𝑐 ′ se aplica a 𝑐𝑐; ou ainda: 𝑐𝑐 é 𝑐𝑐 ′ ;


2. 𝑐𝑐 ′ ⋢ 𝑐𝑐: 𝑐𝑐 ′ não se aplica a 𝑐𝑐; ou ainda: 𝑐𝑐 não é 𝑐𝑐 ′ .

As relações de presença ⊑ e ⋢ são utilizadas na especificação


semântica dos sequentes universais da linguagem formal. As relações de
� são utilizadas na especificação semântica dos sequentes
presença ⊓ e ⊓
particulares (ver a seguir).

8.1.3 O QUADRADO DAS OPOSIÇÕES DAS RELAÇÕES DE PRESENÇA

Note-se que as quatro relações de presença de conceitos constituem


um quadrado de oposições:

8.2 O DOMÍNIO DOS OBJETOS

Consideramos o domínio de objetos como sendo caracterizado pela


seguinte equação de domínios:
76 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂 = ℘(𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂)

Estabelecemos uma relação de ordem parcial ⋑ em 𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂, de modo


que se 𝑜𝑜 ′ ⋑ 𝑜𝑜 dizemos que 𝑜𝑜′ contém 𝑜𝑜 e que 𝑜𝑜 é uma parte de 𝑜𝑜′ .

8.2.1 A RELAÇÃO DE AGREGAÇÃO PARCIAL

Para quaisquer objetos 𝑜𝑜, 𝑜𝑜′ ∈ 𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂, denotamos por:

𝑜𝑜′ ∩ 𝑜𝑜

o fato de que o objeto 𝑜𝑜′ ∈ 𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂 agrega parcialmente o objeto 𝑜𝑜, de modo
que:

𝑜𝑜∩ = {𝑜𝑜′ ∈ 𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂 | 𝑜𝑜′ agrega parcialmente 𝑜𝑜} = {𝑜𝑜′ ∈ 𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂 | 𝑜𝑜′ ∩ 𝑜𝑜}

Denotamos a negação de 𝑜𝑜′ ∩ 𝑜𝑜 por 𝑜𝑜′ ∩


� 𝑜𝑜. Verbalizamos 𝑜𝑜 ′ ∩
� 𝑜𝑜
como o objeto 𝑜𝑜′ não agrega parcialmente o objeto 𝑜𝑜.
Por simplicidade, sempre que não houver risco de confusão,
verbalizamos 𝑜𝑜′ ∩ 𝑜𝑜 e 𝑜𝑜′ ∩
� 𝑜𝑜 simplesmente como 𝑜𝑜′ agrega 𝑜𝑜 e 𝑜𝑜′ não
agrega 𝑜𝑜.
Salientamos que, quando a noção de objeto é reduzida à noção de
conjunto, as relações de agregação parcial ficam correspondendo às
seguintes operações sobre conjuntos:

• 𝑜𝑜′ ∩ o ↝ 𝑜𝑜′ ∩ o;
• � o ↝ �������
𝑜𝑜′ ∩ 𝑜𝑜′ ∩ o;

� é o
isto é, do ponto de vista conjunto-teorético, a relação ∩
complemento da relação ∩.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 77

� e as operações entre
A correspondência entre as relações ∩ e ∩
conjuntos possibilita visualizar mais facilmente, por meio de noções
usuais, a diferença semântica entre as duas relações de aplicação: 𝑋𝑋 ⊳ 𝑌𝑌
� 𝑌𝑌 (𝑋𝑋 não se aplica a algum 𝑌𝑌), ver seção
(𝑋𝑋 se aplica a algum 𝑌𝑌) e 𝑋𝑋 ⊳
11.3.

8.2.2 A RELAÇÃO COMPLETA DE AGREGAÇÃO

Para quaisquer objetos 𝑜𝑜, 𝑜𝑜′ ∈ 𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂, denotamos por:

𝑜𝑜′ ⊇ 𝑜𝑜

o fato de que o objeto 𝑜𝑜 ′ ∈ 𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂 agrega totalmente o objeto 𝑜𝑜, de modo


que:

𝑜𝑜⊇ = {𝑜𝑜′ ∈ 𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂 | 𝑜𝑜′ agrega totalmente 𝑜𝑜} = {𝑜𝑜′ ∈ 𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂 | 𝑜𝑜′ ⊇ 𝑐𝑐}

A relação de agregação total é transitiva. Assim, se valem 𝑜𝑜′′ ⊇ 𝑜𝑜′


e 𝑜𝑜′ ⊇ 𝑜𝑜 então vale também 𝑜𝑜′′ ⊇ 𝑜𝑜.
Denotamos a negação de 𝑜𝑜 ′ ⊇ 𝑜𝑜 por 𝑜𝑜 ′ ⊉ 𝑜𝑜. Verbalizamos essas
relações como:

• 𝑜𝑜′ ⊇ 𝑜𝑜: 𝑜𝑜′ agrega totalmente o objeto 𝑜𝑜;


• 𝑜𝑜′ ⊉ 𝑜𝑜: 𝑜𝑜′ não agrega totalmente o objeto 𝑜𝑜.

Por simplicidade, sempre que não houver possibilidade de


confusão, verbalizamos as relações 𝑜𝑜′ ⊇ 𝑜𝑜 e 𝑜𝑜′ ⊉ 𝑜𝑜 simplesmente
como 𝑜𝑜′ agrega 𝑜𝑜 e 𝑜𝑜′ não agrega 𝑜𝑜.
Já, na verbalização informal convencional, são usadas as mesmas
�:
expressões que as utilizadas para as relações ⊓ e ⊓
78 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

3. 𝑜𝑜′ ⊇ 𝑜𝑜: 𝑜𝑜′ se aplica a 𝑜𝑜; ou ainda: 𝑜𝑜 é 𝑜𝑜′ ;


4. 𝑜𝑜′ ⊉ 𝑜𝑜: 𝑜𝑜′ não se aplica a 𝑜𝑜.

8.2.3 O QUADRADO DAS OPOSIÇÕES DAS RELAÇÕES DE AGREGAÇÃO

Note-se que as quatro relações de agregação de conceitos


constituem um quadrado de oposições:

9. A FUNÇÃO SEMÂNTICA

Tomamos o domínio da função semântica fs como sendo a


linguagem formal do cálculo, dada por (ver seção 0):

𝐿𝐿𝐿𝐿𝑆𝑆 3 = 𝑇𝑇𝑇𝑇𝑇𝑇 ∪ 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆 ∪ 𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸

Tomamos o contradomínio da função semântica fs como sendo um


par de conjuntos, o contradomínio intensional, dado pelo domínio dos
conceitos 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 (ver seção 10.1), e o contradomínio extensional, dado pelo
domínio dos objetos 𝑂𝑂𝑏𝑏𝑗𝑗.
Definimos, então, a função semântica fs como constituída por um
par de funções, a função semântica intensional fsi e a função semântica
extensional fse:
Antônio Carlos da Rocha Costa • 79

fs = (fsi,fse)

tal que:

fsi: 𝐿𝐿𝐿𝐿𝑆𝑆 3 → 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶


fse: 𝐿𝐿𝐿𝐿𝑆𝑆 3 → 𝑂𝑂𝑂𝑂

e também:

fs: 𝐿𝐿𝐿𝐿𝑆𝑆 3 → (𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶, 𝑂𝑂𝑂𝑂)

Observamos, por outro lado, que em geral não trabalhamos com a


função semântica composta fs, mas com as funções semânticas parciais
fsi e fse separadamente.

9.1 A FUNÇÃO SEMÂNTICA INTENSIONAL

Com 𝐿𝐿𝐿𝐿𝑆𝑆 3 = 𝑇𝑇𝑇𝑇𝑇𝑇 ∪ 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆 ∪ 𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸, podemos definir a função


semântica intensional fsi por casos. Assim, estabelecemos que:

1. para cada termo 𝑋𝑋 ∈ 𝑇𝑇𝑇𝑇𝑇𝑇 vale:

fsi(𝑋𝑋) ∈ Conc

1. Isto é, o significado intensional de um termo é um conceito do universo


de conceitos.

2. para cada sequente assertórico da forma 𝑋𝑋 relpres 𝑌𝑌 ∈ 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆, com a relação


�, ⊳
de presença relpres ∈ {⊲, ⊳, ⊲ � }, vale:

fsi(𝑋𝑋 relpres 𝑌𝑌) = fsi(𝑋𝑋)∘ reldet fsi(𝑌𝑌) ∘


80 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

onde:

– X ≠ Y, isto é, sequentes assertóricos não admitem auto-predicação;


– fsi(𝑋𝑋)∘ e fsi(𝑌𝑌)∘ são as partes assertóricas dos conceitos fsi(𝑋𝑋) e fsi(Y
), respectivamente, isto é, fsi(𝑋𝑋)∘ ⊆ fsi(𝑋𝑋) e fsi(𝑌𝑌)∘ ⊆ fsi(𝑌𝑌);
– reldet é uma tupla da relação de presença de conceitos, especificada
conforme a tabela a seguir:

𝑋𝑋 relpert 𝑌𝑌 fsi(𝑋𝑋) reldet fsi(𝑋𝑋)


𝑋𝑋 ⊲ 𝑌𝑌 fsi(𝑋𝑋)
⊑ fsi(𝑌𝑌)
𝑋𝑋 ⊳ 𝑌𝑌 fsi(𝑋𝑋)
⊓ fsi(𝑌𝑌)
� 𝑌𝑌
𝑋𝑋 ⊲ fsi(𝑋𝑋)
⋢ fsi(𝑌𝑌)
� 𝑌𝑌
𝑋𝑋 ⊳ � fsi(𝑌𝑌)
fsi(𝑋𝑋) ⊓

3. para cada esquema de regra (𝑆𝑆1 , 𝑆𝑆2 )/𝑆𝑆3 ∈ 𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸 vale:

fsi((𝑆𝑆1 , 𝑆𝑆2 )/𝑆𝑆3 ) = (fsi(𝑆𝑆1 ),fsi(𝑆𝑆2 ),fsi(𝑆𝑆3 ))

2. Isto é, o significado intensional de um esquema de regra assertórico


(𝑆𝑆1 , 𝑆𝑆2 )/𝑆𝑆3 é um terno de tuplas de relações de presença de conceitos,
cada tupla de relação de presença de conceito correspondendo a um
sequente do esquema de regra.

9.2 A FUNÇÃO SEMÂNTICA EXTENSIONAL

Com 𝐿𝐿𝐿𝐿𝐿𝐿𝐿𝐿 = 𝑇𝑇𝑇𝑇𝑇𝑇 ∪ 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆 ∪ 𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸, podemos definir a função


semântica extensional fse por casos. Assim, estabelecemos que:

1. para cada termo 𝑋𝑋 ∈ 𝑇𝑇𝑇𝑇𝑇𝑇 vale:

fse(𝑋𝑋) ∈ ℘(𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂𝑂)
Antônio Carlos da Rocha Costa • 81

3. Isto é, o significado extensional de um termo é um subconjunto de objetos


(possivelmente unitário, mas não vazio) do universo de objetos.

2. para cada sequente assertórico da forma 𝑋𝑋 relpres 𝑌𝑌 ∈ 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆, com a relação


de presença relpres ∈ {⊲, ⊳, ⊲ � }, vale:
�, ⊳

fse(𝑋𝑋 relpres 𝑌𝑌) = fse(𝑋𝑋) relobj fse(𝑋𝑋)

onde relobj é uma tupla da relação de agregação de objetos, especificada


conforme a tabela a seguir:

𝑋𝑋 relpres 𝑌𝑌 fse(𝑋𝑋) relobj fse(𝑋𝑋)


𝑋𝑋 ⊲ 𝑌𝑌 fse(𝑋𝑋) ⊇ fse(𝑌𝑌)

𝑋𝑋 ⊳ 𝑌𝑌 fse(𝑋𝑋) ∩ fse(𝑌𝑌)

� 𝑌𝑌
𝑋𝑋 ⊲ fse(𝑋𝑋) ⊉ fse(𝑌𝑌)

� 𝑌𝑌
𝑋𝑋 ⊳ � fse(𝑌𝑌)
fse(𝑋𝑋) ∩

3. para cada esquema de regra (𝑆𝑆1 , 𝑆𝑆2 )/𝑆𝑆3 ∈ 𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸 vale:

fse((𝑆𝑆1 , 𝑆𝑆2 )/𝑆𝑆3 ) = (fse(𝑆𝑆1 ),fse(𝑆𝑆2 ),fse(𝑆𝑆3 ))

4. Isto é, o significado extensional de um esquema de regra (𝑆𝑆1 , 𝑆𝑆2 )/𝑆𝑆3 é


um terno de tuplas de relações de agregação de objetos, cada tupla de
relação de agregação de objetos correspondendo a um sequente do
esquema de regra.

9.3 A RELAÇÃO DE ESPELHAMENTO ENTRE AS TUPLAS INTENSIONAIS E


EXTENSIONAIS

Claramente, as funções semânticas intensional e extensional


estabelecem uma relação de espelhamento entre as tuplas intensionais e
extensionais que definem os significados intensionais e extensionais
dos sequentes: para cada tupla intensional 𝑋𝑋 opint 𝑌𝑌 é possível obter a
82 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

correspondente tupla extensional 𝑋𝑋 opext 𝑌𝑌 através da seguinte


correlação:

Opint Opext
⊑ ⊇
⊓ ∩
⋢ ⊉

⊓ �

Adicionalmente, notamos que pares de relações, do tipo:

fsi(𝑋𝑋) ⊑ fsi(𝑌𝑌)
fse(𝑋𝑋) ⊇ fse(𝑌𝑌)

ilustram aquele dito tradicional sobre a relação entre as semânticas


intensional e extensional:

Quanto maior a intensão, menor a extensão, e vice-versa.

Finalmente, notamos que a relação de presença no sentido total,


𝑐𝑐 ′ ⊑ 𝑐𝑐, implica a relação de presença no sentido pacial, 𝑐𝑐 ′ ⊓ 𝑐𝑐, mas não
o inverso, o mesmo acontecendo com a relação de agregação total ⊇ e a
relação de agregação parcial ∩, o que faz com que, na modelagem
semântica dos sequentes, a relação de presença universal, 𝑋𝑋 ⊲ 𝑌𝑌,
implique a relação de presença particular, 𝑋𝑋 ⊳ 𝑌𝑌.

9.4 A COORDENAÇÃO DA SEMÂNTICA INTENSIONAL COM A SEMÂNTICA


EXTENSIONAL

Estabelecemos que, para cada expressão significativa 𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒 da


linguagem, fsi(𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒) e fse(𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒) são, respectivamente, os significados
intensional e extensional de 𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒. A questão que se coloca agora é a de
saber como essas duas semânticas se coordenam.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 83

Há duas soluções usuais para isso. A primeira é fazer a semântica


extensional ser independente da semântica intensional. Essa é a solução
adotada pela tradição da Lógica Matemática, ver (Mendelson, 1997), que
a adota porque desconsidera a semântica intensional, tradição que
começou, ou pelo menos se consolidou definitivamente, com George
Boole ([1847] 1948).
A solução adotada por Aristóteles, que examinamos aqui, é a de
fazer a semântica extensional ser funcionalmente dependente da
semântica intensional.
Assim, o fato de cada conceito 𝑐𝑐 ter suas notas características
particionadas em assertóricas, necessárias e contingentes, na forma
𝑐𝑐 = 𝑐𝑐 ∘ ∪ 𝑐𝑐 ∗ ∪ 𝑐𝑐 + , condiciona a definição da função semântica
intensional fsi a esse particionamento e, consequentemente, condiciona
indiretamente a ele a definição da função semântica extensional fse.
O condicionamento se constitui no contexto da semântica dos
sequentes, em função da modalidade assertórica, necessária ou
contingente dos mesmos.
Assim, por exemplo, dado um sequente assertórico 𝑋𝑋 ⊲ 𝑌𝑌, sua
semântica extensional deve ser dada, com base nessa forma de
coordenação, por:

fse(𝑋𝑋 ⊲ 𝑌𝑌) = fse(fsi(𝑋𝑋)∘ ) ⊑ fse(fsi(𝑌𝑌)∘ )

onde fsi(𝑋𝑋)∘ é a parte assertórica do conceito fsi(𝑋𝑋) e fsi(𝑌𝑌)∘ é a parte


assertórica do conceito fsi(𝑌𝑌).
O mesmo se dá com os sequentes apodíticos e contingentes. Por
exemplo:

fsi(𝑋𝑋 ⊲∗ 𝑌𝑌) = fse(fsi(𝑋𝑋)∗ ) ⊑ fse(fsi(𝑌𝑌)∗ )


84 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

fsi(𝑋𝑋 ⊲+ 𝑌𝑌) = fse(fsi(𝑋𝑋)+ ) ⊑ fse(fsi(𝑌𝑌)+ )

Vê-se que o modo aristotélico de coordenar as semânticas


intensional e extensional torna a semântica extensional parcialmente
regida pela semântica intensional, no sentido de que a definição da
função fse fica condicionada pelos limites que a definição da função fsi
lhe faculta.
Podemos representar essa forma de coordenação entre as funções
semânticas intensional e extensional por meio do seguinte diagrama,
relativo à semântica de um termo 𝑋𝑋 no contexto de um sequente
assertórico:

O diagrama mostra que a forma aristotélica de coordenar as


semânticas intensional e extensional faz com que a semântica
extensional efetiva de um termo 𝑋𝑋 seja uma nova função semântica, que
denotamos por fse′ no diagrama, resultante da composição das
semânticas extensional e intensional.
No caso do termo 𝑋𝑋 pertencente a um sequente assertórico, como
ilustrado no diagrama, a semântica extensional efetiva de 𝑋𝑋 é dada por:

fse′ = fse ∘ fsi


Antônio Carlos da Rocha Costa • 85

Por outro lado, por praticidade, continuamos adotando, neste


artigo, a forma fsi(𝑋𝑋) para representar fsi(𝑋𝑋)∘ , sempre que a
possibilidade de confusão entre elas está evitada.

9.10 A SEMÂNTICA DOS ESQUEMAS DE REGRAS DO SISTEMA S 3

Dadas as definições das funções semânticas estabelecidas acima:

fs((𝑆𝑆1 , 𝑆𝑆2 )/𝑆𝑆3 ) = (fsi((𝑆𝑆1 , 𝑆𝑆2 )/𝑆𝑆3 ),fse((𝑆𝑆1 , 𝑆𝑆2 )/𝑆𝑆3 ))


fsi((𝑆𝑆1 , 𝑆𝑆2 )/𝑆𝑆3 ) = (fsi(𝑆𝑆1 ),fsi(𝑆𝑆2 ),fsi(𝑆𝑆3 ))
fse((𝑆𝑆1 , 𝑆𝑆2 )/𝑆𝑆3 ) = (fse(𝑆𝑆1 ),fse(𝑆𝑆2 ),fse(𝑆𝑆3 ))

podemos definir, por casos, se um dado esquema de regra (𝑆𝑆1 , 𝑆𝑆2 )/𝑆𝑆3 é
válido ou não (isto é, se (𝑆𝑆1 , 𝑆𝑆2 )/𝑆𝑆3 ∈ 𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅 ou não).
Colocamos no Apêndice a tabela contendo todos os esquemas de
regra que correspondem aos silogismos válidos da silogística
aristotélica, juntamente com as pré- e pós-condições de sua validade.
Aqui, apenas ilustramos apenas a validade do esquema de regra do
silogismo Barbara assertórico:

(𝑋𝑋 ⊲ 𝑌𝑌, 𝑌𝑌 ⊲ 𝑍𝑍)/𝑋𝑋 ⊲ 𝑍𝑍 ∈ 𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅 se e somente se:

1. fsi(𝑋𝑋),fsi(𝑌𝑌),fsi(𝑋𝑋) ∈ 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 +
2. fsi(𝑋𝑋)⊑fsi(𝑌𝑌), fsi(𝑌𝑌)⊑fsi(𝑍𝑍) e fsi(𝑋𝑋)⊑fsi(𝑍𝑍)
3. fse(𝑍𝑍)⊆fse(𝑌𝑌), fse(𝑌𝑌)⊆fse(𝑋𝑋) e fse(𝑍𝑍)⊆fse(𝑋𝑋).

5. Isto é, um silogismo do tipo Barbara contingente é válido se e somente:


1. os significados intensionais dos três termos 𝑋𝑋, 𝑌𝑌 e 𝑍𝑍 são contingentes;
2. os significados intensionais dos três termos 𝑋𝑋, 𝑌𝑌 e 𝑍𝑍, nesta ordem,
formam uma cadeia pertinência simétrica de notas características
ocasionais;
86 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

3. os significados extensionais dos três termos 𝑍𝑍, 𝑌𝑌 e 𝑋𝑋, nesta ordem,


formam uma cadeia de inclusão de conjuntos de objetos.

A tabela a seguir (cf. as demonstrações de validade dos silogismos


assertóricos da Figura I, seção 5.1.1) indica, para cada silogismo
assertórico válido, o seu correspondente esquema de regra do sistema S3 e
as pré-condições e pós-condições (condições relativas aos antecedentes e
à conclusão da regra, respectivamente) que garantem a validade desse
esquema de regra:

Esquema de Regra Semântica

[1] Barbara:
fsi(𝑋𝑋) ⊑ fsi(𝑌𝑌) fsi(𝑌𝑌) ⊑ fsi(𝑍𝑍)
𝑋𝑋 ⊲ 𝑌𝑌 𝑌𝑌 ⊲ 𝑍𝑍 fse(𝑋𝑋) ⊇ fse(𝑌𝑌) fse(𝑌𝑌) ⊇ fse(𝑍𝑍)
fsi(𝑋𝑋) ⊑ fsi(𝑍𝑍)
𝑋𝑋 ⊲ 𝑍𝑍
fse(𝑋𝑋) ⊇ fse(𝑍𝑍)

[2] Celarent:
fsi(𝑋𝑋) ⋢ fsi(𝑌𝑌) fsi(𝑌𝑌) ⊑ fsi(𝑍𝑍)
𝑋𝑋 ⊲ 𝑌𝑌 𝑌𝑌 ⊳ 𝑍𝑍 fse(𝑋𝑋) ⊉ fse(𝑌𝑌) fse(𝑌𝑌) ⊇ fse(𝑍𝑍)
� fsi(𝑍𝑍)
fsi(𝑋𝑋) ⋢
𝑋𝑋 ⊳ 𝑍𝑍
fse(𝑋𝑋) ⊉ fse(𝑍𝑍)

[3] Darii:
fsi(𝑋𝑋) ⊑ fsi(𝑌𝑌) fsi(𝑌𝑌) ⊓ fsi(𝑍𝑍)
� 𝑌𝑌 𝑌𝑌 ⊲ 𝑍𝑍
𝑋𝑋 ⊲ fse(𝑋𝑋) ⊇ fse(𝑌𝑌) fse(𝑌𝑌) ∩ fse(𝑍𝑍)
� 𝑍𝑍 fsi(𝑋𝑋) ⊓ fsi(𝑍𝑍)
𝑋𝑋 ⊲
fse(𝑍𝑍) ∩ fse(𝑋𝑋)

[4] Ferio:
fsi(𝑋𝑋) ⋢ fsi(𝑌𝑌) fsi(𝑌𝑌) ⊓ fsi(𝑍𝑍)
� 𝑌𝑌 𝑌𝑌 ⊳ 𝑍𝑍
𝑋𝑋 ⊲ fse(𝑋𝑋) ⊉ fse(𝑌𝑌) fse(𝑌𝑌) ∩ fse(𝑍𝑍)
� fsi(𝑍𝑍)
fsi(𝑋𝑋) ⊓
� 𝑍𝑍
𝑋𝑋 ⊳
� fse(𝑍𝑍)
fse(𝑋𝑋) ∩

Note-se que a tabela só pode ser definida porque se pressupôs que,


anteriormente, já tinha sido realizada a definição da operação de
composição de relações de presença e agregação, na forma:
Antônio Carlos da Rocha Costa • 87

⊑∘⊑=⊑
� ∘⊑=⊓
⊓ �
⊑∘⊓=⊓
� ∘⊓=⋢

⊇∘⊇=⊇
�∘⊇=∩
∩ �
⊇∘∩=∩
�∘∩=⊉

As composições ⊑ ∘ ⊑ = ⊑ e ⊇ ∘ ⊇ = ⊇ derivam da propriedade da


transitividade dessas relações e são o que dão origem à produção de
silogismos (ver seção 12). Por outro lado, as definições das relações ⊓ e
� explicam porque não há silogismo se todas as premissas são

particulares: elas não são transitivas e, portanto, não levam às
� ∘⊓
respectivas composições ⊓ ∘ ⊓ = ⊓ e ⊓ � =⊓
� , o mesmo acontecendo
�.
com as relações ∩ e ∩
� ∘⊑=⊓
As composições ⊓ �∘⊇=∩
� e ∩ � , assim como as
composições ⊑ ∘ ⊓ = ⊓ e ⊇ ∘ ∩ = ∩, precisam ter sido definidas
explicitamente, anteriormente à construção da tabela e à demonstração
da validade das regras, por meio de regras específicas para a composição
de relações transitivas e não-transitivas.
Claramente, muito das demonstrações da validade dos silogismos
assertóricos que Aristóteles desenvolveu no Libro I dos Analíticos
Anteriores (ver seção 5) foi dedicada a explicitar sua pressuposição
dessas composições de relações de presença de conceitos e de agregação de
objetos.
Finalmente, notamos que os próprios silogismos assertóricos
constituem um quadrado de oposições, relativamente às conclusões que
permitem alcançar:
88 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

9.11 A SEMÂNTICA DAS OPERAÇÕES DE CONVERSÃO

As funções semânticas extensional e intensional, fse e fsi, aplicam-


se também à análise semântica das operações de conversão. Na tabela a
seguir, mostramos a semântica das conversões dos sequentes
assertóricos, dada em termos da conversão de suas semânticas (a
operação de conversão é denotada por um sequente):

Conversão Semântica

fsi(𝑋𝑋) ⊑ fsi(𝑌𝑌)
𝑋𝑋 ⊲ 𝑌𝑌 fse(𝑌𝑌) ⊆ fse(𝑋𝑋)
fsi(𝑌𝑌) ⊓ fsi(𝑋𝑋)
𝑌𝑌 ⊳ 𝑋𝑋
fse(𝑌𝑌) ∩ fse(𝑋𝑋)
fsi(𝑋𝑋) ⊓ fsi(𝑌𝑌)
𝑋𝑋 ⊳ 𝑌𝑌 fse(𝑌𝑌) ∩ fse(𝑋𝑋)
fsi(𝑌𝑌) ⊓ fsi(𝑋𝑋)
𝑌𝑌 ⊳ 𝑋𝑋
fse(𝑋𝑋) ∩ fse(𝑌𝑌)
� 𝑌𝑌
𝑋𝑋 ⊲ fsi(𝑋𝑋) ⋢ fsi(𝑌𝑌)
� 𝑋𝑋
𝑌𝑌 ⊲ fse(𝑌𝑌) ⊉ fse(𝑋𝑋)
fsi(𝑌𝑌) ⋢ fsi(𝑋𝑋)
fse(𝑋𝑋) ⊉ fse(𝑌𝑌)

Note-se que Aristóteles não introduz uma regra de conversão para


� 𝑌𝑌, o modelo semântico ficando em acordo com tal opção: de
𝑋𝑋 ⊳
� fsi(𝑌𝑌) não se pode deduzir fsi(𝑋𝑋) ⊓
fsi(𝑋𝑋) ⊓ � fsi(𝑌𝑌) por causa do caso
negativo da regra da simetria parcial, pois é possível que fsi(X) ⋑
� fse(X) em relação a fse(X) ⊉
fsi(Y), o mesmo valendo para fse(Y) ∩
fse(Y), pois é possível que fse(Y) ⋑ fse(X).
Antônio Carlos da Rocha Costa • 89

Por outro lado, note-se que Aristóteles introduz, sim, uma regra de
conversão para 𝑋𝑋 ⊳ 𝑌𝑌, com o que o modelo semântico também fica de
acordo, por meio do caso positivo da regra da simetria parcial, em que a
simetria é considerada válida mesmo quando fse(𝑌𝑌) ⋑ fse(𝑋𝑋).

9.12 EXCURSO: O SENTIDO DO PROCESSO HISTÓRICO DE MATEMATIZAÇÃO


DA LÓGICA

Frente a essa análise da forma aristotélica de coordenar as funções


semânticas intensional e extensional, resumida no diagrama que
reproduzimos a seguir:

o resultado do processo histórico de matematização da lógica,


iniciado por Boole, e que resultou na desconsideração da semântica
intensional dos termos, pode ser formalmente representado, nos
termos da forma aristotélica de coordenação das funções semânticas,
por:

fsi = 𝑖𝑖𝑖𝑖
fse′ = fse
90 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

isto é, pode ser considerado como resultante de uma opção nominalista,


em que o conceito é reduzido ao nome pela redução da função intensional
à função identidade de termos.
Em outros termo, podemos dizer que, desde o ponto de vista
aristotélico, o resultado da matematização da lógica foi a nominalização
da intensão dos conceitos lógicos, correlativo à opção por operar
sistematicamente apenas com as extensões dos mesmos.

10. O MÉTODO DE SELEÇÃO DE PREMISSAS

O método de construção de silogismos, exposto por Aristóteles nos


capítulos XXVII e XXVIII do Livro I dos Analíticos Anteriores (Aristóteles,
2010, p.169-175) é o método pelo qual se obtém um silogismo válido a
partir da conclusão proposta para o mesmo, por meio de um exame dos
conceitos envolvidos na mesma. É, portanto, um método regressivo,
operando a partir da conclusão em direção às premissas que a validam.
O método se orienta pela classificação da relação de presença de
conceitos em temos de relações de consequência e de antecedência, as
quais constituem a estrutura relacional detalhada do domínio dos
conceitos.
Aristóteles denomina esse método de método de seleção de
premissas onde, como mencionado na seção 2.2, a expressão premissa
refere tanto as premissas dos silogismos, propriamente ditas, como
suas conclusões.

10.1 A MOTIVAÇÃO PARA O MÉTODO DE SELEÇÃO DE PREMISSAS

Aristóteles apresenta do seguinte modo a motivação para o método


de seleção de premissas:
Antônio Carlos da Rocha Costa • 91

"Nossa próxima tarefa consiste em descrever como nós mesmos


descobriremos um bom suprimento de silogismo [que nos capacite] a
enfrentar qualquer problema dado e por qual método apreenderemos os
princípios apropriados a cada problema, pois é de se presumir que não
devemos nos restringir a especular acerca da formação dos silogismos <isto
é, sua sintaxe e semântica>, mas também nos munir da capacidade de
construí-los <a partir dos conceitos que eles envolvem>." (Aristóteles, 2010,
p.169)

10.2 A ESTRUTURA RELACIONAL DETALHADA DO DOMÍNIO DOS


CONCEITOS

Para a utilização do domínio de conceitos na validação de


proposições, Aristóteles estrutura do domínio de conceitos com base em
duas noções relacionais:
1. A relação de consequência entre conceitos: o conceito 𝑌𝑌 é um
consequente do conceito 𝑋𝑋 se e somente se 𝑌𝑌 determina 𝑋𝑋.
• Formalmente, pode ser: 𝑋𝑋 ⊓ 𝑌𝑌 ou 𝑋𝑋 ⊑ 𝑌𝑌.
• Informalmente, pode ser: 𝑋𝑋 é 𝑌𝑌, o que lembra mais de perto a noção de ser
consequente de.
2. A relação de antecedência entre conceitos: o conceito 𝑋𝑋 é um antecedente
do conceito 𝑦𝑦 se e somente se 𝑋𝑋 é determinado por 𝑌𝑌.
• Formalmente, pode ser: 𝑌𝑌 ⊓ 𝑋𝑋 ou 𝑌𝑌 ⊑ 𝑋𝑋.
• Informalmente, pode ser: 𝑋𝑋 é 𝑌𝑌, o que lembra mais de perto a noção de ser
antecedente de.

Representamos graficamente as relações de antecedência e


consequência como mostrado nos diagramas abaixo:
92 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Nesses diagramas:

• Os 𝑐𝑐𝑖𝑖 representam conceitos do domínio de conceitos.


• As setas representam as relações de antecedência e de consequência:
 𝑐𝑐1 é consequente de 𝑐𝑐2 e 𝑐𝑐3 ;
 𝑐𝑐2 e 𝑐𝑐3 são antecedentes de 𝑐𝑐1 ;
 𝑐𝑐6 é consequente de 𝑐𝑐4 e 𝑐𝑐5 ;
 𝑐𝑐4 e 𝑐𝑐5 são antecedentes de 𝑐𝑐6 ;
 𝑐𝑐7 é consequente de 𝑐𝑐8 e 𝑐𝑐8 é consequente de 𝑐𝑐9 ;
 𝑐𝑐8 é antecedente de 𝑐𝑐7 e 𝑐𝑐9 é antecedente de 𝑐𝑐8 ;
 𝑐𝑐7 é consequente de 𝑐𝑐9 por meio da composição das duas relações de
consequência;
 𝑐𝑐9 é antecedente de 𝑐𝑐7 por meio da composição das duas relações de
consequência.
• A transitividade das relações de antecedência e consequência é ilustrada pelo
diagrama inferior, que mostra que 𝑐𝑐13 é antecedente de 𝑐𝑐10 e 𝑐𝑐10
consequente de 𝑐𝑐13 .

Como discutido na próxima subseção, a composição das relações de


presença e, portanto, das relações de antecedência e consequência - como
Antônio Carlos da Rocha Costa • 93

de 𝑐𝑐7 a 𝑐𝑐9 -, é o que dá origem à produção dos silogismos. Por outro lado,
a transitividade dessas relações - como de 𝑐𝑐10 a 𝑐𝑐13 - é o que dá origem
à produção do que Aristóteles chama de prossilogismos, isto é, os
silogismos que se apoiam em mais de uma premissa intermediária
(Aristóteles, 2010, p.166-167).
Por fim, observamos que a centração do domínio de conceitos em um
conceito particular, quando aquele está estruturado em termos das
relações de antecedência e consequência, gera um universo de discurso
relativo a esse conceito.
A forma geral do universo de discurso de um conceito qualquer 𝑐𝑐 é
dada pelo seguinte esquema:

No esquema, os conceitos indicados por 𝑐𝑐𝑖𝑖 são os conceitos


consequentes de 𝑐𝑐 e os indicados por 𝑐𝑐′𝑗𝑗 são os conceitos antecedentes.
Podemos dizer que o percurso no diagrama, desde um conceito 𝑐𝑐𝑖𝑖 ao
conceito 𝑐𝑐, é uma regressão (vai de um consequente ao conceito de
referência), ao passo que o percurso desde um conceito 𝑐𝑐′𝑗𝑗 ao conceito
𝑐𝑐 é uma progressão (vai do antecedente ao conceito de referência). O que
mostra que o sentido das expressões regressão e progressão é oposto à
orientação das setas do diagrama.
Observamos que, nos valendo de uma terminologia
contemporânea, um conjunto de proposições e silogismos, produzidos
imediatamente ou por transitividade a partir do universo de discurso
94 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

do conceito 𝑐𝑐, por meio do método de seleção de premissas examinado na


próxima subseção, produz uma teoria sobre o conceito 𝑐𝑐, conforme
ilustrado no seguinte diagrama:

10.3 A PRODUÇÃO DE PROPOSIÇÕES E SILOGISMOS PELO MÉTODO DE


SELEÇÃO DE PREMISSAS

O procedimento geral do método de seleção de premissas é indicado


por Aristóteles em (Aristóteles, 2010, p.170):
"Agora nos cabe selecionar as premissas <i.é, no sentido geral, as
proposições> vinculadas a cada problema <em particular, à conclusão cuja
verdade se quer demonstrar> da maneira que segue. Devemos fixar:
[2] o próprio sujeito <do problema em questão, em particular, da
proposição que constitui a conclusão a ser demonstrada>, suas
definições e todas as sua propriedades;
[3] todos os conceitos que são consequentes do sujeito;
[4] os conceitos dos quais o sujeito é um consequente;
Antônio Carlos da Rocha Costa • 95

[5] os atributos que não podem se aplicar ao sujeito."


<..>
"Devemos também distinguir entre esses consequentes aqueles que estão
incluídos na essência, aqueles que são predicados como propriedades e
aqueles que são predicados como acidentes e, entre estes, precisamos
distinguir aqueles que estão supostamente associados ao sujeito dos que
estão realmente a ele associados <..>."

Com esse procedimento, pode estabelecer-se - idealmente - o


conjunto de todos os conceitos e todas as relações de antecedência e de
consequência que são relevantes para a demonstração da validade de
todo e qualquer silogismo que seja relativo ao sujeito de qualquer
problema que tenha sido proposto e, em particular, todos os conceitos
relevantes para a demonstração da verdade de toda e qualquer
proposição sobre esse sujeito, que tenha sido apresentada como
conclusão a ser demonstrada.
O modo básico com que o método de seleção de premissas se aplica
à produção direta de proposições e de silogismos é exposto por
Aristóteles no capítulo XXVIII. No capítulo XXIX, Aristóteles examina a
aplicação do método de seleção de premissas à produção de
demonstrações de silogismos por redução ao absurdo. No capítulo XXX,
trata da aplicação do método de seleção de premissas no contexto de
ciências particulares e da experiência cotidiana em geral. No capítulo
XXXII, trata da aplicação do método de seleção de premissas à redução
de argumentos quaisquer a silogismos. No capítulo XXXIII, discute o
funcionamento do método de seleção de premissas em contextos
modais, não-composicionais. No que segue, discutimos apenas o modo
básico do método de seleção de premissas.
96 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

No caso que Aristóteles denomina de produção de uma proposição, o


método de seleção de premissas procede da seguinte maneira:

"Quando desejamos estabelecer <i.é, produzir> uma proposição sobre um


sujeito como um todo, temos que examinar [em primeiro lugar] os sujeitos
dos quais o predicado que procuramos estabelecer é realmente afirmado e
[em segundo lugar] os consequentes do sujeito cujo predicado se requer que
estabeleçamos, pois se houver alguma coisa que seja comum a ambas as
classes, o predicado terá que se aplicar ao sujeito." (Aristóteles, 210, p.171)

Se denotamos a proposição a ser produzida por 𝑃𝑃 ⊲ 𝑆𝑆, onde 𝑆𝑆 é o


sujeito e 𝑃𝑃 é o predicado, observamos o seguinte:

• "os sujeitos dos quais o predicado 𝑃𝑃 é realmente afirmado" são os sujeitos


𝑆𝑆𝑖𝑖 para o quais, no domínio dos conceitos, vale a relação de presença 𝑃𝑃 ⊑
𝑆𝑆𝑖𝑖 , já que a expressão " 𝑃𝑃 é realmente afirmado de 𝑆𝑆𝑖𝑖 " tem o significado de
𝑃𝑃 está presente em 𝑆𝑆𝑖𝑖 no domínio dos conceitos;
• pela mesma razão, "os consequentes do sujeito 𝑆𝑆 cujo predicado 𝑃𝑃 se requer
que estabeleçamos" são os predicados 𝑃𝑃𝑗𝑗 para os quais, no domínio dos
conceitos, vale a relação de presença 𝑃𝑃𝑗𝑗 ⊑ 𝑆𝑆;
• "alguma coisa que seja em comum a ambas as classes" (i.é, as classes 𝑆𝑆𝑖𝑖 e 𝑃𝑃𝑗𝑗 )
é, no domínio dos conceitos, algum conceito 𝐶𝐶 que, pertencendo à classe 𝑆𝑆𝑖𝑖
e à classe 𝑃𝑃𝑗𝑗 , estabeleça a transitividade entre as relações de presença 𝑃𝑃 ⊑
𝑆𝑆𝑖𝑖 e 𝑃𝑃𝑗𝑗 ⊑ 𝑆𝑆, na forma 𝑃𝑃 ⊑ 𝐶𝐶 e 𝐶𝐶 ⊑ 𝑆𝑆, conforme ilustrado no seguinte
diagrama:
Antônio Carlos da Rocha Costa • 97

• "se houver alguma coisa que seja comum a ambas as classes, o predicado
terá que se aplicar ao sujeito" é a expressão de que, se houver a composição
correta das relações de presença haverá transitividade entre as mesmas,
estabelecendo a ocorrência da relação de presença 𝑃𝑃 ⊑ 𝑆𝑆 no domínio de
conceitos;
• em termos da linguagem formal do sistema S3, a ocorrência de pelo menos
um conceito 𝐶𝐶, comum às duas classes de conceitos 𝑆𝑆𝑖𝑖 e 𝑃𝑃𝑗𝑗 , garante a
validade do silogismo:

𝑃𝑃 ⊲ 𝐶𝐶 𝐶𝐶 ⊲ 𝑆𝑆
𝑃𝑃 ⊲ 𝑆𝑆

o qual estabelece a proposição 𝑃𝑃 ⊲ 𝑆𝑆 como verdadeira.

Observamos assim claramente, neste procedimento, a correlação


que Aristóteles estabelece entre o domínio da linguagem (sujeito,
predicado, relação de aplicação) e o domínio dos conceitos (relações de
antecedência, consequência e transitividade da presença).
Essa correlação fundamenta o modo básico com que opera o método
de seleção de premissas:
98 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Proposições verdadeiras sobre um dado sujeito são produzidas no domínio da


linguagem com base na constatação da ocorrência de transitividades entre
relações de presença vigentes, sobre esse sujeito, no domínio dos conceitos.

Finalmente, observamos que no capítulo XXI do Livro II dos


Analíticos Anteriores (Aristóteles, 2010, p.237), Aristóteles fornece
afirmações que confirmam a correção dessa distinção que
estabelecemos entre proposições e relações semânticas, distinguindo
explicitamente entre o fato de que "𝐴𝐴 se aplica a 𝐵𝐵 e a 𝐶𝐶 em virtude de
suas próprias naturezas" (isto é, em virtude de suas relações
semânticas) e o fato de alguém "pensar que 𝐴𝐴 se aplica a 𝐵𝐵", mas que "𝐴𝐴
não se aplica a 𝐶𝐶" (isto é, o fato de alguém formular proposições sobre
aquelas relações). Em particular:

"Nada impede que um homem que sabe tanto que 𝐴𝐴 se aplica à totalidade
de 𝐵𝐵 quanto que 𝐵𝐵 se aplica a 𝐶𝐶 pense que 𝐴𝐴 não se aplica a 𝐶𝐶". (Aristóteles,
2010, p.240)

Mais explicitamente ainda: Aristóteles distingue essas duas


situações pela distinção entre a situação de saber que 𝐴𝐴 se aplica a B (em
que saber se refere à relação semântica entre 𝐴𝐴 e 𝐵𝐵) e cogitar, ou pensar,
que 𝐴𝐴 se aplica a B (em que cogitar, ou pensar, se refere à proposição de
que 𝐴𝐴 se aplica a B) - ver (Aristóteles, 2010, p.238).
Note-se, por outro lado, que nessas passagens Aristóteles não se
vale do termo "saber" no seu significado pleno, mas sempre o utiliza em
um significado específico, no contexto da expressão "saber em certo
sentido".
Antônio Carlos da Rocha Costa • 99

11. AS DUAS REGRAS DE CORTE DO SISTEMA S 3

Que os sequentes assertóricos universais da Figura I:

1. Barbara 𝐴𝐴 ⊲ 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊲ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲ 𝐶𝐶
2. Celarent � 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊲ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲
� 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲

podem ser considerados sequentes primitivos do sistema S3, com


todos os demais redutíveis a eles, resulta da síntese da análise dos
silogismos que Aristóteles apresenta no capítulo VII do Livro I dos
Analíticos Anteriores.
Reproduzimos aqui essa síntese (ver seção 3.4):

"É também possível reduzir todos os silogismos <assertóricos> aos


silogismos <assertóricos> da primeira figura. [Os silogismos} da segunda
figura: são certamente completados com o auxílio destes [últimos], mas
nem todos da mesma forma, ou seja, os silogismos universais:

Figura II

1.Camestres 𝑀𝑀 ⊲ 𝑁𝑁 𝑀𝑀 ⊲ � 𝑂𝑂
� 𝑂𝑂
𝑁𝑁 ⊲

2. Cesare � 𝑁𝑁 𝑀𝑀 ⊲ 𝑂𝑂
𝑀𝑀 ⊲
� 𝑂𝑂
𝑁𝑁 ⊲

são completados por meio da conversão da proposição negativa, e cada um


dos [silogismos] particulares:
100 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Figura II

3. Festino � 𝑁𝑁 𝑀𝑀 ⊳ 𝑂𝑂
𝑀𝑀 ⊲
� 𝑂𝑂
𝑁𝑁 ⊳

4. Baroco 𝑀𝑀 ⊲ 𝑁𝑁 𝑀𝑀 ⊳ � 𝑂𝑂
� 𝑂𝑂
𝑁𝑁 ⊳

por redução ao absurdo. Os silogismos particulares da primeira figura:

Figura I

3. Darii 𝐴𝐴 ⊲ 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊳ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊳ 𝐶𝐶
4. Ferio � 𝐵𝐵 𝐵𝐵 ⊳ 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊲
� 𝐶𝐶
𝐴𝐴 ⊳

são realmente completados por si mesmos <i.é, com base na análise


semântica>, embora também seja possível demonstrá-los por meio da
segunda figura, se recorremos à redução ao absurdo <..>.
No que concerne aos silogismos da terceira figura, uma vez que os termos
sejam universais:

Figura III

1. Darapti 𝑃𝑃 ⊲ 𝑆𝑆 𝑅𝑅 ⊲ 𝑆𝑆
𝑃𝑃 ⊲ 𝑅𝑅

2. Felapton � 𝑆𝑆 𝑅𝑅 ⊲ 𝑆𝑆
𝑃𝑃 ⊲
� 𝑅𝑅
𝑃𝑃 ⊳

são completados diretamente por meio dos silogismos indicados acima <os
universais da Figura I>, mas quando os termos são particulares:
Antônio Carlos da Rocha Costa • 101

Figura III

3. Disamis 𝑃𝑃 ⊳ 𝑆𝑆 𝑅𝑅 ⊲ 𝑆𝑆
𝑃𝑃 ⊳ 𝑅𝑅
4. Datisi 𝑃𝑃 ⊲ 𝑆𝑆 𝑅𝑅 ⊳ 𝑆𝑆
𝑃𝑃 ⊳ 𝑅𝑅
5. Bocardo � 𝑆𝑆 𝑅𝑅 ⊲ 𝑆𝑆
𝑃𝑃 ⊳
� 𝑅𝑅
𝑃𝑃 ⊳
6. Ferison � 𝑆𝑆 𝑅𝑅 ⊳ 𝑆𝑆
𝑃𝑃 ⊲
� 𝑅𝑅
𝑃𝑃 ⊳

são completados mediante os silogismos particulares da primeira figura.


Mas estes, como vimos, são reduzíveis aos mencionados acima <os
universais da Figura I> e, consequentemente, [também] o são os silogismos
particulares da terceira figura. Assim, evidencia-se que todos os silogismos
<assertóricos> são reduzíveis aos silogismos <assertóricos> universais da
primeira figura." Aristóteles, 2010a, p.127-128).

Tomamos então os dois silogismos universais da Figura I como as


duas regras de corte do sistema S3 introduzido no presente artigo.
Note-se que as duas regras de corte são relativas à dedução de
� ), com as duas relações de
relações de presença universais (⊲ e ⊲
� ) redutíveis a elas.
presença particulares (⊳ e ⊳
�)
Note-se, também, que a relação de presença universal negativa (⊲
não é redutível à relação de presenta universal afirmativa (⊲), o que
resulta do modelo semântico, onde as duas relações de presença total
(⊑ e ⋢) e as duas relações de agregação total (⊇ e ⊉) são tomadas como
primitivas.
� ) são
� ) e (∩ e ∩
Já as correspondentes relações parciais (⊓ e ⊓
redutíveis às correspondentes relações completas por meio da operação
de fecho transitivo.
102 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

PARTE III: FINAL

12. ANÁLISE I: O SISTEMA DE DEDUÇÃO NATURAL PROPOSTO POR JOHN


CORCORAN

Podemos diferenciar o sistema de sequentes silogístico, introduzido


no presente artigo, do sistema de dedução natural, introduzido em
(Corcoran, 1974), a partir da diferenciação entre as finalidades desses
dois sistemas:

1. O sistema de dedução natural de Corcoran tem finalidade exegética:


Corcoran pretende servir como enquadramento formal do sistema dedutivo
que Aristóteles apresentou, no Livro I dos Analíticos Anteriores, para
demonstrar a validade dos silogismos de sua silogística.
2. O sistema de sequentes silogístico que introduzimos neste artigo tem por
finalidade servir como enquadramento formal do sistema de silogismos
constante no Livro I dos Analíticos Anteriores.

Dito de outro modo: o que Corcoran quer captar formalmente é o


sistema de demonstração da validade dos silogismos aristotélicos, o que
queremos captar aqui é o próprio sistema dos silogismos aristotélicos, do
qual a demonstração da validade é tratada como uma parte
complementar.
Em relação à diferenças técnicas, podemos citar:

1. A diferença de objetivo geral:


• Corcoran quer mostrar que a silogística de Aristóteles é uma teoria da
prova, no sentido contemporâneo do termo.
• Nosso objetivo é a formulação de um sistema de sequentes que, em
princípio, possa ser aplicado à apresentação formal de qualquer
silogística.
2. A diferença da noção de silogismo:
Antônio Carlos da Rocha Costa • 103

• Corcoran interpreta o termo silogismo em um sentido amplo,


significando uma estrutura composta por conjunto de premissas, uma
conclusão e a demonstração de que a conclusão segue do conjunto de
premissas. Em particular, Corcoran não limita o número de premissas
presentes no conjunto de premissas.
• Interpretamos o termo silogismo como um sequente, composto por três
sequentes, duas premissas e uma conclusão, cada sequente
representando a relação de presença de um conceito em outro, a
conclusão garantindo que existirá a relação de presença que ela indica
se for garantido que as relações de presença indicadas pelas duas
premissas também existem.
3. A diferença da função semântica:
• O sistema de dedução natural de Corcoran opera com base em uma
função semântica apenas extensional.
• O sistema S3 opera com base em uma função semântica coordenada,
intensional e extensional.
4. A diferença de escopo:
• Corcoran discute explicitamente com a totalidade dos Analíticos
Anteriores e dos Analíticos Posteriores.
• Aqui, discutimos apenas o Livro I dos Analíticos Anteriores.

13. ANÁLISE II: SILOGISMOS QUE PARTEM DE PREMISSAS OPOSTAS

Os princípios são contrários.


(Aristóteles, Sobre a Geração e a Corrupção)

No capítulo XV do Livro I dos Analíticos Anteriores, Aristóteles


(2010) estuda os silogismos construídos a partir de premissas opostas,
onde por premissas opostas pode-se entender tanto premissas
contraditórias quanto premissas contrárias (ver seção).
Aristóteles estabelece que:
104 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

• na primeira figura (Figura I), "mostra-se impossível um silogismo a partir


de premissas opostas" (Aristóteles, 2010, p.229);
• na figura mediana (Figura II), "é possível obter um silogismo tanto a partir
de premissas contraditórias quanto de premissas contrárias" (Aristóteles,
2010, p. 229);
• na terceira figura (Figura III), "jamais pode haver um silogismo afirmativo
a partir de premissas opostoas <...>. Mas pode haver um silogismo negativo
<...>" (Aristóteles, 2010, p.230)

O primeiro argumento de Aristóteles, mostrando que é possível


obter silogismos a partir de premissas contraditórias e de premissas
contrárias, na Figura II, diz respeito a silogismos envolvendo apenas a
proposições universais contrapostas, e é o seguinte:

"Que 𝐴𝐴 seja bom e 𝐵𝐵 e 𝐶𝐶 ciência. Neste caso, se supormos que toda ciência é
boa e, então, que nenhuma ciência é boa, 𝐴𝐴 se aplicará a todo 𝐵𝐵 e não se
aplicará a nenhum 𝐶𝐶, de sorte que 𝐵𝐵 não se aplicará a nenhum C e, portanto,
nenhuma ciência é ciência." (Aristóteles, 2010, p.229)

Formalmente, representamos esse argumento por:

𝐴𝐴 ⊲ 𝐵𝐵 𝐴𝐴 ⊲ � 𝐶𝐶

𝐵𝐵 ⊲ 𝐶𝐶

� 𝐶𝐶 são
onde observamos que as proposições 𝐴𝐴 ⊲ 𝐵𝐵 e 𝐴𝐴 ⊲
consideradas opostas (contrapostas, no caso)porque foi suposto que os
termos 𝐵𝐵 e 𝐶𝐶 são idênticos.
O segundo argumento de Aristóteles diz respeito a silogismos
envolvendo proposições em que um termo é parte de outro:

"Analogamente, se após supormos que toda ciência é boa, supormos que a


medicina não é boa, <de modo que> 𝐴𝐴 se aplica a todo 𝐵𝐵, mas não se aplica
Antônio Carlos da Rocha Costa • 105

a nenhum 𝐶𝐶, de sorte que a ciência particular da medicina não será ciência."
(Aristóteles, 2010, p.229)

Formalmente, representamos esse argumento por:

𝐴𝐴 ⊲ 𝐵𝐵 𝐴𝐴 ⊲ � 𝐶𝐶

𝐵𝐵 ⊳ 𝐶𝐶

� 𝐶𝐶 são
onde observamos que as proposições 𝐴𝐴 ⊲ 𝐵𝐵 e 𝐴𝐴 ⊲
consideradas opostas (contrapostas, no caso) porque foi suposto que os
termos 𝐵𝐵 e 𝐶𝐶 são tais que 𝐶𝐶 é parte de 𝐵𝐵.
Que pode haver um silogismo negativo a partir de premissas
opostas, no caso de silogismos da Figura III é argumentado por
Aristóteles do seguinte modo:

"Que 𝐵𝐵 e 𝐶𝐶 correspondam à ciência e 𝐴𝐴 a medicina. Na hipótese, então, de


supormos que toda medicina é ciência e que nenhuma medicina é ciência,
estaremos, então, supondo que 𝐵𝐵 se aplica a todo 𝐴𝐴 e 𝐶𝐶 não se aplica a
nenhum 𝐴𝐴 - <teremos que> alguma ciência não será ciência." (Aristóteles,
2010, p.230)

Formalmente, representamos esse argumento por:

𝐵𝐵 ⊲ 𝐴𝐴 𝐶𝐶 ⊲ � 𝐴𝐴
� 𝐶𝐶
𝐵𝐵 ⊳

� 𝐴𝐴 são
onde observamos que as proposições 𝐵𝐵 ⊲ 𝐴𝐴 e 𝐶𝐶 ⊲
consideradas opostas (contrapostas, no caso) porque foi suposto que os
termos 𝐵𝐵 e 𝐶𝐶 são idênticos.
E também:

"Situação similar se apresentará se a premissa 𝐵𝐵𝐵𝐵, por nós suposta, não for
universal, pois se alguma medicina é ciência e, por outro lado, nenhuma
106 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

medicina é ciência, conclui-se que alguma ciência não é ciência."


(Aristóteles, 2010, p.230)

Formalmente, representamos esses argumentos por:

𝐵𝐵 ⊳ 𝐴𝐴 𝐶𝐶 ⊲ � 𝐴𝐴

𝐵𝐵 ⊳ 𝐶𝐶

� 𝐴𝐴 são consideradas
onde observamos que as proposições 𝐵𝐵 ⊲ 𝐴𝐴 e 𝐶𝐶 ⊲
opostas (contraditórias, no caso) porque foi suposto que os termos 𝐵𝐵 e 𝐶𝐶
são idênticos.
A conclusão geral que Aristóteles formula, a respeito dos silogismos
produzidos a partir de premissas opostas é a seguinte:

"não podemos <extrair uma inferência verdadeira> de premissas opostas,


pois a conclusão resultante é contrária ao fato; por exemplo, se uma coisa é
boa, a inferência é que não é boa, ou se é um animal, que nã é um animal.
Assim é porque o silogismo procede de premissas contraditórias e os termos
formulados ou são os mesmos ou relacionados como todo e parte."
(Aristóteles, 2010, p.231)

Interpretamos essa conclusão do seguinte modo:

• Aristóteles admite a validade formal de silogismos produzidos a partir de


premissas opostas, mas afirma que suas conclusões são sempre contrárias
ao fato.
• Isto é, as conclusões são admissíveis no que diz respeito à sua intensionalidade
(p.ex., ciência não determina ciência, bom determina e não determina
ciência, etc.).
• Mas não as conclusões não são admissíveis no que respeita à sua
extensionalidade, i.é, no que respeita ao fato (p.ex., não é possível haver uma
ciência concreta que não seja uma ciência, etc.).
Antônio Carlos da Rocha Costa • 107

Consideramos que essa conclusão de Aristóteles:

• reafirma o duplo caráter - intensional e extensional - da semântica de seu


sistema silogístico (ver seção 10);
• acata a possibilidade formal da produção de silogismos a partir de
premissas opostas, apesar de eles estabelecerem conclusões contrárias ao
fato, porque assume a prioridade da semântica intensional sobre a semântica
extensional (ver seção 11.3).

14. APLICAÇÃO: A SEMÂNTICA INTENSIONAL DAS OPERAÇÕES INICIAIS


PRESSUPOSTAS PELA LÓGICA DE HEGEL

14.1 O COMEÇO DA LÓGICA DE HEGEL

Hegel começa a exposição de sua Lógica com os três seguintes


parágrafos, que iniciam o primeiro capítulo da "Ciência da Lógica"
(Hegel, 2016 [1812]):

“A. Ser
Ser, puro ser, – sem nenhuma determinação ulterior. Em sua imediatidade
indeterminada, ele é igual apenas a si mesmo e também não desigual frente
a outro; não tem diversidade alguma dentro de si nem para fora. Através de
uma determinação ou um conteúdo qualquer que seria nele diferenciado ou
por meio do qual ele seria posto como diferente de um outro, ele não seria
fixado em sua pureza. Ele é a indeterminidade e o vazio puros. – Não há
nada a intuir nele, caso aqui se possa falar de intuir; ou ele é apenas este
mesmo intuir puro, vazio. Tampouco há algo nele que se possa pensar ou
ele é, igualmente, apenas este pensar vazio. O ser, o imediato
indeterminado, é, de fato, nada e nem mais e nem menos do que nada.”
(p.122)
108 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

“B. Nada
Nada, o puro nada; ele é igualdade simples consigo mesma, perfeita
vacuidade, ausência de determinação e conteúdo; indiferencialidade nele
mesmo. – Na medida em que intuir ou pensar podem ser aqui mencionados,
então, vale como uma diferença se algo ou nada é intuído ou pensado. Intuir
ou pensar nada tem, então, um significado; ambos são diferenciados, então
nada é (existe) em nosso intuir ou pensar; ou, antes, ele é o próprio intuir
ou pensar vazios e é o mesmo intuir e pensar vazios que o ser puro. – Nada
é, com isso, a mesma determinação ou, antes, ausência de determinação e,
com isso, em geral, o mesmo que o ser puro é.” (p.123)

“C. Devir
a) Unidade do Ser e do Nada
O puro ser e o puro nada são, portanto, o mesmo. O que é a verdade não é
nem o ser nem o nada, mas que o ser não passa, mas passou para o nada e o
nada não passa, mas passou para o ser. Igualmente, porém, a verdade não é
sua indiferencialidade, mas que eles não são o mesmo, que são
absolutamente diferentes, mas são igualmente inseparados e inseparáveis
e cada um desaparece em seu oposto imediatamente. Sua verdade é, então,
este movimento do desaparecer imediato de um no outro: o devir; um
movimento no qual ambos são diferentes, porém, através de uma diferença
que igualmente se dissolveu imediatamente.” (p.124)

Esta seção C. Devir termina, por sua vez, com a seguinte frase:

"C.Devir
c) Suprassumir do devir
O devir, então, [como] passar na unidade do ser e do nada, a qual é como
unidade que é, ou seja, tem a figura da unidade unilateral imediata desses
momentos é o ser aí. (p.160)

Tradicionalmente, esses três parágrafos são entendidos como


paradigmáticos de uma proposta de começo lógico de uma filosofia que
Antônio Carlos da Rocha Costa • 109

não tem pressupostos - ver, p.ex., (Winfield, 1989; Winfield, 2012;


Maker, 1994), ver também (Orsini, 2017).
Pensamos, contudo, que há uma diferença essencial entre a
proposta de uma filosofia que começa sem pressupostos de conteúdos e
uma filosofia que começa sem pressupostos operatórios.
Consideramos que a segunda é uma proposta inviável, porque
pensamos que não há como desenvolver nenhum construto teórico sem
a adoção prévia de um conjunto mínimo de operações e relações de noções
com os quais se possa elaborar o conteúdo daquele construto teórico.
Assim, estamos interessados aqui não na questão da existência ou
não de conteúdos prévios, pressupostos pela lógica e pela filosofia de
Hegel, mas na questão do conjunto mínimo de operações e relações de
noções que ele pressupôs.
Mais especificamente, estamos interessados no conjunto de
operações e relações de conceitos que possibilitou a Hegel a construção
teórica dos três parágrafos citados acima.
Em particular, pensamos poder identificar uma relação e uma
operação, que estão pressupostas por Hegel, naqueles parágrafos:

• a relação de passagem entre conceitos;


• a relação de devir entre conceitos;
• a operação de suprassunção de conceitos.

No que segue, aplicamos o modelo semântico intensional do


sistema S3, introduzido no presente artigo (ver seções 10 e 12.1.2) à
modelagem semântica formal dessas relações e dessa operação.
110 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

14.2 PRELIMINARES SEMÂNTICOS FORMAIS

Em (Costa, 2019), apresentamos alguns experimentos preliminares


relativos à apresentação formalizada da Lógica de Hegel.
Com base na análise do início da Lógica de Hegel introduzida ali, e
com base no sistema S3 introduzido no presente artigo, estabelecemos
uma semântica formal para a relação de passagem do seguinte modo.
Sejam 𝑋𝑋 e 𝑌𝑌 dois conceitos. Denominamos:

• determinidade de 𝑋𝑋: o conjunto dos conceitos 𝑌𝑌 que são ou antecedentes ou


consequentes do conceito 𝑋𝑋 (ver seção 10.1).

denotamos por:

• 𝑌𝑌 ↣ 𝑋𝑋: 𝑌𝑌 é consequente de 𝑋𝑋;


• 𝑋𝑋 ↣ 𝑌𝑌: 𝑌𝑌 é antecedente de 𝑋𝑋;
• 𝑋𝑋�: a determinidade do conceito 𝑋𝑋.

e estabelecemos formalmente:

𝑋𝑋� = {𝑌𝑌 | 𝑌𝑌 ↣ 𝑋𝑋 ∨ 𝑋𝑋 ↣ 𝑌𝑌}

14.3 A SEMÂNTICA INTENSIONAL DOS CONCEITOS SER E NADA

Os três parágrafos de Hegel, citados acima, referem os conceitos de


Ser, Nada e Devir, respectivamente.
Da seção A. Ser, estabelecemos que:

• ⃖����� = ∅, porque Ser não tem determinação nenhuma;


Ser
• Nada ⊑ Ser, porque a análise conceitual de Ser estabelece Nada como um
conceito que está presente nele.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 111

Desse modo, temos que:

• � = {Nada}.
Ser

Da seção B. Nada, estabelecemos que:

• ⃖��������� = ∅, porque Nada não tem determinação nenhuma;


Nada
• Ser ⊑ Nada, porque a análise conceitual de Nada estabelece Ser como um
conceito que está presente nele.

Desse modo, temos que:

• � = {Ser}.
Nada

Desses dois parágrafos, salientamos como relevantes para o


desenvolvimento que Hegel realiza no terceiro parágrafo, os seguintes
resultados:

• Nada ⊑ Ser;
• Ser ⊑ Nada;
• ⃖����� = ∅ = ⃖���������
Ser Nada.

14.4 A SEMÂNTICA INTENSIONAL DA RELAÇÃO DE PASSAGEM

Denotamos a relação de passagem de um conceito 𝑋𝑋 para um


conceito 𝑌𝑌 por:

• 𝑋𝑋 ⊳ 𝑌𝑌

e a definimos do seguinte modo:


112 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

• 𝑋𝑋 ⊳ 𝑌𝑌 se e somente se 𝑋𝑋 e 𝑌𝑌 têm o mesmo conjunto de determinações e 𝑌𝑌


determina 𝑋𝑋.

Isto é:

• 𝑋𝑋 ⊳ 𝑌𝑌 se e somente se 𝑋𝑋� = 𝑌𝑌� e 𝑌𝑌 ⊑ 𝑋𝑋

ou também:

𝑋𝑋� = 𝑌𝑌� 𝑌𝑌 ⊑ 𝑋𝑋
pass
𝑋𝑋 ⊳ 𝑌𝑌

Nota-se, claramente, que a relação de passagem de conceitos, de


Hegel, pode ser interpretada como uma variante da relação de aplicação
de conceitos, de Aristóteles. Detalhando os passos dessa interpretação,
temos:

𝑌𝑌 ⊑ 𝑋𝑋
𝑌𝑌 ⊲ 𝑋𝑋 convertido sob a condição de que 𝑋𝑋� = 𝑌𝑌�
𝑋𝑋 ⊳ 𝑌𝑌

onde o primeiro passo da derivação (𝑌𝑌 ⊑ 𝑋𝑋/𝑌𝑌 ⊲ 𝑋𝑋) resulta da


consideração exclusivamente intensional da relação de aplicação de
conceitos e o segundo passo da derivação (𝑌𝑌 ⊲ 𝑋𝑋/𝑋𝑋 ⊳ 𝑌𝑌) é uma mera
conversão da relação de aplicação de conceitos, condicionado à validade
de 𝑋𝑋� = 𝑌𝑌�, isto é, da igualdade dos conjuntos de determinidades dos
conceitos 𝑋𝑋 e 𝑌𝑌.

14.5 AS RELAÇÕES DE PASSAGEM ENTRE OS CONCEITOS DE SER E NADA

O início da seção C. Devir (a) estabelece que:


Antônio Carlos da Rocha Costa • 113

• o conceito Ser passa para o conceito Nada;


• o conceito Nada passa para o conceito Ser.

Como verificamos anteriormente, temos que:

• Nada ⊑ Ser;
• Ser ⊑ Nada;
• ⃖����� = ∅ = ⃖���������
Ser Nada.

Portanto:

Ser = ∅ = ⃖���������
⃖����� Nada Nada ⊑ Ser ⃖���������
Nada = ∅ = ⃖�����
Ser Ser ⊑ Nada
pass pass
Ser ⊳ Nada Nada ⊳ Ser

De modo que, efetivamente, podemos formalizar as afirmações do


início da seção C. Devir (a) como:

• Ser ⊳ Nada;
• Nada ⊳ Ser.

14.6 O DEVIR E A RELAÇÃO GERAL DE DEVIR

Definimos que, sempre que sempre que dois conceitos 𝑋𝑋 e 𝑌𝑌 são


tais que 𝑋𝑋 ⊳ 𝑌𝑌 e 𝑌𝑌 ⊳ 𝑋𝑋, há uma relação de devir entre eles, que
denotamos por 𝑋𝑋 ⊳⊲ 𝑌𝑌. Isto é:

• 𝑋𝑋 ⊳⊲ 𝑌𝑌 se e somente se 𝑋𝑋 ⊳ 𝑌𝑌 e 𝑌𝑌 ⊳ 𝑋𝑋.

ou também:

𝑋𝑋 ⊳ 𝑌𝑌 𝑌𝑌 ⊳ 𝑋𝑋
devir
𝑋𝑋 ⊳⊲ 𝑌𝑌
114 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Note-se que, com a suposição da transitividade da relação ⊑ de


presença de conceitos, a relação 𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑 leva à reflexividade daquela
relação no que respeita aos conceitos envolvidos.
Isto é, ao 𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑 𝑋𝑋 ⊳⊲ 𝑌𝑌 corresponde, semanticamente, ao
seguinte grafo completo do domínio dos conceitos:

Então, a partir do inicio da seção C. Devir (a), temos que há um devir


entre os conceitos Ser e Nada:

𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆 ⊳ Nada Nada ⊳ 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆


devir
𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆 ⊳⊲ Nada

Este devir entre os conceitos de 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆 e Nada, constitui o que Hegel


chama de Devir, a relação 𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑 considerada no caso específico da
passagem recíproca entre os conceitos 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆 e Nada.
Temos então:

Devir = 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆 ⊳⊲ Nada

Isto é, o Devir é dado, semanticamente, pelo seguinte grafo


completo do domínio dos conceitos:
Antônio Carlos da Rocha Costa • 115

14.7 A PRIMEIRA CONSTRUÇÃO CONCEITUAL DO INÍCIO DA LÓGICA DE


HEGEL

Podemos apresentar formalmente a construção conceitual


elaborada por Hegel nas seções A. Ser, B. Nada e no início da seção C.
Devir (a) por meio da seguinte derivação conceitual:

⃖����� = ∅ = ⃖���������
Ser Nada Nada ⊑ Ser ⃖���������
Nada = ∅ = ⃖�����
Ser Ser ⊑ Nada
Ser ⊳ Nada Nada ⊳ Ser
Ser ⊳⊲ Nada

14.8 A OPERAÇÃO DE SUPRASSUNÇÃO E O CONCEITO SER-AÍ

Como dito anteriormente, consideramos que a introdução de um


novo elemento conceitual, em um construto teórico que se está
desenvolvendo, só pode ser realizada por meio de uma relação ou
operação de conceito, exceção feita aos conceitos que constituem o
princípio desse construto.
No caso da Lógica de Hegel, os conceitos de Ser e Nada constituem
seu princípio e, por isso, são assumidos desde o começo da mesma.
Como visto acima, o início do parágrafo C. Devir (a) estabelece a
relação devir entre os conceitos Ser e Nada, fazendo uso do fato de essa
relação ser um pressuposto da Lógica.
O final do parágrafo C. Devir (a), por seu lado, leva à introdução um
novo conceito, o conceito Ser-aí. A operação que possibilita essa nova
construção conceitual é operação de suprassunção, também pressuposta
pela Lógica - ver em (Hegel, 2016 [1812], p.161-164), a observação
intitulada "A expressão suprassumir".
116 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Genericamente, denotamos a operação de suprassunção, pela qual


um conceito 𝑋𝑋 é suprassumido por um conceito 𝑌𝑌, por:

• 𝑌𝑌 = [𝑋𝑋]

ou também:

𝑋𝑋
supr
[𝑋𝑋]

Os colchetes colocados ao redor de 𝑋𝑋 servem para indicar que a


suprassunção é uma dupla operação - ver a seção sobre a operação de
suprassunção em (Hegel, 2016 [1812], p.161-164):

• a supressão de 𝑋𝑋, no sentido de 𝑋𝑋 fica imediatamente inacessível ao


contexto lógico em que [𝑋𝑋] está presente;
• a conservação de 𝑋𝑋, no sentido de que 𝑋𝑋, mesmo inacessível ao contexto
lógico de [𝑋𝑋], ainda opera internamente a 𝑋𝑋, com os componentes de 𝑋𝑋
implementando os momentos de [𝑋𝑋].

Em (Costa, 2019, p.54), chamamos essa operação formal, de


colocação de 𝑋𝑋 entre colchetes, de encapsulamento de 𝑋𝑋.
Temos então que o conceito Ser-aí, definido por Hegel como a
suprassunção - dizemos, o encapsulamento - do Devir entre o conceito
Ser e o conceito Nada, é dado por:

• Ser-aí = [Ser ⊳⊲ Nada]

com base na operação:

Ser ⊳⊲ Nada
supr
[Ser ⊳⊲ Nada]
Antônio Carlos da Rocha Costa • 117

14.9 A DERIVAÇÃO DO INÍCIO DA LÓGICA DE HEGEL

Com isso, a derivação completa do início da Lógica de Hegel,


abrangendo todo o conteúdo lógico essencial dado nos três parágrafos (A.
Ser, B. Nada e C. Devir) do primeiro capítulo da Ciência da Lógica, se
apresenta formalmente como:

� Nada ⊑ Ser Nada


� = ∅ = Nada
Ser � = ∅ = Ser
� Ser ⊑ Nada
Ser ⊳ Nada Nada ⊳ Ser
Ser ⊳⊲ Nada
[Ser ⊳⊲ Nada]

15. CONCLUSÃO

Nosso objetivo, neste artigo, foi o desenvolvimento de uma versão


preliminar (o sistema S3) de um sistema de sequentes que, em princípio,
deverá poder ser aplicado à apresentação formal de qualquer silogística.
Nesse sentido, a silogística dos Analíticos Anteriores de Aristóteles
entrou aqui como um primeiro estudo de caso.
Introduzimos uma linguagem formal para o sistema S3, bem como
uma semântica denotacional para o mesmo. Mostramos como os
silogismos aristotélicos de deixam representar em S3. Mostramos
também como as demonstrações que Aristóteles dá para os silogismos
válidos podem ser lidas como demonstrações da validade das regras do
sistema S3.
Um próximo estudo de caso poderá ser, por exemplo, a verificação
da possibilidade da adaptação do sistema S3 à apresentação formal dos
silogismos dialéticos, que Aristóteles examina nos Tópicos (Aristóteles,
2010c).
118 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Apontamos como um possível estudo de caso, em um futuro mais


remoto, a análise operatória da silogística que Hegel desenvolve na
Doutrina do Conceito (Hegel, 2018 [1816]).

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Antônio Carlos da Rocha Costa • 119

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2
PRINCÍPIOS DE UMA LINGUAGEM PARA
APRESENTAÇÃO FORMALIZADA DA LÓGICA DE
HEGEL: O PRIMEIRO CAPÍTULO DA CIÊNCIA DA
LÓGICA COMO ESTUDO DE CASO
Antônio Carlos da Rocha Costa 1

RESUMO

O artigo introduz os princípios de uma linguagem tipada, voltada


para a apresentação formalizada da lógica de Hegel. Os elementos
básicos da linguagem são aplicados então, em termos de um estudo de
caso, à apresentação formalizada das categorias desenvolvidas por
Hegel no primeiro capítulo da "Ciência da Lógica".

1. INTRODUÇÃO

Este artigo 2 expõe, de modo preliminar, alguns princípios para a


elaboração de uma linguagem tipada, voltada à apresentação formalizada
da lógica de Hegel. Adicionalmente, ele ilustra o uso dessa linguagem
aplicando os elementos básicos da mesma à apresentação formalizada
das noções introduzidas por Hegel no primeiro capítulo da "Ciência da
Lógica" (Hegel 2016).

1
Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Email:
ac.rocha.costa@gmail.com
2
Publicado originalmente em: Agemir Bavaresco; Federico Orsini; Jair Tauchen; José Pinheiro Pertille;
Marloren Lopes Miranda. (Org.). Leituras da Lógica de Hegel. 1ed.Porto Alegre: Editora Fundação Fênix,
2019, v. 3, p. 203-226.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 123

O artigo está estruturado como segue. Na seção 2, expomos os


princípios em que se baseia a proposta da linguagem de apresentação
formalizada da lógica de Hegel, introduzida neste artigo.
Na seção 3 introduzimos os elementos básicos dessa linguagem: a
estrutura de determinação das noções da lógica de Hegel e as operações e
relações nocionais básicas que determinam a progressão das noções.
A seção 4 ilustra o uso da linguagem de apresentação formalizada
mostrando como é apresentado formalmente, por meio da mesma, o
conteúdo categorial desenvolvido por Hegel no primeiro capítulo da
"Ciência da Lógica".
A seção 5 discute a apresentação formalizada que foi adotada para
a operação de suprassunção.
A seção 6 é a Conclusão.

2. PRINCÍPIOS DE UMA LINGUAGEM PARA APRESENTAÇÃO FORMALIZADA


DA LÓGICA DE HEGEL

Adotamos os seguintes princípios para a definição da linguagem de


apresentação formalizada da lógica de Hegel.

2.1 DISTINÇÃO ENTRE FORMAS ENDÓGENAS E FORMAS EXÓGENAS DE


APRESENTAÇÃO FORMAL

Consideramos que há duas formas de apresentação formal de um


conhecimento, que denominamos exógena e endógena, respectivamente.
Na forma exógena de apresentação formalizada, a estrutura formal
(sistema de símbolos e regras de representação) adotada para a
apresentação formalizada é escolhida previamente e imposta ao
conhecimento que se quer apresentar formalmente.
124 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Na forma endógena, a estrutura formal adotada para a


apresentação formalizada é desenvolvida a partir de uma análise
operatória do conhecimento em questão.
Pensamos que a forma exógena de apresentação formalizada é
aquela tipicamente adotada quando se quer apresentar formalmente,
por meio de cálculos, como o Cálculo Diferencial e Integral,
conhecimentos que não tiveram papel nenhum no desenvolvimento
desse cálculo, como os conhecimentos da área das Ciências Humanas.
Quando é possível obter uma tal apresentação exógena de um
determinado conjunto de conhecimentos, o que resulta é, em geral, uma
apresentação formalizada de apenas uma parte desses conhecimentos,
parte que, usualmente, é excessivamente pobre frente à riqueza do
conteúdo daqueles conteúdos.
Por outro lado, quando se produz uma apresentação formalizada
de modo endógeno, o resultado é, em geral, uma apresentação
formalizada de uma parte central e relevante dos conhecimentos
tratados. É o caso, por exemplo, da apresentação formalizada dos
conhecimentos da Física produzida por Newton e Leibniz, que
desenvolveram essa apresentação, de modo endógeno, a partir de uma
análise operatória daqueles conhecimentos. É também o caso particular
da chamada notação de Einstein, que Einstein desenvolveu, de modo
endógeno, para facilitar a aplicação de noções da álgebra linear à sua
Teoria da Relatividade Geral.
A noção que procuramos estabelecer de apresentação formalizada
da Lógica de Hegel procura ter um caráter endógeno, derivado da
análise operatória que procuramos realizar sobre tal Lógica, conforme
esquematizamos a seguir.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 125

2.2 A LÓGICA DE HEGEL COMO UM SISTEMA DE NOÇÕES

É frequente, na literatura sobre a Lógica de Hegel, tomar a palavra


"lógica" no sentido aristotélico, de um sistema de asserções (proposições,
sentenças, afirmações, etc.), elementos aos quais se pode atribuir um
valor-verdade (ou o valor verdadeiro ou o valor falso).
Representamos uma asserção, de modo esquemático, como na
Figura 1, onde as duas setas separadas indicam que os valores lógicos 𝑉𝑉
e 𝐹𝐹 constituem alternativas que se excluem mutuamente.

Figura 1: Alternativas de atribuição de valores-


verdade a uma asserção.

Neste trabalho, optamos por uma outra leitura da lógica da Hegel,


uma leitura em que por "lógica" deve ser entendido um sistema de noções
(categorias, determinações, conceitos, ideias).
Nessa perspectiva, uma noção é considerada como um elemento ao
qual se pode atribuir uma estrutura de determinação, constituída por um
conjunto de componentes de determinação (denotados, em geral, por:
𝐷𝐷1 , 𝐷𝐷2 , ⋯ , 𝐷𝐷𝑛𝑛 ).
Representamos a estrutura de determinação de uma noção, de modo
esquemático, como na Figura 2, onde o arco ligando todas as setas indica
que os componentes de determinação devem ser tomados conjuntamente.
126 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Figura 2: Estrutura de determinação de uma noção.

2.3 A LÓGICA DE HEGEL COMO UM SISTEMA PROGRESSIVO DE NOÇÕES

As noções que constituem a Lógica de Hegel não são apresentadas,


na "Ciência da Lógica", por meio de uma mera listagem. Elas são
apresentadas por meio de um procedimento de progressão, que faz com
que cada noção seja obtida a partir de outras noções obtidas
anteriormente na progressão, e tendo por ponto de partida noções
tomadas como imediatas (por exemplo, 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆 e 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁 na "Doutrina do
Ser", Essência Indeterminada e Reflexão Pura, na "Doutrina da Essência").
Dizemos então que o sistema hegeliano de noções tem o caráter de
um sistema progressivo, cujo modo geral de progressão mostramos
esquematicamente como na Figura 3, onde os pontos representam
noções do sistema, ou relações entre noções, e as setas, as operações da
progressão.

Figura 3: Estrutura esquemática de uma progressão de noções.


Antônio Carlos da Rocha Costa • 127

2.4 A NOÇÃO DE APRESENTAÇÃO FORMALIZADA

Se tomamos o texto simples:

"João da Silva é o proprietário do carro de placas IAC1234."

podemos ver:

• que esse texto está de acordo com a gramática da Língua Portuguesa;


• que é possível extrair um significado dele, qual seja, o de que a pessoa de
nome "João da Silva" é o proprietário de um objeto do tipo "carro", que é
identificado por placas caracterizadas pela sequencia de caracteres
"IAC1234".

Ora, não apenas esse texto em Língua Portuguesa (ou seus


equivalentes em outras línguas naturais) podem funcionar como
portadores desse significado. É plenamente possível que tal significado
seja apresentado por meio de uma linguagem formalizada, isto é, uma
linguagem estruturada em bases matemáticas, tais como mostrado pela
expressão:

joão-da-silva = 𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝á𝑟𝑟𝑟𝑟𝑟𝑟(𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐, 𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝(𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼1234))

cuja estrutura sintática tem a forma geral dada pela fórmula:

𝐼𝐼𝐼𝐼1 = 𝑅𝑅(𝑇𝑇𝑂𝑂𝑂𝑂 , 𝑇𝑇𝐼𝐼𝐼𝐼 (𝐼𝐼𝐼𝐼2 ))


onde:

• 𝐼𝐼𝐼𝐼1 e 𝐼𝐼𝐼𝐼2 indicam posições na expressão a serem ocupadas por


identificadores de objetos;
• 𝑅𝑅 indica uma posição na expressão a ser ocupada por um identificador de
relação entre objetos;
128 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

• 𝑇𝑇𝑂𝑂𝑂𝑂 indica uma posição na expressão a ser ocupada por um identificador de


tipo de objeto;
• 𝑇𝑇𝐼𝐼𝐼𝐼 indica uma posição na expressão a ser ocupada por um identificador de
tipo de identificador de objeto.
Com esse exemplo, nos asseguramos do fato de que uma expressão
ter sua estrutura determinada matematicamente não é empecilho para
que ela possa funcionar como portadora de um significado que não tem
caráter estritamente matemático.
Dizemos que tal tipo de apresentação de significados é uma
apresentação formalizada, em contraposição à ideia de formalização
como tal, quer dizer, à ideia de uma abstração de significados.
Resumimos essa ideia através do slogan:

Formalizado não é, necessariamente, formal.

onde por formal deve-se entender despido de significado.


A linguagem cujos princípios apresentamos neste trabalho visa a
apresentação formalizada do sistema de noções da lógica de Hegel, não
sua formalização no sentido da abstração de significados.

2.5 VISÃO SEMÂNTICA DA "CIÊNCIA DA LÓGICA"

Conforme discutido em (Costa 2018a), adotamos em nossa leitura


da "Ciência da Lógica" a assim chamada visão semântica de teorias,
proposta por Patrick Suppes (1960).
Por essa perspectiva, consideramos que a "Ciência da Lógica" é um
texto que apresenta informalmente, em língua natural, um sistema de
noções que opera como modelo para a constituição da Filosofia do Real
(natureza e espírito) que Hegel elaborou separadamente.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 129

A Figura 4 esquematiza a ideia da visão semântica de teorias,


relacionando a teoria, seu modelo e o objeto a que a teoria se refere. A
setas mostram que a teoria é tomada como o se referindo diretamente
apenas ao modelo e se referindo ao objeto apenas de modo indireto, a
relação entre o modelo e o objeto sendo de caráter empírico.
A Figura 5 ilustra a aplicação da visão semântica de teorias à "Ciência
da Lógica" - cf. (Costa 2018a).
A Figura 5 ilustra, também, o locus semântico em que se deve
esperar a explicitação do modelo do real, que a Filosofia do Real, por sua
vez, deve constituir.
A Figura 6 mostra o locus semântico da apresentação formalizada da
"Ciência da Lógica", tema do presente artigo. Mostra também o locus
que seria semanticamente ocupado por uma apresentação formalizada
da Filosofia do Real que, eventualmente, viesse a ser feita.

Figura 4: Esquema geral da visão semântica de teorias.


130 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Figura 5: A visão semântica da "Ciência da Lógica".

Figura 6: Locus semântico da apresentação formalizada da Ciência da Lógica.

2.6 MODELO PARALELO DE LEITURA DA CIÊNCIA DA LÓGICA

Conforme justificado em (Costa 2018b), adotamos o que foi ali


denominado modelo paralelo de leitura da "Ciência da Lógica".
Quer dizer, assumimos que os três livros (Doutrina do Ser,
Doutrina da Essência e Doutrina do Conceito) são interdependentes, a
leitura de cada um assumindo como pré-requisito a leitura dos outros
dois.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 131

Desse modo, ao invés de fazermos a leitura da "Ciência da Lógica"


de modo sequencial (isto é, conforme a estrutura sequencial do texto),
fazemos essa leitura de modo paralelo (isto é, avançando em cada
doutrina no mesmo passo em que avançamos nas outras duas).
Com esse procedimento, ressaltamos a correspondência que Hegel
estabelece entre as noções de cada doutrina. Essa correspondência é
ilustrada na Figura 7.

Figura 7: Esquema da correspondência entre noções da Ciência da Lógica.

A Figura 8, por seu lado, ilustra o modelo de leitura paralela para o


caso particular das esferas do Ser e da Essência, indicando
correspondências entre algumas noções das mesmas - cf. (Costa 2018b).
Na Figura 8, a seta contínua indica progressão de noções, a seta
tracejada indica correspondência de noções, entre a esfera do Ser e a esfera
da Essência, e a seta dupla indica o aparecer da essência dentro da esfera
da Essência - ver (Hegel 2017, p.42-52).
132 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Figura 8: Esquema preliminar do modelo paralelo de leitura, no caso das


doutrinas do Ser e da Essência.

2.7 A INTENCIONALIDADE PRESENTE NAS NOÇÕES INICIAIS DA CIÊNCIA DA


LÓGICA

Logo nas primeiras duas subseções do primeiro capítulo da


"Ciência da Lógica", intituladas respectivamente "Ser" e "Nada", Hegel
elabora argumentos a respeito das noções 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆 e 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁, mostrando que
(Hegel 2016, p.85):

• 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆 não é nem mais nem menos que 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁;


• 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁 é o mesmo que 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆 é.

Porém, na terceira subseção, intitulada "Devir", no item intitulado


"Unidade do Ser e do Nada", Hegel estabelece (Hegel 2016, p.86):

• que <𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆 e 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁> não são o mesmo, que são absolutamente diferentes;

Só que, surpreendentemente, não apresenta nenhuma justificativa


para tais afirmações, nessa subseção.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 133

Tal justificativa é apresentada mais adiante, no corpo da


"Observação 2" desse primeiro capítulo:

"O resultado <o estabelecimento do devir entre 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆 e 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁> afirma, então,
igualmente a diferença entre o ser e o nada, mas como uma diferença
apenas visada [gemeinten]." (Hegel 2016, p.95)

E complementa:

"Visa-se - ou opina-se [Man meint] - que o ser seria, antes, o outro pura e
simplesmente do nada e não há nada mais claro do que a diferença absoluta
deles e não parece haver nada mais fácil do que poder indicá-la. Porém, é
igualmente fácil convencer-se de que isso é impossível, de que esta
diferença é indizível. Aqueles que querem persistir na diferença entre ser e nada
podem se sentir convidados a indicar no que ela consiste. Tivessem ser e nada
qualquer determinidade através da qual eles se diferenciassem, então
seriam, como foi lembrado, ser determinado e nada determinado, não o ser
puro e o nada puro, como eles ainda são aqui. Sua diferença é, com isso,
completamente vazia; cada um dos dois é, da mesma maneira, o
indeterminado; ela consiste, portanto, não neles mesmos, mas apenas em
um terceiro, um visar. (Hegel 2016, p.96)

Da análise desse trecho, podemos concluir que, para Hegel, de uma


noção, somente as determinações podem ser ditas, o que ela visa é
indizível.
Compreendendo essa questão desde o ponto de vista
fenomenológico husserliano (Husserl 2008), com a noção de
intencionalidade ocupando a posição central, podemos caracterizar
aquilo que Hegel trata como o que é visado por uma noção como sendo o
que é intencionado por ela.
Podemos, com isso, concluir que, para Hegel:
134 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

• 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆 e 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁 são o mesmo, no que diz respeito aos seus conjuntos de
determinações;
• 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆 e 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁 são absolutamente diferentes, no que diz respeito ao que cada
um intenciona.

Estabelecemos, portanto, que há uma noção de intencionalidade que


está presente no princípio da lógica de Hegel, a qual é a base para, pelo
menos, a distinção entre as noções iniciais, 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆 e 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁.
Neste artigo, porém, não tratamos da questão da intencionalidade
das noções da lógica de Hegel, de modo que o componente intencional
dessas noções não foi incluído na estrutura de determinação das mesmas,
introduzida na seção 3.1.

2.8 O DEVIR E A RELAÇÃO GERAL DE DEVIR

O termo "devir" é utilizado por Hegel em dois sentidos: um sentido


geral, que denotamos por devir, e um sentido particular, que denotamos
por 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷.
No sentido geral, devir é uma relação que está estabelecida entre
duas categorias, relação que se estabelece quando cada uma das
categorias passa para a outra.
No sentido particular, 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷 é a relação de devir que se estabelece
entre 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆 e 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁, devido à constituição de cada um.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 135

3. ELEMENTOS PARA UMA LINGUAGEM DE APRESENTAÇÃO FORMALIZADA


DA LÓGICA DE HEGEL

3.1 O SISTEMA DE TIPOS DA LINGUAGEM DE APRESENTAÇÃO


FORMALIZADA

Um sistema de tipos para um dado universo de elementos é um


conjunto de regras que atribui um tipo a cada elemento do universo.
Denotamos por 𝑒𝑒: 𝑇𝑇 o fato de que o sistema de tipos, adotado no
um universo que está sendo considerado, atribui ao elemento 𝑒𝑒 o tipo
𝑇𝑇.
Seguindo uma prática comum, consideramos os tipos como sendo
conjuntos, de modo que 𝑒𝑒: 𝑇𝑇 pode ser entendido simplesmente como 𝑒𝑒 ∈
𝑇𝑇.
Neste artigo, estabelecemos, de modo preliminar, o seguinte
conjunto de tipos, que podem ser atribuídos às noções da lógica de Hegel 3:

• Noção, o tipo geral das noções;


• 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶, o tipo particular de noções desenvolvidas na "Doutrina do Ser",
o primeiro livro da "Ciência da Lógica";
• 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶⊥ , o subtipo das categorias indeterminadas, isto é, categorias
cujos componentes de determinação são completamente indefinidos;
• 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶T , o subtipo das categorias determinadas, isto é, categorias com
algum componente de determinação definido.

Das diversas operações possíveis sobre tipos, consideramos neste


artigo apenas duas. Dados os tipos 𝑇𝑇1 e 𝑇𝑇2 , temos que:

• 𝑇𝑇1 × 𝑇𝑇2 denota o produto cartesiano de 𝑇𝑇1 e 𝑇𝑇2 ;


• 𝑇𝑇1 → 𝑇𝑇2 denota o universo das funções entre 𝑇𝑇1 e 𝑇𝑇2 .

3
A especificação detalhada das características desses tipos é dada a seguir, nas seções 6 e 7.
136 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Contudo, não estabelecemos explicitamente, neste artigo, nenhum


conjunto de regras para atribuir tipos às noções da lógica de Hegel.
Fazemos essa atribuição à medida do conveniente, por meio de
indicações diretas.
Além disso, examinamos em detalhe, neste artigo, apenas a parte
inicial do desenvolvimento da "Doutrina do Ser", nomeadamente, seu
primeiro capítulo. A todas as noções examinadas aqui atribuímos, por
isso, o tipo geral 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 (e, por vezes, algum de seus subtipos
específicos).

3.2 A ESTRUTURA DE DETERMINAÇÃO DAS CATEGORIAS DA LÓGICA DE


HEGEL

Para podermos apresentar formalmente a operatoriedade da Lógica


de Hegel (isto é, o sistema de suas operações e relações, ver seção 3.2),
precisamos antes apresentar formalmente a estrutura de determinação
de suas categorias, isto é, a forma geral da constituição das mesmas.
A partir do conteúdo do primeiro capítulo da "Doutrina do Ser", e
levando em conta a correspondência que ele tem com o início da
"Doutrina da Essência", estabelecemos que uma categoria da lógica de
Hegel tem por estrutura de determinação:

• um nome, que a identifica;


• um conjunto de essencialidades, estabelecido a partir da correspondência
dessa categoria com as essencialidades da "Doutrina da Essência";
• um possível vínculo de negação com outra categoria da "Doutrina do Ser";
• uma base, isto é, a categoria a partir da qual a categoria em questão foi
obtida, por alguma das operações de progressão.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 137

Formalmente, definimos que uma categoria da lógica de Hegel tem


uma estrutura de determinação dada por:

cat 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 =
det 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷
neg 𝑁𝑁𝑒𝑒𝑒𝑒
cont Cont
base 𝐵𝐵as

onde:

• cat indica que 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 é o nome da categoria;


• det indica que 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷 é o conjunto de determinações de reflexão (ou
essencialidades) da categoria de nome 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶;
• neg indica que a categoria de nome 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁 é a negação da categoria de nome
𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶;
• cont indica o conteúdo da categoria 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶, isto é, o conjunto de noções que
caem sob suas determinações de reflexão;
• base indica que a categoria de nome 𝐵𝐵𝐵𝐵𝐵𝐵 é a base da categoria de nome 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶.

Por conveniência, introduzimos a chamada notação de ponto, para


denotar os componentes de uma categoria. Dada a categoria 𝐶𝐶:

• 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶. 𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑 denota seu conjunto de essencialidades (isto é, 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶. 𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑 = 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷);
• 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶. 𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛 denota a categoria que é sua negação (isto é, 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶. 𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛 = 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁);
• 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶. 𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐 denota seu conteúdo (isto é, 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶. 𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐 = 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶);
• 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶. 𝑏𝑏𝑏𝑏𝑏𝑏𝑏𝑏 denota a categoria que é sua base (isto é, 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶. 𝑏𝑏𝑏𝑏𝑏𝑏𝑏𝑏 = 𝐵𝐵𝐵𝐵𝐵𝐵).

Note-se que, conforme mencionado na seção 2.6, neste artigo não


consideramos, na estrutura de determinação das categorias, nenhum
componente de intencionalidade.
138 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Quando a noção em questão é uma relação entre categorias,


adotamos a notação:

rel 𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅 =
det 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷
neg 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁
cont 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶
base 𝐵𝐵𝐵𝐵𝐵𝐵

3.3 AS OPERAÇÕES E RELAÇÕES DA LÓGICA DE HEGEL

Toda lógica (seja assertiva, seja nocional) além de seus elementos


(respectivamente, asserções e noções) é constituída também por
operações e relações, que se aplicam a esses elementos.
Como discutido na seção 2.1, consideramos aqui que os elementos
da lógica de Hegel são noções. As operações e as relações dessa lógica
são, então, as operações e relações nocionais que promovem a progressão
das noções da lógica, a partir de algumas noções iniciais, tomadas como
imediatas.
Neste artigo, em que nos limitamos a examinar a parte inicial do
desenvolvimento das categorias da "Doutrina do Ser", identificamos
seis operações e relações categoriais, conforme detalhado a seguir.

3.4 A OPERAÇÃO DE ADOÇÃO DE CATEGORIA INDETERMINADA

Denotamos por 𝑋𝑋⊥ o resultado da operação de adoção da categoria


𝑋𝑋 enquanto categoria indeterminada. Consequentemente, atribuímos a
𝑋𝑋⊥ o tipo:
Antônio Carlos da Rocha Costa • 139

𝑋𝑋⊥ : 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶⊥

Essa operação é utilizada apenas para constituir o princípio da


lógica, e é aplicada apenas às noções de Ser e Nada, tomadas, desse
modo, como noções indeterminadas:

cat 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆⊥ =
ess ⊥
neg ⊥
cont ⊥
base ⊥

cat 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁⊥ =
ess ⊥
neg ⊥
cont ⊥
base ⊥

onde o simbolo "⊥" denota indefinição.

3.4.1 A OPERAÇÃO DE NEGAÇÃO

A operação de negação determina, para uma dada categoria 𝐶𝐶, a


categoria 𝐶𝐶̅ que é sua negação.
Formalmente, definimos:

𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛: 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 × 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 → 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶T

onde se tem que, se 𝐶𝐶̅ = 𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛(𝐶𝐶, 𝑁𝑁), então ocorre que:

• 𝐶𝐶: 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 é tal que tem seus componentes 𝐶𝐶. 𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛 e 𝐶𝐶. 𝑏𝑏𝑏𝑏𝑏𝑏𝑏𝑏 são
indeterminados;
140 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

• 𝑁𝑁: 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 é qualquer categoria;


• 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶T é o tipo das categorias determinadas;
• 𝐶𝐶̅ : 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶T é tal que a categoria 𝑁𝑁 é tomada como seu componente
𝐶𝐶̅ . 𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛, e a categoria 𝐶𝐶 é tomada como seu componente 𝐶𝐶̅ . 𝑏𝑏𝑏𝑏𝑏𝑏𝑏𝑏.

Mais precisamente, dada uma categoria 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 com a estrutura:

cat 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 =
det 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷
neg ⊥
cont 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶
base ⊥

onde 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷 é um conjunto (possivelmente vazio) de essencialidades, a


operação 𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛, aplicada à categoria 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 e à categoria 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁, produz como
resultado a categoria ����� 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 = 𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛(𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶, 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁) para a qual,
estruturalmente, vale:

����� =
cat 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶
det 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷 ′
neg 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁
cont 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 ′
base 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶

para algum conjunto de determinações de reflexão 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷 ′ e conteúdo


𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 ′ .
Note-se que a o conjunto de determinações de reflexão 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷 de 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶,
não é necessariamente preservado em �����
𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 pela operação 𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛. Note-se,
também, que a operação de negação não é, em geral, involutiva. Isto é, em
geral ocorre que:
Antônio Carlos da Rocha Costa • 141

����� ≠ 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶
𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶

A operação de negação é utilizada em muitas etapas da progressão


de noções da Lógica de Hegel. Em particular, é utilizada para estabelecer
a determinação mútua entre as noções 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆⊥ e 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁⊥ , resultando nas
noções 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆T e 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁T , dadas por:

cat 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆T =
det ⊥
neg 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁T
cont ⊥
base 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆⊥

cat 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁T =
ess ⊥
neg 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆T
cont ⊥
base 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁⊥

3.4.2 A RELAÇÃO DE PASSAGEM

Dizemos que uma categoria 𝑋𝑋 passa para uma categoria 𝑌𝑌 quando:

• 𝑋𝑋 e 𝑌𝑌 têm as mesmas essencialidades (isto é, 𝑋𝑋. 𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑 = 𝑌𝑌. 𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑) e se diz que
cada uma contém a outra;
• 𝑌𝑌 é a negação de 𝑋𝑋 (isto é, 𝑋𝑋. 𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛 = 𝑌𝑌).

Denotamos por 𝑋𝑋//𝑌𝑌 o fato de que a categoria 𝑋𝑋 passa para a


categoria 𝑌𝑌.
Note-se que a relação de passagem 𝑋𝑋//𝑌𝑌 implica em a categoria 𝑌𝑌
ser a negação da categoria 𝑋𝑋:
142 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

𝑋𝑋//𝑌𝑌 ⇒ (𝑋𝑋. 𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛 = 𝑌𝑌)

Estruturalmente, a categoria 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 passa para a categoria 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶′ se e


somente se:

cat 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 =
det 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷
neg 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 ′
cont 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶
base 𝐵𝐵𝐵𝐵𝐵𝐵

cat 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 ′ =
det 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷
neg 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶
cont 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 ′
base 𝐵𝐵𝐵𝐵𝐵𝐵′

3.4.3 O 𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫 E A RELAÇÃO GERAL DE DEVIR

Denotamos por 𝑋𝑋 ≎ 𝑌𝑌 a relação geral de devir, estabelecida entre


as categorias 𝑋𝑋 e 𝑌𝑌. Com isso, temos que:

𝑋𝑋 ≎ 𝑌𝑌 ⟺ 𝑋𝑋//𝑌𝑌 ∧ 𝑌𝑌//𝑋𝑋

A relação geral de devir 𝑋𝑋 ≎ 𝑌𝑌 indica que, estruturalmente, vale o


seguinte:

cat 𝑋𝑋 =
ess 𝐸𝐸
neg 𝑌𝑌
base 𝐵𝐵
Antônio Carlos da Rocha Costa • 143

cat 𝑌𝑌 =
ess 𝐸𝐸
neg 𝑋𝑋
base 𝐵𝐵′

onde 𝐵𝐵 e 𝐵𝐵′ são bases quaisquer.


Note-se que a relação geral de devir não exige que as duas
categorias relacionadas tenham a mesma base.
Note-se, também, que a relação geral de devir relaciona categorias
determinadas, tendo por isso o tipo 𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅, dado por 4:

𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅 ⊆ ℘(𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶T × 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶T )

de modo que:

≎ ∶ 𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅

A razão dessa tipagem, em termos de categorias determinadas (i.é,


𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶T ), está em que as categorias relacionadas pelo devir geral
têm suas respectivas negações plenamente determinadas, já que 𝑋𝑋 se
determina, por meio de 𝑌𝑌, como negação deste, e 𝑌𝑌 se determina, por
meio de 𝑋𝑋, como negação deste.
No que diz respeito ao sentido mais específico do termo "devir":
Hegel utiliza esse termo para designar o caso particular da relação de
devir estabelecida entre as categorias de Ser e Nada.
Assim, denotando por 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷 a relação específica de devir
estabelecida entre as categorias de Ser e Nada, temos que, em função da

4
℘(𝑋𝑋) denota o conjunto das partes do conjunto 𝑋𝑋.
144 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

tipagem especificada acima, o que 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷 relaciona são as categorias


determinadas 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆T e 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁T :

𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷 = 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆T ≎ 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁T

e não as categorias indeterminadas 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆⊥ e 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁⊥ , que constituem o


princípio da lógica.
Na notação adotada para a estrutura das noções, a relação 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷
assume a forma:

rel 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷 =
ess 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆T ≎ 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁T
neg ⊥
base {𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆T , 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁T }

3.4.4 A OPERAÇÃO DE AFIRMAÇÃO DA RELAÇÃO DE DEVIR

Sem risco de ambiguidade, utilizamos o símbolo "≎" não só para


denotar a relação geral de devir entre duas categorias, mas também para
denotar a operação que, dadas duas categorias, estabelece a existência
dessa relação entre elas.
Ilustramos o uso do símbolo "≎" como operação na Figura 10, onde
apresentamos formalmente a totalidade da progressão das noções do
primeiro capítulo da "Ciência da Lógica".

3.4.5 A OPERAÇÃO DE ENCAPSULAMENTO

Por último, definimos a operação que denominamos


encapsulamento, a qual introduz uma nova categoria na progressão das
categorias a partir de um devir.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 145

Formalmente, estabelecemos que a operação de encapsulamento


tem tipo dado por:

𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒: 𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅 → 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶⊥

Denotamos por [𝑋𝑋 ≎ 𝑌𝑌] o resultado do encapsulamento do devir


𝑋𝑋 ≎ 𝑌𝑌.
Pela operação de encapsulamento, um devir é tornado uma nova
unidade, que tem "a forma do imediato" e que "aparece como um primeiro,
do qual se partiu", tal como Hegel explicita em relação ao caso particular
do encapsulamento do 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷 na noção de Ser aí (Hegel 2016, p.113-114).
Estruturalmente, então, elaboramos a definição da categoria Ser-aí
do seguinte modo:

cat Ser-aí =
ess 𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼
neg ⊥
cont [𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷]
base 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷

Por outro lado, note-se que, como não examinamos neste artigo a
parte da "Doutrina da Essência" cujas noções correspondem às noções
do primeiro capítulo da "Doutrina do Ser", não examinamos também a
operação de inclusão de essencialidades, que inclui uma essencialidade,
dada na esfera da Essência, no conjunto de essencialidades de uma
categoria. Em consequência, apresentamos aqui, sem justificativa,
apenas o resultado da aplicação dessa operação de inclusão de
essencialidades à categoria Ser-aí, operação que inclui no conjunto de
essencialidades da mesma a essencialidade 𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼, denotada
pelo termo 𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼 na formulação mostrada acima.
146 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Claramente, a operação de encapsulamento de um devir apresenta


formalmente a operação que Hegel denomina suprassunção (sobre essa
questão, ver a seção 5).

4. APRESENTAÇÃO FORMALIZADA DO CONTEÚDO DO PRIMEIRO CAPÍTULO


DA CIÊNCIA DA LÓGICA

A Figura 9 mostra a totalidade do conteúdo categorial do primeiro


capítulo da "Ciência da Lógica", apresentada, desde o ponto de vista
estrutural, através da linguagem de apresentação formalizada
introduzida neste artigo.
Consideramos, com isso, que qualquer outro tipo de conteúdo do
primeiro capítulo da "Ciência da Lógica" é, fundamentalmente, ou um
comentário sobre esse conteúdo categorial, considerado em si mesmo,
ou um comentário sobre a inter-relação desse conteúdo categorial com o
conteúdo reflexivo apresentado por Hegel na "Doutrina da Essência"
(inter-relação que não examinamos neste artigo).
A Figura 10, por seu lado, esquematiza a totalidade da progressão
das categorias introduzidas por Hegel naquele primeiro capítulo. São
evidenciadas as operações de negação (𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛), afirmação da relação de
devir (≎) e encapsulamento (𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒), cuja composição realiza aquela
progressão.
Note-se que, na progressão, as duas operações de negação (sobre
𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆⊥ e 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁⊥ , respectivamente) são mutuamente dependentes e
realizadas em paralelo.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 147

Primeiro Capítulo

cat 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆⊥ = cat 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁⊥ =

det ⊥ det ⊥

neg ⊥ neg ⊥

cont ⊥ cont ⊥

base ⊥ base ⊥

cat 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆T = cat 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁T =

det ⊥ det ⊥

neg 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁T neg 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆T

cont ⊥ cont ⊥

base 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆⊥ base 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁⊥

rel 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷 =

det 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆T ≎ 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁T

Figura 9: Apresentação formal da totalidade do


conteúdo categorial do primeiro capítulo da "Ciência da
Lógica" de Hegel.
148 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Figura 10: Esquematização da totalidade da progressão categorial

4.1 DISCUSSÃO: A APRESENTAÇÃO FORMALIZADA DA OPERAÇÃO DE


SUPRASSUNÇÃO

É amplamente sabido que a operação mais característica da lógica


de Hegel é a operação de suprassunção. No entanto, neste artigo, não
introduzimos nenhuma operação com esse nome. Na presente seção,
comentamos brevemente essa questão.
Muitas vezes é dito que a operação de suprassunção (aufhebung) tem
na "Ciência da Lógica" três sentidos: suprimir, conservar e elevar. Por
exemplo, esse entendimento é apresentado, exatamente nesses termos,
no início do verbete "Suprassunção" doo "Dicionário Hegel", de Michael
Inwood:

"Aufheben tem três principais sentidos:


1. 'levantar, sustentar, erguer'.
2. 'anular, abolir, destruir, revogar, cancelar, suspender'.
3. 'conservar, poupar, preservar'." (Inwood 1997)

Contudo, na "Observação" ao terceiro item da subseção "Devir", do


primeiro capítulo da "Ciência da Lógica", Hegel diz explicitamente que
suprassumir tem dois sentidos:
Antônio Carlos da Rocha Costa • 149

"Suprassumir tem na língua [alemã] o sentido duplo pelo qual significa


tanto guardar, conservar, quanto, ao mesmo tempo, cessar, pôr fim." (Hegel
2016, p.111)

O mesmo é dito por Hegel na "Fenomenologia do Espírito":

"O suprassumir apresenta sua dupla significação verdadeira que vimos no


negativo: é ao mesmo tempo um negar e um conservar." (Hegel 2002, p.94)

Assim, consideramos em nosso trabalho que o termo


"suprassunção" tem apenas dois sentidos, cessar e conservar.
Por outro lado, parece-nos que, do ponto de vista de uma
apresentação formal da lógica de Hegel, o importante não é incorporar
no seu vocabulário o termo de "operação de suprassunção", como
poderia ser esperado de uma tentativa de apresentação formal que
visasse reproduzir ipsis litteris o vocabulário hegeliano.
Ao contrário, o mais importante é a apresentação formal da
conjunção dos dois significados fundamentais dessa operação, tal como
Hegel a expressou, combinando simultaneamente o guardar com o
cessar.
Esse é o sentido, então, que dirigiu a definição da operação que
denominamos de encapsulamento: ao encapsular uma noção 𝐸𝐸, na forma
da unidade [𝐸𝐸 ], guardamos a mesma dentro dessa unidade, e ao mesmo
tempo pomos fim à mesma, na medida em que o resultado da operação é
uma noção nova que aparece como tendo o caráter imediato, de noção
primeira, como indicado na seção 3.2.6.
Com a utilização do termo "encapsulamento", ao invés de
"suprassunção", pretendemos, por um lado, possibilitar uma
150 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

apresentação formal dessa operação que seja diretamente concordante


com aquela afirmação de Hegel. Por outro lado, pretendemos evitar que,
com o emprego do termo "suprassunção" ao invés de "encapsulamento",
a apresentação formal dessa operação fique sujeita a interpretações
equivocadas, como a adotada por Inwood.

CONCLUSÃO

Neste artigo, introduzimos princípios básicos para uma linguagem


voltada à apresentação formalizada da lógica de Hegel. Como estudo de
caso, elaboramos uma apresentação formalizada das categorias
desenvolvidas por Hegel no primeiro capítulo da "Ciência da Lógica". As
duas últimas figuras do artigo, Figuras 9 e 10, apresentam formalmente
a totalidade dessas categorias e a totalidade da progressão das mesmas,
utilizando a linguagem formalizada introduzida no artigo.

REFERÊNCIAS

COSTA, A. C. R. (2018a) A Ciência da Lógica de Hegel desde a Perspectiva da Visão Semântica


de Teorias: Um Referencial Teórico para a Comparação Formal de Variantes do Sistema
Hegeliano de Noções. Anais da Semana Acadêmica do PPG em Filosofia da PUCRS.
Porto Alegre: Editora Fi, 2018. p.69-89. Reproduzido em (Costa 2019), p.15-32.

COSTA, A. C. R. (2018b) Caracterização da Dependência Bilateral entre a "Doutrina do Ser" e


a "Doutrina da Essência", na "Ciência da Lógica" de Hegel. Trabalho de Disciplina -
Semestre 2018/2, Prof. Eduardo Luft. Porto Alegre: PPGFil/PUCRS, 2018.
Reproduzido em (Costa 2019), p.33-44.

COSTA, A. C. R. Para uma Leitura Operatória da Lógica de Hegel: Experimentos Iniciais.


Porto Alegre: Editora Fi, 2019. Disponível em: www.editorafi.org/540logica.

HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito. Petrópolis: Vozes, 2002.

HEGEL, G. W. F. Ciência da Lógica - Doutrina do Ser. Petrópolis: Vozes, 2016.


Antônio Carlos da Rocha Costa • 151

HEGEL, G. W. F. Ciência da Lógica - Doutrina da Essência. Petrópolis: Vozes, 2017.

HEGEL, G. W. F. Ciência da Lógica - Doutrina do Conceito. Petrópolis: Vozes, 2018.

HUSSERL, E. Ideias para uma Fenomenologia Pura e para uma Filosofia Fenomenológica.
Aparecida: Ideias e Letras: 2008.

INWOOD, M. Dicionário Hegel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.

SUPPES, P. A Comparison of the Meaning and Uses of Models in Mathematics and the
Empirical Sciences. Synthese , 12(1960):287-301.
SEÇÃO II

TEMAS ESPECÍFICOS
3
O INÍCIO DA LÓGICA OBJETIVA DE HEGEL: UMA
APRESENTAÇÃO FORMALIZADA
Antônio Carlos da Rocha Costa 1

RESUMO

A Lógica Objetiva de Hegel é apresentada, na "Ciência da Lógica", de


um modo implícito, por meio de duas doutrinas separadas, a "Doutrina
do Ser" e a "Doutrina da Essência". Este artigo, orientando-se pela
proposta de leitura paralela das doutrinas do Ser e da Essência, elabora
uma apresentação explícita do princípio dessa Lógica Objetiva, com base
em uma articulação formalizada dos princípios daquelas duas
doutrinas. Como seu primeiro resultado concreto, a apresentação
explícita do princípio da Lógica Objetiva permite explicar a
impossibilidade dessa lógica avançar em sua progressão por meio do par
de noções Essencial e Inessencial, o qual se aplica à noção de Ser-aí. Tal
impossibilidade obriga a Lógica Objetiva a derivar uma outra série de
noções, as determinações de reflexão, para poder avançar para além da
noção de Ser-aí, até o estágio do Ser-para-si.
Palavras-chave: Ciência da Lógica de Hegel, Lógica Objetiva,
Apresentação Formalizada.

1
Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Email:
ac.rocha.costa@gmail.com
156 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

1. INTRODUÇÃO

Este artigo 2 traz uma apresentação formalizada do início da Lógica


Objetiva de Hegel. Tomamos como base dessa apresentação os princípios
da linguagem formalizada introduzida em (Costa, 2019c), os quais
reformulamos aqui conforme necessário para o presente trabalho.
O artigo está estruturado como segue. Na Seção 2, revisamos os
princípios e os elementos da noção de apresentação formalizada que
temos adotado em nosso trabalho e da qual nos servimos aqui.
Na Seção 3, caracterizamos, de modo breve e informal, as noções
iniciais da Lógica Objetiva de Hegel que são tratadas neste artigo.
A Seção 4 traz a apresentação formalizada do início da Lógica
Objetiva de Hegel, a qual constitui o tema próprio do presente artigo.
A Seção 5 examina a construção das noções formalizadas de
Ser-aí-essencial e Ser-aí-inessencial, resultantes do primeiro modo de
reflexão de essência que Hegel discute na "Doutrina da Essência", aquele
baseado nas noções de Essencial e Inessencial.
A Seção 6 discute a razão pela qual as noções de Ser-aí-essencial e
Ser-aí-inessencial são incapazes de suportar uma operação de dissolução
de sua contraposição, o que leva a Lógica de Hegel ao desenvolvimento
da noção de reflexão de essência, e a formas operatórias posteriores
(reflexão ponente, reflexão pressuponente, reflexão exterior), até que a
reflexão determinante e a noção de fundamento, com sua articulação com
a noção de Ser-para-si, possam ser alcançadas.
A Seção 7 é a Conclusão.

2
Publicado originalmente em: Anais da XIX Semana Acadêmica do PPG em Filosofia da PUCRS, 2019,
Porto Alegre. XIX Semana Acadêmica do PPG em Filosofia da PUCRS. Porto Alegre: Editora Fundação
Fênix, 2019. v. 3. p. 133-148.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 157

2. PRINCÍPIOS DA APRESENTAÇÃO FORMALIZADA DA LÓGICA OBJETIVA DE


HEGEL

Os seguintes princípios da apresentação formalizada da Lógica


Objetiva de Hegel são adotados em nosso trabalho, cf. (Costa, 2019c).

2.1 A LÓGICA DE HEGEL COMO UM SISTEMA PROGRESSIVO DE NOÇÕES


LÓGICAS

A Lógica de Hegel é constituída pelo sistema de noções lógicas,


introduzido por ele nos três livros de sua "Ciência da Lógica": a
"Doutrina do Ser" (Hegel, 2016), a "Doutrina da Essência" (Hegel, 2017) e
a "Doutrina do Conceito" (Hegel, 2018).
O subsistema de noções lógicas introduzido por meio das duas
primeiras doutrinas constitui o que Hegel denominou Lógica Objetiva. O
subsistema de noções lógicas introduzido por meio da terceira doutrina
constitui a Lógica Subjetiva.
Adicionalmente, vemos esse sistema progressivo de noções lógicas
como tendo uma estrutura geral que pode ser esquematizada, de modo
abstrato e simplificado, conforme mostrado na Figura 1, onde os pontos
representam noções ou relações entre noções, e as setas representam
operações sobre noções. A ordem das setas indica a sequência da
progressão no desenvolvimento das noções lógicas.
158 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Figura 1: Esquematização abstrata de um sistema progressivo de noções.

2.2 PRINCÍPIO DA POLARIDADE DAS NOÇÕES DA LÓGICA OBJETIVA

No Prefácio à segunda edição da "Doutrina do Ser", Hegel


reconhece a influência das ciências sobre as "relações de pensamento
mais altas" 3:

O avanço da formação em geral e, em particular, das ciências, até mesmo


das ciências empíricas e sensíveis, na medida em que elas universalmente
se movem nas categorias mais usuais (p. ex., aquelas do todo e das partes,
de uma coisa e suas propriedades, e semelhantes), ilumina de pouco em
pouco também as relações de pensamento mais altas ou pelo menos as eleva
a uma maior universalidade e, assim, a uma atenção mais detalhada. (Hegel,
2016, p. 32)

Aponta uma influência em particular, a da noção de polaridade:

Se, por exemplo, na física, a determinação de pensar da força se tornou


predominante, atualmente a categoria da polaridade que, aliás, é inserida
em tudo demasiadamente à tort e à travers, mesmo na luz, desempenha o
papel mais importante, - ela que é a determinação de uma diferença, na qual
os termos diferenciados estão unidos inseparavelmente. (Hegel, 2016, p. 32)

3
As traduções apresentadas aqui estão adaptadas, conforme o necessário, com base em (Hegel, 2015).
Antônio Carlos da Rocha Costa • 159

E aponta a "importância infinita" dessa noção:

É de importância infinita que, dessa maneira, tenha-se progredido a partir


da forma da abstração, da identidade, pela qual uma determinidade recebe
uma autossubsistência, por exemplo como força, e que se tenha feito
aparecer a forma do determinar, da diferença - diferença que ao mesmo
tempo permanece como um inseparável da identidade. É de importância
infinita que essa representação tenha se tornado uma representação
corrente. (Hegel, 2016, p. 32)

Consoante a essa observação de Hegel, reconhecemos na Lógica


Objetiva a presença da noção de polaridade e a incorporamos na
estrutura de nossa apresentação formal da mesma.
Note-se que, por vezes, Hegel utiliza as expressões "estar na
determinação unilateral do ser" e "estar na determinação unilateral do
não-ser" para indicar o que estamos indicando aqui pelas polaridades
positiva e negativa, respectivamente.

2.3 PRINCÍPIO DA LEITURA PARALELA DA LÓGICA OBJETIVA

Em (Costa, 2019a), estabelecemos a diferença entre um modelo


sequencial e um modelo paralelo de leitura da "Ciência da Lógica": no
modelo sequencial, a leitura se faz conforme a estrutura sequencial dos
três livros, passando da "Doutrina do Ser" para a "Doutrina da Essência"
e, finalmente, para a "Doutrina do Conceito".
No modelo paralelo, por outro lado, a leitura se faz conforme a
articulação lógica mútua das noções introduzidas nessas três doutrinas,
o que implica, por exemplo, que as noções introduzidas nos três inícios
dessas doutrinas sejam lidas conjuntamente, de modo articulado,
160 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

progredindo-se depois para a articulação das noções intermediárias e,


finalmente, para a articulação das noções finais.
A Figura 2 ilustra a articulação das noções iniciais das esferas de
conceito introduzidas nas duas doutrinas, da "Doutrina do Ser" e da
"Doutrina da Essência", conforme estabelecida pelo modelo paralelo de
leitura da Lógica Objetiva.

Figura 2: Leitura paralela dos inícios da "Doutrina do Ser" e da "Doutrina da Essência".

2.4 PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO ENDÓGENO DA APRESENTAÇÃO


FORMALIZADA

Há duas maneiras de elaborar uma apresentação formalizada de


um conjunto de conhecimentos. Uma é aplicar a esse conjunto uma
linguagem simbólica e uma estrutura matemática previamente
existente. A segunda, é desenvolver uma linguagem simbólica e uma
estrutura matemática com base numa análise operatória desse conjunto
de conhecimentos.
Dizemos que a primeira maneira constitui uma apresentação
formalizada de caráter exógeno, ao passo que a segunda constitui uma
apresentação formalizada de caráter endógeno.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 161

Assim, por exemplo, o desenvolvimento do Cálculo Diferencial,


tanto por Newton quanto por Leibniz, tem o caráter de uma
apresentação formalizada endógena dos princípios da Mecânica, ao passo
que a aplicação do Cálculo Diferencial a sistemas econômicos, como se
procede na Economia contemporânea, tem o caráter de uma
apresentação formalizada exógena daqueles sistemas.
As apresentações formalizadas de caráter endógeno, pelo
procedimento mesmo com que são elaboradas, têm muito mais
possibilidade de captarem o cerne conceitual dos conhecimentos que
apresentam do que as de caráter exógeno.
Cremos que é nesse sentido que devem ser lidas todas as críticas
de Hegel à utilização de recurso matemáticos ou geométricos na
formalização de conceitos filosóficos: todas as tentativas de
formalização que ele contesta são de caráter exógeno, pois tomam
sistemas de números e objetos geométricos, desenvolvidos prévia e
independentemente daqueles conceitos, para formalizá-los 4.

2.5 PRINCÍPIO DA VISÃO SEMÂNTICA DA CIÊNCIA DA LÓGICA DE HEGEL

A visão semântica da "Ciência da Lógica", que adotamos em nosso


trabalho (Costa, 2019b), tem por base a chamada visão semântica de
teorias, proposta em (Suppes, 1960).
Nessa visão, a "Ciência da Lógica" é uma teoria que diz respeito ao
que chamamos de sistema hegeliano de noções lógicas, que opera como
um modelo semântico para as filosofias do real desenvolvidas por Hegel
(sua "Filosofia da Natureza" e sua "Filosofia do Espírito").

4
Ver, p. ex., a crítica exposta em (Hegel 2018, p. 83).
162 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

A visão semântica dessas filosofias, por seu lado, entende que cada
uma delas estabelece um modelo semântico para o real ao qual se refere.
A visão semântica da "Ciência da Lógica" de Hegel está ilustrada na
Figura 3.

Figura 3: A visão semântica da "Ciência da Lógica" de Hegel.

2.6 DETERMINIDADE, DETERMINAÇÃO, IMEDIATIDADE E ESSÊNCIA DE


NOÇÕES

Os termos "determinidade", "determinação", "imediatidade" e


"essência" estão amplamente presentes, no vocabulário de que Hegel se
vale nas duas doutrinas, do Ser e da Essência.
Os modos pelos quais Hegel estabeleceu os sentidos desses termos
são os mais diversos, ao longo de sua obra: implicitamente, pela maneira
como os usa; indiretamente, por meio de formulações alternativas,
relativas ao uso dessas noções em contextos particulares; definições
explícitas, muitas vezes também direcionadas a contextos específicos
em que tais termos são utilizados.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 163

Para as finalidades formalizantes de nosso trabalho, impõe-se a


delimitação razoavelmente precisa de tais sentidos, o que faremos ao
longo do artigo, conforme o desenrolar do mesmo.

2.7 AS NOÇÕES GERAL E PARTICULAR DE DEVIR

Há dois sentidos para o termo "devir" na Lógica Objetiva de Hegel,


um sentido geral e um sentido particular.
No sentido geral, um devir é uma relação que se estabelece entre
duas noções de polaridades opostas, mas que possuem a mesma
estrutura, não importando se suas bases são iguais ou diferentes. Nesse
sentido, diz-se que cada noção passa para a outra.
No sentido particular, o devir é a relação pela qual SerT e NadaT
passam um para o outro, relação que recebe o nome próprio de Devir.

3. AS NOÇÕES, OPERAÇÕES E RELAÇÕES INICIAIS DA LÓGICA OBJETIVA DE


HEGEL

Examinando a "Doutrina do Ser" e a "Doutrina da Essência",


identificamos as seguintes noções, operações e relações iniciais da
Lógica Objetiva de Hegel, entre outras:

• Doutrina do Ser:
 Noções iniciais:
– Esfera do Ser
– Ser
– Nada
– Devir
– Ser aí
 Operações e relações iniciais:
– Negação
164 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

– Passagem
– Suprassunção
• Doutrina da Essência:
 Noções iniciais:
– Esfera da Essência
– Essência
– Determinidade
– Determinação
– Imediatidade
– Ser aí essencial
– Ser aí inessencial
– Identidade
 Operações e relações iniciais:
– Diversidade
– Oposição
– Contraposição
– Contradição
– Recaimento

Por outro lado, observamos que:

• todas as noções lógicas do sistema têm uma polaridade lógica,


distinguindo noções que tem polaridade lógica positiva, polaridade lógica
negativa e polaridade lógica neutra;
• cada noção lógica tem, associada a ela, um conjunto de noções, que
denominamos origem:
o se a noção é mediada, sua origem é o conjunto não-vazio de
noções de que ela deriva 5;
o se a noção é imediata, sua origem é o conjunto vazio.

5
Em (Costa 2019c), denominamos base o que aqui estamos denominando origem.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 165

4. A APRESENTAÇÃO FORMALIZADA DO INÍCIO DA LÓGICA OBJETIVA DE


HEGEL

Nesta seção, desenvolvemos a apresentação formalizada do início


da Lógica Objetiva de Hegel, objeto do presente artigo. Começamos
definindo a estrutura geral de uma noção dessa lógica.

4.1 ESTRUTURA GERAL DE UMA NOÇÃO DA LÓGICA OBJETIVA

Consideramos que as noções da Lógica Objetiva, tal como resultam


da leitura paralela da "Doutrina do Ser" e da "Doutrina da Essência",
estão constituídas conforme a estrutura geral que representamos como
segue, na linguagem formalizada introduzida em (Costa, 2019c):

• as variáveis 𝑋𝑋, 𝑌𝑌, 𝑍𝑍 denotam noções quaisquer da Lógica Objetiva;


• 〈𝑋𝑋〉 denota a polaridade da noção 𝑋𝑋 (com os símbolos "⊕", "⊖" e "⊚"
representando respectivamente os valores de polaridade lógica positiva,
negativa e nula, conforme 𝑋𝑋 esteja na determinação unilateral do 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆, na
determinação unilateral do 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁, ou não esteja em nenhuma dessas
determinações unilaterais);
• 𝑋𝑋� denota o conjunto das determinações da noção 𝑋𝑋, isto é, sua essência;
• ⟦𝑋𝑋⟧ denota o conteúdo da noção 𝑋𝑋, isto é, o conjunto de momentos a compõem;
• 𝑋𝑋� denota a negação de 𝑋𝑋, isto é, a noção a que 𝑋𝑋 se opõe;
• 𝑋𝑋� denota a origem da noção 𝑋𝑋, isto é, o conjunto de noções das quais 𝑋𝑋
deriva, de modo que 𝑋𝑋� = ∅ quando 𝑋𝑋 é noção imediata.

Em consequência, a forma geral da estrutura de qualquer noção 𝑋𝑋


da Lógica Objetiva de Hegel é dada pela expressão:

𝑋𝑋 = �〈𝑋𝑋〉, 𝑋𝑋�, ⟦𝑋𝑋⟧, 𝑋𝑋�, 𝑋𝑋��


166 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

4.2 OPERAÇÕES E RELAÇÕES BÁSICAS DA LÓGICA OBJETIVA

As operações e relações básicas da Lógica Objetiva são denotadas


pelas seguintes expressões, onde 𝑋𝑋 e 𝑌𝑌 são noções quaisquer:

• 𝑋𝑋//𝑌𝑌 é a relação que indica que a noção 𝑋𝑋 passa para a noção 𝑌𝑌;
• 𝑋𝑋 ≎ 𝑌𝑌 é a operação de introdução do devir entre 𝑋𝑋 e 𝑌𝑌;
• [𝑋𝑋 ≎ 𝑌𝑌] é a operação de encapsulamento do devir 𝑋𝑋 ≎ 𝑌𝑌;
• 𝑋𝑋 ↝ 𝑌𝑌 é a relação que indica que a noção 𝑋𝑋 recai na noção 𝑌𝑌.

A operação que denominamos de encapsulamento representa, na


linguagem formalizada que adotamos, a operação hegeliana de
suprassunção (ver em (Costa, 2019c) mais detalhes a respeito da opção
por este modo de considerar e apresentar formalmente a operação de
suprassunção).

4.3 ESTRUTURA DAS NOÇÕES 𝑺𝑺𝑺𝑺𝑺𝑺 E 𝑵𝑵𝑵𝑵𝑵𝑵𝑵𝑵

Nossa leitura do início da "Doutrina do Ser" estabelece que as


noções de 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆 e 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁:

• têm inicialmente a mesma estrutura nula (e, portanto, essência nula), exceto
em relação às polaridades, que são opostas, o que permite a distinção entre
as duas noções;
• depois, porém, com a constatação da oposição de suas polaridades, elas
passam a ter negação não nula, já que uma determina a outra como sua
oposta.

Representamos esses dois estágios por que passa a progressão das


noções de 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆 e 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁, como segue:
Antônio Carlos da Rocha Costa • 167

• Ser⊥ denota a noção Ser no seu primeiro estágio de progressão, com


polaridade positiva e restante da estrutura nula;
• Nada⊥ denota a noção Nada no seu primeiro estágio de progressão, com
polaridade negativa e restante da estrutura nula;
• SerT denota a noção Ser no seu segundo estágio de progressão, em que se
determina como a negação de NadaT ;
• NadaT denota a noção Nada no seu segundo estágio de progressão, em que
se determina como a negação de SerT .

Tanto a noção Ser⊥ quanto a noção Nada⊥ , sendo as primeiras


noções da Lógica Objetiva, só podem estar dotadas da essência inicial da
esfera da Essência, qual seja, a essência indeterminada, resultante da
operação de reflexão pura (Hegel, 2017, p. 33).

4.4 ESTRUTURAS DAS NOÇÕES SER⊥ E NADA⊥

Então, para a estrutura da noção Ser⊥ temos:

�⊥ , ⟦Ser⊥ ⟧, ����
Ser⊥ = (〈Ser⊥ 〉, Ser �⊥ )
Ser, Ser
onde:
〈Ser⊥ 〉 =⊕
�⊥ = ∅
Ser
⟦Ser⊥ ⟧ = ∅
���� = ∅
Ser
�⊥ = ∅
Ser
de modo que:
Ser⊥ = (⊕, ∅, ∅, ∅, ∅)

E, para a estrutura da noção Nada⊥ :

�⊥ , ⟦Nada⊥ ⟧, Nada
Nada⊥ = �〈Nada⊥ 〉, Nada �⊥ �
onde:
〈Nada⊥ 〉 =⊖
�⊥ = ∅
Nada
168 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

⟦Nada⊥ ⟧ = ∅
������
Nada = ∅
�⊥ = ∅
Nada
de modo que:
Nada⊥ = (⊖, ∅, ∅, ∅, ∅)

4.5 ESTRUTURAS DAS NOÇÕES SERT E NADAT

Com base na constatação da relação oposição entre as polaridades


��������T , as
das noções Ser⊥ e Nada⊥ , relação que denotamos por SerT = Nada
estruturas das noções determinadas SerT e NadaT ficam caracterizadas
como segue, onde suas essências ainda se constituem como nulas:

�T , ⟦SerT ⟧, Ser
SerT = (〈SerT 〉, Ser ����, Ser
�T )
onde:
〈SerT 〉 =⊕
�T = ∅
Ser
⟦SerT ⟧ = ∅
�����
SerT = NadaT
�T = {Ser⊥ }
Ser
de modo que:
SerT = (⊕, ∅, ∅, NadaT , {Ser⊥ })

�T , ⟦NadaT ⟧, ������
NadaT = �〈NadaT 〉, Nada �T �
Nada, Nada
onde:
〈NadaT 〉 =⊖
�T = ∅
Nada
⟦NadaT ⟧ = ∅
��������
NadaT = SerT
�T = {Nada⊥ }
Nada
de modo que:
NadaT = (⊖, ∅, ∅, SerT , {Nada⊥ })
Antônio Carlos da Rocha Costa • 169

4.6 ESTRUTURA DAS NOÇÕES 𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅 E 𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫

Denotamos a relação de negação entre duas por 𝑌𝑌 = 𝑋𝑋� e a


definimos por:

�����
𝑌𝑌 = 𝑋𝑋� ⇔ �𝑋𝑋� = 𝑌𝑌�� ∧ �〈𝑌𝑌〉 = 〈𝑋𝑋〉

Denotamos a relação de passagem entre duas noções por 𝑋𝑋//𝑌𝑌,


indicando que 𝑋𝑋 passa para 𝑌𝑌, e a definimos por:

𝑋𝑋//𝑌𝑌 ⇔ (⟦𝑋𝑋⟧ = ⟦𝑌𝑌⟧) ∧ (𝑌𝑌 = 𝑋𝑋�)

Denotamos a relação devir, no seu sentido geral, pelo símbolo "≎".


No sentido geral, temos que:

𝑋𝑋 ≎ 𝑌𝑌 ⇔ (𝑋𝑋//𝑌𝑌) ∧ (𝑌𝑌//𝑋𝑋)

Com isso, temos que, para o sentido particular do termo 𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑


vale, abreviadamente:

𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷 ∶= 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆T ≎ 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁T

já que ocorrem as passagens:

(𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆T //NadaT ) e (NadaT //𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆T )

A essência do 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷 é a primeira que se torna determinada, na


forma da imediatidade, porém apenas como imediatidade nula, que
denotamos por ImedNula.
170 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

A polaridade do 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷, por outro lado, se mostra como polaridade


nula, já que o 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷 não se apresenta nem na determinação unilateral
do Ser nem na determinação unilateral do Nada.
A estrutura do 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷 se apresenta formalmente, e de modo
completo, como sendo:

� , ⟦Devir⟧, Devir
Devir = (〈Devir〉, Devir ������, Devir
�)
onde:
�〉 = ⊚
〈Devir
� = {ImedNula}
Devir
⟦Devir⟧ = {SerT ≎ NadaT }
������ = ∅
Devir
� = �SerT ,NadaT �
Devir
de modo que:
Devir = (⊚, {ImedNula}, {𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆T ≎
𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁T } , ∅, {𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆T , 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁T } )

4.7 Estrutura da Noção Ser-aí


A noção de Ser-aí deriva da relação Devir por meio de uma operação
de suprassunção, que representamos por meio da operação de
encapsulamento (ver Seção 5).
Toda aplicação da operação de encapsulamento dá origem a uma
noção que se caracteriza por:

• ter polaridade positiva (⊚);


• ser imediata (isto é, ter base vazia);
• ter a origem e o encapsulamento como sua determinação.

Por outro lado, na noção de Ser-aí a essência alcança o primeiro


estágio em que supera a pura imediatidade, tendo uma essência no
sentido próprio do termo, a pura identidade (Hegel, 2017, p.53), a qual
denotamos por Id.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 171

Assim temos, abreviadamente:

Ser-aí ∶= [Devir]

e formalmente, de modo completo:

� , ⟦Ser-aí⟧, �������
Ser-aí = (〈Ser-aí〉, Ser-aí �)
Ser-aí, Ser-aí
onde:
〈Ser-aí〉 = {⊕}
� = {Imed}
Ser-aí
⟦Ser-aí⟧ = {[𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷]}
������� = ∅
Ser-aí
� = {𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷}
Ser-aí

de modo que:

Ser-aí = (⊕, {𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼 }, {[𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷]}, ∅, {𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷})

Como 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷 = 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆T ≎ 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁T , podemos escrever:

Ser-aí = (⊕, {𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼 }, {[𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆T ≎ 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁T ]} , ∅, {[𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆T ≎ 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁T ]})

É nesse sentido que Hegel pode dizer que "o ser aí é o simples ser uno
do ser e do nada" (Hegel, 2016, p. 113), onde interpretamos a expressão
"ser uno" como sendo relativa à noção unitária e imediata gerada pela
operação de encapsulamento.

5. O ESSENCIAL E O INESSENCIAL NA ESFERA DO SER-AÍ

A identidade essencial do Ser-aí, que denotamos acima por Id,


constitui o primeiro estágio do aparecer (Scheinen) da essência dentro da
sua esfera respectiva, a Esfera da Essência. Os estágios seguintes são o
estágio da diferença, o estágio da contraposição e o estágio da
172 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

contradição, todos estabelecidos pela reaplicação sucessiva da operação


de reflexão determinante (Hegel 2017, p.53), progredindo até a
determinação final da essência como fundamento.
Antes de analisar a aplicação da operação de reflexão determinante,
porém, Hegel examina a submissão do Ser-aí a uma operação de
diferenciação que é promovida pela sensibilidade. O resultado dessa
diferenciação sensível é a separação das diversas determinações sensíveis
do Ser-aí em duas classes, que Hegel denomina, respectivamente, de
essencial e inessencial (Hegel, 2017, p.37), e que denotamos aqui pelos
termos Essencial e Inessencial.
Como a diferença entre as determinações sensíveis do Ser-aí é
estabelecida pela sensibilidade, duas consequências advêm dela (Hegel,
2017, p.38):

• "essa diferença é um pôr exterior", "que não toca no próprio do ser aí" e,
com isso, "fica indeterminado o que pertence ao essencial ou ao inessencial"
- isto é, essa diferença entre o Essencial e o Inessencial não tem caráter de
necessidade;
• "na medida em que a essência <..> está determinada como imediata, como
algo que é", essa diferenciação "fez recair a essência na esfera do ser aí".

Desenvolvemos formalmente essa diferenciação das


determinações sensíveis do Ser-aí do seguinte modo:

1. As determinações sensíveis do Ser-aí constituem aqui sua imediatidade não


nula Imed.
2. A imediatidade do Ser-aí fica particionada em uma parte Essencial e uma
parte Inessencial, na forma:

Imed = (ImedEssencial,ImedInessencial)
Antônio Carlos da Rocha Costa • 173

3. Tanto a parte Essencial quanto a parte Inessencial se constituem na esfera


mesma do Ser-aí. Logo, se tem que: tomando-se o ImedEssencial como a
forma particular da essência do Ser-aí estabelecida por essa diferenciação,
ocorre que a essência do Ser-aí recai na esfera do próprio Ser-aí:

� = {ImedEssencial}) ⇒ (Ser-aí
(Ser-aí � ↝ Ser-aí)

4. Em consequência, se tem a seguinte estrutura de determinação para essas


duas noções:

Essencial = (⊕, ∅, {ImedEssencial}, {Inessencial}, {Ser-aí})

Inessencial = (⊕, ∅, {ImedInessencial}, {𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸𝐸 }, {Ser-aí})

onde se vê que o Inessencial tem polaridade positiva porque é o que resta


da imediatidade do Ser-aí, após a separação do Essencial, e o Essencial
também tem essa polaridade positiva, por ter "recaído no ser aí".

6. A IMPOSSIBILIDADE DA PROGRESSÃO A PARTIR DO PAR DE NOÇÕES


ESSENCIAL -INESSENCIAL

É interessante notar que a progressão da Lógica Objetiva estanca,


aqui, no par de noções Essencial e Inessencial, e necessita avançar por
outro meio que não a diferenciação sensível do Ser-aí. Em particular, ela
não consegue dissolver a contraposição entre ImedEssencial e
ImedInessencial, nem avançar por meio da aplicação da operação de
suprassunção, como avançou para a noção de Ser-aí a partir do 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷.
Ao contrário, a progressão da Lógica Objetiva precisa seguir outro
caminho, introduzindo operações de reflexão que sejam capazes de levar
a formas operatórias superiores à mera distinção de determinações
sensíveis. São operações como as de reflexão ponente, reflexão
174 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

pressuponente e reflexão exterior, que progridem até que a reflexão


determinante possa ser alcançada, avançando em direção à noção de
Ser-para-si.
Atribuímos tal impossibilidade ao fato de o par de noções
Essencial-Inessencial ser constituído por duas noções de polaridade
positiva (isto é, por terem ambas "a determinação do ser"), o que impede
a aplicação de qualquer uma das operações nocionais introduzidas até
aqui, na progressão da Lógica Objetiva.

CONCLUSÃO

A leitura sequencial (Costa, 2019a) da "Ciência da Lógica" de Hegel


leva naturalmente a considerar o princípio da Lógica Objetiva como
sendo constituído apenas pelo princípio da Lógica do Ser, como é
tradição. Com a leitura paralela da "Ciência da Lógica", o princípio da
Lógica Objetiva se constitui pela articulação dos princípios da Lógica do
Ser e da Lógica da Essência.
Essa leitura paralela possibilita identificar o motivo pelo qual a
determinação de essência estabelecida pela distinção de determinações
sensíveis do Ser-aí nas duas classes, Essencial e Inessencial, é
insuficiente para sustentar a progressão da Lógica Objetiva: ambas
noções têm polaridade positiva, o que impede a aplicação de qualquer das
operações de progressão de noções disponíveis nesse estágio do
desenvolvimento da lógica.

REFERÊNCIAS

COSTA, A. C. R. (2019). Para uma Leitura Operatória da Lógica de Hegel - Experimentos


Iniciais. Porto Alegre: Editora Fi, 2019.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 175

COSTA, A. C. R. (2019a). Caracterização da Dependência Mútua entre a "Doutrina do Ser" e


a "Doutrina da Essência". In: (Costa, 2019), p. 33-44.

COSTA, A. C. R. (2019b). A "Ciência da Lógica" de Hegel desde a Perspectiva da Visão


Semântica de Teorias : Um Referencial Teórico para a Comparação Formal de Variantes
do Sistema Hegeliano de Noções. In: (Costa 2019), p.15-32.

COSTA, A. C. R. (2019c). Princípios de uma Linguagem para Apresentação Formalizada da


Lógica de Hegel: O Primeiro Capítulo da "Ciência da Lógica" como Estudo de Caso. Aceito
para apresentação no III Encontro Nacional sobre a Lógica de Hegel, Porto Alegre,
PUCRS, 5-6 de Junho de 2019.

Hegel, G. W. F (2015). Science de la Logique - Livre Premier: L'Être. Trad.: B. Bourgeois.


Paris: Vrin, 2015.

Hegel, G. W. F. (2016). Ciência da Lógica - Doutrina do Ser. Petrópolis: Vozes, 2016.

Hegel, G. W. F. (2017). Ciência da Lógica - Doutrina da Essência. Petrópolis: Vozes, 2017.

Hegel, G. W. F. (2018). Ciência da Lógica - Doutrina do Conceito. Petrópolis: Vozes, 2018.

SUPPES, P. A. (1960). Comparison of the Meaning and Uses of Models in Mathematics


and the Empirical Sciences. Synthese, Amsterdam, vol. 12, n. 1-2, p. 287-301, 1960.
4
A MACROOPERAÇÃO DE PROGRESSÃO DE ETAPA E
SUA ATUAÇÃO NO INÍCIO DO PROCESSO DE
DERIVAÇÃO DE CONCEITOS, NA CIÊNCIA DA LÓGICA
DE HEGEL
Antônio Carlos da Rocha Costa 1

RESUMO

Este artigo introduz na Lógica de Hegel a distinção entre micro-


operações e macro-operações lógicas e define a macro-operação lógica de
progressão de etapa, com a qual se pode modelar formalmente a
realização das primeiras etapas do processo de derivação de conceitos,
no início da Ciência da Lógica. Inicialmente, definimos a noção de etapa
de derivação de conceito e a estrutura da macro-operação de progressão
de etapa. Para isso, revisitamos a microrrelação geral de devir e a micro-
operação de encapsulamento, introduzidas em trabalhos anteriores
como componentes da micro-operação de suprassunção, e indicamos as
funções que elas têm na estrutura da macro-operação de progressão de
etapa. Depois, examinamos o modo como a macro-operação de
progressão de etapa é aplicada às etapas iniciais do processo de derivação
de conceitos, desde o conceito de Ser em geral até o conceito Finito,
explicitando o método de desenvolvimento dos primeiros momentos das
etapas de progressão. Finalmente, analisamos a estrutura da macro-
operação de negação da negação em termos de progressões de etapa,

1
Programa de Pós-Graduação em Filosofia – PUCRS. Email: ac.rocha.costa@gmail.com
Antônio Carlos da Rocha Costa • 177

identificando com base nessa análise a Suprassunção Fundadora da


Lógica.

1. INTRODUÇÃO 2

Assim contemplou Tales a unidade de tudo o que é: e quando quis


comunicar-se, falou da água!
F. Nietzsche. A Filosofia na Época Trágica dos Gregos, § 3. In: Pré-
Socráticos. São Paulo: Editora Abril, 1996. p.18.

Como Nietzsche apontou, Tales pagou preço alto pela transposição


de sua contemplação filosófica profunda para a linguagem do
entendimento. Porém, muito do preço que pagou se deveu não
propriamente ao fato de ele ter se valido da linguagem do
entendimento, mas sim ao fato de ele ter sido o primeiro dos filósofos:
não tendo havido nenhum filósofo antes dele, não havia um vocabulário
filosófico que, ainda que mínimo, reduzisse a inadequação daquela
transposição.
Cremos que a situação de Hegel em relação à sua Lógica é, em certo
sentido, análoga à situação de Tales: como primeiro filósofo a tentar
caracterizar a totalidade da esfera da racionalidade de um modo
sistemático, exaustivo e autônomo, faltou-lhe um vocabulário técnico
prévio, com o qual aquela caracterização pudesse ser feita com
naturalidade, fidelidade e facilidade operatória. Daí a necessidade que
Hegel teve de falar da "água", isto é, de valer-se de um uso não

2
Publicado originalmente em: Bavaresco, A.; Iber, C.; Jung, J.. (Org.). Do Início à Finitude do Ser: Interfaces
Lógicas Hegelianas. 1ed. Porto Alegre: Editora Fundação Fênix, 2021, v. 1, p. 31-55.
178 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

convencional de vocábulos convencionais, razão de ser do assim


chamado hegelianês 3.

1.1 OBJETIVO

A Lógica de Hegel, enquanto se mantiver apenas no espaço da


discursividade, do hegelianês, estará afastada de qualquer condição de
operacionalidade, isto é, da possibilidade de sua utilização com um
órganon efetivo do conhecimento.
Historicamente, parece-nos que apenas Marx reivindicou ter se
apropriado da Lógica de Hegel visando utilizá-la extensivamente como
um órganon do conhecimento, mas fez isso com toda a complexidade
adicional de um conjunto de alterações na Lógica, resultantes da
redução da mesma a uma lógica centrada na materialidade e não mais
na idealidade.
O trabalho de experimentação que vimos realizando (Costa, 2019)
visa buscar, na Lógica e Matemática contemporâneas, princípios que
permitam desenvolver uma linguagem formalizada que se mostre
menos "aquática" do que a linguagem de que Hegel pode se servir para
a expressão das intuições filosóficas que contemplou ao conceber sua
Ciência da Lógica.
Mais especificamente, nesse trabalho experimental buscamos uma
linguagem formalizada para a apresentação da Lógica de Hegel que seja
capaz de torná-la operacional, isto é, passível de utilização efetiva como

3
Nesse sentido, parece ser ponderado o alerta dado por McTaggart, (McTaggart, 1910, p.10) de que o
uso de termos concretos, tirados do vocabulário usual para nomear conceitos lógicos, pode levar à
introdução ilegítima de elementos não-lógicos na Lógica, conduzindo (se não o próprio Hegel, pelo
menos seus leitores) ao equívoco de se pensar que a Lógica pode contar com sentidos concretos,
experienciais - para além das definições propriamente lógicas -, tanto para a compreensão de seus
conceitos quanto para a compreensão das transições entre eles.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 179

um órganon do conhecimento. Uma linguagem de apresentação


formalizada que não implique alterações significativas na constituição
dessa Lógica - isto é, não mais do que o exigido pela estrutura operatória
de tal linguagem formalizada -, nem implique perda da dinamicidade e
organicidade que constitui sua marca exclusiva.
Na perspectiva desse trabalho, o presente artigo introduz, na
Lógica de Hegel, a distinção entre as noções de microoperação lógica e
macrooperação lógica, e uma particular macrooperação, a progressão de
etapa, com a qual se pode estruturar precisamente o processo de
derivação de conceitos tal como ele está desenvolvido no início da
Doutrina do Ser, primeiro livro da Ciência da Lógica (Hegel, 2016).

1.2 ESTRUTURA DO ARTIGO

Este artigo está estruturado como segue. A Seção 2 apresenta


informalmente as etapas do processo de derivação de conceitos da
Ciência da Lógica que são analisadas neste artigo.
A Seção 3 introduz, na Lógica de Hegel, as noções de microoperação
e macrooperação, incluindo na noção de microoperação a noção de
microrrelação. Em particular, determina a noção geral de devir como
sendo uma microoperação.
A Seção 4 introduz a noção central do artigo, a noção de
macrooperação de progressão de etapa.
A Seção 5 faz uso da macrooperação de progressão de etapa para
apresentar formalmente as etapas iniciais do processo de derivação de
conceitos. Em particular, explicita o método pelo qual se desenvolvem os
primeiros momentos das progressões de etapa.
180 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

A Seção 6 caracteriza os dois modos com que pode ocorrer uma


progressão de etapa, o modo relativamente abstrato e o modo
relativamente concreto, caracterizando cada um deles como um
particular modo de negação de conceitos. Em particular, explicita a
sequência de macrooperações de negação de negação que caracteriza a
abstração e a concretude relativas dos conceitos no processo de derivação
de conceitos.
A Seção 7 é a Conclusão.

2. AS PRIMEIRAS ETAPAS DA DERIVAÇÃO DE CONCEITOS DA CIÊNCIA DA


LÓGICA

A Figura 1 apresenta as primeiras etapas do processo de derivação


de conceitos, analisadas no presente artigo.

Figura 1: As etapas do processo de derivação de


conceitos analisadas no artigo

São três as etapas de derivação cuja progressão é analisada e


modelada pela macrooperação de progressão de etapa:

1. Ser ⟶ Ser-aí
2. Ser-aí ⟶ Algo
3. Algo ⟶ Finito
Antônio Carlos da Rocha Costa • 181

2. MICROOPERAÇÕES E MACROOPERAÇÕES LÓGICAS

2.1 A DISTINÇÃO ENTRE MICROOPERAÇÕES E MACROOPERAÇÕES

Distinguimos na Lógica de Hegel a noção de microoperação lógica da


noção de macrooperação lógica com base no vocabulário informal
utilizados para falar delas.
As microoperações lógicas são aquelas referidas por Hegel por meio
de expressões como as seguintes, onde 𝑋𝑋 e 𝑌𝑌 representam conceitos:

• 𝑋𝑋 passa para 𝑌𝑌
• 𝑋𝑋 se reflete em 𝑌𝑌
• 𝑋𝑋 se reflete em si mesmo
• 𝑋𝑋 se relaciona consigo
• 𝑋𝑋 é um 𝑌𝑌em si, mas não nele
• 𝑋𝑋 é um 𝑌𝑌que é
• 𝑋𝑋 regressa a 𝑌𝑌
• 𝑋𝑋 retorna a 𝑌𝑌
• 𝑋𝑋 se dissolve em 𝑌𝑌
• etc.

Por outro lado, as macrooperações lógicas são aquelas que


apresentam as etapas em termos mais abstratos, isto é, abstraindo
muitas das microoperações envolvidas nela.
Historicamente, a macrooperação paradigmática é aquela
comumente conhecida pelo nome de tríade, termo que Hegel não
182 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

utilizou nem na Ciência da Lógica nem na Enciclopédia das Ciências


Filosóficas 4.
A macrooperação progressão de etapa, introduzida no presente
artigo, deve ser considerada ao mesmo nível de abstração que a
macrooperação tríade, mas oferecendo a vantagem de ter uma estrutura
mais detalhada. A Seção 6.2 traz uma análise comparativa dessas duas
macrooperações.

2.2 AS MICRORRELAÇÕES DE DEVIR: PARTICULAR E GERAL

Note-se que, por conveniência, englobamos também, sob o termo


microoperação, as microrrelações que podem se estabelecer entre os
conceitos da Lógica. Em particular, englobamos sob o termo
microoperação as microrrelações de devir, que analisamos agora.

2.2.1 A RELAÇÃO PARTICULAR DE DEVIR: DEVIR

Utilizamos Devir para designar a relação particular de devir que se


estabelece, logo no início do processo de derivação de conceitos, entre
os conceitos de Ser-puro e Nada-puro.

2.2.2 A RELAÇÃO GERAL DE DEVIR: DEVIR

Utilizamos devir para designar a relação geral de devir, que se


encontra presente em todas as etapas de derivação de conceitos que

4
Até onde pudemos constatar, o termo tríade foi introduzido por William Wallace na tradução que fez
da Lógica da Enciclopédia para o Inglês, tradução publicada em 1874. Wallace utilizou o termo triad para
traduzir a ocorrência do termo Sphäre no §85 daquela Lógica. Adicionalmente, parece que Wallace
estimulou a visão de que na filosofia de Hegel tudo ocorre em termos triádicos, ao afirmar em seu
Prolegomena, vinte anos depois: "the triadic arrangement is made radical and everywhere recurs" (Wallace,
1894).
Antônio Carlos da Rocha Costa • 183

estudamos aqui, relacionando diferentes pares de conceitos, variando


conforme a etapa.
Formalmente, denotamos a relação geral de devir entre dois
conceitos 𝑋𝑋 e 𝑌𝑌 por:

𝑋𝑋 𝑌𝑌

Como tomamos Devir como um caso particular de devir, temos:

Devir = Ser-puro Nada-puro

2.3 A MICROOPERAÇÃO DE SUPRASSUNÇÃO E O ENCAPSULAMENTO DE


CONCEITOS

A noção de suprassunção costuma receber diferentes


interpretações por parte dos comentadores e intérpretes da Lógica de
Hegel.
Frequentemente, os comentadores e intérpretes utilizam a noção
de suprassunção sem especificar o sentido que lhe dão, limitando-se a
mencionar o termo alemão correspondente (Aufhebung). Mas, em geral,
a noção de suprassunção é tomada como sendo uma operação, como em
(Abazari, 2020), que a considera um operador e, de fato, como o operador
central da lógica de Hegel.
Ocorre também de a noção de suprassunção ser considerada uma
categoria, como em Nancy (2002), assim como em Pertile (2011), que a
considera, contudo, como uma meta-categoria.
Outros, como Sabelli (1984, p.353), por exemplo, consideram que a
suprassunção é uma relação.
Hegel, ele mesmo, define a noção de suprassunção como sendo uma
operação que tem dois sentidos:
184 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Suprassumir tem na língua [alemã] o sentido duplo pelo qual significa tanto
guardar, conservar, quanto, ao mesmo tempo, cessar, pôr fim. (Hegel, 2016,
p.111)

É tradicional, porém, considerar que suprassumir tem três sentidos,


que denominamos aqui: conservar, suprimir e elevar. 5
Em nosso trabalho, optamos, por um lado, por seguir Hegel,
considerando a suprassunção como uma operação, mas, por outro lado,
optamos por nos afastar de Hegel e continuar a tradição de atribuir
aquele terceiro sentido a essa operação.
Formalmente, denotamos o resultado da suprassunção de um
conceito 𝑋𝑋 por:

[𝑋𝑋]

onde a colocação de 𝑋𝑋 entre os colchetes indica dois aspectos do


resultado da operação:

• 𝑋𝑋 é conservado pela suprassunção: ele está presente no resultado [𝑋𝑋];


• 𝑋𝑋 é suprimido pela suprassunção: ele está contido dentro dos colchetes, de
modo que não está mais operacional fora deles.

Dizemos que [𝑋𝑋] representa o encapsulamento do conceito 𝑋𝑋 pela


operação de suprassunção, no sentido de que [𝑋𝑋] capta esses dois
primeiros aspectos do resultado dessa operação: conservação e supressão.

5
Ao que pudemos constatar, essa tendência de atribuir três sentidos à noção de suprassunção, e não
dois, como Hegel mesmo estabeleceu, foi iniciada por Johann Erdmann que, em 1841, publicou
Grundriss der Logik und Metaphysik, uma glosa da Ciência da Lógica de Hegel (Erdmann, 1896). Numa nota
de pé de página, Erdmann (1896, p.30) estabelece que suprassumir tem o triplo sentido de: tollere,
conservare e elevare (assim mesmo, em Latim, sem notar que, como o próprio Hegel salientou, tollere já
contempla o significado de elevar, além do significado de suprimir).
Antônio Carlos da Rocha Costa • 185

Note-se, porém, que o terceiro aspecto do resultado da operação de


suprassunção, a elevação de 𝑋𝑋, é um aspecto que é relativo ao contexto em
que a suprassunção é realizada e que só pode ser explicitado juntamente
com a explicitação desse contexto. Com isso, o aspecto de elevação não
pode ser captado apenas pela notação de colchetes.
Neste artigo, a explicitação desse terceiro aspecto da operação de
suprassunção, a elevação, se dá no contexto da estrutura da
macrooperação de progressão de etapa, conforme apresentado na
próxima seção.

3. A MACROOPERAÇÃO DE PROGRESSÃO DE ETAPA

3.1 FUNÇÃO DA PROGRESSÃO DE ETAPA NA DERIVAÇÃO DE CONCEITOS

A macrooperação de progressão de etapa faz a derivação de


conceitos avançar desde a forma simples do conceito de uma etapa até a
forma simples do conceito da etapa seguinte, como ilustrado pela
sequência de etapas mostrada na Seção 2 (por exemplo: Ser ⟶ Ser-aí ).
Para tanto, a progressão de etapa se desenvolve em três momentos:

– no primeiro momento, o conceito da etapa, tomado em sua forma simples, é


diferenciado, estabelecendo-se duas determinações do mesmo, as
determinações tendo polaridades opostas;
– no segundo momento, identificam-se as operações geradoras dessas
determinações e explicita-se o devir dessas duas operações, indicando-se
esse devir como nova determinação do conceito da etapa;
– no terceiro momento, realiza-se a suprassunção do conceito da etapa, mas
determinado por esse devir, sendo que a elevação de tal conceito, devidamente
encapsulado, constitui a forma simples do conceito da etapa seguinte.
186 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

O esquema geral da macrooperação de progressão de etapa,


apresentada a seguir, capta formalmente o sequenciamento desses três
momentos.

3.2 ESQUEMA GERAL DA MACROOOPERAÇÃO DE PROGRESSÃO DE ETAPA

A Figura 2 mostra o esquema geral da macrooperação de progressão


de etapa.

Figura 2: Esquema geral da


macrooperação de progressão de etapa.

Na Figura 2:

– 𝑋𝑋𝑆𝑆 é a forma simples do conceito da etapa, o conceito 𝑋𝑋;


– 𝑌𝑌 e 𝑌𝑌� são determinações de 𝑋𝑋, de polaridades opostas, diferenciadas a partir
de 𝑋𝑋𝑆𝑆 ;
– 𝑌𝑌 𝑌𝑌� é o devir entre 𝑌𝑌 e 𝑌𝑌�;
– �𝑌𝑌 𝑌𝑌�� é o encapsulamento de 𝑌𝑌 𝑌𝑌�;
– o traço horizontal representa a elevação do encapsulamento �𝑌𝑌 𝑌𝑌��;
– 𝑍𝑍𝑆𝑆 é a forma simples de 𝑍𝑍, o conceito da etapa seguinte, forma simples
constituída pelo resultado da elevação do devir: 𝑍𝑍𝑆𝑆 = �𝑌𝑌 𝑌𝑌��.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 187

Note-se que cada nova etapa inicia coma forma simples do conceito
da etapa. A razão está em que cada nova etapa inicia com o resultado da
suprassunção realizada ao final da etapa anterior. Pois, a macrooperação
de suprassunção encapsula o conteúdo produzido pela etapa anterior,
antes de elevá-lo, de modo que:

– esse conteúdo não está mais operacional na nova etapa, pois esse conteúdo
está encapsulado;
– para a nova etapa, o resultado da suprassunção realizada na etapa anterior
conta como um conceito que opera como se fosse imediato, pois não foi
derivado na etapa.

Isto é, cada nova etapa inicia com um conceito que é:

– indeterminado, relativamente à etapa, pois seu conteúdo está encapsulado;


– imediato, relativamente à etapa, pois não deriva de nenhum outro conceito
na etapa.

Um conceito que é indeterminado e imediato, ainda que seja assim


apenas relativamente à etapa em que é derivado, é um conceito simples,
relativamente a essa etapa 6. Dizemos, então, que 𝑋𝑋𝑆𝑆 é imediato e
indeterminado na etapa.

6
A análise das primeiras etapas da derivação de conceitos da Ciência da Lógica, apresentada
formalmente a seguir, discute com mais detalhes e apresenta exemplos dessa noção de conceito simples
que é relativa a uma etapa de derivação.
188 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

4. AS PRIMEIRAS ETAPAS DA DERIVAÇÃO DE CONCEITOS DA CIÊNCIA DA


LÓGICA: APRESENTAÇÃO FORMALIZADA

4.1 O PROBLEMA DO PRINCÍPIO

Do ponto de vista da modelagem do processo de derivação de


conceitos em termos de macrooperações de progressão de etapas, o
problema do princípio consiste em que a primeira etapa não dispõe de um
conceito que tenha sido derivado de etapa anterior e possa ser tomado
em sua forma simples como o conceito inicial da etapa.
Claramente, este é o problema mesmo que Hegel discute, em
termos mais gerais, como o problema do início da Ciência da Lógica
(Hegel, 2016, p.69).
Então, a solução para o problema da primeira etapa da derivação
tem de ser a mesma que Hegel estabeleceu para o problema geral: tomar
como princípio o conceito simples Ser.
É comum, contudo, confundir o problema do princípio da Ciência da
Lógica com o problema do início da Ciência da Lógica, problemas que
devem ser diferenciados (Hegel, 2016, p.70):

– o problema do princípio diz respeito a uma questão de conteúdo, isto é, à


questão de qual deve ser o primeiro conceito com que deve iniciar o processo
de derivação de conceitos da Lógica: é um problema objetivo;
– o problema do início diz respeito à questão do discurso sobre aquele conteúdo,
isto é, à questão de qual deve ser o conceito que a Ciência da Lógica deve
tomar como ponto de partida para seu discurso: é um problema subjetivo.

A solução adotada por Hegel é, claramente, a de que a solução do


problema subjetivo deve ser determinada pela solução do problema
objetivo, isto é, a solução do problema de com que conceito que deve
Antônio Carlos da Rocha Costa • 189

iniciar a Ciência da Lógica deve ser a solução para o problema de que


conceito deve ser tomado como o princípio da Lógica.
A solução de Hegel para o problema do princípio da Lógica é a
resposta clássica ao problema mais geral de como elaborar uma filosofia
sem pressuposições: tomar como princípio da Lógica o conceito mais
simples possível, isto é, o conceito imediato que tenha o menor número de
determinações: Hegel optou pelo Ser.
Há, porém, uma dificuldade de leitura do que costuma ser tomado
como o começo propriamente dito do texto da Ciência da Lógica, isto é,
o capítulo intitulado Primeiro Capítulo - Ser. É que esse capítulo começa
com um par de conceitos, Ser puro e Nada puro, cada um em uma seção
específica, constituindo duas subseções (subseções A. e B.,
respectivamente) que são interdependentes e intercambiáveis, no
sentido de que qualquer uma delas pode ser lida em primeiro lugar, sem
que a relação de interdependência delas seja afetada por essa alteração
da ordem de leitura.
Isto é, o texto do Primeiro Capítulo - Ser não começa com o princípio
da Lógica, com o conceito simples Ser, mas com dois conceitos derivados
dele, os conceitos Ser puro e Nada puro.
O conceito simples Ser está considerado, por isso, antes do capítulo
Primeiro Capítulo - Ser, no texto introdutório à seção da Doutrina do Ser
em que este capítulo se insere, seção intitulada Primeira Seção -
Determinidade (qualidade).
Este texto introdutório é o seguinte (Hegel, 2016, p.83):

O ser é o imediato indeterminado; ele está livre da determinidade frente à


essência, bem como ainda de cada determinidade que ele pode adquirir no
interior de si mesmo. Este ser sem reflexão é o ser tal como ele é imediatamente
nele mesmo.
190 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Porque ele é indeterminado, ele é ser sem qualidade; mas em si, compete-lhe o
caráter da indeterminidade apenas em oposição ao determinado ou ao
qualitativo. Porém, o ser determinado como tal se opõe ao ser em geral; com
isso, contudo, sua indeterminidade mesma constitui sua qualidade. Mostrar-se-
á, portanto, que o primeiro ser [é], em si, [ser] determinado e, com isso, em
segundo lugar, que ele passa para o ser aí, é ser aí; [...]

A Figura 3 esquematiza a análise que realizamos desse texto


introdutório e mostra como os elementos resultantes dessa análise
constituem a estrutura de progressão da primeira etapa do processo de
derivação de conceitos.
Na Figura 3:

– o que Hegel denomina ser em geral é o que denominamos Ser𝑆𝑆 , na estrutura


dessa primeira progressão de etapa;
– o que Hegel denomina primeiro ser, o ser determinado em confronto com o
ser em geral, é o que denominamos Ser-puro, correspondendo à função do
conceito 𝑌𝑌 da estrutura;
– o que Hegel denomina ser aí, denominamos Ser-aí, na estrutura.

A estrutura da progressão de etapa mostrada na Figura 5 traz


também:

– o conceito Nada-puro, que não é mencionado no texto introdutório,


correspondente ao conceito 𝑌𝑌� do esquema geral estrutura;
– o devir Ser-puro Nada-puro, correspondente ao devir 𝑌𝑌 𝑌𝑌� do
esquema geral da estrutura;
– o encapsulamento �Ser-puro Nada-puro�, resultante da suprassunção
do devir Ser-puro Nada-puro e constituinte da forma simples Ser-aí𝑆𝑆 do
início da etapa seguinte.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 191

Figura 3: A constituição da primeira etapa do processo de


derivação de conceitos.

4.2 AS TRÊS ETAPAS EM SEQUÊNCIA

A Figura 4 mostra, por meio de esquemas gerais, a sequência das


três primeiras etapas de derivação de conceitos da Ciência da Lógica de
Hegel: Ser ⟶ Ser-aí, Ser-aí ⟶ Algo e Algo ⟶ Finito.
192 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Figura 4: As três primeiras etapas da derivação de conceitos da Ciência da


Lógica de Hegel.

5. A ETAPA ALGO ⟶ FINITO EM DETALHE, EXPONDO TAMBÉM O MÉTODO


DE DESENVOLVIMENTO DOS PRIMEIROS MOMENTOS DE ETAPA

Esta seção analisa em detalhe o desenvolvimento da etapa


Algo ⟶ Finito. Adicionalmente, a subseção utiliza o desenvolvimento
desta etapa como exemplo para expor o método que Hegel adotou para
desenvolver o primeiro momento de cada etapa da derivação de conceitos
que está sendo estudada.
Um esquema mais detalhado da etapa Algo ⟶ Finito é mostrado na
Figura 5. As setas pontilhadas indicam que o processo segue a rota
alternativa, indicada pelas setas contínuas que realizam um desvio
Antônio Carlos da Rocha Costa • 193

através da caixa colocada ao lado do esquema. Os passos


correspondentes a este desvio explicitam o método de desenvolvimento de
primeiros momentos de etapas, explicado a seguir.

Figura 5: Detalhamento da etapa Algo ⟶ Finito.

A seguir, listamos e comentamos cada um dos passos da etapa


Algo ⟶ Finito, indicando como o método de desenvolvimento de
primeiros momentos de etapas opera nesta etapa:

1. O ponto de partida da etapa é a forma simples do conceito Algo, indicada


por Algo𝑆𝑆 . Mas, com isso:
• conforme indicado na Seção 4.2, o fato de Algo𝑆𝑆 ser um conceito simples
significa não só que ele é imediato na etapa, mas que ele é, também, um
conceito indeterminado na etapa;
• e, sendo o conceito Algo𝑆𝑆 indeterminado na etapa, o processo de
derivação não teria como prosseguir, pois de um conceito
indeterminado, nada pode ser derivado.
2. Para superar esses impasses, o método de desenvolvimento de primeiros
momentos de etapas faz o processo de derivação de conceitos operar em dois
planos:
194 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

• o plano dos conceitos da lógica, em que a derivação dos conceitos já vinha


se desenvolvendo;
• o plano das representações do entendimento, que passa a ter o papel
essencial de fonte de representações sobre o conceito Algo,
representações que, por meio de uma crítica racional, derivam as
determinações que serão, então, atribuídas ao conceito simples Algo𝑆𝑆
no plano dos conceitos da lógica, onde ele não as tem na medida em que
é um conceito inicial de etapa.
3. As setas pontilhadas, na Figura 5, indicam o movimento do método:
• inicialmente, o processo de derivação se desloca do plano dos conceitos
da lógica para o plano das representações do entendimento, representado
pelo interior da caixa pontilhada;
• no plano das representações do entendimento, o método encontra o modo
como o entendimento representa o conceito simples Algo𝑆𝑆 , que para o
entendimento não é aparece como indeterminado, mas sim dotado de
representações;
• as representações do conceito simples Algo𝑆𝑆 no plano das representações
do entendimento são o par de conceitos Algo-Outro, estabelecido durante
a análise do conceito Algo;
• essas representações, contudo, por estarem no plano das representações
do entendimento, apresentam-se como separadas e unilaterais, sujeitas
portanto à crítica lógica;
• na Figura 5, a separação entre as representações unilaterais Algo e Outro
é indicada pelos dois traços verticais, na forma: Algo || Outro;
• a sequência de pares de representações unilaterais, desenvolvidas no
plano das representações do entendimento 7:
Algo || Outro
Ser-em-si || Ser-para-outro
Determinação || Constituição
Ser-aí || Limite
culmina no par:

7
Os detalhes desse desenvolvimento, realizado no plano das representações do entendimento, encontra-
se em (Hegel, 2016, p.121-138).
Antônio Carlos da Rocha Costa • 195

(Dever-ser ,Barreira);

que não é mais um par de representações do entendimento, mas sim um


par de conceitos inseparáveis, pertencentes legitimamente ao plano dos
conceitos da Lógica, que por isso representamos por
(Dever-ser ,Barreira) e não por Dever-ser || Barreira ;
• neste momento, então, o método pode retornar, do plano das
representações do entendimento para o plano dos conceitos da Lógica,
trazendo para este plano o par de conceitos (Dever-ser ,Barreira), que
passa a constar, então, como determinações derivadas do conceito
simples Algo𝑆𝑆 ;
• ocorre, então, o segundo momento da etapa, em que a análise lógica do
par de determinações derivadas (Dever-ser ,Barreira) mostra que existe
entre elas um devir:
Dever-ser Barreira

• o terceiro momento da etapa é o da suprassunção desse devir, originando


a forma simples do conceito da próxima etapa, o que representamos aqui
por:

Finito𝑆𝑆 = �Dever-ser Barreira�

• Dever-ser e Barreira se constituem, assim, em momentos do conceito


Finito𝑆𝑆 , mas momentos encapsulados pela operação de suprassunção do
devir que existe entre eles;
• o conceito Finito𝑆𝑆 se apresenta, assim, como o conceito inicial da
próxima etapa e, com isso, fica concluído o desenvolvimento da etapa
Algo ⟶ Finito.
196 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

6. ESPECIFICAÇÃO PRELIMINAR DO MÉTODO DE DESENVOLVIMENTO DE


PRIMEIROS MOMENTOS DE ETAPAS DE PROGRESSÃO

Uma especificação preliminar do método de desenvolvimento de


primeiros momentos de etapas de progressão pode ser dada, aqui,
conforme mostrado na Figura 6.
Note-se a função essencial que o entendimento e a intuição realizam
na derivação dos conceitos da Lógica de Hegel, ao desempenharem um
papel central no desenvolvimento dos primeiros momentos das etapas
iniciais daquela derivação.

1. O método começa com uma projeção do conceito inicial da etapa sobre o plano das
representações do entendimento.
2. Com esse conceito projetado nesse plano, o método recolhe as determinações que o
entendimento - com o apoio da intuição - atribui a tal conceito.
3. O método, então, opera criticamente sobre essas determinações, desenvolvendo
novos pares de determinações, até derivar um par de determinações que, por sua
natureza, pertençam legitimamente ao plano dos conceitos lógicos.
4. Nesse ponto, o método determina o retorno desse par de conceitos ao plano dos
conceitos lógicos, onde tal par de conceitos vai - no segundo momento da etapa -
ser examinado relativamente à existência de um devir entre eles.

Figura 6: O método dos primeiros momentos das progressões de etapa.

7. OS DOIS MODOS DE PROGRESSÃO DE ETAPA

Analisamos, agora, os dois modos com que a macrooperação de


progressão de etapa pode se realizar, e que não foi explicitado ainda
porque até agora não se tinha considerado as diversas progressões de
etapa em sua sequência de realização.
Uma macrooperação de progressão de etapa pode ser realizar:

– como progressão de etapa abstrata;


– como progressão de etapa concreta;
Antônio Carlos da Rocha Costa • 197

sendo que os conceitos de etapa abstrata e etapa concreta são


conceitos relativos, definidos a seguir, no contexto da definição da
macrooperação de negação de negação.
A Figura 7 mostra as representações formais dos esquemas gerais
das progressões de etapas abstrata e concreta.

Figura 7: Esquemas gerais das progressões de etapa abstrata


(à esquerda) e de etapa concreta (à direita).

Note-se que:

– a progressão de uma etapa abstrata leva a uma etapa concreta, donde a


representação da microoperação de suprassunção por meio de uma linha
contínua;
– a progressão de uma etapa concreta leva a uma etapa abstrata, donde a
representação da microoperação de suprassunção por meio de uma linha
tracejada.=

8. A MACROOPERAÇÃO DE NEGAÇÃO DA NEGAÇÃO

A composição sequencial de uma progressão de etapa abstrata


seguida de uma progressão de etapa concreta constitui a macrooperação
de negação de negação, em que:
198 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

– a progressão de etapa abstrata é a primeira negação, ou negação abstrata;


– a progressão de etapa concreta é a segunda negação, ou negação concreta.

A Figura 8 ilustra o esquema geral da macrooperação de negação de


negação.

Figura 8: Esquema geral da macrooperação de


negação da negação.

9. A MACROOPERAÇÃO DE NEGAÇÃO DA NEGAÇÃO NO PROCESSO DE


DERIVAÇÃO DE CONCEITOS E A DETERMINAÇÃO DA SUPRASSUNÇÃO
FUNDADORA DA LÓGICA

Um modo alternativo de representar a estrutura da


macrooperação de negação da negação é mostrado na Figura 9.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 199

Figura 9: Detalhamento da estrutura interna da macrooperação


de negação da negação.

A figura evidencia a relatividade da diferenciação entre etapas


abstratas e etapas concretas, e a consequente relatividade da
diferenciação entre negações abstratas e negações concretas:

– as etapas abstratas são constituídas a partir de conceitos que denominamos


aqui conceitos relativamente abstratos, no sentido de conceitos considerados
como definidos apenas em si e, por isso, menos determinados,
comparativamente aos conceitos mais determinados da etapa concreta
posterior;
– as etapas concretas são constituídas por conceitos que denominamos aqui
conceitos relativamente concretos, no sentido de conceitos considerados
como definidos neles e, por isso, mais determinados, comparativamente aos
conceitos da etapa abstrata anterior.

Como a primeira etapa do processo de derivação de conceitos, a


etapa da progressão do conceito Ser𝑆𝑆 , é considerada uma etapa abstrata
- devido à total imediatidade e indeterminação do conceito Ser - a
sequência de macrooperações de negações de negações formada pelo
processo de derivação de conceitos é fixa, tal como mostrado na Figura
10.
200 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Figura 10: As primeiras duas macrooperações de negação da negação.

Note-se, na Figura 10, que:

– as partes representadas por setas, círculos e quadrados tracejados


representam negações abstratas, envolvendo conceitos abstratos
(relativamente);
– as partes representadas por setas, círculos e quadrados contínuos
representam negações concretas, envolvendo conceitos concretos
(relativamente);
– Ser, Algo e Ser-para-si são tomados como conceitos definidos apenas em si;
– Ser-aí e Finito são considerados conceitos definidos neles;
– cada macrooperação de negação de negação tem como resultado:
• um devir de conceitos relativamente concretos, antes da realização da
microoperação de suprassunção que a conclui;
• um conceito relativamente abstrato, depois da realização dessa
suprassunção.
Note-se, por outro lado, que:

– o losango () colocado no início do processo indica um conceito


relativamente concreto considerado como posto previamente ao início da
Lógica;
– com isso, a microoperação de suprassunção Sprs0 pode ser considerada a
Suprassunção Fundadora da Lógica.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 201

Note-se, por fim, que a análise da microoperação de suprassunção


Sprs0 , bem como a análise do conceito indicado pelo losango, só podem
ser feitas geneticamente, isto é, perscrutando logicamente a esfera de
onde a Lógica provém.

10. A MACROOPERAÇÃO TRÍADE E A MACROOPERAÇÃO DE PROGRESSÃO


DE ETAPA

A locus em que Hegel define aquilo que, posteriormente, viria a ser


denominado tríade está situado nas paginas do capítulo A Ideia Absoluta,
último capítulo da Doutrina do Conceito (Hegel, 2018), último livro da
Ciência da Lógica, páginas 313 a 334.
Nelas, Hegel apresenta o que ele denomina método como sendo
relativo ao conceito de ideia absoluta e significando "o universal da sua
forma" (p. 314). É na exposição desse método que Hegel discorre sobre os
três momentos do processo de determinação das ideias absolutas,
momentos que ele denomina simplesmente como: o primeiro, o segundo
e o terceiro. Daí, muito possivelmente, o fundamento da noção de que o
método teria a estrutura de uma tríade.
Em geral, contudo, a palavra método costuma ser compreendida
pelos comentadores em seu sentido usual - o sentido que tem para o
entendimento -, qual seja, o sentido de um procedimento de pensamento,
aplicável a certos conteúdos de tipo determinado, aquilo de que Hegel
diz que é "mera maneira de conhecer", "uma forma meramente externa
[àquilo a que é aplicada]" (p.315).
É nesse sentido, de método enquanto procedimento exterior, que o
termo tríade é comumente utilizado e feito valer quase como um a priori
metodológico da Lógica de Hegel e, mesmo, de toda sua filosofia.
202 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Aqui, não vamos tratar do método, tal como Hegel o caracteriza,


como o universal presente na forma da ideia absoluta. Essa é uma tarefa
que implica uma análise específica, situada ao nível da Doutrina do
Conceito, enquanto que aqui estamos tratando apenas do início da
Doutrina do Ser.
Ao contrário, trataremos da tríade, considerada naquele sentido
mais convencional, de um método no sentido de uma panaceia
procedimental, aplicável a todo e qualquer problema e que Hegel -
supostamente - teria utilizado para orientar seus raciocínios.
Adotaremos, porém, uma perspectiva formal e consideraremos a
tríade como uma macrooperação, de modo a podermos compará-la com
a macrooperação de progressão de etapas, que introduzimos como meio
de estruturação do início do processo de derivação de conceitos na
Doutrina do Ser.

10.1 A MACROOPERAÇÃO TRÍADE

Para essa noção de tríade, utilizaremos, como uma representante


típica daquele sentido convencional, a definição oferecida por Findlay
no livro Hegel: A Re-examination:

Do que foi dito pode ser facilmente apreendido como Hegel chegou a conectar a
Dialética com uma tríade ou triplicidade. Um ritmo dialético envolve
essencialmente uma triplicidade de estágios, apesar de haver mais de um sentido
em que isso vai ser assim. Haverá três estágios em tal ritmo, no sentido de que
há um movimento de um estágio inicial de positividade e estabilidade,
característica do Entendimento, através de um estágio contraditório, de mal-
estar cético, característico da Dialética mesma, para um estágio de acomodação
Antônio Carlos da Rocha Costa • 203

que vai reinstalar a estabilidade e positividade em um nível mais alto, e que,


portanto, vai ser típico da Razão. (Findlay, 1958, p.68) 8

Podemos esquematizar essa definição de tríade fornecida por


Findlay conforme mostrado na Figura 11.

Figura 11: Estrutura de uma tríade, esquematizada a partir de


(Findlay, 1958, p.68).

Findlay, contudo, não indica como duas tríades se concatenam


sequencialmente, isto é, como o estágio de acomodação, resultante de
uma tríade, se relaciona como estágio inicial de uma tríade que se siga a
imediatamente a essa primeira.

10.2 A MACROOPERAÇÃO PROGRESSÃO DE ETAPA

Compare-se, agora, a estrutura de tríade apresentada acima com a


estrutura da macrooperação de progressão de etapa, examinada na Seção
5.3, especialmente em relação à Figura 6, na Seção 5.4, que mostra o
método de desenvolvimento dos primeiros momentos das progressões de
etapa.

8
Minha tradução.
204 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

A Figura 12 mostra a macrooperação de progressão de etapas re-


esquematizada, em forma simplificada, para facilitar a comparação com
a macrooperação tríade.
Nessa figura, a seta tracejada representa a sequência de
desenvolvimento que vai desde a representação atribuída ao conceito pelo
entendimento, atribuição realizada no plano das representações do
entendimento, até o par de conceitos inseparáveis, compatíveis com o
plano dos conceitos lógicos que está localizado ao nível da razão.

CONCLUSÃO

Neste artigo, introduzimos a noção de micro e macrooperações, na


Lógica de Hegel. Em particular, introduzimos a noção de macrooperação
de progressão de etapa como estrutura capaz de captar o modo de
desenvolvimento das primeiras etapas de derivação de conceitos da
Ciência da Lógica.
A introdução da macrooperação de progressão de etapas
possibilitou explicitar o método pelo qual se desenvolvem os primeiros
momentos das etapas iniciais dessa derivação. A comparação da
progressão de etapa com a macrooperação tríade mostrou aquela como
mais detalhada e precisa.
A distinção entre etapas positivas e negativas possibilitou explicitar
a estrutura da macrooperação de negação de negação, enquanto
operação de progressão da derivação de conceitos.
A estruturação da sequência de etapas negativas e positivas, desde o
início do processo de derivação de conceitos possibilitou localizar a
microoperação com a qual se origina a Lógica, microoperação que
denominamos aqui Suprassunção Fundadora da Lógica.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 205

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Agemir Bavaresco, ao Nuno Castanheira e aos colegas dos


seminários sobre a Ciência da Lógica pelos diversos comentários,
críticas e sugestões sobre este e outros artigos relativos à questão do
desenvolvimento de uma apresentação formalizada da Lógica de Hegel.

Figura 12: Re-esquematização da estrutura da


macrooperação de progressão de etapa.
206 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

REFERÊNCIAS

ABAZARI, A. Hegel's Ontology of Power: The Structure of Domination in Capitalism.


Cambridge: Cambridge University Press, 2020.

COSTA, A. C. R. Para uma Leitura Operatória da Lógica de Hegel - Experimentos Iniciais.


Porto Alegre: Editora Fi, 2019.

ERDMANN, J. E. Outlines of Logic and Metaphysics. London: Swan Sonnenschein & Co.,
1896.

FINDLAY, J. N. Hegel: A Re-examination. London: George Allen & Unwin, 1958.

HEGEL, G. W. F. Ciência da Lógica - Doutrina do Ser. Petrópolis: Vozes, 2016.

HEGEL, G. W. F. Ciência da Lógica - Doutrina do Conceito. Petrópolis: Vozes, 2018.

McTAGGART, J. A Comentary on Hegel's Logic. Cambridge: Cambridge University


Press,1910.

NANCY, J.-L. Hegel - The Restlessness of the Negative. Mineapolis: University of


Minnesota Press, 2002.

PERTILE, J. P. Aufhebung: meta-categoria da lógica hegeliana. Revista Eletrônica Estudos


Hegelianos, Ano 8, nº15 (Dezembro), p.58-66, 2011.

SABELLI, H. Mathematical Dialectics, Scientific Logic and the Psychoanalysis of


Thinking. In: Cohen, R. & Wartofsky, M. Hegel and the Sciences. Dordrecht: D. Reidel
Publishing Company, 1984. p.349-360.

WALLACE, W. Prolegomena to the Study of Hegel's Philosphy and Specially of his Logic.
Oxford: Claredon Press, 1894.
5
UM SISTEMA DE REGRAS DE DERIVAÇÃO PARA
DETERMINAÇÕES DE REFLEXÃO, COM APLICAÇÃO
AO SURGIMENTO DO CONCEITO DE COISA-EM-SI NA
ESFERA DA EXISTÊNCIA
Antônio Carlos da Rocha Costa 1

RESUMO

Este artigo desenvolve a parte básica de um sistema de regras de


derivação para a noção de determinação de reflexão que Hegel apresentou
na "Doutrina da Essência" de sua "Ciência da Lógica". Para ilustrar o uso
das regras de derivação, o sistema é aplicado ao caso do surgimento da
coisa-em-si na existência, conforme apresentado por Hegel na segunda
seção da "Doutrina da Essência".

1. INTRODUÇÃO

Este artigo se insere na linha de trabalho introduzida em (Costa


2019a), que visa desenvolver uma forma contemporânea de apresentação
da Lógica de Hegel (Hegel 2016, Hegel 2017, Hegel 2018).
Em particular, este artigo desenvolve a parte básica de um sistema
de regras de derivação para a noção de determinação de reflexão, que Hegel
introduziu na sua "Doutrina da Essência" (Hegel 2017).
Como estudo de caso, aplicamos o sistema de regras de derivação à
apresentação formalizada do aparecimento da essência na existência,

1
Programa de Pós-Graduação em Filosofia – PUCRS. Email: ac.rocha.costa@gmail.com
208 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

desenvolvido por Hegel nos dois primeiros capítulos - "A Existência" e


"O Aparecimento" - da segunda seção da "Doutrina da Essência".
O artigo está organizado como segue. Na Seção 30, apresentamos a
noção de sistema de regras de derivação utilizada.
Na Seção 31 discutimos o modo particular de leitura da Lógica
Objetiva de Hegel adotado no trabalho, constituído pelo que chamamos
de leitura paralela da "Doutrina do Ser" (Hegel 2016) e da "Doutrina da
Essência" (Hegel 2017).
A Seção 32 examina as noções da Lógica Objetiva de Hegel tomadas
como noções centrais deste trabalho, quais sejam, as noções de reflexão
determinante e de determinação de reflexão.
A Seção 33 apresenta a parte básica do sistema de regras de derivação
de determinações de reflexão que é o objeto próprio deste artigo.
A Seção 34 é um adendo, em que se estende a parte básica do
sistema de regras de derivação para possibilitar a constituição de
multiplicidades infinitas.
A Seção 35 faz uso do sistema de regras de derivação para apresentar
formalmente o surgimento da coisa-em-si na existência, conforme
apresentado por Hegel no início do segundo capítulo da segunda seção
da "Doutrina da Essência".
A Seção 36 é a Conclusão.

2. SISTEMAS DE REGRAS DE DERIVAÇÃO

A noção de sistema de regras de derivação que adotamos aqui resulta


de uma combinação de diferentes aspectos característicos dos três
sistemas de regras de derivação que são considerados clássicos na área
da Lógica e da Matemática da Ciência da Computação.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 209

2.1 CÁLCULO DE SEQUENTES

Por um lado, o cálculo de sequentes com que Gentzen (1934)


formalizou de modo sistemático a construção de deduções da lógica de
primeira ordem. Um sequente do cálculo de sequentes tem a forma geral:

Φ⊢Ψ

onde Φ é o conjunto de fórmulas lógicas operando como hipóteses da


dedução e Ψ é o conjunto de fórmulas lógicas operando como conclusões
da dedução representada pelo sequente. A principal regra de derivação
do cálculo de sequentes, chamada regra do corte, tem a forma geral:

Φ ⊢ Ψ, α α, Γ ⊢ Δ
Φ, Γ ⊢ Ψ, Δ

onde α é uma fórmula comum, operando como uma conclusão da


primeira dedução e como hipótese da segunda dedução. O resultado da
regra (Φ, Γ ⊢ Ψ, Δ) representa a composição das duas deduções,
(Φ ⊢ Ψ, α) e (α, Γ ⊢ Δ), tomadas como premissas da regra.

2.2 SISTEMAS DE TRANSIÇÕES DE ESTADO

Por outro lado, levamos em conta também a forma geral dos


chamados sistemas de transições com que Plotkin (2004) expressa a
regulamentação do funcionamento de sistemas dinâmicos discretos. As
regras de derivação de um sistema de transições de estados têm a forma
geral:

Γ
Δ
210 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

onde Γ e Δ são fórmulas que representam configurações de estado do


sistema dinâmico discreto a que a regra de derivação se refere: Γ indica
a configuração de estado em que o sistema se encontrava antes de a
transição de estado representada pela regra ser realizada e Δ indica a
configuração de estado em que o sistema vai se encontrar após a
realização daquela transição de estado.
Um processo realizado por um sistema dinâmico discreto será
representado, então, por uma série (possivelmente infinita) de
configurações, na forma:

Γ0 , Γ1 , ⋯ , Γ𝑖𝑖 , ⋯

onde Γ0 é a configuração inicial do processo e cada par de configurações


Γ𝑖𝑖 , Γ𝑖𝑖+1 , resultante de uma transição de configuração de estado, é
determinado por uma regra de transição da forma:

Γ𝑖𝑖
Γ𝑖𝑖+1

2.3 SISTEMAS DE TIPOS

Finalmente, o terceiro modelo de sistema de regras de derivação


que consideramos é o dos sistemas de tipos (Cardelli 2004) com o quais
se pode atribuir tipos a objetos manipulados por sistemas dinâmicos.
Uma atribuição de tipo a um objeto manipulado por um sistema
dinâmico tem a forma geral:

𝑎𝑎: 𝐴𝐴
Antônio Carlos da Rocha Costa • 211

onde 𝑎𝑎 é um objeto manipulado pelo sistema e 𝐴𝐴 é um tipo de objeto


atribuído ao objeto 𝑎𝑎, de modo que 𝑎𝑎: 𝐴𝐴 determina que o objeto 𝑎𝑎 tem,
no sistema dinâmico em questão, o tipo 𝐴𝐴.
Uma regra de derivação de um sistema de tipos tem tipicamente a
forma:

𝑎𝑎: 𝐴𝐴 𝑏𝑏: 𝐵𝐵
𝑜𝑜𝑜𝑜(𝑎𝑎, 𝑏𝑏): 𝑂𝑂𝑂𝑂(𝐴𝐴, 𝐵𝐵)

onde 𝑜𝑜𝑜𝑜(𝑎𝑎, 𝑏𝑏) é o objeto que resulta da realização da operação 𝑜𝑜𝑜𝑜 sobre
os objetos 𝑎𝑎 e 𝑏𝑏, e 𝑂𝑂𝑂𝑂(𝐴𝐴, 𝐵𝐵) é o tipo do objeto resultante, 𝑜𝑜𝑜𝑜(𝑎𝑎, 𝑏𝑏), com
𝑂𝑂𝑂𝑂 sendo o operação sobre tipos que corresponde à operação sobre objetos
𝑜𝑜𝑜𝑜.

3. A LÓGICA OBJETIVA DE HEGEL

A Lógica Objetiva, na formulação do próprio Hegel (2016), é


constituída pelas noções pertencentes às duas lógicas, a Lógica do Ser e
a Lógica da Essência, introduzidas por ele na "Doutrina do Ser" e na
"Doutrina da Essência".
Ao contrário da forma usual de leitura dessas duas doutrinas, que
leva à leitura sequencial das mesmas, a "Doutrina do Ser" sendo lida em
primeiro lugar e a "Doutrina da Essência" sendo lida em segundo lugar,
dotamos neste trabalho a proposta apresentada em (Costa 2019a, Costa
2019b, Costa 2019c) de leitura paralela dessas doutrinas, isto é, a proposta
de leitura da "Doutrina do Ser" e da "Doutrina da Essência" de um modo
que possibilite a coordenação das derivações das noções de cada uma
dessas doutrinas.
212 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Em outros termos, adotamos o princípio de que cada noção lógica,


em cada uma das duas lógicas, necessita estar vinculada a uma
correspondente noção lógica, na outra lógica, em cada passo de
derivação dessas lógicas.
Por outro lado, adotamos a noção geral de esfera de uma dada
noção da Lógica Objetiva (ou da Lógica do Ser ou da Lógica da Essência)
como sendo um conjunto de noções lógicas constituído por (1) essa
noção lógica dada, juntamente com (2) todas as noções lógicas que, na
progressão da lógica correspondente, derivam daquela noção lógica
dada. Assim, por exemplo, estabelecemos a esfera do 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆, a esfera do
Ser-aí, a esfera do 𝐴𝐴𝐴𝐴𝐴𝐴𝐴𝐴, etc., com a noção de Ser-aí pertencendo à esfera
do 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆, a noção de 𝐴𝐴𝐴𝐴𝐴𝐴𝐴𝐴 pertencendo à esfera do Ser-aí, etc.
Adicionalmente, adotamos como noção primitiva a noção de
referente de uma noção lógica da Lógica do Ser: intuitivamente, um
referente de uma dada noção da Lógica do Ser é um elemento que "cai
sob" essa noção lógica.

4. A REFLEXÃO DETERMINANTE E AS DETERMINAÇÕES DE REFLEXÃO

4.1 A REFLEXÃO DETERMINANTE

A noção hegeliana de reflexão de essência (Hegel 2017) passa por


uma série de estágios de progressão:

• reflexão ponente/pressuponente;
• reflexão exterior;
• reflexão determinante.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 213

Consideramos que a reflexão ponente/pressuponente constitui a


forma inicial de determinação de essências, vinculada à forma sensível
de conhecimento (Hegel 2013).
A reflexão exterior, como o próprio Hegel aponta, é a forma de
determinação de essências vinculada à filosofia kantiana.
A reflexão determinante, por outro lado, é a forma assumida por
Hegel como sendo a forma apropriada de determinação de essências.
As determinações de essências estabelecidas por meio de reflexões
determinantes são chamadas por Hegel de determinações de reflexão.

4.2 AS DETERMINAÇÕES DE REFLEXÃO

Separada do caso particular das noções de essencial e inessencial,


que não conduzem a nenhuma continuidade na derivação das
determinações de essências (ver (Costa 2019b)), a noção de determinação
de reflexão passa pelos seguintes estágios:

• identidade essencial;
• diferença absoluta;
• diversidade;
• oposição;
• contraposição;
• contradição;

até atingir os estágios de fundamento e do surgir da essência na existência,


em que a noção de determinação de essência passa a um novo patamar
de desenvolvimento.
O sistema de regras de derivação que introduzimos neste artigo visa
apresentar formalmente essa progressão da reflexão determinante e das
214 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

determinações de reflexão, ancorando cada estágio à noção da Lógica do


Ser que lhe é correspondente.

5. UM SISTEMA DE REGRAS DE DERIVAÇÃO PARA AS DETERMINAÇÕES DE


REFLEXÃO

Nesta seção, definimos a forma básica de um sistema de regras de


derivação para as determinações de reflexão. Cada regra do sistema capta
formalmente um passo de progressão da noção de reflexão determinante
e estabelece como resultado a particular determinação de reflexão que
corresponde a esse estágio da progressão.
À medida em que introduzimos as regras de derivação do sistema,
inserimos extratos da seção da "Doutrina da Essência" que nos parecem
justificar o modo particular como apresentamos formalmente cada
determinação de reflexão.
Note-se que, em aplicações, essa forma básica do sistema pode
necessitar extensões e/ou adaptações.

5.1 PRINCÍPIOS DA CONSTITUIÇÃO DO SISTEMA

Em função paralelismo que estabelecemos entre as lógicas do Ser e


da Essência, os constituintes básicos das regras do sistema são pares de
componentes, o primeiro componente correspondendo a um referente
da esfera do Ser, o segundo correspondendo a uma determinação
pertencente à esfera da Essência.
Chamamos de sequentes a associação desses pares com as
correspondentes subesferas da esfera do Ser a que pertence o referente
do par. Isto é, a esfera do Ser é utilizada como esfera estruturante do
conjunto de regras de derivação.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 215

Cada regra de derivação, correlacionando sequentes antecedentes e


um sequente consequente, estabelece a forma de cada passo de progressão
da reflexão determinante e forma da determinação de reflexão que ele
origina.
Formalmente, a definição do sistema de regras de derivação
envolve, em primeiro lugar, a definição da sintaxe dos sequentes que
podem aparecer nas regras e, depois, a definição das regras
propriamente ditas.

5.2 A SINTAXE DOS SEQUENTES

5.2.1 UNIVERSOS

Estabelecemos dois universos gerais:

• 𝐄𝐄sfera-Categorial: o universo das esferas de noções da Lógica do Ser;


• Determinação-de-Essência: o universo das esferas de essência da Lógica da
Essência;
• Determinação-de-Reflexão: o universo das determinações de reflexão, isto
é, pares da forma (referente,determinação-de-essência).

5.2.2 TERMOS BÁSICOS

• Ser-aí e Algo são esferas categoriais (isto é, elementos do universo


Esfera-Categorial);
• Identidade-Essencial é uma esfera de essência (isto é, um elemento do
universo Determinação-de-Essência).

5.2.3 VARIÁVEIS

As seguintes variáveis podem ocorrer decoradas com índices de


diversos tipos:
216 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

• 𝑠𝑠, variando sobre referentes de uma Esfera-Categorial;


• 𝑒𝑒, variando sobre determinações da esfera Identidade-Essencial;
• 𝑥𝑥, variando sobre determinações de reflexão do universo
Determinação-de-Reflexão;
• 𝐸𝐸, variando sobre o universo Esfera-Categorial, ou alguma
𝐒𝐒𝐒𝐒𝐒𝐒Esfera-Categorial.

5.2.4 POLARIDADES DOS REFERENTES

Como Hegel enfatizou no Prefácio à 2a. Edição da "Doutrina do Ser",


a categoria da polaridade passou a desempenhar, em sua época, "o papel
mais importante" na consideração das "relações de pensamento mais
altas", em função do "avanço da formação em geral e, em particular, das
ciências" (Hegel 2016, p.32).
Em consequência, a noção de polaridade é adotada como uma noção
central da Lógica Objetiva, especialmente na Lógica do Ser, atribuindo a
cada noção dessa lógica uma polaridade que pode ser positiva, negativa
ou nula.
Estabelecemos, então, que cada referente herda a polaridade da
noção sob a qual ele cai.
Assim, temos formalmente o seguinte:

• 〈𝒔𝒔〉, a polaridade do referente 𝒔𝒔;

Por exemplo, em relação às polaridades das noções primitivas da


Lógica do Ser, temos:

• 〈𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆〉 = ⊕ (polaridade positiva);


• 〈𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁〉 = ⊖ (polaridade negativa).
Antônio Carlos da Rocha Costa • 217

Já em relação à noção derivada 𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷, temos:

• 〈𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷𝐷〉 = ⊚ (polaridade neutra).

5.2.5 NEGAÇÃO

A negação de qualquer noção 𝑥𝑥 é denotada por 𝑥𝑥̅ . Em particular,


valem:

• 𝑠𝑠̅̅ = 𝑠𝑠;
• 〈𝑠𝑠〉 = ⊕ se e somente se 〈𝑠𝑠̅〉 = ⊖.

5.2.6 RELAÇÃO BÁSICA

A relação básica com que opera o sistema de regras de derivação é


a relação de determinação de reflexão, definida por:

• 𝑠𝑠∆𝑒𝑒, que atribui ao referente 𝑠𝑠 a determinação de essência 𝑒𝑒.

5.2.7 RELAÇÕES DERIVADAS

As relações derivadas com que opera o sistema de regras de


derivação são as seguintes:

• 𝑠𝑠 < 𝑠𝑠 ′ , indicando a existência de uma oposição entre as polaridades dos


referentes 𝑠𝑠 e 𝑠𝑠 ′ , com 〈𝑠𝑠〉 = ⊖ e 〈𝑠𝑠 ′ 〉 = ⊕;
• 𝑠𝑠 ⊲⊳ 𝑠𝑠 ′ , indicando a existência de uma contraposição entre as polaridades
dos referentes 𝑠𝑠 e 𝑠𝑠 ′ ;
• 𝑠𝑠 ⋈ 𝑠𝑠 , indicando que os referentes 𝑠𝑠 e 𝑠𝑠 ′ são opostos, mas

indiferentes à polaridade que cada um pode assumir;


• 𝑥𝑥 ⇚ 𝑦𝑦, indicando que a noção 𝑦𝑦 é fundamento da noção 𝑥𝑥.
218 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

5.2.8 SEQUENTES

Estabelecemos dois tipos de sequentes, no sistema de regras de


derivação:
• sequentes que determinam sob que esfera categorial cai um conjunto de
referentes têm a forma:

𝐸𝐸 ⊨ 𝑠𝑠1 , 𝑠𝑠2 , . . . , 𝑠𝑠𝑛𝑛

indicando que {𝑠𝑠1 , 𝑠𝑠2 , . . . , 𝑠𝑠𝑛𝑛 } é um conjunto de referentes que


caem sob a esfera categorial 𝐸𝐸 (com 𝑛𝑛 ≥ 1)

• sequentes que determinam em que esfera categorial valem um conjunto de


relações básicas ou derivadas têm a forma:

𝐸𝐸 ⊨ 𝑟𝑟1 , 𝑟𝑟2 , . . . , 𝑟𝑟𝑛𝑛

indicando que, na esfera categorial E, vale o conjunto de relações


{𝑟𝑟1 , 𝑟𝑟2 , . . . , 𝑟𝑟𝑛𝑛 } (com 𝑛𝑛 ≥ 1).

5.3 REGRAS DE DERIVAÇÃO

5.3.1 INTRODUÇÃO DE REFERENTES EM ESFERAS CATEGORIAIS

A regra mais básica do sistema de regras de derivação é a regra


𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼, que determina 𝑠𝑠 como sendo um referentes da esfera categorial
𝐸𝐸.

Intro
𝐸𝐸 ⊨ 𝑠𝑠

Em consequência da aplicação da regra Intro, se tem que 𝑠𝑠 é um 𝐸𝐸.


Antônio Carlos da Rocha Costa • 219

5.3.2 DETERMINAÇÃO DE IDENTIDADE ESSENCIAL

A regra de derivação IdEss determina 𝑒𝑒 como a identidade essencial


do referente 𝑠𝑠 da esfera do Ser-aí. O resultado é a relação de
determinação de reflexão 𝑠𝑠∆𝑒𝑒, válida na esfera do Ser-ai, ou seja, o
resultado é que 𝑠𝑠∆𝑒𝑒 é um Ser-ai.

Ser-aí ⊨ 𝑠𝑠
IdEss
Ser-aí ⊨ 𝑠𝑠∆𝑒𝑒

5.3.3 DIFERENÇA ABSOLUTA

A regra de derivação DifAbs determina 𝑒𝑒̅ como a diferença absoluta


do referentes 𝑠𝑠, dotado de identidade essencial 𝑒𝑒, na esfera do Ser-ai. O
resultado é uma relação de determinação de reflexão 𝑠𝑠∆(𝑒𝑒/𝑒𝑒̅ ), válida
na esfera do Ser-ai.

Ser-aí ⊨ 𝑠𝑠∆𝑒𝑒
DifAbs
Ser-aí ⊨ 𝑠𝑠∆(𝑒𝑒/𝑒𝑒̅ )

Temos, então, que 𝑠𝑠∆(𝑒𝑒/𝑒𝑒̅ ) é um Ser-aí completamente determinado


e corresponde ao que Hegel chama de Algo (Hegel 2016, p.119).
Em particular, temos que se vale 〈𝑠𝑠〉 = ⊕ então vale 𝑠𝑠∆(𝑒𝑒/𝑒𝑒̅ ) ∈
𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆, isto é, utilizando a expressão de Hegel, dizemos que 𝑠𝑠∆(𝑒𝑒/𝑒𝑒̅ ) está
na "determinação do 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆". Analogamente, se vale 〈𝑠𝑠〉 = ⊖, então vale
𝑠𝑠∆(𝑒𝑒/𝑒𝑒̅ ) ∈ �����
𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆 e dizemos que 𝑠𝑠∆(𝑒𝑒/𝑒𝑒̅ ) está na "determinação do não
𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆".
Em consequência, estabelecemos que: Algo = 𝑠𝑠∆(𝑒𝑒/𝑒𝑒̅ ), de modo
que, como conclusão da regra DifAbs temos: Ser-aí ⊨ Algo.
220 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

5.3.4 DIVERSIDADE

A regra de derivação Divers estabelece que os referentes 𝑠𝑠 e 𝑠𝑠 ′ ,


completamente determinados como Algo, na forma 𝑠𝑠∆(𝑒𝑒/𝑒𝑒̅ ) e 𝑠𝑠 ′ ∆(𝑒𝑒 ′ /
𝑒𝑒�′ ), constituem a diversidade dada por:

𝑠𝑠∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ), 𝑠𝑠 ′ ∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒2 )

A regra se aplica se valerem as igualdades que ela toma como


premissas adicionais. Em particular, deve valer que 𝑠𝑠 e 𝑠𝑠 ′ têm a mesma
identidade essencial 𝑒𝑒0 .

Ser-aí ⊨ 𝑠𝑠∆(𝑒𝑒/𝑒𝑒̅ )
Ser-aí ⊨ 𝑠𝑠 ′ ∆(𝑒𝑒 ′ /𝑒𝑒�′ )
Divers
Divers ⊨ 𝑠𝑠∆(𝑒𝑒/𝑒𝑒̅), 𝑠𝑠 ′ ∆(𝑒𝑒 ′ /𝑒𝑒�′ )

Desse modo, temos: Divers ⊨ Algo,Algo.

5.3.5 OPOSIÇÃO

A regra de derivação Opos estabelece que dois Algo, 𝑠𝑠∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) e


𝑠𝑠 ′ ∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒2 ), participantes de uma diversidade, constituem uma
oposição quando seus respectivos referentes, 𝑠𝑠 e 𝑠𝑠 ′ , têm polaridades
opostas.

𝑒𝑒 = 𝑒𝑒 ′ = 𝑒𝑒0
𝑒𝑒̅ = 𝑒𝑒1
𝑒𝑒�′ = 𝑒𝑒2
〈𝑠𝑠〉 > ⊚ > 〈𝑠𝑠 ′ 〉
Divers ⊨ 𝑠𝑠∆(𝑒𝑒/𝑒𝑒̅), 𝑠𝑠 ′ ∆(𝑒𝑒 ′ /𝑒𝑒�′ )
Opos
Divers ⊨ 𝑠𝑠∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) > 𝑠𝑠 ′ ∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒2 )
Antônio Carlos da Rocha Costa • 221

Note-se que a relação ">" tem caráter assimétrico. Por outro lado,
é claro que os referentes completamente determinados essencialmente,
𝑠𝑠∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) e 𝑠𝑠 ′ ∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒2 ), têm entre si a relação de algo e outro: Divers ⊨
Algo > Outro.

5.3.6 CONTRAPOSIÇÃO

A regra Contrapos estabelece uma contraposição como sendo um


caso particular de oposição, qual seja, aquele em que dois Algo
completamente determinados e opostos têm diferenças absolutas que
são uma a negação da outra, na forma 𝑠𝑠∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) e 𝑠𝑠 ′ ∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒�1 ). A
negação mútua das diferenças absolutas é explicitada na regra pela
premissa adicional.

〈𝑠𝑠〉 > ⊚ > 〈𝑠𝑠 ′ 〉


𝑒𝑒2 = 𝑒𝑒�1
Divers ⊨ 𝑠𝑠∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ), 𝑠𝑠 ′ ∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒2 )
Contrapos
Divers ⊨ 𝑠𝑠∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) ⊳ 𝑠𝑠 ′ ∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒�1 )

Note-se que tomamos a relação de contraposição ⊳ como sendo


uma relação assimétrica. Por outro lado, se vale 𝑠𝑠∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) ⊳ 𝑠𝑠 ′ ∆(𝑒𝑒0 /
𝑒𝑒�1 ) então temos que 𝑠𝑠∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) põe 𝑠𝑠 ′ ∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒�1 ).
Em outros termos: Divers ⊨ Algo ⊳ Outro.

5.3.7 CONTRADIÇÃO

A regra Contrad estabelece uma contradição como sendo um caso


particular de contraposição, qual seja, aquele em que dois Algo
completamente determinados e contrapostos entre si, 𝑠𝑠∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) e
𝑠𝑠 ′ ∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒�1 ), são indiferentes à polaridade, isto é, eles mantêm essa
contraposição quaisquer que sejam as polaridades que se sejam
222 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

atribuídas a eles, desde que sejam polaridades opostas. Isto é, se 〈𝑠𝑠〉 ⋈


〈𝑠𝑠 ′ 〉 então devem valer ambas as atribuições de polaridade: 〈𝑠𝑠〉 > ⊚ >
〈𝑠𝑠 ′ 〉 e 〈𝑠𝑠 ′ 〉 > ⊚ > 〈𝑠𝑠〉. A condição de indiferença de polaridade é
explicitada na regra pela primeira premissa adicional.

〈𝑠𝑠〉 ⋈ 〈𝑠𝑠 ′ 〉
𝑒𝑒2 = 𝑒𝑒�1
Divers ⊨ 𝑠𝑠∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ), 𝑠𝑠 ′ ∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒�1 )
Contrad
Divers ⊨ 𝑠𝑠∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) ⋈ 𝑠𝑠 ′ ∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒�1 )

Note-se que temos aqui: Divers ⊨ Algo ⋈ Algo′ , e não Divers ⊨


Algo ⋈ Outro, porque os Algo contraditórios são indiferentes à
polaridade.

5.3.7 FUNDAMENTO

A regra do fundamento, Fund, é introduzida a seguir em caráter


provisório, pois somente uma análise detalhada do conteúdo do capítulo
"O Fundamento" da "Doutrina da Essência", análise que não podemos
realizar aqui, permite assegurar a formulação consolidada das mesmas.
A regra Fund tem a forma provisória:

Divers ⊨ 𝑠𝑠∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) ⋈ 𝑠𝑠 ′ ∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒�1 )


Fund
Divers ⊨ (𝑠𝑠 ⋈ 𝑠𝑠 ′ ) ⇚ �(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) ⋈ (𝑒𝑒0 /𝑒𝑒�1 )�

A partir da contradição:

𝑠𝑠∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) ⋈ 𝑠𝑠 ′ ∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒�1 )

a regra 𝐹𝐹𝐹𝐹𝐹𝐹𝐹𝐹 determina (𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) ⋈ (𝑒𝑒0 /𝑒𝑒�1 ) como fundamento de 𝑠𝑠 ⋈


𝑠𝑠 ′ , o que é expresso pela relação de fundamento:
Antônio Carlos da Rocha Costa • 223

(𝑠𝑠 ⋈ 𝑠𝑠 ′ ) ⇚ �(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) ⋈ (𝑒𝑒0 /𝑒𝑒�1 )�

Note-se que a regra 𝐹𝐹𝐹𝐹𝐹𝐹𝐹𝐹 expressa formalmente a dissolução da


contradição, pela qual a noção de determinação de reflexão alcança a
condição de fundamento.
Note-se que, assim, enquanto operação de dissolução da
contradição, a regra 𝐹𝐹𝐹𝐹𝐹𝐹𝐹𝐹 realiza uma transposição de ponto de vista na
relação entre as noções 𝑠𝑠, 𝑠𝑠 ′ , (𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) e (𝑒𝑒0 /𝑒𝑒�1 ), juntamente com a
atribuição de uma orientação às novas relações evidenciadas, como
mostrado na seguinte figura:

Nos dois casos, tomamos o fundado 𝑠𝑠 ⋈ 𝑠𝑠 ′ como sendo a forma


inicial do Hegel denomina condição (Hegel 2017, p.122).
Quando conveniente, podemos escrever a relação de fundamento na
forma:

�(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) ⋈ (𝑒𝑒0 /𝑒𝑒�1 )� ⇛ (𝑠𝑠 ⋈ 𝑠𝑠 ′ )

expressando diretamente que o fundamento (𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) ⋈ (𝑒𝑒0 /𝑒𝑒�1 ) põe o


fundado 𝑠𝑠 ⋈ 𝑠𝑠 ′ .
224 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

6. ADENDO: UMA EXTENSÃO DO SISTEMA DE REGRAS DE DERIVAÇÃO PARA


POSSIBILITAR A OPERAÇÃO COM DIVERSIDADES INFINITAS

As regras da identidade essencial, diferença absoluta e diversidade,


introduzidas na forma básica do sistema de regras de derivação,
induzem uma limitação nesse sistema, qual seja, a de que somente
diversidades finitas podem ser derivadas. Isso se deve ao fato de que
aquelas regras só admitem um número finito de referentes em suas
premissas.
Para viabilizar uma forma do sistema de regras de derivação que
permita operar com diversidades infinitas, introduzimos as regras
mostradas a seguir.
Note-se que somente a noção de diversidade pode ser estendida
para contemplar uma quantidade infinita de referentes: as noções de
oposição, contraposição e contradição, ao contrário, operam
intrinsecamente apenas com pares de referentes.
Note-se, por outro lado, que nas regras introduzidas abaixo:

• a regra da escolha, Escolh, é uma regra auxiliar, necessária para que se possa
estabelecer oposições, contraposições e contradições entre pares de
referentes pertencentes a conjuntos infinitos de referentes;
• a regra da diversidade infinita, Divers∞ , combina duas funções, a de
derivação de diferenças absolutas e a derivação de diversidades.

6.1 REGRA INTRO∞

A regra de introdução de conjuntos infinitos de referentes em uma


esfera categorial 𝐸𝐸 qualquer:

𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼∞
𝐸𝐸 ⊨ 𝑆𝑆
Antônio Carlos da Rocha Costa • 225

onde 𝑆𝑆 é um conjunto qualquer (possivelmente infinito) de referentes


da esfera 𝐸𝐸.

6.2 REGRA IDESS∞

A regra da infinidade de identidades essenciais tem a forma:

Ser-aí ⊨ 𝑆𝑆
IdEss∞
Divers ⊨ {𝑠𝑠∆𝑒𝑒|𝑠𝑠 ∈ 𝑆𝑆}

onde 𝑆𝑆 é um conjunto qualquer (possivelmente infinito) de referentes


da esfera Ser-aí.

6.3 REGRA DIVERS∞

A regra da diversidade infinita tem a forma:

Divers ⊨ 𝑆𝑆∆𝐸𝐸
Divers∞
Divers ⊨ {𝑠𝑠∆(𝑒𝑒/𝑒𝑒̅)|𝑠𝑠∆e ∈ 𝑆𝑆∆𝐸𝐸}

onde 𝑆𝑆∆𝐸𝐸 é um conjunto qualquer (possivelmente infinito) de referentes


parcialmente determinados da esfera do Algo, cada um com a forma 𝑠𝑠∆𝑒𝑒.

6.4 REGRA ESCOLH∞

A regra da escolha infinita tem a forma:

𝑠𝑠∆(𝑒𝑒/𝑒𝑒̅ ) ∈ 𝑆𝑆∆(𝐸𝐸/𝐸𝐸� )
Divers ⊨ 𝑆𝑆∆(𝐸𝐸/𝐸𝐸� )
Escolh∞
Divers ⊨ 𝑠𝑠∆(𝑒𝑒/𝑒𝑒̅)
226 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

onde 𝑆𝑆∆(𝐸𝐸/𝐸𝐸� ) é um conjunto qualquer (possivelmente infinito) de


referentes completamente determinados da esfera do Algo.

7. APLICAÇÃO DO SISTEMA DE REGRAS DE DERIVAÇÃO AO SURGIMENTO DA


COISA-EM-SI NA EXISTÊNCIA

Iniciamos essa aplicação formulando a regra que introduz a esfera


categorial da existência.
Hegel define a noção de existência do seguinte modo:

"a existência é a imediatidade que surgiu do suprassumir da mediação que <põe


em relação> o fundamento e a condição, imediatidade que, no surgir,
suprassume justamente esse próprio surgir." (Hegel 2017, p.135)

Aqui, consideramos a existência como uma esfera categorial,


denotada por Exist, cujos referentes são as coisas (dinge) que constituem
o tema do desenvolvimento da noção de existência.
A regra da contraposição Contrad, introduzida na Seção 33.4, tem
como conclusão o sequente:

Divers ⊨ 𝑠𝑠∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) ⋈ 𝑠𝑠 ′ ∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒�1 )

Interpretando 𝑠𝑠 como a coisa-em-si e 𝑠𝑠 ′ como o imediato inessencial


por meio do qual 𝑠𝑠 surge na existência, formulamos a regra da
constituição inicial da esfera categorial da existência como:

Divers ⊨ 𝑠𝑠∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) ⋈ 𝑠𝑠 ′ ∆(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒�1 )


Exist
Exist ⊨ (𝑠𝑠 ⋈ 𝑠𝑠 ′ ) ⇚ �(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) ⋈ (𝑒𝑒0 /𝑒𝑒�1 )�

onde:
Antônio Carlos da Rocha Costa • 227

• (𝑠𝑠 ⋈ 𝑠𝑠 ′ ) ⇚ �(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) ⋈ (𝑒𝑒0 /𝑒𝑒�1 )� é a forma geral da relação de surgimento


da coisa-em-si na existência;
• (𝑠𝑠 ⋈ 𝑠𝑠 ′ ) é o imediato essencial;
• 𝑠𝑠 é a coisa-em-si;
• 𝑠𝑠 ′ é o imediato inessencial pelo qual a coisa em si se torna presente na esfera
Exist;
• �(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) ⋈ (𝑒𝑒0 /𝑒𝑒�1 )� é a mediação que relaciona a coisa-em-si 𝑠𝑠 com o o
imediato inessencial 𝑠𝑠 ′ .

Note-se que a regra Exist, da constituição da esfera categorial da


existência, é uma aplicação direta da regra do fundamento Fund, que
dissolve uma contradição. Note-se, porém, que nem por isso, a
coisa-em-si 𝑠𝑠 deve ser concebida como o fundamento do imediato
inessencial 𝑠𝑠 ′ :

"A coisa em si, como o ser refletido simples da existência dentro de si, não é o
fundamento do ser aí inessencial" (Hegel 2017, p.139)

É a mediação �(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) ⋈ (𝑒𝑒0 /𝑒𝑒�1 )� que exerce essa função de


fundamentação, pondo a relação de surgimento 𝑠𝑠 ⋈ 𝑠𝑠 ′ na esfera
categorial da existência.
Com isso, a regra Exist determina a orientação 𝑠𝑠 ⊳ 𝑠𝑠 ′ como sendo
apenas aquela pela qual a coisa-em-si surge na esfera categorial Exist
como imediato inessencial, este sendo, por isso, externo à coisa-em-si.
Para podermos isolar um existente, uma coisa (ding), de dentro da
esfera categorial Exist, introduzimos a regra coisa:

Exist ⊨ (𝑠𝑠 ⋈ 𝑠𝑠 ′ ) ⇚ �(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) ⋈ (𝑒𝑒0 /𝑒𝑒�1 )�


coisa
Exist ⊨ 𝑠𝑠 ′ ⇚ �𝑒𝑒0 /(𝑒𝑒1 ⋈ 𝑒𝑒�1 )�

onde:
228 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

• 𝑒𝑒0 /(𝑒𝑒1 ⋈ 𝑒𝑒�1 ) = (𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) ⋈ (𝑒𝑒0 /𝑒𝑒�1 );


• coisa = �𝑠𝑠 ′ ⇚ �𝑒𝑒0 /(𝑒𝑒1 ⋈ 𝑒𝑒�1 )��.

Note-se que qualquer coisa derivada da esfera Exist por meio sa


regra coisa tem nessa regra, necessariamente, o papel do imediato
inessencial 𝑠𝑠 ′ .
Note-se, também, que essa formulação de coisa é indiferente à
finitude ou infinitude da mesma. No caso particular da derivação de uma
coisa finita, temos:

• coisafinita = �𝑠𝑠 ′ ⇚ ����������������������


𝑒𝑒0 /(𝑒𝑒1 ⋈ 𝑒𝑒�1 )�� /�𝑒𝑒0 /(𝑒𝑒1 ⋈ 𝑒𝑒�1 )���

onde (ver (Costa 2019d)):


• �������������������
��𝑒𝑒0 /(𝑒𝑒1 ⋈ 𝑒𝑒�1 )�� /�𝑒𝑒0 /(𝑒𝑒1 ⋈ 𝑒𝑒�1 )� é o limite da coisafinita;

• 𝑒𝑒0 /(𝑒𝑒1 ⋈ 𝑒𝑒�1 ) é a barreira da coisafinita;


• �������������������
��𝑒𝑒0 /(𝑒𝑒1 ⋈ 𝑒𝑒�1 )�� é o dever-ser da coisafinita.

Quando conveniente, podemos escrever a relação de surgimento da


coisa-em-si na existência na forma:

�(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) ⋈ (𝑒𝑒0 /𝑒𝑒�1 )� ⇛ (𝑠𝑠 ⋈ 𝑠𝑠 ′ )

expressando diretamente que (𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) ⋈ (𝑒𝑒0 /𝑒𝑒�1 ) é a medição pela qual
se dá o surgimento 𝑠𝑠 ⋈ 𝑠𝑠 ′ .
Note-se, finalmente, que aplicando a regra da contraposição
Contrapos à apresentação formal da relação de surgimento da coisa-em-si
na existência, ao invés da regra da contradição Contrad, tem-se como
resultado o sequente:
Antônio Carlos da Rocha Costa • 229

Exist ⊨ (𝑠𝑠 ⊳ 𝑠𝑠 ′ ) ⇚ �(𝑒𝑒0 /𝑒𝑒1 ) ⊳ (𝑒𝑒0 /𝑒𝑒�1 )�

o qual atribui uma direção ao surgimento 𝑠𝑠 ⊳ 𝑠𝑠 ′ , direção que vai da


coisa-em-si para o imediato inessencial. Claramente, esse resultado
corresponde à noção kantiana de surgimento da coisa-em-si na
existência.

CONCLUSÃO

Este artigo introduziu um sistema de regras de derivação para a


noção de determinação de reflexão e, com base nesse sistema, apresentou
formalmente o surgimento da coisa-em-si na existência.
O artigo avançou o trabalho que estamos realizando, de
desenvolvimento de um modo formalizado de apresentação da Lógica
Objetiva de Hegel. Em particular, consolidou o modo de realizar a leitura
paralela das duas doutrinas, do Ser e da Essência.

REFERÊNCIAS

CARDELLI, L. Type Systems. In: Tucker, A. B. (ed.) CRC Handbook of Computer Science and
Engineering. CRC Press, 2004.

COSTA, A. C. R. Para uma Leitura Operatória da Lógica de Hegel - Experimentos Iniciais.


Porto Alegre: Editora Fi, 2019a.

COSTA, A. C. R. Explicitando o Início da Lógica Objetiva de Hegel. Submetido à Semana


Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da PUCRS. 2019b.

COSTA, A. C. R. Princípios de uma Linguagem para a Apresentação Formalizada da Lógica


de Hegel: O Primeiro Capítulo da "Doutrina do Ser" como Estudo de Caso. Trabalho
apresentado no III Encontro sobre a Ciência da Lógica de Hegel. Porto Alegre:
PUCRS, 2019c.
230 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

COSTA, A. C. R. Um Sistema de Regras de Derivação para a Lógica Objetiva de Hegel.


(trabalho em andamento). 2019d.

PLOTKIN, G. A Structural Approach to Operational Semantics. Journal of Logic and


Algebraic Programming, 60-61(2004):17-139.

GENTZEN, G. K. E. Untersuchungen über das logische Schließen I. Mathematische


Zeitschrift. 39(2):176–210,1934. Untersuchungen über das logische Schließen II.
Mathematische Zeitschrift. 39 (3): 405–431,1935. Tradução para o Inglês em:
(GENTZEN 1969).

GENTZEN, G. The Collected Papers of Gerhard Gentzen. Amsterdam: North-Holland, 1969.


(M. E. Szabo, ed.).

HEGEL, G. W. F. Ciência da Lógica - Doutrina do Ser. Petrópolis: Vozes, 2016.

HEGEL, G. W. F. Ciência da Lógica - Doutrina da Essência. Petrópolis: Vozes, 2017.

HEGEL, G. W. F. Ciência da Lógica - Doutrina do Conceito. Petrópolis: Vozes, 2018.

HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito. Petrópolis: Vozes, 2013.


6
A DERIVAÇÃO DA NOÇÃO DE OBJETO NA "CIÊNCIA
DA LÓGICA" DE HEGEL: UMA APRESENTAÇÃO
ESQUEMÁTICA
Antônio Carlos da Rocha Costa 1

RESUMO

Este artigo visa contribuir para o entendimento da noção geral de


Objeto, tal como ela foi definida por Hegel na seção "Objetividade" do
terceiro livro da "Ciência da Lógica". Primeiramente, alguns momentos
da derivação da noção geral de Objeto são examinados: o modo como
Hegel trata os juízos e os silogismos; as determinações da noção de
Conceito; o caráter geral do Juízo do Ser Aí; o caráter específico do Juízo
Disjuntivo; o caráter geral Silogismo do Ser Aí; o caráter específico do
Silogismo Disjuntivo; e, finalmente, a passagem do Silogismo Disjuntivo à
noção geral de Objeto. O artigo conclui determinando as consequências
do atrelamento da noção hegeliana geral de Objeto à lógica silogística e
tentando caracterizar formas alternativas de lógicas capazes de superar
as limitações impostas por esse atrelamento.

1
Programa de Pós-Graduação em Filosofia – PUCRS. Email: ac.rocha.costa@gmail.com
232 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

1. INTRODUÇÃO

Este artigo 2 visa contribuir para o entendimento da noção geral de


Objeto, tal como ela foi definida por Hegel na seção "Objetividade" do
terceiro livro da "Ciência da Lógica" (Hegel, 2018, p.188):

"O objeto é, como resultou, o silogismo, cuja mediação foi igualada e, portanto,
tornou-se identidade imediata. Ele é, por conseguinte, um universal em si e para
si."

Inicialmente, o artigo dá uma visão geral da derivação da noção


geral de Objeto. Depois, alguns momentos dessa derivação são
examinados em detalhe:

• o modo como Hegel trata os Juízos;


• o modo como Hegel trata os Silogismos;
• alguns dos passos da derivação da noção de Objeto:
o as determinações do Conceito;
o o caráter geral do Juízo do Ser Aí;
o o caráter específico do Juízo Disjuntivo;
o o caráter geral Silogismo do Ser Aí;
o o caráter específico do Silogismo Disjuntivo;
o a passagem do Silogismo Disjuntivo à noção geral de Objeto.

O artigo conclui determinando as consequências do atrelamento


da noção hegeliana geral de Objeto à lógica silogística e tentando
caracterizar formas alternativas de lógicas capazes de superar as
limitações impostas por esse atrelamento.

2
Publicado originalmente em: Revista Opinião Filosófica, V. 11, P. 1, 2020.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 233

2. O MODO ESPECÍFICO COM QUE HEGEL TRATA AS NOÇÕES DE JUÍZO E


SILOGISMO

Como evidenciado pela citação reproduzida acima, Hegel deriva a


noção geral de Objeto a partir da noção de Silogismo. Nesta seção,
consideramos brevemente o modo específico com que Hegel trata as
noções de Juízo e Silogismo, o qual possibilita que a noção geral de Objeto
seja derivada de uma forma particular deste último, o Silogismo
Disjuntivo.
O tratamento que Hegel dá às noções de juízo e silogismo difere do
modo tradicional de tratá-las: enquanto o tratamento tradicional
centra-se nas expressões verbais dessas noções (ver, por exemplo,
(Lagerlund, 2010)), o modo como Hegel as trata centra-se nas
determinações de conceito que subjazem a essas expressões.
Mais especificamente (ver a seção "Subjetividade" em (Hegel,
2018)), enquanto o tratamento clássico considera os juízos em termos
dos papéis sentenciais de sujeito e de predicado, das determinações de
quantidade (todos, alguns, nenhum) e do caráter afirmativo ou negativo de
cada juízo, Hegel considera apenas os papéis sentenciais (de sujeito e de
predicado) e as determinações de conceito (universalidade,
particularidade e singularidade) que podem ocupar cada um desses
papéis.
Similarmente, o modo como Hegel trata os silogismos centra-se
apenas nas chamadas figuras do silogismo e nas possíveis atribuições de
determinações de conceitos aos componentes dessas figuras, ao passo
que o modo tradicional de tratamento dos silogismos, estabelecido por
234 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Aristóteles mesmo (Aristóteles, 2010), centra-se nos diversos modos que


aquelas figuras podem assumir e nas expressões verbais desses modos. 3
Mais especificamente, o modo tradicional de tratar os silogismos
considera-os como estando compostos por três termos (termo menor,
termo médio e termo maior) três juízos formulados verbalmente (premissa
maior, premissa menor, conclusão), ao passo que Hegel os considera como
compostos de três termos e de três relações, que vinculam esses termos
entre si.
Em cada uma das formas que os silogismos podem assumir, seus
três termos são identificados pela determinação de conceito que subjaz a
cada um deles naquela forma (universalidade, particularidade e
singularidade, respectivamente representadas por 𝑈𝑈, 𝑃𝑃 e 𝑆𝑆). As relações
entre esses termos, por seu turno, são representadas pelo par de
determinações de conceito que cada uma relaciona: por exemplo, 𝑆𝑆-𝑈𝑈,
𝑃𝑃-𝑆𝑆, 𝑃𝑃-𝑈𝑈, etc.
Hegel utiliza o nome premissa para designar duas das relações de
determinações de conceito de um silogismo, mas as designa
simplesmente como primeira e segunda premissas (correspondendo,
respectivamente, às premissas menor e maior). Já a terceira relação de
determinações de conceito, correspondente ao juízo de conclusão no
tratamento verbal dos silogismos, Hegel a determina como silogismo
propriamente dito e, fazendo uso do sentido original do verbo silogizar 4,

3
Observamos que, do ponto de vista da gramática de linguagens formalizadas, a apresentação estrutural
que Hegel faz dos silogismos, com base nas figuras, coloca-se ao nível daquilo que, a partir de McCarthy
(1963), se convencionou chamar de sintaxe abstrata de uma linguagem formalizada, ao passo que a
apresentação estrutural dos silogismos com base nas expressões verbais de seus modos coloca-se ao
nível daquilo que se convencionou chamar de sintaxe concreta de uma linguagem formalizada. Nisso,
Hegel procede como Kant (1885[1762]), que também analisa apenas as figuras.
4
συλλεγω, que significa ligar (Pereira, 1984).
Antônio Carlos da Rocha Costa • 235

diz que essa relação silogiza as determinações de conceito que ela


relaciona.
Em consequência dessas opções conceituais, Hegel também se
diferencia do tratamento tradicional no que diz respeito à
representação simbólica das figuras do silogismo.
No tratamento tradicional do silogismo, as quatro figuras do
silogismo são indicadas simbolicamente do seguinte modo (adaptado e
(Lagerlund, 2010)):

I II III IV

𝑨𝑨-𝑩𝑩 𝐵𝐵-𝐴𝐴 𝐴𝐴-𝐵𝐵 𝐵𝐵-𝐴𝐴


𝑩𝑩-𝑪𝑪 𝐵𝐵-𝐶𝐶 𝐶𝐶-𝐵𝐵 𝐶𝐶-𝐵𝐵
𝑨𝑨-𝑪𝑪 𝐴𝐴-𝐶𝐶 𝐴𝐴-𝐶𝐶 𝐴𝐴-𝐶𝐶

Hegel, por seu turno, identifica simbolicamente as figuras do


silogismo, que ele também denomina formas gerais do silogismo, pelas
sequências de símbolos: 𝑆𝑆-𝑃𝑃-𝑈𝑈, 𝑃𝑃-𝑆𝑆-𝑈𝑈, 𝑆𝑆-𝑈𝑈-𝑃𝑃 e 𝑈𝑈-𝑈𝑈-𝑈𝑈, representando
as quatro figuras por meio da sequência de suas relações (primeira e
segunda, respectivamente).
Estruturalmente, contudo, essas quatro figuras do silogismo têm
as seguintes constituições (ver capítulo "O Silogismo" em (Hegel, 2018),
onde a figura (𝑆𝑆-𝑈𝑈-𝑃𝑃) também é denotada por (𝑃𝑃-𝑈𝑈-𝑆𝑆):

I (𝑺𝑺-𝑷𝑷-𝑼𝑼) II (𝑷𝑷-𝑺𝑺-𝑼𝑼) III (𝑷𝑷-𝑼𝑼-𝑺𝑺) IV (𝑼𝑼-𝑼𝑼-𝑼𝑼)

𝑺𝑺-𝑷𝑷 𝑆𝑆-𝑃𝑃 𝑈𝑈-𝑃𝑃 𝑈𝑈-𝑈𝑈


𝑷𝑷-𝑼𝑼 𝑆𝑆-𝑈𝑈 𝑆𝑆-𝑈𝑈 𝑈𝑈-𝑈𝑈
𝑺𝑺-𝑼𝑼 𝑃𝑃-𝑈𝑈 𝑃𝑃-𝑆𝑆 𝑈𝑈-𝑈𝑈

Note-se que:
236 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

1. A forma 𝐼𝐼 (𝑆𝑆-𝑃𝑃-𝑈𝑈) do silogismo hegeliano tem estrutura idêntica à forma 𝐼𝐼


do silogismo tradicional, com a correspondência entre os componentes
tradicionais (𝐴𝐴, 𝐵𝐵 e 𝐶𝐶) e os componentes hegelianos (𝑈𝑈, 𝑃𝑃 e 𝑆𝑆) dada por:

𝐴𝐴 ↝ 𝑆𝑆
𝐵𝐵 ↝ 𝑃𝑃
𝐶𝐶 ↝ 𝑈𝑈

2. A forma 𝐼𝐼𝐼𝐼 (𝑃𝑃-𝑆𝑆-𝑈𝑈) do silogismo hegeliano tem estrutura idêntica à forma


𝐼𝐼𝐼𝐼 do silogismo tradicional, com a correspondência entre os componentes
tradicionais (𝐴𝐴, 𝐵𝐵 e 𝐶𝐶) e os componentes hegelianos (𝑈𝑈, 𝑃𝑃 e 𝑆𝑆) dada por:

𝐴𝐴 ↝ 𝑃𝑃
𝐵𝐵 ↝ 𝑆𝑆
𝐶𝐶 ↝ 𝑈𝑈

3. A forma 𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼 (𝑆𝑆-𝑈𝑈-𝑃𝑃) do silogismo hegeliano tem estrutura idêntica à forma


𝐼𝐼𝐼𝐼 do silogismo tradicional, com a correspondência entre os componentes
tradicionais (𝐴𝐴, 𝐵𝐵 e 𝐶𝐶) e os componentes hegelianos (𝑈𝑈, 𝑃𝑃 e 𝑆𝑆) dada por:

𝐴𝐴 ↝ 𝑃𝑃
𝐵𝐵 ↝ 𝑈𝑈
𝐶𝐶 ↝ 𝑆𝑆

4. A forma 𝐼𝐼𝐼𝐼 (𝑈𝑈-𝑈𝑈-𝑈𝑈) do silogismo hegeliano (chamado silogismo


matemático, em que os três componentes são identificados com a
universalidade 𝑈𝑈) tem estrutura idêntica à forma 𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼 do silogismo
tradicional, com a correspondência entre os componentes tradicionais (𝐴𝐴,
𝐵𝐵 e 𝐶𝐶) e os componentes hegelianos (𝑈𝑈, 𝑃𝑃 e 𝑆𝑆) dada por:

𝐴𝐴 ↝ 𝑈𝑈
𝐵𝐵 ↝ 𝑈𝑈
𝐶𝐶 ↝ 𝑈𝑈

Notem-se, em particular, as seguintes inversões na ordem das


determinações de conceitos nas figuras 𝐼𝐼𝐼𝐼 e 𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼, relativamente às
Antônio Carlos da Rocha Costa • 237

estruturas dessas figuras, dadas pelas suas sequências relações 𝑃𝑃-𝑆𝑆-𝑈𝑈


e 𝑃𝑃-𝑈𝑈-𝑆𝑆:

• a inversão na primeira premissa (𝑆𝑆-𝑃𝑃) da figura 𝐼𝐼𝐼𝐼, relativamente à sua


primeira relação (𝑃𝑃-𝑆𝑆);
• a inversão na primeira (𝑈𝑈-𝑃𝑃) e na segunda premissa (𝑆𝑆-𝑈𝑈) da figura 𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼,
relativamente à sua primeira relação (𝑃𝑃-𝑈𝑈) e à sua segunda relação (𝑈𝑈-𝑆𝑆),
respectivamente.

Tais inversões são justificadas pelas características específicas dos


silogismos que instanciam essas figuras (silogismos baseados em juízos
particulares, no caso da figura 𝐼𝐼𝐼𝐼, e silogismos baseados em juízos
negativos, no caso da figura 𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼 - ver (Hegel, 2018), p. 149 e p.151,
respectivamente.

3. AS FORMAS GERAIS DO SILOGISMO

Hegel não dá um tratamento em separado às formas gerais do


silogismo, tratando-as no contexto do juízo do ser aí.
O tratamento semântico do silogismo é relativo ao modo como se
trata semanticamente os juízos, nomeadamente, o tratamento
semântico da cópula. Há duas interpretações alternativas para a cópula
(Lagerlund, 2010:

• a interpretação original dada em termos de inerência do predicado ao


sujeito, formulada por Aristóteles nos Primeiros Analíticos, que tem como
forma geral a expressão: 𝑃𝑃 pertence a 𝑆𝑆;
• a interpretação introduzida por Boécio, no século V, dada em termos de
inclusão do sujeito na extensão do predicado, que tem como forma geral a
expressão: 𝑆𝑆 incluído em 𝑃𝑃.
238 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Formalmente, representamos essas duas interpretações por:

• inerência: 𝑃𝑃 ↣ 𝑆𝑆;
• inclusão: 𝑆𝑆 ↪ 𝑃𝑃 (mas também 𝑆𝑆 → 𝑃𝑃, por simplicidade).

Hegel refere essas duas interpretações possíveis da cópula, mas


adota predominantemente a interpretação de Boécio, dada em termos
da relação de inclusão.
Com base na interpretação inclusiva cópula dos juízos, podemos
estudar as formas gerais do silogismo, de um modo esquemático, por
meio de diagramas comutativos, conforme mostrado a seguir 5.

3.1 FORMA GERAL DOS SILOGISMOS QUE TÊM A FIGURA 𝑰𝑰

Hegel simboliza a foram geral dos silogismos da figura 𝐼𝐼 por meio


da terna 𝑆𝑆-𝑃𝑃-𝑈𝑈. Como visto anteriormente, 𝑆𝑆-𝑃𝑃 denota a primeira
premissa e 𝑃𝑃-𝑈𝑈 denota a segunda premissa. Nota-se, porém, que a relação
de conclusão, 𝑆𝑆-𝑈𝑈, que silogiza o termo menor 𝑆𝑆 com o termo maior 𝑈𝑈,
não fica explicitada naquela representação. O uso de um diagrama
comutativo supre essa lacuna.
O diagrama comutativo correspondente à figura 𝐼𝐼 é o seguinte:

5
Um diagrama comutativo é um construto da Teoria das Categorias (ver, p. ex., (Pierce, 1991)) no qual
dois caminhos dirigidos (sobre as setas do diagrama), que partem de um mesmo nodo e terminam em
um mesmo nodo, representam duas composições de morfismos que resultam serem iguais enquanto
morfismos.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 239

onde a comutatividade estabelece que a relação 𝑆𝑆𝑆𝑆 é resultante da


composição das relações 𝑆𝑆𝑆𝑆 e 𝑃𝑃𝑃𝑃, fato que denotamos por:

𝑆𝑆𝑆𝑆 = 𝑃𝑃𝑃𝑃 ∘ 𝑆𝑆𝑆𝑆

Note-se que, no esquema geral dos silogismos da figura 𝐼𝐼, o termo


médio tem a particularidade como determinação de conceito, indicada
por 𝑃𝑃, e os extremos tem a singularidade 𝑆𝑆 e a universalidade 𝑈𝑈 como suas
determinações de conceito, respectivamente.

3.2 FORMA GERAL DO SILOGISMOS QUE TÊM A FIGURA 𝑰𝑰𝑰𝑰

Hegel simboliza a forma geral dos silogismos da figura 𝐼𝐼𝐼𝐼 por meio
da terna 𝑃𝑃-𝑆𝑆-𝑈𝑈. O diagrama comutativo que lhe corresponde é o
seguinte:

denotado por 𝑃𝑃𝑃𝑃 = 𝑆𝑆𝑆𝑆 ∘ 𝑃𝑃𝑃𝑃.


No esquema geral dos silogismos da figura 𝐼𝐼𝐼𝐼, o termo médio tem a
singularidade 𝑆𝑆 como determinação de conceito e os extremos tem a
particularidade 𝑃𝑃 e a universalidade 𝑈𝑈 como suas determinações de
conceito, respectivamente.
240 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

3.3 FORMA GERAL DOS SILOGISMOS QUE TÊM A FIGURA 𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰

Hegel simboliza a forma geral dos silogismos da figura 𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼 por meio
da terna 𝑆𝑆-𝑈𝑈-𝑃𝑃, mas também como 𝑃𝑃-𝑈𝑈-𝑆𝑆. O diagrama comutativo que
lhe corresponde é o seguinte:

denotado por 𝑆𝑆𝑆𝑆 = 𝑈𝑈𝑈𝑈 ∘ 𝑆𝑆𝑆𝑆.


No esquema geral dos silogismos da figura 𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼, o termo médio tem
a universalidade 𝑈𝑈 como determinação de conceito e os extremos tem a
singularidade 𝑆𝑆 e a particularidade 𝑃𝑃 como suas determinações de
conceito, respectivamente.

3.4 FORMA GERAL DOS SILOGISMOS QUE TÊM A FIGURA 𝑰𝑰𝑰𝑰

Hegel simboliza a forma geral dos silogismos da figura 𝐼𝐼𝐼𝐼 por meio
da terna 𝑈𝑈-𝑈𝑈-𝑈𝑈. O diagrama comutativo que lhe corresponde é o
seguinte:

denotado por 𝑈𝑈𝑈𝑈(𝐶𝐶) = 𝑈𝑈𝑈𝑈(2) ∘ 𝑈𝑈𝑈𝑈(1) , onde 𝑈𝑈𝑈𝑈(1) é a primeira


premissa, 𝑈𝑈𝑈𝑈(2) é a segunda premissa e 𝑈𝑈𝑈𝑈(𝐶𝐶) é a relação de conclusão.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 241

No esquema geral dos silogismos da figura 𝐼𝐼𝐼𝐼, todos os termos,


médio e extremos, têm a universalidade 𝑈𝑈 como sua determinação de
conceito.

4. A DERIVAÇÃO DA NOÇÃO GERAL DE OBJETO

4.1 DO CONCEITO AOS JUÍZOS

A noção hegeliana de Conceito se diferencia progressivamente


desde a determinação da universalidade até a determinação da
singularidade, passando pela determinação da particularidade (Hegel,
2018, capítulo "O Conceito").
Ao atingir a determinação da singularidade, o Conceito se põe
simultaneamente como universalidade, particularidade e singularidade,
cada uma dessas determinações tomadas como imediatidades,
indiferentes cada uma em relação às outras. Nessa condição, as relações
entre essas determinações se estabelece o tipo de juízo denominado
juízo do ser aí, que se constitui como juízo da percepção (Hegel, 2018, p.
164).
Os juízos denominados juízos do ser aí, por sua vez, derivam os
juízos da reflexão, que se constituem como juízos da experiência (Hegel,
2018, p. 164). Estes, por seu lado, derivam os juízos da necessidade e, estes
últimos, os juízos do conceito.

4.2 DOS JUÍZOS AOS SILOGISMOS

Os juízos do ser aí, por relacionarem as determinações de conceito


𝑈𝑈, 𝑃𝑃 e 𝑆𝑆 como imediatidades, com base em percepções, só podem
relacioná-las de modo exterior.
242 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Os silogismos que tomam tais juízos como relações - os silogismos


do ser aí - têm, em sua forma básica, a particularidade 𝑃𝑃 como termo
médio (ver figura do silogismo 𝐼𝐼), pois somente ela pode intermediar as
determinações da universalidade 𝑈𝑈 e da particularidade 𝑆𝑆.
Por outro lado, os silogismos de reflexão, em sua forma básica, por
se constituírem a partir de juízos de reflexão, tomam a singularidade 𝑆𝑆
como seu termo médio, pois ela reúne em si todas as determinações de
conceito (𝑈𝑈, 𝑃𝑃 e 𝑆𝑆), que a reflexão pode então acessar (ver figura do
silogismo 𝐼𝐼𝐼𝐼).
Já os silogismos de necessidade, em sua forma básica, por se
constituírem a partir de juízos de necessidade, tomam a universalidade
𝑈𝑈 como seu termo médio, pois somente ela pode garantir o caráter de
necessidade aos mesmos (ver figura do silogismo 𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼𝐼).
Note-se, finalmente, que os juízos de conceito, por referirem objetos,
não constituem um tipo especifico de silogismo (não há silogismos de
conceito), já que todo silogismo referente a um objeto é realizado, em
geral, com base apenas em juízos de necessidade.
Os juízos de conceito, no entanto, têm um destino determinado, qual
seja, o de serem incorporados à noção geral de Objeto, a qual deriva da
forma completa do silogismo de necessidade, o chamado silogismo
disjuntivo.

4.3 O SILOGISMO DISJUNTIVO

Os silogismos disjuntivos, por serem silogismos de necessidade, são


da figura 𝑆𝑆-𝑈𝑈-𝑃𝑃, onde o termo médio tem o caráter da universalidade.
Eles se caracterizam por terem a relação de conclusão especificada
por um juízo disjuntivo, cuja expressão formal é do tipo:
Antônio Carlos da Rocha Costa • 243

𝑈𝑈 = 𝑃𝑃1 ∨ 𝑃𝑃2 ∨ ⋯ ∨ 𝑃𝑃𝑛𝑛

onde se diz que a universalidade 𝑈𝑈 se diferencia, de modo mutuamente


exclusivo, em particularidades 𝑃𝑃1 , 𝑃𝑃2 , ⋯ , 𝑃𝑃𝑛𝑛 .
Os silogismos disjuntivos estabelecem que o extremo menor 𝑆𝑆 está
incluído em uma das particularidades 𝑃𝑃𝑖𝑖 em que se diferencia a
universalidade 𝑃𝑃1 ∨ 𝑃𝑃2 ∨ ⋯ ∨ 𝑃𝑃𝑛𝑛 .
O diagrama comutativo dos silogismos disjuntivos tem a forma:

Em sua apresentação verbal típica, os silogismos disjuntivos têm a


forma:

(1) 𝑆𝑆 é 𝑃𝑃1 ∨ 𝑃𝑃2 ∨ ⋯ ∨ 𝑃𝑃𝑛𝑛 .


(2) Mas 𝑆𝑆 não é nem 𝑃𝑃1 ∨ 𝑃𝑃2 ∨ ⋯ ∨ 𝑃𝑃𝑖𝑖−1 nem 𝑃𝑃𝑖𝑖+1 ∨ 𝑃𝑃𝑖𝑖+2 ∨ ⋯ ∨ 𝑃𝑃𝑛𝑛 .
(C) Então, 𝑆𝑆 é 𝑃𝑃𝑖𝑖 .

4.4 DO SILOGISMO DISJUNTIVO À NOÇÃO GERAL DE OBJETO

A derivação da noção geral de Objeto a partir da noção de Silogismo


Disjuntivo se faz na perspectiva da derivação da sequência das formas
dos silogismos:

• nos silogismos do ser aí, as determinações de conceito (𝑈𝑈, 𝑃𝑃 e 𝑆𝑆) são


indiferentes uma em relação às outras, cada uma delas pode aparecer como
244 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

termo médio, e o conceito que fundamenta cada silogismo está apenas


implícito nele;
• nos silogismos de reflexão, o termo médio é a unidade da singularidade 𝑆𝑆 e da
particularidade 𝑃𝑃, e o conceito que fundamenta cada silogismo se explicita
enquanto determinidades;
• mas é só nos silogismos de necessidade, e em particular em sua forma
completa - os silogismos disjuntivos -, que o termo médio se apresenta como
unidade das três determinações de conceito - já que a disjunção, que contém
todas as possíveis particularidades, contém também por isso mesmo a
singularidade - e o conceito que fundamenta cada silogismo se explicita
completamente.

Apenas que, nos silogismos disjuntivos, o termo médio que explicita


o conceito, ao unificar todas as determinações do mesmo, suprassume
justamente uma determinação essencial dos silogismos, que é a
diferenciação entre seus termos (menor, médio e maior).
Com isso, a própria forma do silogismo, que tem natureza exterior e
subjetiva, é suprassumida. Os silogismos disjuntivos se põem, assim,
como tendo natureza objetiva:

• o conceito que lhe é subjacente está explicitado;


• suas determinações estão unificadas;
• as relações entre elas estão dadas de um modo que não é mais subjetivo,
dependente de um terceiro que formule o conjunto dos três juízos que
representa verbalmente o silogismo.

Em outros termos, a interioridade de cada silogismo (o conceito que


lhe é subjacente) e sua exterioridade (a estrutura das relações
estabelecidas entre as determinações desse conceito) estão unificadas.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 245

Tal unificação faz com que o silogismo se constitua como a


identidade de seu conceito. E, com isso, faz com que esse conceito ganhe
objetividade: torne-se um objeto.

4.5 A NOÇÃO HEGELIANA GERAL DE OBJETO

É nesse sentido, de um conceito que ganhou objetividade por meio


de sua unificação com a forma silogística externa com que é
apresentado, que Hegel estabelece (Hegel, 2018, p.188):

"O objeto é, como resultou, o silogismo, cuja mediação foi igualada e, portanto,
tornou-se identidade imediata. Ele é, por conseguinte, um universal em si e para
si."

No objeto constituído pelo conceito que foi objetivado:

• o silogismo constitui a identidade desse objeto;


• essa identidade é imediata, porque não mais subjetiva;
• a mediação referida na sentença é a sequência de derivação da forma do
silogismo, a qual terminou igualando essa forma ao conceito que subjaz a ela,
constituindo assim o objeto;
• o caráter de objetividade do objeto se apresenta como universalidade em si e
para si porque o objeto é constituído pelo conceito e, por meio da forma
silogística que o identifica, contém o conceito nele.

Formalmente, caracterizamos a noção hegeliana geral de objeto do


seguinte modo. Seja:

• Ob: o objeto em questão;


• 𝑈𝑈Ob = 𝑃𝑃1 ∨ 𝑃𝑃2 ∨ ⋯ ∨ 𝑃𝑃𝑛𝑛 : o gênero a que o objeto Ob pertence, cada 𝑃𝑃𝑖𝑖 sendo
uma das espécies que esse gênero admite;
• 𝑃𝑃Ob : a particular espécie do gênero 𝑈𝑈Ob a que o objeto Ob pertence;
246 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

• 𝑆𝑆Ob : a determinidade singular de Ob.

Então, o objeto Ob é dado pela estrutura:

Ob = 〈𝑆𝑆Ob , 𝑈𝑈Ob , 𝑃𝑃Ob 〉

que representa o silogismo 𝑆𝑆-𝑈𝑈-𝑃𝑃, objetivador do conceito do qual deriva


o objeto Ob.
Por exemplo, temos o objeto Caio dado por:

𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 = 〈𝑆𝑆𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 ,Grego,Ateniense〉

ondes:

• 𝑆𝑆𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 denota a singularidade de 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶 (deixada aqui sem especificação);


• Grego = Ateniense ∨ Espartano ∨ ⋯ .

5. O ATRELAMENTO DA NOÇÃO HEGELIANA GERAL DE OBJETO ÀS


LIMITAÇÕES DA LÓGICA SILOGÍSTICA

Há uma diferença operatória fundamental entre a chamada lógica


filosófica e a chamada lógica matemática, desenvolvida a partir da
segunda metade do século XIX.
Burris & Legris (2016) caracterizam essa diferença determinando a
lógica filosófica, de caráter silogístico, como estando baseada em um
catálogo de modos de raciocínio - o catálogo das figuras e modos dos
silogismos -, ao passo que os raciocínios da lógica matemática se baseiam
em um método efetivo (um cálculo), operando a partir de um sistema de
postulados por meio de um conjunto de regras de dedução.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 247

Em particular, apontam que foi com o trabalho de George Boole


(1847), que iniciou esse processo (usualmente dito de matematização -
mas, no fundo, de infinitização) dos modos de raciocínio.
A importância dessa diferença está em que o catálogo consegue
especificar apenas um conjunto finito de leis lógicas, ao passo que o
cálculo abre a possibilidade de constituição de um conjunto infinito de
tais leis.
Ora, claramente, a Lógica Subjetiva de Hegel, na qual as noções de
Objeto e Objetividade são estabelecidas, opera com base no catálogo de
figuras do silogismo. Isso implica que, se não o conjunto dos objetos
possíveis, pelo menos o conjunto dos tipos de objetos possíveis, seja finito
- já que os objetos derivam das figuras do silogismo.
Mais especificamente, como os objetos se objetivam com base
numa única forma de silogismo, o silogismo disjuntivo, a consequência
é que há somente um tipo genérico de objeto - dado por uma única forma
lógica, cuja estrutura é 〈𝑆𝑆-𝑈𝑈-𝑃𝑃〉.
Além disso, com o modo específico com que é feito esse
atrelamento, a objetividade, enquanto totalidade dos objetos, adquire um
caráter limitado, no que respeita ao modo de especificação lógica dos seus
objetos: qualquer objeto é especificado por um único silogismo.
Assim, parece que somente pela adoção de um método dedutivo
que possibilitasse uma variedade infinita de leis lógicas - ao estilo do
cálculo da chamada lógica matermática -, seria possível estabelecer uma
noção de objetividade que contivesse uma variedade (possivelmente
infinita) de estruturas lógicas objetais.
248 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

CONCLUSÃO

Este artigo apresentou esquematicamente o processo de derivação


da noção hegeliana geral de Objeto, a partir da noção de Conceito. Alguns
dos passos dessa derivação foram simplificadamente apresentados de
modo formal.
O atrelamento da noção hegeliana geral de Objeto ao método da
Lógica Silogística parece apontar para uma limitação lógica da noção
hegeliana de Objetividade: ela parece ter um caráter homogêneos, no
sentido de que apenas um tipo de especificação lógica objetal pode surgir
daquele processo de derivação.
Qual a consequência que pode trazer para as filosofias reais de
Hegel - a Filosofia da Natureza e a Filosofia do Espírito - esse caráter de
homogeneidade lógica da Objetividade, é uma questão que talvez mereça
ser investigada.
Qual a natureza de um método dedutivo efetivo, capaz de substituir
o método catalográfico das figuras do silogismo, em um processo
alternativo de derivação de uma noção estruturalmente variada de
Objetividade - e qual a própria noção de Conceito que pode servir de ponto
de partida para tal método - é outra questão que talvez também mereça
investigação.

REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Analíticos Anteriores. In: ARISTÓTELES. Órganon. São Paulo: Edipro,


2010.

BOOLE, G. The Mathematical Analysis of Logic - Being an Essay Towards a Calculus of


Deductive Reasoning. Cambridge: MacMillan, Barclay and MacMillan, 1847.
(Reimpresso por: Philosophical Library, New York, 1948).
Antônio Carlos da Rocha Costa • 249

BURRIS, S. & LEGRIS, J. The Algebra of Logic Tradition. Stanford Encyclopedia of


Philosophy, 2016. Disponível em https://plato.stanford.edu/entries/algebra-logic-
tradition.

HEGEL, G. W. F. Ciência da Lógica - Doutrina do Conceito. Petrópolis: Vozes, 2018.

KANT, I. Essay on the Mistaken Subtility of the Four Syllogistic Figures [1762]. In: KANT,
I. Kant's Introduction to Logic, and his Essay on the Mistaken Subtility of the Four
Figures. London: Longmans, Green & Co., 1885. p.79-95.

LAGERLUND, H. Medieval Theories of the Syllogism. Stanford Encyclopedia of Philosophy,


2010. Disponível em https://plato.stanford.edu/entries/medieval-syllogism.

McCARTHY, J. Towards a mathematical science of computation. IFIP Congress 1962.


North-Holland, 1963.

PEREIRA, I. Dicionário Grego-Português e Português-Grego. Porto: Livraria Apostolado da


Imprensa, 1984.

PIERCE, B. C. Basic Category Theory for Computer Scientists. Cambridge: MIT Press, 1991.
7
DERIVAÇÃO DO SILOGISMO SUJEITO-GÊNERO-
ESPÍRITO QUE ESTÁ IMPLÍCITO NA NOÇÃO DE VIDA
DA CIÊNCIA DA LÓGICA DE HEGEL
Antônio Carlos da Rocha Costa 1

RESUMO

Este artigo deriva, numa perspectiva de lógica categorial, o


silogismo sujeito-gênero-espírito que se encontra implícito no resultado
lógico do capítulo A Vida e da introdução ao capítulo A Ideia do Conhecer,
integrantes da Doutrina do Conceito, terceiro volume da Ciência da Lógica
de Hegel. O artigo introduz a noção de silogismo de ideias e mostra o
silogismo sujeito-gênero-espírito como um silogismo desse tipo.

1. INTRODUÇÃO

Este artigo 2 deriva, numa perspectiva de lógica categorial, o


silogismo espírito-gênero-indivíduo que se encontra apenas implícito no
resultado lógico do capítulo A Vida e da introdução ao capítulo A Ideia
do Conhecer, integrantes da Doutrina do Conceito, terceiro volume da
Ciência da Lógica de Hegel (2018).
O artigo procede da seguinte maneira:

• A seção 2 define algumas noções centrais ao texto hegeliano em exame, de


modo a fundamentar a leitura que fazemos do mesmo.

1
Programa de Pós-Graduação em Filosofia – PUCRS. Email: ac.rocha.costa@gmail.com
2
Publicado originalmente em: Ágora Filosófica (UNICAP), v. 20, p. 25-82, 2020.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 251

• A seção 3 caracteriza a base semântica sobre a qual se constitui o silogismo


hegeliano, contrastando-a com a base sintática sobre a qual se constitui o
silogismo convencional, de origem medieval.
• A seção 4 introduz a noção de silogismo de ideias, que orienta a explicitação
do silogismo sujeito-gênero-espírito, na seção seguinte.
• A seção 5 é a seção central do artigo, explicitando o silogismo sujeito-gênero-
espírito.
• A seção 6 é a Conclusão.

Observações:

• no silogismo sujeito-gênero-espírito, a ideia de espírito é a ideia concreta, do


espírito enquanto tal, não a do espírito enquanto ideia lógica (ver seção 5.6);
• sobre a abordagem operatória e a perspectiva de lógica categorial à lógica
de Hegel, adotadas no presente artigo, ver (Costa, 2019);
• sobre a semântica intensional da silogística de Aristóteles e uma indicação
preliminar de sua relação com a semântica dos silogismos hegelianos, ver
(Costa, 2020);
• sobre a lógica categorial ver, p.ex., (Bell, 2005) ou (Marquis, 2009).

2. NOÇÕES PRELIMINARES

Nesta seção, explicitamos nosso entendimento de algumas noções


hegelianas, para fundamentar o modo como lemos os capítulos da
Doutrina do Conceito que estão aqui em questão.

2.1 CONCEITO, IDEIA E OBJETO DE CONCEITO

Um conceito 𝐶𝐶 é uma estrutura 𝐶𝐶 = (𝑈𝑈, 𝑃𝑃, 𝑆𝑆; 𝑈𝑈 → 𝑃𝑃, 𝑃𝑃 → 𝑆𝑆, 𝑈𝑈 →


𝑆𝑆) definida recursivamente por:
• 𝑈𝑈, 𝑃𝑃 e 𝑆𝑆 são conceitos, respectivamente denominados momento universal,
momento particular e momento singular de 𝐶𝐶;
252 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

• 𝑈𝑈 → 𝑃𝑃, 𝑃𝑃 → 𝑆𝑆 e 𝑈𝑈 → 𝑆𝑆 são relações de determinação;

onde:

• um conceito qualquer 𝑋𝑋 é visto semanticamente como sendo composto de


um conjunto de determinidades, que denotamos por: 𝑋𝑋 ∧ ;
• o momento universal 𝑈𝑈 é visto semanticamente como sendo composto por
uma determinidade simples, o que indicamos considerando 𝑈𝑈 ∧ um conjunto
unitário.
• o momento particular 𝑃𝑃 é visto semanticamente como um conjunto de
determinidades da forma:
𝑃𝑃 ∧ = {𝑈𝑈} ∪ {𝐷𝐷𝑖𝑖 |𝐷𝐷𝑖𝑖 é um esquema de determinidade}

onde um esquema de determinidade é uma determinidade formal, do tipo


𝐷𝐷𝑖𝑖 [𝑋𝑋, 𝑌𝑌, . . . ], onde 𝑋𝑋, 𝑌𝑌, . . . representam componentes esquemáticos que
são deixados em
aberto, isto é, para serem definidos posteriormente;
• o momento singular 𝑆𝑆 é visto semanticamente como um conjunto de
determinidades da forma:
𝑆𝑆 ∧ = {𝑈𝑈, 𝑃𝑃} ∪ {𝑑𝑑𝑖𝑖 |𝑑𝑑𝑖𝑖 = é um esquema de determinidade 𝐷𝐷𝑖𝑖 preeenchido}

onde um esquema de determinidade preenchido 𝑑𝑑𝑖𝑖 é um esquema de


determinidade formal
𝐷𝐷𝑖𝑖 = 𝐷𝐷𝑖𝑖 [𝑋𝑋, 𝑌𝑌, . . . ] no qual as determinidades formais 𝑋𝑋, 𝑌𝑌, . . . estão
respectivamente
substituídas por determinidades concretas 𝑥𝑥, 𝑦𝑦, . . . de modo que 𝑑𝑑𝑖𝑖 =
𝐷𝐷𝑖𝑖 [𝑥𝑥, 𝑦𝑦, . . . ];
• uma relação determinação 𝑋𝑋 → 𝑌𝑌 é vista semanticamente como uma relação
de inclusão de conjuntos de determinidades, na forma: 𝑋𝑋 ∧ ⊆ 𝑌𝑌 ∧ .

Observe-se que as relações:

• 𝑈𝑈 ∈ P ∧ ;
• P ∈ S∧ ;
Antônio Carlos da Rocha Costa • 253

• U ∈ S∧ ;

que decorrem dessa definição, podem ser denominadas requisitos de


coerência conceitual, pois são exigidas de qualquer conceito
coerentemente definido.
Observe-se, também, que a semântica das relações de determinação
justifica o entendimento de que a expressão hegeliana 𝑋𝑋 determina 𝑌𝑌
seja o modo pelo qual Hegel verbaliza a relação semântica intensional
que Aristóteles verbaliza como 𝑋𝑋 está presente em 𝑌𝑌 - ver (Costa, 2020).

A figura abaixo ilustra a estrutura geral da noção de conceito:

Uma ideia é uma estrutura 𝐼𝐼 = (𝐶𝐶, 𝑂𝑂,teor,prát) onde:

• 𝐶𝐶 é um conceito;
• 𝑂𝑂 é o objeto de conceito do conceito 𝐶𝐶;
• teor e prát são duas relações entre 𝐶𝐶 e 𝑂𝑂.

As relações teor e prát são dadas por:

• teór ⊆ O∧ × C ∧ e prát ⊆ O∧ × C ∧ , respectivamente denominadas relação


teórica e relação prática;
• e são definidas por recursão mútua de modo tal que, pela relação teórica teor,
o conceito 𝐶𝐶 se determina a partir do objeto 𝑂𝑂 e, pela relação prática prát, o
objeto 𝑂𝑂 é determinado pelo conceito 𝐶𝐶.
254 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Uma ideia absoluta é uma ideia cujo objeto do conceito é um objeto


ideal (ver a seguir).
A figura abaixo ilustra a estrutura geral da noção de ideia:

Um objeto de conceito em uma ideia é uma noção relativa: numa


ideia, o objeto do conceito é qualquer ser-aí (inclusive um conceito) que
caia sob aquele conceito. Isto é, dado o conceito 𝐶𝐶 de uma ideia 𝐼𝐼 e um
ser-aí 𝑂𝑂, o ser-aí 𝑂𝑂 é objeto do conceito 𝐶𝐶 em 𝐼𝐼 se e somente se 𝑂𝑂∧ ⊆ 𝐶𝐶 ∧
(onde a noção de determinidade foi estendida para se aplicar a qualquer
ser-aí).

2.2 EXTERIORIDADE, REALIDADE, EFETIVIDADE E OBJETIVIDADE

Analisamos, agora, as noções de exterioridade, realidade, efetividade


e objetividade. A noção básica, nessa sequência de noções, é a de
exterioridade. Ela se define em relação à esfera do pensamento: Hegel
denomina exterior todo ser-aí que se põe fora da esfera do pensamento.
A noção de realidade tem um duplo sentido. Por vezes, realidade
tem um sentido absoluto, significando o mesmo que objetividade e
efetividade. Por vezes, porém, realidade tem um sentido relativo,
Antônio Carlos da Rocha Costa • 255

significando a realidade de um conceito, isto é, o conjunto de objetos desse


conceito.
Por vezes, a realidade de um conceito é denominada a verdade desse
conceito.
A noção de efetividade significa a parte da exterioridade que é
acessível ao pensamento por meio da sensibilidade.
Já a noção de objetividade, tem um duplo sentido. Por vezes,
objetividade significa a parte da efetividade que foi constituída como um
conjunto de objetos por meio de conceitos. Nesse sentido, a objetividade é
denominada objetividade exterior. Por vezes, objetividade significa o
conjunto dos conceitos singulares, plenamente determinados. Nesse
sentido, a objetividade é denominada objetividade ideal, ou idealidade
objetiva.
Observe-se, então, a diferença entre os dois tipos de ideias: as ideias
puras e as ideias externas:

• na ideia pura, "a determinidade ou realidade [relativa] do próprio conceito


está elevada ao conceito" (Hegel, 2018, p.333).
 Isto é, a realidade do conceito da ideia pura se dá na objetividade ideal.
• já a ideia externa é a ideia pura "que deixa sair livremente a si mesma" em
direção à natureza e cuja primeira determinidade exterior tem por forma "a
exterioridade do espaço e do tempo".
 Isto é, a realidade do conceito da ideia externa se dá na objetividade
exterior.

A figura seguinte ilustra as relações entre essas noções:


256 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Observe-se, ainda, que nos dois tipos de ideia, ideia pura e ideia
externa, o conceito da ideia se coloca como o momento ativo da ideia,
portanto como sujeito da ideia e, por isso, pode ser determinado como
conceito subjetivo. Já na ideia pura, o objeto do conceito, que se constitui
na objetividade ideal, é ele próprio um conceito, mas que se apresenta
como o momento passivo da ideia, portanto como objeto da ideia e, por
isso, pode ser determinado como conceito objetivo.
Observe-se, finalmente, que a ideia absoluta é um tipo particular de
ideia pura.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 257

3. O SILOGISMOS CONVENCIONAL E HEGELIANO

3.1 O SILOGISMO CONVENCIONAL

A forma do silogismo que temos como convencional é aquela


herdada da lógica medieval, realizada com base em uma leitura sintática
dos Analíticos Anteriores de Aristóteles (2010):

• Um silogismo convencional é uma estrutura discursiva composta por três


asserções, cada asserção conformada como um juízo, resultando na forma
sintática geral dada por:
𝐵𝐵 é 𝐴𝐴
𝐶𝐶 é 𝐵𝐵
𝐶𝐶 é 𝐴𝐴

Nessa forma:

• 𝐴𝐴: é o termo maior;


• 𝐵𝐵: é o termo médio;
• 𝐶𝐶: é o termo menor;
• 𝐵𝐵 é 𝐴𝐴: é a premissa maior;
• 𝐶𝐶 é 𝐵𝐵: é a premissa menor;
• 𝐶𝐶 é 𝐴𝐴: é a conclusão.

Tradicionalmente, também, a validade desse silogismo convencional


é justificada semanticamente, de um modo extensional, o qual pode ser
visualizado por meio do seguinte diagrama de conjuntos:
258 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Nesse tipo de justificação extensional, de caráter conjuntista,


juízos da forma geral 𝑋𝑋 é 𝑌𝑌 são semanticamente interpretados como
relações de inclusão: 𝑋𝑋 ⊆ 𝑌𝑌.
Uma variante formal importante, introduzida por Boécio (YYYY), é
aquela que admite, como termo menor, um termo singular. Nessa
variante, o silogismo tem a forma geral:

𝐵𝐵 é 𝐴𝐴
𝑐𝑐 é 𝐵𝐵
𝑐𝑐 é 𝐴𝐴

onde:

• 𝑐𝑐: é um termo singular.

É sob essa forma variante que surge o mais tradicional exemplo de


silogismo:

Homem é Mortal.
Sócrates é Homem.
Sócrates é Mortal.

onde:

• 𝐴𝐴 = Mortal;
• 𝐵𝐵 = Homem;
• 𝑐𝑐 = Sócrates;

cuja justificação extensional é dada pelo diagrama:


Antônio Carlos da Rocha Costa • 259

no qual que o elemento singular 𝑐𝑐 é representado por um ponto e os


juízos singulares, da forma geral 𝑥𝑥 é 𝑌𝑌, são semanticamente
interpretados como relações de pertinência: 𝑥𝑥 ∈ 𝑌𝑌.

3.2 O SILOGISMO HEGELIANO

Ao contrário da tradição de origem medieval, em que silogismos


procedem de uma leitura sintática dos Analíticos Anteriores, os
silogismos hegelianos procedem de uma leitura semântica daquela obra.
Isso significa que os silogismos hegelianos não são estruturas
sintáticas, compostas por três asserções, cada uma constituída por um
juízo, mas sim são estruturas semânticas, compostas por conceitos.
Mais precisamente:

• Um silogismo hegeliano é uma estrutura composta por:


 três conceitos, que denotamos por 𝐴𝐴, 𝐵𝐵 e 𝐶𝐶;
 três relações de determinação, que denotamos por 𝐴𝐴 → 𝐵𝐵, 𝐵𝐵 → 𝐶𝐶 e 𝐴𝐴 →
𝐶𝐶.

Graficamente, representamos a estrutura semântica dos


silogismos hegelianos por diagramas comutativos da forma:
260 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Nessa estrutura:

• 𝐴𝐴: é o conceito que denominamos momento maior do silogismo;


• 𝐵𝐵: é o conceito que denominamos momento médio do silogismo;
• 𝐶𝐶: é o conceito que denominamos momento menor do silogismo;
• 𝐴𝐴 → 𝐵𝐵: é a relação de determinação denominada primeira premissa;
• 𝐵𝐵 → 𝐶𝐶: é a relação de determinação denominada segunda premissa;
• 𝐴𝐴 → 𝐶𝐶: é a relação de determinação denominada conclusão (marcada pela
seta tracejada);
• a conclusão é dada pela composição da primeira e da segunda premissas;
• o momento médio 𝐵𝐵 realiza a mediação entre os momentos maior 𝐴𝐴 e menor
𝐶𝐶.

Isto é, os silogismos hegelianos são justificados, semanticamente,


de modo intensional:

• o momento maior 𝐴𝐴 é considerado como sendo composto por uma


determinidade simples, isto é, 𝐴𝐴∧ é um conjunto unitário;
• o momento médio 𝐵𝐵 é considerado como sendo composto por um conjunto
de determinidades da forma:
𝐵𝐵∧ = {𝐴𝐴} ∪ {𝐷𝐷𝑖𝑖 |𝐷𝐷𝑖𝑖 é um esquema de determinidade}
onde um esquema de determinidade é uma determinidade formal, do tipo
𝐷𝐷𝑖𝑖 [𝑋𝑋, 𝑌𝑌, . . . ], onde 𝑋𝑋, 𝑌𝑌, . . . representam componentes esquemáticos que
são deixados em
aberto, isto é, para serem definidos posteriormente;
• o momento menor 𝐶𝐶 é considerado como sendo composto por um conjunto
de determinidades da forma:
Antônio Carlos da Rocha Costa • 261

𝐶𝐶 ∧ = {𝐴𝐴, 𝐵𝐵} ∪ {𝑑𝑑𝑖𝑖 |𝑑𝑑𝑖𝑖 = é um esquema de determinidade 𝐷𝐷𝑖𝑖 preeenchido}


onde um esquema de determinidade preenchido 𝑑𝑑𝑖𝑖 é um esquema de
determinidade formal
𝐷𝐷𝑖𝑖 = 𝐷𝐷𝑖𝑖 [𝑋𝑋, 𝑌𝑌, . . . ] no qual as determinidades formais 𝑋𝑋, 𝑌𝑌, . . . estão
respectivamente
substituídas por determinidades concretas 𝑥𝑥, 𝑦𝑦, . . . de modo que 𝑑𝑑𝑖𝑖 =
𝐷𝐷𝑖𝑖 [𝑥𝑥, 𝑦𝑦, . . . ];

Observe-se que as relações:

• 𝐴𝐴 ∈ B ∧ ;
• B ∈ C∧ ;
• A ∈ C∧ ;

que decorrem dessa definição, podem ser denominadas requisitos de


coerência silogística, pois são exigidas de qualquer silogismo
coerentemente formado.
Por conveniência, ao invés de seguirmos a notação estabelecida na
Ciência da Lógica, em que os silogismos hegelianos são denotados por
meio da sequência linear de seus momentos, orientados do maior ao
menor, na forma 𝐴𝐴-𝐵𝐵-𝐶𝐶, aqui adotamos a notação 𝐴𝐴/𝐵𝐵/𝐶𝐶.
Observe-se, então, que todas as variações posicionais são possíveis
no silogismo 𝐴𝐴/𝐵𝐵/𝐶𝐶, com os momentos 𝐴𝐴, 𝐵𝐵 e 𝐶𝐶 podendo ocupar todas
as posições: 𝐴𝐴/𝐶𝐶/𝐵𝐵, 𝐵𝐵/𝐶𝐶/𝐴𝐴, 𝐵𝐵/𝐴𝐴/𝐶𝐶, 𝐶𝐶/𝐵𝐵/𝐴𝐴 e 𝐶𝐶/𝐴𝐴/𝐵𝐵.
Em (Hegel, 2018, p. 135-152), Hegel apresenta uma demonstração
cujo resultado efetivo é o de que, se um silogismo 𝐴𝐴/𝐵𝐵/𝐶𝐶 é
silogisticamente coerente, todas suas variações posicionais também são
coerentes. Essa demonstração segue o método que Aristóteles chama de
demonstração circular e repetitiva (Aristóteles, 2010, p.212-217).
262 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Adicionalmente, observe-se que, do ponto de vista exclusivamente


formal, o silogismo hegeliano corresponde ao silogismo tradicional em
sua variante com termo singular, de modo que ele pode ser interpretado
extensionalmente, mas de modo restritivo, como no diagrama já
mostrado acima:

Finalmente, observe-se que na exposição de sua noção de


silogismo, em (Hegel, 2018, p. 135-152), Hegel denomina conceito
universal (𝑈𝑈), conceito particular (𝑃𝑃) e conceito singular (𝑆𝑆), o que aqui
denominamos, respectivamente, momento maior (𝐴𝐴), momento médio (𝐵𝐵)
e momento menor (𝐶𝐶).
A diferença de terminologia que estamos introduzindo aqui
estabelece a desvinculação entre o momento maior (𝐴𝐴) da estrutura geral
de um silogismo e o momento universal (𝑈𝑈) da estrutura de geral de um
conceito, possibilitando que os momentos do silogismo hegeliano não
fiquem restritos a ser apenas conceitos, podendo ser também ideias (ver
a seção 4). Em particular, essa terminologia possibilita que o momento
maior (𝐴𝐴) não tenha de ser necessariamente um conceito simples, como
deve ser o momento universal (𝑈𝑈).

4. SILOGISMO DE IDEIAS

Dada uma ideia 𝐼𝐼, constituída por um conceito 𝐶𝐶 e um objeto 𝑂𝑂,


denotamos a estrutura interna de 𝐼𝐼 por:
Antônio Carlos da Rocha Costa • 263

𝐼𝐼 = 𝐶𝐶 ⊳⊲ 𝑂𝑂

onde os símbolos ⊳ e ⊲ representam as relações teór e prát,


respectivamente.
Em relação a qualquer ideia 𝐼𝐼 = 𝐶𝐶 ⊳⊲ 𝑂𝑂, Hegel diz que o objeto 𝑂𝑂
é o preenchimento do conceito 𝐶𝐶 na ideia 𝐼𝐼.
Definimos silogismo de ideias da seguinte maneira:

• Um silogismo de ideias é uma estrutura composta por:


 três ideias, que denotamos por 𝐼𝐼1 , 𝐼𝐼2 e 𝐼𝐼3 ;
 três relações de determinação, que denotamos por 𝐼𝐼1 → 𝐼𝐼2 , 𝐼𝐼2 → 𝐼𝐼3 e
𝐼𝐼1 → 𝐼𝐼3 .

Denotamos as estruturas internas das ideias de um silogismo de


ideias, respectivamente, por:

𝐼𝐼1 = 𝐶𝐶1 ⊳⊲ 𝑂𝑂1


𝐼𝐼2 = 𝐶𝐶2 ⊳⊲ 𝑂𝑂2
𝐼𝐼3 = 𝐶𝐶3 ⊳⊲ 𝑂𝑂3

Categorialmente, representamos um silogismo de ideias por meio


de três diagramas comutativos, como mostrado a seguir:

• o diagrama à esquerda mostra a estrutura do silogismo considerando as


ideias enquanto tais;
264 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

• o diagrama central mostra a estrutura do silogismo de ideias considerando a


estruturação interna das ideias que o compõem;
• o diagrama à direita mostra a estrutura do silogismo considerando-o como
uma ideia constituída por dois silogismos hegelianos, isto é, uma estrutura
em que um silogismo hegeliano de conceitos se contrapõe, componente a
componente, a um silogismo hegeliano de objetos (que se constitui
considerando os objetos naquilo em que são conceitos, isto é,
independentemente de suas determinações contingentes).

5. A EXPLICITAÇÃO DO SILOGISMO SUJEITO/GÊNERO/ESPÍRITO

O esclarecimento apresentado na seção anterior, sobre a natureza


intensional do silogismo hegeliano, introduz o fundamento lógico com
que deve ser compreendida a derivação do silogismo sujeito-gênero-
espírito (𝑆𝑆/𝐺𝐺/𝐸𝐸) que passamos expor na presente seção.
A derivação procede em cinco etapas:

• a ideia de vida, que é base para a derivação da ideia de indivíduo;


• a derivação da ideia de indivíduo, que é base para a derivação da ideia de
gênero;
• a derivação da ideia de gênero, que é base para derivação da ideia de espírito
enquanto tal, não a ideia de espírito enquanto ideia lógica (ver seção 5.6);
• a derivação da ideia de espírito
• a derivação do silogismo 𝐸𝐸-𝐺𝐺-𝐼𝐼, propriamente dito.

5.1 O PONTO DE PARTIDA: A IDEIA DE VIDA

Hegel expõe a ideia de vida em (Hegel, 2018, p.245-248). Ele inicia


comentando que a ideia de vida "concerne um objeto tão concreto", "tão
real", que pareceria ultrapassar o âmbito da lógica, isto é, que pareceria
ser um objeto exterior.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 265

Hegel objeta, porém, que como a verdade absoluta (isto é, a ideia


absoluta) é o objeto da lógica e a verdade está no conhecer, "pelo menos o
conhecer teria de ser tratado na lógica". O conhecer, no entanto, tem por
pressuposição a figura particular da ideia imediata, a qual é a ideia de
vida (p.245).
Em outros termos, a sequência de pressuposições que justificam a
necessidade de a lógica tratar a ideia de vida como uma ideia pura (isto
é, como uma ideia que tem por objeto um objeto ideal, mesmo que a vida
pareça ser um objeto exterior) é a seguinte:

• A lógica tem por objeto a ideia absoluta.


• A ideia absoluta se dá no conhecer.
• O conhecer pressupõe a ideia de vida.

Por isso, os três capítulos que compõe a última seção da Doutrina


do Conceito, a seção A Ideia, intitulam-se respectivamente de: A Vida, A
Ideia do Conhecer e A Ideia Absoluta.
Hegel pondera, porém, que "a visão lógica da vida se diferencia da
visão científica sobre a mesma", que a "vida lógica, enquanto ideia pura,
tem de ser diferenciada da vida natural, que é considerada na filosofia
da natureza, e da vida enquanto está em conexão com o espírito" (p. 246):

• Chamamos então de vida exterior a unidade negativa da vida natural e da vida


considerada em relação ao espírito. A vida exterior "é a vida na medida em que
está lançada para fora, na exterioridade do subsistir", na qual os momentos
da ideia "são uma multiplicidade de configurações efetivas", no caso da vida
natural, e são "fins e atividades do espírito" (p. 247), no caso da vida em
relação ao espírito. Isto é, na vida exterior, os objetos do conceito são objetos
exteriores.
266 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

• Por outro lado, a vida lógica (ou, a vida na ideia), tem como pressuposição o
conceito tomado tanto como conceito subjetivo quanto como conceito
objetivo, de modo que seus momentos "permanecem encerrados na forma
do conceito" e os objetos do conceito são objetos ideais.

As duas ideias de vida, vida exterior e vida lógica, progridem em


direções opostas:

• A vida exterior, quando se estabeleceu em relação com o espírito, "se


interiorizou e se suprassumiu na subjetividade" a partir da "exterioridade
do subsistir" na natureza. Isto é, a vida exterior progride na direção:
Vida-exterior: Exterioridade ⊳ Interioridade
• Já na vida lógica, o "ser simples" que está dentro dela progride até alcançar
"sua exterioridade". Isto é, a vida lógica progride na direção:
Vida-lógica: Interioridade ⊳ Exterioridade

Podemos dizer, então, que o resultado final dessa dupla progressão


é a ideia de vida, a ideia de vida universal (p. 249), constituída pela unidade
negativa cuja estrutura é dada por:

Vida-universal = Vida-lógica ⊳⊲ Vida-exterior

que suprassume tanto o momento da ideia de vida pertencente à esfera


do pensamento quanto aquele pertencente à esfera da exterioridade, e
nesta última tanto o momento pertencente à natureza quanto o
momento pertencente ao espírito.
Essa articulação múltipla constitui "um mistério incompreensível"
para o "pensar que se atêm às determinações das relações de reflexão e
do conceito formal", porque a reflexão "não apreende o conceito como
a substância da vida" (p.247-248)
Antônio Carlos da Rocha Costa • 267

É dessa ideia de vida, da ideia de vida universal, que deriva a ideia de


indivíduo,
Observe-se que, embora Hegel explicite que as relações entre vida
natural e vida em relação ao espírito (as relações constituintes da vida
exterior) "não interessam à vida lógica" (Hegel, 2018, p. 247), a articulação
de tais relações com a vida lógica interessa à derivação da ideia de
indivíduo e o detalhamento dessa articulação será feito na próxima
subseção.
Porém, várias considerações sobre a vida universal, que ele faz nas
páginas 247 e 248, antes dessa exposição, são relevantes para a mesma,
assim como para a derivação da ideia de gênero.
Os aspectos contingentes da vida exterior não contam para a ideia de
vida porque a "multiplicidade de configurações efetivas" e de "fins e
atividades do espírito" tem um "subsistir indiferente" que "não passa de
determinidade simples" da vida universal (p. 247).
Inversamente, a vida universal é tanto a substância objetiva da vida
exterior quanto a substância subjetiva dela e, neste sentido, o "impulso"
que a singulariza: "Ela é assim, essencialmente algo singular, que se
relaciona à objetividade como a um outro, a uma natureza não viva."
Assim, o "juízo originário da vida (isto é, a relação entre a vida
universal posta na condição de um conceito singular, isto é, como vida
singularizada, e a vida externa singularizada, na condição de objeto dessa
vida singularizada) consiste no fato de que a vida se separa como um
sujeito individual frente ao objetivo" e no fato de que esse juízo originário
da vida, ao se constituir como "unidade negativa do conceito", constitui
"a pressuposição de uma objetividade imediata" (p. 248).
Isto é, a vida universal, ao constituir o juízo pelo qual a vida
singularizada determina a singularidade da vida externa singularizada,
268 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

"tem de ser considerada, em primeiro lugar, como indivíduo vivo", o qual


deve ser tomado como uma "singularidade subjetiva", que é "indiferente
à objetividade" na qual se realiza exteriormente (p.249).

5.2 PERSPECTIVA GERAL DA SEQUÊNCIA DE DERIVAÇÕES

O esquema geral da derivação da ideia de indivíduo e da derivação


da ideia de gênero, que Hegel apresenta de modo sumário no final da
página 248, é o seguinte:

• Primeiramente, a vida universal se singulariza, por meio do processo da


individualidade viva (p. 251) ou processo subjetivo (p. 254), que denominamos
processo interno inicial, constituindo a vida lógica como uma singularidade
subjetiva, e a vida exterior como uma objetividade exterior indiferente:
Processo-interno-inicial :Vida-universal ⟶ Vida-singularizada
Vida-singularizada = Singularidade-subjetiva ⊳
⊲ Objetividade-exterior-indiferente
• Em segundo lugar, pelo chamado processo objetivo (p. 257), que
denominamos processo interno final, a ideia de indivíduo vivo "suprassume
sua pressuposição", isto é, põe a objetividade exterior como a vida exterior
singularizada em que a totalidade subjetiva se realiza exteriormente, e "põe
como negativa" essa vida exterior singularizada. Isto é, a ideia de indivíduo
vivo se põe como a unidade negativa da singularidade subjetiva e de sua vida
exterior singularizada, contraposta a uma objetividade exterior determinada:
Processo-interno-final : Vida-singularizada ⟶ Indivíduo-vivo
Indivíduo-vivo =
[Singularidade-subjetiva ⊳⊲ Vida-exterior-singularizada] ⊳
⊲ Objetividade-exterior

Mais adiante (p. 251), Hegel denominará organismo (que denominamos aqui
organismo singular) essa vida exterior singularizada, de modo que:
Indivíduo-vivo =
[Singularidade-subjetiva ⊳⊲ Organismo-singular] ⊳⊲ Objetividade-exterior
Antônio Carlos da Rocha Costa • 269

• A seguir, o indivíduo vivo, por meio do processo vital, suprassume a


singularidade de sua subjetividade e "faz de si o universal que é a unidade
[negativa] de si mesmo e de seu outro", na forma da subjetividade genérica
contraposta ainda ao organismo singular, derivando a ideia de indivíduo
genérico:
Processo-vital : Indivíduo-vivo ⟶ Sujeito
Sujeito = Subjetividade-individualizada ⊳⊲ Mundo
• Depois, o sujeito no mundo, por meio do processo do gênero, e do processo de
identificação que ele implica, suprassume a multiplicidade de organismos
singulares na forma de um organismo genérico, constituindo a ideia do gênero
como uma multiplicidade de subjetividades individualizadas
simultaneamente presentes em um mesmo mundo:
Processo-do-gênero : Indivíduo-genérico ⟶ Gênero
Gênero = Multiplicidade-de-subjetividades-individualizadas ⊳⊲ Mundo
• Finalmente, o processo do espírito constitui a ideia do espírito, pondo a
multiplicidade de subjetividades individualizadas como uma "totalidade
subjetiva" (p. 248) presente em um mundo:
Processo-do-espírito : Gênero ⟶ Espírito
Espírito = Totalidade-subjetiva ⊳⊲ Mundo

Como etapa seguinte, nessa sequência de derivações, a ideia de


espírito deriva a noção do conhecer, mas esta etapa está fora do escopo
do presente artigo.
270 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

A sequência das derivações que examinaremos aqui está


esquematizada na seguinte figura:
No que segue, apresentamos essa sequência de derivações, seguida
da derivação do silogismo espírito-gênero-indivíduo.
Nota:
Convém observar que Hegel não é sistemático no uso específico das
ideias de ser vivo, indivíduo vivo e sujeito, e de suas ideias correlativas, de
objetividade externa indiferente, objetividade externa e mundo:
frequentemente usa qualquer uma as primeiras para fazer as vezes do
que aqui denominamos indivíduo vivo, num sentido estrito, e usa
objetividade externa, ou mesmo simplesmente objetividade, para referir o
que aqui denominamos mundo, num sentido estrito.
Além disso, após ter introduzido as ideias de sujeito e mundo, deixa-
as de lado e retoma o termo indivíduo, nem sempre acompanhado do
qualificativo "vivo", para referir sujeito, assim como retoma o termo
Antônio Carlos da Rocha Costa • 271

objetividade externa, ou mesmo objetividade simplesmente, nem sempre


acompanhados do qualificativo "indiferente", para referir mundo.
No que segue, manteremos sistematicamente as distinções
introduzidas acima, entre os termos indivíduo vivo e sujeito, utilizando o
primeiro sempre que Hegel fizer uso do termo "ser vivo", assim como
as distinções entre os termos objetividade externa indiferente e mundo,
utilizando o primeiro sempre que Hegel fizer uso do termo
"objetividade externa" ou do termo simples "objetividade".

5.3 A DERIVAÇÃO DA IDEIA DE INDIVÍDUO VIVO

Hegel expõe a derivação da ideia de indivíduo vivo na seção


intitulada A. O Indivíduo Vivo (Hegel, 2018, p.249-257). O movimento
apresentado nessa seção é, em termos gerais, aquele das duas primeiras
etapas da sequência geral de derivações, a do processo interno inicial e a
do processo interno final.
A composição desses dois processos constitui o processo vital (p.
254):

• o processo interno inicial põe a vida lógica como singularidade subjetiva;


• o processo interno final põe a objetividade exterior indiferente como adequada
a essa singularidade subjetiva, isto é, a põe como um organismo.

A seção está dividida em três itens.

5.3.1 ITEM 1

No Item 1, Hegel apresenta, como um silogismo de ideias, o


panorama geral da derivação da ideia de indivíduo. As três relações
constituintes desse silogismo do indivíduo vivo são:
272 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

• a primeira premissa corresponde à etapa do processo interno subjetivo


(detalhada neste mesmo item 1): a ideia universal da vida (em que a vida lógica
se contrapõe à vida exterior) determina a vida individualizada, isto é,
determina a vida lógica como singularidade subjetiva e a vida exterior como
objetividade exterior indiferente;
• a segunda premissa corresponde ao processo interno objetivo (detalhado
posteriormente, no item 2): a objetividade exterior indiferente é determinada
como organismo e a oposição entre singularidade subjetiva e organismo se
determina como a ideia de indivíduo vivo;
• a conclusão (também detalhada posteriormente, no item 3) estabelece,
finalmente, que a ideia universal da vida determina a ideia de indivíduo vivo.

Ilustramos a estrutura do silogismo do indivíduo vivo através do


seguinte diagrama comutativo:

Resumimos, na forma da seguinte sequência de passos, o texto em


que Hegel apresenta a derivação do silogismo do indivíduo vivo:
Antônio Carlos da Rocha Costa • 273

1. "Em sua imediatidade, a ideia da vida [a vida universal] é somente a alma


universal criadora." (p. 249);
2. "a vida como alma" é "o princípio que inicia e que move a si mesmo" (p. 250);
3. sua primeira determinação é "sua autodeterminação como conceito" [isto
é, como um impulso de autodiferenciação] (p. 249);
4. "Através desse autodeterminar-se, a vida universal é um particular [a vida
individualizada]" (p.249);
5. "ela [a vida universal] se cindiu, com isso, nos dois extremos do juízo, que
imediatamente se torna silogismo [isto é, a vida universal se diferenciou
como conclusão de um silogismo, em que o a vida individualizada se põe
como momento médio] (p. 249);
6. a vida individualizada "é a unidade do conceito [a singularidade subjetiva]
com a realidade [a objetividade exterior indiferente]" (p. 249);
7. a objetividade exterior indiferente se põe, então, como uma "realidade
submetida ao fim [isto é, à singularidade subjetiva]", "o meio imediato" (p.
250);
8. essa realidade submetida ao fim é uma "objetividade autossubsistente" (p.
250), "um ser que, decerto, é diverso do sujeito [isto é, do singularidade
subjetiva]";
9. "Essa objetividade do ser vivo [isto é, do indivíduo vivo] é o organismo" (p.
251).

Nesse Item 1, porém, Hegel enfatiza a primeira etapa desse


silogismo, qual seja, a etapa do processo interno inicial, em que a vida
lógica se põe como singularidade subjetiva.
Adicionalmente, Hegel comenta o aspecto teleológico interno da
estrutura do indivíduo vivo:

• O organismo "é o meio e a ferramenta do fim [isto é, do indivíduo vivo], é


perfeitamente conforme a fins [isto é, aos fins da singularidade subjetiva], já
que o conceito [o indivíduo vivo] constitui sua substância" (p. 251);
• "esse meio e essa ferramenta [o organismo] são eles mesmos, o fim
executado [isto é, o indivíduo vivo realizado externamente] em que o fim
274 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

subjetivo [a singularidade subjetiva] está, portanto, silogizado


imediatamente consigo mesmo [no organismo]" (p. 251);

e analisa o organismo enquanto exterioridade de um indivíduo vivo:

• "Segundo sua exterioridade, o organismo é um múltiplo, não de partes, mas


sim de membros que, enquanto tais (...) subsistem apenas na
individualidade [como momentos do organismo de um indivíduo, quer dizer,
de um indivíduo que está vivo]" (p. 251).

Finalmente, Hegel caracteriza o que, no Item 2, chamará de


processo vital exterior:

• "O organismo, a exterioridade do indivíduo vivo, "se contrapõe à unidade


negativa da individualidade viva" [isto é, à sua singularidade subjetiva] (p.
251);
• "por conseguinte, essa [a singularidade subjetiva] é impulso de pôr o
momento abstrato da determinidade do conceito [a vida universal] como
diferença real [isto é, como particularidade dentro da universalidade da
objetividade exterior indiferente] (p. 251).

e apresenta a função que o processo vital dos indivíduos vivos realiza para
a possibilidade de constituição de um gênero:

• "Na medida em que essa diferença é imediata [isto é, na medida em que essa
particularização está realizada na objetividade exterior], ela é o impulso de
cada momento singular, específico [isto é, de cada indivíduo vivo] de se
produzir [isto é, de se realizar objetivamente como indivíduo vivo] e,
igualmente, de elevar sua particularidade [a de ser momento da vida
universal] à universalidade [isto é, o gênero], de suprassumir os outros
momentos externos a ele [isto é, os outros indivíduos vivos], de se produzir
à custa deles [isto é, de se realizar objetivamente à custa dos outros
indivíduos vivos], mas, do mesmo modo, de suprassumir-se a si mesmo [isto
Antônio Carlos da Rocha Costa • 275

é, de fazer-se como um outro indivíduo vivo para os outros indivíduos vivos] e


fazer de si o meio para os outros [isto é, de possibilitar que os outros se
produzam à custa dele]" (p. 251).

Isto é:

• o processo vital é o impulso, em cada indivíduo vivo, de se produzir à custa


dos outros indivíduos vivos;
• o processo vital é também o impulso, em cada indivíduo vivo, de possibilitar
que os outros indivíduos vivos se produzam à custa dele;

o que indica que o conjunto dos processos vitais dos indivíduos vivos
constitui a estrutura de interdependência sobre a qual um conjunto de
indivíduos vivos pode se pôr como um gênero.
Nos Itens 2 e 3, Hegel analisa mais detalhes do aspecto teleológico
do processo vital do indivíduo vivo, relacionando-o uma vez mais ao
processo do gênero.

5.3.2 ITEM 2

No Item 2, Hegel:

• retoma a noção de primeira premissa do silogismo teleológico externo, em


que o fim se relaciona imediatamente com a objetividade exterior, fazendo
dela meio para o fim;
• estabelece o processo vital como tendo o caráter dessa primeira premissa, com
a objetividade exterior indiferente adquirindo o caráter de meio para a
constituição final do indivíduo vivo;
• apenas que, agora, no caso do processo vital, essa primeira premissa é,
também, conclusão, na medida em que a relação da singularidade subjetiva
com a objetividade constitui a unidade negativa da vida universal e o fim do
276 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

processo vital é a constituição do indivíduo vivo, com a objetividade exterior


indiferente constituída como organismo.

Assim:

• "O conceito [a vida universal] se produz, portanto, através de seu impulso [o


processo vital], de tal modo que o produto [o indivíduo vivo], na medida em
que o conceito é sua essência, é, ele mesmo o produtor [de si mesmo], de
modo que o produto é apenas como exterioridade que se põe igualmente de
modo negativo, ou seja, como o processo de produzir [a si mesmo]." (p. 252)

5.3.3 ITEM 3

No item 3, Hegel detalha a realização do organismo do indivíduo vivo,


sua "objetividade viva", que é uma "totalidade concreta" (p. 252). Isto é,
neste item, o indivíduo vivo se constitui como um conceito concreto,
resultado final da realização do conceito de vida universal.
Desse ponto de vista:

• "a objetividade viva do indivíduo enquanto tal, por ela ser animada pelo
conceito [a vida universal] e por tê-lo como sua substância, também tem
nela, como suas diferenças essenciais, determinações tais que são
determinações do conceito, universalidade, particularidade e singularidade"
(p. 252).

Enquanto universalidade, o indivíduo vivo é "o puro vibrar somente


dentro de si mesma da vitalidade", a "sensibilidade" (p. 252):

• a sensibilidade é "receptividade infinita determinável" da objetividade


externa, da qual a impressão é a "determinidade singular externa" (p.252);
Antônio Carlos da Rocha Costa • 277

• a sensibilidade "acolhe dentro de si toda a exterioridade", mas "reconduz a


mesma à perfeita simplicidade da universalidade igual a si", ao
"sentimento" [isto é, a uma representação] (p. 253) 3.

Enquanto particularidade, o indivíduo vivo é "a abertura da


negatividade" [isto é, a abertura para a negatividade da objetividade
exterior], a "irritabilidade" (p. 253):

• a irritabilidade, porém, ainda é "determinidade ideal" no organismo, ainda


não é "determinidade real" [a irritabilidade ainda não é a exteriorização do
resultado da negação da impressão, isto é, ainda não é uma concretização do
ideia de vida universal, ainda não é a reprodução];

Porém:

• essa "autodeterminação" do indivíduo vivo, realizada pela irritabilidade, é


"seu juízo ou sua finitização, segundo a qual ele se refere ao externo como
uma objetividade pressuposta e está em interação com ela." (p. 253);
• isto é, a relação entre a irritação (a determinação da reação do ser vivo a
uma impressão) e a objetividade pressuposta, sentida como impressão, passa a
operar como um juízo, em que a irritação é o conceito e a objetividade
pressuposta é o objeto;
• em outros termos, a relação entre a irritação e o objetividade pressuposta se
constitui como o juízo de uma relação teleológica, em que a irritação é o fim
e a objetividade pressuposta é o "meio e ferramenta" (p. 253) para a realização
desse fim.

Enquanto singularidade, o indivíduo vivo constitui o final do ciclo da


concretização da vida universal:

3
Observação: notar que Hegel determina a sensibilidade como conduzindo cada impressão sensível a
uma representação da experiência, portanto estruturada por conceitos, diferentemente do que se passa
com aquela noção em Kant, que determina a sensibilidade como conduzindo cada impressão sensível a
uma intuição.
278 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

• a relação entre o sentimento, produto da sensibilidade, e a objetividade externa


é uma "reflexão teórica" (p. 253), na medida em que o sentimento, enquanto
estruturado por conceitos, fica determinado pela objetividade externa;
• a relação entre o sentimento e a irritação, a qual se constitui como o fim a ser
alcançado pelo ser vivo, é devida à negatividade própria da singularidade
subjetiva deste;
• finalmente, a relação entre a irritação e a objetividade externa é a "reflexão
real", a relação teleológica, que se realiza por meio da "reprodução".

Sensibilidade (como universalidade), irritação (como particularidade)


e reprodução (como singularidade) constituem, assim, a estrutura do
indivíduo vivo enquanto conceito concreto, enquanto concretização da
vida universal.
Esquematicamente, então, o caráter de conceito concreto do
indivíduo vivo pode ser representado por:

A respeito dessa estrutura, Hegel estabelece:

• "Os primeiros dois momentos, a sensibilidade e a irritabilidade, são


determinações abstratas" (p. 253);
• "a vida é algo concreto e é vitalidade na reprodução" (p. 253);
• "Cada um dos momentos particulares é essencialmente a totalidade de
todos" (p. 253);
Antônio Carlos da Rocha Costa • 279

• a diferença entre esses momentos constitui a "determinidade ideal da


forma, que está posta na reprodução como totalidade concreta do todo" (p.
253);

A partir daí, Hegel elabora a passagem do indivíduo vivo ao sujeito e


a passagem da objetividade exterior ao mundo, realizada pelo processo da
reprodução:

• "Com a reprodução como o momento da singularidade, o ser vivo se põe


como individualidade efetiva", mas que "é ao mesmo tempo relação real para
fora", isto é, "a reflexão da particularidade ou irritabilidade frente a um outro,
frente ao mundo objetivo".
• "O processo da vida encerrado no interior do indivíduo [isto é, a composição
dos processos internos subjetivo e objetivo] passa para a relação com a
objetividade pressuposta enquanto tal pelo fato de que [quando o indivíduo]
se põe como totalidade subjetiva [isto é, sujeito], também o momento da sua
determinidade [isto é, de sua sensibilidade, irritação e reprodução] enquanto
relação com a exterioridade se torna totalidade [isto é, mundo objetivo]." (p.
254).

Essa passagem do indivíduo vivo, da condição de resultado da


concretização da vida universal para a condição de sujeito no mundo
objetivo, pode ser pensada como o seguinte silogismo do sujeito genérico:

• o processo subjetivo é a composição dos processos da sensibilidade, da


irritação e da reprodução, no que esta tem de interioridade ao indivíduo vivo;
• o processo objetivo é o processo da reprodução, no que ele tem de
exterioridade, que Hegel também denomina "processo vital exterior" (p. 257);
• a composição desses dois processos é o que Hegel denomina "processo
vital", enquanto tal (p. 254), e que aqui denominamos processo do sujeito:
280 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

5.4 O PROCESSO VITAL E A PASSAGEM DO INDIVÍDUO VIVO A SUJEITO

Hegel examina em mais detalhes, em (Hegel, 2018, p.254-257) - isto


é, na seção: B. O Processo Vital -, a parte externa do processo da
reprodução, isto é, do processo objetivo, que ele apresentou sumariamente
no final do Item 3.
O primeiro ponto observado (p. 254), é que "por se configurar
dentro de si mesmo" por meio dos processos da sensibilidade, da irritação
e da reprodução, o indivíduo vivo "entra em tensão com seu pressupor
originário", isto é, com a objetividade exterior indiferente. Como
resultado, ele "se coloca como sujeito que é em si e para si frente ao
mundo objetivo pressuposto", isto é, o indivíduo vivo se coloca como um
subsistente capaz de significação e de ação sobre esse mundo objetivo.
Em especial, esse mundo objetivo opera, em relação ao sujeito, como
"seu meio e sua realidade subjetiva na objetividade a ele submetida",
isto é, enquanto sujeito, sua subjetividade deixa de estar apenas nele,
enquanto indivíduo vivo, e se põe também no mundo objetivo. Em outros
termos, sua subjetividade se torna um objeto no mundo objetivo, se torna
objetiva.
O mundo objetivo, contudo, aparece ao sujeito, inicialmente, como
"um valor negativo e não-autossubsistente", do qual ele tem a "certeza
Antônio Carlos da Rocha Costa • 281

da nulidade". O impulso do sujeito, então, é "a necessidade de


suprassumir" esse mundo objetivo nulo e de "dar-se a verdade" do
mesmo.
Mais precisamente, "seu processo subjetivo dentro de si [a
composição da sensibilidade, irritação e a parte interna da reprodução],
em que ele se nutre de si mesmo, e a objetividade imediata, que ele põe
como meio natural conforme seu conceito, é mediado pelo processo que
se refere à exterioridade completamente posta [isto é, é mediado pela
parte externa da reprodução, o processo objetivo]".
Hegel passa então, ao detalhamento do processo objetivo:

• "Este processo inicia com o carecimento, isto é, o momento segundo o qual


o ser vivo, em primeiro lugar, determina-se [isto é, singulariza a ideia de
vida universal como vida singularizada] e, com isto, põe-se como negado e,
através disso, relaciona-se com uma objetividade outra frente a si, a
objetividade indiferente" (p. 254-255);
• "em segundo lugar", "conserva-se nela [na objetividade externa indiferente]",
de modo que "através disso, o ser vivo é o impulso para pôr para si, igual a
si, aquele mundo que lhe é outro, de suprassumí-lo e de objetivar-se [como
organismo]", na forma do indivíduo vivo (p. 255)
• o indivíduo vivo se configura, então, como "contradição absoluta" [isto é, a
singularidade subjetiva contraposta ao organismo], como uma "cisão", que,
em sua sensibilidade, o indivíduo vivo representa como um sentimento [uma
representação] de "dor" (p. 255);
• "Por conseguinte, a dor [isto é, a representação da contraposição entre sua
singularidade subjetiva e seu organismo] é o privilégio das naturezas vivas"
(p. 255);
• Nesse sentido, os indivíduos vivos são "o conceito existente", isto é, "uma
efetividade da força infinita [da ideia de vida universal]";
• Nisso, eles são "dentro de si" a negatividade de si mesmos, de modo que eles
"se conservam em seu ser outro [isto é, na objetividade externa constituída
como organismo]" (p. 255).
282 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

E Hegel critica então, com base na constatação dessa natureza


contraditória do indivíduo vivo, a proposição (respaldada pela lógica
tradicional, mas especialmente em Kant) de que a contradição não seria
pensável:

• "Quando se diz que a contradição não seria pensável, [deve-se observar que]
a contradição é, antes, uma existência efetiva [isto é, mais que pensável, é
uma existência efetiva] na dor do ser vivo [isto é, na sua existência como
representação, como sentimento, que o indivíduo vivo tem de sua
contraposição à objetividade externa]." (p. 255).];
• em outros termos: a contradição não apenas é pensável como é,
essencialmente, constituidora da subjetividade do indivíduo vivo.

Hegel coloca então, em ordem lógica, dos conceitos recém


introduzidos nessa seção:

• "A partir da dor [é que] inicia o carecimento e o impulso [e, portanto, os


processos internos] que constituem a passagem pela qual o indivíduo (...)
torna-se também como identidade para si [isto é, adquire sua singularidade
subjetiva frente à sua objetividade exterior]" (p. 255);
• nesse impulso, o indivíduo vivo adquire a "certeza subjetiva de si mesmo",
pela qual se relaciona como a objetividade externa "como a um
aparecimento", que aparece para ele como "uma efetividade em si sem
conceito e inessencial" (p. 255);
• para constituir-se como mundo, porém, essa efetividade sem conceito e
inessencial "deve receber o conceito dentro de si somente através do
sujeito";
• em outros termos: é o indivíduo vivo, enquanto sujeito capaz de significação,
que dá essência e conceito à objetividade externa indiferente, constituindo-a
como mundo;
Antônio Carlos da Rocha Costa • 283

• mas, é justamente essa "indiferença do mundo objetivo frente à


determinidade [frente ao conceito que o sujeito lhe impõe] e, com isso,
frente à finalidade [do sujeito]" que constitui a "capacidade externa [dessa
objetividade] de [poder] ser adequada ao sujeito" (p. 255);
• mais precisamente, "quaisquer que sejam as especificações que o mundo
tiver nele [isto é, que lhe sejam próprias e independentes do modo
indiferente com que ele aparece ao sujeito], por exemplo, "sua
determinabilidade mecânica", ocorre que "a falta de liberdade do conceito
imanente constitui sua impotência para se conservar [isto é, para que o
modo com que aparece persista no tempo] frente ao ser vivo" (p. 255-256).

Hegel comenta, então, sobre a questão das ações causais da


objetividade externa sobre o indivíduo vivo, introduzindo a noção de
estímulo como um modo de influência, diferenciando-a da noção de
causa:

• é claro que o objeto externo "pode agir sobre o ser vivo de modo mecânico",
por meio de sua ação sobre o organismo, que é parte da objetividade externa,
mas, procedendo assim, "não age sobre um ser vivo", pois, "na medida em
que se relaciona com esse, o objeto não age como causa, mas sim estimula o
ser vivo" (p. 256);
• e, de modo relevante, Hegel estabelece: "Pelo fato de que o ser vivo é
impulso, a exterioridade somente pode chegar ou entrar nele se já estiver
em si e para si dentro dele"; e "a influência sobre o sujeito consiste, portanto,
somente no fato de que este encontra [dentro dele, um] correspondente à
exterioridade que se lhe oferece [o que não ocorre na relação de causalidade
mecânica, onde anteriormente à causa não há nada que lhe corresponda no
objeto sobre o qual ela age]" (p. 256);
• e, mais precisamente: "a exterioridade pode até não ser adequada à
totalidade do sujeito, mas ela tem de corresponder pelo menos a um lado
particular nele" (p. 256).
284 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Por outro lado, na direção inversa da ação do sujeito sobre o objeto


externo, Hegel estabelece:

• o sujeito só se relaciona com o externo porque "é ele mesmo algo externo",
seu organismo é "uma ferramenta" que "exerce violência sobre o objeto" (p.
256);
• essa relação de violência se caracteriza por ser como "o processo da da
objetividade em geral, mecanismo e quimismo" (p. 256);
• mas, não se limita à mera exterioridade, pois "a exterioridade se transforma
em interioridade" na medida em que "o objeto não é uma substância frente
ao conceito [porque que é, em si e para si, efetividade nula], portanto, o
conceito [a finalidade do sujeito ao agir sobre o objeto] pode tornar-se não
apenas sua forma exterior [isto é, a forma exterior do objeto após a ação do
sujeito], mas tem de se pôr como sua essência e como sua determinação
imanente [isto é, o conceito, a finalidade da ação do sujeito, termina se
pondo como a essência do objeto, após a realização dessa ação]" (p. 256);
• em outras palavras: "Com o apoderamento do objeto [pelo sujeito], o
processo mecânico [da ação do organismo do sujeito sobre o objeto] se
transforma, por conseguinte, no processo interior, pelo qual o indivíduo se
apropria do objeto de tal modo que lhe subtrai sua constituição peculiar [sua
efetividade nula], faz dele seu meio e lhe dá como substância sua
subjetividade [isto é, o conceito que constitui a finalidade de sua ação]." (p.
256)

Hegel, então, chama assimilação do objeto esse apoderamento do


objeto pela ação intencional do indivíduo vivo e aponta a relevância dessa
assimilação para a constituição objetiva do próprio indivíduo vivo:

• "Essa assimilação vem, portanto, coincidir com o processo de reprodução


do indivíduo, considerado acima" (p. 256);
• "nesse processo [a parte externa da reprodução, o processo objetivo], o
indivíduo se nutre, antes de tudo, de si mesmo, ao tornar objeto sua própria
objetividade [isto é, ao objetivar-se como organismo]" (p. 256);
Antônio Carlos da Rocha Costa • 285

• em particular, "o conflito mecânico e químico de seus membros com as


coisas externas [isto é, a ação de seus membros sobre os objetos exteriores]
é um momento objetivo dele [do sujeito]" (p. 256);

Por outro lado, Hegel enfatiza que esse caráter mecânico e químico
da ação do sujeito sobre os objetos externos, por meio do seu organismo,
não tem um caráter secundário para o sujeito, mas é essencial para sua
vida:

• pois "a vida é verdade desses processos [mecânicos e químicos], como isso,
enquanto ser vivo, ela é a existência dessa verdade e a potência dos
mesmos" (p. 256-257);
• e, de fato, "o produto deles [desses processos mecânicos e químicos] está
totalmente determinado pela vida [isto é, esses processos se determinam
pela vida, não a vida por eles]" (p. 257);
• desse modo, no processo objetivo "o ser vivo se põe para si como idêntico
consigo mesmo" [isto é, se põe como subsistente no tempo] (p. 257);
• e, com isso, "através do processo objetivo, o ser vivo se dá seu
autossentimento [a representação de si mesmo]" (p. 257).

Mais que isso, Hegel indica como o processo objetivo, realizado por
meio dessa ação do sujeito sobre os objetos externos, encaminha o sujeito
na direção do gênero:

• "O elemento mecânico e químico do processo [objetivo] é um começo da


dissolução do ser vivo [não de sua morte ou desaparecimento, mas de sua
passagem ao gênero, enquanto multiplicidade de sujeitos contrapostos a um
mesmo mundo externo indiferente] (p. 256).

Dito de outro modo:


286 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

• no "juntar-se do indivíduo com sua objetividade [isto é, na constituição do


sujeito como unidade da subjetividade individualizada e do mundo]", o sujeito
"suprassumiu sua particularidade se elevou até a universalidade [isto é, até o
gênero]";
• "Sua particularidade [isto é, a particularização da vida universal] consistia
na dirimição [isto é, na contraposição] pela qual a vida [ela, a vida universal
abstrata] pôs como suas espécies [isto é, como seus momentos concretos] a
vida individual [isto é, o sujeito] e a objetividade externa a essa [isto é, o
mundo]. Através do processo vital exterior [isto é, através do processo que
chamamos de processo de universalização concreta], a vida [isto é, o sujeito]
pôs-se como vida real, universal [isto é, como vida universal concreta], como
gênero" (p. 257).

Na sua globalidade, o movimento desde a ideia da vida universal até


a ideia do gênero pode ser esquematizado como segue:

Em particular, evidencia-se o papel mediador que a ideia de sujeito


realiza entre a ideia de vida universal e a ideia de gênero:
Antônio Carlos da Rocha Costa • 287

5.5 O PROCESSO DO GÊNERO E A DERIVAÇÃO DA IDEIA DE GÊNERO

Hegel examina em mais detalhes a derivação da ideia de gênero em


(Hegel, 2018, p.257-259), na seção: C. O gênero.
É preciso notar, antes de mais nada, que Hegel estabelece uma
diferença entre a noção de gênero, no sentido de universal concreto, que
resulta na multiplicidade interdependente de sujeitos contrapostos a um
mesmo mundo objetivo, e a noção de gênero formal enquanto "reflexão
formal" sobre a "diversidade indiferente" de sujeitos (p. 253). Isto é, a
diferença entre a noção de gênero enquanto multiplicidade concreta e a
noção de gênero enquanto noção lógico-formal.
Na derivação da ideia de gênero, trata-se, evidentemente, do gênero
enquanto multiplicidade concreta de sujeitos contrapostos a um mesmo
mundo objetivo, não do gênero no sentido formal.
Hegel inicia recapitulando o principal efeito do processo interior
objetivo, qual seja, a identificação mútua que se estabelece entre os
diversos sujeitos que se sentem simultaneamente presentes em um
mesmo mundo:

• "Através do processo com o mundo simultaneamente pressuposto, o


indivíduo vivo [isto é, o sujeito] pôs a si mesmo para si como a unidade
288 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

negativa do seu ser outro [isto é, em identidade e contraposição ao outro]"


(p. 257).

Inicialmente, porém, essa identidade fica limitada uma ideia


subjetiva de gênero:

• é gênero enquanto "identidade com seu ser outro anteriormente


indiferente" (p. 257);
• mas, também, é o sentimento de si como um entre diversos outros: "um
relacionar do ser vivo consigo mesmo como com um outro ser vivo" (p. 258).

Assim, para o sujeito:

• a ideia subjetiva de gênero também se constitui "como totalidade viva", isto


é, como conjunto de outros sujeitos, como "uma objetividade na qual ele tem
a certeza de si mesmo (...) como subsistente" (p. 258).

Então, Hegel conclui que essa "relação do gênero", essa relação


entre o sujeito e a ideia subjetiva de gênero, é uma "contradição", entre
subjetividade e objetividade, e o sujeito também é "impulso" de
suprassumir essa contradição (p. 258).
Hegel passa, então, a detalhar o processo pelo qual se dá a
suprassunção dessa contradição, pela ideia de espírito:

• primeiramente, Hegel aponta que a ideia subjetiva de gênero ainda está "no
interior da esfera da imediatidade", isto é, é primeiramente ideia de si
mesmo (p. 258);
• desse modo, a ideia subjetiva de gênero é uma "figura singular", "o conceito
[de gênero] cuja realidade tem a forma de objetividade imediata", não de
ideia enquanto tal (p. 258);
• isto é, a ideia de gênero, que ainda é subjetiva mas, ao mesmo tempo, está na
objetividade, é o que Hegel denomina "germe do indivíduo vivo": a ideia que
Antônio Carlos da Rocha Costa • 289

opera como o núcleo subjetivo e objetivo, o "conceito efetivo" de sujeito, a


partir do qual o sujeito se constitui subjetiva e objetivamente.

A ideia de germe do indivíduo vivo, como a semente de uma planta, é


"a concreção completa da individualidade, na qual todos os lados
diversos do ser vivo, todas as propriedades e as diferenças articuladas,
estão contidas em sua determinidade total" (p. 259).
O germe do indivíduo vivo é, também, "a totalidade, inicialmente
imaterial, subjetiva e não desenvolvida, simples e não sensível", é "o ser
vivo total na forma interna do conceito" (p. 259).
Em particular, o germe do indivíduo vivo é aquilo que "está presente
para a percepção ordinária", dando-lhe o sentimento de que "o conceito
subjetivo [do gênero do indivíduo] tem efetividade externa", isto é,
orienta a constituição do indivíduo vivo e do sujeito que deriva dele (p.
258-259).
Mas, sendo germe de todo indivíduo vivo, o germe do indivíduo vivo
não se limita a operar a nível de indivíduos vivos e dos sujeitos individuais
que deles derivam:

• "A reflexão do gênero dentro de si [isto é, a autodeterminação do gênero


enquanto multiplicidade] é, segundo esse lado [isto é, segundo sua operação
em cada indivíduo vivo dessa multiplicidade], aquilo através do qual o gênero
obtém efetividade [enquanto multiplicidade de indivíduos vivos e sujeitos do
mesmo gênero] (...): a propagação das gerações vivas" (p. 259).

Isto é, enquanto germe de indivíduos vivos, a ideia do gênero é,


também, pelo seu atuar na multiplicidade, o germe da sucessão das
gerações de indivíduos vivos e sujeitos, na "repetição" e "processo
infinito" dessa sucessão (p. 259).
290 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Com essa repetição infinita, porém, a ideia do gênero "não sai da


finitude de sua imediatidade", não se eleva a "uma forma superior do
seu ser aí", não se eleva à forma do espírito.
Hegel anuncia resumidamente, então, o que denominamos
processo do espírito, isto é, o processo pelo qual a ideia do gênero deriva
a ideia do espírito:

• assim como a derivação da ideia de indivíduo vivo se faz a partir da ideia de


vida universal por meio do silogismo do indivíduo vivo, em que a ideia de vida
singularizada opera a mediação, e a derivação da ideia de gênero se faz a
partir da ideia de indivíduo vivo por meio do silogismo do gênero, em que a
ideia de sujeito opera a mediação, a derivação da ideia de espírito se faz a
partir da ideia de gênero por meio do silogismo do espírito, em que a mediação
é realizada pela ideia de "gênero generalizado" (p. 259);
• a ideia do gênero realizado é posta quando, na ideia do gênero, que tem
caráter subjetivo em cada indivíduo singular, "os indivíduos singulares [isto
é, os sujeitos] suprassumem sua existência indiferente [uns aos outros]", de
modo que o gênero realizado se põe como "idêntico ao conceito [isto é, se põe
como conceito enquanto conceito, não apenas como conceito efetivo]" (p. 259);
• "com isso, o gênero se junta consigo" e se constitui como "a universalidade
da ideia [de gênero] que se torna para si mesma [isto é, que se põe na forma
do espírito]" (p. 259);
• nesse processo "sucumbem as singularidades isoladas da vida individual" e
isso é "o surgir do espírito" [isto é, as singularidades são suprassumidas na
singularidade do espírito]" (p. 259);
• igualmente, pela mediação do gênero realizado, a ideia do espírito
suprassume "a particularidade [da noção de gênero] que constituiu [a
sucessão das] gerações vivas" e se dá, assim, "uma realidade [o espírito] que
é, ela mesma, universalidade simples" (p. 259).

Porém, na sequência do texto, Hegel identifica imediatamente essa


"realidade" derivada do gênero não com o espírito, mas com o conhecer:
Antônio Carlos da Rocha Costa • 291

• "assim [essa realidade] é a ideia que se relaciona consigo como ideia, o


universal que tem a universalidade como sua determinidade e ser aí - a ideia
do conhecer" (p. 259).

Contudo, o exame da introdução ao capítulo que se segue


imediatamente, o capítulo A Ideia do Conhecer, mostra que a derivação
da ideia do conhecer não se dá com base puramente na ideia mediadora
do gênero realizado, mas sim com base na ideia do espírito.
Por isso, preferimos reconstruir essa passagem como uma dupla
passagem, do gênero ao espírito e do espírito ao conhecer, ao invés de uma
passagem do gênero ao conhecer, como Hegel parece indicar no final da
página 259.
A passagem do espírito ao conhecer, no entanto, não será examinada
no presente artigo. Com isso, limitamos o restante deste artigo final à
análise ao que denominamos processo do espírito, isto é, a passagem do
gênero ao espírito, mediada pelo gênero realizado.

5.6 O PROCESSO DO ESPÍRITO E A DERIVAÇÃO DA IDEIA DE ESPÍRITO

Como mencionado no final da seção anterior, entendemos que


Hegel expõe a derivação da ideia de espírito de um modo emaranhado
com a derivação da ideia do conhecer, em (Hegel, 2018, p.259 e p.261-270),
na introdução ao capítulo A Ideia do Conhecer.
Na presente seção, portanto, procuramos extrair a derivação da
ideia do espírito de dentro desse emaranhamento, para apresentá-la
isolada, como constituída pelo processo do espírito, que opera desde a
ideia do gênero até a ideia do espírito, com mediação da ideia do gênero
realizado.
292 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Salientamos que, a ideia de espírito derivada naquela introdução é


a ideia concreta, de espírito enquanto tal, não a de espírito enquanto ideia
lógica (ver adiante).
No primeiros parágrafo do capítulo A Ideia do Conhecer, Hegel
define a ideia conhecer:

• "Em seu juízo [isto é, no juízo da ideia], a ideia é o conhecer em geral." (p.
261)
• porém, há de fato dois juízos da ideia, correspondentes às duas noções de
conhecer: o conhecer teórico e o conhecer prático.

Esquematicamente, podemos indicar essa definição pelo seguinte


diagrama comutativo:

Por outro lado, no segundo parágrafo do capítulo A Ideia do


Conhecer, Hegel caracteriza em termos gerais a ideia do espírito. Hegel
parte de uma consideração sobre a forma real que a vida universal
adquire em seu ser aí:

• "Sua realidade em geral [realidade da vida universal] é a forma do seu ser aí;
é a determinação dessa forma que é importante [para a determinação das
ideias de espírito e conhecer]; sobre ela repousa a diferença daquilo que o
conceito [de vida] é em si, ou seja como [conceito] subjetivo, daquilo que ele
é enquanto mergulhado na objetividade e, então, na ideia da vida." (p. 261)
Antônio Carlos da Rocha Costa • 293

• "Nesta última [na ideia de vida], ele [o conceito de vida], decerto, está
diferenciado da sua realidade externa (...) [está mergulhado] em sua
objetividade submetida a ele [em seu organismo] (...) como forma imanente,
substancial." (p. 261)

Então, caracteriza a ideia de espírito:

• "A elevação do conceito para acima da vida [isto é, como espírito] é o fato de
que sua realidade [seu ser aí substancial no organismo] é a forma do conceito
[que é] liberta até a universalidade." (p. 261)
• "Pensar, espírito, autoconsciência são determinações da ideia [isto é, da
vida universal] enquanto ela tem a si mesma como objeto, e seu ser aí (...) é
sua própria diferença de si mesma [isto é, enquanto tem sua realização como
objeto]." (p. 261)

Há, portanto, uma diferença crucial entre as ideias de conhecer e


espírito:

• o conhecer é constituído por juízos: por juízos teóricos e práticos que se


estabelecem entre um conceito e um objeto;
 um juízo, portanto, tem um caráter estritamente lógico: é uma relação
entre um conceito e um objeto;
 no caso dos juízos da ideia da vida, eles se estabelecem entre o conceito
de vida e a configuração real da vida a que ele esteja referido;
• o espírito, por outro lado, é uma determinação da ideia da vida considerada
não abstratamente, mas em sua realidade;
 mais precisamente, o espírito é a determinação da vida realizada quando
ela toma a si mesma como objeto;
 o espírito situa-se, portanto, não na esfera lógica, mas na esfera da
realidade;

Mais explicitamente, Hegel estabelece:


294 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

• "a ideia da vida é aquela da qual a ideia do espírito surgiu" (p. 266);
• porém, como "a realidade da ideia é, na vida, como singularidade", "a
universalidade ou o gênero é [antes] o interior [dessa singularidade]" (p.
267);
• "a verdade da vida como unidade absoluta negativa [isto é, como totalidade]
consiste, portanto, em suprassumir a singularidade [isto é, a singularidade
abstrata e imediata da vida universal]" (p. 267), "em ser autossimilar,
enquanto gênero e em ser auto-idêntica enquanto singularidade [isto é,
enquanto espírito]" 4;
• em outros termos: "essa ideia [da vida] é, agora [após essa suprassunção e
totalização], o espírito" (p. 267);
• Hegel, porém, é claro: a Ciência da Lógica não trata o espírito "enquanto tal",
mas apenas enquanto "ideia lógica", isto é, enquanto a ideia do espírito (p.
267);

Adicionalmente, Hegel caracteriza o modo de operação do espírito


enquanto tal, capaz de tomar a si mesmo como objeto, do seguinte modo:

• "para cada uma das determinações de reflexão contrapostas [isto é,


contrapostas a ele como objetividades] tem de poder ser trazida uma
experiência" (p. 262);
• e "a partir das experiências é preciso poder chegar às determinações
opostas [isto é, chegar às determinações de reflexão que lhes
correspondem] segundo o modo do silogizar formal" (p. 262);
• como espírito enquanto tal, portanto, enquanto realidade concreta, o espírito
precisa ser considerado "nas ciências concretas do espírito" (p. 267), em
particular, como "objeto da Fenomenologia do Espírito" (p. 268).

Em outros termos, o modo de operação do espírito enquanto tal é o


modo de operação da consciência em sua relação com a objetividade e
com a experiência e, em particular, com sua própria objetividade e a

4
Tradução adaptada com base em (Hegel, 1993, p. 780).
Antônio Carlos da Rocha Costa • 295

experiência de si mesmo. Isto é, o modo de operação do espírito enquanto


tal é, em sua essência, o modo de operação da autoconsciência.
Por outro lado:

• "a ideia do espírito que é objeto lógico já se encontra no interior da ciência


pura" (p. 269);
• porém, essa ideia do espírito, essa ideia lógica, "é imediatamente" e,
"justamente por ser imediata", ainda é "a ideia [do espírito] em sua
subjetividade [isto é, em seu caráter apenas de conceito] e, com isso, em sua
finitude em geral" (p. 269);
• ela é, assim, "a finalidade que [ainda] se deve realizar" (p. 269);
• ela é "a própria ideia absoluta ainda [apenas] em seu aparecimento" (p. 269);
• e "o que ela procura [para sua realização]" é "a identidade do [seu] próprio
conceito e da realidade" (p. 269);
• em outros termos: a ideia lógica, a ideia do espírito, só se realiza na realidade
da natureza e do espírito enquanto tal, sendo este a ideia de espírito que se
deriva aqui.

Representamos o silogismo do espírito, que analisamos


categorialmente acima, em que o espírito se apresenta como espírito
enquanto tal, por meio do seguinte diagrama comutativo:
296 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Esquematizamos o conjunto de todos os resultados da análise


categorial realizada até aqui, suprimindo algumas etapas mediadoras
auxiliares, por meio do seguinte diagrama comutativo:

5.7 A DERIVAÇÃO DO SILOGISMO SUJEITO/GÊNERO/ESPÍRITO

Hegel não explicita, em nenhum momento, a derivação do


silogismo sujeito/gênero/espírito, mas cremos que, como dito na
Introdução do presente artigo, Hegel fornece, nos textos examinados
acima, todos os elementos que possibilitam estabelecer a coerência
silogística do mesmo.
Representamos o silogismo sujeito/gênero/espírito, em que o espírito
se apresenta como espírito enquanto tal, não como a ideia lógica, por meio
Antônio Carlos da Rocha Costa • 297

do seguinte diagrama comutativo, derivado do diagrama comutativo


recém mostrado acima:

No silogismo sujeito-gênero-espírito:

• o sujeito é o termo maior;


• o gênero é o termo médio;
• o espírito é o termo menor;
• a relação sujeito-gênero é a primeira premissa, indicada por PSG;
• a relação gênero-espírito é a segunda premissa, indicada por PGE;
• a relação sujeito-espírito, dada pela composição das duas premissas, é a
conclusão, indicada por C.

A coerência silogística do silogismo sujeito-gênero-espírito é dada


pela satisfação dos seguintes requisitos:

• pela primeira premissa, sujeito ∈ gênero∧ , no sentido de que o sujeito está


presente no gênero, isto é, que o gênero é um (isto é, opera como um) sujeito;
• pela segunda premissa, gênero ∈ espírito∧ , no sentido de que o gênero está
presente no espírito, isto é, que o espírito é um (isto é, tem por base um)
gênero;
298 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

• pela conclusão do silogismo, sujeito ∈ espírito∧ , no sentido de que o sujeito


está presente no espírito, isto é, o espírito é um (isto é, opera como um)
sujeito.

Finalmente, salientamos que o silogismo sujeito-gênero-espírito é


um silogismo de ideias e que, a ideia de mundo está presente em todos os
seus termos:

• Sujeito = Subjetividade-individualizada ⊳⊲ Mundo


• Gênero = Multiplicidade-de-subjetividades-individualizadas ⊳⊲ Mundo
• Espírito = Totalidade-subjetiva ⊳⊲ Mundo

enfatizando o caráter concreto das ideias que constituem esses termos.

CONCLUSÃO

O presente artigo reconstruiu, desde uma perspectiva categorial, o


argumento com que Hegel desenvolve as determinações da ideia da vida.
Nesse argumento, estão presentes todos os elementos que possibilitam
derivar do mesmo o silogismo sujeito-gênero-espirito, ainda que Hegel
tenha deixado esse silogismo apenas implícito, no argumento.
Com base naquela análise categorial, o artigo derivou o silogismo
sujeito-gênero-espírito e mostrou sua coerência silogística.
Ficou, para trabalhos futuros, a tarefa de evidenciar exemplos de
argumentos, de Hegel ou de outros filósofos, que têm o silogismo
sujeito-gênero-espírito como estrutura lógica fundamental.

REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Analíticos Anteriores. In: Aristóteles. Órganon. São Paulo: EDIPRO, 2010.
p.111-250.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 299

BELL, J. The Development of Categorial Logic. In: Gabbay, D. & Guenthener, F. Handbook
of Philosophical Logic, Volume 12. Dordrecht: Springer, 2005. p. 279-361.

COSTA, A. C. R. Para uma Leitura Operatória da Lógica de Hegel - Experimentos Iniciais.


Porto Alegre: Editora Fi, 2019. Disponível em: https://www.editorafi.org/540logica

COSTA, A. C. R. A Silogística de Aristóteles como um Sistema de Sequentes, com Aplicação à


Semântica do Início da Lógica de Hegel. Porto Alegre: PPGFIL/PUCRS, 2020. Rascunho
disponível em: https://sites.google.com/site/foundationsofagentsocieties/
philosophy/phil-2020

HEGEL, G. W. F. Science of Logic. Atlantic Highlands: Humanities Paperback Library,


1993.

HEGEL, G. W. F. Ciência da Lógica - A Doutrina do Conceito. Petrópolis: Vozes, 2018.

MARQUIS, J.-P. From a Geometrical Point of View - A Study of the History and Philosophy of
Category Theory. Dordrecht: Springer, 2009.
8
A ESTRATIFICAÇÃO DO CONCEITO DE MUNDO NA
CIÊNCIA DA LÓGICA DE HEGEL
Antônio Carlos da Rocha Costa 1

RESUMO

Nos capítulos A Vida e A Ideia do Conhecer, na Doutrina do Conceito,


terceiro volume da Ciência da Lógica de Hegel, encontram-se implícitas
as derivações de quatro silogismos: vida-universal/vida-
singularizada/indivíduo, vida-universal/indivíduo/sujeito, vida-
universal/sujeito/gênero e vida-universal/gênero/espírito. O conceito de
mundo, analisado por Hegel na Doutrina da Essência, constitui momento
de cada termo desses silogismos. Este artigo, numa perspectiva de lógica
categorial, explicita a derivação daqueles quatro silogismos e mostra
como eles estratificam triplamente o conceito de mundo, constituindo-
o como o produto categorial dos mundos do sujeito, do gênero e do
espírito.

1. INTRODUÇÃO 2

Nos capítulos A Vida e A Ideia do Conhecer, na Doutrina do Conceito,


terceiro volume da Ciência da Lógica de Hegel, encontram-se,
constituídas implicitamente, as derivações de quatro silogismos:

1
Programa de Pós-Graduação em Filosofia – PUCRS. Email: ac.rocha.costa@gmail.com
2
Publicado originalmente em: Fortes, Felipe; Costa, C.; Silva, F. S.; Serpa, V.. (Org.). XX Semana Acadêmica
do PPG em Filosofia da PUCRS, Vol. 2. 1ed.Porto Alegre: Editora Fundação Fênix, 2020, v. 2, p. 345-361.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 301

• vida-universal/vida-singularizada/indivíduo;
• vida-universal/indivíduo/sujeito;
• vida-universal/sujeito/gênero;
• vida-universal/gênero/espírito.

Por outro lado, a ideia de mundo, introduzida por Hegel na Doutrina


da Essência, constitui momento de cada termo desses silogismos.
Com bases nesses elementos 3, e numa perspectiva de lógica
categorial, o presente artigo apresenta uma análise da derivação
daqueles quatro silogismos e mostra o modo como esses silogismos
estratificam triplamente o conceito de mundo: como mundo do sujeito,
mundo do gênero e mundo do espírito.
O artigo está organizado como segue. 4 Na Seção 2, indicamos o que
entendemos por perspectiva categorial de um conteúdo dado.
Na seção 3, revisamos, em seu sentido hegeliano, as noções que são
tomadas como base do artigo: conceito, juízo, ideia, silogismo de conceitos,
silogismo de ideias absolutas.
Na Seção 4, revisamos a ideia de vida, tal como Hegel a apresenta
no capítulo A Vida da Doutrina do Conceito, terceiro volume da Ciência da
Lógica.
Na Seção 5, revisamos o conceito de mundo, tal como apresentado
no capítulo O Aparecimento da Doutrina da Essência, segundo volume da
Ciência da Lógica de Hegel.
Na Seção 6, apresentamos a derivação dos quatro silogismos que
estão apenas implicitamente contidos naquele capítulo A Vida. Em

3
Em alguns momentos, suplementamos a leitura dos textos indicados com a leitura da Enciclopédia das
Ciências Filosóficas (Hegel, 2012).
4
Este artigo revisa e resume o artigo Derivação do Silogismo Sujeito-Gênero Espírito que está Implícito na
Noção de Vida da Ciência da Lógica de Hegel, apresentado em 2020/1 como trabalho final na disciplina
Filosofia de Interdiciplinaridade VI, do PPGFil/PUCRS, sob orientação do Prof. Agemir Bavaresco.
302 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

especial, evidenciamos o modo como a ideia de mundo participa, como


momento, em cada um dos termos desses silogismos.
Na Seção 7, indicamos o modo pelo qual aqueles quatro silogismos
estratificam triplamente o conceito de mundo, constituindo-o como o
produto categorial do mundo do sujeito, do mundo do gênero e do mundo
do espírito, cada mundo derivado pelo correspondente silogismo.
A Seção 8 é a conclusão do artigo.

2. A PERSPECTIVA CATEGORIAL

Pela expressão adoção de uma perspectiva categorial a um


determinado dado, entendemos a constituição de uma linguagem formal,
embasada na Teoria Matemática das Categorias (Lawvere & Schanuel,
2009), capaz de expressar a estruturação matemática subjacente àquele
conteúdo.
Em (Costa, 2019), apresentamos, em forma preliminar, uma
proposta de adoção de uma perspectiva categorial à Lógica de Hegel.
Este artigo se insere nessa perspectiva, continuando o desenvolvimento
da notação categorial necessária a essa tarefa e expandindo a utilização
da mesma para outras estruturas daquela lógica.
Nesse sentido, este artigo é uma revisão e uma extensão de (Costa,
2020a).

3. AS NOÇÕES LÓGICAS BÁSICAS

Apresentamos aqui, de modo resumido, as noções básicas da Lógica


de Hegel de que nos valemos neste artigo.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 303

3.1 CONCEITOS

Um conceito 𝐶𝐶 é uma estrutura composta de três momentos: uma


universalidade 𝑈𝑈, uma particularidade 𝑃𝑃 e uma singularidade 𝑆𝑆. Esses
momentos são como segue:

• o momento da universalidade 𝑈𝑈 é constituído por um conceito que tem


caráter universal no duplo sentido de ser um conceito simples e de se aplicar
a todos os objetos de um universo de objetos;
• o momento da particularidade 𝑃𝑃 deriva do momento da universalidade por
meio de uma determinidade que é acrescentada a este, constituindo o
momento da particularidade como um conceito composto e estabelecendo
para o mesmo um escopo de aplicação particular, extraído do universo de
aplicação do momento da universalidade;
• o momento da singularidade 𝑆𝑆 é o momento da totalidade do conceito 𝐶𝐶,
relacionando os momentos da universalidade 𝑈𝑈 e da particularidade 𝑃𝑃 e os
encapsulando em uma estrutura singular.

Denotamos a estrutura de um conceito 𝐶𝐶 na forma 𝐶𝐶 = [𝑈𝑈 ↪ 𝑃𝑃]


onde, semanticamente:

• o símbolo "↪" denota que a universalidade 𝑈𝑈 determina a (ou, está presente


na) particularidade 𝑃𝑃; 5
• o símbolo "[. . . ]" denota a singularidade do conceito e o encapsulamento, no
mesmo, de seus momentos 𝑈𝑈 e 𝑃𝑃.

5
Ver (Costa, 2020b), para a equivalência entre as expressões determina e está presente em.
304 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

3.2 IDEIAS

Uma ideia 𝐼𝐼 é uma estrutura composta de três momentos um


conceito 𝐶𝐶, uma objetividade 𝑂𝑂 e uma relação 𝑅𝑅 estabelecida entre eles. 6
Há três tipos de relação 𝑅𝑅, constituindo três tipos de ideias:

• uma ideia teórica 𝐼𝐼 é uma ideia em que a relação 𝑅𝑅 determina a adequação


do conceito 𝐶𝐶 a objetividade 𝑂𝑂;
• uma ideia prática 𝐼𝐼 é uma ideia em que a relação 𝑅𝑅 determina a adequação
da objetividade 𝑂𝑂 ao conceito 𝐶𝐶;
• uma ideia absoluta 𝐼𝐼 é uma ideia em que a relação 𝑅𝑅 determina a adequação
simultaneamente teórica e prática entre o conceito 𝐶𝐶 e a objetividade 𝑂𝑂.7

Denotamos essas ideias na forma:

• ideia teórica: 𝐼𝐼𝑇𝑇 = [𝐶𝐶 ↣ 𝑂𝑂], onde o símbolo "↣" denota a relação de
adequação teórica de 𝐶𝐶 a 𝑂𝑂;
• ideia prática: 𝐼𝐼𝑃𝑃 = [𝐶𝐶 ↢ 𝑂𝑂], onde o símbolo "↢" denota a relação de
adequação prática de 𝑂𝑂 a 𝐶𝐶;
• ideia absoluta: 𝐼𝐼𝐴𝐴 = [𝐶𝐶 ↢↣ 𝑂𝑂], onde o símbolo "↢↣" denota a relação de
dupla adequação, teórica e prática, entre o conceito 𝐶𝐶 e a objetividade O.

Em termos da relação de unidade negativa da ideia teórica e da ideia


prática, denotamos uma ideia absoluta na forma 𝐼𝐼𝐴𝐴 = [𝐼𝐼𝑇𝑇 ⊳⊲ 𝐼𝐼𝑃𝑃 ]. 8

6
É importante a distinção entre um conceito se relacionar a um objeto e a uma objetividade: um conceito
referente a um objeto refere-se não apenas a esse objeto enquanto tal, mas também às relações que ele
mantém com outros objetos: a objetividade é, exatamente, esse complexo composto pelo objeto referido
e pela sua rede de relações com outros objetos - ver (Hegel, 2012, p.117).
7
Na formulação de Hegel, uma ideia absoluta se constitui pela identidade das ideias teórica e prática
estabelecidas entre um conceito e uma objetividade (Hegel, 20l8, p.313).
8
O símbolo "⊳⊲" denota a relação geral de devir, ver (Costa, 2019).
Antônio Carlos da Rocha Costa • 305

3.3 JUÍZOS

Um juízo 𝐽𝐽 é uma estrutura constituída por dois conceitos, 𝐴𝐴 e 𝐵𝐵, e


uma relação 𝑅𝑅, estabelecendo que o conceito 𝐴𝐴 determina o (ou, está
presente no) conceito 𝐵𝐵.
Dizemos que o conceito 𝐴𝐴 é o predicado, e que o conceito 𝐵𝐵 é o
sujeito, do juízo 𝐽𝐽.
Denotamos um juízo 𝐽𝐽 na forma 𝐽𝐽 = 𝐴𝐴 → 𝐵𝐵. 9

3.4 SILOGISMOS (DE CONCEITOS)

Como apresentado em (Costa, 2020b), entendemos que a noção de


silogismo, na Lógica de Hegel, tem um caráter semântico-estrutural, não
o caráter sintático-dedutivo estabelecido pela tradição medieval.
Assim, consideramos que, na Lógica de Hegel, um silogismo 𝑆𝑆 é uma
estrutura composta de três conceitos e três relações:

• os três conceitos: um conceito dito termo maior 𝐴𝐴, um conceito dito termo
médio 𝐵𝐵 e um conceito dito termo menor 𝐶𝐶; 10
• as três relações: uma relação dita premissa maior 𝐴𝐴 → 𝐵𝐵, uma relação dita
premissa menor 𝐵𝐵 → 𝐶𝐶 e uma relação dita conclusão 𝐴𝐴 → 𝐶𝐶.

Semanticamente, temos que:

9
Utilizamos a notação 𝐽𝐽 = 𝐴𝐴 → 𝐵𝐵 para os juízos, ao invés da notação tradicional 𝐽𝐽 = 𝐴𝐴(𝐵𝐵), para
compatibilidade com a representação gráfica dos silogismos, conforme indicada a seguir.
10
As notações 𝐴𝐴, 𝐵𝐵 e 𝐶𝐶 correspondem, respectivamente, às notações 𝑈𝑈, 𝑃𝑃 e 𝑆𝑆 adotadas por Hegel, ver
(Hegel, 2018, p. 135). Preferimos utilizar aquela notação (𝐴𝐴, 𝐵𝐵 e 𝐶𝐶) para indicar os conceitos que operam
como termos de um silogismo, ao invés de utilizarmos a notação hegeliana (𝑈𝑈, 𝑃𝑃 e 𝑆𝑆). A razão é a de
evitar a confusão entre a noção de termo de um silogismo e a noção de momento de um conceito (para a
qual utilizamos as notações 𝑈𝑈, 𝑃𝑃 e 𝑆𝑆).
306 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

• a premissa maior 𝐴𝐴 → 𝐵𝐵 significa que o termo maior 𝐴𝐴 determina o (ou, está


presente no) termo médio 𝐵𝐵;
• a premissa menor 𝐵𝐵 → 𝐶𝐶 significa que o termo médio 𝐵𝐵 determina o (ou, está
presente no) termo menor 𝐶𝐶;
• a conclusão 𝐴𝐴 → 𝐶𝐶 significa que o termo maior 𝐴𝐴 determina o (ou, está
presente no) termo menor 𝐶𝐶.

Mantemos, como Hegel, a terminologia da tradição sintático-


dedutiva medieval e dizemos que cada uma das relações 𝐴𝐴 → 𝐵𝐵, 𝐵𝐵 → 𝐶𝐶
e 𝐴𝐴 → 𝐶𝐶 constitui um juízo.
Simplificadamente, denotamos esse silogismo 𝑆𝑆 por: 𝑆𝑆 = 𝐴𝐴/𝐵𝐵/𝐶𝐶. 11
Graficamente, apresentamos um silogismo 𝑆𝑆 = 𝐴𝐴/𝐵𝐵/𝐶𝐶 na seguinte
forma:

Nesse diagrama, a seta tracejada enfatiza o juízo que constitui a


conclusão, evidenciando o significado original do termo silogismo: o
estabelecimento de uma ligação entre dois termos, 𝐴𝐴 → 𝐶𝐶, através da
mediação de um terceiro termo, o termo médio 𝐵𝐵, e de suas relações com
os termos ligados pelo silogismo, 𝐴𝐴 → 𝐵𝐵 e 𝐵𝐵 → 𝐶𝐶.
Sempre que adequado, omitimos no diagrama a escrita do nome do
silogismo, 𝑆𝑆.

11
Em consonância com a Nota de Rodapé 10, acima, a notação 𝐴𝐴/𝐵𝐵/𝐶𝐶 corresponde à notação 𝑈𝑈-𝑃𝑃-𝑆𝑆
utilizada por Hegel, ver (Hegel, 2018, p.135).
Antônio Carlos da Rocha Costa • 307

Por vezes, dizemos os silogismos que tem a forma 𝑆𝑆 = 𝐴𝐴/𝐵𝐵/𝐶𝐶 são


silogismos de conceitos para diferenciá-los dos silogismos de ideias, que
definimos a seguir.

3.5 SILOGISMOS (DE IDEIAS ABSOLUTAS)

Nesta seção, introduzimos a noção de silogismo de ideias absolutas.


A Figura 1 e a Figura 2 ilustram essa noção.
Na Figura 1, o silogismo de ideias absolutas 𝑆𝑆 = 𝐼𝐼1 /𝐼𝐼2 /𝐼𝐼3 é mostrado
tomando cada ideia absoluta 𝐼𝐼𝑖𝑖 como tendo uma estrutura dada por 𝐼𝐼𝑖𝑖 =
[𝐶𝐶𝑖𝑖 ↢↣ 𝑂𝑂𝑖𝑖 ]. Já, na Figura 2, cada ideia absoluta 𝐼𝐼𝑖𝑖 é tomada como tendo
estrutura dada por 𝐼𝐼𝑖𝑖 = �𝐼𝐼𝑖𝑖𝑇𝑇 ⊳⊲ 𝐼𝐼𝑖𝑖𝑃𝑃 �.

Figura 1: Uma Estrutura para os Silogismos de Ideias Absolutas.

Figura 2: Outra Estrutura para os Silogismos de Ideias Absolutas.

Vê-se que, pela Figura 1, um silogismo de ideias absolutas pode ser


pensado como sendo constituído um silogismo de conceitos que é
308 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

duplamente adequado a uma estrutura que podemos denominar silogismo


de objetividades.
Já, pela Figura 2, um silogismo de ideias absolutas pode ser pensado
como sendo constituído pela da unidade negativa de um silogismo de
ideias teóricas e de um silogismo de ideias práticas.
A introdução da noção de silogismo de ideias absolutas se faz
necessária, neste trabalho, para possibilitar a apresentação categorial
dos três silogismos que estão em questão (vida-universal/vida-
singularizada/indivíduo, vida-universal/indivíduo/gênero e vida-
universal/gênero/espírito), os quais parece que são mais bem
compreendidos como três silogismos de ideias absolutas (ver Seção 6).

4. A IDEIA DE VIDA UNIVERSAL

Hegel expõe a ideia de vida em (Hegel, 2018, p.245-249), comentando


que a ideia de vida pareceria ultrapassar o âmbito da lógica, isto é, que
pareceria ser um objeto exterior e, portanto, objeto apenas de ciências
outras que não a Lógica.
Porém, "a visão lógica da vida se diferencia da visão científica sobre
a mesma": a "vida lógica, enquanto ideia pura, tem de ser diferenciada
da vida natural, que é considerada na filosofia da natureza, e da vida
enquanto está em conexão com o espírito" (Hegel, 2018, p. 246). 12
Constituem-se, assim, dois conceitos básicos de vida:

• a vida exterior, cujo movimento lógico é o da interiorização, progredindo


desde a vida natural e a vida do espírito até o conceito simples de vida, que

12
É importante notar, porém, que na Pequena Lógica, da Enciclopédia, Hegel refere como que a origem
deste conceito de vida, portanto como que um sentido essencial do mesmo, o conceito mais geral de
vitalidade, retirado da Crítica da Faculdade de Julgar de Kant - ver (Hegel, 2012, p. 131).
Antônio Carlos da Rocha Costa • 309

Hegel denomina vida lógica, constituindo assim a ideia teórica de vida, que
denotamos por:
VidaTeor = [VidaLógica ↢ VidaNatEspírit]
• a vida lógica, cujo movimento lógico é o da exteriorização, progredindo desde
o conceito simples de vida até a vida da natureza e da vida do espírito,
constituindo a ideia prática de vida, que denotamos por:
VidaPrát = [VidaLógica ↣ VidaNatEspírit]

Da dupla adequação, da ideia teórica de vida e da ideia prática de


vida, resulta a ideia absoluta de vida, que Hegel denomina vida universal
e que denotamos por: 13

VidaUniv = [VidaLógica ↢↣ VidaNatEspírit]

Em termos da unidade negativa de seus dois momentos, ideia teórica


de vida e ideia prática de vida, denotamos a vida universal por:

VidaUniv = [VidaTeor ⊳⊲ VidaPrát ]

5. O CONCEITO DE MUNDO

Ao contrário do que acontece na Fenomenologia do Espírito (Hegel,


2002), em que o conceito de mundo está presente desde os capítulos do
Prefácio e da Introdução, recebendo um tratamento exaustivo em vários
capítulos que se seguem a esses, o conceito de mundo não recebe
tratamento extenso na Ciência da Lógica de Hegel.
O lugar próprio da derivação desse conceito, na Ciência da Lógica, é
o capítulo A Existência, da Doutrina da Essência (Hegel, 2017), mas ele só

13
"O conceito de vida [vida lógica] ou a vida universal é a ideia imediata, o conceito ao qual sua
objetividade [vida natural e vida em relação ao espírito] é adequada [como ideia teórica]; mas ela lhe é
adequada somente na medida em que o conceito é a unidade negativa essa exterioridade, quer dizer,
põe-na como adequada a si [como ideia prática]." (Hegel, 2018, p. 249)
310 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

recebe um tratamento explícito na seção O Mundo que Aparece e o Mundo


que é Em Si do capítulo seguinte, O Aparecimento, na qual é tratada
somente a divisão desse conceito. Também, a realização mais plena do
conceito de mundo se dá apenas no capítulo A Vida, da Doutrina do
Conceito, no terceiro volume da Ciência da Lógica(Hegel, 2018).
O que segue, na presente seção, é uma articulação do contexto de
derivação do conceito de mundo, a partir do conceito de existência.
Esquematizamos na Figura 3 esse contexto.

Figura 3: O Contexto de Derivação do Conceito de Mundo.

Formalmente, indicamos os principais momentos constituintes do


contexto de derivação do conceito de mundo do seguinte modo:

1. Existência = [Ser-aí ⊳⊲Fundamento]


- a Existência, considerada em geral, é a unidade negativa do Ser que se
tornou Ser-para-si e da Essência que se tornou Fundamento; 14

14
Na expressão de Hegel, a existência é "a imediatidade [resultante da unidade negativa] mediada pelo
[posta pelo] fundamento [a essência que se tornou fundamento] e pela condição idêntica a si [o ser que
Antônio Carlos da Rocha Costa • 311

2. Existência = [ExistênciaSensível ⊳⊲ ExistênciaSupraSensível]


- a Existência, enquanto coisa, é a unidade negativa da ExistênciaSensível
(o Exterior) e da ExistênciaSupraSensível (o Interior);
3. Mundo = ⨆(Existência)
- o Mundo é o universo das coisas da Existência; 15
4. Mundo = ⨆(ExistênciaSensível) ⊳⊲ ⨆(ExistênciaSupraSensível)
- o Mundo é o devir entre o universo da ExistênciaSensível (Exteriores)
e o universo da ExistênciaSupraSensível (Interiores);
5. 𝑀𝑀undo-sensível = ℘(ExistênciaSensível)
6. Mundo-supra-sensível = ℘(ExistênciaSupraSensível)
7. Mundo = 𝑀𝑀undo-sensível ⊳⊲ Mundo-supra-sensível
- o Mundo é o devir do MundoSensível e do MundoSupraSensível; 16
8. Efetividade = [Mundo] = [MundoSensível ⊳⊲ MundoSupraSensível]
- a Efetividade é a unidade do Mundo, resultante da suprassunção do devir
entre o Mundo-sensível e do MundoSupraSensível. 17

6. OS QUATRO SILOGISMOS

Esquematizamos, nesta seção, as derivações dos quatro silogismos


de ideias:

• vida-universal/vida-singularizada/indivíduo;
• vida-universal/indivíduo/sujeito;
• vida-universal/sujeito/gênero;
• vida-universal/gênero/espírito;

derivações que foram detalhadas em (Costa, 2020a).

se tornou ser-para-si] através do suprassumir da mediação [no encapsulamento na unidade negativa]"


(Hegel, 2017, p.131).
15
Utilizamos o símbolo "⨆" para denotar a operação lógica de constituição de um universo a partir de
um conteúdo dado.
16
Ou, na terminologia mais propriamente lógica de Hegel, mundo que aparece e mundo que é em si,
respectivamente.
17
"A efetividade é a unidade da essência e da existência" (Hegel, 2017, p.191).
312 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

As derivações dos quatro silogismos estão ilustradas na Figura 4. A


figura mostra que cada silogismo resulta naquilo que Hegel denomina
um processo (Hegel, 2018, p. 242). Denominamos os quatro processos,
correspondentes às conclusões dos três silogismos, respectivamente:
processo do indivíduo, processo do sujeito, processo do gênero e processo do
espírito.
Observamos, por outro lado, que a Figura 4 distingue, nos
silogismos, entre as ideias abstratas (a vida universal e a vida
individualizada) e as ideias concretas (as quatro ideias de indivíduo,
sujeito, gênero e espírito).
Como etapa seguinte, nessa sequência de derivações, a ideia do
espírito deriva a ideia do conhecer, mas esta etapa está fora do escopo do
presente artigo.
A seguir, examinamos em mais detalhe a derivação de cada um dos
quatro silogismos, apontando o modo como o conceito de mundo
participa em cada um deles.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 313

Figura 4: As Derivações dos Quatro Silogismos.

6.1 A VIDA UNIVERSAL E O SILOGISMO DO INDIVÍDUO

O primeiro modo com que o conceito se realiza é como uma


objetividade frente a si mesmo, na ideia inicial do conhecer (Hegel, 2018,
p.245-246). Nesse conhecer inicial, o conceito opera como uma
314 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

subjetividade realizada em sua própria objetividade e, assim, como um


sujeito objetivado: como um sujeito-objeto (Hegel, 2018, p.241). 18
Esse primeiro modo de realização do conceito, com o conceito
constituindo uma objetividade que contém de modo imanente ao próprio
conceito como sua subjetividade, é a forma imediata da ideia que, por ter
a subjetividade do conceito objetivada como sujeito-objeto, é a ideia pura
da vida universal. 19
Devido à essa imediatidade, a vida universal "tem a singularidade
como forma de sua existência" (Hegel, 2018, p.242), isto é, a vida universal
se realiza na efetividade, primeiramente, pela ideia do indivíduo. 20
Denominamos processo do indivíduo o processo pelo qual a vida
universal, apreendida inicialmente sob a forma imediata da ideia pura,
se configura na efetividade sob a ideia do indivíduo, constituída por uma
singularidade subjetiva contraposta a um organismo. 21
O processo do indivíduo é formado por uma composição de dois
processos, o processo individual subjetivo, que constitui a subjetividade do
indivíduo frente a uma objetividade indiferente, e o processo individual
objetivo, que constitui o organismo como a objetividade do indivíduo, isto
é, como seu corpo e as relações que este mantém com o restante da
objetividade anteriormente indiferente. 22

18
Na Enciclopédia, as expressões que Hegel utiliza para essa noção de sujeito-objeto são as expressões
"a efetividade do ideal" e "a ideia concreta" (Hegel, 2012, p. 132).
"a objetividade que tem nela mesma [na vida] é compenetrada pura e simplesmente pelo conceito,
19

possui somente ele como substância." (Hegel, 2018, p. 247).


20
Na Enciclopédia: as coisas vivas têm em si, enquanto vivas, a universalidade da vida [vitalidade], que
ultrapassa o singular. (Hegel, 2012, p.135).
"a vida é processo da vida [...], de se efetivar como potência e unidade negativa da objetividade." (Hegel,
21

2018, p.248).
22
Hegel chama o processo individual objetivo de processo vital (Hegel, 2018, p. 245-254).
Antônio Carlos da Rocha Costa • 315

Ao mesmo tempo, a singularidade subjetiva da vida individualizada


se põe como objetiva no organismo, como singularidade objetivada.
A Figura 5 esquematiza o silogismo do individuo, que deriva o
processo do indivíduo.

Figura 5: O Silogismo do Indivíduo.

6.2 O SILOGISMO DO SUJEITO

A derivação do conceito de mundo ocorre na passagem pela qual o


indivíduo se põe como sujeito.
O indivíduo pôr-se como sujeito implica não só ele ser capaz de
relacionar-se com a objetividade exterior por meio dos recursos
mecânicos e quimísticos do seu organismo, mas também ele se tornar
capaz significação, isto é, de realizar processos significativos.
Quer dizer, o indivíduo pôr-se como sujeito implica a capacidade de
pôr conceitos na objetividade externa, fazendo com que ela deixe de ser
316 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

indiferente e se torne mundo objetivo (Hegel, 2018, p.255). Chamamos este


mundo de mundo do sujeito.
A Figura 6 esquematiza o silogismo do sujeito, que deriva o processo
do sujeito.

Figura 6: O Silogismo do Sujeito.

6.3 O SILOGISMO DO GÊNERO

O processo do gênero opera como um processo de reconhecimento,


fazendo os sujeitos reconhecerem, nos seus mundos do sujeito, aqueles
indivíduos com que podem ser identificar como sujeitos que têm a
mesma natureza.
Com isso, o processo do gênero suprassume a multiplicidade dos
indivíduos na forma de um indivíduo genérico, constituindo a ideia do
gênero como uma multiplicidade de indivíduos vivendo em um mesmo
mundo do gênero. Porém, uma multiplicidade de sujeitos presente não
apenas simultaneamente, mas ao longo do tempo: a ideia do gênero é,
também, pelo seu atuar na multiplicidade de sujeitos, o germe da sucessão
Antônio Carlos da Rocha Costa • 317

das gerações de sujeitos, na "repetição" e "processo infinito" dessa


sucessão (Hegel, 2018, p. 259).
A Figura 7 esquematiza o silogismo do gênero, que deriva o processo
do gênero.

Figura 7: O Silogismo do Gênero.

6.4 O SILOGISMO DO ESPÍRITO

Finalmente, o processo do espírito constitui a ideia do espírito, pondo


o gênero como espírito, isto é, como uma totalidade presente em um
mundo do espírito.
A ideia do espírito suprassume "a particularidade [da noção de
gênero] que constituiu [a sucessão das] gerações vivas" e se dá, assim,
"uma realidade [o espírito] que é, ela mesma, universalidade simples"
(Hegel, 2018, p. 259).
Quer dizer, o espírito que deriva diretamente da ideia de gênero é o
espírito enquanto ideia lógica, enquanto ideia de espírito, enquanto o
conceito de espírito relacionado com o mundo do espírito, não o espírito
318 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

enquanto tal (Hegel, 2018, p.267). Ele é a unidade da sucessão de gerações


do gênero e da sucessão dos mundos de gênero de cada uma dessas
gerações.
A Figura 8 esquematiza o silogismo do espírito, que deriva o processo
do espírito.

Figura 8: O Silogismo do Espírito.

7. A TRIPLA ESTRATIFICAÇÃO DO CONCEITO DE MUNDO

Resulta da composição dos silogismos do indivíduo, do sujeito, do


gênero e do espírito, que o conceito de mundo, que deriva da capacidade
de significação introduzida pelo silogismo do sujeito, é estratificado em
três níveis (ver Figura 4 e Figuras 6-8):

• mundo do sujeito;
• mundo do gênero;
• mundo do espírito.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 319

Vê-se que o conceito de mundo do gênero se constitui pela operação


lógica de constituição do universo de um conteúdo dado aplicada, neste
caso, ao conceito de mundo do sujeito. Denotamos esse fato por:

Mundo-do-gênero = ⨆(Mundo-do-sujeito)

Do mesmo modo, a relação entre o mundo do gênero e o mundo do


espírito também se dá pela constituição deste último como o universo do
primeiro:

Mundo-do-espírito = ⨆(Mundo-do-gênero)

Então, na sua totalidade, o conceito de mundo fica estratificado na


forma do produto categorial desses três mundos:

Mundo = Mundo-do-sujeito × Mundo-do-gênero × Mundo-do-espírito

CONCLUSÃO

Este artigo introduziu a noção de silogismo de ideia para possibilitar


a derivação de quatro silogismos que se encontram apenas
implicitamente derivados nos capítulos A Vida e A Ideia do Conhecer, da
Ciência da Lógica de Hegel. O conceito de mundo é momento de cada
termo desses silogismos. O artigo mostrou, desde uma perspectiva de
lógica categorial, como esses quatro silogismos estratificam triplamente
o conceito de mundo, como mundo do sujeito, mundo do gênero e mundo do
espírito.
320 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

REFERÊNCIAS

COSTA, A. C. R. Para uma Leitura Operatória da Lógica de Hegel - Experimentos Iniciais.


Porto Alegre: Editora Fi, 2019.

COSTA, A. C. R. Derivação do Silogismo Sujeito-Gênero-Espírito que está Implícito na


Noção de Vida da Ciência da Lógica de Hegel. Porto Alegre: PUCRS, 2020a. (Trabalho
de Final da Disciplina Filosofia e Interdisciplinaridade VI, orientado pelo Prof.
Agemir Bavaresco).

COSTA, A. C. R. A Silogística de Aristóteles como um Sistema de Sequentes, com Aplicação à


Semântica do Início da Lógica de Hegel. Porto Alegre: PUCRS, 2020b. (Relatório de
Pesquisa, não publicado, que está disponível no endereço:
https://sites.google.com/site/foundationsofagentsocieties/philosophy/phil-2020).

HEGEL, G. F. W. Fenomenologia do Espírito. Petrópolis: Vozes, 2002.

HEGEL, G. F. W. Enciclopédia das Ciências Filosófica em Compêndio (1830) : I - A Ciência da


Lógica. São Paulo: Loyola, 2012.

HEGEL, G. F. W. Ciência da Lógica - Doutrina da Essência. Petrópolis: Vozes, 2017.

HEGEL, G. F. W. Ciência da Lógica - Doutrina do Conceito. Petrópolis: Vozes, 2018.

LAWVERE, F. W. & SCHANUEL, S. H. Conceptual Mathematics - A First Introduction to


Categories. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.
SEÇÃO III

APLICAÇÕES
9
INTERSECCIONALIDADE E LUGAR DE FALA: UMA
ARTICULAÇÃO LÓGICO-OPERATÓRIA COM BASE NO
CONCEITO DE MUNDO ESTRATIFICADO SETORIAL
Antônio Carlos da Rocha Costa 1

RESUMO

Este artigo traz, desde uma perspectiva lógico-hegeliana, uma


proposta de articulação operatória das noções de interseccionalidade e
lugar de fala, com as quais, muitas vezes, se realizam análises de
discursos e de situações sociais. O fundamento da proposta é a sequência
de silogismos de ideias que, derivados da Lógica de Hegel, estratificam a
noção de mundo em três níveis: mundo do sujeito, mundo do gênero e
mundo do espírito. O artigo complementa esse fundamento introduzindo
duas operações, particionamento de ideias e superposição de partições de
ideias, com as quais é derivado o conceito geral mundo setorial. O artigo
mostra, então, como as noções de interseccionalidade e lugar de fala
podem ser articuladas operatoriamente pelas três formas particulares
e estratificadas desse conceito geral: mundo do sujeito setorial, mundo do
gênero setorial e mundo do espírito setorial.

1
Programa de Pós-Graduação em Filosofia – PUCRS. Email: ac.rocha.costa@gmail.com
324 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

1. INTRODUÇÃO

O trabalho apresentado aqui 2 aplica, à análise das noções de


interseccionalidade (AKOTIRENE, 2019; HOLLANDA, 2019) e lugar de fala
(RIBEIRO, 2019), algumas das estruturas da Lógica de Hegel, em cuja
formalização vimos trabalhando desde Costa (2019). 3
O resultado é uma articulação lógico-operatória daquelas duas
noções, com base no conceito lógico de mundo setorial, que presente
trabalho introduz na Lógica de Hegel
O artigo está estruturado como segue. A seção 1 examina as noções
correntes de interseccionalidade e lugar de fala, expondo suas respectivas
estruturas lógico-operatórias.
A seção 2 apresenta a formulação lógico-operatória das três noções
básicas, constitutivas da Lógica de Hegel, que fundamentam a
articulação desenvolvida no trabalho: conceito, ideia e silogismo.
A seção 3 apresenta a derivação do conceito mundo estratificado. A
seção 4 acrescenta duas operações à Lógica de Hegel, as operações de
particionamento de mundo e de superposição de partições de mundos, as
quais permitem derivar o conceito mundo estratificado e superposto, do
qual deriva o conceito central do trabalho: mundo setorial.
A seção 5 faz uso do conceito mundo setorial, juntamente com a
noção de figura objetiva que realiza uma ideia, para obter o resultado final

2
A versão final deste artigo está publicada em: Veritas. Porto Alegre, n.1, p.1-23, jan-dez 2022.
3
Para acompanhar o que parece ser a tendência da literatura nacional – ver, por exemplo, Akotirene
(2019) ou Hollanda (2019) –, empregamos aqui a variante "interseccionalidade", não a variante mais
básica "intersecionalidade", assim como empregamos "interseccional" e, não, "intersecional"; mas damos
preferência à variante "interseção" e, não, à variante "intersecção", em consonância com a forma usual
"interseção". Por outro lado, utilizamos place of speech para expressar lugar de fala em Inglês, seguindo
o exemplo da entrevista de Djamila Ribeiro para o blog italiano Griot, entrevista em Inglês disponível
em: https://griotmag.com/en/aint-i-a-woman-djamila-ribeiro-on-social-justice-black-feminism-and-
the-place-of-speech. Acesso em: 14 nov. 2021.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 325

do trabalho: a articulação lógico-operatória das noções de


interseccionalidade e lugar de fala.
A última seção reúne as considerações finais.

2. AS NOÇÕES ANALISADAS: INTERSECCIONALIDADE E LUGAR DE FALA

2.1 INTERSECCIONALIDADE

O conceito de interseccionalidade tem uma origem difusa. O livro


Intersectionality (COLLINS; BILGE, 2016), que apresenta uma visão
abrangente desse conceito, não identifica um início preciso para o
mesmo, embora concorde com a opinião bastante generalizada de que o
termo "interseccionalidade" tenha se difundido a partir do artigo –
agora clássico – de Kimberlé Crenshaw (1989).
Collins e Bilge, por outro lado, apontam o valor de uma outra noção
que Crenshaw também parece ter difundido: aquela contra a qual se
constituiu o cerne do conceito de interseccionalidade, qual seja, a de
análises de eixo único, isto é, análises de questões de desigualdade social
que são feitas segundo um único aspecto, uma única dimensão da questão
que está sendo analisada.
Mais precisamente, Collings e Bilge caracterizam o conceito de
interseccionalidade do seguinte modo:

Os eventos e condições da vida social e política e da identidade raramente


podem ser compreendidos como moldados por um único fator. Eles são
geralmente moldados por muitos fatores em diferentes modos
mutuamente influentes.
Quando se trata de desigualdade social, as vidas das pessoas e a organização
do poder em uma dada sociedade são melhor compreendidas como sendo
moldadas não por um único eixo de divisão social, seja ele raça ou gênero
326 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

ou classe, mas por muitos eixos que operam em conjunto e se influenciam


uns aos outros (COLLINGS; BILGE, 2016, p. 2).

Tomamos agora, para uma análise operatória da noção de


interseccionalidade, o artigo de Crenshaw (1989).

2.1.1 A INTERSECCIONALIDADE SEGUNDO CRENSHAW: UM QUADRO


TEÓRICO-OPERATÓRIO GERAL

No artigo “Demarginalizing the Intersection of Race and Sex”


(CRENSHAW, 1989), Kimberlé Crenshaw introduziu a noção de
interseccionalidade para dar conta de uma série de deficiências da
legislação antidiscriminatória que estava vigente nos EUA naquela época.
Em particular, essa legislação era deficitária na consideração da
situação de indivíduos que participavam de mais de um grupo social,
entre os grupos sociais, de raça e sexo, que aquela legislação então
considerava: brancos e negros, homens e mulheres.
É na primeira seção, intitulada “O referencial conceitual
antidiscriminatório”, que Crenshaw analisa o referencial conceitual
que, na época do artigo, sustentava a doutrina jurídica
antidiscriminatória norte-americana (particularmente na área do direito
do trabalho, relativamente ao problema das condições de trabalho
discriminatórias), mostrando o quanto as decisões que derivavam dessa
doutrina desconsideravam a especificidade da experiência interseccional
das mulheres negras, relativamente às experiências das mulheres em
geral e dos negros em geral.
Além disso, Crenshaw aponta, nessa primeira seção, o quanto o
fato da experiência interseccional das mulheres negras estava ausente
das reflexões de pensadores dos direitos civis e do feminismo, fato que
Antônio Carlos da Rocha Costa • 327

trata em outras duas seções do artigo. Assim, embora a análise da


relação entre a experiência interseccional das mulheres negras e as
questões jurídicas tenha sido o foco principal do artigo, a análise da
relação dessa experiência com essas outras questões também foi
apresentada no restante do artigo.
A primeira seção de Crenshaw (1989), contudo, é a parte do artigo
relevante para o presente trabalho. É dela que extraímos o seguinte
quadro teórico, que acreditamos embasar o modo de análise interseccional
inaugurado por Crenshaw.

2.1.2 O QUADRO TEÓRICO DA ANÁLISE INTERSECCIONAL

Os seguintes conceitos básicos constituem o quadro teórico de


análise interseccional que consideramos no presente trabalho:

a) seção: uma subpopulação de uma população de indivíduos, caracterizada por


um fator identitáro singular (sexo, etnia etc.), tal como: Mulheres, Homens,
Negros, Brancos etc.;
b) interseção: uma superposição de duas ou mais seções, em um esquema de
interseccionalidade, tal como: Mulheres Negras, Homens Brancos Idosos etc.
c) esquema de interseccionalidade 4: um diagrama mostrando o conjunto de seções
e interseções utilizadas para a análise interseccional de uma situação social
determinada, tal como o ilustrado pelo diagrama de Venn da Figura 1; 5
d) centralidade (de uma seção ou interseção): condição de privilégio ou de
dominância, própria de uma seção ou interseção, relativamente a outras
seções ou interseções de um esquema de interseccionalidade, no que diz

4
A noção de esquema de interseccionalidade parece ter relação direta com o que Jota Mombaça
denomina diagramas socialmente estabelecidos pelas lógicas do mundo como o conhecemos
(MOMBAÇA, 2017, p. 1, nota 6).
5
Note-se que as áreas do diagrama que aparecem como áreas vazias, sem nomes, não são
necessariamente vazias de população: elas indicam, possivelmente, seções da população que não foram
nomeadas no esquema de interseccionalidade que o diagrama representa.
328 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

respeito a um determinado fator presente na situação social analisada (por


exemplo: a frequente centralidade das mulheres brancas, relativamente às
mulheres negras, no discurso feminista dominante);
e) perifericidade (de uma seção ou interseção) 6: condição de desprivilégio ou
subordinação, própria de uma seção ou interseção relativamente a outras
seções ou interseções de um esquema de interseccionalidade, no que diz
respeito a um determinado fator presente na situação social analisada (por
exemplo: a frequente perifericidade das mulheres negras, relativamente aos
homens negros, na doutrina jurídica examinada por Crenshaw);
f) análise interseccional: análise (sociológica, jurídica, cultural, ideológica etc.)
de uma situação social determinada, tendo por base um esquema de
interseccionalidade dessa situação, tal como, por exemplo, as análises
realizadas em Crenshaw (1989).

Figura 1: Diagrama de Venn de um esquema de interseccionalidade.

Note-se que a centralidade de uma seção ou interseção de um


esquema de interseccionalidade é indicada graficamente, no diagrama
que representa o esquema, pelo hachuramento contínuo dessa seção ou
interseção, ao passo que a perifericidade de uma seção ou interseção é
indicada pelo seu hachuramento pontilhado, como ilustrado na Figura 2. 7

6
Derivamos o termo "perifericidade" de "periférico" assim como se deriva "esfericidade" de "esférico".
7
Marcamos com traço mais espesso as seções ou interseções em relação às quais o diagrama indica
uma centralidade ou perifericidade relativa. Deixamos todos os traços de seção e interseção com a
Antônio Carlos da Rocha Costa • 329

2.1.3 ALGUNS RESULTADOS DAS ANÁLISES INTERSECCIONAIS


REALIZADAS POR CRENSHAW

A Figura 2 ilustra o uso de diagramas de Venn para apresentar os


esquemas de interseccionalidade de algumas das situações de
interseccionalidade analisadas em Crenshaw (1989):

a) Figura 2 (superior, à esquerda): situações em que Homens Negros têm


condição de centralidade, relativamente à seção Negros.
b) Figura 2 (superior, à direita): situações em que Mulheres Brancas têm
condição de centralidade, relativamente à seção Mulheres;
c) Figura 2 (inferior, à esquerda): situações em que Homens Brancos têm
condição de centralidade, relativamente a todas as seções;
d) Figura 2 (inferior, à direita): situações em que Mulheres Negras têm condição
de perifericidade, relativamente à seção Mulheres.

mesma espessura quando aquela centralidade ou perifericidade é absoluta, isto é, quando é relativa a
todas as seções ou interseções do diagrama.
330 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Figura 2: Exemplos de centralidade e perifericidade.

Por outro lado, a Figura 3 esquematiza um resultado geral da análise


realizada por Crenshaw sobre a doutrina do direito antidiscriminatório
norte-americano que estava vigente na época da publicação do artigo.
Na visão de Crenshaw, aquela doutrina costumava assumir,
implicitamente, um grupo interseccional central como o referente de suas
leis, deixando à discricionariedade do julgador, ou à jurisprudência
construída historicamente, a definição da situação jurídica concreta dos
grupos interseccionais periféricos, em cada caso particular considerado.
Na Figura 3, a seta dupla tracejada indica a relação de mútua
determinação entre o direito antidiscriminatório analisado e o grupo
Antônio Carlos da Rocha Costa • 331

interseccional central que opera como referente legal implícito daquele


direito. A figura evidencia, assim, a quantidade de outros grupos
interseccionais que aquele direito costumava não contemplar
apropriadamente.

2.2 LUGAR DE FALA

2.2.1 A DIFUSÃO DA NOÇÃO

Em português, o texto que provavelmente mais contribuiu para


difundir um discurso sistemático sobre a noção contemporânea de lugar
de fala foi o livro Lugar de Fala (RIBEIRO, 2019).
Antes de Lugar de Fala, porém, outros textos procuraram
apresentar sistematicamente aspectos centrais dessa noção, por
exemplo Amaral (2005) e, especialmente, a tradução para o português
do artigo “Saberes Localizados: a questão da ciência para o feminismo e
o privilégio da perspectiva parcial”, de Donna Haraway, publicado
originalmente em Inglês em 1988. Esse artigo aponta para a necessidade
de uma "teoria feminista dos saberes localizados" (HARAWAY, 1995, p. 39),
na linha de pensamento proposta por Harding (1991).
332 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Figura 3: Esquema evidenciando a interseção Mulheres Brancas operando como


referente legal implícito do direito antidiscriminatório, relativamente à seção Mulheres.

A noção de perspectiva parcial, noção central de tal artigo, se


vincula nitidamente à noção contemporânea de lugar de fala:

Estou argumentando a favor de políticas e epistemologias de alocação,


posicionamento e situação nas quais parcialidade e não universalidade é a
condição de ser ouvido nas propostas a fazer de conhecimento racional
(HARAWAY, 1995, p. 30).
Não perseguimos a parcialidade em si mesma, mas pelas possibilidades de
conexões e aberturas inesperadas que o conhecimento situado oferece. O
único modo de encontrar uma visão mais ampla é estando em algum lugar
em particular (HARAWAY, 1995, p. 33).

Para Djamila Ribeiro (2019, p. 57), porém, "a origem do termo é


imprecisa" e sua definição foi se desenvolvendo historicamente, no
contexto dos movimentos sociais que se apropriaram dela.
Metodologicamente, contudo, Ribeiro considera possível uma
aproximação definida à noção de lugar de fala: “Nossa hipótese é a de
que a partir da teoria do ponto de vista feminista, é possível falar de
lugar de fala" (RIBEIRO, 2019, p. 59).
Antônio Carlos da Rocha Costa • 333

A teoria do ponto de vista caracteriza pontos de vista do seguinte


modo (ROLIN, 2009). 8

a) são lugares a partir dos quais os seres humanos veem o mundo;


b) influenciam como as pessoas que o adotam constroem o mundo;
c) diferenças entre grupos sociais criam diferenças entre os seus pontos de
vista;
d) são parciais, de modo que coexistem com outros pontos de vista;

o que sustenta adequadamente a hipótese aventada por Djamila


Ribeiro, de que a noção de lugar de fala pode ser bem compreendida a
partir da noção de ponto de vista.

2.2.2 UMA CARACTERIZAÇÃO LÓGICO-OPERATÓRIA

Do ponto de vista lógico-operatório, a noção de lugar de fala se


caracteriza por relacionar grupos sociais a discursos – com estes últimos
expressando não só sistemas de ideias, mas também modos de ser, já que,
como salientou Djamila Ribeiro: "O falar não se restringe ao ato de
emitir palavras, mas a poder existir" (RIBEIRO, 2019, p. 64).
Nessa perspectiva, a noção de lugar de fala parece ter surgido – mas
com um sentido muito mais restrito – quando Marx e Engels
relacionaram formas e conteúdos de sistemas de ideias e modos de ser a
classes sociais. Mais especificamente, quando propuseram – como base
para a metodologia de análise ideológica – identificar classes sociais
como os lugares de onde certos discursos são emitidos e onde certos
sistemas de ideias e modos de ser são estabelecidos.

8
Uma visão abrangente da teoria do ponto de vista está em: https://en.wikipedia.org/wiki/
Standpoint_theory. Acesso em: 14 nov. 2021.
334 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

O locus clássico dessa formulação está em A Ideologia Alemã (MARX;


ENGELS, 2007), mais especificamente na seguinte passagem,
amplamente reproduzida e difundida desde sua primeira publicação:
“As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias
dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da
sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante” (MARX;
ENGLES, 2007, p. 47).
A estrutura lógica dessa primeira formulação da noção de lugar de
fala é simples:

a) há um sistema de lugares de fala;


b) cada lugar de fala é uma classe social;
c) há uma classe social dominante, caracterizada pelo nível dominante da força
material de que dispõe na sociedade;
d) a classe dominante é o lugar de fala dominante, isto é, o lugar de onde são
determinadas as ideias, os discursos e os modos de ser dominantes na
sociedade.

A noção de lugar de fala que vige amplamente hoje em dia pode ser
vista como uma generalização, ou flexibilização, dessa versão inicial
concebida por Marx e Engels. 9
O sistema de lugares de fala constituinte da noção contemporânea
de lugar de fala é caracterizado, basicamente, por:

9
Como observado em Ribeiro, (2019, p. 62), Patricia Collins tem opinião análoga: "Examinando
inicialmente apenas uma dimensão das relações de poder, a de classe social, Marx afirmou que, por mais
desarticulados e incipientes que fossem, os grupos oprimidos possuíam um ponto de vista particular
sobre a desigualdade. Nas versões mais contemporâneas, a desigualdade foi revista para refletir um grau
maior de complexidade, especialmente a da raça e do gênero. O que temos agora é uma sofisticação
crescente sobre como discutir a localização de grupos, não na estrutura singular de classe social
proposta por Marx, nem nas primeiras estruturas feministas, argumentando a primazia do gênero, mas
dentro de construções de multiplicidade que residem nas próprias estruturas sociais e não nas mulheres
individuais" (COLLINS, 1997, p. 377, tradução nossa).
Antônio Carlos da Rocha Costa • 335

a) admite um número qualquer de lugares de fala;


b) os lugares de fala não estão restritos a classes sociais, podendo ser
constituído por qualquer tipo de estrato ou grupo social;
c) os lugares de fala não precisam ser mutuamente excludentes: eles podem se
superpor ou encaixar;
d) não há, necessariamente, um lugar de fala dominante: pode haver um, mais de
um, ou nenhum lugar de fala dominante.

Esta caracterização lógico-operatória da noção contemporânea de


lugar de fala é a caracterização adotada no presente artigo.

3. AS NOÇÕES LÓGICAS BÁSICAS

Nesta seção, apresentamos resumidamente os principais conceitos


da Lógica de Hegel que são utilizados no presente artigo: conceito, ideia,
silogismo.

3.1 CONCEITO

Um conceito 𝐶𝐶 é uma estrutura composta de dois momentos, uma


universalidade 𝑈𝑈 e uma particularidade 𝑃𝑃, e de uma totalidade, a
singularidade 𝑆𝑆. Esses elementos são como segue:

a) o momento da universalidade 𝑈𝑈 é um conceito que tem caráter universal, no


duplo sentido de ser simples e de se aplicar aos objetos de um universo de
objetos;
b) o momento da particularidade 𝑃𝑃 deriva de 𝑈𝑈 por uma determinidade que é
acrescentada a 𝑈𝑈, estabelecendo um escopo de aplicação particular para 𝑃𝑃 e
constituindo 𝐶𝐶 como um conceito composto; 10

10
Na perspectiva da atividade própria da universalidade 𝑈𝑈, tal como essa perspectiva é proposta por
Hegel, a determinidade resulta de uma autodeterminação de 𝑈𝑈 que se põe, com isso, como a
particularidade 𝑃𝑃, ambos se suprassumindo, então, na singularidade 𝑆𝑆.
336 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

c) a singularidade 𝑆𝑆 é a totalidade de 𝐶𝐶, que encapsula o relacionamento de 𝑈𝑈


com 𝑃𝑃 em uma estrutura singular.
d) Denotamos a estrutura de 𝐶𝐶 na forma 𝐶𝐶 = [𝑈𝑈 ⟶ 𝑃𝑃]. Nesta expressão:
e) o símbolo "⟶" denota que 𝑈𝑈 determina (ou, está presente em) 𝑃𝑃; 11
f) o símbolo "[. . . ]" denota a singularidade 𝑆𝑆 de 𝐶𝐶 e representando o
encapsulamento de 𝑈𝑈 ⟶ 𝑃𝑃.

3.2 IDEIA E IDEIA ABSOLUTA

Uma ideia 𝐼𝐼 é uma estrutura composta de dois momentos, um


conceito 𝐶𝐶 e uma objetividade 𝑂𝑂, e de uma relação 𝑅𝑅 estabelecida entre
eles. 12
Há três tipos possíveis para a relação 𝑅𝑅, constituindo três tipos de
ideias:

a) uma ideia teórica, denotada por 𝐼𝐼𝑇𝑇 , é uma ideia em que 𝑅𝑅 determina a
adequação do conceito 𝐶𝐶 à objetividade 𝑂𝑂;
b) uma ideia prática, denotada por 𝐼𝐼𝑃𝑃 , é uma ideia em que 𝑅𝑅 determina a
adequação da objetividade 𝑂𝑂 ao conceito 𝐶𝐶;
c) uma ideia absoluta, denotada por 𝐼𝐼𝐴𝐴 , é uma ideia em que 𝑅𝑅 determina a
adequação simultaneamente teórica e prática entre o conceito 𝐶𝐶 e a
objetividade 𝑂𝑂.13

Denotamos essas ideias na forma:

11
Ver Costa (2020b), para a equivalência entre as expressões determina e está presente em.
12
É importante a distinção entre um conceito se relacionar a um objeto e ele se relacionar a uma
objetividade: é que, em geral, um conceito referente a um objeto refere-se não apenas a esse objeto
enquanto tal, mas também às relações que ele mantém com outros objetos. A objetividade é,
exatamente, esse complexo composto pelo objeto referido e pela sua rede de relações com outros objetos
– ver HEGEL, 2018, p. 117.
13
Na expressão de Hegel, uma ideia absoluta é constituída pela identidade das ideias teórica e prática
estabelecidas entre seu conceito e sua objetividade (HEGEL, 20l8, p. 313).
Antônio Carlos da Rocha Costa • 337

d) ideia teórica: 𝐼𝐼𝑇𝑇 = [𝐶𝐶 ↢ 𝑂𝑂], onde o símbolo "↢" denota a adequação teórica
de 𝐶𝐶 a 𝑂𝑂;
e) ideia prática: 𝐼𝐼𝑃𝑃 = [𝐶𝐶 ↣ 𝑂𝑂], onde o símbolo "↣" denota a adequação prática
de 𝑂𝑂 a 𝐶𝐶;
f) ideia absoluta: 𝐼𝐼𝐴𝐴 = [𝐶𝐶 ↢↣ 𝑂𝑂], onde o símbolo "↢↣" denota a relação de
dupla adequação, teórica e prática, entre 𝐶𝐶 e O.

Em termos da relação chamada de unidade negativa, que une uma


ideia teórica a uma ideia prática em uma ideia absoluta, denotamos uma
ideia absoluta por 14:

𝐼𝐼𝐴𝐴 = [𝐼𝐼𝑇𝑇 ⊳⊲ 𝐼𝐼𝑃𝑃 ]

Denotamos uma ideia 𝐼𝐼 por 𝐼𝐼 = [𝐶𝐶 − 𝑂𝑂] quando não estamos


interessados em especificar se 𝐼𝐼 é uma ideia teórica ou prática ou
absoluta.
Claramente, toda ideia absoluta é uma estrutura ideal que,
portanto, só se realiza de modo parcial na exterioridade do pensamento,
dado que, nela toda objetividade é finita e a realização plena de qualquer
ideia absoluta só pode se realizar plenamente com base em uma
objetividade ideal de caráter infinito, portanto, apenas no plano do
pensamento. 15

14
O símbolo "⊳⊲" denota, aqui, a forma lógica da relação geral de devir, tal como analisada em Costa
(2019).
15
Sobre a importância da distinção entre o plano do pensamento e a objetividade exterior, ou plano
exterior ao pensamento, assim como o modo de relação entre eles através da operação de negação
exterior, ver (COSTA, 2021b).
338 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

3.3 SILOGISMO

3.3.1 SILOGISMO DE CONCEITOS

Como apresentado em Costa (2020b), entendemos que a noção de


silogismo, na Lógica de Hegel, tem um caráter semântico-estrutural, não
o caráter sintático-dedutivo estabelecido pela tradição medieval.
Assim, consideramos que, na Lógica de Hegel, um silogismo 𝑆𝑆 é uma
estrutura composta de três conceitos e três relações:

a) os três conceitos: um termo maior 𝐴𝐴, um termo médio 𝐵𝐵 e um termo menor 𝐶𝐶; 16
b) as três relações: uma relação dita premissa maior 𝐴𝐴 → 𝐵𝐵, uma relação dita
premissa menor 𝐵𝐵 → 𝐶𝐶 e uma relação dita conclusão 𝐴𝐴 → 𝐶𝐶.

Semanticamente, temos que:

c) a premissa maior 𝐴𝐴 → 𝐵𝐵 significa que o termo maior 𝐴𝐴 determina o (ou, está


presente no) termo médio 𝐵𝐵;
d) a premissa menor 𝐵𝐵 → 𝐶𝐶 significa que o termo médio 𝐵𝐵 determina o (ou, está
presente no) termo menor 𝐶𝐶;
e) a conclusão 𝐴𝐴 → 𝐶𝐶 significa que o termo maior 𝐴𝐴 determina o (ou, está
presente no) termo menor 𝐶𝐶.

Mantemos, como Hegel, a terminologia da tradição sintático-


dedutiva medieval e dizemos que cada uma das relações 𝐴𝐴 → 𝐵𝐵, 𝐵𝐵 → 𝐶𝐶
e 𝐴𝐴 → 𝐶𝐶 constitui um juízo componente do silogismo, os juízos 𝐴𝐴 → 𝐵𝐵
e 𝐵𝐵 → 𝐶𝐶 sendo chamados premissas e o juízo 𝐴𝐴 → 𝐶𝐶, conclusão.

16
As notações 𝐴𝐴, 𝐵𝐵 e 𝐶𝐶 correspondem, respectivamente, às notações 𝑈𝑈, 𝑃𝑃 e 𝑆𝑆 adotadas por Hegel, ver
(HEGEL, 2018, p. 135). Preferimos utilizar essa notação (𝐴𝐴, 𝐵𝐵 e 𝐶𝐶) para indicar os conceitos que operam
como termos de um silogismo, visando evitar a confusão entre essa noção de termo de um silogismo e a
noção de momento de um conceito (para a qual utilizamos as notações 𝑈𝑈, 𝑃𝑃 e 𝑆𝑆).
Antônio Carlos da Rocha Costa • 339

Denotamos um silogismo 𝑆𝑆 por 17:

𝑆𝑆 = 𝐴𝐴/𝐵𝐵/𝐶𝐶

Graficamente, apresentamos um silogismo 𝑆𝑆 = 𝐴𝐴/𝐵𝐵/𝐶𝐶 conforme


a Figura 4.

Figura 4: Diagrama comutativo de um silogismo.

Lemos esse diagrama comutativo da seguinte forma:

a) A seta 𝐴𝐴 ⟶ 𝐵𝐵 indica que o termo 𝐵𝐵 está determinado pelo termo 𝐴𝐴, o que
pode ser entendido de diversas maneiras, por exemplo:
i. que é preciso definir completamente o conceito 𝐴𝐴 primeiramente, para
depois se poder definir completamente o conceito 𝐵𝐵;
ii. que o conceito 𝐴𝐴 é parte integrante do conceito 𝐵𝐵 (na terminologia de
Hegel: que o conceito 𝐴𝐴 é momento do conceito 𝐵𝐵.
b) O mesmo ocorre com as setas 𝐵𝐵 ⟶ 𝐶𝐶 e 𝐴𝐴 ⟶ 𝐶𝐶.
c) Por outro lado, o silogismo estabelece que as setas 𝐴𝐴 ⟶ 𝐵𝐵 e 𝐵𝐵 ⟶ 𝐶𝐶 devem
ser validadas cada uma por si, como condição preliminar para a validação da
seta 𝐴𝐴 ⟶ 𝐶𝐶.
d) Porém, que a validação, da seta 𝐴𝐴 ⟶ 𝐶𝐶 não deve ser feita por ela mesma,
mas sim deve ser tomada como uma decorrência lógica da validação das

17
Em consonância com a nota de rodapé 11, a notação 𝐴𝐴/𝐵𝐵/𝐶𝐶 corresponde à notação 𝑈𝑈-𝑃𝑃-𝑆𝑆 utilizada
por Hegel, ver (HEGEL, 2018, p. 135).
340 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

outras duas, isto é, a ela decorre automaticamente das outras duas: sua
validação é uma conclusão lógica necessária da validação, das outras duas. 18

Por vezes, dizemos que os silogismos que têm a forma 𝑆𝑆 = 𝐴𝐴/𝐵𝐵/𝐶𝐶


são silogismos de conceitos, para diferenciá-los dos silogismos de ideias
absolutas, que introduzimos a seguir.
Sempre que conveniente, omitimos no diagrama a escrita do nome
do silogismo, 𝑆𝑆.

3.3.2 SILOGISMO DE IDEIAS ABSOLUTAS

As Figuras 5 e 6 ilustram a noção de silogismo de ideias absolutas.


Na Figura 5, o silogismo de ideias absolutas 𝑆𝑆 = 𝐼𝐼1 /𝐼𝐼2 /𝐼𝐼3 é mostrado
tomando cada ideia absoluta 𝐼𝐼𝑖𝑖 como tendo uma estrutura de conceito e
objeto, dada por 𝐼𝐼𝑖𝑖 = [𝐶𝐶𝑖𝑖 ↢↣ 𝑂𝑂𝑖𝑖 ]. Já, na Figura 6, cada ideia absoluta 𝐼𝐼𝑖𝑖
é tomada com estrutura de devir, dada por 𝐼𝐼𝑖𝑖 = �𝐼𝐼𝑖𝑖𝑇𝑇 ⊳⊲ 𝐼𝐼𝑖𝑖𝑃𝑃 �.

Figura 5: Uma estrutura para os silogismos de ideias absolutas.

Vê-se, na Figura 6, que um silogismo de ideias absolutas pode ser


pensado como sendo constituído pela unidade negativa de um silogismo
de ideias teóricas e de um silogismo de ideias práticas. No que segue,

18
Em outros termos, que sua validação decorre da propriedade de transitividade da relação determina
(está presente em).
Antônio Carlos da Rocha Costa • 341

adotaremos a estrutura de silogismos de ideias absolutas mostrada na


Figura 5.
A introdução da noção de silogismo de ideias absolutas se faz
necessária, aqui, para possibilitar a derivação dos quatro silogismos que
derivamos da Lógica de Hegel e que estão no cerne do presente artigo,
conforme examinado na próxima seção. 19

a) Vida-Universal/Vida-Singularizada/Indivíduo;
b) Vida-Universal/Indivíduo/Sujeito;
c) Vida-Universal/Sujeito/Gênero;
d) Vida-Universal/Gênero/Espírito

Figura 6: Outra estrutura para os silogismos de ideias absolutas.

19
Note-se que a noção de gênero empregada nesta seção, bem como no restante do artigo, é a noção
de gênero presente na Lógica de Hegel – isto é, gênero no sentido de um universo de sujeitos –, não
gênero no sentido identitário, relativo à questão da sexualidade, como esse termo costuma
frequentemente ser utilizado.
342 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Figura 7: O contexto de derivação do conceito mundo.

4 O CONCEITO DE MUNDO E SUA ESTRATIFICAÇÃO 20

4.1 O CONCEITO DE MUNDO

O lugar da primeira referência ao conceito de mundo, na Ciência da


Lógica de Hegel, é o capítulo “A Existência, da Doutrina da Essência”
(HEGEL, 2017). O conceito reaparece na seção “O mundo que aparece” e
“o Mundo que é Em Si” do capítulo seguinte, na qual é tratada a divisão
desse conceito. Contudo, a derivação do conceito mundo se dá,
propriamente, no capítulo “A vida, da doutrina do conceito”, terceiro
livro da Ciência da Lógica (HEGEL, 2018).
Note-se, por outro lado, que o conceito de mundo tratado por Hegel
na Ciência da Lógica é o conceito lógico de mundo, em oposição aos
conceitos concretos de mundo que Hegel trata na Fenomenologia do
Espírito (HEGEL, 2002).

20
O conteúdo desta seção provém, em forma revisada, do artigo Costa (2020b) – ver também Costa
(2020a).
Antônio Carlos da Rocha Costa • 343

O que segue, na presente seção, é uma articulação coordenada da


derivação do conceito Mundo, a partir do conceito de Existência.
Esquematizamos na Figura 7 essa articulação, levando-a até a derivação
do conceito Efetividade).
Formalmente, os principais momentos dessa derivação do conceito
efetividade, passando pelo conceito mundo, a partir do conceito
existência, são os mostrados na Derivação 1. 21
Derivação 1 – Derivação do conceito de efetividade a partir do
conceito de existência, passando pelo conceito de mundo

9. Iniciamos a derivação com: Existência = [Ser-aí ⊳⊲Fundamento ]


# A Existência, considerada em geral, é a unidade negativa do Ser que se tornou
# Ser-para-si e da Essência que se tornou Fundamento ; 22

10. Com a diferenciação entre: ExistênciaSensível e ExistênciaNãoSensível


resulta: Existência = ExistênciaSensível ⊳⊲ ExistênciaNãoSensível .
# A Existência determinada é o devir da ExistênciaSensível e da
# ExistênciaNãoSensível;

11. O Mundo é definido, então, por: Mundo = ⨆(Existência).


# O Mundo é o universo das coisas da Existência ; 23

12. Com base na distinção entre ExistênciaSensível e ExistênciaNãoSensível vem:


Mundo = ⨆(ExistênciaSensível ) ⊳⊲ ⨆(ExistênciaNãoSensível )
# O Mundo é o devir entre o universo das coisas da ExistênciaSensível e o
# universo das coisas da ExistênciaNãoSensível;

21
Indicamos os comentários aos passos da derivação pelo sinal "#".
22
Na expressão de Hegel, a existência é "a unidade indiferenciada da essência com sua imediatidade"
(HEGEL, 2017, p. 133), as quais, ao nível dos conceitos terminais das esferas do Ser e da Essência
correspondem, respectivamente, ao Ser-para-si e ao Fundamento.
23
Utilizamos "⨆(𝐶𝐶)" para indicar o universo dos objetos que caem sob o conceito 𝐶𝐶.
344 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

13. Com as duas denotações: 𝑀𝑀undoSensível = ⨆(ExistênciaSensível ) e


MundoSupraSensível = ⨆(ExistênciaNãoSensível )
resulta: Mundo = 𝑀𝑀undoSensível ⊳⊲ MundoNãoSensível
# O Mundo é o devir do MundoSensível e do MundoNãoSensível; 24

14. Definindo a Efetividade como a unidade resultante da suprassunção do Mundo:


Efetividade = [Mundo] resulta:
Efetividade = [MundoSensível ⊳⊲ MundoNãoSensível ]
# A Efetividade é a unidade resultante da suprassunção do devir entre o
# MundoSensível e do MundoNãoSensível . 25

4.2 A ESTRATIFICAÇÃO DO CONCEITO DE MUNDO

Examinamos, nesta seção, os quatro silogismos de ideias que


estratificam o conceito mundo:

a) vida-universal/vida-singularizada/indivíduo;
b) vida-universal/indivíduo/sujeito;
c) vida-universal/sujeito/gênero;
d) vida-universal/gênero/espírito.

As derivações dos quatro silogismos estão esquematizadas na


Figura 8, com os silogismos concatenados de modo que a conclusão de
um seja uma premissa do seguinte para um detalhamento dessas
derivações (COSTA, 2020a).
A Figura 8 indica que Hegel denomina processo a conclusão de cada
um desses silogismos. Consoantemente, denominamos os quatro

24
Ou, na terminologia mais propriamente lógica de Hegel, mundo que aparece e mundo que é em si,
respectivamente.
25
Na expressão de Hegel: "A efetividade é a unidade da essência e da existência" (2017, p. 191).
Antônio Carlos da Rocha Costa • 345

processos, correspondentes às conclusões dos quatro silogismos:


processo do indivíduo, processo do sujeito, processo do gênero e processo do
espírito.

Figura 8: A derivação dos quatro silogismos de ideias.


346 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Note-se, por outro lado, que a Figura 8 distingue, nos silogismos,


entre as ideias abstratas (a Vida Universal e a Vida Individualizada) e as
ideias concretas (as quatro ideias de Indivíduo, Sujeito, Gênero e Espírito).
Note-se, também, que a sequência de setas cheias é uma sequência
de setas componentes de silogismos, que pode ser lida de diversas
formas como, por exemplo:
O conceito Espírito tem como momento o conceito Gênero, o qual
tem como momento o conceito Sujeito, o qual tem como momento o
conceito Indivíduo, o qual tem como momento o conceito Vida-
individualizada, o qual tem como momento o conceito Vida-universal.
Ou:

– No conceito espírito opera o conceito gênero etc.

Ou, indo bem além de uma leitura estritamente lógica:

– Só há gênero ativo se houver espírito ativo, e vice-versa; só há sujeito ativo se


houver gênero ativo, e vice-versa; etc.

A seguir, examinamos em mais detalhe as derivações dos


silogismos, explicitando o modo como o conceito de mundo participa em
cada um deles, o que está apenas implícito na derivação fornecida por
Hegel no capítulo “A vida, na doutrina do conceito” (HEGEL, 2018, p. 245-
259). 26

26
Para leituras desse capítulo, com mais preocupações interpretativas e menos preocupações formais,
ver, p.ex., (SILVA, 2018) e (Ng, 2020).
Antônio Carlos da Rocha Costa • 347

4.2.1 A IDEIA DE VIDA UNIVERSAL

Hegel introduz a ideia de vida em (HEGEL, 2018, p. 245-249),


comentando que a ideia de vida pareceria ultrapassar o âmbito da Lógica,
isto é, que pareceria ser um objeto exterior e, portanto, objeto apenas de
ciências outras que não a Lógica.
Porém:

a visão lógica da vida se diferencia da visão científica sobre a mesma [...] a


vida lógica, enquanto ideia pura, tem de ser diferenciada da vida natural,
que é considerada na filosofia da natureza, e da vida enquanto está em
conexão com o espírito (HEGEL, 2018, p. 246). 27

Constituem-se, assim, duas ideias de vida, com seus


correspondentes movimentos lógicos:

a) a vida exterior, cujo movimento lógico é o da interiorização, progredindo


desde a vida natural e a vida do espírito até o conceito lógico de vida, que Hegel
denomina vida lógica, realizando assim a adequação teórica da vida lógica à
vida natural e à vida do espírito, constituindo com isso a ideia teórica de vida,
que denotamos por:

VidaTeor =
[VidaLógica ↢ VidaNatEspírit]

b) a vida lógica, cujo movimento lógico é o da exteriorização, progredindo desde


o conceito lógico de vida até a vida natural e a vida do espírito, realizando
assim a adequação da vida natural e do espírito à vida lógica, constituindo a
ideia prática de vida, que denotamos por:

27
É importante notar que na Lógica da Enciclopédia, Hegel refere como a origem deste conceito de vida,
portanto um sentido essencial do mesmo, o conceito mais geral de vitalidade, retirado da Crítica da
Faculdade de Julgar de Kant – ver HEGEL, 2012, p. 131).
348 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

VidaPrát =
[VidaLógica ↣ VidaNatEspírit ]

Da dupla adequação, da teórica e prática da ideia de vida, resulta a


ideia absoluta de vida, que Hegel denomina vida universal e que
denotamos por:

VidaUniv =
[VidaLógica ↢↣ VidaNatEspírit ]

Em termos da unidade negativa de seus dois momentos, ideia teórica


de vida e ideia prática de vida, denotamos a vida universal por:

VidaUniv = [VidaTeor ⊳⊲ VidaPrát ]

Que a vida universal é ideia imediata, e por isso ideia absoluta, se vê


diretamente na forma como Hegel se expressa:

O conceito de vida ou a vida universal é [uma] ideia imediata, o conceito


[vida lógica] ao qual sua objetividade [vida natural e vida em relação ao
espírito] é adequada [constituindo, com isso, a vida teórica]; mas ela lhe é
adequada [teoricamente] somente na medida em que o conceito [vida
lógica] está em unidade negativa com essa exterioridade, quer dizer, põe-
na como adequada a si [constituindo com isso a ideia vida prática e
portanto, no total, a vida universal como ideia absoluta] (HEGEL, 2018. p.
249).
Antônio Carlos da Rocha Costa • 349

4.2.2 O SILOGISMO DO INDIVÍDUO

Figura 9: O silogismo do indivíduo.

Denominamos processo do indivíduo a relação pelo qual a vida


universal, apreendida imediatamente como ideia absoluta, se realiza na
objetividade sob a forma da ideia do indivíduo, constituída por uma
singularidade subjetiva contraposta a um organismo objetivo. 28
O processo do indivíduo é formado por uma composição de dois
processos, o processo individual subjetivo, que constitui a subjetividade do
indivíduo frente a uma objetividade indiferente, e o processo individual
objetivo, que constitui a estrutura organismo-meio como a objetividade do
indivíduo. 29
A Figura 9 esquematiza o silogismo do indivíduo, que deriva o
processo do indivíduo. A Figura 10 esquematiza o "resultado líquido"
desse silogismo.

28
"a vida é processo da vida [...], de se efetivar como potência e unidade negativa da objetividade"
(HEGEL, 2018, p. 248).
29
Hegel chama o processo individual objetivo de processo vital (HEGEL, 2018, p. 245-254).
350 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Figura 10: Resultado líquido do silogismo do indivíduo.

Note-se que, na Lógica de Hegel, a ideia de indivíduo é uma ideia


absoluta, a qual determina uma singularidade subjetiva que é teórica e
praticamente adequada à estrutura organismo-meio que opera como sua
objetividade. Como qualquer ideia absoluta, portanto, é uma construção
ideal, que se realiza na objetividade externa apenas de modo apenas
parcial, conforme enfatizamos na Seção 3.2.

4.2.3 O SILOGISMO DO SUJEITO

A primeira derivação do conceito mundo ocorre no silogismo em


que o Indivíduo se põe como Sujeito, o que implica não só ele ser capaz
de relacionar-se com o meio exterior através dos recursos mecânicos e
quimísticos do seu organismo, mas também ele ser capaz de significação,
isto é, de realizar processos significativos.
Quer dizer, o Indivíduo pôr-se como Sujeito implica sua capacitação
para pôr conceitos na objetividade externa, fazendo com que ela deixe de
ser indiferente e se torne mundo objetivo (HEGEL, 2018, p. 255). Chamamos
esse mundo objetivo de mundo do Sujeito.
A Figura 11 esquematiza o silogismo do sujeito, que deriva o processo
do sujeito.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 351

Figura 11: O silogismo do sujeito.

Note-se que a ideia de sujeito tem caráter intencional, isto é, a


relação entre sua singularidade objetivada e o mundo-do-sujeito que lhe
corresponde se dá com base em processos de atribuição de significados
aos componentes desse mundo, assim como com base em processos de
reconhecimento dos outros Sujeitos que estejam presentes nesse mundo.

4.2.4 O SILOGISMO DO GÊNERO

O processo do gênero opera com base em um processo de


reconhecimento, fazendo os Sujeitos reconhecerem, nos seus respectivos
mundos do sujeito, aqueles Indivíduos com que podem ser identificados
como sujeitos que têm a mesma natureza que eles.
Com isso, o processo do gênero suprassume a multiplicidade dos
sujeitos na forma de um sujeito genérico, constituindo a ideia gênero como
uma multiplicidade de sujeitos de mesmo gênero, vivendo em um mesmo
mundo do gênero.
352 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Uma multiplicidade de sujeitos de mesmo gênero, porém, em que os


sujeitos estão presentes não apenas simultaneamente, mas ao longo do
tempo: a ideia do gênero é, pelo seu atuar na multiplicidade de sujeitos, o
germe da sucessão das gerações de sujeitos, na "repetição" e "processo
infinito" dessa sucessão (HEGEL; 2018, p. 259).
A Figura 11 esquematiza o silogismo do gênero, que deriva o processo
do gênero. Note-se que a ideia de Gênero é multíplice, mas uma
multiplicidade tal que não constitui uma totalidade, pois os múltiplos
Sujeitos individuais que a compõe, apesar de se subsumirem todos sob o
conceito de Sujeito genérico, mantém-se como independentes uns dos
outros, pois o mero reconhecimento mútuo deles não é suficiente para
integrá-los operatoriamente. Em outros termos, o conceito de Sujeito
genérico opera como um representante genérico daqueles múltiplos
sujeitos, isto é, como uma estrutura formal que flutua referencialmente
sobre eles, mas que não os faz operar como uma unidade.

Figura 12: O Silogismo do Gênero.


Antônio Carlos da Rocha Costa • 353

4.2.5 O SILOGISMO DO ESPÍRITO

Finalmente, o processo do espírito constitui a ideia espírito, pondo o


gênero como espírito, isto é, como uma totalidade realizada em um mundo
do espírito.
A ideia Espírito suprassume "a particularidade [da ideia gênero] que
constituiu [a sucessão das] gerações vivas" e se dá, assim, "uma realidade
[o espírito] que é, ela mesma, universalidade simples" (HEGEL, 2018, p. 259).
Quer dizer, o espírito que se deriva, como universalidade,
diretamente da ideia gênero é o espírito apenas enquanto ideia lógica, isto
é, enquanto o conceito de Espírito em adequação teórica e prática com o
mundo do espírito, não o "Espírito enquanto tal" (HEGEL, 2018, p. 267), que
dizer, o espírito efetivamente realizado.
A ideia lógica de espírito é, portanto, a unidade ideal da sucessão de
gerações do gênero e da sucessão dos mundos de gênero de cada uma
dessas gerações e constitui, por isso, a estrutura lógica fundamental de
toda genealogia. 30
A Figura 13 esquematiza o silogismo do espírito, que deriva o
processo do espírito.
Note-se que, pelo processo de suprassunção das gerações, a
multiplicidade de sujeitos subjacente ao sujeito genérico foi encapsulada
no conceito de espírito, como uma unidade e como o momento conceitual
da ideia lógica de espírito. Com isso, a ideia lógica de espírito se põe como
uma condição de possibilidade, de caráter lógico – sem a qual, portanto,

30
Ver Costa, 2021a para uma análise da estrutura lógica da noção de genealogia, tal como essa noção foi
proposta e aplicada à história do pensamento por Foucault, pondo-a como uma quantidade, no sentido
lógico-hegeliano do termo (HEGEL 2016, p. 197-213).
354 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

a multiplicidade de sujeitos componentes do Gênero não tem como


operar como uma unidade.

Figura 13: O silogismo do espírito.

4.3 O CONCEITO DE MUNDO ESTRATIFICADO

Resulta da composição dos três últimos silogismos (silogismo do


sujeito, silogismo do gênero e silogismo do espírito), que o conceito mundo
é estratificado em três níveis, enquanto conjunto de objetos
significativos de um sujeito, de um gênero ou de um Espírito, isto é,
enquanto:

a) mundo do sujeito;
b) mundo do gênero;
c) mundo do espírito.

Formalmente, o mundo estratificado pode ser apresentado,


portanto, pela seguinte estrutura:
Antônio Carlos da Rocha Costa • 355

Mundo-do-sujeito
⎡ ⎤
⎢ 𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠 ⎥
⎢ ⎥
MundoEstrat = ⎢ Mundo-do-gênero ⎥
⎢ ⎥
𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠
⎢ ⎥
⎣ Mundo-do-espírito ⎦

Onde:

a) ⟼suprsuj é a relação resultante da operação de suprassunção dos sujeitos


individuais do mundo-do-sujeito no mundo-do-gênero;
b) ⟼suprger é a relação resultante da operação de suprassunção das gerações do
gênero do mundo-do-gênero no mundo-do-espírito.

Note-se, porém, que os gêneros (e consequentemente os gêneros


setoriais introduzidos no presente trabalho) não têm suas sucessões
geracionais explicitadas. A explicitação dessas sucessões geracionais
exige uma estratificação genealógica dos gêneros, que não estamos
considerando aqui.
Em consequência, a operação de suprassunção de gerações, que
constitui o conceito lógico de espírito a partir do Gênero, trata o gênero
como uma estrutura monolítica, não como uma sucessão de gerações,
como seria o caso se sua estratificação genealógica tivesse sido
explicitada. 31

5. O CONCEITO DE MUNDO SETORIAL

Esta seção trata do particionamento de dois dos subtipos de conceito


Mundo, quais sejam, os mundos multíplices (Mundo-do-gênero e Mundo-
do-espírito). Isto é, a seção trata da divisão desses mundos em partes que

31
Sobre o conceito lógico de genealogia, ver nota 30.
356 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

são disjuntas entre si, mas cuja união compõe a totalidade do mundo a
que pertencem, partes que denominamos setores, com o mundo
resultante sendo denominado mundo setorial. 32

5.1 AS OPERAÇÕES DE PARTICIONAMENTO E SUPERPOSIÇÃO

Introduzimos, nesta subseção, a operação de particionamento de


ideias e a operação de superposição de partições de ideias com as quais, na
seção 4.2, derivamos o conceito Mundo setorial a partir do conceito
Mundo particionado.

5.1.1 PARTICIONAMENTO E PARTIÇÕES DE UNIVERSOS

Uma partição de um universo 𝑈𝑈 é uma divisão desse universo em


um conjunto de setores 𝑆𝑆𝑖𝑖 (onde 𝑖𝑖 = 1,2, . . . , 𝑛𝑛), de modo que 33:

• a união de todos esses setores recupera a totalidade do universo: 𝑈𝑈 =


⨆𝑖𝑖 {𝑆𝑆𝑖𝑖 };
• os setores são mutuamente disjuntos: 𝑆𝑆𝑖𝑖 ⨅𝑆𝑆𝑗𝑗 =⊥, para 𝑖𝑖 ≠ 𝑗𝑗.

Denominamos particionamento qualquer operação que, dado um


universo 𝑈𝑈, gera uma partição de 𝑈𝑈. Denotamos qualquer operador de
particionamento de 𝑈𝑈 na forma: part (𝑈𝑈).

32
Sobre a noção conjunto-teorética de partição, ver: https://en.wikipedia.org/wiki/Partition_of_a_set.
Acesso em: 14 nov. 2021.
33
"⨆" denota a união de setores, "⨅" denota a interseção de setores, "⊥" denota o setor vazio.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 357

5.1.2 A OPERAÇÃO DE PARTICIONAMENTO DE IDEIAS

A operação de particionamento de ideias, com a qual se obtém ideias


setoriais, é obtido pelo particionamento simultâneo e correlativo da
objetividade e do conceito da ideia.
Isto é, dada uma ideia (teórica, prática ou absoluta) [𝐶𝐶 − 𝑂𝑂], uma
partição dessa ideia absoluta é uma estrutura:

part([𝐶𝐶 − 𝑂𝑂]) ⊆ [{𝐶𝐶𝑖𝑖 } − {𝑂𝑂𝑗𝑗 }]𝑖𝑖,𝑗𝑗=1,2,...,𝑛𝑛

Onde:

• {𝐶𝐶𝑖𝑖 } = {𝐶𝐶1 , . . . , 𝐶𝐶𝑛𝑛 } é um conjunto de conceitos setoriais, cada conceito


setorial 𝐶𝐶𝑖𝑖 sendo um conceito particular relativamente ao conceito 𝐶𝐶,
tomado como universal, isto é: vale o juízo 𝐶𝐶 ⟶ 𝐶𝐶𝑖𝑖 , para todo 𝑗𝑗 = 1, . . . , 𝑚𝑚;
• {𝑂𝑂𝑖𝑖 } = {𝑂𝑂1 , . . . , 𝑂𝑂𝑛𝑛 } é o particionamento da objetividade 𝑂𝑂, tomada como
um universo, cada 𝑂𝑂𝑗𝑗 constituindo uma objetividade setorial;
• [𝐶𝐶𝑖𝑖 − 𝑂𝑂𝑗𝑗 ] indica que o conceito setorial 𝐶𝐶𝑖𝑖 e a objetividade setorial 𝑂𝑂𝑗𝑗
constituem uma ideia setorial;

de modo que:

part ([𝐶𝐶 − 𝑂𝑂]) ⊆ {[𝐶𝐶𝑖𝑖 − 𝑂𝑂𝑗𝑗 ] | 𝑖𝑖 = 1,2, … , 𝑛𝑛; 𝑗𝑗 = 1,2, . . . , 𝑚𝑚}

sendo (𝑛𝑛, 𝑚𝑚) denominado a ordem do operador part.


Note-se que:

a) quando o particionamento da ideia [𝐶𝐶 − 𝑂𝑂] é tal que a uma dada objetividade
setorial 𝑂𝑂𝑗𝑗 não é atribuído nenhum conceito setorial, dizemos que 𝑂𝑂𝑗𝑗 é
obscura para o particionamento em questão, o que denotamos por �⊥ −𝑂𝑂𝑗𝑗 �;
358 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

b) quando o particionamento da ideia [𝐶𝐶 − 𝑂𝑂] é tal que a um dado conceito


setorial 𝐶𝐶𝑖𝑖 não é atribuída nenhuma objetividade setorial, dizemos que 𝐶𝐶𝑖𝑖 é
vazio para o particionamento em questão, o que denotamos por [𝐶𝐶𝑖𝑖 −⊥].

5.1.3 A OPERAÇÃO DE SUPERPOSIÇÃO DE PARTIÇÕES DE IDEIAS

Uma mesma ideia [𝐶𝐶 − 𝑂𝑂] pode ser particionada por diferentes
operadores de particionamento, produzindo diferentes partições daquela
ideia.
Dizemos que dois ou mais operadores de particionamento da ideia
[𝐶𝐶 − 𝑂𝑂] são homogêneos se e somente se:

– eles têm a mesma ordem (𝑛𝑛, 𝑚𝑚);


– são tais que todos particionam a objetividade 𝑂𝑂 exatamente nas mesmas
objetividades setoriais �𝑂𝑂𝑗𝑗 �.

A superposição das partições de uma mesma ideia [𝐶𝐶 − 𝑂𝑂], obtidas


por meio de duas ou mais operações de particionamento homogêneas, é
constituída pela superposição, em cada objetividade setorial 𝑂𝑂𝑗𝑗 , dos
conceitos setoriais que lhe são atribuídos pelas diferentes operações de
particionamento, isto é, pela atribuição a 𝑂𝑂𝑗𝑗 da coleção desses conceitos
setoriais.
Assim, dada a ideia [𝐶𝐶 − 𝑂𝑂] e o conjunto de operadores de
particionamento homogêneos part′ ,..., part′...′ , vale que:

part′ ([𝐶𝐶 − 𝑂𝑂]) = ��𝐶𝐶𝑖𝑖′ − 𝑂𝑂𝑗𝑗 � | 𝑖𝑖, 𝑗𝑗 adequados �

part′...′ ([𝐶𝐶 − 𝑂𝑂]) = ��𝐶𝐶𝑖𝑖′...′ − 𝑂𝑂𝑗𝑗 � | 𝑖𝑖, 𝑗𝑗 adequados �

e a superposição dessas partições de [𝐶𝐶 − 𝑂𝑂] é a estrutura dada por:


Antônio Carlos da Rocha Costa • 359

superp (part′ ([𝐶𝐶 − 𝑂𝑂]), . . . , part′...′ ([𝐶𝐶 − 𝑂𝑂])) =

superp({[𝐶𝐶𝑖𝑖′′ − 𝑂𝑂𝑗𝑗 ] | 𝑖𝑖, 𝑗𝑗 adequados}, . . . , {[C𝑖𝑖′...′


′...′ − Oj ] | 𝑖𝑖, 𝑗𝑗 adequados }) =

{[�𝐶𝐶𝑖𝑖′′ , . . . , 𝐶𝐶𝑖𝑖′...′ ′
′...′ � − 𝑂𝑂𝑗𝑗 ] | 𝑖𝑖 , . . . , 𝑖𝑖
′...′
, 𝑗𝑗 adequados }

onde:

• ��𝐶𝐶𝑗𝑗′′ , . . . , 𝐶𝐶𝑗𝑗′...′
′...′ � − 𝑂𝑂𝑖𝑖 � é a ideia setorial superposta constituída sobre a

objetividade setorial 𝑂𝑂𝑖𝑖′ pelos conceitos setoriais superpostos 𝐶𝐶𝑗𝑗′′ , . . . , 𝐶𝐶𝑗𝑗′...′


′...′ .

Note-se que uma ideia setorial superposta ��𝐶𝐶𝑗𝑗′′ , . . . , 𝐶𝐶𝑗𝑗′...′


′...′ � − 𝑂𝑂𝑖𝑖 � pode ser:

a) ideia setorial obscura, quando �𝐶𝐶𝑗𝑗′′ , . . . , 𝐶𝐶𝑗𝑗′...′


′...′ � =⊥, tendo então a forma:

[⊥ − 𝑂𝑂𝑖𝑖 ];
b) ideia setorial vazia, quando 𝑂𝑂𝑖𝑖 =⊥, tendo então a forma:
��𝐶𝐶𝑗𝑗′′ , . . . , 𝐶𝐶𝑗𝑗′...′
′...′ � − ⊥�.

Por exemplo, considerando o caso do particionamento do conjunto


de Pessoas pelos conceitos considerados na interseccionalidade
examinada por Kimberlé Crenshaw (Figura 1), temos:

𝐶𝐶 = {Mulheres,Negros,Brancos,Homens}

𝑂𝑂 = {GrupoPessoas',GrupoPessoas'',GrupoPessoas''',GrupoPessoas'''',GrupoPessoas''''' }

Onde se vê que o conjunto de conceitos setoriais tem mais elementos


que o conjunto das objetividades setoriais, de modo que se tem:

[𝐶𝐶 − 𝑂𝑂] = {[Mulheres − GrupoPessoas' ], {[Mulheres − GrupoPessoas' ],


[Negros − GrupoPessoas'' ], [Brancos − GrupoPessoas''' ],
[Homens − GrupoPessoas'''' ], [⊥ −GrupoPessoas'''''' ]}
360 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

onde GrupoPessoas'''''' tem o papel de objetividade obscura.


Note-se que esse tipo de expressão diferencia entre as
representações dos conceitos setoriais e das objetividades setoriais, ao
contrário do diagrama, que representa conceitos e objetividades juntos,
por meio de um só recurso, as elipses de Venn. Além disso, esse tipo de
expressão admite representar mais de uma objetividade obscura,
enquanto no diagrama todas elas são representadas por um só recurso,
o espaço vazio.

5.2 AS FORMAS DO CONCEITO DE MUNDO SETORIAL

Podemos aplicar, agora, as operações lógicas de particionamento de


ideias e de superposição de partições de ideias, introduzidas na subseção
4.1, às ideias gênero e espírito, para derivar as ideias setoriais gênero
setorial e espírito setorial, e as respectivas formas do conceito mundo
setorial: mundo do gênero setorial e mundo do espírito setorial.
Adicionalmente, definimos aqui os conceitos de sujeito de gênero e sujeito
de gênero setorial.

5.2.1 GÊNERO SETORIAL E MUNDO DE GÊNERO SETORIAL

A superposição de um conjunto de partições da ideia de Gênero


resulta em um conjunto de Gêneros setoriais. Assim, como um gênero Gen
é composto por um Sujeito genérico, que denotamos por SujGen, e um
mundo de gênero, que denotamos por MundGen, temos:

Gen = [ SujGen − MundGen ]

Uma partição de Gen é uma estrutura dada por:


Antônio Carlos da Rocha Costa • 361

part(Gen) = {[SujGen𝑖𝑖 − MundGen𝑗𝑗 ] | 𝑖𝑖, 𝑗𝑗 adequados }

A superposição de um conjunto de partições


′(
{part Gen), . . . , part ′...′ (
Gen)} de Gen é dada por:

superp(part′ (Gen), . . . , part′...′ (Gen)) = {GenSet𝑖𝑖,𝑗𝑗 | 𝑖𝑖, 𝑗𝑗 adequados }

Sendo que:

a) o gênero setorial GenSet𝑖𝑖,𝑗𝑗 é a ideia setorial superposta, gerada por essa


superposição de partições, tendo a forma:

GenSet𝑖𝑖,𝑗𝑗 = ��SujGen′𝑖𝑖 ′ , . . . , SujGen′...′


𝑖𝑖 ′...′
� − MundGen𝑗𝑗 �

tal que:

b) mundset �GenSet𝑖𝑖,𝑗𝑗 � = MundGen𝑖𝑖,𝑗𝑗

é o mundo do gênero setorial Gen𝑖𝑖,𝑗𝑗 ;

c) sujset (GenSet𝑖𝑖,𝑗𝑗 ) = {SujGen′𝑖𝑖 ′ , . . . , SujGen′...′


𝑖𝑖 ′...′
} é o sujeito do gênero setorial
Gen𝑖𝑖,𝑗𝑗 ;
– onde optamos por caracterizar sujset(GenSet𝑖𝑖,𝑗𝑗 ) por um conjunto de sujeitos
genéricos setoriais, �SujGen′𝑖𝑖 ′ , . . . , SujGen′...′
𝑖𝑖 ′...′
�, sem antecipar qualquer
operação que os consolide como um sujeito coletivo de gênero setorial, já que
qualquer operação de consolidação de conjuntos de sujeitos genéricos em um
sujeito coletivo de gênero setorial parece ser mais bem definida em função de
cada situação de aplicação desse conceito;
– sem esquecer que o sujeito de um gênero é um sujeito genérico, isto é, um
elemento formal que flutua referencialmente sobre os sujeitos individuais
que constituem aquele gênero.
362 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Como todo universo é um caso particular de particionamento de si


mesmo (isto é, todo universo é uma partição unitária, resultante do
particionamento identidade), dizemos que Gen é um gênero setorial
primitivo, com os gêneros setoriais que podem ser obtidos por outros
tipos de particionamento, que não o da identidade, sendo denominados
gêneros setoriais derivados.

5.2.2 ESPÍRITO DE UM GÊNERO E ESPÍRITO DE UM GÊNERO SETORIAL

Como os gêneros e gêneros setoriais considerados no presente


trabalho não têm estrutura de sucessão geracional, a operação de
suprassunção de gerações introduzida a seguir, que deriva os conceitos
de Espírito e Espírito setorial, opera com seus argumentos tratados como
unidades monolíticas.
Assim, representamos a operação de suprassunção de gerações
meramente pela operação de encapsulamento, caracterizada
inicialmente em Costa (2019). Resulta, então, para qualquer gênero Gen,
que o Espírito de Gen, enquanto conceito lógico de espírito – não ainda o
espírito enquanto tal (ver Seção 3.2.5) – é dado pelo conceito simples:

espir(Gen) = [Gen]

Analogamente, para qualquer gênero setorial GenSet𝑖𝑖,𝑗𝑗 derivado do


gênero Gen por particionamento e superposição, resulta que o Espírito
setorial de GenSet𝑖𝑖,𝑗𝑗 é dado, igualmente, por um conceito simples:

espirset(Gen𝑖𝑖,𝑗𝑗 ) = [Gen𝑖𝑖,𝑗𝑗 ]
Antônio Carlos da Rocha Costa • 363

5.2.3 SUJEITO DE UM GÊNERO E SUJEITO SETORIAL DE UM GÊNERO


SETORIAL

Um sujeito setorial do gênero setorial GenSet𝑖𝑖,𝑗𝑗 , derivado de um


gênero Gen, é qualquer sujeito individual suj cuja individualidade tenha
sido suprassumida em algum dos sujeitos genéricos setoriais SujGen′...′
𝑖𝑖 ′,,,′
do
gênero setorial GenSet𝑖𝑖,𝑗𝑗 . Com isso, o mundo setorial MundGen𝑖𝑖 de
GenSet𝑖𝑖,𝑗𝑗 é, também, mundo do sujeito setorial suj.
Assim, se suj é um sujeito setorial do gênero setorial Gen𝑖𝑖,𝑗𝑗 então:

d) suj ≺ sujset(GenSet𝑖𝑖,𝑗𝑗 ) denota que a individualidade de suj foi suprassumida


em algum sujeito genérico setorial SujGen′...′
𝑖𝑖 ′,,,′
do sujeito do gênero setorial
sujset(GenSet𝑖𝑖,𝑗𝑗 );
e) suj ≺ mundset(GenSet𝑖𝑖,𝑗𝑗 ) denota que mundset(Gen𝑖𝑖 ) é o mundo de suj.

Note-se que um sujeito individual suj pode ser sujeito setorial de


qualquer quantidade de gêneros setoriais, derivados de qualquer
quantidade de gêneros diferentes.
Note-se, também, que se suj é sujeito setorial do gênero setorial
GenSet𝑖𝑖,𝑗𝑗 do gênero Gen então, o espírito de gênero de suj é o mesmo de
Gen e o espírito setorial de suj é o mesmo de GenSet𝑖𝑖,𝑗𝑗 :

espirgen(suj) = espir(Gen) = [Gen]

espirset(suj) = espir(GenSet𝑖𝑖,𝑗𝑗 ) = [GenSet𝑖𝑖,𝑗𝑗 ]

5.3 OS TRÊS NÍVEIS DE MUNDOS SETORIAIS

Resumimos o resultado da derivação realizada acima conforme o


esquema abaixo, representando o que chamamos de mundo estratificado
setorial:
364 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Mundo-do-sujeito Setorial

suprsuj

Mundo-do-gênero Setorial

suprgen

Mundo-do-espírito Setorial

6. A ARTICULAÇÃO LÓGICO-OPERATÓRIA DAS NOÇÕES DE


INTERSECCIONALIDADE E LUGAR DE FALA

Nesta seção, fazemos uso de dois conceitos: mundo estratificado


setorial, definida acima, e figura de uma ideia, definida a seguir, para
articular de modo lógico-operatório as noções de interseccionalidade e
lugar de fala.

6.1 A NOÇÃO DE FIGURA DE UMA IDEIA

A noção de figura de uma ideia [𝐶𝐶 − 𝑂𝑂] deriva da consideração da


realização da objetividade 𝑂𝑂 da ideia no plano da objetividade externa, que
está situada fora do plano do pensamento:

a) uma figura 𝐹𝐹 de uma ideia 𝐼𝐼 = [𝐶𝐶 − 𝑂𝑂] é uma forma 𝐹𝐹 realizada no plano da
objetividade externa, mas de um modo tal que a objetividade 𝑂𝑂 da ideia 𝐼𝐼 esteja
compreendida em 𝐹𝐹.

A Figura 14 ilustra a relação de realização de uma ideia 𝐼𝐼 = [𝐶𝐶 − 𝑂𝑂]


por uma figura 𝐹𝐹, as setas tracejadas denotando essa relação.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 365

Figura 14: Realização de uma ideia I por uma figura F.

A Figura 14 mostra que, no caso geral, a figura 𝐹𝐹 concretiza mais do


que está contido na objetividade 𝑂𝑂, fazendo com que não haja identidade
entre a ideia e a figura que a realiza na objetividade externa. Somente no
caso das ideias absolutas, realizadas no próprio plano do pensamento, não
no plano da objetividade externa, é que a cobertura de 𝑂𝑂 por 𝐹𝐹 se torna
exata e ocorre a identidade entre a ideia e a figura.
No caso de uma ideia 𝐼𝐼 que se realiza no plano da objetividade
externa, a identidade entre 𝑂𝑂 e 𝐹𝐹 não é possível por causa da finitude de
𝐹𝐹, finitude que é determinada pelo próprio plano da objetividade externa.
A finitude de 𝐹𝐹 não possibilita que 𝐹𝐹 realize apenas a objetividade 𝑂𝑂: a
finitude da figura 𝐹𝐹 faz essa figura ter uma determinação que, em geral,
é inseparável da determinação de várias outras figuras, as quais realizam
outras ideias – portanto outros conceitos e outras objetividades –,
impedindo com isso que 𝐹𝐹 cubra 𝑂𝑂 de modo exato.
Denotamos por 𝐼𝐼 ↠ 𝐹𝐹 o fato de que 𝐹𝐹 é uma figura da ideia 𝐼𝐼 no
plano da objetividade externa.
366 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

6.2 A ARTICULAÇÃO LÓGICO-OPERATÓRIA DAS NOÇÕES


INTERSECCIONALIDADE E LUGAR DE FALA

Para articular operatoriamente as noções de interseccionalidade e


lugar de fala, tomamos como base a intuição usual de que uma seção ou
interseção do esquema de interseccionalidade de uma dada realidade social
opera como lugar de fala dos sujeitos dessa realidade social que estão
marcados por aquela seção ou interseção.
Então, consideramos:

b) a realidade social como sendo a figura que realiza, no plano da objetividade


externa, a ideia representada pelo esquema de interseccionalidade;
c) a população da realidade social como sendo um universo de sujeitos
individuais;
d) as seções e interseções do esquema de interseccionalidade como sendo os
gêneros setoriais desse universo de sujeitos individuais;
e) os mundos setoriais desses gêneros setoriais como sendo os lugares de fala
desses gêneros setoriais;
f) os discursos performados a partir dos lugares de fala como sendo as figuras
que realizam, na realidade social, os espíritos setoriais dos gêneros setoriais
realizados por esses lugares de fala.

As noções de interseccionalidade e lugar de fala podem ser


articuladas, então, conforme mostrado na Figura 15.

Figura 1: A articulação lógico-operatória das noções de


lugar de fala e interseccionalidade.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 367

Na Figura 15:

a) as setas da forma " ⟼suprsuj " e " ⟼suprgerj " denotam, como antes, as
relações que setorializam as ideias de sujeito, gênero e espírito, captando
operatoriamente a noção de interseccionalidade;
b) as setas da forma "↠" denotam a relação de realização de ideias, indicando,
para cada ideia setorial (sujeito setorial, gênero setorial, espírito setorial) qual
é a figura da realidade social (sujeito de lugar de fala, lugar de fala, discurso de
lugar de fala) que realiza o mundo setorial daquela ideia setorial;
c) de modo que cada linha na Figura 15 tem a forma geral: 𝐼𝐼 ↠ 𝐹𝐹(𝑀𝑀), onde:
𝐼𝐼 é uma ideia (sujeito, gênero, espírito), 𝑀𝑀 é o mundo dessa ideia, e 𝐹𝐹 é a figura
que realiza esse mundo;
d) cada linha 𝐼𝐼 ↠ 𝐹𝐹(𝑀𝑀) pode ser lida, então, como: 𝐹𝐹 é a figura que realiza o
mundo 𝑀𝑀 da ideia 𝐼𝐼.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A articulação lógico-operatória das noções de interseccionalidade e


lugar de fala, introduzida neste artigo, ilustra a proposta metodológica
que é própria do esforço de formalização da Lógica de Hegel que vimos
realizando: a Lógica de Hegel parece ser melhor utilizada, enquanto
órganon do conhecimento, mais do que como um recurso analítico,
voltado para a análise individualizada de noções, como um recurso
estruturador, voltado para a explicitação da articulação lógico-operatória
de sistemas de conceitos (COSTA, 2019).
Nesse sentido, é preciso indicar que a análise conceitual realizada
neste artigo tem íntima conexão com os conceitos e procedimentos que
introduzimos, em Costa (2017), para a apresentação formalizada de
sistemas ideológicos situados. A apresentação detalhada do modo com
que se dá essa conexão precisa ficar, porém, para um trabalho posterior.
368 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Quanto a essa conexão com sistemas ideológicos, convém observar,


sobre a estrutura multidimensional dos esquemas de interseccionalidade,
que são esquemas cujo conhecimento pode ganhar muito quando eles
são tratados por técnicas de análise estatística aplicadas a suas
realizações populacionais efetivas – (MARCONDES et al., 2013; PINHEIRO
et al., 2016) –, mas cujas realizações populacionais efetivas só podem
mesmo ser apreendidas conceitualmente – especialmente em suas
significações políticas e ideológicas - por meio daquelas explicitações,
formais ou informais, de suas articulações lógico-operatórias.
Finalmente, observamos que, em termos gerais, a Figura 15 mostra
que a relação de realização de ideias projeta a relação de setorialidade de
ideias, própria do plano das ideias, sobre o plano das figuras de ideias.
Mais precisamente: a relação de realização de ideias projeta as operações
de particionamento de ideias e superposição de partições de ideias, do plano
do pensamento, sobre o plano da objetividade externa.

REFERÊNCIAS

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Antônio Carlos da Rocha Costa • 369

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COSTA, A. C. R. Estruturalismo e Finitude, Pós-Estruturalismo e Progressão Infinita: Uma


Análise Lógico-Hegeliana da Apresentação do Estruturalismo e do Pós-
Estruturalismo por James Williams. Artigo apresentado em 16/09/2021 na XXI
Semana Acadêmica do PPGFil da PUCRS, 2021a. No prelo.

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SILVA, M. Z. A. Vida e Finalismo na Ciência da Lógica. Campinas: Editora Phi, 2018.

AGRADECIMENTOS

Aos profs. Agemir Bavaresco e Nuno Castanheira, pelos


comentários à proposta inicial deste artigo. Aos dois revisores
anônimos da Conversas & Controvérsias, pelas sugestões e reparos. Ao
prof. Norman Madarasz, por suas disciplinas sobre filosofia
contemporânea. Aos profs. Nythamar de Oliveira e Agemir Bavaresco,
pela produção do evento continuado Conjunturas, que abriu um
importante espaço de contemporaneidade no PPGFil/PUCRS.
10
ESTRUTURALISMO E FINITUDE, PÓS-
ESTRUTURALISMO E PROGRESSÃO INFINITA: UMA
ANÁLISE LÓGICO-HEGELIANA DA APRESENTAÇÃO
DO ESTRUTURALISMO E DO PÓS-ESTRUTURALISMO
POR JAMES WILLIAMS
Antônio Carlos da Rocha Costa 1

RESUMO

Este artigo examina, numa perspectiva lógico-hegeliana, os pontos


de vista do estruturalismo e do pós-estruturalismo tal como apresentados
por James Williams no livro Pós-Estruturalismo, em que ele analisa a
filosofia francesa contemporânea que é muitas vezes identificada por
este rótulo. O artigo, porém, não se ocupa da validade dessas análises,
mas do modo como Williams apresenta aqueles dois pontos de vista em
seu livro. O artigo mostra a perspectiva do estruturalismo como
orientada pela forma lógica da finitude e a perspectiva do pós-
estruturalismo como orientada pela forma lógica da progressão infinita.
O artigo introduz, então, a noção de história como quantidade e mostra
que a apresentação que Williams faz da noção de história do pensamento
elaborada por Foucault em A Arqueologia do Saber tem como pano de
fundo a noção de história como quantidade.

1
Programa de Pós-Graduação em Filosofia – PUCRS. Email: ac.rocha.costa@gmail.com
372 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

INTRODUÇÃO

Este artigo 2 examina, numa perspectiva lógico-hegeliana, os


pontos de vista do estruturalismo e do pós-estruturalismo tal como
apresentados no livro Pós-Estruturalismo (Williams, 2013) em que
Williams analisa a filosofia francesa contemporânea que é muitas vezes
identificada por este rótulo. São analisados textos de Derrida, Deleuze,
Foucault, Kristeva e Lyotard.
Também, o artigo introduz a noção de história como quantidade e
mostra que a apresentação que Williams faz da noção de história do
pensamento elaborada por Foucault em A Arqueologia do Saber (Foucault
2013) está orientada pela noção de história como quantidade.
O artigo inicia revisando os conceitos lógico-hegelianos de finitude,
progressão infinita e quantidade.

1. ELEMENTOS DA LÓGICA HEGELIANA

Os conceitos lógicos introduzidos por Williams para a análise dos


pontos de vista estruturalista e pós-estruturalista, os conceitos de âmago
(ou centro, interior) e limite de uma estrutura podem ser duplamente
analisados:

• enquanto conceitos aplicáveis ao ponto de vista estruturalista, como


determinações de conceitos finitos: Constituição e Limite.
• enquanto conceitos aplicáveis ao ponto de vista pós-estruturalista, como
determinações de conceitos infinitos, mas no sentido da progressão infinita:
Barreira e Dever-ser.

2
Publicado originalmente em: Brandon, J. R. et al.. (Org.). XXI Semana Acadêmica do PPG em Filosofia
da PUCRS. 1ed.Porto Alegre: Editora Fundação Fenix, 2021, v. 3, p. 79-95.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 373

Nesta seção, caracterizamos resumidamente a caracterização


esses conceito, tal como estabelecidos por Hegel na lógica da finitude
(Hegel, 2016, p.134-142) e na lógica da progressão infinita (Hegel, 2016, p.
142-148). 3

1.1 CONCEITOS FINITOS

Conceitos finitos são compostos, em sua forma inicial, por dois


momentos:

• Constituição: o conjunto das determinações que estabelecem a interioridade


dos objetos que caem sob ele;
− a Constituição de um conceito afirma simultaneamente determinações
interiores positivas (a Realidade dos objetos) e negativas (a Negação dos
objetos);
− formalmente: Constituição = (Realidade𝐼𝐼 , Negação𝐼𝐼 );
• Limite: o conjunto das determinações que estabelecem a exterioridade dos
objetos que caem sob ele;
− o Limite de um conceito afirma simultaneamente determinações
exteriores positivas (a Realidade do exterior) e negativas (a Negação do
exterior);
− formalmente: Limite = (Realidade𝐸𝐸 , Negação𝐸𝐸 ).

Cabe mencionar, finalmente, a caracterização dos conceitos finitos


como ideais, isto é, recortes idealizados feitos em construtos infinitos,
muito mais abrangentes (Hegel, 2016, p.160-162).

3
Ver também (Costa 2021).
374 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

1.2 PROGRESSÕES INFINITAS

A forma final dos conceitos finitos determina a forma inicial dos


conceitos infinitos não plenamente realizados, ditos progressões
infinitas.
A forma final dos conceitos finitos é dada por dois momentos:

• Barreira: a composição dos dois momentos iniciais do conceito finito, sua


constituição e seu limite correntes:
− formalmente: Barreira = (Constituição,Limite );
− quando pensada temporalmente, toda barreira de um conceito finito é
pensada como vigente em um determinado instante t;
− quando uma barreira é pensada relativamente ao instante t, ela tem a
forma: Barreira 𝑡𝑡 = (Constituição 𝑡𝑡 , Limite 𝑡𝑡 );
• Dever-ser: a tendência dos objetos que caem sob o conceito finito de se
transformarem e adotarem uma outra Barreira:
− quando pensado temporalmente, todo dever-ser de um conceito finito é
pensado como vigente em um determinado instante t;
− quando pensado relativamente ao instante t, um dever-ser tem a forma:
Dever-ser 𝑡𝑡 = Barreira 𝑡𝑡+1 ;
• Desse modo se tem, formalmente: Finito 𝑡𝑡 = (Barreira 𝑡𝑡 , Dever-ser 𝑡𝑡 ).

Claramente, esta determinação final dos conceitos finitos implica


uma dinâmica que associa uma sequência infinita de objetos finitos a todo
objeto que cai sob um conceito finito. Hegel denomina progressão infinita
(ou mau infinito) o conceito dessa sequência infinita de objetos finitos.
Denotamos por DS a dinâmica determinante de uma progressão
infinita. Formalmente, temos, que:
Antônio Carlos da Rocha Costa • 375

• DS opera sobre o conjunto de todas as barreiras que são possíveis nos


progressos infinitos que caem sob um conceito finito: 𝐷𝐷𝐷𝐷:Barreiras →
Barreiras ;
• vale que: Barreira 𝑡𝑡+1 = Dever-ser 𝑡𝑡 = 𝐷𝐷𝐷𝐷(Barreira 𝑡𝑡 );
• e, em geral, para qualquer conceito finito vale: Finito = (Barreira 𝑡𝑡0 , 𝐷𝐷𝐷𝐷).

Graficamente, representamos os conceitos finito e progressão


infinita conforme a Figura 1.

Figura 1: As estruturas do finito e da progressão infinita.

Na Figura 1:

• os retângulos representam as Barreiras;


• as setas representam os Dever-ser;
• um conceito finito é representado pela unidade de sua Barreira e de seu
Dever-ser;
• a progressão infinita é gerada pela dinâmica do Dever-ser e está representada
pela sequência infinita de finitos (retângulos e setas);
• se esta sequência é pensada temporalmente, cada finito constituinte da
sequência é pensado como estando presente em um determinado instante
de tempo.
376 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Vê-se que o conceito hegeliano de progressão infinita capta


logicamente a estrutura linear do conceito matemático, mais geral, de
boa-ordenação. 4 Vê-se, também, que - a princípio - essa estrutura linear
estabelece um ordenamento total da sequência infinita que constitui o
desenvolvimento determinístico da mesma.
Em outros termos, vê-se que os conceitos finitos captam seus
objetos como objetos estáticos, fixos, que apenas tendem a ao seu Dever-
ser, enquanto o conceito de progressão infinita capta seus objetos como
objetos dinâmicos, como processos.
Por outro lado, é importante notar que nada parece haver na
conceituação hegeliana de progressão infinita que impeça a
generalização dessa ordem total para uma ordem parcial, introduzindo
com isso uma condição de não determinismo (isto é, uma condição de
contingência) no desenvolvimento das sequências que constituem
progressões infinitas. Basta, para tanto, que a noção de Dever-ser se
constitua logicamente como não-determinística (isto é, como
contingente). Dito matematicamente: basta, para tanto, que a noção de
Dever-ser se constitua como uma relação, tomada em sentido geral, não
como uma função.
Finalmente, note-se uma outra terminologia que Hegel utiliza para
referir a progressão infinita e de seus momentos finitos, relativamente à
sua efetivação. Como nem a progressão infinita se efetiva como infinita,
mas é sempre como um infinito potencial que nunca se efetiva
plenamente, nem seus componentes finitos se estabilizam plenamente,
mas estão sempre em transformação, Hegel também chama a progressão

4
Ver, p.ex., (Stoll 1979, Cap.2). Ver também https://en.wikipedia.org/wiki/Well-order.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 377

infinita de Infinito finitizado e seus componentes finitos de Finitos


infinitizados.

1.3 O CONCEITO DE QUANTIDADE

O conceito lógico-hegeliano de quantidade difere do conceito lógico


tradicional de quantidade. Este diz respeito à forma de quantificação de
juízos: universais, particulares, singulares. Já o conceito hegeliano de
quantidade diz respeito à estruturação daquilo que, hoje em dia, a
Matemática denomina espaço: conjuntos de elementos dotados de alguma
estrutura adicional 5; no caso, uma estrutura de continuidade.
A conceituação hegeliana, partindo do pensar antimecanicista, que
privilegia a continuidade em relação à discrição, trata o momento contínuo
da quantidade como o momento inicial de sua derivação e estabelece o
momento discreto da quantidade a partir daquele, estabelecendo a seguir
a unidade desses dois momentos (Hegel, 2016, p.197-198) 6.
Sobre uma quantidade qualquer, pode sobrepor-se, externamente,
um limite. O resultado de uma limitação de uma quantidade é
denominado quantum, ou grandeza, por Hegel (2016, p.215). Em
consequência, um quantum é também uma unidade estruturada com
base em dois momentos, um contínuo e um discreto.
A Figura 2 esquematiza a estrutura de uma quantidade (Q), com seu
momento contínuo (Qc) e seu momento discreto (Qd), assim como um de

5
Ver, p.ex., https://en.wikipedia.org/wiki/Space_(mathematics).
6
A assim chamada aritmetização da análise matemática, que significou um giro conceitual nas pesquisas
sobre os fundamentos da Matemática, o qual a aproximou do modo de pensar inaugurado nas ciências
a partir dos finais do século XIX, tomou justamente o caminho oposto: considerou a estrutura discreta
do conjunto dos números inteiros como estrutura inicial e dela derivou a estrutura contínua dos números
reais. Ver, p.ex., https://encyclopediaofmath.org/wiki/Arithmetization_of_analysis.
378 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

seus possíveis quanta (G). O retângulo representa o limite superposto a


Q, determinando G.

Figura 2: Estrutura esquemática de uma quantidade Q e


de um de seus possíveis quanta, G.

Convém enfatizar, aqui, a diversidade dos exemplos de quantidades


dados por Hegel: o espaço, o tempo, a matéria, a luz, e "até mesmo o Eu"
(Hegel, 2016, p.199), o que abre bem a possibilidade da interpretação que
fornecemos, na Seção 5.3, do fundamento lógico da análise de Williams
sobre a noção foucaultiana de história do pensamento: a história do
pensamento como uma quantidade, isto é, a história do pensamento
como uma unidade de genealogias contínuas e discretas.

2. O PONTOS DE VISTA DO ESTRUTURALISMO E DO PÓS-


ESTRUTURALISMO, SEGUNDO JAMES WILLIAMS

Na seção Limites e Conhecimento, do capítulo de Introdução ao livro


Pós-Estruturalismo, Williams (2013, p.13-45) apresenta o ponto de vista
pós-estruturalista na forma de proposições principais, as quais
caracterizam esse ponto de vista através de três conceitos. Esses
conceitos, ainda que bastante gerais, são suficientes para estabelecer
distinções básicas entre o pós-estruturalismo e o estruturalismo.
A seguir, resumimos os comentários de Williams sobre esses três
conceitos. Depois, estabelecemos as principais características do ponto
Antônio Carlos da Rocha Costa • 379

de vista estruturalista, tal como elas se seguem, por oposição, a partir


desses três conceitos.
Williams apresenta esses conceitos valendo-se de dois conceitos
lógicos introduzidos por ele, âmago (ou centro, interior) e limite, os quais
ele define implicitamente no contexto mesmo daquela apresentação.
Por simplicidade, no que segue referimos apenas as páginas de
(Williams, 2013).

2.1 OS PRINCIPAIS CONCEITOS CARACTERIZADORES DO PONTO DE VISTA


PÓS-ESTRUTURALISTA

PE1: Os limites do conhecimento têm um papel inevitável em seu âmago. (p. 13)
• Esse primeiro conceito parece ser o mais fundamental pois, segundo
Williams, "é o denominador comum que permeia o pós-estruturalismo".
• Os limites são aspectos "irregulares" das estruturas estudadas. Eles têm
"papéis perturbadores e produtivos". "O âmago não é mais confiável,
significativo e mais bem conhecido que seus limites ou fronteiras externas."
(p. 14)
• Além disso: "O pós-estruturalismo projeta o limite sobre o interior do
conhecimento" e "o limite não é comparado com o centro, nem equiparado a
ele". Ao contrário, numa formulação identificadora: "o limite é o cerne"
(p. 14-15)

PE2: O limite não é definido por oposição ao interior; é algo positivo por si mesmo.
(p.15)
• Williams aponta a radicalidade deste conceito, pois "põe em questão o
papel das formas tradicionais de conhecer no estabelecimento de
definições".
• Em outros termos, para o ponto de vista pós-estruturalista, o limite se
põe como "diferença pura" e "algo que desafia a identificação" que o
tornasse "algo cognoscível", "um outro interior".
380 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

• "o limite [enquanto diferença] é uma coisa inapreensível que só pode ser
abordada por sua função de irrupção e mudança no âmago".

PE3: Você não pode identificar o limite, mas pode rastrear seus efeitos. (p. 15-17)

• "Esses efeitos são transformações, mudanças, reavaliações."


• O limite é "uma fonte de produção interminável de transformações e
diferenças", tem um "poder produtivo inexaurível".

Williams conclui, então, essa caracterização do pós-estruturalismo


afirmando: "Ele é subversão - que resulta positiva - das oposições
estabelecidas." (p.17)
Note-se que, no que consta nos comentários a PE3, uma produção
interminável de transformações constitui o que chamamos de processo
diacrônico, ao passo que uma produção interminável de diferenças
constitui o que chamamos de processo diacrítico.
Claramente, o dever-ser (o limite) se apresenta como ruptura,
relativamente aos processos históricos. A barreira (o âmago) se
apresenta, nos processos históricos, como continuidade.

2.2 A CARACTERIZAÇÃO DO PONTO DE VISTA ESTRUTURALISTA

Embora o tema do livro seja o ponto de vista pós-estruturalista, o


ponto de vista estruturalista é constantemente recordado e colocado
como o ponto de vista contra o qual o pós-estruturalismo se afirma.
Uma das críticas mais importantes ao ponto de vista estruturalista
centra-se no caráter estático que o pensamento adquiriria ao adotar este
ponto de vista. É o que está implícito em várias das afirmações
constantes da Conclusão do livro:
Antônio Carlos da Rocha Costa • 381

O pós-estruturalismo visa "restaurar o papel do pensamento criativo e crítico"


(p.216), por meio de um "questionamento de tradições e estruturas" (p.216),
fazendo o pensamento tornar-se "mais dinâmico e flexível" (p.216), em
função da "natureza dinâmica dos problemas e respostas em jogo" (p.219).

Já, desde uma perspectiva mais geral, pode-se dizer que o ponto de
vista estruturalista é considerado, no livro, como tendo as seguintes
características.
Por oposição ao conceito P1:

E1: "o projeto estruturalista pode ser sintetizado pelo conceito de que chega a um
conhecimento seguro ao restringir, envolver diferenças no interior de
estruturas." (p.14)
• O ponto de vista estruturalista considera essas diferenças como
operando sobre o conhecimento, negligenciando, com isso, "os papéis
perturbadores e produtivos de limites irregulares". (p. 14)
• Para o ponto de vista estruturalista, "o conhecimento deve começar pela
norma e só então considerar exceções", com a norma "implicando um
[caráter de] desvio na definição da exceção". (p. 14)

E2: O conhecimento estruturalista é aberto à mudança apenas "quando as


estruturas observadas mudam". (p. 14)
• Enquanto essas estruturas não mudam, o ponto de vista estruturalista
tem a ilusão de poder "alcançar alguma compreensão segura", na forma
de um padrão de normalidade.
• Isto é, os limites aparecem, ao ponto de vista estruturalista, como
"desvios excepcionais do padrão normal".

Em contraste com o conceito PE2:

E3: No ponto de vista estruturalista, o limite é definido "por oposição ao interior"


e não é "algo positivo por si mesmo".
382 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

É importante notar que "o estruturalismo é aberto à mudança", mas


somente "quando as estruturas observadas mudam", isto é, o
estruturalismo é capaz de evidenciar e captar a sequência de estados por
que uma estrutura pode passar, mas não a própria tendência à mudança,
que gera e regula essa sequência de estados.
Por outro lado, é importante observar que o pós-estruturalismo
"ainda é um estruturalismo, mas aberto e transformado" (Williams 2013,
p.46), quer dizer, capaz de evidenciar e captar aquela tendência à
mudança.

3. OS PONTOS DE VISTA ESTRUTURALISTA E PÓS-ESTRUTURALISTA DESDE


A PERSPECTIVA LÓGICO-HEGELIANA

O contraste que Williams estabelece entre os pontos de vista do


estruturalismo e do pós-estruturalismo sugere que os conceitos lógicos
que ele empregou nessa análise - limite e âmago (ou centro, interior) -
podem ser interpretados desde a perspectiva lógico-hegeliana,
relativamente à sua aplicação àqueles dois pontos de vista, conforme
está mostrado na Tabela 1.

Tabela 1: Interpretação lógico-hegeliana dos conceitos âmago e limite, de Williams.

Conceito No estruturalismo No pós-estruturalismo


âmago Constituição Barreira
limite Limite Dever-ser

Essa interpretação dos conceitos lógicos de Williams em termos de


conceitos lógico-hegelianos, pode ser justificada da seguinte forma.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 383

3.1 O PONTO DE VISTA ESTRUTURALISTA E A CONDIÇÃO DE FINITUDE

Em relação ao ponto de vista estruturalista, a interpretação lógico-


hegeliana do conhecimento como baseado no conceito de estrutura é a de
um conhecimento baseado em conceitos finitos, o que é indicado pelas
seguintes interpretações lógicas:

• o âmago do conhecimento, dado na forma de uma estrutura, é interpretado


como uma constituição:
− ele reúne as características sincrônicas que a estrutura possui, tanto as
características positivas quanto as negativas;
• o limite do conhecimento (no sentido de Williams), dado na forma do
contexto em que a estrutura opera, é interpretado como Limite (no sentido
de Hegel):
− ele reúne as características sincrônicas que o exterior da estrutura (seu
contexto, ambiente) possui, tanto as características positivas quanto as
negativas.

Quer dizer, enquanto conceito finito, a estrutura e seu contexto são


compreendidos como uma idealização, um recorte idealizado, feito em
uma realidade infinita, muito mais abrangente.
Note-se, porém, que a condição de finitude está incompleta, no
ponto de vista estruturalista, posto que o dever-ser está ausente: apenas a
barreia (constituição + limite) está presente. Isso quer dizer que não
apenas a noção de transformação de estruturas está ausente, como
também a noção de gênese das estruturas.
384 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

3.2 O PONTO DE VISTA PÓS-ESTRUTURALISTA E A CONDIÇÃO DE


PROGRESSÃO INFINITA

Em relação ao ponto de vista pós-estruturalista, a interpretação


lógico-hegeliana dessa tentativa de superação das limitações do ponto
de vista estruturalista, enquanto conhecimento baseado no conceito de
estrutura, é a de um conhecimento orientado ao conceito de progresso
infinito, isto é, da progressão infinita.
Isso é indicado pelas seguintes interpretações lógicas:

• o âmago do conhecimento ainda é dado por uma estrutura, mas é


interpretado como uma Barreira:
− ele reúne as características diacrônicas, tanto positivas quanto negativas,
próprias da estrutura e de seu contexto, que a estrutura e o contexto
possuem em um dado instante do seu contínuo processo de
transformação conjunta;
• o limite do conhecimento, por outro lado, é interpretado como um Dever-ser:
− ele caracteriza a tendência que vige em relação à transformação da
Barreira, determinando a próxima Barreira que a estrutura e seu contexto
devem realizar.

Quer dizer, o pós-estruturalismo capta o par estrutura/contexto sob


forma de um progresso infinito, em que o Dever-ser nunca se efetiva
plenamente e a Barreira nunca se apresenta em uma forma plenamente
realizada. Com isso, também, a noção de gênese de estruturas pode se
fazer presente.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 385

4. A NOÇÃO DE HISTÓRIA DO PENSAMENTO EM A ARQUEOLOGIA DO SABER


(CONFORME WILLIAMS)

Seguindo a proposta geral do presente artigo, esta seção analisa o


modo como Williams apresentou, no Pós-Estruturalismo (Williams, 2013,
p.153-188), os fundamentos lógicos de A Arqueologia do Saber, de
Foucault.
Procedemos do seguinte modo. Na Seção 5.1, resumimos a
perspectiva foucaultiana da história do pensamento, tal como
apresentada por Williams. Na Seção 5.2, mostramos que a noção
hegeliana de quantidade constitui o fundamento lógico do contraste que
Williams estabelece entre as noções foucaultiana e estruturalista de
história do pensamento, mas sem que nenhuma das duas explicite
plenamente esse fundamento. Na Seção 5.3, analisamos o que Williams
denomina os elementos da noção foucaultiana de história do
pensamento.

4.1 A PERSPECTIVA FOUCAULTIANA DE HISTÓRIA DO PENSAMENTO

Williams expõe três noções principais tratadas no livro: história do


pensamento, política e saber. Aqui, nos limitaremos à análise do modo
como Williams apresentou os princípios lógicos da noção foucaultiana
de história do pensamento (Williams, 2013, p.153-175), da qual dois
aspectos são considerados centrais: os princípios de continuidade e
descontinuidade, tomados como dois modos alternativos de construção
de narrativas históricas; e aquilo que William denomina os elementos da
história do pensamento.
Williams inicia sua análise de A Arqueologia do Saber apresentando
esse livro como aquele em que Foucault confrontou os princípios de sua
386 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

filosofia da história do pensamento com os princípios do estruturalismo.


Mais especificamente, o confronto relativamente aos modos de pensar
a relação do presente com o passado (no que diz respeito à filosofia do
tempo e à questão da relação entre indivíduo e estrutura social) e aos
métodos de escrever a história do pensamento.
Em particular, Williams (2013, p.154-155) aponta:

• o modo da narrativa histórica: o processo histórico é narrado em termos de


cadeias interconectadas de genealogias históricas, isto é, de sequências de
formas históricas caracterizadas pela presença de momentos de
contingência e não causalidade, sempre despidas de verdades finais;
• o modo de considerar o poder, a liberdade e a resistência ao poder na narrativa
histórica: o poder não é mais associado a atores livres, mas a estruturas que
se exprimem na linguagem e na estruturação do tempo histórico, as quais são
condicionadas por aquelas cadeias de genealogias.

Questões essas que levam a um modo específico de pensar o sujeito


humano e o próprio escritor da história, colocando em xeque o conceito
lógico tradicional de identidade e impactando, com isso, as noções
corriqueiras de moralidade e conhecimento, usualmente fundamentadas
nas ideias de identidade do indivíduo e de identidade dos conceitos ao longo
do tempo, respectivamente.

4.2 GENEALOGIAS CONTÍNUAS E DESCONTÍNUAS

Como indicado acima, Williams (2013) salienta um aspecto


específico da concepção foucaultiana de narrativa da história do
pensamento, qual seja, a distinção entre a narrativa da história do
pensamento como uma única sequência genealógica contínua de eventos
Antônio Carlos da Rocha Costa • 387

e a narrativa da história do pensamento como uma rede de genealogias


de eventos, favorecendo esta última.
Adicionalmente, Williams nota que Foucault introduz mais dois
aspectos, duas novas dimensões, nessa análise:

• a distinção entre genealogias contínuas e genealogias descontínuas;


• a distinção entre narrativa da história do pensamento desde um ponto de
vista privilegiado e a narrativa desde múltiplos pontos de vista.

Quer dizer, esse duplo aspecto implica a distinção entre narrativas


da história do pensamento formuladas em termos de genealogias
contínuas, geradoras de estruturas estáveis, fixadas em elementos
históricos com significados fechados (que Foucault denomina documentos,
isto é, evidências), e narrativas da história do pensamento formuladas
em termos de genealogias descontínuas, geradoras de estruturas
instáveis, fixadas em elementos históricos com significados abertos (que
Foucault denomina monumentos, isto é, elementos de caráter enigmático).
Com base nesse quadro conceitual, Williams sintetiza o sentido da
noção foucaultiana de arqueologia como o método de análise da história
do pensamento que trata os elementos históricos como monumentos de
modo a sustentar narrativas explicitadoras de redes de genealogias
descontínuas. Portanto, a arqueologia como auxiliar da genealogia.

4.3 A ANÁLISE FOUCAULTIANA DA HISTÓRIA E A NOÇÃO DE HISTÓRIA


COMO QUANTIDADE

Como indicado na Seção 2.3, pensamos que, do ponto de vista


lógico-hegeliano, a análise da noção foucaultiana de história do
388 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

pensamento, realizada por Williams, pode ser compreendida como se


dando sobre o pano de fundo da noção de quantidade.
Em consequência, pensamos que as duas variedades de genealogias,
contínua e discreta, podem ser pensadas do seguinte modo:

• genealogia contínua: relativa a períodos históricos longos, caracterizados de


modo homogêneo e expresso em termos de tradições, mentalidades, espíritos
etc. (Williams, 2013, p.170);
• genealogia discreta: relativa a períodos históricos curtos, caracterizando uma
sequência parcialmente ordenada de eventos pelas suas rupturas com
sequências anteriores e posteriores, com o conjunto de genealogias discretas
presentes em um período histórico longo caracterizado pela rede de suas
genealogias, isto é, sendo ele próprio, parcialmente ordenado.

A Figura 3 esquematiza a história como quantidade (Hq) com seus


dois momentos, história contínua (Hc) e história discreta (Hd), e suas
respectivas genealogias, contínua (Hc) e discretas (Hd), mas estas últimas
compostas de (sub)genealogias contínuas, envolvendo tempos históricos
mais curtos. A épocas históricas são tomadas como grandezas (quanta),
ilustradas pelo retângulo (E). 7

7
Nos termos da lógica hegeliana, a estrutura esquemática da Figura 3 pode ser compreendida como
uma quantidade cujos momentos, tanto contínuo como discreto, são, eles mesmos, compostos de
quantidades. Em particular, o momento contínuo é constituído por uma estrutura qualitativamente
infinita, ela mesma composta de estruturas qualitativamente infinitas, ao modo dos números ordinais
transfinitos de Cantor (1955). Mas esta compreensão não pode ser detalhada, nem justificada de modo
apropriado, nos limites do presente artigo.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 389

Figura 3: Esquema parcial ilustrativo da noção de história como quantidade.

CONCLUSÃO

Este artigo analisou, do ponto de vista lógico-hegeliano, a


apresentação das perspectivas do estruturalismo e do pós-estruturalismo
oferecida por James Williams (2013).
O artigo mostrou a perspectiva do estruturalismo como orientada
pela forma lógica da finitude e a perspectiva do pós-estruturalismo como
orientada pela forma lógica da progressão infinita.
Finalmente, o artigo introduziu, de modo preliminar, a noção de
história como quantidade e mostrou que a apresentação da noção de
história do pensamento elaborada por Foucault em A Arqueologia do Saber
(Foucault 2013) tem como pano de fundo a noção de história como
quantidade.
Note-se que, do ponto de vista da Lógica hegeliana, porém, a noção
de progressão infinita é insuficiente para a análise histórica. A noção que
Hegel denomina Infinito Verdadeiro (Hegel, 2016, p.142-162) se mostra
mais adequada. Quer dizer: do ponto de vista hegeliano, a perspectiva
pós-estruturalista ainda é logicamente deficitária.
390 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Norman Madarasz, pelas motivadoras exposições sobre a


filosofia francesa contemporânea. Ao Prof. Agemir Bavaresco, pelo
constante apoio à minha tentativa de tratar a Lógica de Hegel por meio
de um instrumental simbólico contemporâneo. Ao revisor anônimo,
pelas sugestões e reparos.

REFERÊNCIAS

COSTA, A. C. R. A Macrooperação de Progressão de Etapa e sua Atuação no Início do


Processo de Derivação de Conceitos, na Ciência da Lógica de Hegel. In: Bavaresco,
A.; Iber, C.; Jung, J.. (Org.). Do Início à Finitude do Ser: Interfaces Lógicas Hegelianas.
Porto Alegre: Editora Fundação Fênix, 2021, v. 1, p. 31-55.

FOUCAULT, M. A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

HEGEL, G. W. F. Ciência da Lógica - 1. Doutrina do Ser. Petrópolis: Vozes, 2016.

STOLL, R. R. Set Theory and Logic. New York: Dover, 1979.

WILLIAMS, J. Pós-Estruturalismo. Petrópolis: Vozes, 2013.

WILLIAMS, J. Understanding Post-Structuralism. London: Routledge, 2006.


11
O INFINITO VERDADEIRO EM HEGEL E
O INFINITO ABSOLUTO EM CANTOR:
UMA ANÁLISE COMPARATIVA
Antônio Carlos da Rocha Costa 1

RESUMO

Este artigo propõe uma resposta à questão da relação entre o


conceito de Infinito Verdadeiro em Hegel e o conceito de Infinito Absoluto
em Cantor. As sequências de derivação desses dois conceitos são
examinadas, relativamente à posição que cada um deles ocupa na sua
sequência de derivação. O resultado obtido é que cada um desses
conceitos é determinado como o menor ponto-fixo da sequência de
derivação que o deriva.

1. INTRODUÇÃO

Em (Costa, 2020), introduzimos duas noções na Lógica de Hegel, as


noções de microoperação e de macrooperação e as aplicamos à análise das
etapas iniciais do processo de derivação de conceitos dessa Lógica, desde
o conceito Ser em geral até o conceito Finito.
O presente artigo representa uma continuação daquele, avançando
pelas etapas posteriores, do Finito ao conceito Ser para si, passando pelo
conceito Infinito Verdadeiro.

1
Programa de Pós-Graduação em Filosofia – PUCRS. Email: ac.rocha.costa@gmail.com
392 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

O artigo está estruturado do seguinte modo. A Seção 2 apresenta as


noções de microoperação e macrooperação. A Seção 3 detalha a estrutura
e a dinâmica da macrooperação de progressão de etapa e das
microoperações que a compõem.
A Seção 4 analisa em detalhe, com base na macrooperação de
progressão de etapa, a derivação dos conceitos Infinito Verdadeiro e Ser
para si a partir do conceito Finito.
A Seção 5 é a Conclusão.
O Apêndice propõe uma reposta para a questão da relação entre o
conceito Infinito Verdadeiro de Hegel e o conceito Infinito Ideal de
Cantor.

2. QUESTÕES PRELIMINARES

2.1 O MENOR PONTO-FIXO DE UMA OPERAÇÃO

O conceito geral de ponto-fixo de uma operação é um conceito


corrente da matemática 2. Define-se um ponto-fixo de uma operação 𝑓𝑓
como sendo um valor 𝑥𝑥 de seu argumento para o qual o valor da
operação é o próprio valor 𝑥𝑥. Isto é, um valor 𝑥𝑥 tal que 𝑓𝑓(𝑥𝑥 ) = 𝑥𝑥.
Uma operação pode ter:

• nenhum ponto-fixo;
• exatamente um ponto-fixo;
• mais de um ponto-fixo.

Para as operações que tem exatamente um ou mais de um ponto-fixo,


e são operações tais que os valores de seus argumentos estão submetidos

2
Ver, p.ex., https://en.wikipedia.org/wiki/Fixed_point_(mathematics).
Antônio Carlos da Rocha Costa • 393

a uma relação de ordem, é possível que um desses pontos-fixos seja o


menor entre eles.
No que segue, denotamos o menor ponto-fixo de uma operação 𝑓𝑓
por 𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃Fix(𝑓𝑓), quando ele existir.
Obviamente, se uma função tem um único ponto-fixo, ele é, ao
mesmo tempo, seu menor e seu maior ponto-fixo.

2.2 O MENOR PONTO-FIXO DE UMA RELAÇÃO

O conceito de ponto-fixo de uma operação generaliza-se de modo


imediato como o conceito de ponto-fixo de uma relação, do seguinte
modo: 𝑥𝑥 = 𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃(𝑅𝑅) ⟺ (𝑥𝑥, 𝑥𝑥) ∈ 𝑅𝑅.
O menor ponto-fixo de uma relação é então, obviamente, o menor dos
seus pontos-fixos, quando ele existir.

3. A DERIVAÇÃO DO CONCEITO HEGELIANO DE INFINITO-VERDADEIRO

Esta seção apresenta informalmente a derivação do conceito


Ser-para-si𝑆𝑆 a partir do conceito Finito𝑆𝑆 , que foi derivado na etapa
Algo𝑆𝑆 ⟶ Finito𝑆𝑆 , ilustrada na Seção 4, e é definido por:

Finito𝑆𝑆 = �Dever-ser Barreira�

A Figura 1 mostra o esquema de progressão da etapa Finito𝑆𝑆 ⟶


Ser-para-si𝑆𝑆 . A dupla seta tracejada, denotada por ( ), indica a
determinação recíproca do Finito Infinitizado e do Infinito Finitizado,
encontrada no plano das representações do entendimento, mas já passível
de retorno ao plano dos conceitos lógicos, no nível da razão (ver Seção
5.4). A seta pontuada (⟶̇) indica a microoperação de determinação do
394 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

menor ponto-fixo da microoperação de devir constituinte do Infinito


Afirmativo, derivando o Infinito Verdadeiro (ver Seção 5.5).

Figura 1: Esquema preliminar de progressão da etapa Finito𝑺𝑺 ⟶ Ser-para-si𝑺𝑺 .

Esta seção faz uso dos seguintes textos, selecionados da Doutrina


do Ser (Hegel, 2016), e que, por simplicidade, serão referidos a essa
publicação apenas pelos números das páginas em que ocorrem:

• a seção A Infinitude do capítulo Ser aí, seção situada em (p.142-156);


• o texto imediatamente anterior a essa seção, intitulado Passagem do Finito
para o Infinito e situado em (p.141-142);
• o texto introdutório do capítulo Ser Para Si, situado em (p.163).

3.1 APRESENTAÇÃO INFORMAL DA DERIVAÇÃO

Hegel inicia o exame da etapa Finito𝑆𝑆 ⟶ Ser-para-si𝑆𝑆 , conforme o


método de desenvolvimento dos primeiros momentos das etapas de
progressão, projetando o conceito simples Finito𝑆𝑆 para o plano das
Antônio Carlos da Rocha Costa • 395

representações do entendimento e analisando o par de representações de


polaridades opostas que o entendimento elabora para esse conceito.
Hegel encontra, inicialmente, um primeiro par de representações
unilaterais e de polaridades opostas para o conceito simples Finito𝑆𝑆 ,
constituído por:

• uma representação positiva de Finito𝑆𝑆 , na forma da representação de um


finito que perece;
• uma representação negativa de Finito𝑆𝑆 , constituída pela representação de
um infinito que Hegel denomina infinito negativo.

Hegel determina, então, que esse primeiro par de representações


não é compatível com o plano dos conceitos lógicos e encontra um
segundo par de representações de polaridade opostas:

• uma representação positiva de Finito𝑆𝑆 , na forma de um finito, que Hegel


denomina finito infinitizado;
• uma representação negativa de Finito𝑆𝑆 , na forma da totalidade do
desenvolvimento do finito infinitizado, que Hegel infinito finitizado.

Hegel determina, então, que esse par de conceitos de polaridades


opostas não é um par de conceitos unilaterais e separados, mas sim um
par de conceitos inseparáveis. O processo de derivação de conceitos pode,
então, retornar esse par de conceitos ao plano dos conceitos lógicos, no
nível da razão, e prosseguir a derivação nesse nível.
Com isso, o devir desses dois conceitos, Finito Infinitizado e Infinito
Finitizado, pode ser estabelecido, constituindo o Infinito Afirmativo.
A última microoperação da etapa é, então, o estabelecimento do
menor ponto fixo desse devir subjacente ao Infinito Afirmativo, menor
396 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

ponto-fixo que fazemos corresponder ao que Hegel denomina Infinito


Verdadeiro.
A suprassunção do Infinito Verdadeiro deriva, então, o conceito
Ser-para-si𝑆𝑆 .
O que segue é o detalhamento formal dessa derivação, que segue o
método que foi explicitado na Seção 3 e, especialmente, na Figura 4.
Note-se que é central à compreensão do terceiro momento da
etapa Finito𝑆𝑆 ⟶ Ser-para-si𝑆𝑆 , introduzida aqui, a distinção entre os
conceitos Infinito Afirmativo e Infinito Verdadeiro, este último sendo
tomado como o menor ponto-fixo da microoperação devir que subjaz ao
primeiro.

3.2 O FINITO QUE PERECE E O INFINITO NEGATIVO

A primeira análise que Hegel faz de sua caracterização do conceito


de finito, considerado no plano das representações do entendimento, é a de
que o finito perece:

O dever ser contém, por si a barreira e a barreira, o dever ser. Sua relação um
para com o outro é o próprio finito que contém ambos no seu ser dentro de si.
Estes momentos de sua determinação estão contrapostos qualitativamente [...].
O finito é, assim, a contradição dentro de si; ele se suprassume e perece. (p.141)

A essa caracterização do finito como finito perecedor, se acrescenta,


como vimos, a caracterização inicial do infinito como infinito negativo,
como sendo apenas o outro do finito:

O infinito é [...] na determinação simples, o afirmativo como negação do finito


(p.142)
Antônio Carlos da Rocha Costa • 397

Representamos o resultado final dessa análise na Figura 2. O traço


duplo indica a unilateralidade e a separação desses dois conceitos.

Figura 2: O finito como Finito Perecedor e sua negação, o Infinito Negativo.

3.3 O FINITO INFINITIZADO E O INFINITO FINITIZADO

Num segundo momento, mas ainda no plano das representações do


entendimento, Hegel analisa o finito como finito persistente:

Mas esse seu resultado [o de ser] o negativo em geral [a contradição em seu


ser dentro de si], é [...] sua própria determinação; pois ele [esse resultado] é o
negativo do negativo. Assim, no perecer, o finito não pereceu; ele se tornou,
inicialmente, apenas um outro finito, que, contudo, é igualmente o perecer como
passar para um outro finito e assim por diante, por assim dizer, para o infinito.
(p.141)

Esse finito persistente, que Hegel vai denominar depois finito


infinitizado (p.150), está representado na Figura 3.

Figura 3: O finito como Finito Infinitizado.


398 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

A consideração da totalidade desse Finito Infinitizado, da totalidade


da sua persistência, leva Hegel a introduzir a noção de infinitude. Mas:

o principal é diferenciar o conceito verdadeiro da infinitude da má infinitude, a


infinitude da razão da infinitude do entendimento (p.142)

A infinitude do entendimento é a totalidade do processo de


desenvolvimento do Finito Infinitizado enquanto "o infinito que deve ser
mantido puro e afastado do finito" (p. 142), tal como mostrado na Figura
4. Hegel o denomina Infinito Finitizado.

Figura 4: A Finito Infinitizado e o Infinito Finitizado, unilaterais e


separados um do outro, o segundo
considerado como a totalidade do primeiro.

3.4 O DEVIR ENTRE O FINITO INFINITIZADO E O INFINITO FINITIZADO

A infinitude da razão, o infinito verdadeiro, começa a ser alcançado


quando Hegel reavalia as noções de Dever-ser e Barreira, determinando
um segundo sentido para elas, com base na noção de Limite subjacente a
ambas: o sentido do passar entre Finito Infinitizado e Infinito Finitizado.

O processo do passar deles tem a seguinte figura pormenorizada. Vai-se [pelo


Dever-ser] além do finito para o infinito. Nesse vazio [o Infinito Finitizado, que
é infinito como negação] que está além do finito, o que surge? O que é positivo
Antônio Carlos da Rocha Costa • 399

nisso? [...] o limite surge; o infinito desapareceu, seu outro, o finito, entrou
[novamente]. Está presente, com isso, a recaída na determinação anterior [a
determinação do Finito Infinitizado], suprassumida em vão. (p.146)

Porém, esse novo limite [o novo Finito Infinitizado que surgiu] é, ele mesmo,
apenas um tal que é preciso suprassumir ou ir além dele. Com isso, surgiu de
novo o vazio, o nada [o Infinito Finitizado], no qual igualmente aquela
determinidade, um novo limite, é encontrada - e, assim por diante, para o
infinito. (p.146-147)

Quer dizer, esses novos significados das noções de Dever-ser e


Barreira, com a noção de Limite que lhes é subjacente, repete (mas agora
já encaminhando a análise para o plano dos conceitos lógico, ao nível da
razão) o processo infinito que, no plano das representações do
entendimento, é constitutivo do Finito Infinitizado, tal como mostrado na
Figura 5.
Na Figura 10, a seta tracejada ascendente indica o passar do Finito
Infinitizado para o Infinito Finitizado. A seta tracejada descendente indica
que o vazio negativo do Infinito Finitizado opera como Limite para esse
passar, o que leva o Infinito Finitizado a passar de volta para Finito
Infinitizado.
Este novo Finito Infinitizado, por seu lado, por conter uma Barreira,
também opera como Limite para esse passar de retorno, e o Dever-ser que
lhe é próprio leva esse processo de passagem novamente em direção ao
Infinito Finitizado, e assim sucessivamente.
400 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Figura 5: A repetição da passagem recíproca entre os conceitos de


Finito Infinitizado e Infinito Finitizado.

Hegel denomina determinação recíproca do finito e do infinito esse


passar recíproco persistente entre os conceitos de Finito Infinitizado e o
Infinito Finitizado:

Está presente a determinação recíproca do finito e do infinito; o finito é apenas


na relação com o dever ser ou com o infinito e o infinito é infinito apenas em
relação com o finito. Eles são inseparáveis e, ao mesmo tempo, pura e
simplesmente outros um frente ao outro; cada um tem o outro de si nele mesmo;
assim cada um é a unidade de si e de seu outro e é ser aí na sua determinidade
de não ser o que é ele mesmo e o que é seu outro. (p.143)

Contudo, o fato de, na análise mostrada na Figura 10, ainda estar


presente uma infinitude de Finitos Infinitizados mostra que essa análise
ainda não atingiu plenamente o plano dos conceitos lógicos do nível da
razão.
Mais dois passos se fazem necessários, então, para que esse plano
seja atingido. O primeiro desses passos é o reconhecimento de que, para
o plano dos conceitos lógicos da razão, essa eterna passagem recíproca
entre os conceitos de Finito Infinitizado e Infinito Finitizado é "um único
e mesmo alternar" (p.147) da passagem recíproca entre eles, tal como
mostrado na Figura 6.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 401

Figura 6: O alternar da passagem recíproca entre os conceitos Finito Infinitizado e


Infinito Finitizado.

Mas esse primeiro passo é insuficiente justamente porque ele


ainda permanece nesse único e mesmo alternar, que caracteriza o nível do
entendimento:

A infinitude do progresso infinito permanece afetada pelo finito como tal; é,


através disso, limitada e, ela mesma, finita. (p.147)

Mas com isso ela estaria posta, de fato, como unidade do finito e do infinito.
Mas não se reflete sobre essa unidade; é apenas nela [nessa unidade] que evoca
o infinito no finito e o finito no infinito, ela é, por assim dizer, o móbil do
progresso infinito. Ele [o progresso infinito] é o exterior daquela unidade, no
qual a representação permanece naquela repetição perene de um único e mesmo
alternar. (p.147-148)

no determinar recíproco, que vai e que vem, do finito e do infinito, a verdade dos
mesmos [o conceito que os unifica] já está presente em si e é preciso apenas
acolher o que está presente. (p. 148)

O segundo passo, então, é o reconhecimento de que, no plano dos


conceitos lógicos da razão, a esse alternar de uma e mesma passagem
recíproca entre os conceitos Finito Infinitizado e Infinito Finitizado está
402 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

subjacente, na verdade, uma unidade: o devir existente entre esses


conceitos.

O entendimento insiste em rejeitar unidade do finito e do infinito [...]; com isso,


ele ignora a negação de ambos que está presente, de fato, no progresso infinito,
como ignora, do mesmo modo, que ele nisso [no progresso infinito] ocorrem
apenas como momento de um todo [...]. (p.153)

Na medida em que ambo, o finito e o infinito, são eles mesmos, momentos do


progresso [ao nível do entendimento], eles têm em comum o fato de ser o finito
e, na medida em que eles têm igualmente em comum o fato de estarem negados
nele e no resultado [o progresso infinito], esse resultado como negação daquela
finitude de ambos, chama-se, em verdade, infinito [verdadeiro]. (p.153)

A Figura 7 esquematiza o devir entre os conceitos Finito Infinitizado


e Infinito Finitizado, resultado final da análise que iniciou pela
consideração das representações de finito e infinito dadas no nível do
entendimento.

Figura 7: O devir entre os conceitos Finito


Infinitizado e Infinito Finitizado.

Estabelece-se, então, esse devir como primeira forma da relação do


Finito Infinitizado e do Infinito Finitizado com o Infinito Afirmativo:

Isso dá, pois, a unidade [...] do finito e do infinito, a unidade mesma que é o
infinito [o Infinito Afirmativo], o qual dentro de si compreende a si mesmo
[como Infinito Finitizado] e a finitude, - logo, o infinito em um outro sentido
Antônio Carlos da Rocha Costa • 403

do que aquele segundo o qual o finito está separado dele e está posto do outro
lado. (p.149)

a unidade do finito e do infinito [o Infinito Afirmativo] não é um ajustar


externo dos mesmos nem uma ligação inapropriada que contraria a
determinação eles [...] mas cada um é, nele mesmo, essa unidade e isso apenas
como suprassumir de si mesmo, em que nenhum teria o privilégio do ser em si e
do ser aí afirmativo sobre o outro [i.é, em que cada um é apenas momento do
Infinito Afirmativo]. (p.151)

o infinito [Infinito Afirmativo] é, antes, como ambos os seus momentos,


essencialmente apenas como devir [...]; (p.154)

agora, como infinito [Infinito Afirmativo], ele tem por suas determinações o
finito e o infinito [Infinito Finitizado], eles mesmos como tais que devém (p.154)

A partir dessa análise, denotamos o conceito de Infinito Afirmativo


por:

InfAfirm = FinInfinitz InfFinitiz

Com esse segundo passo de análise alcançou-se o plano dos


conceitos lógicos. O método pode, então, fazer o processo de derivação de
conceitos retornar ao nível da razão, levando ao terceiro momento da
etapa Finito𝑆𝑆 ⟶ Ser-para-si𝑆𝑆 , que consiste na passagem do devir entre
os conceitos Finito Infinitizado e Infinito Finitizado para o conceito Ser
para si.
Por conveniência, repetimos o conteúdo da Figura 1 na Figura 8,
mostrando a estrutura completa da etapa Finito𝑆𝑆 ⟶ Ser-para-si𝑆𝑆 . A seta
pontuada (⟶̇) indica a microoperação de determinação de menor ponto-
404 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

fixo aplicada à microoperação devir que subjaz ao Infinito Afirmativo,


como será examinado na próxima subseção.

Figura 8: Esquema preliminar de progressão da etapa Finito𝑺𝑺 ⟶


Ser-para-si𝑺𝑺 .

3.5 A PASSAGEM PARA O CONCEITO SER PARA SI

Como mostrado na Seção 3, a estrutura geral da macrooperação de


progressão de etapa estabelece que o passo final da etapa se faz por meio
da realização de uma microoperação de suprassunção do devir
estabelecido entre as duas determinações contrapostas do conceito
principal da etapa.
No presente caso, o conceito principal da etapa é o conceito de Finito,
as duas determinações contrapostas são os conceitos de Finito
Infinitizado e Infinito Finitizado e o devir entre eles é como mostrado na
Figura 12.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 405

Neste caso, porém, o terceiro momento do esquema da


macrooperação de progressão de etapa não se aplica: esse momento não
se resume a uma mera aplicação da suprassunção.

3.6. PORQUE O TERCEIRO MOMENTO DA ETAPA NÃO É UMA MERA


SUPRASSUNÇÃO

Pode-se entender facilmente porque esse terceiro momento,


realizando o conceito Infinito Verdadeiro e derivando dele o conceito Ser
para si, não deve ocorrer por meio da simples microoperação de
suprassunção:

• se a suprassunção encapsulasse diretamente o devir entre os conceitos Finito


Infinitizado e Infinito Finitizado, ela faria com que esses conceitos, que são
momentos do devir, se tornassem momentos do conceito que ela deriva, o
conceito de Ser para si, e da infinitude verdadeira, afirmativa, que lhe é
subjacente;
• ora, os momentos de um conceito são seus componentes constituintes e não é
possível que o Infinito Verdadeiro seja composto por momentos finitos, como
o seria se ele derivasse diretamente dos conceitos Finito Infinitizado e
Infinito Finitizado por suprassunção simples;
• no melhor caso, os conceitos Finito Infinitizado e Infinito Finitizado podem
se constituir como momentos idealizados do Infinito Verdadeiro, como Hegel
mostra na Observação 2 deste capítulo (Hegel, 2018, p.160-162) e na Lógica da
Enciclopédia (Hegel, 2012, §95, p.193).

Um passo anterior à aplicação da suprassunção é, então, necessário.


Esse passo, neste caso, é realizado pela microoperação de determinação
de menor ponto-fixo, aplicada ao devir existente entre os conceitos Finito
Infinitizado e Infinito Finitizado, e constituinte do conceito Infinito
Afirmativo.
406 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

No que segue:

• inicialmente, consideramos a insuficiência do modo como Hegel elabora a


derivação do conceito Infinito Afirmativo;
• a seguir, apresentamos o conceito geral de menor ponto-fixo de uma
operação e o vinculamos à determinação da menor solução de equações de
recorrência;
• depois, mostramos o conceito de infinito verdadeiro como o menor ponto-
fixo do devir que deriva o Infinito Afirmativo;
• então, mostramos a passagem ao conceito Ser para si, realizada pela
suprassunção desse menor ponto-fixo.

3.7 RESUMO DA DERIVAÇÃO DO INFINITO VERDADEIRO

A chave para a concepção do Infinito Verdadeiro como menor


ponto-fixo do devir que constitui o Infinito Afirmativo está na
compreensão retrospectiva do sentido em que finito e infinito se
mostram como momentos idealizados do conceito Ser para si que resulta
da etapa Finito𝑆𝑆 ⟶ Ser-para-si𝑆𝑆 .
Mais especificamente o Infinito Verdadeiro, enquanto unidade
própria do finito e do infinito, é o único conceito ao qual aquele devir se
aplica propriamente.
Quer dizer, a aplicação desse devir aos conceitos Finito Infinitizado
e Infinito Finitizado é uma visão exterior, idealizada ao nível do
entendimento, do único devir propriamente posto, o devir do Infinito
Verdadeiro consigo mesmo, que denotamos por:

InfVerd InfVerd

e que pode ser apresentado como:


Antônio Carlos da Rocha Costa • 407

InfVerd = PtoFix� �= (InfVerd)

sendo é a microoperação de devir que estabelece o autodevir de


InfVerd.
É esse autodevir do Infinito Verdadeiro que constitui o verdadeiro
devir subjacente a InfAfirm, não o devir próprio dos conceitos FinInfinitz
e InfFinitz, como poderia aparentar pela Figura 6, repetida como Figura
13.
É esse autodevir do Infinito Verdadeiro que se caracteriza por ser:

• recurvado dentro de si;


• tendo a imagem de um círculo;
• estando inteiramente concluído;

e que podemos apresentar, também, pelo esquema:

InfVerd

o qual permite reformular a apresentação do Infinito Verdadeiro como


menor ponto-fixo de seu autodevir, na forma:

InfVerd = PtoFix � �= (InfVerd)

e formular as Figuras 6 e 13.


O passo final do terceiro momento da etapa Finito𝑺𝑺 ⟶
Ser-para-si𝑺𝑺 é, simplesmente, a suprassunção do conceito Infinito
Verdadeiro, resultando no conceito Ser-para-si𝑺𝑺 , dado por:

Ser-para-si𝑆𝑆 = [InfVerd] = �PtoFix � ��


408 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

3.8 O PROBLEMA CONCEITUAL DA DERIVAÇÃO DO CONCEITO INFINITO


VERDADEIRO

A derivação do conceito Infinito Verdadeiro resume-se


essencialmente, no corpo principal do texto da Doutrina do Ser, ao
seguinte trecho:

A imagem do progresso para o infinito [o devir entre o Finito Infinitizado e o


Infinito Finitizado] é a linha reta; [...] como infinitude verdadeira, recurvada
dentro de si, sua imagem se torna o círculo, a linha que atingiu a si, que está
concluída e inteiramente presente, sem ponto de início e sem fim. (p.154)

Isto é, o esclarecimento mais explícito que Hegel fornece do Infinito


Afirmativo no corpo principal da Doutrina do Ser, se resume a que ele é a
negação da finitude que constitui ambos os conceitos, Finito Infinitizado
e Infinito Finitizado (conforme esclarecido em passagens anteriores) e
que, como afirmado no trecho transcrito acima:

• é recurvado dentro de si;


• tem a imagem de um círculo;
• está inteiramente concluído 3.

Uma complementação dessa caracterização do conceito Infinito


Verdadeiro pode ser encontrada em (Hegel, 2016, p.156-160), numa
observação - a Observação 1 [O progresso infinito] -, fora, portanto, do
texto principal da Doutrina do Ser.
Nessa observação, Hegel caracteriza o que ele denomina
contradição permanente, isto é, uma contradição que, como a relação

3
Apesar de ainda não completamente consolidado, esse esclarecimento é claramente mais
amadurecido do que aquele que Hegel apresenta na Lógica da Enciclopédia, mesmo na edição de 1830
- ver §93-95 (Hegel, 2012, p.189-193).
Antônio Carlos da Rocha Costa • 409

entre o Finito Infinitizado e o Infinito Finitizado, se dá como aquele


alternar entre afirmação da unidade e a afirmação da separação dos seus
termos, em que a afirmação da unidade dos termos remete
permanentemente à afirmação da separação e a afirmação da separação
remete permanentemente à afirmação da unidade deles.
Hegel estabelece, então, que a superação - ou dissolução - desse tipo
de contradição só pode ser feita pela posição de uma idealidade, que se
põe como idealidade porque, para ela, os termos da contradição se
constituem como momentos ideais:

A dissolução dessa contradição [permanente] não é o reconhecimento da igual


exatidão e da igual inexatidão de ambas as afirmações - isso é apenas uma
outra figura da contradição permanente -, mas a idealidade de ambas, como
aquela da qual elas são na sua diferença, como negações recíprocas, apenas
momentos; (p.157)

Portanto, nesse ser como na idealidade dos diferentes, a contradição não


desapareceu abstratamente, mas está dissolvida e reconciliada e os
pensamentos [as duas afirmações] não são somente completos, mas estão
também juntados. (p.157)

Na subseção 5.5.4, tomamos tal esclarecimento complementar do


conceito de Infinito Verdadeiro como base para a consideração da sua
idealidade, constituída operatoriamente como o menor ponto-fixo da
microoperação devir que subjaz ao Infinito Afirmativo.

4. O CONCEITO DE INFINITO ABSOLUTO EM CANTOR: APRESENTAÇÃO


INFORMAL

While none of the major participants in the modern attempt to move from a
closed mathematical universe into a surprisingly and complexly infinite one was
ever burned at the stake, George Cantor, in a less dramatic way, faced inquisition
410 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

and repudiation at the hands of many of his contemporaries. University and


Church were to weigh the evidence as carefully as any Galilean trial, and though
the verdicts were never formalized, Cantor's work was given careful scrutiny and
equally rigorous criticism and interpretation. (Dauben, 1990, p.4)

4.1 A DERIVAÇÃO DO INFINITO ABSOLUTO EM CANTOR

Cantor desenvolveu, em dois artigos publicados em 1895 e 1897


(Cantor, 1955), as bases da teoria do que ele chamou ordinais transfinitos.
Essa teoria introduzia na Matemática pelo menos dois conceitos que,
até então, seriam considerados equivocados:

• há mais de um infinito;
• há uma quantidade infinita de infinitos.

O ponto de partida da teoria de Cantor é tomar os números naturais:

0,1,2, ⋯ , 𝑥𝑥, 𝑥𝑥 + 1, ⋯

mas considerados enquanto ordinais (isto é, do ponto de vista de sua


ordenação relativa, de sua ordem natural), não enquanto cardinais (isto
é, do ponto de vista quantitativo, da quantidade que cada um representa).
Tomada em sua totalidade, essa estrutura de ordem pode ser tomada
como uma nova entidade, que Cantor associou ao conceito de infinito,
representado por 𝜔𝜔 e pensado como o primeiro ordinal transfinito,
posicionado imediatamente após a estrutura daquela relação.
A Figura 9 ilustra essa operação. Note-se que, ao final da operação
de construção, 𝜔𝜔 foi incluído na estrutura de ordem, da qual é o maior
ordinal, sem que ele pertença à parte da estrutura que corresponde à
relação de ordem dos números naturais.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 411

Figura 9: A construção do primeiro


ordinal transfinito: 𝝎𝝎.

O resultado é uma segunda estrutura de ordem, dada por:

0,1,2, ⋯ , 𝑥𝑥, 𝑥𝑥 + 1, ⋯ , 𝜔𝜔

sendo que a analogia entre 𝜔𝜔 e o conceito de infinito finitizado, de Hegel,


é imediata.
Uma vez construído o primeiro ordinal transfinito (𝜔𝜔), e posto como
maior elemento da segunda estrutura de ordem, o processo indutivo,
originalmente utilizado para a construção dos números naturais, pode
ser aplicado sobre essa segunda estrutura de ordem, com 𝜔𝜔 tomando o
lugar relativo do número 0, constituindo um processo de coindução
transfinita 4.
O resultado é a completação dessa segunda estrutura de ordem:

0,1,2, ⋯ , 𝜔𝜔, 𝜔𝜔 + 1, 𝜔𝜔 + 2, ⋯

Então, um novo passo de construção baseada em tomada de


totalidade como elemento pode ser realizado, conforme mostrado na
Figura 10.

4
Sobre a noção de coindução ver (Jacobs & Rutten, 1997).
412 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

Figura 10: A segunda estrutura de ordem.

A completação indutiva transfinita dessa segunda estrutura de ordem


tem como resultado a terceira estrutura de ordem:

0,1,2, ⋯ , 𝜔𝜔, 𝜔𝜔 + 1, 𝜔𝜔 + 2, ⋯ ,2𝜔𝜔, 2𝜔𝜔 + 1, ⋯

alcançada através da operação ilustrada na Figura 11.

Figura 11: A terceira estrutura de ordem.

Tal processo de completação indutiva transfinita de estruturas de


ordem pode ser realizado infinitas vezes, resultando na estrutura final:

𝜔𝜔 𝜔𝜔
𝜔𝜔
0,1,2, ⋯ , 𝜔𝜔, ⋯ ,2𝜔𝜔, ⋯ , 𝜔𝜔2 , ⋯ , 𝜔𝜔𝜔𝜔 , ⋯ , 𝜔𝜔𝜔𝜔 , ⋯ , 𝜔𝜔𝜔𝜔 , ⋯

Esta é a forma final da estrutura resultante da construção indutiva


transfinita, pensada por Cantor. É constituída por uma sequência
Antônio Carlos da Rocha Costa • 413

contendo uma infinidade de ordinais transfinitos, ela mesma uma


sequência infinita e, portanto, sem um último ordinal transfinito.

4.2 OS ORDINAIS TRANSFINITOS DESDE O PONTO DE VISTA DA LÓGICA DE


HEGEL

Claramente, a estrutura final construída pelo processo indutivo


transfinito de Cantor, com a forma:

𝜔𝜔
0,1,2, ⋯ , 𝜔𝜔, ⋯ ,2𝜔𝜔, ⋯ , 𝜔𝜔2 , ⋯ , 𝜔𝜔𝜔𝜔 , ⋯ , 𝜔𝜔𝜔𝜔 𝜔𝜔 , ⋯ , 𝜔𝜔𝜔𝜔 𝜔𝜔 , ⋯

pode ser vista, do ponto de vista da Lógica de Hegel, como sendo


uma estrutura qualitativamente finita, na medida em que pode ser
pensada como contendo uma Barreira (o conteúdo mesmo dessa
sequência) e sendo dotada de um Dever-ser que a impulsiona para um
infinito qualitativo maior que ela, mas definido inicialmente apenas por
negação dessa Barreira, isto é, definido como um infinito negativo.
A Figura 12 apresenta o resultado dessa análise lógica dessa
�⃗.
estrutura, com o infinito negativo, denotado aqui por 𝜔𝜔

Figura 12: Resultado da primeira análise qualitativa da


construção indutiva de Cantor.
414 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

4.3 O INFINITO ABSOLUTO DE CANTOR

Em uma análise complementar da construção indutiva transfinita,


análise posterior à publicação dos artigos de 1895 e 1897, feita em
correspondência trocada com Dedekind em 1899, Cantor determina a
totalidade do conjunto dos ordinais como o ordinal Ω, que ele chamou de
infinito absoluto 5.
Nas cartas, Cantor desenvolve o argumento de que a definição de
Ω como a totalidade dos ordinais torna impossível avançar no processo
de construção indutiva transfinita, para além de Ω, e ao mesmo tempo
permanecer nos parâmetros construtivos da mesma e que, portanto, Ω
é o infinito absoluto.
Claramente, essa segunda análise de Cantor implica que a
integração do infinito absoluto Ω à sequência da construção, como seu
último elemento, faz dele o único ponto-fixo desse processo construtivo,
conforme representado na Figura 13.

Figura 13: O ordinal 𝛀𝛀 como ponto fixo da construção


indutiva transfinita do conjunto dos ordinais.

A caracterização do infinito absoluto Ω como sendo o único (e,


portanto, como o menor) ponto-fixo do processo de construção indutiva
transfinita (PCIT) pode, então, ser expressa do seguinte modo:

InfAbs = PtoFix(PCIT) = Ω

5
Ver, p.ex., https://pt.wikipedia.org/wiki/Infinito_absoluto.
Antônio Carlos da Rocha Costa • 415

5. A CORRESPONDÊNCIA ENTRE O INFINITO ABSOLUTO DE CANTOR E O


INFINITO AFIRMATIVO DE HEGEL

A correspondência entre o infinito absoluto de Cantor e o infinito


afirmativo de Hegel é imediata, fazendo com que, do ponto de vista da
Lógica de Hegel:

• os ordinais transfinitos construídos pelo processo de coindução transfinita são


determinados qualitativamente como instâncias do conceito Finito
Infinitizado;
• a totalidade da estrutura de ordem dos ordinais transfinitos é determinada
�⃗;
como um Infinito Finitizado, 𝜔𝜔
• o processo de coindução transfinita é determinado como um devir entre os
conceitos Finito Infinitizado e Infinito Finitizado;
• o infinito absoluto Ω é determinado como o Infinito Verdadeiro, o menor
ponto-fixo do autodevir subjacente ao processo de coindução transfinita.

CONCLUSÃO

O presente artigo fez uso da noção de macrooperação de progressão


de etapa, introduzida na Lógica de Hegel em (Costa, 2020), para analisar
a derivação dos conceitos Infinito Verdadeiro e Ser para si a partir do
conceito Finito. A derivação do conceito Infinito Verdadeiro foi baseada
na noção de menor ponto-fixo de uma operação, o que possibilitou propor
uma solução para a questão da relação entre o conceito de Infinito
Verdadeiro de Hegel e o conceito de Infinito Absoluto de Cantor.

AGRADECIMENTOS

Aos Profs. Agemir Bavaresco e Nuno Castanheira, pelos


questionamentos que motivaram melhor esclarecimento de diversas
416 • Para uma leitura operatória da lógica de Hegel: Experimentos Adicionais

noções deste artigo. Ao Prof. Norman Madarasz, por levantar a questão


da relação entre o conceito de infinito em Hegel e a noção da infinidade
de infinitos em Cantor.

REFERÊNCIAS

CANTOR, G. Contributions to the Founding of the Theory of Transfinite Numbers. New York:
Dover, 1955.

COSTA, A. C. R. Para uma Leitura Operatória da Lógica de Hegel - Experimentos Iniciais.


Porto Alegre: Editora Fi, 2019.

COSTA, A. C. R. A Macro-operação de Progressão de Etapa e sua Atuação no Início do


Processo de Derivação de Conceitos, na Ciência da Lógica de Hegel. PPGFil/PUCRS,
2020. (Em elaboração).

DAUBEN, J. W. Georg Cantor: His Mathematics and Philosophy of the Infinite. Princeton:
Princeton University Press, 1990).

FINDLAY, J. N. Hegel: A Re-examination. London: George Allen & Unwin, 1958.

HEGEL, G. W. F. Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio I - A Ciência da Lógica.


São Paulo: Loyola, 2012.

HEGEL, G. W. F. Ciência da Lógica - Doutrina do Ser. Petrópolis: Vozes, 2016.

HEGEL, G. W. F. Ciência da Lógica - Doutrina do Conceito. Petrópolis: Vozes, 2018.

JACOBS, B. & RUTTEN, J. A Tutorial on (Co)Algebras and (Co)Induction. ETACS Bulletin,


vol. 62, p.222-259, 1997.
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