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MESTRADO

CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

Mãos que (Re)Criam: Grupos de Tricô


como Contextos de Educação Comunitária
e Empoderamento de Mulheres

Ana Beatriz Azevedo Farah

M
2020

1
Autora: Ana Beatriz Azevedo Farah

Mãos que (Re)Criam: Grupos de Tricô como Contextos de Educação


Comunitária e Empoderamento de Mulheres

Dissertação apresentada à Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação


da Universidade do Porto, para obtenção do grau de Mestre em Ciências
da Educação. Orientada pela Professora Doutora Isabel Menezes.

2
Resumo

Embora o tricô seja uma arte milenar, e apesar de haver um número expressivo
de pesquisas sobre o tricô no campo da produção têxtil, no qual o tricô é visto como
produto, há relativamente poucos estudos sobre o processo de tricotar manual,
principalmente no contexto português. Dessa maneira, o enfoque dessa investigação é
ouvir as mulheres que tricotam em grupo e poder compreender qual a importância que
tanto o tricô, quanto o grupo, apresentam nas suas vidas. Assim, foi formulada a
seguinte pergunta inicial: “Qual a importância do grupo, das partilhas e das atividades
expressivas na vida das mulheres, e como estes podem ser considerados como
educação comunitária, além de contribuir para o empoderamento pessoal de cada uma
delas?”

Com o objetivo de encontrar as respostas para essa pergunta, foi realizado um


estudo de qualitativo fenomenológico interpretativo. O instrumento de recolha foi a
entrevista semi-estruturadas online, com nove participantes de idades entre vinte e dois
anos e sessenta anos, sendo que todas realizam atividades manuais e participam de
grupos de tricô. As entrevistas foram transcritas na íntegra e, para preservar a
identidade das participantes, os seus nomes foram alterados e omitida toda a
informação que facilitasse a sua identificação delas. Para análise dos dados foi usada
a análise temática.

A análise temática realizada revela que o tricô apresenta uma grande


importância na vida das participantes, promovendo bem-estar e relaxamento. Nos
grupos de tricô acontecem partilhas de técnicas, de conhecimentos, ligados ao processo
de tricotar, mas também de experiências pessoais, sendo um local de convívio de
pessoas, na sua grande maioria mulheres. Como não há uma pessoa responsável pelos
ensinamentos, todas ensinam e aprendem mutuamente, remetendo ao conceito de
educação comunitária. Embora seja um grupo de mulheres capazes de transformar um
fio em malha, a maioria das participantes não se reconhece como uma mulher
empoderada, nem o grupo como uma possível forma de resistência contra as
dificuldades que as mulheres encontram no dia-a-dia.

Palavras-chave: Mulheres; Grupo; Tricô; Empoderamento Feminino; Educação


Comunitária.

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Abstract

Even though knitting is an ancient art and much research has been done on
knitting in the field of textile production where the knit items are seen as products, there
are relatively few studies on the process of manual knitting, mainly in the Portuguese
context. Thus, the focus of this investigation is to interview women who knit in groups in
order to understand the importance that both knitting and the group presents in their
lives.
To reach this goal, the following initial question was asked: "What is the
importance of group sharing and expressive activities in the lives of women, and how
can they be considered a form of community education that also contributes to the
personal empowerment of each one of them?" In order to find the answer to this
question, a qualitative interpretative phenomenological study was carried out. The
collection instrument was the semi-structured online interview with nine participants,
between the ages of twenty-two years and sixty years, all of whom perform manual
activities and participate in knitting groups. The interviews were transcribed fully and, to
preserve the anonymity of the participants, all names were changed and any information
that could facilitate their identification was omitted. Thematic analysis was used for data
analysis.
The thematic analysis revealed that knitting was very important in the lives of the
participants, promoting well-being and relaxation. The knitting groups are a place where
people, mostly women, live together and share not only techniques and knowledge linked
to the knitting process, but personal experiences as well. Since no one person is
responsible for teaching, they all teach and learn from each other, referring to the
concept of community education. Although this group of women is capable of turning
yarn into fabric, most of the participants do not recognize themselves as empowered
women or the group as a possible form of resistance against the difficulties that
women encounter in their daily lives.

Keywords: Women; Group; Knitting; Female Empowerment; Community


Education.

4
Résumé

Bien que le tricot soit un art ancien, et bien qu'il existe un nombre expressif de
recherches sur le tricot dans le domaine de la production textile, dans lequel le tricot est
considéré comme un produit, il existe relativement peu d'études sur le processus de
tricot manuel, principalement dans le contexte portugais. Ainsi, l'objectif de cette enquête
est d'écouter les femmes qui tricotent en groupes et de pouvoir comprendre l'importance
que le tricot et le groupe présentent dans leur vie. Ainsi, la question initiale suivante a
été posée: “Quelle est l'importance du groupe, des partages et des activités expressives
dans la vie des femmes, et comment peuvent-elles être considérées comme une
éducation communautaire, en plus de contribuer à l'autonomisation personnelle de
chacune d'elles?”
Afin de trouver les réponses à cette question, une étude phénoménologique
interprétative qualitative a été menée. L'instrument de collecte était l'entretien en ligne
semi-structuré, avec neuf participants âgés de vingt-deux à soixante ans, qui effectuent
tous des activités manuelles et participent à des groupes de tricot. Les entretiens ont été
transcrits intégralement et, afin de préserver l'identité des participants, leurs noms ont
été modifiés et toutes les informations qui facilitaient leur identification ont été omises.
Une analyse thématique a été utilisée pour l'analyse des données.
L'analyse thématique révèle que le tricot est d'une grande importance dans la vie
des participants, favorisant le bien-être et la relaxation. Dans les groupes de tricot, il y a
partage de techniques, de connaissances, liées au processus de tricot, mais aussi
d'expériences personnelles, étant un lieu où les gens, principalement des femmes,
vivent ensemble. Comme il n'y a pas une seule personne responsable des
enseignements, tous enseignent et apprennent les uns des autres, en se référant au
concept d'éducation communautaire. Bien qu'il s'agisse d'un groupe de femmes
capables de transformer un fil en maille, la plupart des participantes ne se reconnaissent
pas comme une femme autonomisée, ni le groupe comme une forme possible de
résistance contre les difficultés que les femmes rencontrent dans leur vie quotidienne.

Mots clés: femmes; Groupe; Tricot; Autonomisation des femmes; Éducation


communautaire.

5
Agradecimentos

Agradeço a Deus por tudo.

Meu sincero muito obrigada aos professores por partilharem os seus saberes e,
principalmente, minha orientadora Professora Doutora Isabel Menezes, cujo apoio,
incentivo e compreensão foram fundamentais para a realização deste trabalho.
Agradeço também aos profissionais da FPCEUP que ajudaram-me nos momentos em
que precisei.

Agradeço às mulheres que doaram seu tempo e partilharam as suas vivências,


experiências e histórias, sem as quais esta investigação não seria possível.

Aos meus amigos de vida e de jornada obrigada pelas partilhas, principalmente


à Tatiana Patrícia Almeida pela parceria nessa caminhada, e ao casal mais querido e
solícito da FPCEUP, Joana Mesquita e Ricardo Soares.

Agradeço aos meus amigos que, mesmo longe, se fazem presentes,


especialmente, a Bruna Cabral e minha irmã de alma, Maria Clara.

Meu muito obrigada à Renata, minha prima-irmã, comadre, por todo apoio e pelo
Pedro, meu afilhado, quem eu amo de paixão.

Minha eterna gratidão a vocês, minha família, que eu amo imensamente.

Ao Henrique, meu marido, meu muito obrigada pela paciência, cumplicidade e


compreensão nessa jornada e na vida. Agradeço ao Lucas, meu filho, amor da minha
vida e melhor companheiro de aula. Gratidão à Larah Maria, minha filha, pela sua
chegada no meio desse processo, trazendo mais alegria para todos nós.

Obrigada aos meus irmãos, por todo suporte. À minha mãe, minha sincera
gratidão, por tudo que fez e faz por mim. Ao meu pai, que no início dessa minha jornada
voou para longe, agradeço por ser sua filha e pelos ensinamentos.

6
Índice de Apêndices

Termo de Consentimento Informado ........................................................................... 102


Guião de Entrevista Semiestruturada às mulheres que realizam artes manuais em
grupo. ............................................................................................................................ 104

7
Índice

Resumo............................................................................................................................. 3
Abstract ............................................................................................................................. 4
Résumé............................................................................................................................. 5
Agradecimentos ................................................................................................................ 6
Índice de Apêndices ......................................................................................................... 7
Índice ................................................................................................................................ 8
Introdução ....................................................................................................................... 10
CAPÍTULO 1 – Mulheres e a luta pelo seu espaço, poder e liberdade ........................ 12
1.1 - O papel da mulher e a sua (des)valorização ................................................. 13

1.2 - Injustiças dentro e fora de casa .................................................................... 15

1.3 - Empoderamento feminino .............................................................................. 19

CAPÍTULO 2 – Tecendo a rede, ponto a ponto: a força do grupo. ............................... 23


2.1 - Grupo: Definições e sua importância ............................................................ 23

2.1 – A experiência e desenvolvimento social ...................................................... 25

2.2 - Educação comunitária, não formal e informal ........................................ 27

2.3– Tricô – o fio de ligação ..................................................................................... 30

2.3.1- Origem do tricô ............................................................................................... 30

2.3.2- O processo de tricotar ................................................................................... 31

2.3.3 -Tricô e gênero ................................................................................................. 32

2.3.4 – Tricô solitário ou em grupo ......................................................................... 33

2.3.5 – Tricotar e suas vantagens ........................................................................... 35

2.4.6 – Tricô e algumas particularidades ............................................................... 37

CAPÍTULO 3 - Sobre a construção da “receita”: O Percurso Metodológico ................. 40


1 - Objetivo da Investigação .................................................................................... 40

2 - O Desafio de Investigar ...................................................................................... 40

3 – Metodologia e Técnicas de recolha de dados utilizadas ............................... 42

4- As entrevistas ....................................................................................................... 44

5- O perfil das entrevistadas: .................................................................................. 46

6- Análise Temática .................................................................................................. 48

Capítulo 4 - A voz das mulheres sobre suas tramas e suas experiências. .................. 51

8
Tema 1 - A arte de fazer o tricô ............................................................................... 51

1.1 - Aprendizagem transgeracional....................................................................... 51

1.2 - Tricô para promoção de saúde ....................................................................... 54

1.3 - Tricô e estigma de género .......................................................................... 59

1.4 – Tricô e consciência ambiental ....................................................................... 62

Tema 2- Participação no Grupo .............................................................................. 64

2.1 Socialização ........................................................................................................ 64

2.2 Fazer tricô em grupo vs. fazer tricô sozinha ................................................... 72

Tema 3 - Empoderamento Feminino ...................................................................... 74

3.1 Mulher empoderada............................................................................................ 75

3.2 A importância da participação do grupo para o empoderamento feminino 80

3.3 O que precisa mudar para a mulher ser mais empoderada? ........................ 84

Considerações Finais ..................................................................................................... 91


Referência ...................................................................................................................... 96
Apêndices ..................................................................................................................... 101

9
Introdução

Com um par de agulhas compridas, um fio que por elas é laçado e entrelaçado,
ponto a ponto, carreira por carreira, vai surgindo uma malha que, aos poucos, ganha
contorno, num incrível processo de transformação de um fio que cresce e conduz todo
o trabalho do início até o final. Pegando esse fio do tricô como condutor, ganhou corpo
esse estudo, palavra por palavra, linha por linha.

O tricô é uma arte manual tão antiga que pesquisadores não conseguem
precisar, com exatidão, quando e onde foi criada (Rutt, 1987). É possível encontrar
diversos estudos sobre essa temática na área da produção têxtil, valorizando o produto,
mas ainda há relativamente poucos estudos sobre o processo de tricotar, e os aspectos
que nele podem estar envolvidos. Só nos últimos quinze anos é que esse tema passou
a ganhar foco na academia, surgindo alguns estudos sobre grupos de mulheres que
tricotam (e.g., Minahan & Cox, 2007).

O ponto de partida dessa pesquisa foi o meu interesse em estudar grupos de


mulheres que realizam atividades manuais, uma temática que acompanha a minha vida
profissional, e a vontade de pesquisar a arte a partir do olhar das Ciências da Educação.
Por conta da circunstância, acabei sendo guiada para investigar um grupo de mulheres
que se reúnem para fazer tricô, o que me agradou imenso, já que adoro essa prática.
Os meus planos para estudar o grupo no campo, realizando uma observação
participante e grupos focais, foram alterados por conta da pandemia do COVID-19, que
convocou todos a recolherem-se em casa, para evitar maior contágio. Da mesma forma
que em uma atividade artística, em que as surpresas fazem parte do processo, com
essa novidade vi-me convidada a repensar a minha metodologia, optando pelas
entrevistas online. A princípio, surgiu a dúvida de como seria pesquisar um grupo sem
percebê-lo na sua totalidade, entendendo que o todo é maior do que a soma das partes
(Polster & Polster, 2005). Mas, por conta do prazo de entrega e das particularidades da
minha vida, decidi, junto com a minha orientadora, que essa poderia ser uma “receita”
interessante. Escutaríamos as partes isoladamente e tentaríamos compreender o todo.

O presente estudo, inserido no Domínio Arte, Sustentabilidade e Educação, no


Mestrado em Ciências da Educação, pretende dar um contributo para este campo
buscando responder à pergunta: “Qual a importância do grupo, das partilhas e das
atividades expressivas na vida das mulheres, e como estes podem ser considerados
como educação comunitária, além de contribuir para o empoderamento pessoal de cada
uma delas?”

10
Em busca das respostas, através de nove entrevistas online, com participantes
de idades entre vinte dois aos sessenta anos, sendo que algumas frequentam os
mesmos grupos, mas outras não, promoveu-se um espaço para ouvir as suas vozes,
solicitando que partilhassem as suas vivências, experiências e conhecimentos (Yalom,
2006). O objetivo foi compreender qual a ligação que cada uma delas possui com o tricô,
(quando e com quem aprendeu, qual a frequência com que tricota, quais as sensações
que experimenta ao tricotar), qual a motivação que as leva a participar do grupo (tentar
perceber a dinâmica dos grupos que elas frequentam, e porque continuam
frequentando), além de compreender qual a visão que cada uma delas tem do grupo,
enquanto espaço de empoderamento e fortalecimento do feminino.

Com a finalidade de construir a “malha” do corpo teórico deste trabalho foram


abordados alguns conceitos chaves como grupo, empoderamento, mulheres, educação
comunitária, entre outros. Dessa maneira, este estudo ganhou o seguinte formato:

Capítulo 1 – Mulheres e a luta pelo seu espaço, poder e liberdade, no qual é feita
uma breve contextualização história sobre a mulher, a sociedade patriarcal, o feminismo
e o empoderamento feminino.

Capítulo 2 – Tecendo a rede, ponto a ponto: a força do grupo, em que é abordado


o conceito de grupo, o conceito sobre educação comunitária, e as propriedades do tricô.

Capítulo 3- Sobre a construção da “receita”: O Percurso Metodológico. Nele é


tratada a metodologia utilizada nesta pesquisa, a recolha de dados, a análise temática,
assim como o perfil das participantes e a contextualização do momento.

Capítulo 4 - A voz das mulheres sobre suas “tramas” e suas experiências. –


Neste capítulo são apresentados os dados recolhidos e os temas que emergiram a
partir da análise temática das entrevistas.

Último capítulo – “Arrematando o trabalho”: Considerações finais – no qual são


apresentadas reflexões sobre os resultados, articulados com a teoria.

Assim, com a “receita” em mãos, foi-se construindo o trabalho, “ponto a ponto”.

11
CAPÍTULO 1 – Mulheres e a luta pelo seu espaço, poder e liberdade

“Eu não sei porque tenho que ser a sua felicidade


Não sou sua projeção
Você é que se baste
Meu bem, amor assim quero longe de mim
Sou mulher, sou dona do meu corpo
E da minha vontade
Fui eu que descobri Poder e Liberdade

Sou tudo que um dia eu sonhei p’ra mim”1

(Trecho da música Mulheres (Versão) Silvia Duffrayer)

A mulher foi, por muito tempo, considerada como o sexo frágil, como símbolo de
fraqueza e de menor resistência. Ela tem sido oprimida e submissa ao homem, em
diversas esferas da vida, durante a história da humanidade (Santos,2019). Este fato não
é novo, nem desconhecido pela maioria das pessoas, e continua sendo uma realidade,
até hoje, muitas vezes velada, apesar dos avanços tecnológicos e da variedade de
informações disponibilizadas. Contudo, essa história vem ganhando um contorno
diferente, graças àquelas que não aceitaram essa condição caladas e decidiram lutar
pelos seus direitos, pelo reconhecimento da igualdade entre os géneros (Magalhães,
2005). Apesar das conquistas já alcançadas, ainda há um longo caminho a ser trilhado
para que mulheres e homens tenham de fato as mesmas oportunidades, como será
abordado neste capítulo. Longe da pretensão de esgotar o assunto, a intenção é fazer
uma síntese, que permita conhecer um panorama geral da situação, privilegiando alguns
pontos de vistas que colaborem para este objetivo e para uma compreensão do ponto
em que as mulheres se encontram hoje.

Para iniciar o capítulo incluímos acima um trecho de uma versão de uma música
em resposta ao tema Mulheres de Martinho da Vila, um famoso compositor e cantor
brasileiro, lançada no álbum “Tá Delícia, Tá Gostoso”, em 1995. Na música original, o
compositor começa descrevendo os vários tipos de mulheres com as quais já se
relacionou, com características diferentes, mas com quem nunca encontrou a felicidade,
algo que só foi possível junto da pessoa para quem ele canta essa música, como no
trecho abaixo:

1
- Disponível em: https://www.letras.mus.br/silvia-duffrayer/mulheres-versao-part-doralyce/

12
“Procurei em todas as mulheres a felicidade
Mas eu não encontrei e fiquei na saudade
Foi começando bem, mas tudo teve um fim
Você é o sol da minha vida, a minha vontade
Você não é mentira, você é verdade
É tudo que um dia eu sonhei p’ra mim.”2

Nesse trecho é possível verificar como as mulheres acabam por ser alvo das
necessidades dos homens, realizando o que eles desejam e pretendem, em uma música
que, aparentemente, não tem a pretensão de falar de submissão feminina. Outro ponto
que chama atenção, é o fato da música ser de 1995, final do século XX, durante o qual
as mulheres já haviam conquistado muitos direitos em relação aos homens,
principalmente na esfera civil, mas que, na prática e no dia-a-dia, as desigualdades
ainda persistem.

Na versão da música em epígrafe, que é escrita por uma mulher, ela afirma que
não quer satisfazer as necessidades do homem, e que cada um que procure a sua
felicidade. Também fala do domínio do próprio corpo, das suas vontades, e de como as
mulheres vêm lutando para ter a sua liberdade e o poder sobre a sua própria vida e suas
escolhas. As mulheres vêm lutando para que as suas vozes sejam ouvidas e que os
seus direitos sejam garantidos e respeitados. Esse trecho também fala de
empoderamento feminino e na capacidade de tornar-se aquilo que ela mesma desejou,
uma temática que abordaremos mais adiante no presente estudo.

Para poder compreender melhor a colocação feita por essa mulher, é necessário
voltar um pouco no tempo para perceber a evolução de alguns fatores que colaboraram
para o cenário atual.

1.1 - O papel da mulher e a sua (des)valorização

Quando se pensa em mulheres, não raro, associamos de imediato aos trabalhos


domésticos e à educação dos filhos, funções muito desvalorizadas e depreciadas, uma
vez que não produzem valor monetário, como sublinha Angelica Cruz (2009). Desde o
século XVII, o homem foi considerado como um cidadão com direitos civis e políticos,

2
Disponível em https://www.letras.com/martinho-da-vila/47320/

13
que foram negados às mulheres, legitimando a exclusão das mesmas no espaço social,
como explica Helena Araújo (2007). A mesma segue dizendo que:

“como fazem notar várias filósofas e antropólogas em Portugal, esta exclusão tem
na sua base a produção de construções simbólicas em que se define a “natureza
feminina” no terreno do corpo e dos afectos, em oposição à racionalidade, à razão,
atribuídas ao mundo masculino” (Araújo, 2007:92).

Na fala de ambas as autoras, é possível perceber que a “natureza feminina” vem


sendo atribuída como uma característica de menor valor e tem inerente a noção de
fragilidade. Como diz Angelica Cruz (2009:183), as atividades desempenhadas pelas
mulheres sempre foram “silenciada por não produzirem valor monetário: a maternidade,
o trabalho de casa”,
Com o objetivo de mudar essa realidade, surgiu o movimento social denominado
de feminismo que, segundo Conceição Nogueira e Sofia da Silva (2003:9), foi marcado
pelo livro “A Vindication of the Rights of Woman” escrito por Mary Wollstonecraft em
1792, no qual ela “exigia a independência económica para as mulheres, como forma de
emancipação pessoal e de respeito pela igualdade”. As autoras explicam que o
feminismo teve três vagas que, apesar de apresentarem objetivos específicos, foram
todas em prol do reconhecimento dos direitos civis das mulheres, a igualdade perante
os homens e a melhoria de vida das mulheres.
O feminismo é uma luta a favor das mulheres, contra o sexismo, mas não
exclusivo das mulheres e nem contra os homens (Carvalho, Vieira, Santos & Melo,
2003). O objetivo é a luta contra o patriarcado, a “dominância do poder pela ideologia
masculina – como a fonte mais potente de opressão das mulheres” (Nogueira & Silva,
2003:12). Maria José Magalhães, Helena Pinto e Manuela Tavares (2003:22) vão ao
encontro desta mesma perspetiva ao explicar que o feminismo é um movimento social
que atua no espaço cultural, e que pretende mudar mentalidades e relações de poder:
“as estruturas capitalistas patriarcais de dominação e subordinação das mulheres
efectivamente beneficiam alguns homens” que perderão alguns privilégios.
Por se tratar de mudanças de pensamento e de padrões de comportamento é
preciso tempo para internalizar e colocar em prática essa nova postura e, enquanto isso,
muito do padrão “antigo” continua acontecendo, como as mais diversas injustiças
enfrentadas pelas mulheres.

14
1.2 - Injustiças dentro e fora de casa

Com as mudanças que aconteceram no mundo e na economia, de maneira geral,


as mulheres foram chamadas ao mercado de trabalho, por necessidade de
complementar a renda de casa, para sustentar a família, já que muitas ficaram viúvas
na guerra como explicam Magalhães, Pinto e Tavares (2003). Contudo, além de
trabalhar fora, as obrigações domésticas ainda continuam, na maior parte das vezes,
sob a sua responsabilidade. Assim, muitas mulheres acabam por assumir jornadas de
trabalho duplas e até triplas para conseguirem dar conta do que precisam. Algumas
contam com a ajuda do parceiro, mas muitos continuam atribuindo os cuidados da casa
às mulheres, que acabam acumulando as funções, mesmo quando elas trabalharam o
mesmo número de horas que eles, fora de casa.

Nogueira e Silva (2003:12) sublinham que, no final dos anos de 1960, a


preocupação das feministas era “a percepção das mulheres como seres dependentes,
subvalorizados e frequentemente isolados, essencialmente aquelas que se dedicavam
à família a tempo inteiro”. Desta forma, a estratégia adotada pelas participantes dos
movimentos era de aumentar a consciência da desvantagem feminina, nas diversas
esferas da sua vida. Com o movimento feminista, muitos direitos foram conquistados
pelas mulheres como o direito ao voto, o de participar da vida pública, o direito de decidir
sobre o seu corpo, entre outros. Embora essas conquistas possam, a princípio, traduzir
o início de uma igualdade de género, ainda há muito que ser feito para que esta
igualdade de fato exista, no dia-a-dia (Neves & Barbosa, 2003). Além do mais, essas
conquistas alcançadas não atingem todas as mulheres de maneira igual, permanecendo
muitas práticas antigas, de segregação e desigualdades nas diversas áreas da vida das
mulheres como salientam as autoras Magalhães, Pinto e Tavares (2003). Entre essas
desigualdades elas apontam a violência doméstica, salários diferenciados entre homens
e mulheres, desigualdades na distribuição das responsabilidades familiares que, apesar
de não encontrarem uma legitimidade social para serem defendidos, continuam
existindo na prática.

A violência doméstica pode assumir diversas formas e envolver membros diferentes,


mas sempre dentro da família e, na maioria das vezes dentro de casa, longe dos olhos
dos outros e de forma velada (Rechena & Furtado, 2020). Em Portugal, a violência
doméstica continua muito presente nas famílias, com um alto índice de agressões
(inclusivé mortes) e é uma forma de controle e intimidação às mulheres. As autoras
explicam ainda que segundo a UN Women, organização da ONU dedicada à igualdade
de género e ao empoderamento das mulheres, a violência de género está sendo
considerada como uma pandemia, uma vez que uma em três mulheres experienciam

15
violência em algum momento de suas vidas. Como é explicado na página da internet
da ONU, este aumento significativo levou-a, no ano de 2020, a assinalar o dia 25 de
novembro com o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra a Mulher.

A força física e a chantagem psicológica fazem com que as mulheres tenham medo
de denunciar a situação, de buscar ajuda e de sair dessa situação. Magalhães
(2005:413) aponta que a sociedade é a responsável por mudar as práticas e políticas
que estimulam a violência, e não as mulheres vítimas da mesma: “políticas sociais fortes
contra a violência doméstica são condição imprescindível para garantir uma cidadania
plena das mulheres”. A autora continua lembrando que “na esfera pública, as pessoas
são concebidas como agentes individuais, com estatuto de cidadãos, e com voz
[enquanto que] (…) a esfera doméstica é caracterizada por relações de dependência –
mulher/homem, filhos/pais, idosos/adultos, doentes/saudáveis” (:413).

Apesar das conquistas das mulheres em termos da sua autonomia e independência,


ainda há muitas que acabam sucumbindo aos maus tratos por conta do parceiro.
Segundo Santos (2019) não raro, uma mulher, apesar da sua independência financeira,
pode envolver-se em relacionamentos tóxicos nos quais o parceiro acaba por exercer
um domínio da relação, controlando a mulher, que, muitas vezes, não sabe como sair
dessa relação. Como explica Araújo (2008), apesar da dependência financeira de outros
tempos nem sempre existir, o terror psicológico e o medo paralisam-nas de uma tal
maneira que muitas ignoram as opções que eventualmente têm. Além disso, temem
pela sua própria vida e pela vida dos filhos, pois acreditam que, se vierem a terminar a
relação, o parceiro irá tirar a sua vida, o que infelizmente, em muitos casos, acaba por
ser verdade.

Outra injustiça social sofrida pelas mulheres é em relação ao salário. Apesar de


executarem a mesma função que um homem, não raro, recebem menos do que eles.
Embora nas empresas públicas essa distinção não exista, pois o ordenado está
associado ao cargo, nas empresas privadas ela não só existe como está referenciada
no relatório do World Economic Forum, (2019). No mesmo documento consta que as
oportunidades que são oferecidas a um género, nem sempre são as mesmas oferecidas
ao outro e as diferenças aumentam com o aumento da idade. As mulheres que são
mães, ou que ainda encontram em idade para ser, muitas vezes não são contratadas,
ou não são promovidas, pelo fato dos responsáveis imaginarem que, em algum
momento, elas terão que faltar ao trabalho para cuidar dos filhos. Mais uma vez, as
funções ligadas ao lar são associadas somente às mães, que parecem ser “punidas”
por exercê-la.

16
Entretanto, é necessário compreender que uma das origens das desigualdades
laborais está nas oportunidades de educação e formação que, até algum tempo atrás,
eram exclusivas dos homens. Carvalho, Vieira, Santos e Melo (2003:34) lembram que,
no Iluminismo, houve uma grande defesa da educação que “aparece revestida de uma
importância cívica, como educação para a cidadania”, como descrito no Tratado sobre
a Educação de Emilio, de Rousseau. Contudo, a figura da mulher é deixada de fora e
associada à natureza. A força e o poder da mulher foram associados à natureza e a sua
capacidade de reprodução: “O “ideal” da mulher deve ser de “mãe” e “fada do lar”, mas
não de cidadã” (:34). Desta maneira, a família patriarcal fica sendo o modelo natural e
esperado, no qual a mulher fica limitada ao espaço da casa, subordinada ao homem
(Magalhães, 2003), e este é quem possui autorização para participar de uma vida
pública (Costa, 2003). Consequentemente, só os homens tinham formação e estavam
capacitados para o mercado de trabalho. Entretanto, segundo as autoras, em 1790, foi
publicado o livro “Acerca da Instrução Pública” por Condorcet, no qual é proposto a
inclusão das mulheres na educação, “afirmando que a natureza supostamente
diferenciada é apenas o produto de uma educação deficiente, pelo que se deve apostar
na educação como caminho para emancipação individual e colectiva” (Carvalho, Vieira,
Santos e Melo, 2003:35).

Esse cenário vem mudando e a realidade de hoje é que o número de mulheres nas
escolas, nas formações e nas universidades vem crescendo. Segundo os dados do
Eurostat, o guia das estatísticas europeias, em 2018, não há grandes diferenças da
quantidade de homens e mulheres que completam o ensino básico e secundário, mas
esses números aumentam quando se trata da educação superior, atingindo um valor de
34% das mulheres na União Europeia que completam o ensino superior, em
comparação com apenas 29% dos homens. A diferença entre os géneros tem vindo a
aumentar nos últimos anos. Magalhães (2005) também evidencia o destaque que as
mulheres têm na educação, mas só recentemente é que este dado se vem tornando
mais evidente. No entanto, este predomínio não é igual em todas as áreas científicas:
dados do Incode 2030 mostram que as mulheres continuam subrepresentadas nas
áreas de Engenharia, Manufatura e Construção e, especialmente, de Tecnologias de
Comunicação e Informação, sendo que elas ocupam apenas 17% das vagas de estudo
nessa área, na Europa, e em Portugal a média cai para 12%. Estes dados levaram a
União Europeia e o Governo Português a lançar iniciativas de atração das mulheres
para carreiras tecnológicas.

Contudo, apesar desse aumento na capacitação das mulheres, as oportunidades


oferecidas às mulheres ainda são diferentes das dos homens. Isso apesar da criação

17
de leis e tratados que visam uma igualdade de oportunidades entre os géneros que,
ainda hoje, não é a realidade de muitos países, persistindo as diferenças salariais e
discriminações contra as mulheres. Este fato pode ser constatado na edição do jornal
Público, jornal de grande circulação em Portugal, do dia 29 de junho de 2020, no qual
foi escrita uma matéria, por Sérgio Aníbal, com o título “Portugal falha metas europeias
na redução da disparidade salarial”, com a seguinte colocação:

“A legislação em vigor até pode ser a mais adequada mas, na prática, não foi
feito o suficiente pelas autoridades portuguesas para garantir uma verdadeira
igualdade de rendimentos entre homens e mulheres e, por isso, Portugal foi
considerado como estando em violação da Carta Social Europeia adoptada pelo
país há quase 20 anos.”

Segundo o artigo, Portugal está violando o Artigo 20º da carta, no qual há a


exigência de direito a oportunidades e tratamentos iguais em qualquer ocupação, sem
discriminação por género, quanto ao valor do ordenado. Apesar de algumas medidas
terem sido tomadas, foram insuficientes, não havendo um progresso visível. Dentro da
União Europeia, além de Portugal, mais catorze países foram denunciados pela
University Women of Europe (UWE), pelo mesmo motivo. As estatísticas mostram que
ainda hoje há, em Portugal, uma diferença salarial entre homens e mulheres. Apesar
das autoridades portuguesas discordarem, o comitê responsável por apurar a denúncia
feita, comprovou que as medidas tomadas para reduzir as diferenças salariais entre
homens e mulheres tiveram sucesso entre os anos de 2010 e 2016, o que já não
aconteceu a partir do ano de 2017. Assim, foi constatado que ainda há uma segregação
significativa no mercado de trabalho e o comitê considerou que as medidas tomadas por
Portugal em busca de igualdade não resultaram.

Segundo Magalhães (2005), a participação das mulheres no mercado de


trabalho já é visível, mas a participação na política ainda precisa ser aumentada. A
mesma explica que é necessário refletir sobre os conceitos de política e cidadania, para
poder compreender como foram construídas as diferentes esferas de atividade humana
e como as mulheres reagiram a essas construções sociais. Para a autora, o conceito de
cidadania está diretamente ligado à independência física, econômica e emocional, uma
liberdade de poder fazer valer os seus direitos e poder falar com a sua própria voz. Este
é um conceito que pode apresentar diversos olhares, como explica Menezes (2005:15),
e um ponto importante é que uma pessoa, mesmo que não exerça a sua cidadania de
maneira ativa (na política, por exemplo) e sim de maneira passiva, ainda assim,

18
“continua a deter direitos legais e sociais - e estes devem ser respeitados”. Desta
maneira, pode-se dizer que todos na comunidade têm os seus direitos e que os mesmos
precisam ser levados em consideração e validados. No relatório do World Economic
Forum (2019) pode-se verificar que “Political Empowerment gaps demonstrates how,
globally, women’s presence and participation in politics is still extremely limited”. Essa
diferença é presente no mundo inteiro, até em países que procuram criar medidas para
diminuir as diferenças entre os géneros. A realidade em Portugal não é diferente, como
é possível verificar em uma matéria publicada no Jornal Público, com o título,
“Participação política das mulheres ainda esbarra em obstáculos” no dia 30 de
novembro de 2020, na qual afirma que na política é onde encontra-se a menor
representatividade feminina, no país.

Já o conceito de política, de uma maneira ampla, tem a ver com o poder e não
se restringe a atuação das instituições da política, mas sim com a gestão da vida das
pessoas em que as diferentes esferas se articulam. De acordo com a teoria feminista, o
poder ganhou uma proporção muito maior pois:

“vincaram o papel do patriarcado nas relações sociais e as formas como este se


articula com o poder económico e o poder político, alargando a sua
conceptualização para diversos tipos de poder, incluindo o poder sexual,
doméstico e simbólico. Também a teoria sociológica no campo educativo realçou
estas dimensões do cultural e do simbólico e foi trabalhando as formas em que
a educação se constituía como instrumento do poder ou, inversamente, como
proporcionando possibilidades de resistência e de emancipação (Magalhães,
2005: 344 e 345).

Magalhães (2005) coloca a educação como uma forma de poder, o que faz
pensar na importância que esta exerce na vida das pessoas. A educação pode ser uma
abertura para novas oportunidades, e/ou pode colaborar para a manutenção de velhos
paradigmas e estereótipos arraigados na sociedade (Neves & Barbosa, 2003).

1.3 - Empoderamento feminino

O termo empoderamento vem do termo inglês empowerment, e vem sendo


utilizado em diversas situações como no trabalho, na escola, na vida pessoal. A
expressão empoderamento feminino foi cunhada pelo movimento feminista nos anos de
1980 e 1990, para retratar o processo de busca de autopoder das mulheres, como

19
explicam Huis, Otten e Lensink (2017:1), que definem empoderamento como um
processo “from being unpowered to being empowered”.

Zimmerman (1995:581) explica que empoderamento “integrates perceptions of


personal control, a proactive approach to life, and a critical understanding of the
sociopolitical environment”, incluindo na definição o contexto social e sócio-político, que
não devem ser desconsiderados. O autor explica ainda que o empoderamento é
composto por três dimensões: a dimensão intrapsíquica (relacionada com a auto-
eficácia, auto-conceito e auto-motivação); a dimensão relacional (ligada à consciência
crítica, desenvolvimento de competências e mobilização de recurso) e a dimensão
comportamental (que diz respeito ao envolvimento comunitário e participação em
organizações).

“Adicionalmente, todos esses níveis envolvem processo, ou seja, iniciativas que


propiciam o empoderamento dos indivíduos, organizações e comunidades como
sejam as oportunidades para trabalhar com outros, para expandir a rede de apoio
pessoal, e resultados, isto é, consequências ao nível, por exemplo, do sentido de
controlo ou da consciência crítica” (Menezes, 2010:45-46).

Para Huis, Otten e Lensink (2017) o empoderamento feminino é um processo no


qual as mulheres são consideradas como agentes de transformação, em que
desenvolvem competências e habilidades para fazerem escolhas estratégicas, num
contexto que antes lhes era negado, com ou sem ajuda de terceiros. Para os autores, é
um processo que pode acontecer em três dimensões: pessoal, relacional (em relação
com pessoas próximas, como o parceiro, a família e a sua comunidade) e comunitário
(em um contexto mais amplo da sociedade).

Já Cornwall e Rivas (2015) têm uma outra perspectiva sobre esse conceito, pois
explicam que o empoderamento feminino foi um movimento que teve a preocupação de
transformar as relações de poder entre homens e mulheres, promovendo os direitos das
mulheres, a justiça social e transformações económicas, políticas e sociais. As autoras
explicam ainda que o empoderamento não é algo que possa ser atribuído por uma
terceira pessoa, tem a ver com a pessoa apropriar-se, individualmente, dos seus direitos
e competências, e promover uma mudança estrutural em benefício de uma maior
igualdade. Elas ressaltam que não se trata de desenvolver as competências das
mulheres para encarar as situações difíceis e sim para que essas mulheres possam
questionar as situações de injustiça que vivenciam e de lutar pelas mudanças
necessárias. Empoderamento é, assim, um processo vivenciado pelas mulheres.

20
Terceiros podem até colaborar para que as condições sejam mais favoráveis para que
esse processo aconteça, com a retirada de entraves e obstáculos nos setores sociais,
financeiros e educacionais, mas o processo em si de empoderamento feminino é
intrínseco e íntimo e só a própria mulher é capaz de o vivenciar.

Naila Kabeer (1999), autora com várias publicações sobre empoderamento


feminino, vai ao encontro da ideia de que a questão central no empoderamento é o
poder e trata-se de um processo de mudança. É um processo que engloba muitas
facetas, contudo a autora aponta como este também afeta os homens pois, numa família
patriarcal, o poder está nas mãos do homem, assim como uma série de
responsabilidades. Quando há o empoderamento feminino, há também o
empoderamento masculino, tanto no aspeto psicológico e material, pois quando os
homens perdem privilégios tradicionais, também perdem fardos tradicionais. É uma
mudança que afeta todos os envolvidos de maneira direta ou indireta.

Entretanto, como já foi abordado anteriormente neste estudo, por diversos


fatores o empoderamento feminino pode ser embotado. Assim, a mulher acaba por
desenvolver um sentimento de menos valia e de inferioridade, o que acaba gerando
várias consequências não positivas na sua vida, como, por exemplo, aceitar
humilhações e maus-tratos, por acreditar que é o que ela merece, e ser o que ela está
acostumada a receber (Santos, 2019).

Para que haja empoderamento, é necessário que haja um trabalho de


valorização da pessoa, que esta passa a conhecer ou a reconhecer o seu valor próprio,
as suas características e se aproprie delas (Kabeer, 1999). Essa pessoa precisa
compreender que é única, com particularidades próprias que a torna diferente das
demais pessoas, mas não inferior. Dependendo do grau de comprometimento psíquico
que esta pessoa apresente, essa auto valorização pode levar mais ou menos tempo.
Assim, uma estratégia para se promover mais mulheres empoderadas, é começar o
trabalho de valorização com as meninas, que crescerão conhecendo as suas
competências e apropriando-se do que elas realmente possuem, aumentando a
probabilidade de tornarem-se mulheres confiantes em si mesmas, que lutam ativamente
pelos seus direitos.

A importância do desenvolvimento financeiro como uma forma de


empoderamento é destacado pelos autores Huis, Otten e Lensink (2017), uma vez que
a mulher com uma renda estável e alta, que consiga sustentar a si e a sua família, tende
a assumir o controle da sua vida e a sentir-se mais segura. Contudo, apesar de parecer
contraditório, esse movimento pode contribuir para que haja um aumento na violência

21
doméstica, uma vez que o parceiro pode reagir de maneira negativa a esse poder
financeiro que a mulher passa a assumir. Os autores destacam que o empoderamento
é um processo que demanda tempo. As mudanças mais rápidas podem ser vistas no
nível individual. Contudo, nas relações, elas costumam demorar mais para se
estabelecerem, uma vez que demandam mudanças nas relações, na mentalidade e no
comportamento de outras pessoas. A mudança ao nível da comunidade é ainda mais
demorada, justamente por envolver um número ainda maior de indivíduos, contudo,
quando acontece, é uma mudança mais sólida e mais persistente.

A comunidade e os grupos, assim como as suas forças, vêm sendo estudado


por diversas áreas como a sociologia e a psicologia. A participação em uma comunidade
ou em um grupo gera um sentimento de pertença, de que o indivíduo não está sozinho,
que acaba por ser uma forma das pessoas empoderarem-se. Magalhães, Pinto e
Tavares (2003:23) trazem a importância do grupo para o fortalecimento contra as
opressões, pois se as desvantagens e exclusões deixarem de ser vistas de maneira
coletiva, poderão ser consideradas como problemas individuais, nos quais a vítima
passa a ser culpada como responsável pelas desvantagens sofridas. “Desta forma,
desresponsabilizamo-nos individualmente, como se desresponsabilizam também as
estruturas sociais e políticas pela situação geral que faz emergir estas diferenças de
condição entre as pessoas”. As mesmas continuam ressaltando a importância das
mulheres como grupo, sendo este o primeiro degrau na resistência das dificuldades por
elas encontradas. Em grupo, elas unem-se e passam a não acreditar que os seus
sofrimentos são naturais ou pessoais além de poderem partilhar suas experiências e
vivências. Os funcionamentos de grupos e as suas características de interação são
temas centrais deste trabalho, que merecem mais reflexões a cerca deles, o que ficará
a cargo do próximo capítulo.

22
CAPÍTULO 2 – Tecendo a rede, ponto a ponto: a força do grupo.

O que tenho dito até agora, porém, diz


respeito radicalmente à natureza de
mulheres e de homens. Natureza entendida
como social e historicamente constituindo-se
e não como um “a priori” da História.
(Freire,2002:17)

No capítulo anterior, tratou-se das desigualdades de género e da importância do


suporte do grupo para a mulher, principalmente em situações de vulnerabilidade. Este
fato não é específico da mulher e sim de todo ser humano. Toda pessoa é um ser social,
que desenvolve-se a partir da interação com o meio em que vive e simultaneamente
escreve a História e vai constituindo-se como indivíduo, como coloca Freire (2002). O
meio no qual está inserido e as relações que estabelece possuem mais influência na
vida do indivíduo do que muitas vezes percebe. Para poder compreender de onde surge
essa influência, vale a pena atender ao conceito de grupo, o que será abordado a seguir.

2.1 - Grupo: Definições e sua importância

Ao nascer, o bebé passa a fazer parte de uma família, que nada mais é do que um
grupo primário. Como esse é o grupo mais íntimo que se pode ter, pela proximidade das
suas relações, é também um dos grupos que mais irá exercer influências na vida e nas
escolhas do ser humano (Bezanilla & Miranda, 2013). Á medida que o indivíduo cresce,
vai participando de outros grupos maiores como a vizinhança, a escola, a igreja, o
trabalho, entre outros, que variam de acordo com os seus gostos, estilo de vida e até
com a sua idade. Poderíamos até dizer que todos esses grupos estão inseridos em um
grupo de dimensão ainda maior, que é a sociedade.

Antes de continuar discorrendo sobre como os grupos afetam as vidas das pessoas
é importante perguntar, afinal o que é um grupo? Grupo é um conceito que pode ser
definido de diversas formas e por várias teorias. Recorrendo ao dicionário encontra-se
como definição de grupo: “1. Conjunto de objetos que se vêem duma vez ou se
abrangem no mesmo lance de olhos. 2. Reunião de coisas que formam um todo. 3.
Reunião de pessoas. 4. Pequena associação ou reunião de pessoas ligadas para um
fim comum” (Ferreira, 1986:871). Quiçá esta seja uma das definições mais simples e
mais corriqueiras de grupo. Indo ao encontro do terceiro e quarto ponto apresentados

23
nessa definição, temos a explicação de que um grupo “consiste de duas ou mais
pessoas que interagem e partilham objetivos comuns, possuem uma relação estável,
são mais ou menos independentes e percebem que fazem de fato parte de um grupo”
(Rodrigues et al., 1999:371).

Ora, segundo Yalom (2006), os grupos estão presentes na vida das pessoas desde
sempre e fazer parte de um grupo é uma motivação poderosa. Na adolescência, por
exemplo, é muito comum que os jovens se dividam em grupos, reunindo-se pelos seus
interesses e gostos, na busca de afirmar a sua identidade, sendo comum encontrar
grupos de artes de música, de leitura, entre outros (McGee, Williams, Howden-
Chapman, Martin, & Kawachi, 2006). Esse fenómeno acontece pois todo ser humano
tem a necessidade de aproximar-se e conviver com pessoas com quem tenha
afinidades, para sentir-se pertencente a uma unidade, a um grupo. Esse sentimento de
pertença proporciona uma estabilidade emocional e a certeza de que há outros
semelhantes, que partilham suas ideias e ideais, que, apesar de ser um indivíduo único,
aproxima-se de outros em pontos que considera importantes e centrais na sua vida. Os
grupos, sejam mais íntimos ou mais externos, criam pilares de sustentação emocional
estruturando a confiança e a autoestima da pessoa. Montero (2004) salienta que toda
ação humana está orientada por uma concepção (de mundo, dos seres humanos e das
relações que estabelecem entre si) que orienta o comportamento das pessoas,
oferecendo-lhes um sentido de direção.

É possível perceber a importância das interações e interdependência na formação


dos indivíduos que foram estudadas por Kurt Lewin e sua Teoria de Campo. Esta teoria
vê o grupo como um campo e os seus participantes como forças que exercem
influencias mútuas. Assim, o comportamento de um integrante influencia o
comportamento dos demais e a interdependência dinâmica entre os membros é a
principal característica do grupo, como explica Garcia-Roza (1972:62). Dessa forma, é
compreender que o grupo é um “todo dinâmico, e que qualquer mudança ocorrida em
uma de suas subpartes modifica o estado de todas as outras subpartes”. Uma
característica dos campos é a busca constante pelo equilíbrio. E quando uma das forças
sofre alguma alteração, todo o campo se reorganiza para atingir um novo equilíbrio.
Dessa forma, ao promover mudanças individuais, o indivíduo assumirá uma nova
postura, uma nova forma de interagir e, como consequência, promove-se mudanças nos
seus relacionamentos e no tratamento das demais pessoas e, como reflexo, o grupo,
como um todo, acaba por restruturar-se a partir da mudança de um dos membros, como
sugere Montero (2004).

24
Outra teoria que explica a interdependência e influência que o meio exerce no
desenvolvimento do ser humano é a Teoria Ecológica do Desenvolvimento Humano, de
Urie Bronfrenbrenner (1979:3) que explica que:

“The ecology of human development involves the scientific study of the progressive,
mutual accommodation between an active, growing human being and the changing
properties of the immediate settings in which the developing person lives, as this
process is affected by relations between these settings, and by the larger contexts
in which the settings are embedded” (Bronfenbrenner, 1979: 21).

Para Bronfrenbrenner, há uma reciprocidade na qual o indivíduo influencia o meio,


assim como o meio influencia o indivíduo, gerando consequências na sua vida, não só
nos contextos sociais mais próximos, como a família e a escola, por exemplo, mas
também em contextos mais amplos. Se pensarmos que a pessoa nasceu e vive em uma
determinada sociedade, um determinado país, que possui leis e políticas
governamentais próprias que regem a maneira de viver dos seus membros,
consequentemente, esse indivíduo, também será afetado pelas medidas tomadas (ou
não) pelos governantes, podendo interferir de maneira direta ou indireta na sua vida e
nos desdobramentos que esta possa vir a ter. Segundo Bronfenbrenner (1979:3) o meio
ecológico “is conceived as a set of nested structures, each inside the next, like a set of
Russian dolls”. O autor explica que há diferentes níveis de influência e quanto mais
próxima é uma relação interpessoal, maior o grau de influência que exerce na pessoa.
Desta forma, a pessoa sofre influências do contexto social, porém, são influências
menos diretas, mas que também podem atingir o desenvolvimento psíquico da pessoa,
conforme as experiências que forem vivenciadas. A experiência é, assim, um conceito
central na forma que uma pessoa se relaciona com o mundo, e por esta razão será
desenvolvido a seguir.

2.1 – A experiência e desenvolvimento social

A experiência é de suma importância na vida dos seres humanos pois é através dela
que percebe e vivencia o mundo. No seu livro “Art as Experience”, John Dewey
(2005:36) coloca que a experiência “occurs continuously, because the interaction of live
creature and environing conditions is involved in the very process of living”. Apesar do
ser humano experimentar constantemente, uma verdadeira experiência só ocorre
quando há uma perceção total da mesma, na sua completude: “we have an experience
when the material experienced runs its course to fulfillment” (:36).

25
O autor explica ainda, no livro “Experience and Education”, publicado em 1963, que
as experiências influenciam o ser, mas nem sempre de maneira positiva. A qualidade
da experiência é importante, pois será base para experiências futuras e caso não sejam
positivas, a probabilidade das futuras também não serem é muito grande. Ele destaca
a importância de se viver o presente, como uma experiência única, pois só assim é que
se pode estar preparado para o que vier.

Outro autor que valoriza muito a experiência é Paulo Freire (2002), que destaca a
importância de se aproveitar o que o/a aluno/a já viveu, na medida em que a experiência
transforma olhares e constrói saberes: “Uma das características da experiência
existencial no mundo em comparação com a vida no suporte, é a capacidade que
mulheres e homens criam os de inteligir o mundo sobre que e em que atuamos” (Freire,
2002:44).

Pode-se dizer que o ser humano é um ser cultural e ao agir, age dentro de uma
cultura (e apoiado por ela) e que o seu comportamento e suas criações são moldados
pelos padrões culturais, históricos, do grupo em que vive, como explica John Dewey
(2010). Dentro deste contexto, ele irá desenvolver o seu modo próprio de agir, os seus
sonhos, desejos e conquistas, a sua própria criação, mas levando como bagagem tudo
que apreendeu das suas vivências. A experiência é uma influência mútua do ser e do
meio, já que na experiência “things and events belonging to the world, physical and
social, are transformed through the human context they enter, while the live creature is
changed and developed through its intercourse with things previously external to it”
(Dewey, 2005: 257).

Essa ideia de Dewey (2005) vai ao encontro do conceito de ‘embodiment’ que é


definido por Paniagua e Istance (2018) da seguinte forma: “Embodiment connects with
‘lived experience’ as the outcome of sensory engagement with the environment (:118).
Os autores explicam ainda que “in combining these two driving forces – creating and
expressing – in terms of skills, embodied learning can be understood as the conscious
use of creative experiences” (:118). Este conceito aproxima-se da ideia de “learning-by-
doing”, pois ambos incorporam a importância de interagir e de experimentar. Contudo,
no “embodiment” o foco é mais no aspecto emocional, físico e criativo.

O fazer criativo é uma forma de experimentar, de entrar em contato com o mundo.


O processo de criar vem sendo crescentemente valorizado, uma vez que é através dele
que se tem a verdadeira experiência. Cada vez mais, estudos vêm comprovando a
importância do fazer criativo, do contato com as artes, não como um instrumento, mas
como processo de vida, inclusive na educação escolar. Um documento da UNESCO

26
“Road map for arts Education - The World Conference on Arts Education: Building
Creative Capacities for the 21st Century”, publicado em 2006, fala da importância do
ensino das artes como um direito de todo ser humano, reconhecendo que, através dos
recursos artísticos, é possível estimular o desenvolvimento criativo. O documento
ressalta a importância de focar no processo e não no resultado propriamente dito. O
fazer, o processo de conceber e construir, precisa ser valorizado, pois é nele que está
contida a verdadeira experiência. Dewey (2005) reforça esta importância das artes e da
experiência:

“Since art is the most universal form of language, since it is constituted, even apart
from literature, by the common qualities of the public world, it is the most universal
and freest form of communication. Every intense experience of friendship and
affection completes itself artistically. The sense of communion generated by a work
of art may take on a definitely religious quality. […] The arts weds man (sic) and
nature is a familiar fact. Art also renders men (sic) aware of their union with one
another in origin and destiny” (Dewey, 2005:282)

Dewey (2005) defende que as artes são para todos e que estão presentes no dia-a-
dia das pessoas. Contudo, não raro é encontrar um adulto com dificuldade de criar e o
autor atribuiu este fato ao status elitista que vem sendo atribuída às artes, como algo
caro e distante do cotidiano da maioria da população, exposto num museu. O fato de
não ter frequentado uma Escola de Artes e ter aprendido técnicas sofisticadas para
produzir uma peça, faz com que muitas pessoas não reconheçam as características
artísticas do seu trabalho, e quiçá a criatividade nele presente. A criatividade é inerente
ao ser humano, como explica Ostrower (2001) em sua obra “Criatividade e Processos
de Criação”. A criatividade é um potencial que precisa ser realizado como uma das
necessidades do indivíduo. O fazer com as mãos, os trabalhos manuais, são
considerados um fazer criativo e uma produção manual que é uma produção única.
Comumente, este tipo de técnica é aprendido pela observação de outra pessoa fazer
e/ou na prática, o que vai ao encontro das abordagens da educação comunitária e não
formal, que defendem que a aprendizagem não acontece só na escola tradicional, com
metodologias previamente estabelecidas, como será abordado no próximo tópico.

1.2 - Educação comunitária, não formal e informal

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Os autores Dewey (2005,2010) e Freire (2002) são dois nomes importantes na
Educação formal. Contudo, ambos defendem que as metodologias de ensino tradicional
precisavam ser revistas, levando em consideração a participação ativa dos alunos. É
importante ter em mente que não é só na escola, sustentado por teorias educacionais,
como a pedagogia e a didática, que uma pessoa aprende. Na verdade, tudo que a
pessoa vive e assimila é também uma aprendizagem, não havendo diferença entre uma
aprendizagem mais formal (na escola) e outras do dia-a-dia – o que ressalta que a
educação não é exclusividade da escola, como explica Gadotti (2012). Aprende-se no
contato com outras pessoas, nas vivências, uma vez que na observação dos
comportamentos e das situações vividas a pessoa incorpora novos conhecimento. É
uma forma de educação informal (sem o formato da escola e as metodologias
específicas da mesma) no qual a/os participantes aprendem observando, perguntando
e alguém lhes explicando, de uma maneira informal, sem uma metodologia pedagógica
para isto.

“A educação não formal se constitui num conjunto de processos, meios,


instituições, específica e diferencialmente desenhada em função de explícitos
objetivos de formação e instrução que não estão diretamente dirigidos à concessão
de grau, próprio do sistema educativo formal” (Gadotti, 2012: 14).

Apesar de ser informal, não é menos importante do que a educação tradicional


escolar e toda a educação, seja ela de que tipo for, é social, pois não é possível falar de
educação sem levar em consideração a sociedade, a comunidade e o contexto familiar.
A educação informal vem apresentando um papel central, principalmente com
populações mais empobrecidas ou discriminadas, como explica o autor. O mesmo ainda
ressalta a importância do espírito de comunidade e da solidariedade nela existente, que
é algo construído historicamente e não ensinado em uma sala de aula, que não é
aprendido nos livros e nem pelo relato de alguém, e sim, é aprendido na vivência, na
prática, na pele. É um aprendizado tão intrínseco, e tão cotidiano, que pode até nem ser
percebido como um aprendizado de fato, como explica Freire (2002).

“No fundo, passa desapercebido a nós que foi aprendendo socialmente que
mulheres e homens, historicamente, descobriram que é possível ensinar. Se
estivesse claro para nós que foi aprendendo que percebemos ser possível ensinar,
teríamos entendido com facilidade a importância das experiências informais nas

28
ruas, nas praças, no trabalho, nas salas de aula das escolas, nos pátios dos
recreios, em que variados gestos de alunos, de pessoal administrativo, de pessoal
docente se cruzam cheios de significação” (Freire, 2002:19 e 20).

É a possibilidade de aprender a partir da partilha, do contato com o outro, da


vivência, sem uma estrutura pré-definida, mas com um conteúdo rico e significativo.
Entretanto, essa aprendizagem é muitas vezes desconsiderada por não ter a
formalidade de um currículo, com grelhas de conteúdos pré-determinados, com
programas bem definidos. Assim sendo, a educação comunitária passou a ser
associada, hoje em dia, às aprendizagens alternativas de produção. Estas são formas
de produção em que o processo total é executado pelas mesmas pessoas, não havendo
segregação nas diversas etapas (como no modo de produção dominante). Quem produz
acompanha o processo do início ao fim, e também aprende durante a produção em si.
A produção neste cenário não é só um fenómeno económico, mas também um
desenvolvimento social e pessoal, na qual a inclusão se faz presente, ao contrário do
que é visto no modelo tradicional capitalista. O indivíduo aprende como é pertencer
aquela comunidade, quais são as regras e o funcionamento da mesma, dando-lhe um
sentido de comunidade. As práticas artísticas podem contribuir para a “restauração do
vínculo social, perante um mundo fragmentado, perspectivando a participação como
meio de reencontrar esse sentido de comunidade”, como colocam os autores Cruz,
Bezelga e Menezes (2020:2). Os mesmos explicam também que projetos de educação
social e comunitária recorrem a diferentes formas de atividades artísticas para promover
o sentimento de pertença, assim como auxiliar o desenvolvimento de formas criativas
de transformação social.

Por não se tratar de uma aprendizagem formal, é muitas vezes desvalorizada,


desconsiderando que o conhecimento empírico, que é aprendido na prática e no fazer,
é muitas vezes muito mais coerente e mais consistente. De forma alguma o
conhecimento teórico deve ser desprezado e muito menos desvalorizado, contudo, o
mesmo pode não incluir imprevistos que surgem no dia-a-dia, que só a prática, o
“colocar a mão na massa”, ensina. A educação não formal propõe o caminho inverso.
Respeita o senso comum da população na sua prática cotidiana, procurando
problematizá-lo e compreender a teoria existente na prática popular, atribuindo-lhe um
raciocínio mais rigoroso e científico. É muito comum, nas artes manuais e no artesanato,
quando a prática é ensinada por alguém mais experiente para alguém que está
iniciando, como, por exemplo, o tricô.

29
2.3– Tricô – o fio de ligação

O tricô é um exemplo de atividade manual realizada por mulheres, que, na sua


maioria, aprenderam com suas mães e avós, não havendo uma educação formal para
tal (Minahan & Cox, 2010). É um conhecimento que vai sendo passado de geração para
geração, como forma de tradição, tanto da comunidade em que vivem, quanto da família
na qual estão inseridas. Uma vez que o tricô é a atividade manual mais abordada neste
estudo (embora outras técnicas sejam mencionadas, o foco será o trabalho com fios e
agulhas), faz-se necessário compreender a sua origem e alguma especificidade do
mesmo.

2.3.1- Origem do tricô

O autor Richard Rutt, no livro “A History of Hand Knitting” publicado em 1987,


explica que há uma tentativa de datar o início da produção manual, mas a verdade é
que, como o registro era difícil, muita informação ficou perdida com o passar do tempo.
De acordo com a autora McIntosh (2011), as peças mais antigas tricotadas, de que se
tem registo, são meias do Egito, produzidas entre o século XI e XIV. Segundo Rutt
(1987) na academia não havia encorajamento a escrever sobre o tricô, por várias
razões, entre elas, a quantidade limitada de peças na coleção dos museus ou o facto
da maioria dos escritos sobre o tema serem textos jornalísticos ou amadores; assim,
“the domesticity of the craft has reduced its attractiveness to historians, and there is no
outline of the subject to which monograph studies can be related” (1987:4). As autoras
Katherine Harrison e Cassandra Ogden (2019) corroboram este argumento e ainda
consideram que, por se tratar de uma arte doméstica, geralmente, sem um retorno
financeiro, acaba por não ser valorizado e sem grande atrativo para a academia. Elas
explicam que apesar desse cenário estar mudando lentamente, e estarem surgindo
estudos recente sobre o tema, muito comumente, tratam de mulheres jovens que estão
exercendo ou iniciando esta prática e continuam a preterir as mulheres de mais idade,
como os estudos apresentados sobre o fenómeno “Stichn´Bitch” entre eles os das
autoras Minahan e Cox (2007), que será abordado mais adiante nesse trabalho.

Dessa maneira, o primeiro registro inglês sobre a história do tricó é de 1615, nas
histórias de Edmund Howe (Rutt,1987). Depois, só em 1680, é que há outro registo em
uma obra nomeada “An Institution of General History: or the History of the World” escrita
por William Howell e Magdalene College, na qual o tricô é descrito na história da

30
vestimenta e da seda. Entretanto, segundo o mesmo, há uma pintura do século XIV,
produzida por Ambrogio Lorenzetti, em Siena, Sacra Famiglia3 que retrata a família e a
Virgem Maria com agulhas compridas nas mãos e um novelo de lã, mostrando que
estava tricotando e permitindo vislumbrar o interior da vida doméstica. Desta maneira,
saber com exatidão a data e como esta arte surgiu torna-se quase impossível.

A origem da palavra knit em inglês, vem do verbo to knit, que tem alguns
significados como “make a fabric with knitting needles or knitting machine, it means to
fuse (as when a broken bones knits), or to draw together (as in knitting the brows)” (Rutt,
1987:5). O autor explica que é possível associar a palavra knit com a palavra anglo-
saxônica cnyttan que significa atar com um nó, ou fazer um nó, e que é associada a
palavra cnotta, que significa a knot, em inglês, e traduzindo para o português nó. Esta
tradução é curiosa uma vez que o tricô é uma sucessão de nós que vão sendo
produzidos e criando uma trama. Já a palavra tricô em português vem da palavra tricot,
em francês (Dicionário infopédia da Língua Portuguesa, 2020) que é de origem incerta,
sendo talvez uma variante do francês antigo “estriquer” (alisar) ou do alemão “striken”
(atualmente significa, exatamente, tricotar, mas tem origem na palavra corda) (Online
Etymology Dictionary, 2020).

2.3.2- O processo de tricotar

A explicação da criação da malha, como comumente é chamado o tricô, é um


desafio. Uma definição que ilustra bem esse processo foi elaborada por Irene Emery,
em 1966, e citada por Rutt (1987:7) que diz: “knitted fabric is a fabric consisting solely
of parallel courses of yarn, each course meshed into the fabric by being looped into
bights of a course above. Only in the last course are the loops locked by being laterally
looped into the same course”.

Essas laçadas com o fio são realizadas em uma agulha e trabalhadas com a
outra. O par de agulhas pode variar de espessura conforme o fio que está sendo
utilizado, podem ser feitas de diversos materiais, como plástico, bambu, carbono, metal
e, geralmente, têm aproximadamente 35 cm de comprimento (McIntosh, 2011;
Rutt,1987). Contudo, hoje em dia, há agulhas menores ligadas por fios para auxiliarem
na produção de peças redondas e/ou para fazer peças menores. Entretanto, as mais

3
- Disponível em
http://catalogo.fondazionezeri.unibo.it/scheda/opera/7442/Lorenzetti%20Ambrogio%2C%20Sacra%20Famiglia

31
compridas (de 35 cm), de metal, continuam a ser as mais comuns, embora as agulhas
acima de 5 mm de espessura sejam de plástico (McIntosh, 2011; Rutt,1987). Conforme
a pessoa vai laçando o fio com o auxílio dessas agulhas, vai criando uma malha, e as
diferentes maneiras de laçar o fio, em ordens diferentes, criam padrões diversos e
desenhos no corpo do trabalho. A sequência de pontos a ser seguida é chamada de
receita, que contém instruções de como produzir uma peça.

Há conhecimentos específicos do tricô que são necessários saber para poder


realizar um trabalho com maior qualidade, como, por exemplo, como tensionar as
laçadas, aumentar ou diminuir a trama tecida, com o aumento ou diminuição de laçadas
na agulha e como ler as receitas (Rutt 1987). É possível fazer uma peça a partir de uma
receita, mas com a experiência e prática, pode-se criar as próprias receitas, o que
envolve conhecimentos como a contagem de pontos e saber quantos são necessários
para o trabalho pretendido. Ainda há diferentes formas de laçar o fio na agulha (de
começar o trabalho) além de passar ou não o fio pelo pescoço, ou colocá-lo em um
alfinete preso na camisola, que são detalhes que vão sendo testado por quem tricota,
até encontrar a sua forma. Contudo, a orientação de alguém mais experiente pode
auxiliar nessas etapas, pois é importante considerar a perspetiva e o conhecimento de
pessoas que tricotam há mais tempo (Harrison & Ogden, 2019).

2.3.3 -Tricô e gênero

Apesar do tricô estar associado ao sexo feminino, Rutt (1987) afirma que o tricô
é para ambos os sexos. A autora McIntosh (2011) concorda com o autor e relata que há
um aumento no número de homens que estão tricotando, nos dias de hoje. Entretanto,
já no século XX, na Grã-Bretanha havia alguns grupos de homens que tricotavam (Rutt,
1987). Os meninos da alta sociedade aprendiam a tricotar no jardim de infância, com as
suas amas, mães e tias. O tricô ajudava a acalmar a hiperatividade dos meninos,
embora na adolescência muitos já não quisessem mais realizar tal atividade. O autor
ainda relata que o Arcebispo de Canterbury (1945-1961) fez com que seus filhos
aprendessem a tricotar. Segundo o mesmo: “Knitting is a distinct virtue. It´s reflective
and repetitive. Whenever you are engaged in doing a purely repetitive thing, your mind
can reflect upon life” (Rutt,1987:157). O autor refere que muitos soldados também
tricotavam e que embora, hoje em dia, seja menor a quantidade de homens que
exerçam esta atividade, “some of the most successful knitwear designers are men” (Rutt,

32
1987:158). A autora Kelly (2013) relata que as mulheres que tricotam apoiam e
incentivam os homens que também praticam esta atividade.

Entretanto, com o passar do tempo, o tricô ficou mais associado ao sexo


feminino e o Rutt menciona a criação de um grupo de tricô, cujo objetivo era de ensinar
a arte de tricotar. “Hand Knitting is counted as the most popular indoor leisure activity for
women” (Rutt,1987:158). Não só o tricô passou a ser mais direcionado para as
mulheres, mas também passou a ser visto como um hobby que teria que ser praticado
dentro de casa. Essa visão se mantem, até os dias de hoje, dado constatado nos
estudos das investigadoras Harrison e Ogden (2019), realizados na Inglaterra, com um
grupo de mulheres que tricotam desde crianças. Foi verificado que a maioria das
participantes prefere tricotar em casa, pois dizem sentir-se desconfortáveis tricotando
na frente de pessoas desconhecidas, além de ficarem preocupadas com a imagem
negativa que possam passar ao tricotar em público. Outro ponto verificado foi que
tricotar não é importante para a mulher jovem, moderna e profissional. As autoras
Minahan e Cox (2007) seguem esta mesma linha de pensamento explicando que
normalmente, no conhecimento popular, o tricô é associado às mulheres, geralmente
mais velhas, que realizam esta arte dentro de casa e de maneira solitária. Entretanto,
há alguns movimentos e criação de grupos, que estão propondo que esta visão seja
revista (Kelly,2013; Stannard e Sanders, 2014)

2.3.4 – Tricô solitário ou em grupo

É verdade que o ato de tricotar pode ser solitário, mas, indo contra os resultados
obtidos pelas investigadoras Harrison e Ogden (2019), tricotar pode ser também uma
forma de socializar, através da participação em grupos presenciais ou online (Corkhill &
Riley 2014). É possível afirmar isto com a constatação do aumento de grupos online que
encontram-se virtualmente para tricotar, uma adaptação dos grupos presenciais de tricô
que já existem há algum tempo, (McIntosh, 2011; Stannard & Sanders, 2014).

Segundo as autoras Stannard e Sanders, (2014) os grupos de tricô


proporcionam uma integração social, desenvolvimento da comunicação, troca mútua de
conhecimentos, entre outras. Contudo, para uma pessoa mais tímida e com habilidades
sociais menos desenvolvidas, a participação nesses grupos pode ser mais desafiadora.
Entretanto, o próprio processo de tricotar e suas características favorece a integração,
além de ser um interesse em comum, que já serve como um ponto de partida para um
primeiro contato. Corkhill e Riley (2014) apontam que, mesmo participando do grupo,

33
um integrante pode não conversar, e apenas ficar tricotando em silêncio. Desta maneira,
a pessoa controla a sua participação podendo estar presente mesmo nos dias em que
não está disponível para conversar. Um efeito dos grupos de tricô é o riso e a conversa
fácil, que provavelmente são desencadeadas pelos movimentos ritmados e calmos de
tricotar. Nesses grupos, há um convite para a aproximação, para o contato, sendo que
ambos estão muito escassos na vida das pessoas em geral, sendo a solidão um
fenómeno crescente. Desta maneira, reunir para tricotar pode ser considerada uma boa
forma de socialização, de estar na companhia de outras pessoas. As autoras apontam
que o estudo mostrou que o fato das participantes poderem levar o seu trabalho de tricô
para casa e continuar de maneira solitária contribui para estimular o próximo encontro,
além de promover um “time out” (:43) das pressões e das preocupações do dia-a-dia.

Minahan e Cox (2007), em um artigo denominado “Stichn´Bitch”, falam de um


fenómeno mundial (Europa, Austrália, Estados Unidos, entre outros) em que pessoas,
na sua maioria mulheres novas, vêm-se reunindo tanto através da internet, através de
sala de bate-papo ou blogs, para partilhar suas produções, e também marcam encontros
presenciais para quem quiser comparecer, levar o seu trabalho, tricotar e conversar. É
uma forma de socializar, de interagir, além de ensinar técnicas e aprender. As autoras
consideram que esses grupos podem ser vistos como uma “negative response to major
political, social and technological changes including globalization, terrorism, damage to
the environment and the dislocation of the Information Society (:5).

Esse tipo de grupos proporciona ainda conexões e um senso de comunidade ao


mesmo tempo que sustentam o individualismo dos dias atuais. Esse movimento não
tem a intenção de voltar ao tempo das avós, e sim tomá-lo como ponto de partida. A
ideia é praticar uma técnica milenar, mas de uma maneira mais moderna e atual,
coerente com a realidade atual (Minahan e Cox, 2007).

Na pesquisa realizada por Corkhill e Riley (2014), os resultados encontrados


foram que as mulheres que tricotavam em grupo afirmaram que fizeram amizades
nesses grupos de tricô e que aumentaram a confiança social e o sentimento de
pertencimento. Algumas relataram que utilizam o tricô para se acalmar durante
situações que provocam ansiedade e, assim, costumam tricotar em reuniões ou
situações sociais nas quais não saberiam o que responder. O tricô serve como um
quebra-gelo, um pretexto para aproximar-se e estabelecer uma conversa, por exemplo,
além de permitir desenvolver a comunicação, principalmente para as mais tímidas.

A proposta desses grupos é justamente romper com a imagem que só mulheres


mais velhas tricotam e levar o tricô, nas mãos de mulheres mais novas, para o espaço

34
público, promovendo a criatividade, a integração social dentro da comunidade através
de uma arte manual, ao mesmo tempo que se promove a expressão individual.

Apesar de reconhecer a importância dos grupos, a autora Hemmings (2014)


destaca as propriedades que o tricotar individualmente tem e explica que, normalmente,
é mais fácil ter novas ideias ao trabalhar sozinha do que em grupo e assim, tricotar
individualmente pode ser tão produtivo e até mais criativo do que em grupo. Explica que
a imagem de quem tricota individualmente está muito associada a pessoas solitárias e
até com problemas, mas isso é um estereótipo que não representa necessariamente a
realidade de fato. Há pessoas que preferem trabalhar sozinhas, e há ainda aquelas que
gostam de trabalhar em grupo, mas que também gostam de estar tricotando sozinhas
em casa, pois é um tempo que tiram para si mesmas. Independente de tricotar em grupo,
ou sozinhas, em casa ou em lugares públicos, o fato é que tricotar pode trazer benefícios
para quem se aventura na arte de entrelaçar o fio.

2.3.5 – Tricotar e suas vantagens

A arte de tricotar tem diversas vantagens e, de acordo com Corkhill e Riley


(2014), uma delas é o fato de ser versátil e portátil, permitindo a sua realização em
quase qualquer lugar. É um processo que envolve habilidades físicas e psíquicas,
apesar de ser relativamente fácil de aprender a estrutura básica do mesmo. Após o
domínio da técnica e com o aumento da confiança na realização da mesma, é possível
inventar e usar a criatividade. Também é possível destacar os benefícios psicológicos
que o tricotar proporciona. As autoras citam Turney (2009) e Katz-Freiman (2010) que
explicam que a natureza rítmica e sensorial do trico pode ajudar a acalmar, destacando
as suas “potential meditative and therapeutic qualities” (Corkhill & Riley 2014:36).

Além dos benefícios sociais e psicológicos, o fato de criar um produto gera


satisfação que contribui para um bem-estar pessoal e social (Hemming 2014),
contribuindo para a manutenção de uma boa saúde mental. Segundo a World Health
Organization (2018), a definição de saúde mental é “a state of well-being in which an
individual realizes his or her own abilities, can cope with the normal stresses of life, can
work productively and is able to make a contribution to his or her community.” Aqui
vemos a saúde mental ligada a comunidade, mostrando a importância da pessoa
manter-se ativa e colaborando com a mesma. As autoras Corkhill e Riley (2014),

35
explicam que a literatura abrange mais criatividade e bem-estar ligadas as artes visuais
e performativas, sendo mais raro encontrar textos que falem sobre o tricô, por exemplo.
Em um estudo realizado por elas, através de um questionário online, em julho de 2010,
perguntou-se as quatro razões principais para tricotar. “Among the most common
reasons were the perceived psychological benefits that came from the process of
knitting, such as relaxation, stress relief, and its therapeutic and meditative qualities”
(Corkhill & Riley 2014:37). Pode-se perceber que o resultado por elas encontrado vai ao
encontro do que a literatura apresenta, assim como outros estudos na área, associando
as práticas manuais a um bem-estar físico e mental muito frequente na prática
meditativa e de exercícios físicos (McIntosh, 2011; Stannard & Sanders, 2014). A partir
do tricô, muitas participantes sentiram-se confiantes para aprenderem novas atividades,
como jardinagem, cozinhar, entre outras. Os encontros online também contribuíram
para que as competências de informática fossem trabalhadas. Outro resultado
encontrado no estudo das autoras Corkhill & Riley (2014) foi que o tipo de projeto a ser
tricotado pode trazer maior ou menor satisfação, conforme o padrão e a receita em
questão. Quanto maior a complexidade do padrão, maior a tendência de alguma coisa
não correr bem, e com isso gerar insatisfação e frustração. Porém, se o resultado for de
acordo com o esperado, a reação costuma ser positiva. “Knitting creates strong, resilient,
flexible fabric. Therapeutic knitting seeks to create a strong, resilient, flexible minds in
the process” (:39).

Outra correlação que as autoras fizeram foi a melhora cognitiva e a frequência


de tricotar foi percebida pelas participantes do estudo. As mesmas relataram que tricotar
contribui para melhorar a organização e clarificação de pensamentos, estimula a
memória e concentração e também auxilia no esquecimento de problemas. O estímulo
cognitivo pode estar relacionado com “the constructive nature of kintting and its symbolic
patterns together with the calculations required led to a perception of improved
mathematical and design skills” (:39). O planejamento que é necessário no tricô (Corkhill
& Riley, 2014), acaba sendo utilizado em outras áreas da vida, como na organização do
dia-a-dia. O fato do tricô ser bilateral, utilizando ambas as mãos, faz com que o cérebro
tenha que trabalhar mais para coordenar ambas as mãos, do que uma atividade que
utilize apenas uma. Os movimentos que o tricô utiliza são bilaterais, repetitivos, ritmados
e automáticos. Segundo Jacobs e Fornal (1999) movimentos repetitivos aumentam a
produção de serotonina, hormona responsável pela sensação de bem-estar e calma.
Assim, ao tricotar, a pessoa pode sentir como se estivesse em um estado meditativo e
relaxado, que pode ser muito útil para controlar a ansiedade, é um efeito natural de
tricotar, e não requer uma aprendizagem sobre o processo meditativo. Dessa maneira,

36
tricotar pode ser útil em diversas situações e para diversos grupos diferentes de pessoas
(crianças, idosos), incluindo pessoas que apresentem dificuldades de aprendizagem. O
cérebro, ao estar realizando uma tarefa de maneira automatizada, diminui o “self-
monitoring” e permite que as conversas fiquem mais fluídas e profundas (Corkhill &
Riley, 2014:41).

O tricô pode ainda proporcionar uma mudança na identidade e na perceção de


si (Stannard e Sanders, 2014), pois pode permitir que quem tricota adquira uma
identidade e uma visão do mundo mais positiva, ao fazer peças para outras pessoas
mais necessitadas e/ou para caridade, por exemplo (Corkhill & Riley, 2014).

De acordo com as autoras Corkhill e Riley (2014:41), o tricô pode ser aprendido
por qualquer pessoa e não depende de uma habilidade artística prévia, além de
promover “purpose, creativity, success, reward, and enjoyment that is particularly
important in groups who have no experience of these in other aspects of life” Dessa
maneira competências importantes vão sendo trabalhadas e podem ser aplicadas a
outras áreas da vida. A possibilidade de desfazer um erro e consertá-lo, mostra também
que, na vida, há coisas que podem ser reparadas com paciência e perseverança.

O recente aumento do interesse pelo tricô, é uma reação “to the anxiety and
boredom Csikszentmihalyi cites as a common reality of modern life. The antidote to this
dissatisfaction is a type of concentration and satisfaction that often appears in the
production of craft, in particular hand knitting” (Hemming, 2014:49-50). Tricotar é uma
maneira de não pensar nos problemas, ao mesmo tempo que promove bem-estar e
saúde, colaborando para evitar doença, como a demência, por exemplo (Corkhill & Riley
2014). O estudo aponta que o tricô é forma barata de complementar tratamentos
médicos cuidando do corpo, mente e espírito (McIntosh, 2011). Pode ser que essas
vantagens que o tricô proporciona seja o segredo para ser uma arte que perdura por
tanto tempo.

2.4.6 – Tricô e algumas particularidades

O tricô é uma arte que vem passando de geração para geração, como um legado
ancestral. Nessa transmissão de conhecimento, as avós assumem uma grande
importância ao ensinar as suas netas esta arte (Minahan & Cox, 2010). A relação com
as avós permite uma conexão com o passado, cheia de carinho e afeto, e também como
forma de aprendizado, mas em contrapartida pode ser vista como algo antigo e
ultrapassado. No estudo realizado por Minahan e Cox sobre como as praticantes
adquiriram as suas habilidades com as agulhas, a figura materna como fonte do

37
conhecimento, embora esteja presente em algumas das falas, aparece de forma menos
afetuosa do que quando falam das avós. Assim, as habilidades aprendidas foram
provenientes dos ensinamentos das mulheres mais velhas da família. Uma das
hipóteses levantadas por elas é que as mulheres mais velhas querem retribuir à
comunidade o conhecimento recebido, e uma forma de fazer isto é ensinando a arte
manual, no caso o tricô. Talvez essa seja uma das razões pelas quais as avós costumam
ser as responsáveis pela transmissão deste conhecimento. As autoras Harrison e
Ogden (2019), em seu estudo, também verificaram que a maioria das participantes
haviam aprendido o tricô com uma mulher mais velha da sua família, enquanto ainda
eram crianças.

Um estudo de Creighton (2001:18) sobre as mulheres japonesas que buscam


suas identidades pela tecelagem, que reflete “attempts to construct personal, collective,
and cultural identity”. Ao mesmo tempo que estão conectadas com o passado ao realizar
as suas atividades manuais, as mulheres estão no comando das suas atividades, em
um movimento de resistência e valorizando o trabalho manual com a devida importância
que ele tem. Apesar do tricô estar muito associado a mulheres mais velhas, a partir do
ano 2000, muitas mulheres novas começaram a tricotar ou voltaram a atividade que
havia sido preterida anteriormente (McIntosh,2011). Muitas começaram a tricotar em
casa, mas também em lugares públicos como os transportes, como forma de otimizar o
tempo. Desta forma, pode-se dizer que através das artes manuais, as mulheres vêm
criando resistência aos temas que não as representam, com o resgate de técnicas
milenares, consideradas femininas (Minahan & Cox, 2010).

Para além do resgate da arte de tricotar, estes grupos vêm apresentando


algumas preocupações relevantes, como as questões ambientais (McIntosh, 2011).
Como o tricô manual consiste na produção de uma peça única e singular, este vai contra
a produção em massa e larga escala (Minhahan & Cox, 2007). O fio, normalmente, não
costuma ter um valor económico alto, permitindo que o tricô seja uma arte de baixo
custo. Algumas pessoas que tricotam preferem usar materiais orgânicos assim como
reaproveitar materiais, ao desmanchar uma peça parcialmente ou por inteiro e reutilizar
o fio para a confeção de um novo artigo e até o reaproveitamento dos mesmos, ao
desfazer peças antigas para a criação de novas, também demonstra uma preocupação
ambiental, por dar um novo uso ao fio, ao invés de jogá-lo fora (Corkhill & Riley, 2014).
Esta propriedade permite a pessoa a experimentar e reinventar, o que auxilia no
processo de resiliência psicológica para lidar com os imprevistos da vida.

38
Como foi visto neste capítulo, o ser humano é um ser social que está inserido
em um contexto, no qual influencia e é influenciado mutuamente. Essa influência é tão
constante, que muitas vezes, nem é percebida pelos seus agentes. Durante a sua vida,
a pessoa participa de diversos grupos, sendo o primeiro, a sua família, que é o grupo
mais íntimo do qual pode pertencer. Nestes grupos o indivíduo irá relacionar-se com
outras pessoas e com o meio em que vive, experimentando e aprendendo pelas suas
vivências e descobertas.

A capacidade de ensinar e aprender fora de um contexto formal escolar, foi outro


tema abordado, apresentando conceitos sobre a educação comunitária e educação não
formal, muito comuns nos ofícios artesanais. Não raro, os conhecimentos de uma arte
manual são passados de pessoa a pessoa e no caso do tricô, é muito comum que seja
passado de geração para geração, como herança ancestral.

Para finalizar, como o tricô é a arte manual central deste estudo, tratou-se do
tricô e dos seguintes subtemas: da sua origem, do processo de tricotar, da questão do
gênero ligada a esta arte, do processo em grupo ou individual, das vantagens, da
ancestralidade do conhecimento, dos materiais e a preocupação ambiental. Após essa
revisão da literatura e dos conceitos principais deste estudo, será apresentada a parte
metodológica e os resultados encontrados.

39
CAPÍTULO 3 - Sobre a construção da “receita”: O Percurso Metodológico

1 - Objetivo da Investigação

Em um mundo, que cada vez mais a tecnologia e a oferta de distrações se


tornam mais fartas, há mulheres que seguem os passos das gerações anteriores, e
continuam a realizar técnicas manuais como o tricotar, que exigem repetição e tempo
na sua execução, indo na contramão do movimento rápido e acelerado que a sociedade
impõe. Para além disso, muitas mulheres se reúnem com os seus tricôs, transformando
a arte solitária de tricotar em um ato social, de encontro e de partilhas. A partir dessas
observações, algumas perguntas foram surgindo tais como: Por que essas mulheres
tricotam? Por que elas tricotam em grupo? O que acontece nesses encontros? O que
as motiva a frequentar? De que forma estes grupos podem servir a favor do
empoderamento feminino? Como esses grupos podem ser vistos como forma de
educação comunitária?

Desta maneira, esta investigação tem o objetivo de responder a questão: “Qual


o papel do grupo, das partilhas e das atividades expressivas na vida das mulheres, e
como estes podem ser consideradas como educação comunitária, além de contribuir
para o empoderamento pessoa de cada uma delas?”.

2 - O Desafio de Investigar

Após uma estrada cheia de curvas e contornos, eis que chega o momento de
explicar o percurso até chegar ao conteúdo desta pesquisa. A metodologia que fez mais
sentido para esta investigação foi a pesquisa qualitativa, assente no paradigma
interpretativo fenomenológico. A realidade, do ponto de vista fenomenológico, para
Antônio Gil (2008:14 e 15) “é o compreendido, o interpretado, o comunicado. Não há,
pois, para a fenomenologia, uma única realidade, mas tantas quantas forem as suas
interpretações e comunicações”. As autoras Braun e Clarke (2019) defendem que, neste
tipo de metodologia, a/o investigador/a assume uma postura investigativa ativa, indo em
busca dos dados e dos participantes que possam colaborar com aquilo que é pretendido
estudar. As mesmas falam que a pesquisa qualitativa é sobre contar histórias, interpretar
dados, de reflexão, uma postura ativa e geradora. Já Edmonds e Kennedy (2017)
explicam que esta é uma abordagem pertinente para pesquisar-se a experiência pessoal
ou eventos que aconteceram com as pessoas.

40
Contudo, antes de continuar a falar sobre as técnicas utilizadas para a recolha
de dados, faz-se necessário uma visão mais ampla do caminho, por conta de alguns
desafios que surgiram e fizeram com que fosse necessário a escolha de novos trajetos.

O início foi marcado pela leitura de alguns textos e da definição de que o objeto
de estudo seriam mulheres que realizam trabalhos manuais. Depois, entrei em contacto
com uma Instituição, no conselho de Gondomar, que permitiu que eu participasse de
um grupo de mulheres que se reuniam uma vez por semana e realizam artes manuais
muito diversas. Essa observação participante aconteceu por quase oito meses (com
interrupção das férias de verão) e em janeiro, quando era suposto, começar algumas
atividades, assim como sessões de discussão focalizada em grupo, o grupo acabou por
encerrar, por questões institucionais. Desta maneira, surgiu a necessidade de encontrar
outro grupo; encontrei um grupo de mulheres, que se reúnem duas vezes por mês, para
fazer tricô e para conviver. Levei a proposta do estudo, envolvendo observação
participante e a realização de algumas sessões de discussão focalizadas em grupo, que
foi aceite pelo grupo. Cheguei a estar presente num encontro delas. No entanto, devido
a pandemia causada pelo COVID-19, e a necessidade de isolamento de toda população,
fui, novamente, “convidada” a rever meus planos.

Levando em consideração a situação do momento e as incertezas do tempo que


iria durar o isolamento, tive que repensar a minha abordagem, e optei em fazer
entrevistas semiestruturadas pela internet, aproveitando as impressões da observação
participante para elaborar o guião da mesma. Entrei em contacto com as mulheres do
grupo de tricô, mas algumas não se sentiram à vontade para dar a entrevista online,
pelo fiquei com um número reduzido de participantes. Como não tinha o contacto das
mulheres do primeiro grupo, não consegui as contactar também. Assim, expandi a
minha busca por participantes usando a internet, e encontrei, no Facebook, mulheres
que tricotavam em grupo em outros sítios de Portugal. Cheguei a pensar em realizar
com mulheres de outras localidades, inclusive do Brasil, mas acabei por ter mais
facilidade de acesso com as mulheres portuguesas e decidi manter esse perfil. O
interessante é que, com essa abertura, contactei mulheres mais novas, de vinte e
poucos anos, que trouxeram um olhar diferente a algumas questões, o que possibilitou
uma perspetiva transgeracional para uma mesma atividade. As entrevistas trouxeram
muitos aspetos que já estavam previstos, e outros que eu não havia considerado em
abordar, como as questões de género na educação, mas que são muito pertinentes e
que, de facto, fazem todo sentido neste estudo.

41
3 – Metodologia e Técnicas de recolha de dados utilizadas

A metodologia inicialmente escolhida foi qualitativa com observação participante


e grupo focal. Estas faziam sentido, uma vez que o trabalho em questão fala da
participação de grupos e fazia sentido que, então, a recolha de dados também fosse em
grupo, permitindo observar além do que é dito, como é dito, e a interação entre os
participantes, conseguindo o investigador uma maior quantidade de informações, em
um curto período, como explica Bernardete Gatti (2005). Amado (2013) sublinha ainda
que a principal fonte de dados do grupo focal é a interação entre os participantes e este
só é possível ter acesso no grupo. A observação participante consiste a recolha de
dados através da inserção da/o investigador/a no campo, como explicam Mónico,
Alferes, Castro e Parreira (2017). A recolha de dados é feita de maneira ativa,
procurando o/a investigador/a tornar-se um membro do grupo, assumindo uma posição
privilegiada para obter informações mais completas do que alguém que observa de fora.

Como foi relatado acima, fiquei acompanhando um grupo e observando-o por


cerca de oito meses, mas não utilizei as notas de terreno que produzi nas observações,
pois ainda não tinha o consentimento por escrito das participantes. Como esse grupo
era constituído por mulheres com histórias de vidas sofridas, algumas apresentavam
muitas dificuldades em relacionar-se com pessoas desconhecidas. Assim, a
responsável pelo grupo, dentro da Instituição, sugeriu que eu começasse a participar do
grupo, para que as integrantes pudessem conhecer-me e ficar mais à vontade com a
minha presença de modo que, quando solicitasse que elas assinassem o consentimento
e apresentasse as atividades, elas estivessem mais recetivas em participar. Dessa
forma, fui devidamente apresentada, falei sobre a minha intenção, da investigação que
estava fazendo e todas concordaram verbalmente com a minha participação. Com o
encerramento deste grupo, encontrei, como alternativa, um grupo de mulheres que
realizam tricô que aceitaram participar e assinaram o consentimento informado no
primeiro encontro. Entretanto, na semana seguinte, por conta da pandemia do COVID-
19, houve a proibição de ajuntamento de pessoas no Porto, não sendo possível fazer
os encontros em grupo e tão pouco a observação participante.

Diante desta situação, houve a necessidade de repensar a recolha de dados e o


caminho a seguir com a investigação. Embora alguns pesquisadores tenham realizado
grupos focais pelo Zoom (plataforma de vídeo conferência), já que permite reuniões com
um grande número de integrantes, considerei que algumas das participantes poderiam
não ter familiaridade com essa aplicação e acabassem por não querer participar. Outro

42
ponto é que as discussões em grupo exigiriam alguns encontros, sendo necessária a
disponibilidade para mais de um, e também poderia ter a dificuldade de encontrar um
horário em comum para todas, uma vez que as mesmas tinham diversas atividades,
mesmo em isolamento. Além de tudo, teria que contar com uma boa conexão de rede
por parte de todas para que pudessem de facto participar dos encontros, sem
interrupções e cortes.

Assim sendo, a opção que pareceu mais viável, pela circunstância do momento,
foi a entrevista semiestruturada online, utilizando plataformas de vídeo conferência
como o Zoom, o Skype e o Messenger. Apesar de não ter a interação das participantes,
como no grupo focal, a entrevista ofereceu a oportunidade de cada uma falar o que bem
entendesse, sem ficar envergonhada das demais participantes, ou ainda sem achar que,
como a outra já havia falado, ela não precisava falar mais. Aliás, a entrevista
semiestruturada caracteriza-se pela presença de um guião, previamente elaborado,
com a função de orientar quem está a entrevistar, mas com a possibilidade de surgirem
perguntas novas a partir da fala de quem está a ser entrevistado, tornando a entrevista
um contacto fluído e dinâmico. Essa flexibilidade é indicada por Svend Brinkmann
(2014) que explica que o guião é interessante pois oferece uma direção a ser seguida,
mas que é importante o/a entrevistador/a estar aberto/a ao que a entrevistada está
trazendo, pois podem surgir, na conversa, pontos que não haviam sido considerados.
Outro fator é que as entrevistas que oferecerem um pouco de abertura, fazem com que
o/a entrevistador/a fique mais atento às entrevistas, para poder lidar com o improviso do
que não era esperado, caso venha a ser necessário. O autor faz ponderações sobre o
uso da internet para as entrevistas e diz que é preciso avaliar a forma como a entrevista
é feita e quais as possíveis consequências para a entrevista. Diz ainda que a maioria de
entrevistadore/as, preferem a entrevista cara-a- cara, pois esta transmite mais
segurança para o/a entrevistado/a, o que pode ser importante, dependendo do assunto
que será abordado. Neste estudo, embora as entrevistas tenham sido realizadas pela
internet, todas foram por vídeo conferência, permitindo que tanto a entrevistada quanto
a entrevistadora se vissem mutuamente, aproximando-se ao máximo da entrevista
presencial.

Por se tratar de uma entrevista semiestruturada, o guião foi estruturado a partir


da observação participante do primeiro grupo na qual estive inserida. Por ter
acompanhado um grupo de mulheres por alguns meses, pude perceber alguns temas
que gostaria de aprofundar, e que considerei interessantes para o estudo. Apesar de
ser usado com participantes diferentes do grupo inicial, considerei que as questões que

43
iriam ser abordadas eram transversais a todas as mulheres que fizessem artes manuais
em grupo.

O guião foi divido em três partes. A primeira parte é sobre a relação com as
artes manuais, quando iniciou essas práticas, com quem aprendeu, o que sente quando
está realizando essas atividades, com quem faz e a frequência que faz. A segunda parte
é sobre a participação no grupo de artes manuais, há quanto tempo frequenta, quais os
pontos positivos e as desvantagens de se participar, o que acontece e como se sentem
nos encontros. A terceira parte são perguntas a respeito das injustiças sociais que as
mulheres encontram no mundo, assim como o empoderamento feminino, como o grupo
pode ou não auxiliar para que as mulheres se sintam mais empoderadas, e se a
entrevistada mandasse, o que ela mudaria para que as mulheres pudessem ser mais
fortalecidas. Para encerrar, foi elaborada uma pergunta mais geral, para que a
entrevistada acrescentar mais alguma coisa, se quisesse, sobre os temas tratados, ou
ainda retomar alguma pergunta e acrescentar mais alguma coisa.

4- As entrevistas

Após encontrar possíveis participantes nas redes sociais, entrei em contato, por
mensagem, na qual eu me apresentava como aluna do Mestrado em Ciências da
Educação e falava de maneira geral sobre o estudo e a proposta da entrevista. Algumas
pessoas com as quais entrei em contacto mostraram mais resistência em envolver-se e
outras não participavam de grupos, um critério importante para fazer parte do estudo.
Quando a participante atendia aos requisitos de fazer artes manuais em grupo e
aceitava participar da entrevista, agendávamos um horário, no qual estávamos ambas
na plataforma escolhida pela participante. Com as que eu já conhecia pessoalmente,
pois estiveram no encontro do grupo, expliquei as alterações que fiz para continuar o
trabalho. Com as demais, com quem estava tendo o primeiro contacto visual naquele
momento, apresentei-me e fiz uma pequena contextualização do trabalho para que elas
pudessem compreender a proposta. Procurei deixá-las à vontade, ressaltando que não
havia respostas certas ou erradas e que poderiam escolher não responder alguma
pergunta. Expliquei o Termo de Consentimento Informado, o que estava escrito nele e
que ela precisaria assinar e o porquê, além de falar que a entrevista seria gravada, em
vídeo ou em voz (conforme a plataforma que estava sendo utilizada). Disse que o mais
importante era poder ouvir as experiências delas e as perceções sobre as artes
manuais, a participação no grupo e aproveitei para agradecer a disponibilidade da
participação. Algumas perguntas sobre o estudo foram surgindo durante as entrevistas

44
e eu tentei responder o mínimo possível para evitar interferências nas respostas. Depois
de encerrada a entrevista, dei mais detalhes sobre o estudo junto das participantes que
haviam feito mais perguntas durante a entrevista, e fazia algum comentário sobre as
suas respostas, como haviam contribuído para o estudo e até para pensar outros pontos
que não haviam surgido antes.

Apesar de sermos apenas duas pessoas conectadas, também houve alguns


desafios com a conexão da internet, que muitas vezes sofreu interferência, fazendo com
que a fala da entrevistada fosse cortada (uma ou duas palavras) e, quando eu percebia
a falha, pedia para a pessoa repetir. Algumas vezes a falha só foi percebida na
gravação, e algumas palavras foram cortadas. Houve, contudo, momentos em que a
conexão caia por completo e houve a necessidade de reconectar e até de mudar de
plataforma. Essas interrupções acabavam por quebrar o andamento da entrevista e do
pensamento da entrevistada. Quando eu percebia que havia tido uma pequena falha,
eu geralmente esperava a pessoa terminar o raciocínio para depois perguntar e tirar
dúvida do que havia sido cortado, justamente para evitar mais uma quebra na fluidez da
entrevista.

No total foram entrevistadas nove participantes, mulheres de idades entre vinte


e dois e sessenta quatro anos, com escolaridades entre nono ano e licenciadas. As
entrevistas variam entre trinta e cinco minutos até uma hora, sendo que a maioria durou
em média cinquenta minutos. Todas as participantes fazem tricô e algumas fazem
outras atividades manuais, para além desta. Para poder compreender melhor o
embasamento de suas respostas, fez-se necessário traçar o perfil das mesmas, a fim
de contextualizar o seu histórico pessoal e profissional, como é visto no quadro a seguir.
Os nomes utilizados são pseudônimos que foram sugeridos por elas, para garantir o seu
anonimato. Para as que não quiseram sugerir um pseudônimo, o mesmo foi inventado
pela investigadora.

45
5- O perfil das entrevistadas:

Tempo que Com quem Tempo que


Número Escolaridade / Objetivo que faz o
Nome Idade Estado Civil realiza artes aprendeu o participa nos
de filhos Ocupação atual tricô
manuais tricô grupos
12º ano/ trabalha na Passatempo para
Avó paterna,
Ayra 48 anos Casada 4 Reitoria de uma 44 anos relaxar, como 14 anos
Mãe e tias
Universidade terapia e meditação
Avó e Passatempo,
Terminando Desde
Laura 22 anos Solteira 0 senhoras mais relaxamento, 1 ano e meio
Licenciatura pequena
velhas concentração,
Licenciada / trabalha Passatempo,
Ana Desde
22 anos Solteira 0 em projetos como Avó desliga-se do 2 anos
Neves pequena
autônoma mundo
Passatempo,
Licenciada / não está Desde
Silvia 23 anos Solteira 0 Mãe Ritual (de 2 anos
trabalhando pequena
meditação)
Passatempo,
Licenciada em
Não Não Desde Senhoras mais relaxamento e
Amélia 60 anos enfermagem/ 2 anos
mencionou mencionou pequena velhas abstrai-se do
Enfermeira Reformada
mundo

46
Passatempo,
Nono Ano /
1 Uma senhora descontrai-a e
Reformada, trabalhava Desde
Mariana 60 anos Casada (já tem conhecida, auxilia na 2 anos
como Comerciante e pequena
netos) madrinha e tia recuperação da sua
Costureira
memória
Licenciada em Design Passatempo,
2 anos Avó e tutoriais
Regina 23 anos solteira 0 de Modas / trabalho relaxamento e 1 ano e meio
(tricô) internet
autônomo concentração
Educadora de Infância Passatempo,
Desde Avós, mãe e
Diana 43 anos Solteira 1 de formação / Trabalha complementação 8 anos
pequena tias
na área comercial de renda
Passatempo,
Licenciada em História Desde
Sandra 54 anos Divorciada 1 Mãe complementação 1 ano
/ Não está trabalhando pequena
de renda

47
Para poder ter acesso ao conteúdo das respostas de forma mais estruturada,
realizei a transcrição total das entrevistas, que foram enviadas para as participantes,
para que elas pudessem verificar se houve alguma parte que não ficou coerente com o
que elas disseram e, ainda, se haveria alguma parte que elas não quisessem que fosse
utilizada, respeitando a decisão delas de só ser usado aquilo que de facto autorizassem.

6- Análise Temática

Com essa parte da transcrição concluída, fiz uma leitura flutuante, a partir da
qual os temas foram emergindo do conteúdo recolhido, para ser possível ser feita uma
análise temática conforme a proposta de Clarke e Braun (2006), compreendendo que
se trata de um estudo dinâmico. As mesmas explicam que a análise temática é um
método para identificar e analisar padrões ou temas nos dados. É uma maneira de
organizar e descrever os dados de maneira rica, captando dados significantes à
pergunta de investigação, e que apresentam um padrão. A ideia contida e subentendida
numa fala pode ser considerada como um tema, mesmo que só tenha aparecido uma
vez. Os temas são determinados pelos julgamentos do/a investigador/a que, ao ler e
processar os dados, vai avaliar o que considera relevante para a sua pesquisa. Um tema
precisa ser relevante para a pesquisa, ter uma forte ligação com a pergunta de
investigação, independentemente da quantidade de vezes que tenha aparecido.

Três temas emergiram análise dos dados recolhidos, além dos seus subtemas,
como exposto abaixo:

Tema 1. A arte de fazer o tricô

Esse tema refere-se a prática de tricotar, com quem aprendeu e a relação com o
material utilizado para o tricô.

1.1 – Aprendizagem transgeracional

Esse subtema é sobre a aprendizagem do tricô, que geralmente é uma arte passado
pelas mães e avós, como na fala a seguir:

“E quem é que me ensinou? Eu primeiro fui vendo com a minha avó, assim pessoas
mais velhas que eu conhecia conseguiam ensinar-me as técnicas” (Laura, 22 anos).

1.2 - Tricô para promoção de saúde


Nesse subtema é abordado quais os benefícios para a saúde que as entrevistadas
identificam que o tricô pode trazer para a saúde tal como o exemplo a seguir:
“Aliás, há uma frase que eu gosto muito, que não é minha, não sei aonde eu li que
é “ I knit and run because murder is illegal (…) É como se eu tivesse num processo
de meditação. É questão carica, é por isso, se calhar que eu prefiro o tricô, induz
um relaxamento, um relaxamento muito parecido com o da meditação, porque é
muito mecânico” (Ayra, 48 anos).

1.3 . Tricô e estigma de género


Este subtema trata do estigma de que o tricô é uma atividade associada às
mulheres:
“Eu enquanto mulher e eu nunca vi nenhum homem a tricotar na minha família”
(Sílvia, 23 anos).

1.4 – Tricô e consciência ambiental


Este subtema é sobre como algumas entrevistadas acreditam que o tricô pode ser
uma produção mais amiga do meio ambiente, do que a produção industrializada e que
os materias utilizados podem fazer a diferença como é visto a seguir:

“O processo p’ra mim, não começa quando nossa mão toca nas coisas, começa
como a matéria prima chega até as mãos” (Regina, 23 anos).

Tema 2- Participação no grupo

Neste tema são abordados os aspectos do processo de tricotar em grupo e as


experiências, sentimentos e sensações que este provoca nas participantes.

2.1 – Socialização

Este subtema fala sobre as integrações sociais que a participação do grupo


promove, como na fala abaixo:

“Começamos a perceber que a arte de tricotar é uma arte também de convívio


porque uma pessoa consegue estar a conversar e estar a tricotar e é giro e é muito
motivante juntar pessoas para o fazer.” (Ana Neves, 22 anos).

2.2 – Fazer tricô em grupo vs. Fazer tricô sozinha

Este subtema trata das diferenças entre tricotar em grupo e tricotar sozinha, como
é possível verificar no exemplo seguinte:

“Fazer em grupo é muito mais divertido. É mais divertido porque temos como quem
conversar, desanuviarmos, é mais divertido e acalma muito mais. Acabamos por
nos rirmos. Sozinhas não, né?” (Amélia, 60 anos).

49
Tema 3- Empoderamento Feminino

Neste tema é abordado a compreensão do termo empoderamento pelas


mulheres participantes e o que precisa ser mudado para contribuir para o
empoderamento feminino.

3.1 – Mulher empoderada

Neste subtema é abordado como as participantes percebem o que é ser uma


mulher empoderada como na seguinte fala:

“Empoderar mulheres é dar-lhes voz, visibilidade, ferramentas para que elas


consigam (…) passar a sua mensagem e fazerem aquilo que sempre quiseram”
(Regina, 23 anos).

3.2 – A importância da participação do grupo para o empoderamento feminino

Este subtema tem como objetivo verificar como a participação do grupo pode
contribuir para o empoderamento feminino e se sim, de que forma, como no exemplo
abaixo:

“Acho que há muitos grupos que podem ajudar esse empoderamento feminino e
claro que sim. Que é sempre uma maneira de o fazer. Não penso que o nosso grupo
em específico seja por aí” (Laura, 22 anos).

3.3 - O que precisa mudar para a mulher ser mais empoderada?

Este subtema tem o propósito de abordar quais as mudanças que as participantes


consideram necessárias para que a mulher possa se tornar mais empoderada como
exemplo temos a fala a seguir:

“Mas se melhorássemos um bocadinho este tipo de educação e enraizássemos


valores que fosse um bocadinho mais corretos de igualdade, de pronto, entre
homem e mulher, entre sexos, acho que já conseguíamos, pronto, mudar um
bocadinho o pensamento das pessoas, desde pequenos, não é? Acho que é mais
fácil com educação chegar lá, acho que é isso” (Laura, 22 anos).

Após a exposição da metodologia aplicada neste estudo, se faz necesário


apresentar os dados coletados nas entrevistas, assim como uma mais profunda
apresentação dos temas e subtemas como será realizado no capítulo seguinte.

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Capítulo 4 - A voz das mulheres sobre suas tramas e suas experiências.

Nesta jornada a proposta foi ouvir as vozes das mulheres que realizam trabalhos
de tricô, em grupo e individualmente, para poder perceber a experiência e a relação que
as mesmas possuem com esse tipo de atividade. Com o intuito de auxiliar a análise, as
falas foram divididas em três temas principais: Tema 1- A arte de fazer o tricô; Tema 2-
Participação no grupo; Tema 3 – Empoderamento feminino. Cada tema possui seus
respetivos subtemas.

Como já foi dito anteriormente, os nomes das entrevistadas foram alterados para
preservar as suas identidades, assim como foram omitidos nomes de Instituições,
lugares, grupos e de outras pessoas que as mesmas possam ter citado, com o objetivo
de manter o anonimato também daqueles que por elas foram mencionados. Desta
forma, é possível apresentar aqui as experiências por elas relatadas, com autenticidade
e espontaneidade, sem o risco de expô-las.

Tema 1 - A arte de fazer o tricô

No que diz respeito a este tema, trata-se de perceber a relação dessas mulheres
com o tricô e com a arte de tricotar, de uma forma geral. Para isto, foram abordados
subtemas como essas mulheres iniciaram as suas atividades com o tricô, com quem
aprenderam, o porque, como se sentem ao tricotar, suas perceções sobre o processo,
qual a relação delas e o material utilizado e como o tricô é visto pela sociedade.

1.1 - Aprendizagem transgeracional

Em todas as entrevistas, é possível perceber que as mulheres aprenderam a tricotar


com pessoas mais velhas, na grande maioria, com mulheres da família, sendo
geralmente as suas avós. Esse fato vai ao encontro do que as autoras Minahan e Cox
(2010) explicam, que a maioria das mulheres que tricotam fala das avós como as
pessoas que as ensinaram, mesmo quando a sua mãe também teve uma participação
ativa, por conta de uma ligação afetiva grande com as avós. O mesmo dado é também
percebido neste estudo, já que apenas três das entrevistadas responderam que
aprenderam com outras pessoas, sendo que uma disse que era a sua mãe, e as outras
duas relataram que que aprenderam com senhoras mais velhas conhecidas, que não
eram suas familiares diretas. Assim, todas tiveram o primeiro contacto com essa arte
através de mulheres mais velhas, que passaram a palavra de uma técnica tradicional,

51
mesmo se depois aprimoraram os seus conhecimentos através de outros recursos,
como nos exemplos abaixo:

“eu aprendi a fazer tricô com a minha avó que é extremamente impaciente. Portanto
a minha avó ensionou-me um pouco e depois foi muito autodidata. Aprendi com ela
o básico e depois fui vendo vídeos, tutoriais, fui experimentando, livros, comprei um
livro também” (Regina, 23 anos).

“Olha foi com uma senhora, o tricô à mão, foi com uma senhora, ela já faleceu e
fazia malhas na máquina, mas ensinou-me a fazer a mão. O croché acho que foi
com a minha tia também, e com a minha madrinha, já morreram também” (Mariana,
60 anos).

“A minha mãe. A minha mãe ensinou-me e é a minha mãe que tem paciência para
explicar (risos) ensinar porque é preciso paciência (risos) e eu tenho noção disso”
(Sílvia, 23 anos).

Este fato faz pensar no quanto a arte de tricotar pode ser considerada uma
herança geracional, em que as jovens aprendem com as suas ancestrais e perpetuam
um saber e um ofício que existe em sua cultura e sua família há anos. Neste processo
há uma valorização do saber das mais velhas, que apropriadas de um conhecimento,
ensinam e podem ver a sua arte propagar nas mãos das suas herdeiras (Minahan &
Cox, 2010). O aprendizado acontece, também, de forma espontânea, pela observação
da atitude dos adultos pelos mais novos, que são motivados a repetirem aquilo que
aprenderam pelo exemplo, como é possível observar nas falas a seguir. Essa
transmissão de conhecimento sem uma estrutura, remete a uma educação informal, na
qual aprendem-se conteúdos importantes, na prática e sem uma metodologia
estruturada (Gadotti, 2012),

“Eu via. Eu via as pessoas a fazer, prestava atenção, e depois fazia. Eu sempre
gostei. Desde miúda. Eu mesmo em miúda, os meus pais não tinham possibilidades
de me comprar agulhar para eu fazer o meu tricô, e eu fazia com piaçava de
vassouras. Com piaçava de vassoura eu fazia o tricô. Sempre gostei. Sou
autodidata, nunca aprendi nada, sou completamente autodidata, pesquiso e faço”
(Amélia, 60 anos).

“A minha avó paterna é que fazia croché. E as minhas tias e a minha mãe, faziam
todas tricô e algumas faziam croché. Pronto. Eu acho que foi um. Nós eu e as outras
raparigas por que na altura os rapazes não tricotavam, começamos a fazer por
imitação e porque havia muito menos ofertas de coisas para fazer do que há agora.

52
Era uma forma de ocupar o tempo e de imitar os adultos. Eu aprendi antes de
aprender a ler” (Ayra, 48 anos).

“E quem é que me ensinou? Eu primeiro fui vendo com a minha avó, assim pessoas
mais velhas que eu conhecia conseguiam ensinar-me as técnicas” (Laura, 22 anos).

Neste estudo percebe-se que o tricô é uma técnica que é ensinada às meninas,
ainda muito novas (Harrison & Ogden, 2019). Como as ofertas de atividades, há umas
décadas atrás, eram menores do que hoje em dia, o tricô era ensinado também como
uma forma de passatempo. Por um tempo, o tricô foi sendo deixado de lado de tal
maneira, que algumas pessoas preocuparam-se com a perpetuação da técnica.
Entretanto, o movimento relatado por Minahan e Cox (2010) fala de mulheres novas
reunindo-se tanto na internet como presencialmente para fazer tricô.
Esse pensamento vai ao encontro da fala de duas jovens (de vinte e dois e vinte
e três anos) entrevistadas no presente estudo, que também mostram-se preocupadas
com o facto do tricô ser uma arte em extinção. As duas ressaltam a importância de
manter viva a tradição dessa arte e assumem a responsabilidade de propagar a técnica,
ensinando-a para outras pessoas, independentemente da idade e do género, uma vez
que a consideram de extrema importância para a própria cultura.

“O que tem que passar da tradição é a arte do tricô e mostrar que é para todos os
gêneros e é para todas as pessoas, que é uma tradição muito importante na nossa
cultura, e que é importante perpetuá-la e não deixar que ela morra” (Ana Neves, 22
anos).

“É bom ver pessoas, as pessoas não quererem perder esta técnica e ainda querem
aprender e pessoas da nossa idade. Porque eu sei que o tricô e as artes manuais,
tipo o crochê, eu penso que a minha geração não tem tanta ligação ou quase
nenhuma que a geração anterior, obviamente. Estou a manter uma tradição, e estou
a fazer a passar a tradição. Então isso é, é quase um sentimento de
responsabilidade também muito bom. Porque estou a continuar a tradição, não
estou a largar. Estou a passar a palavra no que posso, e aprendendo o que posso
também” (Sílvia, 23 anos).

As mesmas entrevistadas ressaltam ainda que, para poder perpetuar esta técnica,
faz-se necessário valorizar o conhecimento das mulheres mais velhas, pois estas é que
realmente possuem o conhecimento intrínseco desta arte. Estas falas mostram uma
mudança no pensamento já que o tricô estava associado a mulheres mais velhas e a
um passatempo doméstico (Harrison & Ogden, 2019). Assim, um conhecimento que era
desprezado passa a ser valorizado, e faz com que essas mulheres possam ser vistas

53
como detentoras de um saber importante, pelo qual outras pessoas anseiam, como algo
a seguir:

“o que eu sinto é que as mulheres mais velhas que participam sente-se muito
importante, sentem-se com poder. Sentem-se que estão lá e que realmente, ao
longo da vida toda, praticaram uma arte e uma coisa que importa e que elas agora
podem ensinar. Isto todas as senhoras mais velhas que foram nos nossos eventos
estavam super motivadas em ajudar todos os jovens rapazes e raparigas a aprender
e sentiam-se com força e que ali tinham um valor que se calhar já não têm em muita
coisa. Por isso é que acho importante que haja esse contacto entre gerações” (Ana
Neves, 22 anos).

“Por partilha aprendemos imenso tanto com, eu se calhar não teria a perspectiva
que tenho de x coisa porque ali eu tive uma partilha de uma pessoa, por exemplo,
mais velha a ensinar-me algo. Lá está, ver esta geração mais antiga a fazê-lo, ou
pessoas da minha idade começar a fazê-lo, sei lá, muda um bocadinho a minha
mentalidade sobre as coisas” (Sílvia, 23 anos).”s

Minahan e Cox(2010) também sustentam essas falas ao explicarem que, enquanto


as mulheres continuam a tricotar como parte de sua identidade, não só preservam o
passado, mas também apropriam-se das suas atividades e fazem com que haja uma
mudança positiva no status das mulheres que fazem artes manuais, que
tradicionalmente eram relegadas a um segundo plano.

1.2 - Tricô para promoção de saúde

Os trabalhos manuais vêm sendo estudados por diversas áreas do conhecimento


como a neurologia, a psicologia e as terapias ocupacionais, como recursos terapêuticos
que possuem a capacidade de tranquilizar a pessoa, promovendo o bem-estar físico e
psíquico (Hemming, 2014; Stannard & Sanders, 2014). Muito frequentemente, estas
práticas são associadas a terapias, meditações ou rituais nos quais as pessoas se
desligam do mundo exterior e conectam-se com o seu mundo interno (Corkhill & Riley,
2014). Neste estudo todas as nove entrevistadas falaram de como o tricô as relaxa, seja
pelo movimento mecânico e repetitivo que ele estimula, ou pelo contacto com os
materiais. Cada uma com a sua forma particular de colocar-se, retratou como o ato de
fazer o tricô propicia um momento para se desligar dos acontecimentos do dia-a-dia,
para melhorar o ânimo e o humor, dando-lhes prazer e a sensação de bem estar:

“Fiz desde sempre, e utilizo muito como, neste momento da minha vida, como anti
stress. É uma forma de descomprimir do tipo de trabalho que eu tenho que é um

54
trabalho muito teórico. Eu utilizo como terapia, mesmo. É como. Eu também corro,
eu gosto muito de correr e utilizo exatamente da mesma forma. Eu estou muito
cansada ao final do dia, o dia foi muito stressante, se eu puder calçar os ténis e ir
correr, vou. Ou eu estou muito cansada e o dia foi muito stressante se eu me sentar
a tricotar, tricoto. Aliás, há uma frase que eu gosto muito, que não é minha, não sei
aonde eu li que é “ I knit and run because murder is illegal (…) É como se eu tivesse
num processo de meditação. É questão carica, é por isso, se calhar que eu prefiro
o tricô, induz um relaxamento, um relaxamento muito parecido com o da meditação,
porque é muito mecânico. Se eu não estiver a fazer mais nada, ou seja, se eu estiver
só a tricotar e não fazer mais nada, ou seja, se eu estiver sentada a tricotar, tenho
essa sensação” (Ayra, 48 anos).

“Pois, se eu não o fizer, claro que fico um bocado mais ali na convulcia, mas depois
de se fazer já estou mais aliviada. (…) Na convulcia, mais mal humorada. Depois
de fazer pronto. Depois de fazer uma pessoa já está mais descontraída. Apetecia-
me era fazer mais” (Mariana, 60 anos).

“O Tricô é uma mera ferramenta, que me alivia de tudo que está a acontecer do dia
ou da semana, ou no mundo até” (Ana Neves, 22 anos).

“Inevitavelmente sempre que começo e passado dez, quinze minutos, fico logo mais
relaxada. Como libero energia e me obriga a estar concentrada, de facto fico num
estado muito mais reflexivo, muito mais calmo. Aliás estressado não dá para fazer
tricô, ou um estado mais exaltado” (Regina, 23 anos).

“Relaxa-me, relaxa-me. Entre estar com, estar a fazer isto e ouvir música e estar e
as vezes estava sem nada então, pois há coisas que nos relaxam mais do que
outras. Mas quando se estar principalmente a criar relaxam-me. Criar é aquilo que
mais me relaxa” (Sandra, 54 anos).

“Eu posso estar extremamente enervada e mal disposta, e se eu pegar no meu tricô,
estou aqui um bocadinho a rezar, como eu costumo dizer sozinha e se o trabalho
ainda por cima for um trabalho complicado que exige a seguir um esquema de
grupado, por exemplo, eu estou aqui sozinha a martelar sei lá a martelar, a rezar
sozinha é minha meditação. Quando eu acabo, já passou a telha já estou pronta
para outra. É um bocadinho assim. É claro que sinto muito diferença. Claro que
quem gosta mesmo de fazer isto e se sente relaxar, sente-se”(Diana, 43 anos).

“Para relaxamento, que eu sou muito agitada, sou muito agitada e isso descontrai-
me. (…).Eu quando, se sentir-me um bocadinho mais deprimida, quando estou mais
deprimida, se começar a fazer uma coisa dessas, eu sinto-me completamente
relaxada e nem me lembro de nada. (…) Para a saúde mental é muito bom” (Amélia,
60 anos).

55
“Lá está tem um valor um bocadinho terapêutico e acho que depois de se fazer, ou
mesmo enquanto estou a fazer, como a minha concentração está tão ligada pra
aquilo, não sei, acho que acabo por me sentir bem, acho que mais leve” (Laura, 22
anos).

“O trabalho manual, lá está é quase um, é quase um ritual pacífico, sempre que eu
começo a fazer, sei que vou me focar e vai ser tipo paz (risos). Porque vou ter que
parar, estar calma e para me concentrar . (…) o tricô é uma terapia para mim, porque
me acalma, por isso é positivo” (Sílvia, 23 anos).

Entretanto, esse ritmo desacelerado que o tricô convida, pode gerar, em algumas
pessoas, exatamente o contrário do que foi visto até aqui, tal como destacam Corkhill e
Riley (2014). Ao invés do relaxamento pode provocar a ansiedade, como relatou uma
das entrevistadas. O seu ritmo moroso e demorado de ser realizado requer paciência,
e entender que uma peça levará um determinado tempo para terminar. As autoras ainda
ressaltam que, se o padrão que está sendo tricotado for mais complexo, maiores as
chances de cometer erros, e de gerar sentimentos de frustração, por exemplo. Se a
pessoa realmente quiser praticar esta arte, terá que insistir e aprender a lidar com esse
desacelerar que esta prática convida, a trabalhar a ansiedade tal como aconteceu com
a entrevistada, como vemos abaixo:

“Fiquei tão embaixo digamos que eu quando voltei e comecei a tricotar, era
demasiado calmo para mim, então criava uma ansiedade. (…) E agora que tão a
me dizer que eu tenho que me acalmar e estou a fazer o tricô que é um ritual tão
calmo, a ansiedade despertou me duas vezes. Tive um ataque de ansiedade. No
entanto, desde que estou conseguindo estabilizar mais a ansiedade e começar a
perceber essas as coisas e a organizar os pensamentos o tricô é mesmo um serão
de paz” (Sílvia, 23 anos).

Ainda assim, o que é relatado com mais frequência é a sensação de um bem-estar


tão grande que as entrevistadas destacaram a necessidade de fazer o tricô com
regularidade, que algumas delas chegaram a denominar como um vício, algo que seria
difícil de ficar sem. Estudos mostram que o processo de tricotar produz uma elevada
sensação de bem-estar que gera uma experiência positiva, o que faz com que a pessoa
queira repetir esta sensação, similar a um vício (Corkhill & Riley, 2014):

“Uma pessoa entra e fica mesmo viciada naquilo “(Ana Neves, 22 anos).

“Faço sempre todos os dias um bocadinho. Depois de ter as coisas, as tarefas aqui
arranjadas. Faço sempre. Tenho que fazer todos os dias. Não posso estar um dia
sem fazer” (Mariana, 60 anos).

56
“Eu faço em todo lado, faço em todo lado. Faço no café, faço no médico, eu faço no
trabalho, às vezes, eu tenho minha comida no carro e, às vezes, apanho seca a
porta dos clientes ou tenho uma reunião e a outra acabou mais cedo e eu tenho ali
um bocadinho, portanto, eu faço sempre que posso” (Diana, 43 anos).

Esta última entrevistada relatou uma situação curiosa: devido a quarentena por
conta do Covid-19, algumas amigas ficaram sem ter fios para fazer tricô, e quando ela
soube que uma pessoa específica iria conseguir arranjar fios para vender, tratou de
avisar as amigas da seguinte maneira:

“Atenção vamos ter drogas (risos). Atenção que vamos ter droga no dia tal, temos
todas, toda a gente foi pedir, portanto é um bocadinho assim, né, é cada coisa do:
olha, queres fios? Olha que na terça vamos conseguir ter fio. Estava tudo ansioso
por poder ter é bocadinho isso” (Diana, 43 anos).

Outro fator interessante mencionado pelas entrevistadas sobre bem-estar e tricô,


foi a estimulação cognitiva que este promove (McIntosh, 2011). Uma das participantes
inclusive relatou que começou a trabalhar a perda de memória com o tricô e que
melhorou depois que começou a tricotar.

“Estava a ficar com muita perda de memória e acho que depois que comecei
abrandou um bocadinho. Ainda tenho mas acho que melhorei bastante. Um bocado”
(Mariana, 60 anos).

Seguindo o mesmo pensamento, outra entrevistada menciona o quanto o tricô é


importante como forma de estimular o cérebro, por aprender algo novo e por ocupar a
mente, como nas falas abaixo:

“Gosto do tricô mais por motivo de me ocupar a mente também”(Sílvia, 23 anos).

“É uma coisa extremamente inclusiva que com pouco dinheiro, com pouco
investimento inicial, praticamente zero, se consegue, ou seja, celebrar uma boa
matéria prima, aprender uma nova técnica, estimular o cérebro” (Regina, 23 anos).

Outra forma de estimular a cognição é trabalhando a criatividade, e sendo o tricô


uma técnica em que podem criar-se composições de vários pontos e diferentes formas
de realizar um trabalho, a criatividade pode ser exercida, de maneira espontânea,
permitindo fugir das receitas já montadas (Ahlers, 2017; Hemming, 2014). Assim, é
possível estabelecer padrões próprios que geram o prazer de serem criados, como na
fala dessas duas entrevistadas:

“Mas é sempre na base de inventar de fazer tudo muito espontâneo. Nunca,


raramente, dificilmente eu pego num esquema e sigo. Muito dificilmente. Gosto de
coisas sempre da minha cabeça” (Diana, 43 anos).

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“Eu não gosto muito de seguir taxativamente tudo a risca. Eu crio uma ideia, assim
eu crio uma ideia aqui e depois gosto de experimentar coisas diferentes” (Sandra,
54 anos).

Assim, o ato de experimentar é mais um ponto levantado pelas entrevistadas. As


mesmas relatam que o ato de tricotar faz com que elas fiquem focadas no presente,
atentas ao que se passa naquele momento, em questão, como explica Hemming (2014).
Este ato faz com que se desliguem do mundo externo, e dos recursos tecnológicos, tão
presentes na vida da maioria das pessoas, hoje em dia. É como se mergulhassem em
um outro tempo, que não o tradicional do relógio e sim no tempo e no ritmo do processo
que está sendo realizado, onde este torna-se o protagonista e não o resultado,
propriamente dito, como nos recortes a seguir:

“Quando estou a tricotar, estou totalmente desligada do que se passa. Não


transporto nenhuma preocupação, para o tricô. O Tricô é uma mera ferramenta, que
me alivia de tudo que está a acontecer do dia ou da semana, ou no mundo até” (Ana
Neves, 22 anos).

“É uma coisa extremamente inclusiva que com pouco dinheiro, com pouco
investimento inicial, praticamente zero, se consegue, ou seja, celebrar uma boa
matéria prima, aprender uma nova técnica, estimular o cér-ebro, não estar sempre
em contacto com o telefone, por tanto, libertar-nos um bocadinho dos meios
tecnológicos. (…) Ou seja, o resultado final, para mim, é a coisa menos importante
de estar a fazer alguma coisa, se durante o processo não me sentir conectada, o
ser bonito ou feio num distingue pra mim dum bom ou mau trabalho” (Regina, 23
anos).

“Olha, sinto, sinto que o tempo voa. Que o tempo é pouco para o que eu quero fazer.
E neste momento, até tenho várias coisa que fui acumulando e precisava ser um
polvo (risos) para conseguir fazer tudo, e acabar tudo. O que eu acho é que o tempo
não chega. Uma hora parece que só tem cinco minutos (risos). Porque estou tão ali
absorvida a fazer aquilo que nem me apercebo do tempo a passar. E pronto, gosto
muito” (Mariana, 60 anos).

“Mas eu depois de (pausa) é uma sensação de bem-estar de satisfação (pausa) de


felicidade interior. Porque independentemente depois de me dizerem que gosto, não
gosto, está muito bonito ou não, primeiro está aquilo que a mim me deu prazer fazê-
lo” (Sandra, 54 anos).

“Sinto-me completamente abstraída do mundo. Só penso naquilo. Completamente


abstraída. Relaxa-me completamente. E depois só estou bem quando acabo.
Enquanto não acabar, não paro” (Amélia, 60 anos).

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Através desses relatos, verifica-se que a prática de tricotar leva a um relaxamento e
a um estado meditativo que, como muitos estudos (Hemming, 2014, Minahan e Cox,
2010, Corkhill e Riley 2014) apontam, são muito benéficos à saúde, com a diminuição
da tensão arterial, dos batimentos cardíacos, desacelerando o corpo como um todo, em
um movimento contrário ao que o ritmo do quotidiano impõe à maioria das pessoas.

1.3 - Tricô e estigma de género

Quem nunca ouviu que tricô é coisa de mulher? Pois essa temática refere-se,
justamente a estigma de género existente na prática do tricô. Ainda hoje, é muito
frequente ela estar associada às mulheres, apesar de, cada vez mais, ser possível ver
homens fazendo tricô (McIntosh, 2011). Como já foi dito, as meninas são ensinadas e
incentivadas pelas mulheres mais velhas a seguir essa prática e ao verem as outras
mulheres tricotarem, acabam por ter interesse nessa atividade, como afirmação da sua
identidade feminina (Minahan & Cox, 2010). Esse é um ponto que é verificado nas falas
das entrevistadas desse estudo:

“Muita gente (pausa) mais nova, ou seja, da minha idade, quer participar,
precisamente, porque se lembra ou em pequena fazer ou ver os avôs fazer, as avós
no caso porque foi sempre uma arte mais praticada por mulheres embora agora
esteja a mudar” (Ana Neves, 22 anos).

“Fui trocando assim umas ideias com as pessoas que eu conhecia mas
maioritariamente mais velhas, porque sabia que as pessoas, mulheres mais velhas,
porque os homens não sabiam nada, na altura não. (…) Até porque o tricô está
sempre mais associado as mulheres do que aos homens (Laura, 22 anos).

“Hum, faz todo sentido, claro, obviamente, que essa técnica nunca foi vista se quer
para masculino, não é? Sempre foi uma técnica feminina, infelizmente (…) Eu
enquanto mulher e eu nunca vi nenhum homem a tricotar na minha família” (Sílvia,
23 anos).

Entretanto, nas falas dessas mesmas mulheres, é possível encontrar uma


preocupação com essa mudança de paradigma, e a necessidade de incluir os homens
nessa prática dominada pelo género feminino. As mesmas entendem que é uma
atividade que pode e deve ser estendida a todos e não só às mulheres, pois trata-se de
uma tradição que precisa de todos para perpetuá-la.

“Era precisamente mostrar que culturalmente, falo mais em Portugal, por que é o
sítio que eu conheço, é uma arte praticada por mulheres, mas que isto é uma

59
tradição antiga. O que tem que passar da tradição é a arte do tricô e mostrar que é
para todos os gêneros e é para todas as pessoas, que é uma tradição muito
importante na nossa cultura, e que é importante perpetuá-la e não deixar que ela
morra, (…) Eu acho que sim, até porque somos o primeiro grupo de tricô que eu
encontrei que conseguiu levar homens a tricotar. Eu não sei se é por, acho que
muito também é pelo George ser um dos fundadores, porque mostra se logo como
um homem (risos) fundou um projeto de tricô, mas grupos mais antigos que eu
conheço que fazem, são tudo projetos dedicados só as mulheres. E eu acho que
incluir os homens é um passo muito importante e que pode fazer a diferença(Ana
Neves, 22 anos)”.

“O tricô não deveria ser só para as mulheres. Mas eu não queria ver isto desta
forma, pois acho que está a se mudar a mentalidade, felizmente. E neste grupo,
consigo perceber isto. É que eu já não sinto que é só mulheres. Já sinto que é muito
mais a dedicação do outro género, felizmente, o masculino a querer entrar nestas
áreas e que a mentalidade da sociedade pode a estar a mudar. (…) “Na verdade,
uns amigo, um amigo, na verdade, a ter estado comigo a tricotar e eu a ensinar,
obviamente que me faz tipo feliz” (Sílvia, 23 anos).

Outro ponto levantado em uma das falas é o preconceito que os homens


encontram caso decidam praticar essa arte, e o quanto essa entrevistada acredita ser
importante mudar essa mentalidade, e que aos poucos, homens mais jovens estão
começando a aderir à prática.

“No evento, não há esta masculinidade tóxica – nós queremos acabar com isto, não
é, esta ideia de que porque o rapaz vai tricotar e é mais feminino por isso, e nem se
quer nos passa pela cabeça e nem está no objetivo do projeto. Por isso acho que
toda sente-se mais incluída. (…) Ou seja, dos vinte aos trinta anos. Não
conseguimos ainda nenhum homem mais velho (risos) a ter interesse em vir
participar. O que prova o que é um bocado um mito cultural, não é, que está
enraizado, como era uma arte de mulheres, muitos mais velhos não tem curiosidade
em vir experimentar” (Ana Neves, 22 anos).

Com essa fala da entrevistada é possível questionar a razão dos homens não
tricotarem: será falta de interesse, ou falta de oportunidade de ser ensinado? Como foi
mencionado anteriormente, homens que foram ensinados a tricotar (McIntosh, 2011;
Rutt, 1987), exercem essa atividade com a mesma destreza que qualquer outro ser
humano, ficando evidente que não é uma falta de habilidade motora desse género.
Então, o que será que está por trás desse não fazer tricô por parte dos homens? Uma
entrevistada questiona-se sobre essa temática, como é possível ver na sua fala:

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“Foi a facilidade com que os miúdos aprendem, foi o facto de não saberem e pra
mim é estranhíssimo, porque se os pais sabem, as mães, neste caso, e não
ensinam, mas o que mais me marcou foi, nós já fomos várias vezes as escolas
ensinar várias vezes, e em todas as vezes que fomos as escolas são sempre mais
rapazes, rapazinhos pequenos a pedir para aprender do que raparigas. Aí na
primeira vez eu achei que foi uma coincidência, na segunda vez achei estranho, na
terceira vez, perguntei, aos miúdos, mas porque tu queres aprender a tricotar? E a
resposta é invariavelmente porque a minha mãe ensina a minha irmã e não me
ensina a mim. Ou seja, há um estigma do tricô, para rapazes e aquilo cortou-me o
coração. E eu achei que eu tinha que fazer alguma coisa por isso. Aquilo não podia
ser. Por que que há pessoas que ensinam uma rapariga a tricotar e não ensinam
um rapaz, que são filhos do mesmo pai e da mesma mãe. E aquilo, eu nem consigo
explicar a forma como como as respostas destes miúdos rapazes, me marcaram.
Por isso é que as escolas mais me marcam, porque os miúdos dizem as verdades
todas, não é? Não têm filtro. (…) Sim sim. E quererem aprender porque dizem que
a mãe não ensina, e a avó não ensina, porque eles são rapazes, e isso é que é
estranho. Pronto! Mas agora já me habituei, já sei que é assim” (Ayra, 48 anos).

Diante dessa experiência, a entrevistada assumiu para ela a responsabilidade de


ensinar meninos, rapazes e homens a tricotar, tornando-se uma agente de mudança,
não só na comunidade, mas também dentro da sua própria casa:

“E eu já ensinei nesta cidade, não sei quantos rapazes a tricotar. Temos rapazes a
tricotar no grupo, temos homens no grupo de tricotadeiras que nós não
conseguimos mudar o nome (risos) porque não fica bem, mas temos homens no
grupo. Conheci o José, exatamente porque ele tricota, e outros homens e achei que
ia ser a minha batalha terminar com esta, eu nem sei como eu hei de chamar, com
esta forma tão básica de olhar ainda para as questões do artesanato e do género.
(…) Eu tenho três filhas raparigas e um filho rapaz. Ele é o mais novo e é o que
tricota mais. E uma das raparigas gosta bastante de fazer croché. As outras duas
não, nada. Zero. Portanto que temos aqui uma amostra representativa (risos). Eu
não sei se ele tricota mais porque aprendeu mais novo ou porque teve, foi na escola
dele onde nós fizemos mais intervenções, mas sim, mas todos eles foram ensinados
da mesma forma, e cada um deles utilizou a aprendizagem de uma maneira
diferente” (Ayra, 48 anos).

Esse relato dela de que o filho é quem mais tricota reforça o questionamento com
o qual iniciei essa subtemática: será que os meninos não tricotam porque não querem
ou porque não são ensinados? Aqui temos um exemplo isolado, e não seria suficiente
para responder a essa questão, mas mesmo sendo uma situação pontual, levanta a

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dúvida do que realmente está por trás desse não fazer tricô dos meninos e homens, se
é a falta de interesse, o não ensinamento, ou a não permissão social?

A entrevistada destaca outro ponto que é curioso, que é a diferença no ensinar e


aprender tricô entre meninos e meninas, de acordo com as suas observações e
experiências.

“É muito mais difícil ensinar o rapaz a tricotar, do que raparigas porque as raparigas
para já naquelas idades têm mais destreza manual, na motricidade fina, as
raparigas são ligeiramente mais evoluídas, isso é notório. Os rapazes têm mais
vontade de aprender. Mas também são mais impacientes. Acham que é o fim de
uma hora já tem uma camisola pronta. E isto é muito difícil de explicar a uma criança,
que não é assim que funciona (risos). Pronto. Mas também acaba por ser mais, dar
mais luta ajudar um rapaz do que uma rapariga. Mas o mais difícil de tudo é ensinar
um rapaz canhoto. É o mais difícil. (risos)” (Ayra, 48 anos).

Essa relato é interessante e mostra uma observação empírica sobre as diferenças


que meninos e meninas podem ter ao realizarem uma mesma prática, mas sendo ambos
perfeitamente capazes de realizá-la. Um fator que pode facilitar o proceso de tricotar é
a qualidade do material, além de contribuir para uma prática sustentável e amiga do
meio ambiente, como veremos a seguir.

1.4 – Tricô e consciência ambiental

A sustentabilidade é uma temática que vem ganhando força, nos últimos tempos, e
nas práticas manuais não seria diferente. Por ser uma produção manual, e individual,
que foge das produções em massa das fábricas, o tricô pode ser considerado como uma
produção sustentável (McIntosh, 2011; Stannard e Sanders, 2014), como retratado nas
seguintes falas:
“Estou a começar a ter uma mentalidade um bocadinho a fugir do fast fashion, estou
a tentar a ir mais, pronto lá está o fazer manualmente, ser mais amiga do ambiente,
agora é mais um bocadinho esse meu mindset. Há coisas que podemos fazer a
mão e não deixar uma pegada tão forte no ambiente. E é mais isso que ultimamente
me está motivar” (Sílvia, 23 anos).

“Porque vem sempre pessoas super interessantes a falar e sair de lá com alguma
coisa feita e depois, posteriormente, fazer coisas para nós próprias ao invés de
comprar feita” (Regina, 23 anos).

O processo de produzir algo, também implica na escolha do material a ser


utilizado e quanto melhor a qualidade, maiores serão as probabilidades de se ter um

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melhor resultado final, com um aspeto mais bonito e uma durabilidade maior
(McIntosh, 2011; Stannard e Sanders, 2014).

“Quando eu sei que a matéria prima é realmente de qualidade eu acho, pelo menos
pra mim, os trabalhos manuais, ou começam na matéria prima. O processo pra mim,
não começa quando nossa mão toca nas coisas, começa como a matéria prima
chega até as mãos. E eu pelo menos sou muito seletiva e muito criteriosa, quando
escolho fazer alguma coisa, eu lembro-me da lã, que o processo foi muito giro”
(Regina, 23 anos).

“Fui fazer feiras de artesanatos, cheguei a tentar a vender as minhas peças e depois
deixei de fazer feiras de artesanatos, essencialmente porque as pessoas não
valorizam o trabalho manual, não querem pagar o trabalho e não valorizam
essencialmente materiais bons e valoriza o trabalho. (…) E aquilo que quero dizer
com isto é que as pessoas pensem mais um pouco e as vezes se calhar mais vale
comprar menos mas comprar coisas que realmente a gente gosta e que sejam
duradouras e deem mais valores aos produtos, em si que como que são feitas, da
forma como são feitas, quem as faz, nós todos podemos dizer, ah mas eu não tenho
dinheiro. Eu também estou desempregada neste momento, e não compro qualquer
coisa. Prefiro comprar menos e quando comprar, comprar alguma coisa dentro de
uma qualidade, preço que eu acho que seja equilibrada mas algo que eu acho que
seja (pausa) o mais sustentável ou, neste momento cada vez mais estou a evitar
shoppings, estou a aquela marcas que usam crianças, pronto, está a levar para
outro lado mas é um bocado aquilo que eu penso” (Sandra, 54 anos).

Muitas pessoas que tricotam estão, cada vez mais preocupadas com a qualidade
do material que, quanto mais natural, melhor, como explica McIntosh (2011). Contudo,
esses materiais podem ter um custo elevado. Além da não valorização do material
utilizado, ainda há o desperdício deste na sua origem, pelos criadores das ovelhas, que
poderiam colaborar para uma maior oferta de bons materiais.

“Tenho uma relação mais próxima, da lã. E por conhecer o seu processo, e por ser
uma matéria prima nobre e extremamente desvalorizada em Portugal, o que é uma
coisa que me deixa triste. Inclusive conheci muitos produtores de ovelha (…) Eles
criam as ovelhas, para carne, para leite, para queijo, e eles são obrigados, ou seja
as ovelhas tem que ser tosquiadas anualmente por questão de saúde e
institucionalmente é obrigatório. Mas o que é que eles fazem? Eles tosquiam as
ovelhas e queimam a lã. (…) Mas deixa-me extremamente triste porque é uma coisa
fantástica, é o pêlo de um animal que cresce sem ninguem fazer nada, pode ser
utilizado para vestuário da forma mais sustentável possível, portanto, uma fibra cem
por cento natural” (Regina, 23 anos).

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Como foi visto até o momento o tricô é uma arte que não precisa de um
equipamento sofisticado, sendo necessário apenas um par de agulhas e um fio. É
possível reaproveitar fios assim como fazer a opção por materiais de fibras mais
naturais, e com menos processos químicos (McIntosh, 2011; Stannard & Sanders,
2014). Entretanto, esse tipo de material costuma ter um preço mais elevado do que o
fio sintético, não sendo assim uma opção para todos (Stannard & Sanders, 2014). O
fato de, neste estudo, apenas uma entrevistada ter mostrado verdadeira preocupação
com a qualidade do material que utiliza, faz pensar que ainda há um longo caminho pela
frente para que esta arte se torne ainda mais amiga do ambiente.

Posto isto, seguiremos como o tricô pode ser uma forma de socialização, com
grupos que encontram-se para tricotar, ensinar e aprender.

Tema 2- Participação no Grupo

Quando se pede a alguém para imaginar uma pessoa fazendo tricô, a primeira
imagem que normalmente vem à mente é a de uma senhora idosa, uma avó, sentada
em uma cadeira ou sofá, sozinha, com duas agulhas de tricô na mão, a produzir uma
trama com um fio, com o novelo acondicionado numa bolsa (Hemmings, 2014).
Contudo, apesar de tricotar sozinha ser a opção de muitas mulheres, outras tantas estão
optando em realizar esta arte em grupos, com diversas configurações (Ahlers, 2017;
Corkhill & Riley 2014; Hemmings, 2014; Kelly, 2013; McIntosh, 2011; Minahan & Cox,
2010; Stannard & Sanders, 2014; Steed, 2016).

Há aqueles que são relativamente pequenos, há outros enormes, há os que


misturam o tricô com comida e bebida, mas, independentemente da forma como são
organizados, todos partilham algumas características como será abordado abaixo,
conforme o relato das experiências das entrevistadas sobre as suas participações em
grupos de tricô.

2.1 Socialização

Diversos estudos apresentam os grupos de tricô como uma forma de


socialização em que as pessoas reúnem-se por conta de um interesse em comum e
convivem, partilhando conhecimentos e experiências (Ahlers, 2017; Corkhill e Riley
2014; Hemmings, 2014; Kelly, 2013; McIntosh, 2011; Minahan e Cox, 2010; Stannard e
Sanders, 2014, Steed, 2016).

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Neste estudo, o mesmo foi verificado: todas as entrevistadas falaram da
socialização existente nos grupos como um ponto importante para frequentar os
mesmos. É o facto de poder estar com outras pessoas reunidas trabalhando e
conversando, ao mesmo tempo que cada uma tricota a sua peça individualmente. Sendo
o tricô ser um movimento automático, é possível realizá-lo concomitantemente a outra
atividade, como, por exemplo, a conversa (Corkhill & Riley, 2014). Este aspeto é saliente
nas falas das entrevistadas:

“Começamos a perceber que a arte de tricotar é uma arte também de convívio


porque uma pessoa consegue estar a conversar e estar a tricotar e é giro e é muito
motivante juntar pessoas para o fazer. Porque não é uma arte que precise de uma
concentração sozinha, digamos, eu não tenho que estar em silêncio para fazer
aquilo, ou seja, o convívio motiva que ela aconteça” (Ana Neves, 22 anos).

“Neste grupo. Sinto-me bem. Sinto família, porque são amigos de muitos anos,
portanto, sinto me muito confortável, não é? Não sinto que tenho que ter nenhum
esforço ou mudar o quer que seja, ou provar o quer que seja. Sou natural. Sou eu,
sinto-me motivada e feliz e com vontade de continuar” (Regina, 23 anos).

“No fundo há um convívio, no fundo também nos rimos. É sempre uma tarde bem
passada, é uma tarde em que não é só o tricô e nem o crochê em si, mas também
a companhia das pessoas, aquilo que falamos e muitas vezes as gargalhadas que
damos e isso é algo que faz muito bem na vida” (Sandra, 54 anos).

A arte de tricotar permite que os grupos sejam compostos por pessoas de idades
diferentes, favorecendo encontros intergeracionais, como destacado a seguir:

“Estavam lá pessoas de todas, tantos novos, mas fiquei surpreendida que estavam
pessoas tipo as nossas mães. Tanto de pessoas da minha idade, como pessoas da
mesma idade, como pessoas mais velhas e mais novas. Ou seja, acho que é um
ambiente muito motivador, e reconfortante de certa forma” (Sílvia, 23 anos).4

“Toda gente é bem-vinda, podem vir adultos, podem vir crianças, podem vir pessoas
mais velhas” (Laura, 22 anos).

Um dado curioso é que o tricô, por ser uma arte realizada de maneira similar no
mundo inteiro, permite o encontro de pessoas de origens diferentes, permitindo a
socialização de pessoas de idades e culturas diferentes, ligadas pela arte de tricotar:

“Estava um grupo de senhoras assim, entre os, a volta dos sessenta anos,
cinquenta, sessenta, e lembro me que entrou uma rapariga que, era minha amiga,
ela estava cá a viver em Portugal e era do Reino Unido, e ela entrou e sentou-se à
beira dessas senhoras, ou seja, ela nem sequer português sabia falar, sentou-se à

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beira delas e ficou a tarde toda a falar com elas e a trocar os pontos, porque ela não
sabia fazer o tricô também, e elas sabiam, e estavam ali a ensinar. E ter esse
contato, também intergeracional, que nós queríamos promover e acaba acontecer
e pensamos que esses são os momentos de partilha mais interessantes, que
acontecem” (Laura, 22 anos).

Assim, o facto dessas pessoas partilharem os mesmos interesses, o gosto pelo


tricô, promove uma inclusão e um sentido de pertencimento no grupo, pois estão ali
pessoas que compreendem o seu ofício, criando uma identificação mais próxima
(Ahlers, 2017), como vemos nas falas a seguir:

“No aspecto de conviver um bocadinho com pessoas que fazem este tipo de
trabalhos, porque também, [nos] meus amigos do dia a dia, ninguém faz isto” (Diana,
43 anos).

“Conhecer pessoas que tinham uma maneira de pensar parecida com minha, que
eu acho que e é por isso que as pessoas se juntam aos grupos, é uma questão de
identidade, não é? Há pessoas que gostam de fazer o que eu faço, então vou me
juntar a elas. (risos). E achei que se eram pessoas que se juntavam num sítio
público, para tricotar, deviam ser boa gente. (risos)” (Ayra, 48 anos).

Outro dado curioso que algumas das entrevistadas trouxeram foi o facto de que,
nesses convívios, não raro, há comida e bebida. Ahlers (2017) explica que a comida é
uma forma de reunir as pessoas, tanto que, em épocas festivas, as celebrações incluem
uma refeição em que as pessoas sentam-se em volta da mesa a conversar e a conviver:
tanto a conversa quanto a comida exercem uma função socializadora. No caso dos
grupos de tricô, além da conversa e da comida, há também o tricô, que acaba por ser o
tema de partida para outras conversas. Desta forma, ao comerem estão alimentando e
nutrindo o corpo, enquanto o tricô “alimenta a alma”:

Que eu conheço, pessoas mais velhas também era uma forma de convívio.
Sentavam-se no café ou em casa de outras pessoas e tricotavam juntas enquanto
conversavam, enquanto comiam, pronto. São essas as histórias que me chegaram
e é essa a ideia que eu tenho do tricô (…)Mas estavam mesmo, como se estivessem
no café com amigos pronto, não era só o tricô, e nós achamos é que o tricô também
trás esses momentos de partilha e de convívio, fora da conversa do tricô, não é, do
ponto. Também achamos que o vinho ajuda (risos)”” (Laura, 22 anos).

“Para além de termos digamos uma dinâmica boa de comer, beber e fazer tricô.
Conversar com o vizinho do lado e muitas vezes estamos a conversar coisas que
nem sei bem de onde vieram, é do genero eu estudei aqui, e estamos a tricotar e

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falar da vida (risos). E isso é bom. É tipo uma comunidadezinha que se está a criar,
eu acho” (Sílvia, 23 anos).

“Todos tricotávamos e começamos a perceber de que quando íamos tomar café ou


íamos à noite a beber um fino ou alguma coisa, levávamos o tricô connosco” (Ana
Neves, 22 anos).

“Depois fazemos o convívio de um lanchinho, lanchamos todas, é muito bom. É


muito bom” (Amélia, 60 anos).

Como se pode perceber com essas falas, a socialização desses grupos é uma
mais valia para muitas participantes e algumas ainda relatam que participar desse tipo
de encontro é uma forma de estar com pessoas, uma vez que estão reformadas ou
desempregadas, e é uma maneira de se manterem ativas e com contactos interpessoais
(Hemming, 2014).

“Isso é uma questão de terapia porque como agora estou em casa e [me] sinto mais
solitária, então nesses encontros, como em casa estou sozinha, aproveito esses
encontros, é uma questão de terapia. A gente conversa, convive, e chega a casa
muito mais bem-disposta. Se faz amizades. Criam-se amizades, criam-se laços”
(Amélia, 60 anos).

“Mas acho que algumas pessoas estão lá também para fugirem um bocado da sua
rotina de estarem em casa com os seus maridos e tudo mais. Eu sou divorciada,
portanto, passo o meu dia a dia e vejo as coisas de uma outra forma. Não tenho a
ver propriamente com esta situação. Mas neste aspeto acho que algumas pessoas
estão ali, sim, para fugir um bocado à rotina, ao estarem em casa sistematicamente,
são pessoas que já estão na idade da reforma, portanto, no dia a dia,
sistematicamente, mulher e marido e tudo mais, e acho que acabam por ter
necessidade de criar um espaço em que elas possam ser um bocadinho elas”
(Sandra, 54 anos).

“As pessoas tinham muita vontade de fazer coisas, eu comecei a sentir que havia
pessoas que saíam de casa porque iam para os encontros, e quando nós temos
projetos de intervenções na cidade, são dias e dias de trabalhos e há pessoas que
não tem emprego, estão desempregadas, ou porque já estão reformadas, e têm
vidas muito solitárias e que utilizaram, passaram a usar a desculpa do tricô, para
sair e para fazer coisas” (Ayra, 48 anos).

Como a socialização foi um ponto muito relevante, neste estudo, fez-se a


necessidade de compreendê-lo melhor. Foi possível perceber que a partilha é um dos
pontos mais importantes sendo mencionada por todas as entrevistadas. Trocar
conhecimentos de técnicas específicas do tricô (pontos, receitas, materiais), faz com

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que aprendam e vejam que as diferentes etapas do trabalho podem ser feitas de
maneiras diversas, sem certo e sem errado (Minahan & Cox, 2007). Também surgem
sugestões mais práticas de onde se compra um fio ou lã, ou que cores ficam melhor em
determinada peça, que tem muito a ver com os gostos pessoais, como é possível ver
nas falas a seguir.

“Porque é engraçado, porque não há uma forma errada ou certa de fazer, nós
ensinamos o método português, mas já tivemos estrangeiros a irem, então, também
é engraçado perceber que eles sabiam aquilo de outra maneira, e estou a ensinar
e acabo por aprender alguma coisa também de volta (pausa). Então é sempre um
momento muito feliz de troca de conhecimento” (Ana Neves, 22 anos).

“Há pessoas que chegam e já sabem tricotar de uma forma e nos ensinam, e depois
nós mostramos coisas, cria-se ali, uma sinergia da aprendizagem” (Regina, 23
anos).

“Dão-se dicas as pessoas. Por exemplo, estava lá, há tempos, tivemos uma moça
que não sabia o que havia de fazer com aquela peça porque já não ia dar para o
que ela pretendia inicialmente. E dão sugestões. Deram-lhe sugestões para bolsa.
Para além de aprender e ver várias coisas que as pessoas vão fazer, depois cada
uma dentro daquilo que pretende para si, ou aprende pontos ou tira ideias, ou pede
ideias pra alguma coisa. Aprende-se sempre alguma coisa” (Sandra, 54 anos).

“Em princípio entramos só mesmo em partilhas de conhecimentos, de técnicas, de


materiais que uma encontrou, de … olha, de promoções de fios, de fios bons que
dão bons trabalhos, ou maus, fios que, … olha usei aquele fio, até foi bastante caro,
mas não funcionou, ganhou borboto, sei lá, esse tipo de coisas. Olha, na loja tal
apareceu umas coisas novas que servem para contar as carreiras, para quem dar
importância a isso, ou ajuda bastante, pronto, acontece um bocado esse tipo de
partilhas” (Diana, 43 anos).

“De saberes. É muito mais fácil se eu quiser aprender a fazer um ponto novo ou
aprender a fazer aquela camisola, ou a utilizar aquela técnica, eu prefiro mil vezes
esperar por um encontro e perguntar a alguém que eu sei que sabe, do que perder
horas a ver um tutorial na internet. Porque eu vou olhar para uma pessoa a fazer ao
meu lado, e a pessoa me explicar, eu aprendo muito mais rapidamente, do que a
ver um vídeo no Youtube. (…) Opiniões, partilham-se imensas, imensas opiniões,
achas que faço com esta cor, achas que faço esta camisola, achas que faço isto,
achas que me vai ficar bem. Quanto tempo é que achas que vou demorar a fazer,
quanto fio é que achas que vou gastar aqui. Isso é, o grupo é maravilhoso para
estas coisas. Onde é que posso comprar esta lã …” (Ayra, 48 anos).

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Contudo, as participantes também relataram outros tipos de partilhas de foro
mais pessoal, ligadas às suas vidas privadas e de experiências pessoais. As mesmas
ainda dizem que por se tratar de um grupo que costuma se reunir com uma certa
frequência, não raro formam-se laços de amizades e que, para além do tricô, outros
interesses vão sendo identificados por elas (Stannard & Sanders, 2014).

“Mas depois acho que, quando fazemos entre amigos, não no grupo, porque é um
grupo muito grande de pessoas, torna-se um ambiente muito seguro em que
estamos a falar de coisas da vida, do que se passa, do que vamos fazer, e estamos
simplesmente a tricotar ao mesmo tempo. Isso acaba por ser paralelo a uma
conversa e um desabafo entre amigos, só que com o propósito do tricô também”
(Ana Neves, 22 anos).

“Eu acho que um pouco de tudo porque, quando as pessoas também, obviamente
entre nós os quatro há sempre muita conversa, mas mesmo com as outras pessoas,
quando se sentem mais à vontade, passado um tempo da gente começar e falam
um bocadinho mais da sua experiência, o que estudam, o que que fazem, e porque
vamos naturalmente falando sobre várias coisas, vários temas. E nada específico
porque … muitas vezes [são] muitas pessoas, mas há partilha de, pronto, pessoal
e é interessante” (Regina, 23 anos).

“Há quem queria falar um pouco da vida ou alguma coisa, como é óbvio não é, mas
isto é normal, em qualquer situação por onde a gente vá, há sempre alguma coisa
que se desabafa da vida” (Sandra, 54 anos).

“É porque aproxima as pessoas um bocado mais, não é? Quando nós nos


entregamos um pouco de nós, os outros também estão a dar e isso enriquece e
aproxima mais as pessoas” (Sandra, 54 anos).

“Eu estava, lá está, eu estava a falar com uma senhora muito mais velha do que eu,
estamos a falar para aí nos seus sessenta anos, e ela queria que eu ensinasse e
depois ela ensinou-me e de repente começamos a falar, ah porque a minha mãe é
que me ensinou e a minha avó fazia isto, e ela depois disse ah pois a minha avó
também, na altura também fazia. E começamos a partilhar aos bocadinhos assuntos
familiares, ou da vida, tipo profissionalmente” (Sílvia, 23 anos).

Algumas das participantes relataram que não partilham muito a sua vida pessoal
no grupo, pois não sentem abertura, e escolhem não o fazerem (Hemmings 2014).
Percebem as partilhas fora do contexto das técnicas como um momento de
descontração, de piadas e de comentários sem grande importância.

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“Eu própria tenho duas ou três grandes amigas no grupo, mas eu nos encontros de
tricô e no grupo, exponho a minha vida pessoal muito pouco. Mas, sei que há ali
relações muito próximas” (Ayra, 48 anos).

“A gente não leva muito para o pessoal. A vida, a nossa vida privada, não vai para
os grupos, é mesmo concentrada nos nossos trabalhos e prontos, e às vezes, é
aquelas conversas que a gente diz assim uma coisa mais engraçada, umas riem,
outras acham graça, outras não acham e depois... Há aquela brincadeira entre umas
e outras, mas […] de forma saudável. Mas a vida privada nunca foi levada para os
grupos, para o grupo que eu sou presente” (Mariana, 60 anos).

“A mim, ora bem, eu não sou muito esse tipo de pessoa. De partilhar ou de dizer
alguma coisa. Se eu digo acaba por não ser ou porque estou à procura de ajuda
naquele problema, ou porque vou ficar mais aliviada. Se digo muitas vezes é para
fazer piada, e volta, e “estou danada com o meu pai porque ele fez, ou disse, ou
estou farta da minha filha”, é um bocado assim, não é uma coisa séria, porque, em
princípio, não tenho muito por hábito, apesar de falar muito, de partilhar fora dos
meus, dos meus, meus próximos, problemas sérios. Não sou essa pessoa. Por
motivo nenhum especial, mas em princípio coisas que, às vezes, não partilho muito”
(Diana, 43 anos).

Um dos resultados das partilhas que surgiu neste estudo é a sensação de bem-
estar gerada por poder ser útil a alguém, de ensinar algo, ou ainda de auxiliar em um
momento de dificuldade. Também a possibilidade de celebrar junto uma conquista e
aprendizado realizado por outras pessoas.

“É bom, é bom, lá está. Sinto-me útil também, sei que as ajudo bastante porque
também gosto desses desafios, dos desafios delas, não só os meus. São coisas
como agora eu vou fazer isto, que é até uma coisa que eu nem gosto, que até nem
faria. Mas descobri que aquilo para elas é bom, eu não quero fazer aquilo, mas elas
querem, e eu tento descobrir que forma que elas hão-de fazer. Eu gosto bastante.
Sinto me bastante útil” (Diana, 43 anos).

“E eu fiquei extremamente feliz por poder ensinar um ponto a uma senhora da idade
da minha mãe. Porque é isso, acho que este evento é mesmo para nós ensinarmos
uns aos outros. Eu ,por um acaso, sabia um ponto que é o ponto inglês que a minha
mãe me ensinou que estou a fazer um cachecol, então levei o meu trabalho para lá,
por que lá, o evento, eles ensinam como começar, não é? Para as pessoas que
nunca tiveram, sequer, contacto com o tricô. E eu, como já tinha contacto com o
tricô, perguntei se poderia levar o meu trabalho e dar continuidade e as senhoras
ficaram extremamente felizes (sorriso) a ver o meu trabalho. E era um ponto novo
então ensinei. (…) Eu acho muito, mas sim, é um ambiente mesmo de coração
cheio, não sei explicar, é mesmo bom estar a partilhar tanto, e tanta gente e depois

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pessoas conseguem dar aquelas primeiras laçadas ou fazer a primeira carreira e
tipo uhuu (comemorando) consegui. (…) E também me ensinaram coisas. Ah não
faço desta forma, engraçada a forma que tu fazes, ou ah eu não começo assim, que
engraçado, eu não dou esta laçada desta forma. E é tudo uma aprendizagem”
(Sílvia, 23 anos).

“Há sempre alguém que me ensina outra maneira de fazer a manga, de fazer isto
ou aquilo, então (pausa) para além de me dar mais vontade de fazer, também sinto
que aprendo mais” (Ana Neves, 22 anos).

“Ela as vezes ajuda-me a mim, outras vezes ajudo eu a ela. E assim, vamos
fazendo, desmanchando e arranjando a nossa maneira e ao nosso ritmo. (…) Olha,
é mais até uma partilha, um ensinamento de umas para as outras, e prontos”
(Mariana, 60 anos).

“De uma maneira geral, tentamos ensinar umas às outras, porque no grupo
aparecem sempre pessoas que não sabem e querem aprender” (Amélia, 60 anos).

“Ninguém é professor, ninguém é instrutor, há pessoas que chegam e já sabem


tricotar de uma forma e nos ensinam, e depois nós mostramos coisas, cria-se ali
uma sinergia da aprendizagem. Não é hierarquizado. Os nossos eventos, não existe
hierarquia, é tudo muito homogéneo, somos todos amadores, simplesmente, nós
decidimos fazer o grupo, mas depois, temos pessoas que aprendem até a fazer e
depois vão ensinando outras. E nos eventos, nós até pedimos ajuda porque às
vezes vêm quarenta, cinquenta pessoas, nós somos quatro e é díficil, às vezes,
estar a explicar detalhadamente a muita gente ao mesmo tempo, então as pessoas
[elas] próprias vão fazendo isso e a gente, vamos todos ajudando-nos. E há
dinâmicas muito engraçadas” (Regina, 23 anos).

“O objetivo é não ser um formato de workshop, ser um convívio informal onde nós
temos sempre alguma coisa para comer e o vinho, porque está dentro do projeto.
Ou seja, é criar um ambiente relaxado para que as pessoas possam aprender a
tradição do tricô num ambiente, pronto, menos rígido do formato do workshop em
que entramos e temos que receber toda aquela informação mais, não sei, achamos
que esse formato não se adequa muito à prática do tricô, porque não foi assim que
nasceu, não foi assim que se perpetuou, portanto, achamos que não fazia sentido
fazer neste formato e é isso que fazemos, basicamente, são convívios, tem
funcionado bem, eu acho que muita gente tem vindo a mostrar interesse em
aprender e ensinar aos amigos, pronto, acho que sim” (…) Não era num formato
rígido que as pessoas, até agora desenvolveram a técnica do tricô não é, não era
num formato mais … não era de fábrica e nem de (pensando), não vou dizer
workshop outra vez, mas não era uma coisa de ensinar em formato de escola”
(Laura, 22 anos).

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A informalidade existente nos encontros parece adicionar um certo diferencial nos
grupos de tricô, além de remeter a forma que esta arte vem sendo passada ao longo do
tempo. A todas as entrevistadas foi perguntado se havia alguma desvantagem de
pertencer a esse tipo de grupo, e se sim qual seria. Com exceção de uma, todas as
demais responderam que não viam desvantagem. A que respondeu que sim, a única
desvantagem que via é

“há pessoas que eu não gosto no grupo. Mas (risos) em todos os grupos há pessoas
que nós não gostamos. Não é?” (Ayra, 48 anos).

Com essa resposta, pode-se pensar que a desvantagem que a entrevistada


percebe é mais em relação a algumas pessoas específicas, do que propriamente ao
grupo e a sua dinâmica em si. Apesar de todas terem sido favoráveis à participação em
grupo, surgiram, durante as entrevistas, relatos sobre algumas diferenças entre tricotar
sozinha e tricotar em grupo, como será discutido agora.

2.2 Fazer tricô em grupo vs. fazer tricô sozinha

Tricotar sozinha em um espaço da casa ou rodeada por pessoas que também estão a
tricotar e a falar, exprimem duas dinâmicas diferentes de se realizar a mesma arte, como
explica Hemmings (2014). Uma das maiores diferenças apontadas pelas entrevistadas
(quiçá a maior), foi a diferença na concentração. Quando estão tricotando sozinhas,
ficam mais introspetivas e quase num estado meditativo. Quando estão em grupo, por
estarem conversando, trocando ideias e partilhando saberes, o tricotar constitui-se
como uma atividade interativa, que é realizada enquanto se está a conviver.

“Quando estou sozinha eu acho que é exatamente ao contrário, é muito mais


introspectivo. E como estou mais concentrada, e como não falo, penso mais. É como eu
disse, em grupo o objetivo, eu acho, principal é ser um substituto ou, ou seja, ser um
substituto de tecnologias, obriga-nos a ter mais contacto visual, obriga-nos a interagir
com outras pessoas E quando estamos em grupo, é ao contrário, ou seja, promove
muito mais a partilha, a troca, olha isto, olha não sei o quê (pensando). Há
interaprendizagem e o contacto verbal, e, quando estou sozinha, como há muito silêncio, acho
que é ao contrário, é mais introspectiva. Então é essa a diferença” (Regina, 23 anos).

“Sim, sem dúvida. Eu acho que sozinha, lá está, é um momento também de


autoreflexão. Eu penso muito, como estava a referir, e em grupo não. Em grupo é
mesmo por, é onde a conversa nos levar, na verdade. É mesmo, não penso nos
meus problemas, estou a fazer o tricô num sentido, lá está, de auto, estou a pensar

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para mim mesma, mas é mais, lá está, estamos todos a conversar sobre um
assunto, é mais feliz neste sentido. Quando estou sozinha penso muito em mim, e
muito, estou com alguns problemas. Quanto estou em grupo, nada disso passa me
pela cabeça. Nada disso passa. Não é nunca mais uma coisa egocêntrica, sobre
mim” (Sílvia, 23 anos).

“Há muitos encontros onde não há mais nada acontecer, e só estamos ali
calmamente, a tricotar e a conversar. Mas não, para mim é como se estivesse em
casa a tricotar e a ver televisão, tenho que dar a devida atenção e não estou no meu
processo de relaxe” (Ayra, 48 anos).

“É assim, eu consigo me concentrar muito mais quando estou sozinha, quando


estou só, foco no tricô, quando estou no meu sofá, nem que seja com a televisão
de fundo, ou com música, consigo estar mais focada, avançar muito mais, ou seja.
Eu quase digo que é uma atividade diferente, quando faço sozinha estou
intensamente a tricotar, e quando estou em companhia, é uma atividade mais
relaxante, mais de, pronto, é só mesmo aquela coisa de entreter de, não sei, vou
fazendo porque estou a fazer, porque não estou a fazer outra coisa, pois não. Claro
que, quando estamos em grupo, se calhar é muito mais fácil para pedir ajuda, por
exemplo, eu não sei rematar, peço ajuda, ou não sei fazer este ponto, e este ponto
é giro, explica-me como é que faz. Claro que também é uma troca de ideias e
conhecimentos que não tenho quando estou sozinha, mas são experiências
diferentes, se calhar” (Laura, 22 anos).

Outra característica apontada por uma das entrevistadas é a diferença na criação,


que é possível apenas quando está sozinha (Hemmings 2014). A mesma justifica que,
em grupo, é possível fazer trabalhos mais rotineiros e a produção parece que vai mais
acelerada, mas quando se trata de criar, prefere os momentos a sós, por precisar de se
focar:

“Estou em grupo eu tenho de, para além de aprender, e poder aprender ou poder
ensinar, não dá muito para eu criar, a parte de criatividade tem que ser sozinha. A
parte de todo o resto dá para ser, é até mais castiço ser em grupo, pois uma pessoa
está mais, ou seja, por exemplo, aqueles trabalhos que lhe falei há um bocado, mais
rotineiros, mais não sei quantos, em grupo é muito melhor estar a fazê-los, até
parece que andam mais de pressa, andam sozinho” (Sandra, 54 anos).

As entrevistadas falaram ainda que os encontros em grupos, tornam o tricotar


ainda mais divertido, por estar com outras pessoas e conversando (Stannard & Sanders,
2014).

“Fazer isso com amigos, digo, é ainda muito mais divertido” (Regina, 23 anos).

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“Eu acho que em grupo é muito melhor. É muito melhor. Não sei, não sei explicar
mas acho que uma pessoa em casa, porque em casa, pronto, estamos a realizar
aquilo, será que, e tentando em grupo, e depois há mais ideias das outras que nos
ajudam às vezes, a melhorar o que estamos a fazer, a modificar, por exemplo, se
estamos a fazer e temos uma ideia de alguma coisa, mas pode vir alguém que saiba
ou que tenha outra técnica e nos ajuda a fazer aquilo de maneira mais fácil, e que
fique melhor, pronto. Gosto mais em grupo” (Mariana, 60 anos).

“Fazer em grupo é muito mais divertido. É mais divertido porque temos como quem
conversar, desanuviarmos, é mais divertido e acalma muito mais. Acabamos por
nos rirmos. Sozinhas não, né?” (Amélia, 60 anos).

É curioso perceber que os elementos mais destacados de estar em grupo foram


as partilhas, o bem-estar e os ensinamentos oferecidos e recebidos (Roemer, 2017).
Outro ponto que merece destaque foi a quase total ausência de respostas sobre
desvantagens de participar desse tipo de grupo. Desta maneira, os resultados
apresentados neste estudo são contrários aos apresentados na pesquisa feita por
Harrison e Ogden (2019), que constataram que as mulheres participantes preferiam
tricotar sozinhas em casa. Já no presente estudo, as mulheres até tricotam em casa,
mas nas suas falas é possível perceber o anseio de ir aos encontros do grupo, e como,
para algumas, é um momento bastante esperado. Ao tratar-se da reunião de mulheres
(apesar de haver homens, a maioria das participantes nesses grupos de tricô continua
sendo mulheres), poder-se-ia pensar como esses grupos podem contribuir para que
elas possam ser fortalecidas e empoderadas enquanto pessoas. Desta forma, seguimos
para o próximo tema.

Tema 3 - Empoderamento Feminino

O conceito de empoderamento feminino supõe que a mulher assume um papel


principal na sua vida, sendo agente de transformação, e desenvolve habilidades para
fazer escolhas estratégicas (Huis, Otten & Lensink, 2017). O empoderamento
psicológico remete para três dimensões interdependentes: intrapsíquicas (e.g., sentido
de competência, autoeficácia), comportamentais (e.g., participação na comunidade) e
relacionais (e.g., conhecimento de recursos, consciência crítica) (Zimmerman, 1995).
Assim, será que um grupo de mulheres reunidas pode promover um cenário favorável
para que este processo aconteça? Antes de responder a esta pergunta, faz-se
necessário perceber o que as participantes entendem por empoderamento feminino,
como veremos a seguir.

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3.1 Mulher empoderada

Foi perguntado as entrevistadas se conheciam o termo empoderamento e o que


elas entendiam por isso. As respostas obtidas foram:

“Empoderar mulheres é dar-lhes voz, visibilidade, ferramentas para que elas


consigam (…) passar a sua mensagem e fazerem aquilo que sempre quiseram”
(Regina, 23 anos).

“Empoderamento, é quando alguém, dá ferramentas para a outra pessoa conseguir


ter poder, eu não gosto de usar a palavra poder mas ter (pensando), basicamente
os mesmos direitos e as mesmas ferramentas que as outras pessoas têm” (Laura,
22 anos).

“O empowering é dar a possibilidade que a mulher não é um estatuto abaixo, que


precisa da igualdade, mas nunca rebaixar o outro género. Mas fazer entender a
sociedade que já nós não somos abaixo. É mostrar que nós somos capazes de estar
exatamente na mesma igualdade, que independentemente, temos que mostrar isto,
mas é mostrar que estamos em igualdade com o homem. É ter voz” (Sílvia, 23
anos).

“(…) dar as mesmas oportunidade e mostrar às raparigas que elas têm exatamente
as mesmas oportunidades que os rapazes têm” (Ana Neves, 22 anos).

As entrevistadas de menos idade não só conheciam o termo, como souberam


discorrer sobre o mesmo, com propriedade. Já as duas entrevistadas de meia idade
conheciam o termo, mas responderam o que significava sem dar uma definição
específica e sim uma explicação mais genérica:

“É como se fosse, sei lá, eu não consigo dar uma explicação teórica, mas sinto como
se fosse uma mega vitamina, que as pessoas tomam e que ficam com uma energia
diferente para lidar com o problema, essa é a minha interpretação” (Ayra, 48 anos).

“Penso que o empoderamento das mulheres, cada vez é mais necessário, e que se
o mundo fosse governado pelas mulheres, estava bem melhor hoje em dia, é aquilo
que eu penso. Porque quanto mais a mulher for empoderada, mais culta ela é. O …
para o governo não interessa pessoas cultas. Para o governo quanto mais ignorante
a população for, melhor é” (Sandra, 54 anos).

Outras duas entrevistadas de mais idade, e uma de meia idade, não conheciam
esse termo e nunca tinham ouvido falar no mesmo. Como essa era uma possibilidade
prevista, foi apresentada uma definição. Depois de lida, foi perguntado se elas

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conheciam uma mulher empoderada e o porque a consideravam dessa forma. Uma
dessas três entrevistadas disse que “acredito que haja, mas eu assim, agora, estar a
ver quem, não estou a ver. Não estou a ver quem” (Mariana, 60 anos).

Contudo, as outras duas, após a leitura da definição do termo empoderamento,


disseram que elas próprias eram mulheres empoderadas, ressaltando que não
conheciam o termo, mas que conheciam o conceito:

“Acho que sou essa. Sirvo-me um bocadinho de exemplo nesse aspecto. Mas o
termo é-me estranho mas o conceito sim, o conceito eu entendo” (Diana, 43 anos).

“Sim, eu, por exemplo, liderei muitos homens e acho que sou forte nesse aspecto.
E sempre fui respeitada, sempre me respeitaram, sempre respeitei” (Amélia, 60
anos).

Apenas mais uma entrevistada, de meia idade, disse que se considerava uma
mulher empoderada: “Sim (risos) eu! (risos) Egoisticamente” (Ayra, 48 anos). Um dado
que chamou atenção foi que todas as entrevistadas de menos idade, conheciam bem a
definição do termo, contudo nenhuma delas se citou a si mesma como uma mulher
empoderada. Citaram amigas e mulheres conhecidas, da mesma idade e até de menos
idade do que elas, mas elas mesmas não foram mencionadas.

Quando perguntadas sobre mulheres empoderadas que elas conheciam, todas


elas falaram de mulheres donas de si, capazes de enfrentar situações difíceis e de
acreditar nelas próprias, de forma congruente com o descrito na literatura (Kabeer,
1999):

“Uma mulher com força é uma mulher empoderada, é uma mulher que não faz
autosabotagem e que consegue elogiar-se e amar-se e acreditar nela própria, ela
própria se valida e ela própria já se empodera, ela mesma” (Regina, 23 anos).

“São pessoas exemplares, são pessoas que resilientes, que sabem lidar com as
adversidades, que conseguem ser positivas, que conseguem ser diplomatas, muitas
vezes, uma diplomacia que eu, por exemplo, muitas vezes, não tenho. Mas são
serenas, são diplomatas, conseguem manter a sensatez. Eu conheço muitas
pessoas assim, felizmente” (Diana, 43 anos).

“Eu acho que é uma figura muito forte, disponível e que eu reconheço muito, é super
femininista e que passa a palavra de uma maneira incrível. É muito boa, na verdade.
E discute temas que, que até … são aqueles temas que nos pode ( pausa) de certa
forma ser, como eu hei-de dizer, ser (pausa), exemplo, coisas relacionadas com a
parte da sexualidade, etc., muito bem resolvidas e também muito informal. E acho

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que passa uma palavra com uma tranquilidade dela mesma, mas muito informal,
tipo amigos e é muito bom” (Sílvia, 23 anos).

Outro ponto que as entrevistadas ressaltaram como características das mulheres


empoderadas foi o fato delas ajudarem outras mulheres a saírem de situações
desconfortáveis e a empoderarem-se, como é possível verificar nos relatos abaixo:

“Por que escolhi essa mulher? Porque essa mulher (pausa) deu a volta por cima de
muita coisa que já lhe passou na vida e hoje é uma pessoa que ajuda as outras
mulheres, que tem uma visão da vida e uma serenidade, brutal, para com … para
conseguir ajudar os outros e para viver momentos complicados de forma serena e
pacífica. E consegue não só transformar a vida dela, mas consegue também
transformar a vida dos outros, quando os outros estão ao pé dela” (Sandra, 54
anos).

“É uma amiga minha, ela é pintora, e pronto eu estava a reclamar, estava a me


autocriticar muito e ela disse-me pára, chega de autosabotagem. Acabou. Nós não
estamos numa época, muito menos num século de fazer autosabotagem, muito
menos sendo mulheres. Já tens o resto do mundo a fazer isso por ti. Portanto pára”
(Regina, 23 anos).

“A primeira pessoa que me lembrei foi de uma amiga minha que trabalha (risos), eu
acho que ela trabalha sobre imensas questões de desigualdade das mullheres. O
objetivo dela é recolher histórias de pessoas, anonimamente, e combater o assédio
as mulheres. Também como a violência e pronto. Eu acho que ela faz um trabalho
espetacular” (Laura, 22 anos).

“Há pessoas que têm um poder particular de agregar outras pessoas à volta delas,
e, ao fazerem isso, conseguem isso, conseguem criar ali uma energia de grupo que
funciona muito melhor do que uma energia individual. E, além disso, são pessoas
com uma capacidade de trabalho diferente, quando eu digo de trabalho, não digo
de produção. De trabalho, porque conseguem fazer várias coisas ao mesmo tempo,
gerir vários processos diferentes sem perder o foco e que acabam por conseguir
conciliar várias atividades em prol do bem-estar das outras pessoas, conheço, não
conheço muitas, mas conheço algumas” (Ayra, 48 anos).

Ler essas falas de mulheres que superaram as diversidades pode fazer acreditar
que o empoderamento é fácil de ser alcançado e que é uma questão de atitude como
temos nas falas abaixo:

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“São, são, são, mas eu acho que elas, sei lá, se deixam injustiçar. Eu não deixo. Eu
não deixo. Percebe, não sei. Isso é mentalidade. A minha mentalidade não me dá
para me deixar injustiçar por ninguém” (Amélia, 60 anos).

“Então, ligando uma coisa a outra, eu tenho alguma dificuldade em perceber. Lá


está pessoas que, mulheres, principalmente novas, que ficam assim subjugadas a
determinadas injustiças de onde elas queriam sair. Porque uma coisa é tu nasceste
na Síria, estão a cair-te bombas em cima da cabeça, e tu estas ali, é uma injustiça,
porque tu poderias estar em outro lado qualquer mas tu estás ali e não foste tu que
optaste. Estás lá. Outra coisa é, tu estás na mesma casa com pessoas que te tratam
mal e que te agridem, e até podias estar numa outra casa ou podias tentar estar
noutra casa, mas não. Mas não, não tens essa coragem, não tens essa força, e
isso, para mim, isso já não é propriamente uma injustiça, isso é uma falta de
coragem, uma falta de, talvez de acompanhamento, de personalidade, é medo, mas
não é uma injustiça, porque, injusto é aquelas pessoas que estão presas, que
ficaram presas, que estão em países onde não tem acesso a nada. Isso é injusto”
(Diana, 43 anos).

Essa entrevistada, ainda usou a situação que ela viveu para dar como exemplo
do que considera uma escolha e o que considera injustiça como no relato a seguir.

“Agora, uma pessoa que está ali porque não se sente capaz de escolher outros
caminhos, né? Inclusive, eu escolhi, eu escolhi ficar em casa com a minha filha,
aqueles anos todos, sabia perfeitamente das consequências disso. Sabia que o
mercado de trabalho depois ia me castigar. Sabia que ia ter que viver com muito
menos. Sabia que não ia poder dar a minha filha aquilo que as amigas, se calhar
tinham. Mas optei. É injusto? Não! Foi uma opção minha. Foi uma opção minha.
Outras amigas minhas queixavam-se que trabalhavam muito e, portanto, não tinham
o tempo para estar com os filhos, e não tinham tempo para fazer nada, e portanto,
os filhos muitas vezes mostravam má educação, falta de atenção, qualquer coisa.
É injusto? Também não. Elas acham, por exemplo, que é injusto eu ter que ir
trabalhar e tu estás em casa. Não, não. Eu optei por estar em casa. Eu optei por
estar em casa e por isso não vou jantar fora, nunca. E por isso, não vou de férias
também. Tu optaste por ir trabalhar e por não perder a tua oportunidade no mercado
de trabalho. E eu optei por perder. Com tudo que isto pode acarretar. É injusto
depois quando eu volto ao mercado de trabalho esteja em pé de igualdade
diferentes dessas pessoas? Não é injusto. Eu optei isso. Eu sabia quando estava a
optar. Que era uma consequência” (Diana, 43 anos).

Contudo, é importante ter em mente que o empoderamento não é apenas uma


questão de escolha ou depende só do comportamento da pessoa, e há diversas
dimensões envolvidas, como foi explicado anteriormente neste trabalho. Na fala acima,

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temos o exemplo de uma mulher que diz que teve a escolha de ficar em casa e cuidar
da filha, mesmo abrindo mão de alguns luxos. Entretanto, nem todas as mulheres têm
essa opção, pois nem todas teriam como trabalhar em casa, por não saber um ofício
que lhes permita essa possibilidade, e também não recebem ajuda suficiente para se
manter em casa e sustentar os filhos (Santos, 2019). Na fala acima, não há o
reconhecimento da falta de apoio que as mulheres encaram diariamente, principalmente
quando são mães. Além das mulheres já terem menos oportunidade de emprego que
os homens, estas ainda diminuem quando ela é mãe e/ou ainda pretende ser
(Magalhães, 2005), como podemos verificar no seguinte exemplo:

“Em termos de emprego e de arranjar emprego uma mãe tem sempre muito mais
dificuldades de arranjar emprego do que um pai ou um homem, ainda mais uma
mãe monoparental. (…) A injustiça social trabalho igual e salário inferior, sem sobra
de dúvidas. Eu já fui diretora comercial e nunca ganhei o que um homem ganha
como diretora comercial, portanto, já senti na pele e sinto. Há muita discriminação
em termos de mulher, sim. Eu trabalhei bastantes anos no mundo da construção
civil e foi aí que eu fui diretora comercial e primeiro que fosse bem vista neste
mundo, foi muito complicado. Há muita discriminação” (Sandra, 54 anos).

Essa entrevistada mesmo tendo formação universitária não teve a equiparação


salarial de um homem que exerce a mesma atividade e com o mesmo grau de instrução,
sendo a diferença apenas o género. Poderia dizer que essa foi uma escolha dessa
mulher? Muitas vezes a realidade impõe determinadas situações nas quais não há
escolhas, como na fala abaixo:

Eu por exemplo, gostava de ter estudado mais, mas tive que ir trabalhar ainda
bastante nova, porque era a mais velha, e a minha mãe, eu bem queria estudar,
andei até à sexta classe, que é o sexto ano. Mas só que depois, eu bem queria
estudar, mas a minha mãe disse, não, tu és a mais velha, era só o meu pai a
trabalhar, não pude estudar. E no entanto, lá está a injustiça, não só na sociedade,
como também dentro de casa, porque todos os meus irmãos estudaram até quando
quiseram e eu tive que ir trabalhar. Não pude estudar, e pronto. Eu não me
arrependo, porque até se calhar aprendi mais do que se andasse a estudar, aprendi
de uma maneira, mas também eu podia não ser o que sou hoje. Porque muitos iam
para a escola só para passear os livro, e só andavam, só andavam por passear,
eram só faltas, nem davam até, nem produziam nada, não havia aproveitamento
nenhum. Andavam ali por andar e pronto” (Mariana, 60 anos).

A entrevistada citada acima não pode seguir os seus estudos por conta da (má)
situação financeira da sua família. Ela precisou parar de estudar ainda adolescente para
trabalhar e ajudar a sustentar a família. O ideal seria que ela pudesse completara sua

79
escolarização até, pelo menos, o ensono secundário e que sua família tivesse apoios
para que isso acontecesse. Esse é um exemplo onde a pessoa não teve escolha, não
dependeu dela. Foi uma imposição. Aqui fala-se em trabalhar para o sustento, para
prover pelos demais, atender as necessidades básicas da família (Maslow, 1943). São
as adversidades que as pessoas encontram e precisam lidar com elas da maneira que
é possível.

Dessa forma, podemos dizer que para uma mulher para ser empoderada precisa
transpor as barreiras que podem surgir como as diferenças salariais entre homens e
mulheres, a menor oferta de trabalho para mulheres em relação aos homens, a violência
doméstica, a falta de oportunidade de estudo, entre muitos outro exemplos.

Os exemplos aqui apresentados são situações que aconteceram na vida de


algumas mulheres, e não é possível tê-las como verdade absoluta. Entretanto, as
mulheres costumam enfrentar discriminações diversas no dia a dia (Santos, 2019). Na
esfera do trabalho, como vimos atrás, as diferenças entre homens e mulheres podem
ser ainda mais percetíveis do que em outras áreas:

Eu não consigo ainda entender porque a mulher não está no mesmo estatuto de um
homem, a nível de trabalho. Porque nós já não estamos há um século atrás, nem
cinquenta anos atrás e infelizmente isso é o que é na história, é o que foi, a mulher
sempre foi desvalorizada, infelizmente a nível de trabalho, mas acho que a nossa
sociedade já deveria estar mais um bocadinho avançada a nível na igualdade de
salário e na igualdade de estatutos dentro de uma mesma empresa, não é? Isso é
a primeira injustiça. Há muitas injustiças ainda. Mas acho que essa é uma injustiça
que era de fácil solução e não percebo ainda o porque ainda não aconteceu. Porque
tanto a mulher quanto o homem têm exatamente as mesmas capacidades” (Sílvia,
23 anos).

Com esssa fala e com o que foi apresentado, pode-se pensar que homens e
mulheres têm as mesmas capacidades, contudo, não têm as mesmas oportunidades.
Uma mulher para ser empoderada precisa enfrentar adversridades que um homem não
precisa e uma maneira de fortalecimento é estar no grupo, como veremos a seguir.

3.2 A importância da participação do grupo para o empoderamento feminino

Anteriormente foi falado de como participar de um grupo (neste caso de tricô) pode
colaborar para o bem-estar, para as partilhas e para o senso de pertencimento das
integrantes (Maddock, 2014). Foi então perguntado se os grupos podem ser formas de

80
resistência aos problemas enfrentados pelas mulheres (Magalhães, Pinto e Tavares,
2003), no dia a dia e algumas entrevistadas disseram que o grupo de tricô não tem
propriamente esse intuito. Contudo, o fato das mulheres estarem socializando,
interagindo umas com as outras, faz com que se sintam mais fortalecidas e consigam
até, eventualmente, mudar a realidade difícil que eventualmente estejam vivendo.

“Quer dizer, a união faz sempre a força, mas eu nunca senti que neste grupo, em
específico, esta fosse uma verdade. Nunca senti que a partir dali tive acontecido
alguma coisa. Mas lá está, se calhar aconteceu, se calhar já houve vidas que
mudaram por causa do grupo. Esta pergunta eu dizer não é um não redondo. É
talvez, mas não é uma coisa que eu ache que seja profundamente importante ali no
grupo” (Ayra, 48 anos).

“Acho que há muitos grupos que podem ajudar esse empoderamento feminino e
claro que sim. Que é sempre uma maneira de o fazer. Não penso que o nosso grupo
em específico seja por aí” (Laura, 22 anos).

“Existem várias situações diferentes, não só os grupos de tricô, como outros tipos
de grupos, em que as mulheres estão nos grupos, em que há mulheres em vários
tipos de situações e cada vez mais as mulheres se sentem donas do seu (inaudível)
da sua responsabilidade, daquilo que querem e não querem, e também de se
afirmarem e dizerem não a determinado número de situações. E acho que também
há mais, há e haverá, ou eu penso que haverá mais interajuda e mais no sentido
solidário para puxar umas com as outras para mais juntas se empoderarem mais”
(Sandra, 54 anos).

“Completamente. Eu acredito, eu sempre disse que eu acredito que trabalhar em


grupo é muito mais, é muito melhor, é mais eficaz e muito mais eficaz na resolução
do problema do que trabalhar sozinha. É exatamente a mesma coisa. Eu tentar ter
voz sozinha, não vai ser igual a ter voz em uma comunidade ou em um grupo. O
grupo vai criar mais resistência, vai ser mais forte e vai chegar muito mais longe do
que se tivesse sozinha. Existir esse tipo de grupo de ajuda, ou de resolução, ou lá
está de empowering women, obviamente, vamos chegar muito mais longe. Sempre.
Eu acho” (Sílvia, 23 anos).

Como nessa fala acima, o fato de estarem unidas em grupo é um dos fatores que
fortalece as mulheres, por pertencerem a um grupo (Yalom, 2006), embora nem todas
reconheçam esta propriedade. Um ponto que é importante no grupo é fato da pessoa
ter outros exemplos de mulheres, que passam ou passaram por situações semelhantes.
Perceber que não se está sozinha encoraja e faz com que ela tenha força para seguir,
e tomar as atitudes que precisa. Poder ver e escutar histórias semelhantes e como elas

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foram resolvidas, é uma forma de também pensar nas alternativas que se tem. É como
se ampliasse o mundo de possibilidades.

“A força de resistência vai muito de nós percebermos que como não estamos
sozinhas há e obviamente estando com outras pessoas, cria novas amizades, redes
de apoio, não estamos a depender só de um terapeuta, só de uma pessoa, não,
sentir que estamos unidos numa luta, a lutar por uma causa, ajuda essa purificação
do nosso estado de espírito, e da nossa forma, se calhar, de encararar o problema,
ou seja, principalmente se atuarmos nas relações, acho que é importante isso”
(Regina, 23 anos).

“Eu acho que ajudam a mulher a não ter medo de dar um passo. Porque, às vezes,
se não houver essas partilhas, as mulheres têm …, ficam presas a situação e não
não avançam, não decidem a vida. A vida como devia de ser” (Mariana, 60 anos).

“Agora acredito que tem de haver mais encontros porque essas bases sólidas, de
nós ganharmos a confiança dos outros, é com a continuidade e acho que (pausa),
só com o tempo é que realmente as coisas podem. Mas também acho que,
entretanto, esses grupos podem gerar amizades. E essas amizades também podem
fortalecer algumas coisas faces a essas situações. (…) Sim, eu acho que isto são
sempre coisas que as pessoas ouvem e podem sempre ajudar mesmo a quem tem
receio de falar, até porque lhe possa custar aquilo que está a passar, etc., possa
ajudar em benefício de dizer não sou a única e isto tem solução e pode ajudar a
pensar de outra forma, sim” (Sandra, 54 anos).

“Ah isso sim, isso sim. Isso sim. A partilha do grupo dá para elas se sentirem muito
mais fortalecidas, sim. Porque cada uma delas, expõe as suas experiências,
havendo umas mais fracas que outras, às vezes as experiências de umas ajudam
a fortalecer as outras” (Amélia, 60 anos).

“A junção de todas as forças vai sempre mais longe do que a junção de uma só
pessoa, neste caso. Não quer dizer que eu não tenha força de vontade e não queira
mudar algo. Só acho que várias pessoas com a mesma força que eu vamos,
obviamente, mais longe. E lá está, sempre alinhadas. E com um mindset muito bem
definido e isso é que é importante sim, e a equipa digamos, não é equipa, mas
comunidade, sem dúvida” (Sílvia, 23 anos).

“Há um grupo assim de vinte que são aquelas pessoas que nós conhecemos muito
bem, e que vão sempre aos encontros. Que se não aparecerem a um ou dois
encontros nós ficamos preocupadas, vamos telefonar, ou seja, há ali um grupo
muito coeso já muito, de pessoas que se conhecem muito bem, e que acabam por
partilhar histórias de vidas. Ao partilhar histórias há sempre alguém que também
acaba por partilhar uma solução. (…) E isso acaba por acontecer, não por ser um

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grupo de tricô. Acontece porque é um grupo, e também acontece nas nossas
relações de trabalho, acontece com os nossos amigos, com quem nós vamos de
férias, não é por ser um grupo de tricô é por ser um grupo de pessoas” (Ayra, 48
anos).

A ressalva feita por essa entrevistada, que as partilhas de soluções acontecem


por se tratar de grupos de pessoas, e não necessariamente por ser um grupo de tricô,
é um ponto relevante. O tricô acaba por ser um interesse em comum que essas
mulheres partilham e, a partir dele, reúnem-se (Stannard & Sanders, 2014). A partir daí
surgem outros assuntos. Contudo, essa entrevistada ainda destaca que para tratar de
assuntos mais específicos é necessário que o tema seja introduzido por alguém, pois
dificilmente assuntos como violência doméstica surgirão espontaneamente no grupo,
mas que talvez seja mais fácil nas relações mais próximas, como explica nas falas a
seguir:

“É então, vejo como (pausa) como algum ceticismo, pois se os assuntos não forem
abordados no grupo, é preciso ter alguma alavanca que traga o assunto à
discussão. A não ser que haja um projeto paralelo que faça com que o grupo tenha
algum tipo de reflexão sobre o tema, nós não levamos para cima da mesa um tema
desses à discussão, está completamente fora de questão. Nós não vamos para um
grupo de tricô, hoje vamos falar sobre violência doméstica, não isso não acontece.
Se aliás eu tenho alguma dificuldade em acreditar que se fala em grupo, neste grupo
de tricô, que eu me lembre, nunca se começou no grupo, não quer dizer que depois
as pessoas, nas suas relações mais próximas. (…) Agora, se houvesse um evento,
uma estrutura governamental, lançasse uma campanha, o tricô vai salvar as
mulheres da violência doméstica, se calhar, e nos convidassem para participar do
projeto e nós fossemos fazer um evento relacionado com esse projeto, nós
trazíamos esse tema a discussão, mas isso nunca aconteceu. E lá está, se as
questões partirem de fora, de outras pessoas, isso acontece, porque nós já fizemos”
(Ayra, 48 anos).

Certamente, há assuntos que são mais fáceis de se conversar, pois não implicam
a exposição da vida íntima e nem da fragilidade que alguém possa estar passando.
Entretanto, a união do grupo pode vir a ser um fator de suporte (Stannard & Sanders,
2014) para que a pessoa possa contornar uma determinada situação e até a mudá-la
em definitivo. Mas a segurança nos membros precisa existir para que esta condição
aconteça. As partilhas são uma mais valia para ajudar a criar uma rede de proteção,
principalmente para as mulheres.

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Para finalizar a entrevista foi perguntado a todas as entrevistadas se fossem elas
a mandar, o que elas mudariam para que a mulher fosse mais empoderada, como
veremos a seguir.

3.3 O que precisa mudar para a mulher ser mais empoderada?

A última pergunta da entrevista teve o intuito de fazer uma pequena provocação,


para que elas pudessem refletir sobre as mudanças que consideram necessárias para
que a mulher possa ser mais empoderada. A maioria foi pega de surpresa e precisaram
de mais tempo para refletir na resposta, do que nas perguntas anteriores. Algumas das
respostas foram:

Eu mandava os homens todos pararem, para a mulher ir ao poder em todas as


empresas no mundo. Uma semana só de mulheres. Mas não porque quero tirar os
homens do poder, mas é mostrar que nós também somos capazes. Isto era muito
fixe. Ou melhor, até agora, isto era frio se fissesse uma coisa desta no mundo, era
muito frio. Era trocar as posições. Era muito frio. Mas acho que eles iam entender a
nossa, acho que era isso que eu fazia no mundo. Acho que era trocar, agora vocês
são mulheres e nós somos. Não, não, não. Vocês vão fazer o que as mulheres
fazem e nós vamos fazer o que os homens fazem. Que era também para sentir,
para eles sentirem o que nós passamos. (…) Acho que essa troca, às vezes, de
posição, não vou dizer é mulher passa todos os meus problemas, mas a troca da
posição acho que podíamos mudar muitas mentalidades, eu não esperava isso, ou
vocês recebem menos. Acho que isso também poderia ser eficaz. Eles se
começassem a receber menos, e é injusto. Porque nós recebemos menos?
Exatamente isso que a mulher, acontece com a mulher” (Sílvia, 23 anos).

“Abrir a sociedade mais às mulheres. Facilitando a vida no sentido de que as


mulheres pudessem fazer as mesmas coisas que os homens” (Sandra, 54 anos).

“Ter mais mulheres no Governo. Mais mulheres no Governo, a governar, mais


mulheres, mais mulheres que soubessem o que estão lá a fazer. Olhar pelas outras
mulheres, ver o que as outras mulheres precisam e poderiam fazer por elas. Não
era só chegar lá ao Governo e sentar-se lá e receber o (inaudível) ao fim do mês.
Era mesmo lutar pelos direitos das mulheres. Não quer dizer que fossem todas, mas
que devia ter mais, porque tem uma percentagem tão grande de homens e poucas
mulheres que sabem o que realmente o que as mulheres precisem. Embora haja
homens que entendem” (Mariana, 60 anos).

Outro ponto mencionado pelas entrevistadas foi a necessidade de apoiar a mulher


que tem filhos, que cuida de casa, demonstrando a necessidade de reconhecer a

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jornada dupla de trabalho que a mulher assume, e que o cuidado com a família, deveria
ser reconhecido como um trabalho, e não uma simples tarefa que a mulher realiza, como
lazer, por exemplo (Santos, 2019). Também a necessidade de adequar trabalhos
realizados por mulheres que possam combinar a vida profissional com a vida doméstica,
trazendo menos prejuízo para ambas as áreas na vida da mulher, como é visto abaixo:

“Deviam ser tão bem remuneradas como os homens. Deviam, uma vez que a
partilha das tarefas domésticas não é uma questão que tenha solução porque é uma
questão que está tão enraizada socialmente, que a mulher toma conta dos filhos e
da casa, que não vai nunca, nunca, nas próximas cem gerações, não vai acontecer
que os homens tenham o mesmo papel que a mulher, portanto, seria importante
que as mulheres fossem libertadas de horas de trabalho fora de casa para poderem
se dedicar a casa, porque basicamente, muitas mulheres acumulam, e isto não vai
mudar. Não há utopia possível relativamente a isto. Portanto, mais tempo para a
família, sem perda de rendimento. O mesmo, a mesma remuneração pelo mesmo
trabalho, e isso não acontece, a mulher e o homem não recebem a mesma coisa
pelos mesmo trabalho. Sei lá, não há mais nada assim que, eu acho que nós
vivemos numa sociedade, nós em Portugal, sociedade ocidental, não é, não estou
a falar de outros países, suficientemente livre para as mulheres terem a liberdade
de pensamento e da ação, que lhes permita tomar as mesmas decisões que os
homens. Eu achei que há uma grande desigualdade salarial e social para a mulher.
Se eu mandasse, eu mudava isso. Lá está, se eu pudesse trabalhar mais, eu não
quero trabalhar menos horas, eu quero é estar mais tempo em casa, portanto, se
puder trabalhar mais horas, mas também estar em casa, as mesmas horas estar
em casa, para mim é perfeito” (Ayra, 48 anos).

“Eu posso estar enganada, mas esta história do teletrabalho, vai permitir no futuro,
muito mais gente poder trabalhar de casa e coisa que alguns tempos atrás ninguém
pensaria nisso. E (inaudível) se calhar são negadas a mulheres por dificuldade
porque elas têm de estar em casa a cuidar, a tomar conta do filho quando ele está
doente, ou por isso ou por aquilo, possam levá-las a ser” (Sandra, 54 anos).

As entrevistadas alegam que uma forma de mudar essas formas desiguais de agir
com homens e mulheres é através da educação, com uma educação mais igualitária e
homogénea, sem a distinção de género (Vianna &Finco, 2009):

“Uma mudança na educação. Acho que é muita coisa que se pode mudar desde
cedo (pausa) que logo a partida quebra tabus e situações que elas carregam para
o resto da vida. Como, desde pequeno, dividir as tarefas por todos, fazer uma aula
de culinária para toda gente, ou por toda gente a tricotar, não haver esta divisão já
na escola. Se o rapaz gosta de pintar é porque é assim ou aquilo, se a rapariga tem

85
que saber fazer isto e o rapaz não. Acho que é educar, acho que é mais fácil
começar desde novo, como é óbvio, do que mudar a mentalidade de adultos, de
que toda a gente deve saber um bocadinho de tudo e que isto e o que nós queremos
ser e o que nós queremos fazer é totalmente desapegado do género. (…) É muito
importante moldar as próximas gerações e ajudar a ensinar as mais velhas que toda
a gente tem um lugar e que as nossas escolhas devem impactar isso, devem
melhorar” (Ana Neves, 22 anos).

“Eu acho que, obviamente, isso parte desde o início, desde a educação, ou seja,
não haver separação nem diferenças nas vertente educativa, não haver diferenças
no vestuário desde que se nasce, não haver cores associadas ao sexo, quer para
homem , quer para raparigas. Não haver brinquedos de géneros. Não haver, ou seja
havia de ter uma reeducação e uma reimplementação de todo sistema educacional,
educativo. Desde que nasce o ser humano. Porque nós não educamos homens e
mulheres, nós educamos seres, pessoas, e há uma diferença, porque há, não sejas
menino, tens que ser boa rapariga, como se à partida ela já fosse má, portanto há
expressões que se enraizam nas pessoas, formas de falar, brinquedos, na escola,
livros, de ler, histórias de rapaz, histórias de raparigas, portanto, há uma segregação
de género que é feita. Até quando a rapariga está, porque a primeira coisa que se
pergunta a alguém quando engravida é rapaz ou rapariga porque, com essa
resposta de género a pessoa já consegue deduzir, ou seja, se é rapaz ah porque
vai ser tal assim, se é rapariga ah porque... Como se isso definisse o que quer que
seja. Ou seja, tinha que haver todo... Isto é assim, peço imensa desculpa, mas essa
é uma questão para mim, que me irrita profundamente. Ou seja, tinha que haver um
desenraizamento de pensamentos, ou seja, tinha que haver uma lavagem cerebral
no mundo sobre essa questão. Porque é muito mais do que dizer, ah dava salários
justos e iguais, ah dava oportunidades de trabalhos iguais e oportunidades iguais
na faculdade. Ok. Mas não ia resolver. Isso ia alterar uma consequência e não ia ao
cerne da raíz do problema, portanto. Tinha que haver uma reeducação, uma
reestruturação do sistema, para igualmente ser igualitário. E eu acho que se fosse
eu a mandar eu acho que era isso que eu fazia” (Regina, 23 anos).

“Assim, acho que depende do sítio onde eu mandasse, porque acho que (risos). Cá
em Portugal temos muito menos desigualdades do que em outros sítios, não é?
Continuamos a tê-lo, mas há muitos outros sítios que realmente me preocupam
mais a nível de mulheres não terem direito a educação, não terem direito a voto,
não terem direito a muitas outras coisas que são urgentes a corrigir, mas cá acho
que, se calhar pela desigualdade salarial, por exemplo, o assédio e a violência claro
que não é uma coisa que se resolva se alguém mandar. Acho que é uma coisa que
está, que se deve resolver com educação, e é uma coisa que está enraizada na

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sociedade que vai demorar muito tempo para desaparecer, infelizmente. Mas acho
que não é assim com um clique que as coisas se resolvem, não é. (…) O que é que
eu mudaria na educação? Na educação, ou seja, na educação geral, não só na
educação das mulheres que eu acho que toda a gente, ou seja, desde pequenos
uma educação a nível de, por exemplo, eu vi uma questão há uns tempos, que eu
li num artigo, penso eu, que era a falta de educação sexual, por exemplo, depois
gerar confusões ao nível, ou seja, como é que os homens percecionam as mulheres
e dar origem a violência. (…) Mas se melhorássemos um bocadinho este tipo de
educação e enraizássemos valores que fosse um bocadinho mais corretos de
igualdade, de pronto, entre homem e mulher, entre sexos, acho que já
conseguíamos, pronto, mudar um bocadinho o pensamento das pessoas, desde
pequenos, não é? Acho que é mais fácil com educação chegar lá, acho que é isso”
(Laura, 22 anos).

Entretanto, apesar da mudança na educação e pela educação ser defendida por


algumas das entrevistadas, houve uma que acredita que mesmo com as mudanças na
educação, ensinando a menina ferramentas de como ela pode ser empoderada e
trabalhando isso na escola, o exemplo de casa, dos pais, vai sempre falar mais alto,
pois “em casa está a verdade”. A mesma acredita que apesar da educação recebida na
escola contribuir um pouco para a formação das pessoas, os verdadeiros valores
aprendidos, são aprendidos em casa:

“Um exemplo simples é tu podes estar na escola a dizer a uma, a dar ferramentas
a uma menina e a dizer-lhe como deve ser, o que é admissível e o que que não é
admissível, e ela pode estar em casa a ver o pai a bater na mãe. E aquilo que tu
dizes na escola, não prevalece. Não prevalece porque em casa está a verdade. A
minha mãe é que tem e o meu pai é que tem a verdade, nunca são os professores.
Portanto eu não acredito muito que esse tipo de ferramentas ajudasse. Se calhar
ajuda, (pausa) não eu acho que não. Eu acho que é muito difícil. As pessoas
formam-se um bocadinho assim com a educação, acima de tudo, com os valores
que lhes são transmitidos, mas acima de tudo formam-se com a vida. Eu acho”
(Diana, 43 anos).

Essa forma de pensar vai ao encontro de outras falas de outras entrevistadas que
acreditam que há a necessidade de mudar a mentalidade de toda uma sociedade, e não
só dos mais novos, mas também dos adultos (Santos, 2019). Esta entrevistada entende
que atuar com os mais novos talvez leve mais tempo, mas que talvez seja o mais
eficiente, como na fala a seguir:

“Tinha que haver um desenraizamento de pensamentos, ou seja, tinha que haver


uma lavagem cerebral no mundo sobre essa questão. (…) Tinha que haver uma

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reeducação, uma reestruturação do sistema, para igualmente ser igualitário. E eu
acho que se fosse eu a mandar eu acho que era isso que eu fazia. É reeducar
pessoas e para deixar de enxergar simplesmente porque é homem ou porque é
mulher tudo, coisas todas, quer na forma de vestir, quer na forma de, ou seja, era
uma questão muito mais complexa e (refletindo). E não ia ser nada fácil. E
obviamente, se isso desde pequeno fosse uma coisa feita, não ia haver problemas
salariais porque não ia haver distinção nenhuma. E não ia haver problemas de que
há x mulheres na política ou porque. Ia haver, agora ia abrir vinte vagas para
mulheres, mas isso não é justo, porque, numa faculdade ou num cargo, não deve
ter vinte vagas para mulheres, tem que se abrir vinte vagas e pronto. E as pessoas
entrarem por mérito. Seja homem, seja mulher. Até poderia vinte homens se
tivessem mais mérito. Ou seja, depois existem coisas e conceitos deturpados,
depois levam ao feminismo e as estas causas a não serem aceitas, porque as coisas
são feitas mal. As pessoas vão muito para os problemas (refletindo) ou seja, para a
ponta do iceberg e há tanto para baixo para ser desbravado e tanta reestruturação
que é precisa ser feita, que eu acho que o que eu faria era justamente começar por
baixo. E obviamente, começar por baixo ia demorar mais tempo, mas se calhar os
resultados iam ser muito benéficos, e portanto isso era o que eu faria. Não sei de
que forma, mas se tivesse apoio para isso, faria isso já” (Regina, 23 anos).

Com essas duas últimas falas pode-se refletir nas dificuldades de se mudar o
cenário de injustiças que a mulher vive, já que envolve uma mudança de mentalidade
em várias esferas da sociedade. Segundo o ponto de vista das entrevistadas, é fulcral
que haja uma revisão da posição do Governo, das políticas educacionais e da educação
nas próprias famílias. Como as entrevistadas colocaram, mesmo que as mudanças
sejam pequenas, é importante começar. Não é possível esperar uma mudança de
mentalidade, comportamentos e crenças da noite para o dia, mas é preciso começar a
plantar, para que, no futuro, essas sementes possam dar frutos e termos uma colheita
mais próspera e igualitária, com menos injustiças e preconceitos.

Diante tantas informações, fez-se importante elucidar o que até aqui foi
encontrado, com o diagrama abaixo que sintetiza as temáticas emergentes, assim como
as respetivas subcategorias.

88
89
A partir desses dados, voltamos a pergunta inicial: qual o papel do grupo, das
partilhas e das atividades expressivas na vida das mulheres, e como estes podem ser
considerados como educação comunitária, além de contribuir para o empoderamento
de cada um delas?

Buscando entender qual o papel que o grupo tem na vida de cada uma delas,
destacamos três pontos cruciais: o bem-estar, a educação comunitária e o
empoderamento.

A dimensão do bem-estar é evidente para todas as entrevistadas que afirmam e


reafirmam o quanto fazer o tricô as ajuda a melhorar de ânimo, a esquecer dos
problemas, a relaxar e a desacelerar. A dimensão da educação comunitária, embora
elas não utilizem esse termo, é percebida como importante uma vez que destacam as
partilhas e os ensinamentos mútuos existentes no grupo. Já na dimensão do
empoderamento houve algumas participantes que disseram que um grupo pode ser um
espaço para que uma mulher possa se fortalecer, mas a maioria não via o grupo de
tricô, em si mesmo, como esse tipo de lugar – pelo menos não era essa a sua
experiência. A partir dessa síntese inicial, faremos uma análise mais detalhada no
capítulo a seguir que explora os principais contributos desse estudo, e aponta pistas
para a investigação futura.

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Considerações Finais

Quando pensamos na imagem de alguém fazendo tricô, comumente associamos a uma


mulher de mais idade, com um par de agulhas na mão, a trabalhar numa trama, cujo fio
nasce de um novelo de lã, pousado dentro de uma bolsa ao lado de quem o transforma.
O tricô ainda é muito associado às mulheres, embora mais homens já estejam aderindo
a esta prática. Ao fazer uma revisão da literatura em ciências sociais e da educação,
encontram-se muitos artigos sobre o tricô no âmbito da produção têxtil, na moda, mas
sobre o processo de tricotar com as mãos há muito menos estudos, embora seja uma
arte milenar. É de registar, nos últimos quinze anos, um aumento de produção
académica sobre essa temática, mas ainda há relativamente poucos estudos (e.g.,
Ruland, 2010) principalmente no contexto português.

Com a finalidade de compreender as participantes do estudo, iniciamos o primeiro


capítulo fazendo uma breve contextualização histórica da figura da mulher, abordando
temas como o feminismo e elencando algumas das dificuldades que as mulheres
encontram nos dias de hoje. Como a proposta deste estudo é estudar as atividades
manuais, neste caso, o tricô, fez sentido explorar, ainda que sucintamente a sua origem,
algumas de suas técnicas e propriedades, além de falar de como essa arte vem sendo
transmitida, há muito tempo. No terceiro capítulo foi apresentada a metodologia utilizada
na investigação. Já no quarto capítulo, temos as vozes das participantes, relatando as
suas experiências e partilhando as suas perceções do tricô, em particular a partir da sua
participação nos grupos.

No que diz respeito às preocupações centrais da dissertação, o ponto de partida foi


explorar esses grupos de mulheres como espaços de partilha, de educação comunitária
e de empoderamento feminino. Assim, esta pesquisa permitiu ouvir as próprias
mulheres sobre qual o papel que o tricô possui nas suas vidas e o que as motiva a
reunir-se para realizar esta arte. Com a proposta de oferecer-lhes um espaço de escuta
reflexiva, usou-se a metodologia qualitativa através da realização de nove entrevistas
online semiestruturadas, com participantes na faixa etária entre os vinte e dois e os
sessenta anos, todas de nacionalidade portuguesa, que realizam diversas atividades
expressivas, sendo o tricô a atividade comum. Esse encontro virtual deu-se em um
momento muito particular que precisa ser levado em consideração, visto que as
respostas dadas pelas entrevistadas podem ter sido influenciadas pelas circunstâncias
atípicas que estavam vivendo. As entrevistas foram todas realizadas durante a
pandemia de COVID-19, no momento de confinamento em que houve uma série de
restrições e durante o qual a maioria das participantes encontrava-se dentro de casa,

91
sem estudar e sem trabalhar. Dessa maneira é de considerar que as participantes
estavam com mais tempo livre para fazerem o que quisessem do que antes da
pandemia, quando a vida corria o seu curso normal, com atividades profissionais e
pessoais e todos os seus afazeres cotidianos. Também vale a pena pensar que, por
estarem com contatos sociais muito restritos, na altura das entrevistas, os encontros de
grupo e as saídas de casa ganharam uma outra perspectiva, podendo vir a ser mais
valorizados do que em outros momentos.

Os dados deste estudo revelam que o tricô é uma técnica normalmente ensinada às
meninas por mulheres mais velhas, com quem têm uma relação próxima, geralmente
as avós e/ou mães, o que vai ao encontro do que apresentam Minahan e Cox (2010),
demonstrando que há uma transmissão intergeracional de conhecimentos, perpetuando
a tradição. É um momento em que as mulheres se reúnem para estarem juntas e
realizarem uma atividade ainda muito ligada ao sexo feminino, embora haja homens que
tricotem (McIntosh, 2011).

A maior inclusão do género masculino nos grupos de tricô foi, aliás, uma das
preocupações que emergiu nas falas de algumas entrevistadas, que questionam porque
os meninos e homens não tricotam. Uma das entrevistadas participa de um projeto no
qual mulheres tricotadeiras vão à escola ensinar às crianças tricô, e ela mesma já
ensinou vários meninos e homens a tricotarem, inclusive o seu filho. Embora a
entrevistada tenha três filhas, o seu filho é quem mais tricota. Apesar de ser apenas um
caso, e não podermos generalizar, é um dado que foge ao estigma de que o tricô é
“coisa de mulher”. Dessa forma há que perguntar qual o verdadeiro motivo pelo qual os
meninos/homens não praticam essa arte. Será falta de interesse, ou será mesmo falta
de incentivo, de ensinamento e/ou falta de permissão social de compreender que o tricô
pode ser “coisa de menino” também? (McIntosh, 2011; Rutt, 1987). Esse
questionamento vai ao encontro das falas das entrevistadas, nas quais defendem uma
educação mais igualitária entre meninos e meninas, sublinhando uma delas que é
preciso educar pessoas e não homens e mulheres, que é preciso mudar a mentalidade
e que isso começa pela base, pela educação das crianças.

Foi um consenso nesta pesquisa que o tricô promove bem-estar, sendo que todas as
entrevistadas relataram que usam o tricô como uma forma de relaxar, de terapia e de
distração dos afazeres do dia a dia, resultado também apresentado por Hemming
(2014). O fato das entrevistadas estarem dentro de casa, como foi mencionado,
contribuiu para que o tricotar tornar-se uma atividade importante para ajudar a passar o
tempo e controlar a ansiedade. Apenas uma entrevistada relatou que o ritmo vagaroso

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do tricô pode, em certos momentos, despertar a ansiedade dela, pois quer ver a peça
pronta rapidamente, mas tem feito o exercício de se focar no processo e não no
resultado final.

Um fator que chamou atenção foi que todas gostam de tricotar em grupo,
independentemente da idade, um dado que vai contra o estudo apresentado por
Hemming (2014). Destaque-se que ambos os estudos têm participantes de diferentes
faixas etárias, o que pode sugerir que o interesse pela participação nestes grupos possa
variar em função da cultura, sem embargo de um eventual impacto da pandemia que
acima antevíamos. Quando perguntadas sobre as vantagens de pertencer ao grupo de
tricô, as mulheres responderam que gostam de partilhar as técnicas e sugestões e que
é uma forma de convívio. Uma das participantes inclusive relata que participar do grupo
é interessante pois possibilita conhecer pessoas novas, de idades diversas e dá o
exemplo de uma amiga que, mesmo sem falar português, conseguiu participar do grupo
e trocar ideias, não só sobre o tricô, mas também sobre outros assuntos que surgiram.
Interessante como o tricô foi um fio condutor para unir essas pessoas, a princípio tão
diferentes, mas com um objetivo em conseguirem conviver, evidenciando que, para
haver unidade de grupo, basta ter um ponto em comum (Yalom, 2006). As mulheres que
já estão reformadas sublinharam que esperam ansiosamente os encontros, pois é uma
oportunidade de saírem de casa, de estarem com pessoas que partilham os mesmos
gostos, e de estarem fazendo uma atividade de que gostam.

Um outro aspeto que ficou evidente nas falas das participantes é que todas vêem os
grupos como sendo espaços cooperativos de aprendizagem. Quando têm alguma
dúvida sobre pontos, fios, receitas, sempre tem alguém no grupo que se disponibiliza
para ajudar. Essas falas evidenciam o grupo como um espaço de educação comunitária,
uma vez que elas o reconhecem como espaço de aprendizagem e ensino. Esse é um
grande motivador para várias delas continuarem a frequentar os grupos, além das
amizades que acabam por surgir e das confraternizações que fazem. Quatro das
entrevistadas participam de um evento em grupo no qual se reúnem para tricotar e
ensinar quem quiser participar. Neste evento, além do tricô e da boa conversa, segundo
o relato delas, há vinho e algum petisco para que o convívio seja pleno. Como três
entrevistadas são organizadoras do evento, elas explicaram que a ideia partiu do fato
delas mesmas, mais um amigo, reunirem-se em um café para tricotarem, beberem e
comerem; ademais haviam visto mulheres da própria família fazerem o mesmo. Essa
fala vai ao encontro do que Jocelyn Ahlers (2017) explica: normalmente, as celebrações
envolvem convívio em volta de uma mesa com comida, e porque não estar a realizar
uma prática, como o tricô, que envolve movimentos repetitivos e automáticos? É uma

93
forma de ocupar as mãos, que permite que a conversa flua e o tempo passe ainda mais
depressa. Ou seja, esta ideia parece uma “receita” de sucesso. Um detalhe bastante
significativo foi que nenhuma das entrevistadas relatou uma desvantagem em participar
do grupo de tricô, justificando que, se houvesse desvantagens, simplesmente deixariam
de ir.

Por estarmos falando de grupos com maior representatividade feminina, nos quais as
mulheres se apropriam de uma técnica milenar, sendo elas próprias as transmissoras
do conhecimento, de uma maneira totalmente empírica, falar sobre empoderamento
feminino fez todo sentido.

Alguns dados curiosos surgiram em relação a essa temática. Primeiro, em relação ao


conceito. As entrevistadas mais novas sabiam do que se tratava o termo
empoderamento, sendo capazes de dar verdadeiras aulas sobre o mesmo. Já as
entrevistadas de meia idade, duas delas também conheciam o termo e apenas uma não.
As duas entrevistadas de mais idade, não conheciam o termo. Foi explicado o conceito
de mulher empoderada para aquelas que disseram que não o conheciam. Depois da
explicação, apenas uma de mais idade disse que não sabia do que tratava. Um fato
curioso foi que, ao serem questionadas se elas conheciam alguma mulher empoderada,
duas entrevistadas de meia idade (inclusive a que não conhecia o termo) e uma das
mais velhas, responderam que elas próprias eram mulheres empoderadas. As demais
mencionaram outras mulheres, algumas até da mesma idade do que elas, mas elas
mesmas não se autoincluíram. O que parece estar em causa nesta diferença de
respostas é a maturidade proveniente da experiência de vida, que é adquirida com a
idade. As entrevistadas mais novas, mesmo dominando o conceito e desenvolvendo um
discurso muito eloquente sobre o feminismo, não se enxergaram como mulheres
empoderadas, o que faz pensar na ausência de uma autoapropriação de um conceito
que conhecem tão bem. Entendendo que o conceito de empoderamento é constituído
de diversas dimensões, quiçá a dimensão pessoal precise ser desenvolvida nas
mulheres mais novas.

O segundo aspecto ligado ao empoderamento feminino foi o fato de que metade das
entrevistas enxergam os grupos de tricô como uma possibilidade de empoderar
mulheres. As entrevistadas que possuem essa visão colocam que mesmo que o objetivo
do grupo não seja trabalhar questões emocionais e/ou psicológicas, entendem que, por
ser um grupo, um espaço de partilhas, podem contribuir para que mulheres se apropriem
das suas potencialidades, ao poderem compartilhar os seus conhecimentos e suas
experiências, por exemplo. Uma fala das participantes é sobre a força que tem o grupo,

94
expressando o quanto a união faz a força, o que remete a dimensão social que o
empoderamento contém.

Ainda assim, mesmo que o foco do grupo seja “apenas” o tricô, e para as participantes
não passe disso, o fato de mulheres estarem reunidas é um ato político (Arendt, 2005),
por elas se validarem umas às outras enquanto pessoas, respeitando o seu espaço e a
sua voz. Pode ser um considerado um espaço de resistência à medida em que elas se
fortalecem e se sustentam em um mundo em que o patriarcado ainda tem uma influência
muito grande e as mulheres ainda encontram muitas barreiras para conquistar o seu
lugar – mesmo se, há que admitir, esse papel possa vir a ser reforçado com o tempo e
a inclusão intencional de temas de conversa e experiências que politicizem esse estar
junto.

Finalmente, importa reconhecer que este estudo está longe de esgotar as possibilidades
de investigação nesta temática e fica o convite para que outras pesquisas possam ser
desenvolvidas entre agulhas, fios, pontos e laçadas, aumentando a receita e a
compreensão dessa arte tradicional e milenar que é o tricô.

95
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100
Apêndices

101
Termo de Consentimento Informado

Para a Regulação Ética da Investigação e a salvaguarda dos sujeitos nela


envolvidos, este Consentimento Informado apresenta-se como um documento
essencial e visa a formalizar a sua aceitação de participação no Projeto de
Investigação de Ana Beatriz Azevedo Farah, sob a orientação da Professora
Doutora Isabel Menezes, desenvolvido no âmbito do Mestrado em Ciências da
Educação da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade
Porto – FPCEUP, com o título provisório “ Mãos que (Re)Criam: Grupos de artes
manuais como contexto de educação comunitária e empoderamento de
mulheres.
Solicitamos, após a leitura deste termo e o esclarecimento de qualquer questão
sobre a investigação, a assinatura no final deste documento que representa a
sua aceitação de participação na investigação. O documento é duplicado para
que guarde um para si e o outro fique com a investigadora.

1. Informações sobre o projeto

Esta investigação preocupa-se com as perspetivas sobre o empoderamento de


mulheres através de um grupo de partilha e de realização de atividades
expressivas.

2. Voluntariedade, Confidencialidade e Privacidade

Cada sujeito terá o direito de não participar ou de se retirar do estudo, a qualquer


momento, sem qualquer prejuízo. Cada participante deve sentir-se livre para
participar e compartilhar experiências, ideias, sentimentos da forma que quiser.
As informações recolhidas serão unicamente para uso deste Projeto de
Investigação. Para a divulgação dos seus resultados, a investigadora
compromete-se com a não identificação dos(as) participantes e os nomes

102
dos(as) participantes serão substituídos por nomes fictícios, assim como não
será mencionado o nome específico do sítio onde a investigação ocorreu.

3. Acompanhamento e identificação dos pesquisadores

O projeto será desenvolvido por Ana Beatriz Azevedo Farah, que poderá ser
contactada em caso de qualquer dúvida ou circunstância pelo seguinte e-mail
abeatrizfarah@gmail.com. O projeto conta também com a orientação da
Professora Doutora Isabel Menezes, da Faculdade de Psicologia e Ciências da
Educação da Universidade Porto – FPCEUP, que pode ser contactada através
do e-mail: imenezes@fpce.up.pt.

Porto, ____ de ___________________ de 2020.

Assinatura da Participante

Assinatura da Investigadora de Mestrado

103
Guião de Entrevista Semiestruturada às mulheres que realizam artes
manuais em grupo.

Objetivo Geral da Entrevista:

Perceber qual o papel do grupo de partilha e a realização de artes manuais na vida das
mulheres, assim como no seu empoderamento pessoal.

Dimensões Objetivos Gerais Questões Orientadoras

Conhecer como começou a • Quando começou a fazer artes manuais?


realizar artes manuais, de Com quem aprendeu?
Realização de que tipo (com que materiais)
artes manuais com quem aprendeu, em • Teve alguma situação específica que lhe
que situação. levou a aprender a fazer artes manuais?

Entender o que a leva a • Qual o tipo de arte que costuma fazer?


realizar essa prática, o que Tem preferência por algum material?
sente e o que a motiva e
qual a frequência que • Qual a frequência que costuma realizar
costuma fazer. artes?

• As artes manuais é a sua forma de


sustento, ou é um passatempo?

• Quando está fazendo esse tipo de


trabalho, mexendo com os materiais,
como se sente durante o processo?

• Consegue perceber alguma diferença em


si (no seu humor, ânimo, sentimento)
antes de começar a fazer as artes
manuais, quando está a fazer e depois
que termina?

Perceber o porquê da • Há quanto tempo você participa de um


participação de um grupo. grupo que realiza atividades manuais?
Quais os tipos de atividades que
Entender como o grupo realizam?
Participação colabora na realização das
no grupo artes manuais e em outros • O que lhe levou a participar deste grupo,
aspectos da vida (caso seja e o que lhe motiva a continuar
o caso). frequentando-o?

Conhecer se há alguma • Participar do grupo colabora de alguma


desvantagem de participar maneira para a sua vida? Se sim, de que
de um grupo. forma?

104
• Como você se sente quando está no
grupo?

• Há alguma diferença entre realizar


atividades manuais sozinha ou em grupo?
Se sim, quais? Qual deles você prefere?
Por que?

• Há alguma desvantagem de participar do


grupo? Se sim, qual? Ou quais?

Perceber como fazer parte • Quais os tipos de partilhas que


Empoderamento de um grupo pode contribuir acontecem no grupo, de maneira geral?
de mulheres para mulheres ganharem
consciência de seus • Essas trocas ajudam-na de alguma
problemas e injustiças maneira? Se sim como?
sociais.
• Quando fala-se em injustiças sociais e
Entender como a partilha de problemas enfrentados pelas mulheres na
experiências entre mulheres sociedade, o que lhe vem a mente?
pode ou não ajudar na
resistência às injustiças • Qual a sua opinião sobre esses grupos de
sociais e como. mulheres como forma resistência de
desses problemas que mencionou?

• Acredita que partilhar experiências,


dificuldades e soluções encontradas pode
contribuir para mulheres sentirem-se mais
fortalecidas? Se sim, de que maneira?

• Quando escuta o termo empoderamento


feminino, a que ele lhe remete?

• Consegue citar uma mulher empoderada


que conheça? Por qual motivo escolheu-
a?

• Na sua opinião, o que falta para as


mulheres, se é que falta algo, para que
elas possam ser mais empoderadas?

• Para terminar a entrevista, gostaria de


fazer algum comentário sobre a sua visão
da mulher, hoje em dia?

105

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