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TÚNEIS

PRÁTICAS DE PROJETO E Instituto Brasileiro do Concreto

EXECUÇÃO DE TÚNEIS, MEDIDAS Ano XLVII

DE SEGURANÇA CONTRA INCÊNDIO, 97 JAN-MAR


2020
PESQUISA E DESENVOLVIMENTO ISSN 1809-7197
www.ibracon.org.br

DE CONCRETOS RESISTENTES
AO FOGO

ENTIDADES DA CADEIA MANTENEDOR PERSONALIDADE ENTREVISTADA

ESTUDO NACIONAL PROJETO STUTTGART 21: TARCÍSIO CELESTINO: MAIS


DE CONCRETO DE INOVAÇÃO EM CONSTRUÇÃO INVESTIGAÇÕES GEOTÉCNICAS
IDADES AVANÇADAS DE TÚNEIS E EQUIPES TREINADAS PARA
CONSTRUÇÃO DE TÚNEIS
EMPRESAS E ENTIDADES LÍDERES DO SETOR DA CONSTRUÇÃO CIVIL
ASSOCIADAS AO IBRACON

Adições
Aditivos

Recuperação
Estrutural

Armadura

Equipamentos

Ensino, Pesquisa
e Extensão

Escritórios
Escola Politécnica - USP
de Projetos

UNIP
JUNTE-SE A ELAS
Associe-se ao IBRACON em defesa e valorização
da Arquitetura e Engenharia do Brasil !

Pré-fabricados

Controle
Tecnológico
Construtoras

Concreto
Fôrmas

Cimento
POLIMIX
Governo
u sumário

seções
TÚNEIS 5 Editorial TÚNEIS

PRÁTICAS DE PROJETO E REVISTA OFICIALPRÁTICAS DE PROJETOPRESIDENTE


DO IBRACON E DO COMITÊ
6 Coluna Institucional
Instituto Brasileiro do Concreto Instituto Brasileiro do Concreto

EXECUÇÃO DE TÚNEIS, MEDIDAS EXECUÇÃO DE TÚNEIS,EDITORIAL


MEDIDAS
Revista de caráter científico, tecnoló-
Ano XLVII Ano XLVII

DE SEGURANÇA CONTRA INCÊNDIO, 97 DE SEGURANÇA CONTRA INCÊNDIO, 97


2020
JAN-MAR
gico e informativo para o setor produ- à Ercio Thomaz 2020 JAN-MAR

PESQUISA E DESENVOLVIMENTO ISSN 1809-7197


www.ibracon.org.br 7 Converse com o IBRACON PESQUISA E DESENVOLVIMENTO
tivo da construção civil, para o ensino
ISSN 1809-7197
www.ibracon.org.br

DE CONCRETOS RESISTENTES DE CONCRETOS RESISTENTES


e para a pesquisa COMITÊ EDITORIAL – MEMBROS
AO FOGO AO em
FOGO concreto.
8 Encontros e Notícias à Alessandra Lorenzetti de Castro
(ensino)
ISSN 1809-7197
CRÉDITOS 10 Personalidade Entrevistada: Tiragem desta edição:
à Alio Kimura

CAPA 5.000 exemplares


(informática no projeto estrutural)
à Arnaldo Forti Battagin
Túnel de interligação Tarcísio Celestino Publicação trimestral distribuida
da Torre Mata Atlântica
(cimento e sustentabilidade)
gratuitamente aos associados à Bernardo Tutikian
com o setor Parking 52 Entidades da Cadeia (tecnologia do concreto)
da Cidade Matarazzo.
JORNALISTA RESPONSÁVEL à Cláudio Vicente Mitidieri Filho
ENTIDADES DA CADEIA MANTENEDOR PERSONALIDADE ENTREVISTADA 78 Mantenedor à Fábio Luís Pedroso - MTB 41.728
ENTIDADES DA CADEIA
(qualidade e desempenho)
MANTENEDOR PERSONALIDADE ENTREVISTADA

Crédito da imagem: ESTUDO NACIONAL


DE CONCRETO DE
PROJETO STUTTGART 21:
INOVAÇÃO EM CONSTRUÇÃO
TARCÍSIO CELESTINO: MAIS
INVESTIGAÇÕES GEOTÉCNICAS
ESTUDO NACIONAL
DE CONCRETO DE
PROJETO STUTTGART 21:
à Eduardo Barros Millen
INOVAÇÃO EM CONSTRUÇÃO
TARCÍSIO CELESTINO: MAIS
INVESTIGAÇÕES GEOTÉCNICAS
IDADES AVANÇADAS DE TÚNEIS E EQUIPES TREINADAS PARA
fabio@ibracon.org.br
IDADES AVANÇADAS DE TÚNEIS E EQUIPES TREINADAS PARA

Maffei Engenharia CONSTRUÇÃO DE TÚNEIS


108 Acontece nas Regionais (pré-moldados)
CONSTRUÇÃO DE TÚNEIS

à Emílio Minoru Takagi


PUBLICIDADE E PROMOÇÃO
(aditivos e adições)
à Arlene Regnier de Lima Ferreira
à Evandro Duarte
arlene@ibracon.org.br
(concreto protendido)
à Fabiana Lopes Oliveira
PROJETO GRÁFICO E DTP (arquitetura)
à Gill Pereira à Frederico Falconi
gill@ellementto-arte.com (fundações)
à Guilherme Parsekian

ASSINATURA E ATENDIMENTO (alvenaria estrutural)


office@ibracon.org.br à Hugo Rodrigues
INSPEÇÃO E MANUTENÇÃO (cimento e comunicação)
à Inês Laranjeira da Silva Battagin

23
GRÁFICA
Segurança contra incêndio em túneis Duograph
(normalização técnica)
à Íria Lícia Oliva Doniak
Preço: R$ 12,00
(industrialização)
à Jorge Batlouni Neto
As ideias emitidas pelos entre- (sistemas construtivos)
OBRAS EMBLEMÁTICAS vistados ou em artigos assinados à Mauricio Linn Bianchi
são de responsabilidade de seus (sistemas construtivos)

35
autores e não expressam, neces- à Oswaldo Cascudo Matos
Túnel de interligação da Torre Mata Atlântica sariamente, a opinião do Instituto. (durabilidade)
com o setor Parking da Cidade Matarazzo à Ricardo Leopoldo e Silva França

© Copyright 2020 IBRACON (projeto de estruturas)


à Selmo Kuperman

45 Túnel Paulo Autran Todos os direitos de reprodução (barragens)


reservados. Esta revista e suas
partes não podem ser reproduzidas
nem copiadas, em nenhuma forma
IBRACON
Av. Queiroz Filho, 1.700,
sala 407/408, Torre D,
ESTRUTURAS EM DETALHES de impressão mecânica, eletrônica,
ou qualquer outra, sem o consen-
Villa Lobos Offi ce Park
05319-000 – Vila Hamburguesa,

61
timento por escrito dos autores São Paulo – SP
Controle tecnológico de concreto projetado e editores. Tel. (11) 3735-0202
com fibras nos túneis da UHE Chaglla, no Peru

70 Concreto projetado para impermeabilização por


cristalização de túneis
Instituto Brasileiro do Concreto

INSTITUTO BRASILEIRO DIRETOR DE PUBLICAÇÕES


PESQUISA E DESENVOLVIMENTO DO CONCRETO
Fundado em 1972
Guilherme Parsekian

82
Declarado de Utilidade Pública
Avaliação da resistência ao fogo do concreto para Estadual – Lei 2538 de 11/11/1980
DIRETOR DE EVENTOS
Rafael Timerman
revestimento de túneis Declarado de Utilidade Pública Federal
– Decreto 86871 de 25/01/1982
DIRETOR TÉCNICO

88
DIRETOR PRESIDENTE
Incêndios em túneis construídos com concreto Paulo Helene
José Tadeu Balbo

reforçado com fibras com função estrutural DIRETOR DE RELAÇÕES


DIRETOR 1º VICE-PRESIDENTE
INSTITUCIONAIS
Julio Timerman

95
Cesar Henrique Daher
Desenvolvimento de concreto geopolimérico DIRETOR 2º VICE-PRESIDENTE
projetado para proteção contra incêndio Enio José Pazini Figueiredo DIRETOR DE CURSOS
Leandro Moura Trautwein
DIRETOR 1º SECRETÁRIO

101
Cláudio Sbrighi Neto
Influência da projeção no processo de hidratação DIRETORA DE ATIVIDADES
de misturas cimentícias contendo aceleradores DIRETOR 2º SECRETÁRIO ESTUDANTIS
Jéssica Andrade Dantas
Carlos José Massucato

DIRETOR 1º TESOUREIRO DIRETOR DE CERTIFICAÇÃO


Julio Timerman DE PESSOAL
Adriano Damasio Soterio
DIRETOR 2º TESOUREIRO
Hugo Armelin
DIRETOR DE PESQUISA
DIRETORA DE MARKETING E DESENVOLVIMENTO
Jéssika Pacheco Bernardo Tutikian

4 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


u editorial

Concreto: ciência, tecnologia,


desenvolvimento e qualidade
de vida
Caro leitor,

H
á 48 anos, nascia, em 1972, o Instituto Brasileiro do tamente, a engenharia e a
Concreto – IBRACON, que, na ocasião, promoveu um medicina como as áreas
evento no Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT, que deveriam receber maior
com o objetivo de discutir a boa engenharia de con- atenção no financiamento
creto contrabalançando os descaminhos da época: o de bolsas da Capes. Soa contraditória a notícia veiculada pelos
acidente grave da Ponte Rio-Niterói, que ceifou a vida de engenhei- órgãos de imprensa desta semana mostrando que os cursos de
ros do próprio IPT; o colapso parcial do elevado Paulo de Frontin e pós-graduação mais atingidos por corte de bolsas em 2019 foram,
o trágico desabamento do centro de convenções da Gameleira, em justamente, a engenharia e a medicina, ao lado da educação.
Belo Horizonte, para citar apenas os mais expressivos. Em todo o país, foram canceladas 7.590 bolsas para financiar
Era um período de grande progresso no país, muitas constru- pesquisas de pós-graduandos, num universo de 84.600 pes-
ções emblemáticas, obras habitacionais e de infraestrutura em quisadores. Cursos de Mestrado e Doutorado em engenharia
profusão, mas ficou evidente a falta de engenheiros bem pre- perderam 959 bolsas, o maior volume, seguidos pela educação,
parados. A pesquisa científica experimental nas universidades com 241 cortes, e medicina, com 232.
estava no início e havia necessidade de criar um espaço salutar Essas medidas podem acarretar a redução de trabalhos científicos
de discussão técnica e científica. no Congresso Brasileiro do Concreto e certamente não contribuem
Os visionários fundadores do IBRACON logo perceberam a im- para o desenvolvimento necessário do país. Não há progresso e
portância de oferecer oportunidades aos pesquisadores e enge- melhoria da qualidade de vida sem engenharia. Cabe ao Instituto
nheiros de publicar e discutir em alto nível seus trabalhos, pes- manter os seus nobres ideais e missão de criar, divulgar, capacitar e
quisas e ideias. Hoje o congresso anual recebe, analisa, revisa e defender o conhecimento e o desenvolvimento do setor.
discute mais de 800 artigos provenientes do meio técnico e de Tanto no início do Instituto quanto até hoje, o IBRACON tem
cerca de 130 centros de pesquisa em concreto no país. viabilizado, com qualidade e prestígio, a divulgação da pro-
A pesquisa científica visa entender e explicar o comportamento dução técnica e acadêmica de excelência, constituindo-se no
dos materiais e das estruturas, visa questionar o conhecimento maior fórum de conhecimento científico e tecnológico do país
atual, duvidar das “verdades” tradicionais e propor novos e inédi- em engenharia de concreto.
tos caminhos. A ciência aplicada gera tecnologias e, por meio da Nos últimos anos tem recebido várias contribuições nacionais e
engenharia, buscam-se soluções para problemas do dia a dia, até estrangeiras, de pesquisadores relevantes, dedicando esta
como a construção de qualidade e métodos construtivos baliza- edição da CONCRETO & Construções ao importante tema dos
dos por limites toleráveis de falhas, consensuados socialmente. túneis, solução de engenharia que permite a transposição de
Como consequência, o desenvolvimento precisa não apenas de cidades densamente povoadas, com menor intervenção local
muitos “cientistas” questionando o existente e já conhecido, mas possível, favorecendo a mobilidade urbana nas grandes metró-
também dos “tecnologistas e engenheiros” que transformem es- poles. Cabe registrar que, nesta edição, rende-se também jus-
ses questionamentos em processos e métodos exequíveis em ta homenagem aos especialistas brasileiros, que reconhecidos
favor da excelência, da qualidade e da economia. O Instituto tem internacionalmente, já foram alçados ao cargo de Presidentes
cumprido com maestria esse papel fundamental de unir a cadeia da ITA (International Tunneling Association), demonstrando a alta
produtiva do concreto com a academia, em uma sinergia positi- capacitação brasileira no tema.
va e interação profícua, em benefício do setor. A nova Diretoria do IBRACON, recém-empossada, abraçou jo-
Se, por um lado, a atual conjuntura econômica desfavorável vens voluntários dispostos a doar seu tempo, seu conhecimen-
do país, com poucas construções e baixo investimento em to, sua liderança e seu prestígio em prol da boa, sustentável e
infraestrutura, emprega poucos engenheiros; por outro, ofere- durável engenharia de concreto que todos almejamos.
ce a oportunidade para que se intensifiquem as pesquisas, os Aproveite e venha também fazer parte desta Comunidade!
questionamentos e o aprendizado no setor, em busca de novas Junte-se ao maior grupo formador de opinião em concreto
tecnologias que permitam à categoria se capacitar e responder no país!
bem às demandas, que certamente virão no futuro.
Em abril de 2019, o governo federal se manifestou sobre a impor- PROF. PAULO HELENE
tância da engenharia e, na ocasião, o Presidente declarou, corre- Diretor Presidente | gestão 2019-2021

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 5


u coluna institucional

Novidades do 62º Congresso


Brasileiro do Concreto

E
s tamos nos prepa- desenvolvimento do país. E certa-
rando para o nosso mente estamos no caminho!
grande evento anual, Este ano teremos uma grande novi-
o Congresso Brasileiro dade: os 50 melhores artigos serão
do Concreto, este ano selecionados para compor um cader-
na sua 62º edição, em Florianópolis. no especial com ISSN específico e
A organização de um evento com a DOI individual para os trabalhos. Para
previsão de mais de 1200 congres- quem não é da área acadêmica, o DOI
sistas, diversas empresas exposito- é um número único, que faz com que
ras, vários eventos internos e atra- a difusão de tal artigo seja mundial e
ções únicas é um grande desafio com maior acesso por pesquisadores
para toda a atual diretoria do IBRA- de todas as partes do globo. É um
CON e de parceiros nesta tarefa. grande avanço científico.
E o pilar central, com maior respon- Ainda, os melhores artigos serão
sabilidade estrutural, é, sem dúvi- selecionados para apresentação
da, a parte científica do evento. É a oral e por pôsteres, compondo as
oportunidade de grandes pesquisa- plenárias para discussão durante os
dores e empresas mostrarem seu trabalho e levarem as 4 dias de evento, entre 1 e 4 de setembro. É uma gran-
novidades para um fórum extremamente qualificado para de oportunidade para os congressistas aprenderem algo
discutir, concordar, discordar e chegar em inovações para novo, consolidarem informação já obtida, discordarem,
o setor. Cada vez mais, são necessários trabalhos técni- concordarem, enfim, ajudar a elevar o nível técnico-cientí-
co-científicos que impacte a indústria da construção, que fico de determinados trabalhos. Além disso, este ano terá
gerem valor para a sociedade, que tragam inovações para a 3º edição do concurso “O Artigo do Ano”, valorizando
o nosso setor. todas as regiões do país.
E o IBRACON cumpre seu papel, através do recebimento de Por fim, agradeço aos mais de 4000 autores dos cerca de
artigos de todo país e exterior. Ano após ano, o Congresso 900 artigos que receberemos, aos mais de 300 integrantes
Brasileiro do Concreto vem batendo recorde de publicação de da comissão científica e aos cerca de 120 autores que com-
artigos, e tenho certeza que este ano não será diferente! Re- porão as mais de 20 seções científicas e seminários. Para
cebemos 1867 resumos e, neste momento, estamos em pro- mim, é uma grande honra coordenar este processo, junto
cesso de recebimento e avaliação científica dos artigos. Este com os colegas professores Roberto Christ, Fernanda Pa-
número consolida o Congresso Brasileiro do Concreto como checo e Hinoel Zamis.
o maior evento técnico-científico da área da América Latina! Venha participar do 62º Congresso Brasileiro do Concre-
Montamos uma comissão científica com mais de 300 in- to, venha com sede de saber, e como dizia a psicanalista
tegrantes dos melhores profissionais do país, pois o de- Melanie Klein, “Quem come do fruto do conhecimento é
safio é grande: avaliar cerca de 900 artigos em 3 meses, sempre expulso de algum paraíso”. E como é bom ser expul-
de forma rigorosa, porém construtiva. São profissionais so de alguns paraísos...
que doam suas horas para benefício de toda a cadeia do Até o 62º CBC, nos vemos lá!
concreto, para dar visibilidade a nossas universidades,
trazer conhecimento das empresas e atualizar os profis- PROF. BERNARDO TUTIKIAN
sionais. Queremos produzir projetos e obras em concreto Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento
melhores, para impactar a vida das pessoas e ajudar o gestão 2019-2021

6 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


u converse com o IBRACON

ENVIE SUA PERGUNTA PARA O E-MAIL: fabio@ibracon.org.br

PERGUNTAS TÉCNICAS fibras para controle da retração plásti-


ca, ou as estruturais – as macrofibras
Quais os concretos e fibras mais adequa- poliméricas e as de aço – empregadas
dos para execução de pisos industriais? para conferir tenacidade ao concreto. As
macrofibras poliméricas podem ser en-
Essa é uma pergunta bastante ampla, contradas em diversos modelos, marcas
mas vamos focar nos principais pontos e tipos de polímeros, devem ser álcali-
para a definição do que é um concre- -resistentes, para resistir ao meio básico
to adequado para o piso industrial, que do concreto. Já as fibras de aço mais co-
pode apresentar uma variada gama de muns são as de ancoragem nas extremi-
aplicações desde, por exemplo, aviários dades, podendo ser coladas – de mistura
a fábricas de aeronaves. O primeiro pon- mais fácil no concreto – ou soltas. A fun-
to a ser destacado é que eles diferem ção das fibras estruturais é permitir a for-
dos concretos estruturais em algumas mação de um material compósito, com
e se maior que 52%, pode levar à
características importantes, como teor matriz de ruptura frágil (concreto) e refor-
delaminação superficial;
de argamassa, ar incorporado, exsu- ço dúctil; portanto, as fibras devem ser
2. Ar incorporado inferior a 3%: caso
dação, retração, resistência à abrasão, necessariamente dúcteis, fazendo com
seja mais elevado, o risco da de-
resistência à tração na flexão, etc. Por- que o concreto reforçado com fibras seja
laminação superficial aumenta
tanto, um concreto de fck de 30 MPa dúctil, isto é, capaz de absorver energia,
consideravelmente;
para aplicação em estruturas pode di- mesmo após o rompimento da matriz. A
3. Exsudação menor que 4%: para a
ferir substancialmente de um concreto característica emprestada pelas fibras, a
aplicação de aspersões cimentícias,
de mesma resistência para aplicação tenacidade, irá variar em função do tipo,
é importante que haja uma pequena
em pisos industriais, sendo a não dife- fator de forma e volume empregado das
exsudação para permitir a hidrata-
renciação um engano bastante comum fibras. Como regra geral, as macrofibras
ção do cimento que as compõe; va-
praticado na fase orçamentária das poliméricas fornecem menores tenaci-
lores maiores poderão interferir na
obras. Independente da sua aplicação, dades do que as de aço, mas o uso de
resistência à abrasão;
o concreto para pisos industriais deve uma ou de outra é uma questão de cri-
4. Retração por secagem inferior a 500
apresentar as seguintes características: tério de projeto. O que temos observado
µm/m: para reduzir o empenamento
1. Teor de argamassa (relação entre as na prática é que é possível obter pisos
da placa e permitir juntas com me-
massas secas de cimento + agre- de excelentes desempenhos tanto com
nores aberturas;
gado miúdo e cimento + agregados as macrofibras poliméricas, como as de
5. Resistências mecânicas: fck superior
totais) entre 49% e 52%: essa é uma aço, desde que o projeto leve em con-
a 30 MPa, para aplicações mais co-
exigência ligada ao acabamento do sideração as particularidades e limitação
muns, ou superior quando as solicita-
pisos; caso esse teor seja menor que elas podem apresentar.
ções abrasivas forem mais exigentes;
que 49%, o acabamento superficial
resistência à tração na flexão mínima
pode apresentar agregados graú- PÚBLIO PENNA FIRME RODRIGUES – DIRETOR DA
usual é de 4,2 MPa, mas dependen-
dos muito próximos da superfície; LPE ENGENHARIA E CONSULTORIA
do dos agregados graúdos, que in-
terferem bastante nessa propriedade,
aceitam-se valores menores.
Algumas aplicações podem exigir ca-
racterísticas distintas, como resistência
aos sulfatos ou outros ataques químicos,
que devem ser analisados caso a caso.
Quanto às fibras, que podem ser micro-

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 7


u encontros e notícias | EVENTOS

Paulo Monteiro é eleito para a NAE


O Prof. Paulo Monteiro, que recebeu o
título de sócio-honorário do IBRA-
CON em 2019, foi eleito para a National
identificar profissionais que tiveram gran-
de impacto teórico ou prático no campo.
Em seguida, os Comitês da NAE selecio-
bro, durante a reunião anual da NAE,
em Washington.
Paulo Monteiro intenciona integrar pro-
Academy of Engineering (NAE), seção da nam os finalistas até o final do ano. Em jeto de estudo sobre materiais de cons-
National Academies of Sciences, Engine- janeiro, os membros da NAE votam nos trução mais sustentáveis. “Esses projetos
ering and Medicine, cujos relatórios têm finalistas, sendo os resultados anuncia- podem influenciar as agências estadu-
profundo impacto nas políticas de gover- dos em fevereiro. ais e federais a terem uma atitude mais
no dos Estados Unidos. “A eleição para a NAE é a maior honra pró-ativa”, justificou.
Paulo Monteiro é professor titular do De- profissional dada a um enge-
partamento de Engenharia Civil da Uni- nheiro nos Estados Unidos.
versidade da Califórnia, em Berkeley, nos É uma oportunidade única
Estados Unidos, onde tem se dedicado para participar de comitês
aos estudos da microestrutura do con- compostos por talentosos
creto em escala nanométrica, ensaios profissionais, para resolver
especiais de tomografia, durabilidade do problemas de grande rele-
concreto e comportamento estrutural. vância técnica e social”, de-
O processo de nominação de um novo clarou Paulo Monteiro sobre
membro da NAE se inicia em maio com sua eleição.
uma investigação ampla de todas as áre- A cerimônia de posse
as da engenharia, com a finalidade de ocorrerá em 4 de outu-

u Excelência em EDUCAÇÃO CONTINUADA – Programa MasterPEC “Master em Produção de Estruturas de Concreto” | Calendário de Cursos 2020

Curso Instrutores Data Local Inscrição Patrocinador Créditos


Curso Preparatório: Inspetor I – Inspeção de
Estruturas de Concreto Segundo Enio Pazini 23, 24 e 25 de abril Salvador IDD IBRACON 28
a ABNT NBR 16230:2013
Curso Preparatório: Inspetor I – Inspeção de
30 e 31 de julho,
Estruturas de Concreto Segundo Enio Pazini Brasília – Goiânia IDD IBRACON 28
1 de agosto
a ABNT NBR 16230:2013
Curso Preparatório: Inspetor I – Inspeção de
24, 25 e 26 de
Estruturas de Concreto Segundo Enio Pazini São Paulo IDD IBRACON 28
setembro
a ABNT NBR 16230:2013
IDD & PhD
Patologia das Estruturas de
Paulo Helene 29 e 30 de maio Belo Horizonte IDD (Sócios 15
Concreto – Mitos e Verdades
Coletivos)
IDD & PhD
Esclarecendo Reparos de Reabilitações 31 de julho e
Jéssika Pacheco Belo Horizonte IDD (Sócios 15
em Estruturas de Concreto 1 de agosto
Coletivos)
IDD & PhD
Reforços de Estruturas de
Douglas Couto 18 e 19 de setembro Belo Horizonte IDD (Sócios 15
Concreto – Soluções Inovadoras
Coletivos)
IDD & PhD
Execução de Estruturas de
Carlos Britez 20 e 21 de novembro Belo Horizonte IDD (Sócios 15
Concreto – Engenhosidades e Soluções
Coletivos)
IDD & PhD
Estruturas de Concreto em Situação de Incêndio Carlos Britez 2 e 3 de outubro Curitiba IDD (Sócios 15
Coletivos)
IDD & PhD
Estruturas de Concreto em Situação de Incêndio Carlos Britez 26 a 28 de outubro São Paulo IDD (Sócios 15
Coletivos)
8 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020
Instituto Brasileiro do Concreto
Organização técnico-cientí ca nacional de defesa
e valorização da engenharia civil

Fundado em 1972, seu objetivo é promover e divulgar conhecimento sobre a tecnologia do concreto e de
seus sistemas construtivos para a cadeia produtiva do concreto, por meio de publicações técnicas, eventos
técnico-cientí cos, cursos de atualização pro ssional, certi cação de pessoal, reuniões técnicas e premiações.

Associe-se ao IBRACON! Mantenha-se atualizado!

à Receba gratuitamente as quatro edições anuais à Descontos nos eventos promovidos e apoiados
da revista CONCRETO & Construções pelo IBRACON, inclusive o Congresso
Brasileiro do Concreto
à Tenha descontos de até 50% nas publicações
técnicas do IBRACON e de até 20% nas à Oportunidade de participar de Comitês Técnicos,
publicações do American Concrete Institute intercambiando conhecimentos e fazendo valer
(ACI) suas opiniões técnicas

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CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 9


u personalidade entrevistada

Tarcísio Barreto
Celestino
G
raduado em
Engenharia Civil
pela Escola
Politécnica da
Universidade de
São Paulo (1972),
com mestrado (1978) e doutorado
(1981) em Engenharia Civil pela
Universidade da Califórnia, Berkeley.

Atualmente é professor da Escola


de Engenharia de São Carlos
da Universidade de São Paulo
e gerente de engenharia civil da
empresa Themag Engenharia, onde é
responsável técnico por vários projetos
geotécnicos de usinas hidrelétricas,
metrôs, rodovias, entre outras.

Foi Presidente da ITA – International


Tunnelling and Underground Space
Association de 2016 a 2019,
ocupando atualmente posição no
seu Conselho Executivo. Foi Vice-
Presidente da ISRM – International
Society for Rock Mechanics.

É consultor, entre outras agências de fomento, do Conselho de Pesquisa da Noruega. Entre outras atribuições profissionais,
é membro da junta de consultores da Andra – Agência do Governo Francês para disposição de rejeitos nucleares, para o
Projeto Cigéo de estocagem subterrânea de resíduos nucleares em Meuse/Haute-Marne.

Foi Professor convidado dos Programas de Mestrado em Obras Subterrâneas do IHE-Delft, Holanda e da École
Polytechnique Fédérale de Lausanne, Suíça.

IBRACON – Como você explica sua T. B. C. – A escolha por engenharia eu sonhava em fazer engenharia
opção pelo curso de engenharia civil na civil na Escola Politécnica da USP mecânica no Instituto Tecnológico de
Escola Politécnica da USP em 1968? (POLI) não foi tão direta. Na realidade, Aeronáutica (ITA), tendo passado no

10 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


seu vestibular. Naquela época, meus que gostaria de ter sido engenheiro surpreso de ter trabalhado, nos três
dois irmãos no ITA aconselharam- mecânico. Sempre guardei este primeiros anos de minha carreira,
me a fazer a POLI. Na faculdade, interesse pela mecânica. A mecânica nos projetos das hidrelétricas de Ilha
encantei-me por engenharia elétrica, dos solos e a mecânica das rochas, Solteira, Água Vermelha, Tucuruí,
optando pelo curso. Mas, durante no fundo, trazem a marca desse Porto Primavera, Paulo Afonso 4
as férias de fim do primeiro ano, sabor. Foi com muita satisfação e Itaipu, entre outras. Lembro-me
considerando minha vontade e a de que, no final no quarto ano, recebi de ter participado de reuniões com
meus pais de retornar ao Ceará após um convite para fazer um estágio consultores, como Arthur Casagrande,
terminar o curso em São Paulo, achei na Themag, uma grande empresa Victor Mello, Manuel Rocha, entre
que seria mais viável fazer engenharia envolvida nos projetos de algumas das outros, o que muito contribuiu para
civil. No início do segundo ano, por maiores hidrelétricas do país naquele meu desenvolvimento profissional.
um processo não muito retilíneo, tempo. Outro fato marcante é que fiz Entre esses projetos, cito um que
consegui fazer minha transferência a disciplina de Mecânica dos Solos não era o mais grandioso (o mais
para a engenharia civil. Acho que foi com Milton Vargas e a de Fundações grandioso era Itaipu), mas que marcou
muito acertada. e Obras de Terra com Victor Mello. O minha vida e minha carreira: o projeto
Victor Mello era um grande professor, de Paulo Afonso 4. Originalmente
IBRACON – Por que, logo após se mas tenho a impressão de que, para uma empresa estrangeira propôs um
formar, em 1972, você foi trabalhar na a nossa turma, para a qual ele deu projeto de uma caverna subterrânea
Themag como engenheiro da área aula pela primeira vez na Poli, ele se de 32 metros de vão de escavação
de geotecnia? esmerou ainda mais. Ele foi brilhante. para a casa de força, que seria
T. B. C. – As razões para ter escolhido Tanto assim que vários colegas meus escavada de uma só vez, sem suporte
geotecnia dentro da engenharia se tornaram alguns dos geotécnicos primário, com revestimento final
civil foram muito fortes. Eu já disse mais importantes de minha geração - construído com um arco de concreto
eu me excluo disso! fortemente armado de 1,8m de
espessura. Ainda havia uma viga de
IBRACON – Quais ponte rolante. Esse projeto mostrou-
foram os maiores se inviável e, na época, a Eletrobras
desafios, como interviu na Chesf (Companhia
engenheiro geotécnico, Hidrelétrica do São Francisco),
nos projetos em que substituindo a empresa estrangeira
participou na Themag? pela Themag Engenharia. No projeto
T. B. C. – Os desafios da Themag, o arco de concreto
foram muitos porque fortemente armado foi reduzido para
me formei na época um arco de concreto projetado de 15
em que o Brasil cm, além dos tirantes, para sustentar
construía obras um maciço fraturado de classe 3.
importantes de sua Aquela obra me marcou em razão do
infraestrutura. Quando conceito de engenharia por trás do
Eng. Tarcísio Celestino palestrando
no 2018 Chinese Congress on Tunnels olho para trás, fico projeto para sua viabilização.


ESSA OBRA [PAULO AFONSO 4] DEU UM RUMO


NA MINHA CARREIRA A RESPEITO DE COMO
VIABILIZAR CERTAS OBRAS SUBTERRÂNEAS
COM O USO DO CONCRETO PROJETADO

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 11



NA PRIMEIRA METADE DA DÉCADA DE 1970, NÃO HAVIA, COMO HOJE,


DISPONIBILIDADE DE SOFTWARES COMERCIAIS, MAS APENAS PROGRAMAS
BÁSICOS A PARTIR DOS QUAIS ERAM DESENVOLVIDOS MODELOS
NUMÉRICOS PARA ATENDER ÀS SOLICITAÇÕES DOS CONSULTORES

O cronograma foi adiantado e a obra a instabilidade da frente. Não chegou T. B. C. – Já disse como foram
foi inaugurada antes do previsto, a haver uma ruptura do tipo day-light importantes os professores Milton
com economia de concreto e de collapse , mas houve recalques que
3
Vargas e Victor Mello na minha
escavação. Essa obra deu um rumo danificaram as residências sobre o escolha por geotecnia. Meu contato
na minha carreira a respeito de como túnel. Havia voltado recentemente com eles continuou durante minha
viabilizar certas obras subterrâneas da Universidade da Califórnia, nos vida profissional, pois o Prof. Milton
com o uso do concreto projetado. Estados Unidos, quando o problema Vargas era um dos donos e diretores
Não tive participação nas grandes aconteceu, uma situação bem da Themag e o Prof. Victor Mello foi
decisões de mudança do método desagradável para o Metrô de São consultor em várias obras projetadas
construtivo de Paulo Afonso 4. Paulo. Fui me envolvendo na obra, pela empresa.
Tiveram a ver com isso o Murillo Ruiz, tornando-me o responsável pelo Além deles, duas pessoas com
Leonardo Redaelli, Giacomo Re e o projeto de sua continuação. Com quem trabalhei na Themag foram os
consultor Don Deere. Mas, eu era tratamento adequado do solo, o responsáveis por eu ter enveredado
um jovem engenheiro, responsável problema da instabilidade da frente para a área da mecânica das
pelos modelos matemáticos, que me foi resolvido e um segundo túnel do rochas: o Murillo Ruiz e o Giacomo
encantei com a solução. projeto foi concluído, com sucesso e Re. Infelizmente, na POLI em
Um projeto no qual tive economia. Este pequeno túnel com minha graduação eu nunca ouvi
responsabilidade foi a construção grande densidade de problemas e falar de mecânica das rochas.
do primeiro túnel em NATM (New soluções contou com uma equipe Hoje, sei que a POLI resolveu essa
Austrian Tunnelling Method ) no 1
maravilhosa e competente, não só deficiência, pois já fui convidado
final de 1981 para o Metrô de São na parte de geotecnia, mas também para dar algumas aulas lá em parte
Paulo. Era um projeto da Themag, na parte de tecnologia do concreto, de um curso regular. Na Escola de
com participação de uma empresa como o Eng. Selmo Kuperman, tendo Engenharia de São Carlos, onde dou
austríaca, a Geoconsult. O projeto sido um grande desafio e um marco aulas, há no curso de graduação a
previa que a argila orgânica seria na minha vida profissional. Foi uma disciplina de mecânica das rochas.
tratada com rebaixamento do nível época muito rica! Havia, na época, Devo citar também o consultor Manuel
d’água, com eletrosmose2, que uma postura muito aberta do Metro Rocha que também me influenciou
funcionou nos primeiros 15 metros. de São Paulo para inovações e para muito a estudar mecânica das rochas.
Em razão da argila conter muitas participação da engenharia. Paulo Sérgio Diniz Custódio me
lentes de areia, com a drenagem, o ensinou e desenvolveu meu gosto
problema de estabilidade da frente IBRACON – Quais e como os velhos pelos métodos numéricos. Na primeira
foi revolvido. Mas, a partir dos 15 “papas” da Geotecnica, da Themag, metade da década de 1970, não
metros, a eletrosmose não funcionou Hidroservice, Poli, IPT etc., marcaram havia, como hoje, disponibilidade de
e a argila de baixa resistência causou sua carreira? softwares comerciais, mas apenas

O nome NATM tinha como objetivo distingui-lo da antiga abordagem de encapsulamento austríaca. A diferença fundamental entre esse novo método de tunelamento, em oposição aos
1

métodos anteriores, deriva das vantagens econômicas disponibilizadas ao se tirar vantagem da resistência inerente disponível no maciço circundante para estabilizar o túnel (Wikipédia);

Eletrosmose: método de acelerar a percolação de água em solos pelo acoplamento de uma corrente elétrica;
2

Colapso que resulta que a luz do sol chega ao túnel.


3

12 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


elementos finitos Unidos, numa universidade entre as
para atender às cinco melhores do mundo, com o
necessidades por maior número de professores com
análises não lineares, prêmios Nobel do país.
elemento-junta, análise
evolutiva, etc. Nada IBRACON – Por que decidiu dar aulas
disso existia como de geotecnia e mecânica das rochas na

software comercial, graduação, e projeto e construção de

mas era desenvolvido túneis, na pós-graduação da Escola


com estudos. Lia na de Engenharia de São Carlos, a partir
época o Journal of the de 1989?
Geothenical Division of T. B. C. – Tinha uma carta de
ASCE, notando que a intenção da POLI, assinada por seu
maioria de seus artigos então diretor, Prof. Martins, para
Túnel duplo do Metrô de São Paulo, primeiro construído
pelo método NATM para transporte metropolitano vinha de Berkeley. minha contratação caso obtivesse
no estado Professores como o doutorado na Universidade da
Goodman, Duncan, Califórnia, em Berkeley. Era interessante
programas básicos, como o SAP4 da Seed, Mitchell, Clough, Wilson economicamente para a POLI contratar
Universidade da Califórnia, a partir dos eram de lá. Queria ser aluno desses uma pessoa com título de doutorado
quais eram desenvolvidos modelos professores e fui para Berkeley. Tive no assunto de seu interesse, como
numéricos para atender às solicitações uma bolsa da FAPESP, que viabilizou mecânica das rochas. Por essa razão,
feitas pelos consultores. minha ida. tive a bolsa da FAPESP. Quando
Essas pessoas foram essenciais para Com relação às diferenças entre as voltei, o departamento da POLI pediu
o rumo que minha carreira tomou. universidades brasileiras e norte- para eu aguardar a vaga. Nesse meio
americanas, meu aprendizado na tempo, a Escola de Engenharia de São
IBRACON – Você fez seu doutorado na graduação na POLI foi de primeira Carlos me chamou, em 1985, para
Universidade da Califórnia, em Berkeley, linha, porque não tive dificuldade em vaga de período integral. Não aceitei,
nos anos 1980. Por que a escolha de acompanhar as aulas em Berkeley. porque tinha interesse em continuar
uma universidade estrangeira? Quais Quanto à pesquisa, a diferença na Themag, participando de projetos
diferenças havia entre o ensino e era grande. Até aquele momento multidisciplinares de desenvolvimento,
pesquisa nas universidades brasileiras ninguém havia ainda obtido o como o de softwares, com equipes de
e norte-americanas? mestrado na Poli. A pós-graduação geotécnicos, projetistas de estruturas,
T. B. C. – A escolha pela Universidade no Brasil estava engatinhando. Já, o tecnologistas de concreto. Não era
da Califórnia em Berkeley foi simples. departamento de engenharia civil em um trabalho rotineiro e achei que
Como mencionei, na Themag Berkeley, além de consolidado, era não valeria a pena trocá-lo por um
desenvolvíamos softwares de na época o número um nos Estados trabalho de período integral. Em 1989,

Structural Analysis Program: um dos primeiros códigos gerais de elementos finitos desenvolvido pelo Prof. E.L. Wilson, Universidade da Califórnia, Berkeley
4


ACHEI O CONVITE [DA ESCOLA DE ENGENHARIA DE


SÃO CARLOS] IRRECUSÁVEL, EM RAZÃO DA PRENSA
SERVOCONTROLADA PARA MECÂNICA DAS ROCHAS
SER ÚNICA NO BRASIL NA ÉPOCA

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 13



COSTUMO DIZER, NAS MINHAS AULAS NA GRADUAÇÃO, QUE


A ROCHA ERA TRATADA EM OUTRAS DISCIPLINAS COMO UMA
HACHURA, ‘INDESLOCÁVEL’, IMPERMEÁVEL, INDEFORMÁVEL. NO
ENTANTO, NA REALIDADE, A ROCHA É TUDO MENOS ISSO

a Escola de Engenharia de São Carlos tudo menos isso!


recebeu aporte financeiro do Plano de Quantos acidentes
Apoio ao Desenvolvimento Científico presenciamos porque
e Tecnológico para melhorar o seu a rocha rompeu, não
laboratório de mecânica de rochas e o solo. Portanto,
comprou uma prensa servocontrolada. seu estudo é
A vaga do Prof. Alfredo Bjornberg, importantíssimo.
recém-aposentado, foi transformada Numa mesa-
em tempo parcial. Achei o convite redonda na ABGE
irrecusável, em razão da prensa (Associação Brasileira
servocontrolada para mecânica das de Geologia da
rochas ser única no Brasil na época. Engenharia) disseram
Abriram um concurso para aquela vaga recentemente que o
e fui aprovado. Mesmo em Berkeley ensino de Geologia
Prof. Roy Carlson assinando a tese de doutorado do
não havia uma prensa dessas no de Engenharia nos Eng. Tarcísio Celestino
laboratório de rochas. Por isso, com cursos de Geologia
a possibilidade de fazer pesquisa em tem sido preterido. O Prof. Lázaro
alto nível, apesar de eu ter que viajar Zuquette escreveu um artigo sobre
três horas e meia de São Paulo até São isso. Isto é uma deficiência. Eu diria
Carlos, aceitei a vaga. que o sucesso de grande parte das
obras no Brasil foi devido ao fluxo fácil
IBRACON – Qual sua avaliação da de conversas entre geólogos
ênfase dada à geotecnia e à mecânica e engenheiros.
das rochas nos cursos de graduação Gostaria de render uma homenagem
em engenharia civil? A metodologia de aos meus alunos da Escola de
ensino é adequada aos alunos atuais? Engenharia de São Carlos, que
T. B. C. – Em primeiro lugar, o ensino ganharam, neste ano, o Rock Bowl,
de graduação em mecânica dos concurso realizado no Congresso
solos no Brasil é, em geral, de boa Internacional de Mecânica de Rochas,
qualidade. Em segundo lugar, são no qual competem alunos de pós-
poucas as escolas que oferecem a graduação de várias universidades
disciplina de mecânica das rochas estrangeiras. Foi proposto pelo Prof.
na graduação, o que é uma grande Sérgio Fontoura, da PUC do Rio de
deficiência. Costumo dizer, nas minhas Janeiro, que importou a ideia do Petrol
aulas na graduação, que a rocha Bowl da Sociedade de Engenheiros de
era tratada em outras disciplinas Petróleo. Vencer o concurso mostra que
como uma hachura, ‘indeslocável’, as condições de contorno do nosso
impermeável, indeformável. No ensino não deixam a desejar a outras Prensa servocontrolada do laboratório
de mecânica de rochas da Escola de
entanto, na realidade, a rocha é universidades de renome internacional. Engenharia de São Carlos

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IBRACON – Quais os acidentes contratações do governo mesmo após medidas mitigadoras na construção
geotécnicos e geológicos mais graves tantas catástrofes. subterrânea. Fundamentalmente não
que ocorreram em nosso país nas É cedo para se falar de lições técnicas se pode comprar engenharia como se
últimas décadas? Em cada caso, quais as aprendidas com os acidentes com compra graxa ou prego.
lições deixadas? barragens de rejeito. Por outro lado,
T. B. C. – Os acidentes mais recentes acertadamente já existe a decisão de IBRACON – Porque com tanta
e mais tristes são Brumadinho, não se construirem mais barragens tecnologia disponível, principalmente

Barragem de Fundão e Estação pelo método de alteamento por na prospecção de solos e no

Pinheiros do Metrô de São Paulo. montante, o que é um aprendizado. monitoramento de recalques, ainda

Nesse aspecto, o Brasil tem se No caso na Estação Pinheiros do existe uma infinidade de pequenos

destacado negativamente pelo número Metrô de São Paulo, aprendemos a acidentes na construção de túneis

de acidentes de barragens. Apesar respeito da rapidez na interpretação de urbanos, incomodando proprietários e

da capacidade demonstrada de instrumentação e na implementação usuários de edifícios e casas (só para

se construir a maior hidrelétrica do de medidas mitigadoras. Em 2006, exemplificar, na Consolação, um edifício


mundo e tantas grandes barragens o International Tunnelling Insurance junto à estação saiu de prumo, teve de

notáveis no cenário mundial, como é Group (ITIG) e a Associação ser evacuado e reforçado)?

que acidentes com barragens vieram Internacional de Túneis (ITA) T. B. C. – Sou da opinião de que nós,
a ser tão frequentes? Aqui existe uma produziram um código de práticas a engenheiros geotécnicos, investigamos
grande lição a ser aprendida. Quando respeito de procedimentos a serem muito pouco, em comparação, por
as barragens eram construídas por adotados especificamente em obras exemplo, com os tecnologistas de
entidades como a CESP (Companhia subterrâneas, porque o número de concreto. O concreto é um material
Energética de São Paulo) e Furnas, acidentes naquela época estava industrializado, especificado em
entre outras, dotadas de um corpo elevado no mundo e as empresas seus ingredientes, com processo
técnico que sabia os procedimentos de seguro tendiam a não segurar de produção sistematizado, com
de como contratar um projeto, como serviços para obras subterrâneas. coeficientes de variação de resistência
exigir qualidade na construção, como Isto traria prejuízo para esse grupo de cerca de 15%. Ainda assim, por
contratar uma empreiteira qualificada, de empresas seguradoras, para a norma, um certo volume, dependendo
esses acidentes não aconteciam com indústria de construção subterrânea do tipo de obra, é retirado da betoneira
tanta frequência. Quando passaram e para a população. Assim, esse para o ensaio de sua resistência final.
a ser construídas por investidores, a código é um bom exemplo de como Compare com um túnel urbano, onde
qualidade do projeto e da execução solucionar problemas com obras entre 1 e 2 metros de sondagem são
passou a ser encarada com a mesma subterrâneas, adotando-se práticas realizados, por metro de túnel, nos
importância da qualidade dos insumos, corretas em todas as etapas, desde maciços rochosos, que, por serem
graxa e cimento, ou seja, pelo preço. o empreendedor da obra, passando naturais, têm variabilidade muito maior
A prática do contrato do projeto por pelo projetista, até o construtor, para do que o concreto, com coeficientes
leilão é abominável e ilegal, de acordo diminuir o número de acidentes. A de variação de resistência que podem
com Sindicato das Empresas de própria ITA produziu na época um chegar a 300%! Nós, engenheiros
Projeto de Engenharia e Arquitetura artigo importante sobre análise de geotécnicos, nos contentamos
(Sinaenco), mas permanece nas risco e os benefícios da adoção de em descrever uma amostra, nem


SOU DA OPINIÃO DE QUE NÓS, ENGENHEIROS


GEOTÉCNICOS, INVESTIGAMOS MUITO POUCO,
EM COMPARAÇÃO, POR EXEMPLO, COM OS
TECNOLOGISTAS DE CONCRETO

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 15



NÓS, ENGENHEIROS GEOTÉCNICOS, NOS CONTENTAMOS EM


DESCREVER UMA AMOSTRA, NEM SEQUER ENSAIÁ-LA, QUE
REPRESENTA UM DÉCIMO DE MILÉSIMO DO VOLUME QUE OS
ENGENHEIROS DE CONCRETO EXIGEM QUE SEJA ENSAIADO

sequer ensaiá-la, que representa um dos deslocamentos provocados IBRACON – O que você acha do
décimo de milésimo do volume que pela escavação subterrânea. Como sistema de contratação de obras

os engenheiros de concreto exigem eu disse, precisamos de mais de túnel tipo “porteira fechada”,


que seja ensaiado. Os maciços de investigação para ter previsibilidades responsável, coincidentemente, por

solos e os maciços de rocha têm uma mais confiáveis. É claro que algumas grandes acidentes no Brasil?
variabilidade muito grande para um situações exigem soluções a serem T. B. C. – Uma comissão estabelecida
número tão pequeno de ensaios que dadas às edificações antes das obras dos anos 70 nos Estados Unidos,
fazemos, quando fazemos! Trabalhei subterrâneas passarem, como reforços capitaneada pela National Science
muitos anos no Metrô de São Paulo de fundação, reforços estruturais e Foundation, da qual participaram
sem ter sido feito um ensaio triaxial, medidas corretivas a posteriori, do tipo proprietários de obras, construtores,
contentando-me apenas com a de injeção de compensação. consultores e professores de obras
descrição da sondagem SPT5. Nós, subterrâneas descobriu que o
engenheiros geotécnicos, temos que IBRACON – Qual é a explicação que tinha de errado com elas era
ser muito mais exigentes! Precisamos para certos túneis urbanos, como exatamente a porteira fechada. Meu
investir mais em ensaios. Tantas os da Av. Rebouças e do Vale do professor de túneis na época, Tor
publicações mostram a relação entre Anhangabaú, assim como os túneis da Brekke, participou dessa comissão
custo de investigação e custo da obra, Rodovia dos Imigrantes, apresentarem e trouxe muitas informações a esse
e como isso se traduz em benefícios, constantemente, na seca e na chuva, respeito para seus alunos. Na década
em razão de uma previsibilidade tantas infiltrações, que molham as pistas de 1990, quando se pensou em
melhor do custo de obra. Mas essa e colocam em risco seus usuários? implantar a porteira fechada no Brasil,
ideia é muito difícil de ser vendida aos T. B. C. – São problemas que escrevi um artigo mostrando que,
empreendedores. Visitei o outro dia um decorrem da falta de impermeabilização longe de ser a solução, essa forma
túnel em outro país, com mais de 10 dos túneis. A companhia do Metrô de de contratação traria mais problemas.
km de extensão, licitado com apenas São Paulo passou a adotar técnicas Como trouxe! A Companhia do Metrô
cinco sondagens. Compram um TBM específicas de impermeabilização de de São Paulo a adotou na Linha 4,
para escavar solo, mas deram de cara seus túneis e estações em meados da mas não a adotou mais, porque o
com rocha! Isso é inconcebível que década passada. Outros tipos de obra resultado não foi positivo. Fui tutor
ocorra no século XXI, mas é fato! ainda não adotam essas técnicas, mas do grupo de trabalho de práticas
deveriam adotar, como membranas contratuais da ITA, que produziu,
IBRACON – O que poderia ser feito em de PVC entre concretos primário e junto com a FIDIC - Federação
relação às edificações existentes na secundário, ou uma solução do tipo de Internacional de Engenheiros
proximidade do eixo da construção do uma membrana spray entre concreto Consultores, o ‘Livro Esmeralda’ sobre
túnel, antes de sua construção, para projetado primário e secundário. Em contratação de obras subterrâneas.
minimizar seus efeitos sobre elas? muitos outros países essas soluções No fundo, o sucesso de contrato de
T. B. C. – Na maioria das vezes de impermeabilização já são muito mais obras subterrâneas passa longe dos
os problemas não estão nas utilizadas, mas devem ser utilizados conceitos leoninos de um contrato de
edificações, mas na imprevisibilidade aqui também. porteira fechada.

5
Sondagem a percussão com ensaio de penetração (Standard Penetration Test)

16 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


IBRACON – O que você acha do estão aí! É lamentável que equipes hidráulico da barragem de Porto
desmonte das equipes técnicas do técnicas, como as da CESP, com a Primavera, cujo projeto se baseou
Estado, comprometendo seu poder de qual trabalhei no passado, de Furnas e na experiência dos russos, que
discernimento e controle, e reduzindo de outras empresas não existam mais. continuaram fazendo por muito
sua capacidade de contratar, gerir e Na ausência dessas equipes, o Estado tempo esse tipo de obra, mesmo
controlar obras? contrata pelo menor preço, por leilão, após o acidente por liquefação da
T. B. C. – É lamentável esse desmonte! um projeto de engenharia, o que é um barragem de Fort Peck, que fez o
Como fomos, durante tantas décadas, absurdo! A Suíça jamais contrataria o Ocidente abandonar esse método
capazes de construir barragens entre túnel São Gotardo por leilão, porque construtivo. Enfim, a palestra mostrou
as maiores do mundo, como Ilha os suíços têm juízo! que o Brasil estava na crista da onda
Solteira e Tucuruí, Itaipu, mas, a partir do estado da arte da construção de
dos anos 90, quando principalmente o IBRACON – Como geotécnico e barragens nos anos 70. Fomos da
setor privado passou a construir obras cidadão como você avalia os acidentes crista da onda do estado da arte nos
de barragens, o número de acidentes de Mariana e Brumadinho? anos 70 para um acidente de tão
aumentou brutalmente? Porque T. B. C. – Como cidadãos nos grandes proporções, como Fundão
as gestoras de empreendimentos, sentimos de luto pela morte de tanta e, infelizmente, alguns anos depois,
associadas aos investidores, não gente e pelo dano ambiental tão sério. Brumadinho. Eu não teria como
tinham equipes técnicas para gerenciar Como geotécnico me sinto frustrado. comentar como geotécnico, pois não
um projeto, para conduzi-lo para que Assisti há 3 anos ao Congresso tenho conhecimento suficiente desses
tivesse qualidade. Isso é marcante! Panamericano de Mecânica dos acidentes. Prefiro olhar para frente e
Tudo isso porque, como já disse, a Solos, em Buenos Aires, no qual mostrar o quanto precisamos investir
mentalidade passou a ser contratar Luis Valenzuela, que apresentou a em engenharia de boa qualidade,
o projeto pelo menor preço. Hoje o principal conferênica do congresso em procedimentos cada vez mais
projeto de engenharia custa 1% da e que trabalhou no
obra, mas o ideal é que custasse Brasil nas décadas de
de 3% a 5% do valor da obra. A 1970 e 1980, trouxe
engenharia do túnel São Gotardo, o caso do desmonte
na Suíça, custou 10% do valor da a fogo da ombreira
obra, sendo 7% para projeto de da barragem de
engenharia e 3% para engenharia de Guarapiranga, um
gerenciamento durante a obra. Estive aterro hidráulico
envolvido em projetos de obras no construído no início
Brasil que custaram 0,5% do valor do século XX. Foram
da obra. Isso porque, não havendo feitos estudos de
equipes técnicas para contratar liquefação, que
projetos, prevalece, infelizmente, essa desaconselharam o
mentalidade do quanto mais barato, uso de explosivos.
melhor. Ao contrário, em projeto, Trouxe também
quanto mais barato, pior! Os exemplos o caso do aterro Túnel São Gotardo, na Suíça, em sua fase de construção


HOJE O PROJETO DE


ENGENHARIA CUSTA 1% DA OBRA,
MAS O IDEAL É QUE CUSTASSE
DE 3% A 5% DO VALOR DA OBRA

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FOMOS DA CRISTA DA ONDA DO ESTADO DA ARTE


NOS ANOS 70 PARA UM ACIDENTE DE TÃO GRANDES
PROPORÇÕES, COMO FUNDÃO E, INFELIZMENTE,
ALGUNS ANOS DEPOIS, BRUMADINHO

rigorosos de contratação. Isto porque entravam no mérito de entender o IBRACON – Você foi presidente do
a engenharia afeta a população e comportamento do maciço, o que Comitê Brasileiro de Túneis (CBT), da
pode afetar de maneira drástica, como o maciço precisava em termos de Associação Brasileira de Geologia de
vimos nesses acidentes. Contratações uma resposta rápida do material. Engenharia (ABGE) e da International
não podem ser feitas com critérios Numa palestra sobre a reologia do Tunnelling and Underground Space
inaceitáveis de preço mínimo. Não concreto projetado a pequenas Association (ITA). Qual sua perspectiva
conheço os detalhes de contratação idades, nos anos 90, assistida por da atuação das associações técnicas na

de Mariana e Fundão, mas me Dick Robbins, na época dono da sociedade? As associações nacionais
refiro a situações que conheço de Robbins Company, fabricante de TBM, têm desempenho similar ao de suas

concessionários contratarem obras de mostrei como o concreto projetado congêneres internacionais?

maneira totalmente inaceitável, mesmo interage com o maciço, tendo, no T. B. C. – A ligação da ITA com a ONU
após esses acidentes. início, de ser maleável, para deixar o (Organização das Nações Unidas) é
maciço se deformar, o que possibilita muito estreita e vem de longa data,
IBRACON – Em sua extensa experiência a reacomodação das tensões e a e se intensificou na presidência do
profissional, como você avalia a relação diminuição da demanda por resistência Harvey Parker. A ONU tem parte
entre geotécnicos, projetistas de estrutural. Após a palestra, Dick me de sua organização voltada para
estruturas e tecnologistas de concreto? fez um convite honroso para que o aspecto do desenvolvimento
T. B. C. – Em muitas áreas da desenvolvêssemos um anel de TBM urbano sustentável no mundo. A
engenharia, o grande profissional é que reproduzisse essas propriedades ITA busca mostrar para a ONU que
aquele que rompe fronteiras, que do concreto projetado. Confesso que desenvolvimento urbano sustentável
domina duas áreas e consegue andei pensando sobre o assunto. No passa pelo uso do espaço do
trazer os inputs de uma para a outra. entanto, anos depois, vemos o uso do subterrâneo. No dia 15 de fevereiro
Exemplifico com o professor Péricles concreto projetado em túneis escavados passado, aconteceu, na sede da
Brasiliense Fusco, exímio engenheiro por TBM, o que foi um grande avanço. ITA em Genebra, um workshop com
estrutural, muito bom tecnologista Visitei, há poucos meses, o túnel a ONU para tratar desse assunto.
de concreto. Lembro-me que, em Brenner, entre Itália e Áustria – esses Durante o período em que eu fui
suas aulas, ele conseguia tão bem túneis alpinos têm profundidades da presidente da ITA conseguimos
juntar os dois assuntos. Quando ordem de 1000 metros e passam uma aproximação com o Banco
pensamos em túneis, a fronteira entre por situações de tensões elevadas e Mundial, para mostrar a importância
o geotécnico e o tecnologista do ‘squeezing’ muito pronunciadas. Em sua do treinamento de equipes que
concreto projetado não deveria existir. frente de escavação no lado austríaco, o trabalham em obras de infraestrutura
O ideal seria um profissional sozinho TBM estava encalacrado. Vi o concreto financiadas pelo ele. A ideia de minha
fazendo as duas coisas, eliminando projetado deformado, sofrendo, mas gestão na ITA era nos aproximarmos
a interface de conhecimento. Mas, o firme! Que anel pré-moldado teria de todas as agências que financiam
nível de conhecimento exigido hoje capacidade de estar naquela posição? obras de infraestrutura para mostrar a
em cada área impede um profissional Difícil! Esses são exemplos de necessidade de que os profissionais
do tipo Leonardo da Vinci. Volto a como as fronteiras devem ser cada encarregados pelo projeto e
mencionar as excelentes experiências vez menos rígidas entre essas três construção dos empreendimentos
que eu vivi com tecnologistas que categorias de profissionais. financiados por elas tivessem boa

18 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


formação em túneis. Durante a fazermos um esforço para publicarmos T. B. C. – Os métodos construtivos
presidência do André Assis na ITA, mais, pois isso engrandece o meio e de túneis evoluíram muito nas
ele criou a ITACET Foundation, para as pessoas. últimas duas décadas. De um lado
viabilizar treinamento em países em – os métodos convencionais, entre
desenvolvimento, como a Nigéria, IBRACON – A que você credita os quais o NATM, denominação
que terá a terceira maior população o fato de o Brasil, apesar de controvertida, pois a ITA não utiliza
mundial daqui a 30 anos e precisará projetar e executar poucos túneis o termo por se referir a um país – e
de tudo em termos de infraestrutura. comparativamente ao restante do de outro, os métodos mecanizados,
A presidente atual da ITA, Jenny mundo, China em particular, seja tão com máquinas do tipo TBM, evoluíram
Yan, neste espírito, busca uma respeitado tecnicamente na comunidade muito. Ambos têm lançado mão das
aproximação com o banco asiático de internacional, a ponto de ter tido dois grandes vantagens e possibilidades
desenvolvimento. presidentes da ITA recentemente?” trazidas pela digitalização, como a
Esse é o DNA da ITA. Para nossas T. B. C. – O fato de o Brasil ter instrumentação, a capacidade de
associações no Brasil, eu continuo tido dois presidentes na ITA é, sem leitura e processamento de dados em
repetindo que temos de falar para dúvida, uma demonstração do tempo real, e a capacidade de tomada
o extramuro, não apenas para o reconhecimento internacional da de decisão em função do que está
intramuro, sobre a necessidade de boa qualidade do nosso corpo técnico. No sendo lido e processado. Com os
engenharia. Tem havido progresso, caso do Prof. André Assis, sua eleição métodos convencionais, por exemplo,
mas há muito que avançar. está ligada à sua grande capacidade as perfuratrizes de rocha, enquanto
técnica. No meu, houve serendipidade perfuram, investigam e mapeiam o
IBRACON – Como um profissional reservada pela vida. Não era maciço rochoso, adaptando o plano
brasileiro consegue dar consultoria a candidato, mas o pretendente ao de fogo em função da resposta da
agências estrangeiras, como o Conselho posto desistiu de última hora. Já que perfuração. No início do ano passado,
de Pesquisa da Noruega e a Agência do o prazo para novas candidaturas havia em Bolonha, uma conferência foi
Governo Francês para a Disposição de passado, o conselho
Rejeitos Nucleares (Andra)? executivo, seguindo
T. B. C. – Eu acho que os profissionais os estatutos, indicou
brasileiros são muito reconhecidos meu nome para a
internacionalmente em função de assembleia geral.
sua capacidade. Não sou só eu
dando consultoria em organismos ou IBRACON –
projetos internacionais. No meu caso, Historicamente,
algumas indicações vieram como como os métodos de

resultado de algumas publicações construção de túneis

específicas que fiz. Nós, brasileiros, evoluíram? O que


em média, publicamos pouco. Temos podemos esperar dos

mais capacidade do que mostrado métodos construtivos

no conjunto das nossas publicações. de túneis

Deixo uma recomendação para no futuro? Túnel Brenner entre a Itália e Áustria


EM MUITAS ÁREAS DA ENGENHARIA, O GRANDE


PROFISSIONAL É AQUELE QUE ROMPE FRONTEIRAS,
QUE DOMINA DUAS ÁREAS E CONSEGUE TRAZER OS
‘INPUTS’ DE UMA PARA A OUTRA

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 19



NA ITA NOS APROXIAMAMOS DE TODAS AS AGÊNCIAS QUE FINANCIAM


OBRAS DE INFRAESTRUTURA PARA MOSTRAR A NECESSIDADE DE
QUE OS PROFISSIONAIS ENCARREGADOS PELO PROJETO E CONSTRUÇÃO
DOS EMPREENDIMENTOS TIVESSEM BOA FORMAÇÃO EM TÚNEIS

organizada pelo grupo de jovens costuma ser a mais crítica. Por aplicação. A aplicação do concreto
tuneleiros da Sociedade Italiana de outro lado, num túnel hidráulico, a projetado era, no passado, quase
Túneis, e o tema era exatamente verificação de carregamento mais uma sentença de morte para o
esse – Tunneling 4.0. Em novembro crítica é a da pressão interna de mangoteiro. Hoje, do ponto de vista
do ano passado, quem ganhou a operação. Portanto, cada tipo de de saúde e segurança, ela deixou de
modalidade de inovação tecnológica túnel tem suas peculiaridades de ser uma atividade tenebrosa.
na premiação da ITA foi um grupo de verificação estrutural. As técnicas de aplicação em grandes
jovens malaios que desenvolveram Quanto aos critérios de segurança volumes são feitas hoje por robôs,
um computador com um algoritmo de e funcionalidade, o túnel não difere com grande vantagem em relação às
inteligência artificial, exatamente para muito de uma estrutura convencional, aplicações manuais. Essas mantiveram
conduzir um TBM com mais vantagem ele apenas tem carregamentos seu nicho, mas as aplicações com
do que um ser humano. Então, esse que podem ser mais complexos, robôs são mais vantajosas do ponto
é um universo em aberto, muito ao que podem variar desde a fase de de vista da garantia de qualidade.
gosto dos nossos jovens. Muita coisa transporte dos anéis pré-moldados até Com mecanismos servocontrolados,
está para acontecer nessa área. Eu a fase de macaqueamento e operação, robôs, que leem a espessura
conclamo os jovens a enveredarem mas os critérios basicamente são enquanto projetam, garantem maior
por esse ramo. os mesmos a que uma estrutura uniformidade.
precisa atender na flexo-compressão A aderência à rocha tem evoluído
IBRACON – Quais critérios gerais em termos de esforços solicitantes bastante depois do trabalho de
devem ser contemplados em qualquer e uma verificação de fissuração Gabriel Fernandez, da Universidade
projeto de túnel do ponto de vista correlacionada com a questão da de Illinois, que desenvolveu o método
da segurança, funcionalidade e durabilidade. A diferença pode estar de medida da aderência. Tudo aquilo
durabilidade? Quais critérios especiais nas etapas de carregamento. que se consegue medir, se consegue
devem ser observados nos projetos melhorar! Uma casca de concreto
estruturais de diferentes tipos de túneis IBRACON – Como o concreto projetado de 5 cm de espessura
de concreto? projetado usado para suporte e é capaz de suportar um bloco de
T. B. C. – Os critérios a serem revestimento de túneis evoluiu em granito de um metro quadrado
observados nos projetos estruturais termos de sua aplicação, aderência de base, com vários metros de
de túneis dependem da peculiaridade à rocha, resistência mecânica, altura, resistindo ao cisalhamento
de cada túnel. No caso de anéis impermeabilidade, durabilidade e e à força cortante ao longo do seu
segmentados, o dimensionamento é resistência ao fogo? Quais devem ser perímetro, principalmente por causa
feito em função das diversas etapas. as características técnicas básicas do da adesão ao substrato circundante.
Não necessariamente a etapa de concreto projetado para túneis? É impressionante essa capacidade
resistir ao carregamento do maciço T. B. C. – O concreto projetado do concreto projetado! Quanto à
é a fase mais crítica. Em muitas evoluiu em todos esses pontos resistência mecânica, 50 MPa é um
situações, a fase de macaqueamento, e em outros. Chama a atenção a número modesto atualmente, não
quando o TBM aplica, com macacos, introdução dos aditivos não alcalinos, sonhado há algumas décadas.
os esforços nos anéis montados que melhoraram muito a condição Quanto à durabilidade, me lembro de
para o avanço da cabeça de corte, de saúde e segurança durante sua um trabalho muito interessante do

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do calibre de na Universidade de Trondheim, na
Figueiredo, Prudêncio, Noruega, de autoria de Karl Gunnar
Armelin e outros, que Holter, que estudou a interação físico-
deram continuidade química da membrana com a água.
ao tema com grande Apesar dos problemas de aplicação,
entusiasmo e as membranas para impermeabilização
competência. O projeto já evoluíram e tendem a evoluir
foi financiado pela bastante. Como no passado, tirou-
CBPO, e coordenado se proveito do single shell, hoje
pelo saudoso Pedro deve-se tirar proveito do composite
Boscov. shell. Diferentemente do conceito
As características do em que o primário é abandonado,
concreto projetado para dimensionando o secundário para
túnel dependem da sua suportar todos os esforços, com o
Aplicação de concreto projetado com robô
utilização. O concreto primário considerado estruturalmente,
Tomas Franzén, na década de 80, projetado para um túnel hidráulico deve a economia é muito grande.
narrando a experiência de um concreto ter uma capacidade maior relativa às
projetado com 50 anos de idade resistências contra fenômenos do IBRACON – E quanto ao concreto pré-
numa casa de força e em perfeitas tipo da cavitação, o atrito com a água fabricado para suporte e revestimento

condições na Suécia. etc. Já o concreto projetado para de túneis? Como foi a evolução da
Quanto à resistência ao fogo, a uma estação de metrô precisa ter tecnologia e de sua indústria?

introdução das microfibras sintéticas durabilidade. T. B. C. – Na produção de anéis


foi um grande passo. Essas fibras Quanto à questão estética, o concreto segmentados para revestimento
derretem sob fogo, promovendo projetado mostra-se como uma tela, de túneis escavados com TBM,
caminhos de escape para eliminação como nas estações do metrô de a grande novidade dos últimos
do vapor responsável pelo aumento de Estocolmo, que foram oferecidas aos tempos é a introdução de fibras.
volume e da pressão, que provoca o artistas da cidade. Em São Paulo ainda Primeiramente, em conjunto com
desplacamento do concreto projetado. não temos esse uso das estações, armadura convencional, mas hoje
Aqui, cabe mencionar a grande mas espero que tenhamos em breve. somente com uso de fibra. Em tantos
contribuição de um projeto pesquisa Destaco, no Brasil, a estação Arco lugares ao redor do mundo, inclusive
liderado por Paulo Helene, na Poli, Verde, no Rio de Janeiro. aqui no Brasil, já se adotam anéis
no início dos anos 1990, responsável Quanto à permeabilidade do concreto somente com fibras, tanto metálicas
pela introdução do uso de fibras em projetado, o grande avanço nos últimos como sintéticas. A fibra simplifica
concreto projetado por via úmida no anos foi a introdução das membranas o processo de industrialização, ao
Brasil, por norma para certificação do projetadas com material cimentício. A eliminar armadura com barras. Isso,
mangoteiro, etc. Talvez o mérito maior similaridade permite o monolitismo entre juntamente com a evolução nos
daquele projeto é que foi o embrião de a casca primária e secundária, separada tempos e técnicas de cura, possibilitou
pesquisa acadêmica sobre concreto pela membrana de impermeabilização. a industrialização em larga escala,
projetado, tendo formado professores Existe uma tese doutorado recente num processo altamente eficiente de


AMBOS [MÉTODOS CONVENCIONAIS E MECANIZADOS


DE ESCAVAÇÃO DE TÚNEIS] TÊM LANÇADO MÃO DAS
GRANDES VANTAGENS E POSSIBILIDADES TRAZIDAS
PELA DIGITALIZAÇÃO

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QUANTO À QUESTÃO ESTÉTICA,


O CONCRETO PROJETADO MOSTRA-SE
COMO UMA TELA, COMO NAS ESTAÇÕES
DO METRÔ DE ESTOCOLMO

produção de anéis de alta qualidade, nenhuma obra


em tempos muito curtos. digna de destaque,
infelizmente. Pode
IBRACON – A técnica de execução haver algum túnel
de túneis com aduelas pré-fabricadas rodoviário sendo
de aço (“tunnel liner”) tem melhor construído, mas
aplicação em quais situações? Por que sem nenhuma
ainda é pouco utilizada em nosso país? característica que
T. B. C. – A técnica de tunnel liner mereceça maior
tem melhor aplicação para a situação destaque. No mundo,
de um túnel curto, onde um TBM não a construção de
é conveniente, e para a situação de obras subterrâneas
um túnel de pequeno diâmetro, onde continua crescendo
a aplicação de concreto projetado é a uma taxa de 7% Concreto projetado usado como tela por artistas no
difícil. Em qualquer outra situação, ao ano, maior do Metrô de Estocolmo, na Suécia
os túneis com concreto projetado que a da construção
ou o uso de minishields seriam mais em geral. Seguramente, se tivesse DNA para o bom uso do espaço
adequados. A técnica de tunnel liner que escolher uma, escolheria um subterrâneo.
tem a desvantagem da dificuldade do dos túneis longos da China, país que
preenchimento do vão entre o maciço adota os túneis longos como um IBRACON – Quando não está dando

escavado e a chapa metálica. No caso instrumento de sua política de Estado. consultoria ou aulas, o que gosta

de concreto projetado, esse vazio nem Tive a oportunidade de assistir a uma de fazer?

existe, porque o concreto é lançado a conferência da Sociedade Chinesa T. B. C. – Eu adoro ficar com meu
alta velocidade e preenche todos os de Ciência e Tecnologia há um ano, primeiro neto, que tem dez meses.
vazios. No caso de um túnel escavado na qual um dos seus seminários, o Felizmente, um segundo já está a
com shield, o preenchimento é único a ver com engenharia civil, era caminho, eu estou feliz da vida com
garantido com o processo de injeção exatamente sobre túneis longos. A isso! Dada minha grande ocupação,
pelos dispositivos do shield. China planeja hoje a construção de reconheço que eu não me dediquei à
um túnel para ligar o continente a minha família o tanto quanto eu gostaria.
IBRACON – Qual a obra de túnel Taiwan. No ano passado, o projeto Mas a chegada do meu neto coincidiu
mais importante que está sendo hoje de ponte e túnel ligando Hong Kong com o fim do meu mandato na ITA, o
executada no Brasil e/ou no mundo? a Macau ganhou o prêmio de obra que, talvez, me deu um pouco mais de
Quais os avanços tecnológicos mais mais importante do ano da ITA. No tempo. É muito agradável quando posso
importantes que estão sendo adotados? Ocidente, eu citaria o Grand Paris, ir à casa de minha filha ou quando eles
T. B. C. – Essa não é uma pergunta projeto de revitalização da cidade vêm à minha casa. Quando isso não
fácil de responder. No Brasil, pela de Paris, que prevê a ampliação em acontece, outra coisa que me dá muita
ausência dos túneis, e no resto 50% da sua rede de metrô, que já satisfação, e que até combina com
do mundo, ao contrário, pelo seu é muito grande. Paris é uma cidade atividade de trabalhar, é ouvir música.
grande número. No Brasil, não há que nasceu desde a sua origem com Gosto muito de música!

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u inspeção e manutenção

Segurança contra incêndio


em túneis
ANTÔNIO FERNANDO BERTO – Pesquisador, Docente do Mestrado em Habitação
ANDRÉ LUIZ GONÇALVES SCABBIA – Pesquisador, Docente do Mestrado em Habitação
Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT)
Comitê Brasileiro de Segurança contra Incêndio da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT CB-24)

RESUMO eles: (i) condutores e usuários; (ii)  1. INTRODUÇÃO

N
os últimos 40 anos mui- cargas transportadas; (iii) elemen- A construção de um túnel é uma
tos acidentes ocorreram tos estruturais e civis; (iv) operação solução para um problema específico,
no interior dos túneis. O do túnel, centralizada em Centro normalmente adotada como última
presente trabalho analisou alguns de Controle Operacional – CCO; (v) alternativa, visando a transposição
relatos, principalmente os que indi- sistemas de segurança contra in- de obstáculos.
cavam as causas e efeitos (mortes cêndio; (vi) sistemas mecânicos e Apesar de tecnicamente ser, de
e feridos) desses sinistros. Poste- eletroeletrônicos e suas infraestrutu- modo geral, mais complexos e fi-
riormente, se avaliou os eventos ras; (vii) sistemas de informação aos nanceiramente mais dispendiosos,
envolvendo situações de incêndio, usuários; (viii) serviços de manuten- os túneis oferecerem as seguintes
buscando identificar as propostas ção e atualização periódica. Essas vantagens:
de melhoria, realizadas de modo a foram analisadas considerando uma u definem menor intervenção no
viabilizar a retomada da operação abordagem integrada da segurança local, como foi o caso dos túneis
comercial. Verificou-se que estas contra incêndio. Como resultado, da Rodovia dos Imigrantes, cujo
medidas de correção poderiam ser propõe-se um sistema global de se- impacto ocorre apenas na região
segregadas em oito grupos de con- gurança contra incêndio para túneis dos emboques;
trole, denominado neste trabalho que associa todos os elementos u permitem a transposição de ci-
como elementos de verificação, são de verificação. dades densamente povoadas
sem interferência com o tráfego
local, como é o caso do túnel de
Costanera Norte, na cidade de
Santiago, no Chile;
u encurtam distâncias, interligan-
do regiões, como o exemplo do
Eurotúnel.
Estudos internacionais, exem-
plificados por Ntzeremes e Kiryto-
poulos (2019), indicam a tendência
de ampliação das malhas viárias na
Europa por meio da implantação de
novos túneis (Figura 1).
u Figura 1
Essa tendência demonstra que
Ampliação do sistema viário, por túneis, na Europa
Fonte: Ntzeremes e Kirytopoulos (2019) os estudos relacionados a túneis,
abordando as fases de projeto,

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implantação, operação ou manu-
tenção, são cada vez mais neces-
sários e devem envolver questões
atuais, considerando a experiência
acumulada com a operação dos
túneis. Tais estudos, entre outras
questões, buscam a atualização
de procedimentos operacionais e
a adequação técnica aplicada aos
materiais empregados, aos sistemas
eletroeletrônicos e ao treinamento
de equipes.
Conforme Lees (1996), todas as
tarefas que envolvem algum proces-
u Figura 2
so produtivo geram risco e podem
Distribuição dos principais riscos, por fase da obra/operação
ser analisadas individualmente ou Fonte: Scabbia (2007)
sistemicamente. Portanto, em con-
trapartida às vantagens aqui relata-
das, os túneis geram riscos que po-
dem ser associados a cada etapa de
sua vida útil, ou seja, da escavação
à operação comercial (Figura 2).
Destaca-se, na Figura 3, o estu-
do realizado por Caliendo e Gugliel-
mo (2012), conduzido por um perí-
odo de quatro anos, em dezessete
rodovias da Itália que possuem tú-
neis em seu percurso. Como resul-
tado, foi constatado que ocorriam, u Figura 3
Comparação do número de acidentes severos, ocorridos em rodovias da Itália,
proporcionalmente, mais acidentes
entre trechos de túneis e trechos sem túneis
graves (com morte e feridos) no in- Fonte: Caliendo e Guglielmo (2012)
terior dos túneis, do que no restante
da rodovia.
Em função dos riscos inerentes, terísticas climáticas da localidade inclusão de novos riscos, por exem-
durante o ciclo de vida de um túnel onde o túnel é instalado; e, por fim, plo, alteração no acondicionamento
se faz necessária a realização siste- a estrutura e infraestrutura do túnel da carga transportada no interior do
mática de estudos multidisciplinares que viabilizarão o funcionamento túnel e decorrente comportamento
que vão desde a análise geológica adequado do túnel frente às deman- quando ignizada.
até a operação comercial, envolven- das colocadas. O presente trabalho tem como
do questões, tais como: geometria Conforme Shida & Scabbia foco as questões relacionadas a
da pista; interação dos túneis com (2001), devem existir planos ope- incêndios que podem ocorrer du-
os veículos (trens, caminhões, ôni- racionais e de emergência, revisa- rante a operação comercial dos tú-
bus) que ali irão circular; tipos de dos periodicamente, que garantam neis, sejam eles: metroviários; fer-
cargas transportadas; integridade a manutenção e a atualização das roviários, de carga, passageiros ou
física dos usuários durante a sua medidas de prevenção e proteção carga/passageiros ou rodoviários.
permanência em seu interior; carac- contra incêndio, determinada pela (Figura 4).

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2. HISTÓRICO DE EVENTOS
Propõe-se aqui analisar alguns
eventos ocorridos em túneis, no
sentido de identificar os erros come-
tidos que levaram à ocorrência de
acidentes e, para alguns deles, as
soluções que foram recomendadas
para prevenir novos eventos dano-
sos. Na Tabela 1 estão apresenta-
dos alguns exemplos notáveis.
Foram identificadas algumas re-
comendações, denominadas no
u Figura 4 presente artigo como propostas
Riscos potenciais associados à operação de túneis
de melhorias, realizadas posterior-
Fonte: Scabbia (2007)
mente aos acidentes. Essas ações,

u Tabela 1 – Exemplos de acidentes ocorridos em túneis, em ordem cronológica

Impacto
Data Local Evento
(mortes e feridos)
Túnel de Nihonzaka
11 de julho de 1979 Acidente envolvendo 170 carros Sete pessoas morreram
Japão
Túnel Caldecott Acidente múltiplo que resultou
7 de abril de 1982 Sete pessoas morreram
EUA em incêndio
Mais de 700 pessoas morreram
Túnel de Salang Comboio do exército choca-se com
3 de novembro de 1982 (asfixiadas ou queimadas) – número
Afeganistão caminhão de combustível
final não oficializado
Túnel de Pfänder
10 de Abril de 1995 Quatro carros queimaram Três pessoas morreram
Áustria
Túnel de Toyohama
10 de fevereiro de 1996 Escorregamento da encosta 20 pessoas morreram
Japão
Depois de uma colisão traseira um 19 carros se incendiaram,
Túnel Palermo-Punta Rais
18 de março de 1996 caminhão de combustível explodiu cinco pessoas morreram
Itália
no túnel próximo a Palermo e 26 ficaram feridas
Eurotunel Caminhão que viajava no
18 de novembro de 1996 30 pessoas sofreram intoxicação
Canal da Mancha trem de carga incendiou-se
Túnel Montblanc Caminhão belga que transportava
24 de março de 1999 39 pessoas morreram
Entre França e Itália farinha e margarina incendiou-se
Após uma colisão traseira no um
Túnel Tauern
29 de maio de 1999 caminhão de tintas explodiu, o 12 pessoas morreram
Áustria
incêndio envolveu 24 veículos
Túnel Tauern
10 de janeiro de 2000 Incêndio envolvendo caminhão —
Áustria
Túnel Tauern —
10 de julho de 2001 Colisão frontal provocou incêndio
Áustria (condutor extinguiu o incêndio)
(condutor retirou o veículo
Túnel de Gleinalm Motor de um ônibus de
29 de julho de 2001 em chamas do túnel evitando
Áustria turistas suecos incendiou-se
uma catástrofe)
Túnel de Gleinalm Dois automóveis colidiram Cinco pessoas morreram
6 de agosto de 2001
Áustria frontalmente, gerando incêndio e cinco ficaram feridas
Fonte: Modificado de Scabbia & Canale (2006) e European Tunnel Assessment Programme (2006)

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obtidas dos relatórios oficiais ou 2.1 Túnel de Nihonzaka u instalar radares para evitar a cir-
de artigos que os referenciam, pro- culação em alta velocidade;
põem melhores práticas de preven- De acordo com o relato de Mashi- u instalar Painéis de Mensagens
ção e proteção, de modo compatível mo (2002), após o acidente foram to- Variáveis – PMV nas entradas do
com tecnologias existentes à épo- madas as seguintes medidas especí- túnel (dois em cada entrada) e
ca dos sinistros, que deveriam ser ficas para a retomada das operações mais dois internamente;
adotadas para a retomada de suas do túnel -é importante observar que, u unir os dois túneis, ou seja, anexar o
operações comerciais. Na prática, na ocasião do incêndio, esse túnel, túnel afetado pelo incêndio ao túnel
os estudos desses acidentes evi- a exemplo de muitos outros, não paralelo (que tinha sentido contrário),
denciam os erros cometidos antes apresentava medidas voltadas para transformando-os em unidirecionais,
dos sinistros e favorecem a melhoria a proteção contra incêndio: com quatro faixas de mesmo sentido;
contínua de aspectos relacionados u proibir a circulação de caminhões u construir baias de emergência
ao projeto e a operação de novos com carga perigosa; para carros no interior do túnel;
túneis. Seguem alguns exemplos u proibir a ultrapassagem dentro u melhorar a iluminação dentro
de destaque. do túnel; do túnel;

u Tabela 1 – Exemplos de acidentes ocorridos em túneis, em ordem cronológica (cont.)

Impacto
Data Local Evento
(mortes e feridos)
Túnel de Amberg
8 de Agosto de 2001 Dois ônibus colidiram Três pessoas morreram
Áustria
Túnel de Reigersdorf Ônibus se chocou contra
13 de agosto de 2001 24 pessoas ficaram feridas
Áustria a entrada do túnel
Túnel de Gotthard
26 de agosto de 2001 Colisão frontal Seis pessoas ficaram feridas
Suíça
Túnel de Sonnstein Três acidentes de tráfico Duas pessoas morreram e
31 de agosto de 2001
Áustria em um único dia nove pessoas ficaram feridas
Túnel de Gleinalm
10 setembro de 2001 Ônibus de turistas se incendiou —
Alemanha
Túnel Danish Nove pessoas morreram
17 de outubro de 2001 Caminhão chocou-se com carro
Dinamarca e seis ficaram feridos
Túnel de Gotthard Colisão frontal de dois veículos
24 de outubro de 2001 11 pessoas morreram
Suíça gerando incêndio
Túnel Madaoling Incêndio iniciou no motor de um 12 pessoas morreram e
16 de novembro de 2001
China veículo seis pessoas ficaram feridas
Caminhão incendiou-se (motor),
Túnel Tauern
18 de janeiro de 2002 produzindo grande —
Áustria
quantidade de fumaça
Túnel Dalseong Caminhão com peças de míssil O número de mortes
1 de novembro de 2005
Coréia do Sul explode após falha em seus freios não foi divulgado
Túnel Huishan
5 de julho de 2010 Incêndio criminoso 24 pessoas morreram
China
Choque de caminhões,
Túnel Yanhou
17 de março de2014 um com carvão e outro com 40 pessoas morreram
China
metanol provocando incêndio
Operação comercial paralisada
Eurotunel
17 de janeiro de 2015 em razão do acionamento de —
Canal da Mancha
alarme de detector de fumaça
Fonte: Modificado de Scabbia & Canale (2006) e European Tunnel Assessment Programme (2006)

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u instalar sinalização semafórica u identificar de modo claro as saí- u adotar sistemas automáticos para
(vermelho/verde) na entrada do das de emergência do túnel; garantir o cumprimento dessas
túnel. u proibir mudanças de pistas ou propostas.
ultrapassagens no interior do
2.2 Túnel de Caldecott túnel; 2.3 Eurotunel
u melhorar as condições de su-
O relatório do National Transpor- pervisão do túnel e atuação por O relatório emitido conjuntamen-
tation Safety Board (1983) Highway meio da adoção de sistema de te pelo Bureau d’Enquêtes sur les
Accident Report Adopted: Multiple comunicação e de segurança Accidents de Transport Terrestre (2010)
Vehicle Collisions And Fire Calde- contra incêndio; e pelo Rail Accident Investigation
cott Tunnel Near Oakland, California u proibir o ingresso de produtos Branch (1996) aponta a necessidade
(April 7, 1982) define a necessidade perigosos no túnel; de adoção das seguintes melhorias:
de adoção das seguintes medidas u rever a administração federal da u implantar dispositivos e proce-
adicionais: estrada e os programas urbanos dimentos suficientemente con-
u informar o motorista antes de sua de administração do transporte fiáveis, voltados para mitigar os
aproximação do local do acidente; para que incentivem a segrega- riscos associados à formação
u avaliar e revisar, onde necessário, ção dos veículos, de modo a evi- de arcos voltaicos entre objetos
procedimentos de emergência; tar que a estrada apresente um com altura excessiva, como par-
u desenvolver sistema com respos- risco desnecessário ao público tes de caminhão ou de sua carga
ta rápida a emergências e treinar em função do compartilhamento útil, e a catenária;
operadores do túnel em todas as da estrada com a movimentação u adequar sistema automático de
fases da emergência, inclusive para de caminhões trafegando com detecção de incêndio, tornando-o
casos de incêndio, com periodici- produtos perigosos; mais rápido e confiável para qual-
dade, tal que possa evidenciar a u monitorar os condutores com quer princípio de incêndio;
capacidade dos funcionários; problemas médicos conhecidos; u revisar o procedimento operacio-
nal quando da detecção de um
incêndio;
u revisar procedimento para identifica-
ção de perigos e avaliação de riscos;
u rever a metodologia de controle
do trabalho realizado por tercei-
ros à operadora do túnel;
u melhorar os procedimentos rela-
tivos a gestão de crise, em caso
de incêndio no túnel, de modo a
permitir a retirada de passageiros
em um período de tempo aceitá-
vel e o início rápido do combate
ao incêndio.

2.4 Túnel de Montblanc

O Relatório do Ministère de
u Figura 5
l’Equipement, des Transports, du
Consequência dos incêndios ocorridos na China entre 2000 e 2016
Fonte: Ren et al. (2019) Logement (1999) aponta a necessidade
de consideração das seguintes ações

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para aprimoramento da segurança
contra incêndio:
u examinar a possibilidade de re-
duzir os riscos potenciais de in-
cêndio por meio do controle dos
materiais transportados;
u examinar a possibilidade de ins-
peção dos veículos antes de seu
ingresso no túnel;
u instalar sistema automático de
detecção de incidentes (DAI);
u adotar Centro de Controle de
Operações – CCO único;
u implantar operação viária capaz
de supervisionar e quantificar os u Figura 6
Eventos que envolveram o uso de sistema de combate contra incêndio nos
veículos no interior do túnel, para
principais túneis na Austrália, entre 1994 e 2016
permitir ação rápida e eficaz em Fonte: Casey (2020)
situação de incêndio;
u garantir que os sistemas/equipa-
mentos, principalmente os siste- u informar usuários sobre a ocor- u implantar serviço ininterrupto de
mas elétricos e de comunicação rência de incêndio, de modo primeira atuação, composto por
no interior do túnel, mantenham- claro, com sinalização visual e equipe de três a cinco especialis-
-se em operação durante a ocor- sonora, indicando automatica- tas, capaz de atuar em 5 minutos
rência de incêndio; mente as saídas de emergência; após a identificação da ocorrência;

u Tabela 2 – Normas de Segurança relacionadas a túneis

Revisada ou implantada
Revisão válida
País / Local Norma Título posteriormente
em 1999
aos acidentes
NFPA 502: Standard for Road Tunnels, Bridges,
EUA NFPA 502 1987 2001
and Other Limited Access Highways e AASTHO
Directiva 89/106/ da União Requisitos mínimos de segurança para os
União Européia 1988 2002 – 2004
Européia túneis da Rede Rodoviária Transeuropéia
Australasian Fire
Austrália Fire Safety Guidelines For Road Tunnels — 2001
Authorities Council
Proteção contra incêndio em
ABNT NBR 15661 — 2009
túneis rodoviários e urbanos
Sistemas de segurança contra incêndio em
ABNT NBR 15775 — 2009
túneis – Ensaios, comissionamento e inspeções
Sistemas de segurança contra incêndio em
ABNT NBR 15981 túneis – Sistemas de sinalização e de — 2011
Brasil
comunicação de emergências em túneis
Segurança contra incêndio para sistemas
ABNT NBR 16484 — 2017
de transporte sobre trilhos – Requisitos
Proteção contra incêndio em túneis rodoviários
ABNT NBR 16736 e urbanos – Operação de emergência — 2019
em túneis rodoviários e urbanos

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u adotar plano único de atuação, vários países, de modo a orientar a ou de emergência, com o uso de
considerando os dois lados de aceitação de demandas operacio- ferramentas compatíveis;
emboque (França e Itália). nais e prevenir acidentes, incluindo 5) Adoção de sistemas de segu-
incêndios. rança contra incêndio, compos-
2.5 Incêndios na China No Brasil, na mesma época, por to por resistência ao fogo dos
meio do CB24 - Comitê Brasileiro elementos estruturais e civis do
Tendo como referência dados de Segurança Contra Incêndio, da túnel; reação ao fogo dos ma-
estatísticos de incêndios, ocorridos ABNT, iniciou-se a elaboração de teriais presentes no interior do
entre 2000 e 2016, na China, Ren norma voltada à proteção contra in- túnel; detecção, seja de inciden-
et al. (2019) avaliou 161 eventos de cêndios em túneis e, posteriormen- tes, seja de incêndio; ventilação;
incêndio, considerados de grande e te, a norma relacionada aos siste- iluminação normal e de emergên-
médio porte. Entre os casos anali- mas de segurança contra incêndio cia; sistemas de extinção do fogo
sados, 40  eventos, ou seja, 24,8%, em túneis (Tabela 2). e de saída de emergência;
geraram danos à estrutura ou infra- Pode-se identificar nas normas 6) Adoção de sistemas mecânicos
estrutura do túnel e 11 casos provo- em vigor, nacionais e internacionais, e eletroeletrônicos, e respectivas
caram mortes no interior dos túneis diversos elementos de verificação infraestruturas;
(Figura 5). Foram recomendadas de segurança contra incêndio e 7) Adoção de sistemas de informa-
ações quanto a implantação de segregá-los em oito grupos, como ção aos usuários, composta por
medidas de proteção passiva. Em segue: sinalizações verticais e horizon-
função dos danos constatados, os 1) Características dos condutores e tais, sistemas sonoros de aviso
autores fizeram diversas recomen- usuários, sejam dos trens, ônibus, ao público, indicações das equi-
dações de melhorias, aderentes às caminhões, veículos de apoio ou pes de operação;
recomendações feitas nos eventos de passeio; 8) Manutenção e atualização peri-
relatados anteriormente. 2) Controle das cargas transpor- ódica, quando da realização de
tadas, pois, de posse da carga alterações, sejam elas nos pro-
2.6 Incêndios na Austrália térmica dos veículos que trafe- cedimentos operacionais, de-
gam nos túneis, calcula-se as mandas dos usuários, substitui-
Conforme Casey (2020), a Aus- proteções a serem implantadas, ção de componentes e sistemas
trália adota, desde 2002, sistemas sejam passivas (associadas às do túnel, legislações e normas.
fixos de combate ao incêndio com estrutura e infraestrutura), se- Destaca-se que os quatro primei-
água, do tipo Dilúvio, no interior de jam ativas, que envolvem, entre ros elementos de verificação apre-
alguns túneis. Em, aproximadamen- outros, sistemas mecânicos e sentados (Condutores e usuários,
te, 50% dos eventos danosos, onde eletroeletrônicos; Cargas transportadas, Elementos
se utilizou o sistema de dilúvio, o 3) Elementos estruturais e civis, estruturais e civis, Operação do túnel
incêndio foi extinto. Nos demais compostos por: (i) estruturas de centralizada em CCO) condicionam
eventos eles limitaram o incêndio e concreto, (ii) estruturas metálica, diretamente os demais elementos.
a equipe de operação realizou o tér- (iii) estruturas mista, (iv) sistema Na Tabela 3 estão apresentadas
mino do combate (Figura 6). de drenagem de água de infiltra- as propostas de melhoria que foram
ção, (v) pavimento, sejam pistas, definidas após incêndio de alguns
3. AVANÇOS A PARTIR DA no caso rodoviário, sejam vias, túneis, associadas aos elementos
ANÁLISE DOS INCÊNDIOS no caso metro-ferroviário; de verificação estabelecidos, com-
Após o acidente no túnel de 4) Operação do túnel centralizada provando-se que, de alguma manei-
Montblanc, em 1999, as normas que em Centro de Controle Operacio- ra, todos foram considerados para
regem a segurança em túneis, com nal – CCO, realizadas por meio a composição da segurança contra
especial destaque para os rodoviá- de equipes treinadas, executan- incêndio e a retomada de operação
rios, começaram a ser ajustadas em do procedimentos operacionais comercial.

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 29


Deve-se observar que entre os tem natureza protetora e depende Os sistemas de proteção contra
elementos de verificação, além dos de outros elementos voltados para a incêndio, os sistemas mecânicos e
sistemas de proteção contra in- segurança contra incêndio. eletroeletrônicos e os sistemas de
cêndio, claramente associados ao Em todos os casos apontados informação aos usuários são apre-
controle do incêndio, estão contem- na Tabela 3 considera-se necessá- sentados em todos os eventos, sem-
pladas, nos outros elementos, pre- ria a definição e controle das cargas pre com a recomendação destacada
dominantemente, as ações de pre- presentes nos túneis, inclusive a li- de proceder-se sua revisão, amplia-
venção contra incêndio. mitação da toxidade gerada quando ção ou modernização. Portanto, o
É importante observar que, para de sua ignição. Da mesma forma, processo de atualização tecnológica
todos os acidentes apontados na a existência, ou revisão, de proce- de todos esses sistemas, ao longo
Tabela 3, considera-se a necessi- dimentos de atuação operacional, da operação comercial dos túneis,
dade dos condutores e usuários com gestão centralizada em um foi considerado deficiente e decisivo
atenderem aos comandos operacio- Centro de Controle Operacional, são para a ineficácia do controle do foco
nais. Tal situação decorre da cons- sempre consideradas. de incêndio e do processo de eva-
tatação, nos eventos estudados, A existência de danos na estru- cuação dos túneis.
que, de modo geral, esses não se tura do túnel também é indicada em De acordo com Shida & Scabbia
dirigiram às saídas de emergência, todas as análises efetuada, como (2001), por mais que sejam inseri-
pelo principal fato de não terem sido um problema importante, apesar de dos nos túneis sistemas automáti-
alertados para a gravidade do even- terem sido incluídas propostas ex- cos de controle ou de supervisão,
to. Sob esse ponto de vista, tal ação plícitas de melhorias. esses não substituem, mas apenas

u Tabela 3 – Propostas de melhoria consideradas a partir da análise dos incêndios associadas aos elementos de verificação

Elementos de verificação
Sistemas de proteção contra incêndio

Sistemas de informação
Condutores e usuários

atualização periódica
cargas transportadas

centralizada em CCO

Sistemas mecânicos
Detecção de incidentes

e eletroeletrônicos
Resistência ao fogo do
Operação do túnel
estruturais e civis

revestimento do túnel

Saída de emergência

Manutenção e
Túnel

aos usuários
Controle das

Extinção do fogo
Reação ao fogo
Elementos

(histórico de eventos
ou incêndio

Iluminação
Ventilação

retirado da Tabela 1)

Nihonzaka x x x x (*) (*) x x x (*) x x x x


Caldecott x x x x (*) — x — — — x — x —
Afeganistão x x x x (*) — — — — — — — — —
King's Cross x x x x (*) x — x x — — — x x
Propostas de melhoria

Palermo – Itália x x x x (*) — — — — — — — x —


Canal da Mancha (1996) x x x x (*) x — — x x — — — —
Mont Blanc x x x x (*) x x — x — — x x —
Tauern x x x x (*) — — — — — — — — —
Reigersdorf x x x x (*) — — — — — — — x —
Canal da Mancha (2015) x x x x (*) — — — — x x x — —
China 2000 – 2016 x x x x x x (*) (*) (*) (*) (*) (*) (*) (*)
Austrália (1994 – 2016) x x (*) x (*) (*) (*) (*) (*) x (*) (*) (*) (*)
(*) Não era foco da análise

30 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


u Tabela 4 – Relação entre as normas brasileiras e os elementos de verificação

Elementos de verificação
Sistemas de proteção contra incêndio

Sistemas de informação
Condutores e usuários

atualização periódica
cargas transportadas

centralizada em CCO

Sistemas mecânicos
Detecção de incidentes

e eletroeletrônicos
Resistência ao fogo do
Operação do túnel
estruturais e civis

revestimento do túnel

Saída de emergência

Manutenção e
aos usuários
Controle das

Extinção do fogo
Reação ao fogo
Elementos
Normas Escopo

ou incêndio

Iluminação
Ventilação
Projeto e operação de
ABNT
túneis com trafego de
NBR x x x x x x x x x x x x x x
véculos, em ambiente
15661
rodoviários e urbanos
ABNT Ensaios, comissionamento
NBR e inspeções para todos os x x x x x x x x x x x x x x
15775 tipos de túneis
ABNT Sistemas de sinalização
NBR e de comunicação de x x x x x x x x x x x x x x
15981 emergências em túneis
ABNT Projeto e operação de
NBR túneis com sistemas de x x x x x x x x x x x x x x
16484 transporte sobre trilhos
ABNT Operação em caso de
NBR emergência em túneis x x x x x x x x x x x x x x
16736 rodoviários e urbanos

auxiliam as equipes operacionais. ção humana devidamente equipada. sil, conforme apontado na Tabela 4,
Durante um sinistro, as pessoas que Nos textos das normas ABNT todos os elementos de verificação
estão no interior do túnel sempre NBR referentes à segurança contra apontados estão presentes. Essas
necessitam de apoio, via interven- incêndio em túneis, em vigor no Bra- normas definem diretrizes, requisi-
tos e critérios de segurança contra
incêndio, que levam em conta o es-
tado da arte de cada um dos siste-
mas que compõem os elementos de
verificação.

4. APLICAÇÃO DO SISTEMA
GLOBAL DE SEGURANÇA
CONTRA INCÊNDIO
Analisando-se a proposta de
abordagem sistêmica de segurança
contra incêndio proposta por Ber-
to (2019), consolidada na Figura  7,
constata-se que as ações de segu-
u Figura 7 rança se associam às distintas fases
Abordagem sistêmica da segurança contra incêndio
Fonte: Berto (2019) do desenvolvimento do incêndio,
assumindo inicialmente o propósito

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 31


de limitar o risco de surgimento do
foco e, na medida em que o incên-
dio, eventualmente, se desenvolva,
limitando o risco de que avance
além das vizinhanças do local onde
se iniciou e, ainda, que a fuma-
ça gerada tenha sua propagação
controlada.
O estudo isolado de cada ele-
mento de verificação, desconsi-
derando suas interações com os
demais, ou seja, desconsiderando
uma abordagem sistêmica, pode,
além de não resolver o seu proble-
ma específico, propiciar a criação u Figura 8
de novos riscos ou a inutilização de Interferência do sistema de ventilação no sistema de dilúvio
outro sistema de proteção contra Fonte: Rein, Carve e Torero (2008)
incêndio adotado.
Um exemplo notável dessa situa- dio – extinção do foco do incên- modo passivo, deve ser comple-
ção corresponde à possibilidade da dio, se constitui em modo ideal mentada com as ações de extinção,
interação negativa entre o sistema de garantia da segurança contra definindo o momento crucial a par-
de ventilação longitudinal e o sis- incêndio e deve, portanto, rece- tir do qual todas as demais ações
tema fixo de combate ao incêndio, ber atenção destacada na sua de proteção contra incêndio devem
empregados sem a visão sistêmica concepção/composição. operar. Com tal propósito propõe-
da segurança contra incêndio. Essa A limitação do crescimento do -se um sistema global de segu-
situação é exemplificada por Rein, foco do incêndio, que ocorre de rança contra incêndio para túneis,
Carve e Torero (2008), que apresen-
tam um caso em que o sistema de
ventilação longitudinal, que está ex-
traindo os fumos do interior do túnel,
compromete a atuação do sistema
de dilúvio. Quando a velocidade do
ar aumenta no interior do túnel, as
gotículas de água podem deixar de
atingir o foco do incêndio, tornado o
combate ineficaz (Figura 8).
Quando se relaciona os con-
ceitos da abordagem sistêmica
da segurança contra incêndio, as
propostas de melhoria pós-incên-
dio e os elementos de verificação,
constata-se uma sequência de
eventos, conforme apresentado
na Figura 9.
u Figura 9
O ciclo operação comercial Sequência de etapas de atuação em caso de ocorrência de incêndio em túnel
– identificação de foco de incên-

32 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


u Figura 10
Sistema global de segurança contra incêndio para túneis

capaz de estruturar e sincronizar, de utilizados e, para tanto, devem es- de modo organizado, por um trajeto
modo sistêmico, a segurança contra tar, não só disponíveis, mas ope- com o mínimo de fumaça, atender
incêndio desses locais (Figura 10). racionais, em plena capacidade de possíveis feridos, combater o in-
O sistema global de segurança uso, conforme previsto em projeto e cêndio, entre outras tarefas, sendo
contra incêndio para túneis pos- comprovado em comissionamento e todas importantes. O sistema global
sui cinco etapas de atuação. Inicia em inspeções periódicas. de segurança contra incêndio ado-
pelo ciclo de operação comercial, Quando o foco do incêndio for tado deve incluir equipe treinada,
manutenção (inspeção e correção detectado, aplicam-se os proce- procedimentos de operação e de
de falhas) e atualização, realizada dimentos de emergência, com o emergência atualizados, elementos
periodicamente nos procedimentos uso dos dispositivos adequados, estruturais e civis adequados a este
de operação e de emergência, nos de modo conjunto, e coordenados tipo de evento e sistemas de pro-
sistemas de materiais aplicados ou pelo CCO. teção contra incêndio em perfeitas
utilizados no túnel. Esta é a fase Caso o foco do incêndio não seja condições operacionais.
mais importante, pois na ocorrência contido, inicia-se a fase mais crítica,
de sinistros, sistemas que não foram pois se deve, simultaneamente, reti- 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
exigidos por longos períodos serão rar as pessoas do interior do túnel, Parte das questões abordadas

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 33


neste artigo foram relatos de incên- Para os túneis em operação, requisitos das normas e regulamen-
dios mencionados na Tabela 1. construídos anteriormente à publica- tações brasileiras.
Até agora, felizmente, o Brasil ção das normas brasileiras em vigor, Espera-se que o presente trabalho
não está incluído nesta lista, com- destaca-se que devem passar por contribua para a divulgação do proble-
posta por ocorrências de incêndios processo de atualização tecnológi- ma do incêndio em túneis e da aborda-
graves em túneis. Na medida em ca, tendo em vista os riscos ineren- gem sistêmica que deve ser adotada.
que os nossos túneis envelheçam tes e, especialmente, a segurança As ações devem se iniciar e se desen-
e aumentem em quantidade, am- dos usuários. Para isso, as propos- volver por meio de processos consis-
pliam-se as chances de que tenha- tas aqui incluídas de abordagem tentes de gerenciamento abrangendo
mos, por aqui, eventos catastróficos sistêmica podem ser úteis e servir projeto, construção, manutenção, atu-
equivalentes aos relatados. como parâmetro para a adoção dos alização tecnológica e operação.

u REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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AASTHO - 2001.
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[3] BERTO, A. F. Problemas reais com as instalações de proteção contra incêndio. In: FÓRUM DE INSTALAÇÕES BIP, 10., 2019, São Paulo. Apresentações...
São Paulo: Abrinstal, 2019. Disponivel em http://www.abrinstal.org.br/eventos/realizados/docs/190706_10forum_apres01.pdf. Acesso em: 02 fev. 2020.
[4] BUREAU D’ENQUÊTES SUR LES ACCIDENTS DE TRANSPORT TERRESTRE. Rail Accident Investigation Branch. Technical Investigation Report concerning the
Fire on Eurotunnel Freight Shuttle 7412 on 11 september 2008. França, BEA-TT; RAIB, 2010. 168 p.
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[8] LEES, F. P. Loss prevention in the process industries. 2. ed. Oxford :Butterworth-Heinemann, 1996. 3 v.
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(Tradução Isami Ota).
[10] MINISTÈRE DE L’INTERIEUR MINISTÈRE DE L’EQUIPEMENT DES TRANSPORTS ET DU LOGEMENT. Inspection générale Conseil général de l’administration
des ponts et chaussées; Rapport de la mission administrative d’enquête technique sur l’incendie survenu le 24 mars 1999 au tunnel routier du Mont Blanc.
[S.l.]: MLMLTL, 1999. 78 p.
[10] NATIONAL TRANSPORTATION SAFETY BOARD. Highway Accident Report Adopted: Multiple Vehicle Collisions and Fire Caldecott Tunnel Near Oakland,
California April 7, 1982. Washington DC: NTSB, 1983.
[12] NTZEREMES. P.; KIRYTOPOULOS. K. Evaluating the role of risk assessment for road tunnel fire safety: a comparative review within the EU. Journal of Traffic
and Transportation Engineering, (english edition ), v. 6, n. 3, p.282 -296, June 2019.
[13] REAL, M. V. A Informação como fator de controle de riscos no transporte rodoviário de produtos perigosos. 2000. 220 f. Dissertação (Mestrado Engenharia
de Transporte) – Curso de Pós-Graduação em Engenharia de Transporte, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2000.
[14] REIN, G.; CARVE, R.; TORERO, J. L. Approximate trajectories of droplets from water mist suppression systems in tunnels. Edinburgh: University of
Edinburgh, Centre for Fire Safety Engineering, 2008. Disponivel em: https://www.academia.edu/1087989/Approximate_Trajectories_of_Droplets_from_
Water_Mist_Suppression_Systems_in_Tunnels. Acesso em: 02 fev. 2020.
[15] REN, R. et al. Statiscal Analyis of fire accidents in chinese highway tunnel 2000 – 2016, Tunnelling and Underground Space Tecnology, v. 83,
p. 452-460, 2019.
[16] SCABBIA, A. L. G. Túneis rodoviários: proposta de avaliação de conformidade para liberação ao uso e operação comercial. 2007. Tese (Doutorado em
Dinâmica das Máquinas e Sistemas) - Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2007. doi:10.11606/T.18.2007.tde-
17012011-125628. Acesso em: 02 fev. 2020.
[17] SCABBIA, A. L. G.; CANALE, A. C. Proteção contra incêndios em túneis:-tecnologias atuais. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA DE INCÊNDIO,
15., 2006, São Paulo. Anais... [S.l.]: COBENI, 2006.
[18] SHIDA, L.; SCABBIA, A. L. G Modelo operacional: adequação da capacidade à demanda com incorporação da pista descendente. São Paulo: Artesp, 2001.
(Apresentação realizada em 2001).
[19] UNIÃO EUROPÉIA. Diretiva 2004/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 29 de Abril de 2004, relativa aos requisitos mínimos de segurança para
os túneis da Rede Rodoviária Transeuropéia. Bruxelas: EU, 2004. (Esta Directiva for alterada pela Decisão do Comité Misto Do EEE (Espaço Econômico
Europeu,) No 10/2006 de 27 de Janeiro de 2006 que altera o Anexo XIII (Transportes) do Acordo EEE).
[20] UNIÃO EUROPÉIA. Proposta de DIRETIVA 2002/309/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos requisitos mínimos de segurança para os túneis
inseridos na Rede Rodoviária Transeuropeia. Bruxelas: EU, 30 dez. 2002. ( COM(2002) 769 final 2002/0309 (COD)).

34 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


u obras emblemáticas

Túnel de interligação da Torre


Mata Atlântica com o Setor
Parking da Cidade Matarazzo
RODOLFO ANDRÊO SIMONI – Engenheiro, Especialista em Projetos | BRUNO M. G. SCODELER – Engenheiro MSc., Especialista em Projetos
Maffei Engenharia

CARLOS EDUARDO M. MAFFEI – Engenheiro Titular, Professor


Maffei Engenharia
Escola Politécnica da USP

1. INTRODUÇÃO

O
Hospital Umberto I, tam-
bém conhecido como
Hospital Matarazzo, foi
inaugurado em 1904, na cidade de São
Paulo. Situado na rua Itapeva, a um
quarteirão da av. Paulista, este comple-
xo hospitalar teve os prédios tombados
como patrimônios históricos em 1986
e acabou encerrando suas atividades
em 1993. Após quase vinte anos, o
antigo hospital, com cerca de 27 mil
metros quadrados de terreno, foi ad-
quirido pelo Grupo Allard para dar lugar
à Cidade Matarazzo, com o desafio não
apenas de preservar e restaurar os pré-
dios tombados, mas também de inte- u Figura 1
grá-los ao novo conceito arquitetônico Disposição dos setores do empreendimento Cidade Matarazzo e do túnel de
interligação entre a Torre e o Parking
do empreendimento.
Os setores Torre e Parking do referi-
do empreendimento possuem oito sub- escritórios, teatro, shopping, restauran- (N-04), o que implicou a construção do
solos cada, sendo a maior parte dos tes, entre outros, haverá variados picos túnel tema deste artigo (Figura 1).
mesmos destinada ao estacionamen- de demanda que, por vezes, irão reque-
to de veículos, motocicletas e afins, rer um balanceamento entre estaciona- 2. CONCEPÇÃO E DESCRIÇÃO
de forma a atender aos requisitos de mentos. Dessa forma, para assegurar DO TÚNEL
quantidades mínimas de vagas fixados a adequada operação do empreendi- Primeiramente, definiu-se a loca-
pela Lei Municipal nº 16.402. mento, os empreendedores, arquitetos ção em planta da interligação entre os
Uma vez que o empreendimento e demais interessados decidiram criar setores Torre a Parking (Figura 1). Ape-
comportará variados estabelecimentos uma interligação entre os setores Torre sar da esconsidade em relação às
e atrações, tais como hotel, prédio de e Parking, no nível do quarto subsolo paredes de contenção, o que implica

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 35


maiores dificuldades construtivas, a cializadas, realizadas em pequenos ii. A ausência de nível d’água (NA) na
locação da interligação foi definida de avanços, e a utilização de revestimen- cota de implantação do túnel.
modo a minimizar a perda de vagas de to que tenha baixa rigidez inicial em A elevada coesão das argilas con-
estacionamento nas áreas adjacentes relação ao maciço, permitindo que o fere ao maciço boa estabilidade face a
aos emboques (encontros da interliga- mesmo sofra pequenas deformações, escavações e boa capacidade de su-
ção com as contenções). suficientes para mobilizar sua resistên- porte, o que, juntamente com a ausên-
Por se tratar de uma obra predial, cia ao cisalhamento; é justamente por cia de NA, implica baixa necessidade
os empreendedores e arquitetos acre- isso que o concreto projetado tornou- de tratamentos de solo. Dessa forma,
ditavam que a referida interligação -se o material mais empregado na exe- a única preocupação de projeto foi di-
entre os níveis N-04 seria construída cução de revestimentos primários de mensionar o revestimento do túnel para
como uma trincheira, seguida de um túneis em NATM. suportar a distorção causada pelo car-
posterior reaterro. Para tal, seria ne- Devido às características acima regamento assimétrico do terreno devi-
cessário remover importantes árvores mencionadas, a instrumentação e moni- do ao desnível existente.
de preserva na superfície do terreno e toramento dos deslocamentos do maci- A Figura 2 mostra a seção típica
executar paredes de contenção para- ço e do revestimento do túnel tornam-se adotada para o túnel, sua posição re-
lelas ao alinhamento da interligação. procedimentos inerentes à metodologia lativa à geometria do terreno e o sub-
No entanto, além da questão ambien- NATM, tendo em vista a heterogeneida- solo obtido a partir das sondagens
tal, a solução de trincheira também de do solo e a necessidade de validação de investigação.
implicaria dificuldades executivas, das hipóteses adotadas em projeto. É possível notar que o túnel pos-
tais como: No caso do túnel da Cidade Ma- sui uma geometria curvilínea ovalizada,
u Interferências com os tirantes de tarazzo, havia duas condicionantes de com cerca de 5,4m de altura e 7,9m
ancoragem das paredes de con- execução bastante favoráveis: de largura (medidas em relação ao
tenção dos setores Torre e Parking, i. O maciço composto por solos argi- eixo do revestimento), projetada não
principalmente em função da im- losos de consistência média a rija; apenas para comportar duas faixas de
plantação esconsa;
u Necessidade de execução das con-
tenções em duas etapas, haja vista a
proximidade com a divisa do terreno
e o desnível, de cerca de 5,5m, exis-
tente entre o terreno do empreendi-
mento e as edificações vizinhas.
Dessa forma, para superar todas
as dificuldades supracitadas, a Maffei
Engenharia recomendou que a interli-
gação entre os níveis N-04 dos setores
Torre e Parking fosse executada em tú-
nel, através do chamado método NATM
(“New Austrian Tunneling Method”).
De maneira sucinta, o método em
questão, amplamente utilizado na exe-
cução de túneis rodoviários e metrovi-
ários, visa o aproveitamento da capaci-
dade resistente do maciço circundante
como parte integrante do suporte para
u Figura 2
a escavação do túnel. Para tal, é ne- Corte mostrando o subsolo e as geometrias do túnel e do terreno
cessária a adoção de escavações par-

36 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


circulação de veículos e um passeio
para pedestres, mas também para ga-
rantir que o revestimento trabalhe pri-
mordialmente à compressão.
Em planta, o túnel em questão pos-
sui cerca de 24m de extensão, com
emboques esconsos às paredes de
contenção dos setores Torre e Parking,
o que pode ser observado na Figura 3.

3. EXECUÇÃO DOS EMBOQUES


Diferentemente de túneis execu-
tados em espaço aberto, onde as
embocaduras usualmente demandam
vigas portais dimensionadas para su-
portar pequenos carregamentos ver-
ticais, o túnel em questão demandou
estruturas mais complexas e robus-
tas nos emboques, tendo em vista a
existência de paredes de contenção
previamente executadas, a ocorrência
de elevadas cargas verticais advindas
u Figura 3
das lajes construídas acima do nível
Implantação do túnel do N-04 da Cidade Matarazzo
N-04 e os carregamentos provenien-
tes do trecho esconso do revestimen-
to de concreto projetado.
No emboque lado Parking, onde foi
possível executar a parede de conten-
ção conforme concepção original do
projeto, a solução consistiu em:
u Uma viga de transição executada
no topo da contenção (a qual con-
sistia em estacões de 100cm de di-
âmetro espaçados a cada ~2,15m
na região do emboque), dimensio-
nada para suspender as cargas
verticais dos estacões que seriam
cortados quando da execução do
túnel e transferi-las para as estacas
adjacentes, as quais foram devi-
damente projetadas para suportar
este acréscimo de carga vertical;
u Painéis de concreto armado execu-
tados entre os estacões, os quais
foram dimensionados para receber
u Figura 4
os esforços provenientes do trecho
Vista frontal do emboque lado Parking

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 37


esconso do revestimento do túnel e
transferi-los para os elementos ver-
ticais da contenção, que, por sua
vez, são travados horizontalmente
pelas lajes dos subsolos.
A Figura 4 ilustra as estruturas
construídas para viabilizar o emboque
do túnel pelo lado Parking.
No emboque lado Torre, por outro
lado, não foi possível adotar solução
semelhante, uma vez que interferências
remanescentes de uma antiga edifica-
u Figura 5
ção demolida impediram a execução
Vista em planta do emboque lado Torre
de estacas de contenção na lateral do
mesmo (trecho adjacente à divisa do
terreno). Dessa forma, a escavação arquitetônico, ocorridas na fase final viga portal de transição a capacidade
nesse canto foi feita com a técnica de de escavação da Torre, implicaram um de suporte necessária foi o emprego de
solo grampeado, o que permitiu a con- considerável aumento no carregamento duas estacas-mega metálicas.
comitante remoção das interferências vertical dos estacões da região de em- A Figura 6 mostra todas as estrutu-
existentes. Em seguida, após a escava- boque do túnel, inviabilizando a solução ras que foram construídas para viabili-
ção atingir cerca de 10m de profundida- de apoio sobre a contenção de esta- zar o emboque lado Torre.
de (cota ~800,50m), foram executadas cas-raiz inicialmente concebida. Devido É possível notar que a viga portal
estacas-raiz de 400mm de diâmetro, ao espaço restrito e à inacessibilidade teve que atravessar os estacões que
espaçadas a cada 60cm, para confor- de equipamentos para execução de seriam cortados, justamente no eixo da
marem o complemento da contenção novas estacas, a solução encontrada contenção, para que pudesse receber
da Torre e permitir que a escavação do para contornar o problema e prover à as elevadas cargas verticais de maneira
referido setor prosseguisse, com maior
agilidade e segurança, até a cota final
de projeto. A Figura 5 mostra como fi-
cou a contenção no trecho em questão
(a partir da cota ~800,50m).
Em função das condições mencio-
nadas, a viga de transição para permi-
tir o corte dos estacões no trecho de
emboque do túnel teria de ser implan-
tada pouco acima da cota de topo da
contenção de estacas-raiz, de modo
a aproveitá-las como elementos de
fundação. Para tal, o projeto previu a
criação de uma viga-alavanca sobre as
estacas-raiz da contenção lateral, para-
lela ao túnel (Figura 5), com capacidade
para suportar uma carga vertical máxi-
ma de 70tf, estimada como suficiente
u Figura 6
naquela etapa do projeto. Vista frontal do emboque lado Torre
Entretanto, mudanças no projeto

38 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


ção permitiu-se o início da execução
das estacas-mega, uma vez que as
mesmas utilizariam a própria viga como
elemento de reação.
As fotos 1 a 4 mostram algumas
das etapas construtiva do emboque.
Ressalta-se que, nas etapas de
corte dos estacões, isto é, momento
no qual as estruturas de transição efe-
tivamente entraram em carga, foram
realizados monitoramentos dos des-
locamentos verticais com o auxílio de
marcos reflexivos, os quais se mostra-
ram pequenos e compatíveis com de-
formações elásticas das vigas.

4. EXECUÇÃO DO TÚNEL
Foto 1 – Recortes nos estacões para execução da viga portal
(feitos com serra-copo)
4.1 Condicionantes construtivas
direta, sem que essas causassem es- da viga de transição (no nível da laje do
forços indesejados de torção. N-04), para distribuir parte da carga ver- Conforme mencionado, o maciço
Além da viga portal de transição, tical do estacão lateral ao túnel (estacão argiloso e a ausência de NA foram
também foram executados painéis de de apoio da viga portal) para as estacas condicionantes favoráveis à execução
concreto armado, para receber as car- adjacentes e, assim, não exceder sua do túnel em questão, pois implicaram
gas advindas da casca do túnel e garan- capacidade de fundação. a minimização da necessidade de
tir o travamento horizontal do conjunto Somente 28 dias após a completa tratamentos de solo. Além disso,
como um todo, bem como uma segun- concretagem da viga portal de transi- como também não houve necessi-

Foto 3 – Execução de estaca-mega


metálica reagindo contra a viga portal
Foto 2 – Armadura da viga portal devidamente instalada já executada

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 39


Dessa forma, a obra do túnel so-
mente foi iniciada após a execução
das lajes dos oito níveis de subsolo,
tanto da Torre quanto do Parking, o
que implicou as seguintes condicio-
nantes construtivas:
i. O acesso de equipamentos para
escavação e execução do túnel
foi limitado pelo pé-direito livre
dos subsolos (2,40m de altura),
o que somente permitiu a utiliza-
ção de equipamentos de peque-
no porte;
ii. As lajes dos subsolos foram dimen-
sionadas para sobrecargas usuais
de garagem, da ordem de 400 kgf/
m², o que limitou a estocagem de
Foto 4 – Desvinculação dos estacões e demolição da contenção para conclusão
materiais e da terra escavada;
do emboque lado Torre
iii. Um longo percurso, via lajes dos
dade de instalação de dispositivos -se em conta que a mesma não era subsolos, até a rua, o que, soma-
para controle e rebaixamento inter- caminho crítico do empreendimento, do à limitação de pé-direito, re-
no do NA, a execução do túnel teve optou-se por aguardar o completo sultaria em baixa capacidade de
boa produtividade, a qual poderia ter travamento horizontal das paredes transporte e remoção da terra es-
sido relativamente superior, não fosse de contenção por parte das lajes dos cavada. Para amenizar um pouco
o principal fator limitante da obra em subsolos, o que permitiria o total des- tal situação (bem como contro-
questão: a logística de escavação e ligamento dos tirantes provisórios na lar a sujeira de terra sobre as la-
retirada de terra. região de interesse. jes), a obra utilizou uma pequena
As profundas escavações dos seto-
res Torre e Parking (da ordem de 28m)
demandaram de quatro a cinco linhas de
tirantes provisórios para ancoragem das
paredes de contenção. Dessa forma,
seria muito complicado executar o túnel
de interligação em meio a tantos tirantes
ativos, principalmente por conta de sua
esconsidade em relação às contenções.
Ademais, a execução do túnel conco-
mitantemente à escavação do setor
Parking, por exemplo, demandaria a
criação de um acesso provisório inde-
pendente, tendo em vista o desnível fi-
nal de quatro subsolos entre os planos
de trabalho.
Com base nas dificuldades acima
citadas, cuja resolução certamente
oneraria a obra do túnel e, levando- Foto 5 – Mini-retroescavadeira trabalhando no interior do túnel

40 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


rou apenas 12 semanas (cerca de
72 dias úteis), o que representou um
avanço médio de 39/72 = 0,54 cam-
botas/dia (índice usual de medição
de produtividade em túneis), tendo
sido concluída totalmente dentro do
cronograma estipulado.
As Fotos 5 e 6 mostram, respecti-
vamente, os equipamentos utilizados
na escavação do túnel (miniretroesca-
vadeiras) e a caçamba empregada na
retirada da terra do quarto subsolo.

4.2 Seção e sequência


construtiva

A Figura 7 mostra a seção típica


Foto 6 – Caçamba utilizada no transporte vertical
projetada para o túnel de interligação
caçamba vertical para retirar a voráveis, a produtividade da obra entre os setores Torre e Parking.
terra através de um vazio lateral foi ditada pelas capacidades de es- De maneira sucinta, a seção proje-
ao emboque lado Parking. cavação e remoção de terra. Ain- tada possui volume teórico de escava-
Portanto, por mais que as con- da assim, a obra de escavação e ção da ordem de 38m³/m e revestimen-
dicionantes do maciço fossem fa- execução do túnel em questão du- to de concreto projetado com 25cm de
espessura média (excetuando-se os
engrossamentos na região das sapatas
laterais), totalizando um consumo de
cerca de 6,3 m³/m.
Em termos de parcialização da es-
cavação, as dimensões do túnel e as
condições do maciço permitiram que a
mesma ocorresse em duas etapas:
u Etapa 1: escavação plena da região
da calota, com manutenção de um
núcleo central de estabilidade;
u Etapa 2: Escavação do arco
invertido.
A etapa 1 contempla a escavação
de toda a porção superior do túnel,
limitada pelo plano de trabalho. Nes-
ta etapa, procede-se à instalação da
cambota treliçada e à aplicação do
revestimento de concreto projetado,
formando uma estrutura que funciona
como arco.
u Figura 7
Seção típica do túnel de interligação A etapa 2, por sua vez, contem-
pla a escavação da porção inferior do

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 41


c. Demolição da contenção no trecho
referente ao emboque do túnel;
d. Escavação da calota em avanços
iniciais de 50cm (deixando um nú-
cleo central), instalação da cambo-
ta e execução do revestimento de
concreto projetado;
e. Repetição do item “d” até o trecho
onde foi possível executar a calota
completa;
f. Assim que possível, escavação
u Figura 8 do arco invertido em avanços de
Detalhes esquemáticos das pregagens de frente e enfilagens do túnel 100cm, instalação das telas e exe-
cução do revestimento de concreto
túnel, seguida da execução do restante lota, em lances), para garantir a es- projetado;
do revestimento de concreto projetado tabilidade de teto dos avanços (que, g. Escavação da calota em avanços
(reforçado com telas eletrossoldadas no caso, se resumia a evitar despla- de 80cm (deixando um núcleo cen-
no trecho de arco invertido). camentos de torrões de argila). tral), instalação da cambota e exe-
Se o terreno de cobertura do túnel A Figura 8 ajuda a entender a fun- cução do revestimento de concreto
não fosse desnivelado, isto é, se não cionalidade tanto das pregagens de projetado;
houvesse carregamentos assimétricos frente quanto das enfilagens. h. Escavação do arco invertido em
e, consequentemente, esforços de fle- Dessa forma, a sequência construti- avanços de 160cm, instalação das
xão devidos à distorção do túnel, as va básica do túnel em questão foi: telas e execução do revestimento
escavações da calota e do arco inver- a. Execução das estruturas de embo- de concreto projetado;
tido poderiam ser completamente des- que; i. Repetição dos itens “g” e “h” até o
conectadas. Em outras palavras, seria b. Execução das pregagens de frente ponto de execução do próximo lan-
possível fazer a escavação da calota e do primeiro lance de enfilagens no ce de enfilagens;
por toda a extensão do túnel e, poste- emboque lado Parking; j. Execução das enfilagens de teto;
riormente, a escavação do arco inverti-
do (ambas em avanços reduzidos).
No entanto, no caso em questão,
os cálculos mostraram que o arco in-
vertido deveria ser executado o quanto
antes, para que o revestimento pudes-
se trabalhar como um tubo e, assim,
suportar melhor os efeitos da distorção.
Em relação aos tratamentos de solo,
foram adotadas as seguintes soluções:
u Pregagens de frente no emboque
lado Parking, para assegurar a es-
tabilidade do maciço no início da
escavação do túnel (executadas,
portanto, antes da demolição da
contenção);
u Figura 9
u Enfilagens tubulares injetadas com Seção longitudinal ilustrando o avanço da execução do túnel até a etapa “j”
baixa pressão (instaladas sobre a ca-

42 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


do túnel, foram instalados marcos
superficiais e tassômetros sobre a
projeção do mesmo, os quais foram
utilizados para monitorar os desloca-
mentos do maciço conforme o avan-
ço das escavações. Basicamente,
foram adotadas três seções de instru-
mentação (Figura 10).
Enquanto os marcos superficiais
servem para monitorar os recalques
superficiais do terreno, os tassôme-
tros medem os deslocamentos verti-
cais do maciço pouco acima da ca-
lota do túnel, Uma vez que o método
NATM conta com a resistência ao ci-
salhamento do maciço, é importante
acompanhar as diferenças entre os
Foto 7 – Execução das enfilagens
deslocamentos verticais dos marcos
k. Repetição dos itens “g” a “j” até a das etapas construtivas previamente e tassômetros.
conclusão do túnel. descritas. Por sua vez, internamente ao tú-
As fotos 7 a 10 mostram algumas nel, foram instalados cinco pinos de
4.3 Instrumentação convergência/nivelamento nas mes-
e monitoramento mas três seções, os quais foram utili-
zados para monitorar os comprimen-
Previamente ao início da execução tos de corda mostrados na Figura 11.

u Figura 10
Locação em planta das seções de u Figura 11
instrumentação Pinos de convergência e cordas

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 43


Com base nas variações dos compri-
mentos de corda, é possível verificar os
deslocamentos do revestimento do tú-
nel e estimar sua geometria deformada.

5. SÍNTESE
Túneis são ótimas soluções de
mobilidade urbana, pois permitem a
eliminação de cruzamentos em nível
e possuem maior flexibilidade quanto
ao traçado geométrico. No caso de
túneis executados em NATM, a van-
Foto 8 – Frente do túnel com núcleo central / revestimento pronto para receber tagem é ainda maior, pois trata-se de
os 5 cm finais de concreto projetado / arco invertido reaterrado um método não-destrutivo (MND), o
qual tende a causar poucos efeitos
na superfície, mesmo durante a fase
de obras.
No caso da Cidade Matarazzo,
como tentou demonstrar este arti-
go, um túnel em NATM foi a solução
mais viável, tanto em termos executi-
vos quanto econômicos (o custo da
obra girou em torno de 100 mil reais
por metro linear de túnel e gerou uma
economia estimada de 25% em rela-
ção à solução de trincheira), para re-
alizar a interligação entre os setores
Torre e Parking e, assim, garantir uma
operação mais eficiente dos futuros
estacionamentos.

Foto 9 – Execução do arco invertido / frente do túnel 6. AGRADECIMENTOS,


Aos engenheiros Mauricio Linn
Bianchi, José Rodrigo Tavares, Diego
Afonso Barreiros e Éder Luiz Pedro-
zo, pelo auxílio e pelas informações
fornecidas.
Ao engenheiro Luiz Felipe Saes,
responsável pelo acompanhamento
técnico da obra por parte da Maffei
Engenharia.
Às equipes da Telar Engenharia e
Comércio, da Tessler Engenharia e da
MPD Engenharia, responsáveis pela
construção, gerenciamento e controle
Foto 10 – Revestimento do túnel concluído da obra do túnel.

44 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


u obras emblemáticas

Túnel Paulo Autran


EDUARDO BARROS MILLEN – Engenheiro Civil, Diretor
Zamarion e Millen Consultores

1. INTRODUÇÃO O Túnel Paulo Autran foi inaugurado para o acesso da Avenida Washing-

O
trânsito caótico da cidade em 25 de janeiro de 2008 e teve como ton Luís ao Aeroporto Internacional de
de São Paulo não é novi- propósito melhorar a fluidez do trânsito Congonhas, na zona sul de São Paulo.
dade para ninguém. Os
moradores já sabem disso há muito
tempo. E os visitantes, constantes ou
esporádicos, logo percebem as dificul-
dades de locomoção devido aos con-
gestionamentos, resultando em atrasos
nos compromissos, caso não sejam
alertados com antecedência para se
programarem.
As novas avenidas, pontes, viadu-
tos e túneis se tornam necessários para
tentar compensar o incrível número de
veículos que transita e que aumenta
anualmente.
A conta matemática é simples,
é um problema de escoamento que
os engenheiros aprenderam na ca-
deira de Mecânica dos Fluidos, dos Foto 1 — Antes do túnel (2005)
cursos de engenharia, só que neste
caso o “fluido” se chama veículo e
o “canal” se chama rua. A partir da
teoria, sabe-se que a velocidade de
escoamento do fluído é proporcional
à área destinada, além de outros pa-
râmetros. Em São Paulo, as áreas de
determinadas ruas não são suficien-
tes para uma velocidade de escoa-
mento de veículos adequada.
No local onde existe o Túnel Pau-
lo Autran, havia um semáforo para a
conversão à esquerda de quem vinha
da Avenida Washington Luís, sentido
bairro, e pretendia acessar o aeropor-
to. Muito tempo perdido por causa dos
congestionamentos constantes em
ambos os sentidos. Foto 2 — Depois do túnel (2008)

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 45


Com investimentos de R$ 23 mi-
lhões, a estimativa da CET (Compa-
nhia de Engenharia de Tráfego), na
época, era que 1.800 veículos por
hora utilizassem a nova via sob a ave-
nida Washington Luís, desafogando o
trânsito no entorno do aeroporto, so-
bretudo em horários de pico.
O novo acesso pôs fim ao farol
no cruzamento da Washington Luís.
Com isso, a medida, de imediato,
trouxe maior fluidez ao tráfego nas
Avenidas 23 de maio e Interlagos. Os
recursos da obra saíram de uma par-
ceria selada entre a Prefeitura de São
Paulo e a Infraero (Empresa Brasileira
de Infraestrutura Aeroportuária), em Foto 3 — Túnel Paulo Autran – acesso
novembro de 2005.

2. DESCRIÇÃO DA OBRA
Com 310 metros de comprimento,
sendo 160 deles cobertos, 2 pistas
com 9,5 m, incluindo uma calçada
e gabarito mínimo de 5,0 metros de
altura, no sentido Washington Luís/
Aeroporto, o espaço para as obras e
o prazo necessário eram fatores limi-
tantes que ameaçavam a empreitada.
Foto 4 — Túnel Paulo Autran – interior
O túnel dá acesso ao estacionamento
e ao terminal de passageiros do aero-
porto. A passagem tem ainda siste-
mas de ventilação, iluminação e com-
bate ao incêndio. Assim, o projeto foi
concebido de forma pioneira, sendo o
primeiro túnel em toda América Latina
constituído por estacas-prancha apa-
rentes como solução estrutural para
parte da contenção e fundação.
Na execução, aplicou-se o méto-
do de trincheira aberta após a crava-
ção das estacas-prancha.
Foram utilizadas placas pré-
-moldadas de contenção lateral nos
trechos de saída e entrada do túnel,
assentes sobre canaletas de concre-
Foto 5 — Escavação após a cravação das estacas-prancha, vigas de coroamento
to sobre o solo. O trecho coberto é das estacas-prancha e vigas pré-moldadas de cobertura

46 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


formado por vigas pré-moldadas de lado, e apoiadas sobre as vigas de co- A Prefeitura de São Paulo elaborou
concreto armado, posicionadas lado a roamento das estacas-prancha. o projeto básico do túnel e executou
desvios de trânsito e sinalização do
local, e a Infraero foi responsável pelo
projeto e execução do túnel.

3. CRITÉRIOS DO
PROJETO ESTRUTURAL
O critério geral adotado no projeto
foi de estrutura de concreto pré-mol-
dado, solidarizada no local, de modo a
obter continuidade nas ligações confor-
me normas a seguir, garantindo a qua-
lidade e o atendimento dos requisitos
de capacidade resistente, desempenho
em serviço e durabilidade da estrutura.
Principais referências normativas utili-
zadas para a elaboração deste projeto
(normas vigentes na época):
Foto 6 — Montagem das placas pré-moldadas de contenção lateral na entrada e u ABNT NBR 6118:2003 – Proje-
saída do tunel
to de estruturas de concreto –
Procedimento;
u ABNT NBR 9062:1985 – Projeto e
execução de estruturas de concreto
pré-moldado - Conceitos da comis-
são de revisão da ABNT.
u ABNT NBR 12655:2006 – Concreto
de cimento Portland – Preparo, con-
trole e recebimento – Procedimento;
u ABNT NBR 7188:1984 – Carga mó-
vel em ponte rodoviária e passarela
de pedestre.
Visando aumentar a qualidade do
projeto, simultaneamente ao atendimento
dos requisitos da ABNT NBR 9062:1985,
utilizou-se o texto normativo revisado de
2006, que já estava aprovado pela co-
Foto 7 — Concretagem da capa sobre as vigas de cobertura missão técnica, mas se encontrava, na-
quele momento, em consulta pública.
u Tabela 1 – Condições de exposição da estrutura De acordo com as condições de
exposição da estrutura, no local de
Classe de Risco de implantação desta, os parâmetros de
Área agressividade Agressividade deterioração
ambiental da estrutura
agressividade do ambiente considera-

Túnel III Forte Grande


dos, foram os da Tabela 1.

Demais áreas II Moderada Pequeno


As especificações do concreto ado-
tadas na estrutura estão na Tabela 2.

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 47


u Tabela 2 – Propriedades do concreto

Classe de fck ECS fcj


Concreto Relação a/c
resistência [MPa] [GPa] [MPa]
Pré-moldado C35 35 28,1 20 ≤ 0,50
Moldado no local (solidarização) C25 25 23,8 — ≤ 0,55
Moldado no local (pavimento e paredes) C35 35 28,1 — ≤ 0,50

Para atendimento dos parâmetros


de durabilidade, os valores dos cobri-
mentos nominais das armaduras ado-
tados no projeto foram os da Tabela 3.
Para modelagem desta estrutura
foi utilizado o software STRAP 12.0.00,
considerando pórtico espacial, com-
posto por elementos estruturais lineares
e de superfície, de modo a representar
todos os caminhos percorridos pelos
esforços até os apoios da estrutura.
As propriedades dos materiais inse-
ridas no modelo constam na Tabela 2,
sendo que, além dessas, também fo-
ram consideradas as ações produzidas
pelo peso desses materiais (Tabela 4).
Conforme ABNT NBR 6118:2003, a u Figura 1
variação da temperatura da estrutura é Corte transversal da estrutura
considerada uniforme quando causada
globalmente pela variação da tempera-
tura da atmosfera e pela insolação dire- u Tabela 3 – Parâmetros de durabilidade do concreto
ta, sendo que ela depende do local de
implantação do empreendimento e de Cobrimento de projeto [mm]
Tipo de estrutura Componente ou elemento
(Dc = 5 mm)
suas respectivas características.
Concreto Vigas e placas – faces expostas 35
Neste projeto, a ação da variação
pré-moldado* Vigas e placas – faces capeadas 20
de temperatura foi considerada de +
Capeamento 30
15 ºC ou -15 ºC e retração do concreto
Concreto Solidarização 35
como um esforço equivalente de tem-
moldado no local* Laje do pavimento – face superior 50
peratura de – 10 ºC.
Laje do pavimento – face inferior 35
Devido ao tipo de obra, foi conside-
* Adotado redução de 5 mm para elementos pré-moldados.
rado o empuxo do solo com coeficiente
de recalque de 1,5 kgf/cm³ e coeficien-
te de empuxo passivo de 0,33, assim
u Tabela 4 – Peso específico aparente dos materiais
como a subpressão, no ponto mais
baixo, com 2 m de coluna d’água. Material Intensidade [kN/m³]
Para os leitos carroçáveis, confor- Concreto armado e protendido 25
me ABNT NBR 7188:1984, o trem- Argamassa (revestimentos) 20
-tipo adotado foi o TB45, com fator Água 10
de impacto de 1,33 e, para demais Solo 18
áreas, foi adotada uma sobrecarga de Aço 78,5
3,00 kN/m2.

48 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


u Figura 2
Desenho da viga VI de cobertura com destaques para a chapa de solidarização e detalhamento da chapa

4. PROJETO ESTRUTURAL roamento através de ferros de espera rizadas, por meio de concretagens, ao
A característica principal do projeto nas extremidades e chapas soldadas, longo da canaleta de fundação. A Fi-
foi transformar as peças pré-moldadas conforme Figura 2. gura 3 mostra um corte transversal da
isostáticas em um sistema estrutural rí- As placas pré-moldadas de conten- estrutura, com destaque para a região
gido, por meio de ligações contínuas. ção do solo, localizadas nos trechos de de ligação entre os elementos.
As vigas pré-moldadas da cobertu- entrada e saída do túnel, foram primei- Obteve-se, então, um pórtico espa-
ra foram solidarizadas às vigas de co- ramente posicionadas e depois solida- cial contínuo, com distribuição de todos
os esforços envolvidos por meio de liga-
ções rígidas entre elementos pré-molda-
dos e moldados no local (Figura 4).

5. PRODUÇÃO DOS ELEMENTOS


PRÉ-MOLDADOS
Em função das dificuldades do trá-
fego no entorno da obra, optou-se por
pré-moldar os elementos, ao invés da
pré-fabricação em usina, sendo assim,
tanto as vigas como as placas foram
produzidas no próprio local da obra.
Para que a produção desses ele-
mentos fosse feita de forma adequada,
garantindo a alta qualidade e condições
apropriadas para a estocagem das pe-
ças, foi necessário um preparo cuida-
doso do terreno.
u Figura 3
Placa de contenção fixada na canaleta de fundação 6. COMENTÁRIOS FINAIS
O principal desafio para a execução

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 49


Outro aspecto positivo foi a forma
pioneira de projetar um túnel, utilizando
estacas-prancha aparentes para a con-
tenção lateral do solo. Esta solução,
além de prática na execução e com
baixo custo, possibilitou gerar um alto
valor para a obra.
Enfim, o engenheiro deve atualizar
seus conhecimentos de forma perma-
nente, a fim de encontrar soluções es-
truturais inovadoras e desafiadoras, que
atendam aos requisitos normativos e
utilizem as vantagens e versatilidade dos
elementos estruturais envolvidos, sejam
esses metálicos ou em concreto.

u Figura 4
Diagrama de momento fletor para uma das combinações de ações (tf.m) EQUIPE TÉCNICA

PLANSERVI
da obra do Túnel Paulo Autran foi a defi- Desde o início do detalhamento do Gerenciamento e projetos
nição da logística dos trabalhos, devido projeto até a inauguração da obra foram complementares
às condições locais de tráfego, fluxo de 16 meses de intenso trabalho, podendo
pessoas e impossibilidade de interdi- ser considerado um intervalo de tempo ZAMARION E MILLEN
CONSULTORES
ções, exigindo uma coordenada ação muito curto em função da complexidade
Projeto estrutural de concreto
dos profissionais envolvidos ao longo de dos serviços e condições envolvidas. pré-moldado e moldado no
todo o processo. A solução estrutural em elementos local (pavimento inferior e
As soluções adotadas em projeto, pré-moldados teve um papel predomi- capeamento).
na produção, na estocagem e na mon- nante na obtenção do sucesso deste
BOC
tagem dos elementos pré-moldados, empreendimento, cabendo destacar,
Pré-fabricados
assim como as concretagens locais e entre tantas outras vantagens, a alta
acabamentos, foram intensamente es- qualidade alcançada no acabamento CAMARGO CORRÊA
tudadas de forma multidisciplinar, vi- dos elementos estruturais e a redução Montagem e obras civis
sando minimizar o tempo total da obra. significativa dos prazos de obra.

Foto 8 — Etapa final de cura úmida do concreto

50 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 51
u entidades da cadeia

Estudo IPT de concreto


com idades avançadas:
histórico e aspectos gerais
KAROLINE MARIANA GONÇALVES FREITAS – Assistente de pesquisa | PRISCILA RODRIGUES MELO LEAL – Pesquisadora
FABIANO FERREIRA CHOTOLI – Pesquisador | VALDECIR ANGELO QUARCIONI – Pesquisador
Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT)

1. INTRODUÇÃO

L
ogo após a instalação da Es-
cola Politécnica, em 1894,
no bairro do Bom Retiro, em
São Paulo, foi constatada a necessi-
dade e a importância de inserir a par-
te prática e experimental do curso de
engenharia civil, e foi nesse contexto
que, em 1899, foi criado o Gabinete
de Resistência dos Materiais (GRM)
da Escola Politécnica de São Paulo,
sendo um dos primeiros laboratórios
do gênero no país.
Em 1923, Ary Frederico Torres se
graduou no curso de Engenharia Civil
da Escola Politécnica. Como obteve
o primeiro lugar entre os formandos
do ano, ganhou, como prêmio, uma
viagem de estudos à Europa, para
onde embarcou em 1925. Em Zuri-
u Figura 1
que, na Suíça, trabalhou por quase Carta que registra o início do programa
um ano como assistente no Labora-
tório Federal de Ensaio de Materiais
e, além disso, visitou os laboratórios Laboratório de Ensaios de Materiais Já com uma seção dedicada ao
de pesquisas técnicas da França, (LEM). Nesse projeto foram propostas estudo do concreto e materiais cons-
Alemanha, Áustria, Itália e Bélgica. algumas mudanças que foram funda- tituintes, Ary Torres publicou, em
Com a bagagem que adquiriu no mentais para o crescimento do labo- 1927, o Boletim nº 1 do IPT sobre
exterior, Ary Torres, de volta à São ratório (Boletim do IPT nº 20, 1939). “Dosagem dos concretos”, tornan-
Paulo, em 1926, assumiu a direção Nesse mesmo ano, a primeira fá- do público o resultado de um ano de
do GRM e apresentou um relatório e brica moderna de cimento, a Com- estudos experimentais, que causou
um projeto de remodelação do Gabi- panhia de Cimento Portland Perus, grande repercussão na época, visto
nete, que passou a ser chamado de iniciou a sua produção em São Paulo. que os concretos eram dosados até

52 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


então de forma empírica, sem funda- cretos e os resultados de resistência Em 1965, foram finalizadas as
mento técnico, com base apenas em à compressão até 28 dias. moldagens do programa “Estudo de
traços tradicionais ou arbitrários. No ano seguinte, o Laboratório Dosagem de Concreto de Longa Du-
Com o método proposto para de Ensaios de Materiais foi transfor- ração”, com a previsão do término
dosagem racional dos concretos, mado em Instituto de Pesquisas Tec- dos ensaios em 2015.
tornou-se possível alcançar as resis- nológicas do Estado de São Paulo, Em 1990, após 57 anos do início
tências previstas nos projetos, com por meio do Decreto nº 6375 de 3 de do programa, o pesquisador do La-
a produção de um concreto mais abril de 1934. boratório de Concreto do IPT, Carlos
econômico e de qualidade, o que Em 1935, foram moldados os cor- Eduardo de Siqueira Tango, apre-
trouxe contribuição significativa para pos de prova da segunda amostra do sentou a sua tese de doutorado, sob
o desenvolvimento tecnológico dos programa de “Estudo de Dosagem orientação do Professor Dr. Vahan
concretos nacionais (Boletim do IPT de Concreto de Longa Duração”, e Agopyan, intitulada “Um estudo do
nº 03, 1929). nos anos subsequentes, foram re- desenvolvimento da resistência à
Em 1933, Ary Torres iniciou o alizadas as moldagens das outras compressão do concreto de cimento
programa intitulado “Estudo de Do- 73 amostras. Portland até 50 anos de idade”, na
sagem de Concreto de Longa Du- Em 1936, por iniciativa de um qual reuniu os dados do estudo ini-
ração”, que consistia em um plano grupo de industriais dedicados à pro- ciado por Ary Torres. No trabalho de-
de ensaios para cimento e concreto, dução de cimento Portland foi cria- senvolvido por Tango foi apresentada
que representava a caracterização da a ABCP – Associação Brasileira a dedução de modelos matemáticos
das amostras de cimento e a molda- de Cimento Portland, sendo que Ary da evolução da resistência à com-
gem de corpos de prova de concreto Torres foi nomeado seu diretor-geral, pressão com o tempo, confrontados
de diferentes traços para a determi- que, anos depois, se tornou o cargo com os dados disponíveis do progra-
nação da resistência à compressão de diretor-presidente. ma, obtendo, com isso, um método
de 2 dias até 50 anos de idade. Em 1937, Ary Torres e o enge- de previsão de resistências por mo-
O documento que registra o início nheiro Paulo Sá, do Laboratório de delagem matemática (TANGO, 1991).
do programa é uma carta encami- Ensaios de Materiais do Instituto Na- Atualmente, o Laboratório de Ma-
nhada ao engenheiro Ary Torres, da- cional de Tecnologia, coordenaram teriais de Construção Civil (LMCC) do
tada de 20 de abril de 1933, pelo en- a 1ª Reunião de Laboratórios de En- IPT, como responsável por finalizar
tão diretor gerente da Companhia de saios de Materiais, na qual foi formu- o programa iniciado por Ary Torres,
Cimento Portland Perus, H.A. Henry, lada a proposta de constituição de ainda possui corpos de prova acon-
em que é aprovado o plano de en- uma entidade nacional de normaliza- dicionados na câmara úmida do IPT,
saios proposto pelo LEM (Figura 1). ção. E, então, em 1940, foi fundada onde os exemplares permaneceram
Em outra carta com mesma data a Associação Brasileira de Normas desde que foram moldados.
e remetente, foram tratados os cus- Técnicas – ABNT (ABNT, 2011). Nes- Em 2019, foi finalizado o levanta-
tos dos ensaios e enfatizada a fina- sa ocasião, Ary Torres deixou a su- mento de toda a documentação do
lidade do estudo, a saber: oferecer perintendência do IPT para assumir programa e do acervo de corpos de
comparações sob o ponto de vista como o primeiro presidente da ABNT. prova restantes do estudo. Foram
de durabilidade do concreto exposto Dessa forma, as especificações localizados 422 corpos de prova, al-
ao ar, água simples e água do mar. e métodos de ensaio desenvolvi- guns íntegros e outros já ensaiados,
Em 19 de agosto de 1933, foi dos nesse período no IPT serviram que não perderam a sua identificação
emitido o primeiro documento técni- de base para a elaboração das pri- e que resistiram ao tempo e às mu-
co a respeito do programa, o “Ensaio meiras normas da ABNT, como a danças que ocorreram ao longo dos
Oficial nº 3931”. Nesse documento NB1 – Cálculo e Execução de Obras anos, inclusive 12 corpos de prova da
são relatadas as séries de corpos de de Concreto, e a MB-1 – Méto- primeira amostra moldada em 1933.
prova, os materiais empregados, as do de ensaio de cimento Portland Cabe ressaltar que os 12 cor-
características de dosagem dos con- (ABNT, 2011). pos de prova restantes da primeira

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 53


amostra foram moldados inicialmen- 2. DESENVOLVIMENTO programa, seguida da Fábrica Voto-
te com a finalidade de serem subme- rantim, em 1937, da Cimento Itaú, em
tidos à conservação em água do mar, 2.1 Programa experimental 1939, da Cimento Maringá, em 1956,
o que não ocorreu; em contrapartida, e da Cimento Santa Rita, em 1957.
isto permitiu um momento histórico: As moldagens dos corpos de pro- Das 75 amostras estudadas, fo-
a análise da resistência do concreto va desse estudo foram realizadas du- ram 33 amostras de cimento Perus,
com 86 anos de idade. rante 32 anos (1933 a 1965). Nesse 27 amostras de cimento Votoran, 4
Após o levantamento realizado, período foram analisadas cinco mar- amostras de cimento Itaú, 2 amos-
foram selecionados cuidadosamen- cas diferentes de cimento, a saber: tras de cimento Maringá e 9 amos-
te alguns corpos de prova para se- Cimento Perus, Votoran, Santa Rita, tras de cimento Santa Rita.
rem estudados – inicialmente, suas Itaú e Maringá, que totalizaram 75 As amostras de cimento eram
propriedades mecânicas como pro- amostras de cimento. coletadas por representantes do
posto no programa, e posteriormen- Para cada amostra de cimento Laboratório de Concreto do IPT em
te, sua microestrutura por meio de foram moldados corpos de prova de depósitos de fornecedores ou dos
novas tecnologias. concreto para o estudo da resistên- próprios fabricantes, eram devida-
O presente artigo tem como ob- cia à compressão de 2 dias até 50 mente identificadas e caracterizadas
jetivo trazer informações do contexto anos de idade. As últimas moldagens através de ensaios físicos, mecânico
histórico no qual está inserido o pro- foram em 1965. Portanto, os últimos e químicos - finura, consistência nor-
grama e compartilhar a parte experi- ensaios estavam previstos para se- mal, tempo de pega, estabilidade de
mental desenvolvida pelo ilustre Dr. Ary rem realizados no ano de 2015. volume, resistência à compressão e
Torres, assim como divulgar alguns re- A Companhia Brasileira de Cimen- análise química.
sultados obtidos recentemente. to Perus foi a primeira a entrar no Os agregados utilizados nas mol-

Criação do Gabinete de Resistência dos Inicia o Programa intitulado “Estudo É fundada a Associação Brasileira de Normas
Materiais (GRM) pelo Dr. Antônio Francisco de de dosagem de concreto de longa Técnicas (ABNT), e as primeiras normas de
Paula Souza. duração”, elaborado por Ary Torres. cimento e concreto são publicadas.

1899 1933 1940


1926 1934 1936 1944
Ary Torres assume a direção do A primeira fábrica O LEM é transformado em É fundada a O IPT é transferido para a Cidade
GRM, que passa a ser chamado de cimento Instituto de Pesquisas Associação Universitária.
de Laboratório de Ensaios de Companhia de Tecnológicas (IPT). Brasileira de
Materiais (LEM). Cimento Portland Cimento Portland
Perus inicia a sua (ABCP).
produção em São
Paulo.

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dagens dos concretos foram todos A série A corresponde aos cor- No primeiro documento do pro-
provenientes do rio Tietê. As propor- pos de prova para as idades até 12 grama, é relatado que os corpos de
ções relativas entre os agregados, meses, e a série B corresponde aos prova pertencentes à série D seriam
em cada traço de concreto, foram de longa duração, ou seja, aos cor- enviados para conservação em água
calculadas de modo a se obter um pos de prova para as idades de 2 a do mar de Santos, devendo haver
módulo de finura adequado à traba- 50 anos. alguma combinação com a Cia. Do-
lhabilidade do concreto, sendo o di- Na proposta inicial, estava defi- cas de Santos. Porém, não há mais
âmetro máximo de 38 mm e a massa nido que seriam moldados corpos registro dessa tratativa. Em razão
específica de 2,6 kg/dm . 3
de prova também para a série C, disso, os corpos de prova que se-
Os corpos de prova de concreto com traços de 1:5 – 1:6 – 1:7, que riam destinados à água do mar fo-
cilíndricos foram moldados com di- seriam colocados em conservação ram moldados apenas para as duas
mensões de 15 cm de diâmetro e 30 em água potável para observação primeiras amostras, assim como os
cm de altura, sendo a consistência durante o estudo, e para a série D, destinados à água simples, sendo
medianamente plástica, com o abati- moldados apenas os traços 1:5 – que os corpos de prova da série D
mento na faixa de 100±20 mm. 1:6 – 1:7, que seriam colocados da amostra nº 3931 encontram-se no
Foram estudados seis traços de em água do mar para observação LMCC conservados em câmara úmi-
concreto, de relações cimento: agre- durante o estudo. Porém, após o da até a presente data.
gado, em peso, iguais a 1:4 – 1:5 – levantamento dos dados das amos- Na maior parte do estudo, as
1:6 – 1:7 – 1:8 e 1:9. E as idades es- tras, foi verificado que a moldagem quantidades, traços e número de
tudadas foram 2, 3, 7, 28 dias; 3, 6, da série C e série D foi realizada corpos de prova seguiram o esta-
12 meses; 2, 3, 5, 10, 25 e 50 anos, apenas nas primeiras amostras belecido no programa inicial, exceto
sendo divididas em série A e série B. nº 3931 e nº 6469. série C e série D, conforme Tabela 1.

Levantamento de toda a
documentação do Programa.
Carlos Eduardo de Siqueira Tango Ruptura de alguns corpos de
São nalizadas as moldagens publica sua tese de doutorado com prova restantes, inclusive 2 da
dos corpos de prova do base nos dados disponíveis do primeira amostra nº 3931 com 86
Programa. Programa. anos de idade.

1965 1990 2019

1972 2015
No segundo A última amostra moldada do
colóquio entre Programa completa 50 anos.
tecnologistas do
concreto
realizado no IPT, é
fundado o
Instituto Brasileiro
de Concreto
(IBRACON).

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 55


u Tabela 1 – Quantidades, traços e número de corpos de prova para cada série

Série A B C D
Conservação Ar úmido Ar úmido Água potável Imersos em água do mar
1:4 – – –
1:5 1:5 1:5 1:5
Traços em peso 1:6 1:6 1:6 1:6
cimento: agregado 1:7 1:7 1:7 1:7
1:8 – – –
1:9 – – –
2, 3, 7 e 28 dias
Idades 2, 3, 5, 10, 25 e 50 anos Uma e indeterminada Uma e indeterminada
3, 6 e 12 meses
Número de corpos de prova
4 4 4 4
para uma mesma idade
Número de corpos de prova
168 72 12 12
para a série
Número total de corpos
de prova de concreto por
240 ver nota 1 2
amostra de cimento
Série A e B
NOTA
1
Da terceira amostra em diante não foram moldados os corpos de prova para a série C e D.
2
Para a segunda amostra do Programa (nº 6469) foram moldados 32 corpos de prova para a série D. Sendo 4 traços 1:4, 1:5, 1:6 e 1:7, e 8 corpos de prova por traço: 4 simples, 2 armados
com 1 ferro e 2 armados com 4 ferros – esses corpos de prova não foram encontrados no levantamento realizado.

Foram moldados por amostra de 2.2 Metodologia ensaio de resistência à compressão


cimento 240 corpos de prova de con- em corpos de prova cilíndricos.
creto. Nas duas primeiras amostras A primeira amostra de cimento do Em 1935, após alguns ajustes nos
foram executadas a série C e série D, programa foi ensaiada de acordo com textos, foram publicados os métodos
mas, nas demais amostras, seguiu- os métodos propostos em boletins de ensaio para cimento, concreto e
-se a programação de moldagem emitidos em 1933, por Ary Torres e agregados e a especificação para
apenas da série A e B. Nos últimos Romulo de Lemos Romano (Boletim cimento, conforme Tabela 3, quan-
cinco anos de moldagem, a quanti- nº 11: Método para o ensaio mecâ- do se deu a moldagem da segunda
dade de corpos de prova moldados nico dos cimentos e Boletins nº 90 e s amostra do Programa.
por amostra de cimento diminuíram 94: Ensaio normal dos cimentos). No decorrer dos anos, as normas
para 120, sendo apenas 2 corpos de Na elaboração desses métodos, que descrevem os métodos de ensaio
prova para a mesma idade. buscou-se seguir o que já estava es- utilizados no programa passaram por
Pelo levantamento de dados rea- tabelecido em normas estrangeiras, algumas mudanças e revisões, e ou-
lizado, foram moldados durante todo principalmente na ASTM – American tras normas de cimento, concreto e
o Programa 15.674 corpos de prova, Society for Testing and Materials, com agregado foram publicadas.
conforme apresentado na Tabela 2. exceção do método proposto para Como exemplo, na época em que
foram moldados os corpos de prova,
utilizava-se agregado graúdo de di-
u Tabela 2 – Quantidades de corpos de prova moldados durante todo o Programa
mensões maiores (no programa, fo-
Série A B C D ram utilizados agregados de diâme-

Quantidade de corpos de prova moldados por série 10.936 4.670 24 44 tro máximo 38 mm) e, portanto, só

Total de corpos de prova moldados 15.674 era possível moldar corpos de prova
em dimensões maiores, ou seja, no

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mínimo 15 x 30 cm. Atualmente, são
utilizados, para controle em obra,
u Tabela 3 – Primeiros métodos e especificação publicados pelo IPT referente
a cimento, concreto e agregado
corpos de prova com dimensões me-
nores, como 10 x 20 cm. Isto se deve
Ano da
à premissa normativa da dimensão Material Identificação Descrição
publicação
básica do corpo de prova, que deve E1 Especificação
ser, no mínimo, três vezes maior que Cimento Portland 1935
M1 Métodos de ensaio
a dimensão nominal máxima do agre- Moldagem e sazonamento de
M2
gado do concreto. corpos de prova de concreto
Concreto 1935
Outra mudança importante no de- Ruptura de corpos de prova
M3
correr dos anos foi o início da utili- de concreto

zação das adições no cimento, que Método para determinação da


M4 composição granulométrica de
refletiu diretamente nos critérios nor- agregados
mativos. Só a partir de 1952 é que Método para a determinação do
se iniciou no Brasil a produção de Agregados M5 peso específico aparente 1936
de agregados
cimento utilizando adições, com a
Método para a determinação do
primeira partida de cimento Portland
M10 índice de matéria orgânica dos
de Alto Forno. Em 1954, iniciou- agregados finos
-se a produção de cimento Portland
de Alta Resistência Inicial (ARI), em
1955, de Cimento Portland Branco
u Tabela 4 – Normas atuais de especificação e caracterização
(CPB) e, em 1969, de cimento Por-
de cimento Portland, concreto e agregados
tland Pozolânico (POZ) (BATTAGIN,
MUNHOZ, BATTAGIN, 2015).
Última
Na Tabela 4, são identificadas al- Material Identificação Descrição
atualização
gumas das normas de cimento Por- NBR 16697 Requisitos 2018
tland, concreto e agregados, e as Determinação da resistência à compressão
NBR 7215 2019
suas versões atualizadas. de corpos de prova cilíndricos
Determinação da pasta
NBR 16606 2018
Cimento de consistência normal
2.3 Resultados
Portland NBR 16607 Determinação dos tempos de pega 2018

Para cada amostra e fabricante, Determinação do índice de finura por meio


NBR 11579 2013
da peneira 75 µm (nº 200)
era emitido um primeiro certificado,
Determinação da expansibilidade
contendo o programa experimental NBR 11582 2016
de Le Chatelier
proposto, a caracterização dos agre- Procedimento para moldagem
NBR 5738 2016
gados e os resultados de resistência e cura de corpos de prova
Concreto
à compressão dos concretos de até Ensaio de compressão de
NBR 5739 2018
corpos de prova cilíndricos
28 dias de idade. Posteriormente,
Determinação da composição
eram emitidos certificados individu- NBR NM 248 2003
granulométrica
ais, com os resultados de resistên-
Agregado miúdo – Determinação da massa
cia à compressão dos concretos das NBR NM 52 2009
específica e massa específica aparente
demais idades – 3, 6, 12 meses; 2, Agregados Agregado graúdo – Determinação da
3, 5, 10, 25 e 50 anos. Os certifica- NBR NM 53 massa específica, massa específica 2009
aparente e absorção de água
dos com os resultados físicos, me-
Agregado miúdo – Determinação de
cânico e químicos do cimento eram NBR NM 49 2001
impurezas orgânicas
emitidos separadamente – sendo um

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 57


com os resultados dos concretos
u Tabela 5 – Caracterização do cimento utilizado na dosagem foram encontrados em sua totalida-
do concreto – amostra 3931
de em posse do LMCC, contendo
os dados do programa, os resulta-
Ensaios Resultados
dos de caracterização dos agrega-
Finura – Peneira 900 malhas/cm² (%) 0,14
dos, e os resultados de resistência
Finura – Peneira 4900 malhas/cm² (%)1 6,03
à compressão dos concretos nas
Consistência normal (%) 25
idades estudadas. Os certificados
Pega 1 h 39 min
contendo os resultados de caracte-
Ensaios Estabilidade de volume – Antes da ebulição (mm) –
rização dos cimentos – físicos, me-
físicos Estabilidade de volume – Após 24 horas de ebulição (mm) 3,2
cânico e químico foram localizados
Resistência à compressão (MPa) – 1 dia 1,7
parcialmente.
Resistência à compressão (MPa) – 3 dias 9,5
Foi realizada também a inventa-
Resistência à compressão (MPa) – 7 dias 17,6
riação dos corpos de prova da câ-
Resistência à compressão (MPa) – 28 dias 29,9
mara úmida, e a partir dessas infor-
Perda ao fogo % 1,80
mações, foi feita uma sistematização
Insolúvel % 0,08
dos dados encontrados nos relató-
Sílica (SiO2) 20,65
rios antigos e do inventário.
Ensaios Alumina (Al2O3) 5,50
Esse programa gerou um enor-
químicos Óxido de ferro (Fe2O3) 1,86
me banco de dados de resultados,
Cal (CaO) 64,40
que registra décadas da história do
Magnésio (MgO) 6,16
cimento e concreto, e abre possibili-
Anh Sulfurico (SO3) 0,97
dade para inúmeros estudos.
NOTA
1
O ensaio de finura da primeira amostra de cimento foi realizado de acordo com o Boletim de ensaios de cimento emitido em Na Tabela 5 constam os resulta-
1933. E foi utilizada a peneira de 4900 malhas/cm2 (que corresponde a 0,088 mm de abertura). A partir de 1935,
dos dos ensaios físicos, mecânico
foi realizada a substituição da peneira alemã de 0,088 mm, pela peneira americana de 0,075 mm de abertura (nº 200).
Segundo Ary Torres (1935) a substituição foi feita por ser uma peneira mais fina, o que permite um resultado melhor dessa e químicos da primeira amostra do
característica do cimento. Nessa publicação de 1935, ficou estabelecido o limite para o resíduo na peneira de 0,075 mm,
de ≤15% em peso. E foi a partir de 1991 que se estabeleceu o limite de ≤12%, que permanece até hoje. programa.
Para todas as amostras estuda-
das foram registradas as informações
certificado para os ensaios físicos e organizou e digitalizou todos os certifi- de dosagem dos concretos, as pro-
mecânicos, e um certificado para os cados encontrados, e a partir disso, foi porções entre cimento, areia e brita,
ensaios químicos. elaborada uma ficha para cada amostra a relação água/cimento e o consu-
Em 2018 e 2019, o LMCC, como e todos os resultados foram tabulados. mo de cimento, conforme exemplifi-
responsável por finalizar esse estudo, Os certificados originais emitidos cado na Tabela 6, na qual constam
as informações da primeira amostra
u Tabela 6 – Informações sobre a dosagem da amostra nº 3931 do programa.
Conforme o andamento dos en-
Traços em Traços em peso Consumo saios, os resultados de resistência à
Módulo do
peso Cimento: Cimento: Areia: Relação a/c de cimento
agregado compressão eram emitidos e envia-
Agregado Brita (kg/m3)
1: 4,00 5,60 1: 1,34: 2,66 0,409 442
dos para os fabricantes de cimento.

1: 5,00 5,34 1: 2,00: 3,00 0,478 367


E, ao final, era gerado um gráfico dos

1: 6,00 5,10 1: 2,78: 3,22 0,600 318


resultados de longa duração. Na Fi-

1: 7,00 4,90 1: 3,60: 3,40 0,715 282


gura 2, é apresentado o gráfico da

1: 8,00 4,80 1: 4,30: 3,70 0,835 250


primeira amostra nº 3931 – Cimento

1: 9,00 4,70 1: 5,10: 3,90 1,000 210


Perús, até 50 anos de idade, referen-
te aos traços 1:6 e 1:7.

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Além de todos os resultados emi-
tidos, em 2019 foram selecionados
12 corpos de prova restantes do
programa, de mesmo traço (1:6),
para serem analisadas, inicialmente
suas propriedades mecânicas, como
proposto por Ary Torres, e posterior-
mente, sua microestrutura por meio
de novas tecnologias.
As amostras foram escolhidas
por década de moldagem, incluin-
do dois corpos de prova da primeira
amostra. Portanto, foram ensaiados
corpos de prova de concreto com
86, 77, 65, 56 e 55 anos de idade,
momento histórico que reuniu ipete-
anos e ex-ipeteanos que trabalharam
diretamente no projeto. Os resulta-
dos de resistência à compressão são
u Figura 2
apresentados na Tabela 7 e gráfico
Gráfico da resistência à compressão da série A e B referente aos traços 1:6
da Figura 3. e 1:7 da primeira amostra nº 3931 – Cimento Perus
Os resultados obtidos recente-
mente mostraram que o concreto
nologia do concreto no país, conduz Torres idealizou o Programa, regis-
continuou a ganhar resistência. Pela
um estudo tão longevo. A Universi- trou-se que a finalidade era comparar
tabela, é possível perceber que houve
dade de Wisconsin conduz estudo alguns traços de concreto estabeleci-
ganho significativo em comparação à
de longa duração, com programação dos, sob o ponto de vista de durabili-
idade de 28 dias. O gráfico mostra
de ensaios em corpos de prova de dade do concreto exposto ao ar, água
que o crescimento de resistência à
concreto de até 100 anos de idade, simples e água do mar. Porém, no le-
compressão de todas as amostras
subdividido em séries – série A ini- vantamento realizado, foi identificado
seguiu a mesma linha de tendência.
ciou em 1910, série B, em 1923, e que não foi atingido esse objetivo, já
Esses dados trazem informações
série C, em 1937. que para série C e série D foram mol-
importantes sobre o comportamento
Como apresentado, quando Ary dados corpos de prova apenas para
do concreto e enriquece ainda mais
o banco de dados desse programa.
u Tabela 7 – Resultados de resistência à compressão dos corpos de prova
ensaiados em 2019
3. CONCLUSÕES
A partir do levantamento históri-
Identificação Código Resistência à compressão média (MPa)
co realizado nesse projeto, é possível Ano da
da da Resultado do ensaio
perceber que o programa “Estudo de moldagem 28 dias
amostra marca realizado em 2019
dosagem de concreto de longa dura-
3931 3 1933 22,2 42,0
ção” permeia a história da indústria de
31143 3 1942 30,9 44,6
cimento nacional e o aprimoramento
121793 3 1954 17,6 45,7
da tecnologia do concreto no Brasil.
121797 5 1954 20,3 43,6
No país não se tem notícia de
221346 3 1963 18,4 42,3
nenhum estudo semelhante a esse:
234490 5 1964 19,5 36,0
somente o IPT, como pioneiro da tec-

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 59


didos, tiveram uma visão ainda maior
3931 31143 121793 121797 221346 234490
que o prazo desses ensaios, pois o
50,0
planejamento poderia se tornar ob-
45,0
soleto com o passar do tempo, o
Resistência à compressao (MPa)

40,0
local de armazenamento e a identi-
35,0
ficação dos corpos de prova preci-
30,0
sariam resistir ao tempo, o labora-
25,0
tório ou o patrocinador poderiam vir
20,0
a deixar de existir; além disso, eles
15,0
não estariam vivos para concluírem
10,0
o estudo, deixando essa responsa-
5,0
bilidade, os frutos e o legado para
0,0
2d 3d 7d 28d 3m 6m 1a 2a 3a 5a 10a 25a 50a 55a 56a 65a 77a 86a
as futuras gerações do Laboratório
Idade e da comunidade técnica em geral.
Este programa atravessou gerações
u Figura 3 no IPT, que, desde a sua fundação
Gráfico das resistências à compressão das amostras selecionadas para
continuação do estudo – Traço 1:6 como Gabinete de Resistência dos
Materiais, colaborou com o processo
de desenvolvimento tecnológico do
as duas primeiras amostras. No en- balhar na digitalização e sistematiza-
País, cumprindo sua missão como
tanto, as moldagens da série A e B ção de toda a documentação e dos
braço tecnológico do Estado, a ser-
continuaram até 1965, de modo que resultados produzidos, de forma que
viço da sociedade.
o estudo se concentrou nos ensaios esses dados não se perdessem no
Hoje, com 120 anos de história,
de longa duração dos concretos ex- tempo, bem como organizar e cata-
o IPT conta com infraestrutura de
postos ao ar até 50 anos de idade. logar os corpos de prova restantes,
aproximadamente 103 mil m 2, que
Apesar da complexidade do Pro- a fim de finalizar os ensaios de resis-
grama, dado que foram realizadas tência mecânica como proposto ini- abriga 37 Laboratórios e Seções

coletas de amostras de cimento e cialmente no começo do século XX, Técnicas, pertencentes a 9 centros

moldados corpos de prova duran- e investigar esses concretos em re- e dois núcleos tecnológicos na Ci-
te 32 anos, com aproximadamente lação à sua microestrutura, uma vez dade Universitária Armando de Sal-
80 anos de resultados de ensaios que é, nessa escala, que ocorrem les Oliveira, em São Paulo (SP), além
emitidos, foi encontrada uma padro- as principais transformações que in- de uma unidade em Franca (SP) e o
nização no processo, desde o pla- fluenciam todas as propriedades do Núcleo de Estruturas Leves (LEL), no
nejamento, as moldagens, os regis- concreto em longas idades. Parque Tecnológico de São José dos
tros das amostras, até as emissões Cabe ressaltar que os idealizado- Campos (SP), e é considerado como
dos certificados. res e principais participantes desse um dos maiores institutos de pesqui-
Neste projeto intencionou-se tra- programa foram ousados e despren- sas do Brasil.

u REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] ABNT. História da normalização brasileira. Associação Brasileira de Normas Técnicas. Rio de Janeiro, 2011.
[2] BATTAGIN, Arnaldo Forti, MUNHOZ, Flavio André Cunha Munhoz, BATTAGIN, Inês Laranjeiras S. Evolução da normalização, finura e resistência à compressão dos
cimentos Portland brasileiros. Revista Concreto & Construções, São Paulo, nº 80, p. 117-122, out/dez, 2015.
[3] INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS. Histórico de sua evolução. Boletim nº 20. São Paulo, IPT, 1939. 102 p.
[4] TANGO, Carlos Eduardo de Siqueira. Um estudo do desenvolvimento da resistência à compressão do concreto de cimento Portland até 50 anos de idade. Boletim
nº 60. São Paulo, IPT, 1991. 36 p.
[5] TORRES, Ary Frederico. Dosagem racional dos concretos. Boletim nº 3. São Paulo: Escola Polytechica de São Paulo, 1929. 32 p.

60 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


u estrutura em detalhes

Controle tecnológico de concreto


projetado com fibras nos túneis
da UHE Chaglla – Peru
SANDRO MENDES – Engenheiro Civil | CARLOS LÚCIO – Engenheiro Civil | VALDEMAR FURLANETTO – Engenheiro Civil

1. INTRODUÇÃO mento de Huánuco. Nas bordas dos volume de aterro atingiu 8.400.000 m3 e

O
presente artigo tem por Andes, voltada para a região da flo- comprimento de crista de 270m [1].
finalidade descrever o resta Amazônica. A construção foi O arranjo geral do empreendimento
controle tecnológico do iniciada em 2011 e entrou em opera- está apresentado na Figura 1.
concreto projetado com fibras utiliza- ção no final do ano de 2015, resultan- O desvio do rio Huallaga foi efetu-
do nos túneis da Usina Hidroelétrica de do em cerca de 10% da geração de ado por um túnel, não revestido, situ-
Chaglla, no Peru. energia elétrica peruana. ado na margem esquerda, com 1.126
Concebeu-se a barragem como sen- m de comprimento, em seção arco-
2. DADOS DO PROJETO do a de uma estrutura de enrocamento, -retângulo e diâmetro equivalente de
A Usina Hidrelétrica de Chaglla com face de concreto de 209m de al- 12,5m (Figura 2).
está localizada no Peru, no departa- tura (a 3ª maior BEFC do mundo), cujo O vertedouro, também situado

u Figura 1
Arranjo geral do aproveitamento hidrelétrico de Chaglla [1]

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 61


na margem esquerda, foi concebido mitido como suporte permanente çado com ou sem malha metálica,
para uma vazão máxima provável de nas superfícies das escavações e ou com ou sem fibras de aço, se-
5.630m3/s (operando apenas dois de com as espessuras mostradas nos gundo o indicado nos projetos;
seus três túneis é possível extravasar projetos de engenharia; u Independente do tipo de susten-
uma vazão de 3.621m³/s, vazão deca- u O concreto projetado pode ser lan- tação (revestimento) definitivo a
milenar). Consiste em três túneis, em
seção arco-retângulo, de 14,75 m de
diâmetro, com comprimento total de
2.518m e estruturas de controle com
comportas radiais situadas junto às sa-
ídas de jusante (Figura 3).
Adjacente às estruturas do verte-
douro, estão localizados o túnel de
adução da PCH (Pequena Central Hi-
drelétrica), com 458 m de comprimen-
to, que aproveita a vazão ecológica
para gerar 6 MW e o túnel do circuito
de geração principal, com extensão de
15,615 km, até a casa de força princi-
pal, que tem potência instalada de 450
MW. (Figura 4).
Para realizar o túnel de adução e as
janelas de acesso ao túnel (Janela Zero,
I, II, III, IV, cada uma com 300 metros u Figura 2
de comprimento), foram necessários Vista e seção transversal do túnel de desvio
95.000 metros cúbicos de concreto
projetado para o revestimento das pa-
redes dos túneis. Esse valor represen-
ta 27% do volume total de concreto
da obra; portanto, desde o início, era
necessário realizar monitoramento e
testes contínuos para garantir que o
produto final despachado da usina de
concreto não apresentasse problemas
nas 8 frentes de trabalho. [3]

3. ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS
DO PROJETO PARA O
CONCRETO PROJETADO
As principais diretrizes iniciais para o
concreto projetado especificadas pela
projetista Intertéchne, descritas nas Es-
pecificações Técnicas de Obras Civis
do Projeto Central Hidroelétrica Chaglla
u Figura 3
[4], são apresentadas a seguir: Vista e seção transversal dos túneis dos vertedouros
u O concreto projetado pode ser ad-

62 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


sintéticas estruturais em lugar da
fibra metálica;
u As diretrizes para o controle de qua-
lidade da obra foram as práticas re-
comendadas pela ASTM e seções
pertinentes dos volumes 13 e 14
das normas do ACI.
Quanto aos materiais, as especifica-
ções estabelecem que o cimento pode
ser do Tipo I, de baixo teor de álcalis, ou
pozolânico, que satisfaça aos requisitos
da ASTM C150 e ASTM C595. Os agre-
gados miúdos puderam ser de origem
natural ou manufaturados, ou combina-
ção de ambos, com módulo de finura
entre 2,3 e 3,1. Os agregados graúdos
foram especificados com tamanho má-
ximo de 19mm (3/4”), desde que cor-
u Figura 4
Vista geral e seção transversal do túnel de adução respondessem à ASTM C33 e fossem
constituídos de partículas limpas, duras e
resistentes. O aditivo acelerador de pega
ser aplicado nos túneis, deve-se nitivo e etapas seguintes do ciclo foi não alcalino e isento de cloretos so-
aplicar uma primeira camada de – o concreto projetado desta capa lúveis em água. Os traços de concretos
concreto projetado para estabi- foi dosado com fibras metálicas projetados puderam conter sílica ativa
lização da rocha, evitando des- quando se observou presença de ou metacaulim, em teores não menores
prendimento de material durante água de infiltrações; nas superfícies que 6% do peso do cimento, e cumpri-
a instalação do revestimento defi- secas, podem ser utilizadas fibras ram os respectivos requerimentos para

u Tabela 1 – Plano de inspeção e ensaios para projetado via seca e via úmida

Descrição do ensaio Norma / Método Frequência Critério aprovação Laboratório


Cada 50 m e ao menos
3
Amostragem do concreto — — Lab CNO
uma vez ao mês
Slump test (polegada) ASTM C143 Antes de iniciar os trabalhos 8” ± 1,5” Lab CNO
Controle de temperatura ASTM C1064 Antes de iniciar os trabalhos < 30º C Lab CNO
Ar incorporado (%) ASTM C231 Antes de iniciar os trabalhos < 5% Lab Ext
Massa unitária (kg/m3) ASTM C138 Antes de iniciar os trabalhos N/A Lab Ext
Antes de iniciar os
Estudo experimental
ACI 506R-05 trabalhos/cada mudança > f’c Lab CNO
de dosagens
de insumo
Resistência à compressão
ASTM C39 Cada 200 m de túnel > 0,85.f’c Lab CNO
(MPa)
Resistência à flexão /
ASTM C1609 Cada 200 m de túnel 3,4 MPa / > 1 MPa a 2 mm Lab CNO
tenacidade (MPa)
Moldagem de placas ASTM C1140 Cada 200 m de túnel > f’c Lab CNO
Notas: Lab CNO – Laboratório obra; Lab Ext – Laboratório externo; N/A – não se aplica

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 63


uso em concreto. As malhas eletrosol- de inspeção e ensaios para controle de Os traços para concreto projetado
dadas e as fibras de aço utilizadas como qualidade de todos os materiais cons- via úmida com fibras, desenvolvidos
reforço cumpriram os requisitos da se- tituintes do concreto (cimento, água, durante o estudo experimental e apro-
ção própria dentro das especificações. A aditivos, agregados). Além disso, foi
água cumpriu os requisitos para uso em elaborado, pelo controle de qualidade
concreto convencional. da obra, o plano de inspeção e ensaios
Quanto às dosagens, as especi- para concreto projetado via seca e via
ficações técnicas requereram a reali- úmida, conforme Tabela 1.
zação de estudos experimentais pré-
vios, com antecipação à aplicação do 4.2 Materiais constituintes
concreto projetado em obras definiti-
vas. Não se pôde iniciar os trabalhos Algumas características dos mate-
de lançamento até que os traços e os riais constituintes utilizados nas dosa-
procedimentos de aplicação tivessem gens do concreto projetado utilizado u Figura 5
sido aprovados. nos túneis: cimento Portland Andino Fibra metálica e sintética
Tipo IP (ASTM C150 e C595), com
4. CONTROLE TECNOLÓGICO 23,5% de pozolana, para inibir possível
DO CONCRETO PROJETADO reação álcali-agregado e exposição a
ambiente com ataque de sulfatos; agre-
4.1 Plano de inspeção e gado miúdo, areia natural com módulo
ensaios normatizados de finura de 2,72; agregado graúdo de
diâmetro máximo 9,5mm, para minimi-
De acordo com as especificações zar reflexão do concreto; aditivos ace-
técnicas do projeto, por parte do con- leradores de pega isentos de cloretos
trole de qualidade da obra, foram pre- (Sigunit L60 AF e Meyco SA160); fibra
paradas placas para ensaio em cada metálica Sikafiber CHO 65/35 e macro-
frente de trabalho e extraíram-se tes- fibra polimérica estrutural BarChip 54
temunhos de aproximadamente 7,5cm (Figura 5).
de diâmetro, para efetuar o controle
de resistência, para cada 200 metros 4.3 Dosagens
de longitude do túnel e nos locais es-
colhidos ao acaso, para o controle de Os concretos projetados deveriam
espessura e resistência. atingir a resistência mínima de 25 MPa
Para o atendimento das diretrizes aos 28 dias de idade, conforme solici- u Figuras 6 e 7
especificadas foram elaborados planos tado pelo projetista.
Corpos de prova para ensaios
com fibras

u Tabela 2 – Tabela de traços de concreto projetado

Características da dosagem Características dos materiais


Areia Brita Aditivos Fibras
Resistência Slump Cimento
Idade Água MF 2,72 9,5 mm Sikament Sika Sigunit Meyco Sintética Metálica
Tipo f’c test IP
(dias) (l/m3) 3/16” 3/8” 306 Aer L60 AF SA160 BarChip Sika Fiber
(MPa) (“) (kg/m3)
(kg/m3) (kg/m3) (kg/m3) (kg/m3) (kg/m3) (kg/m3) (kg/m3) (kg/m3)
25-VH 25 28 8±1 400 180 1197 643 6,00 0,20 — 42,10 — 34,0
25-VH 25 28 8±1 400 180 1197 643 6,00 0,20 20,00 — 4,5 —

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vados para uso no projeto, são apre- O desenvolvimento do concreto Pontifícia Universidad Católica del Peru
sentados na Tabela 2, com as respecti- projetado com fibras sintéticas (Figuras e consta do Informe Técnico CHC-IT4-
vas quantidades dos materiais por m3. 6 e 7) foi realizado em conjunto com a -32B44-0001 [2]. Os requisitos para
validação do uso da fibra sintética nos

u Tabela 3 – Resumo dos resultados do comparativo concretos projetados em substituição


fibras metálicas x sintéticas [3] às fibras metálicas foram: resistência
à compressão simples superior a 25
Fibra Fibra Limites MPa; resistência à flexão de viga maior
Propriedades físicas
metálica sintética especificação ou igual a 3,4 MPa (tensão máxima no
Absorção de energia primeiro pico) e resistência à flexão resi-
703 779 > 600 J
(J)
dual superior a 1 MPa (para deflexão de
Tenacidade MR Máx
3,8 4,1 > 3,4 MPa 2 mm); e tenacidade (EFNARC 1996)
(MPa)
Resistência testemunhos extraídos superior a 500 Joules (para deflexão
33,5 31,0 > 0,85.f’c
(MPa) de 25 mm).
Resistência corpos de prova moldados O laudo da PUC-Peru apresen-
34,3 40,4 > f’cr
(MPa) tou as seguintes conclusões: “A fibra

u Gráfico 1
Controle de temperatura do concreto fresco

u Gráfico 2
Controle de abatimento do concreto fresco (slump test)

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 65


BarChip 54 cumpre com as especifi- ca em todas as etapas de execução O controle de qualidade do con-
cações, apresenta melhor desempe- dos túneis. creto projetado endurecido englobou
nho técnico e não apresenta o incon- o controle da resistência à compressão
veniente da oxidação por exposição 4.4 Resultados de ensaios de corpos de prova moldados (Gráficos
ao ar livre presente nas fibras de aço.” de controle tecnológico 3 e 4), testemunhos extraídos de pla-
Os resultados de ambas fibras cum- cas moldadas nas frentes de trabalho
prem e superam os requisitos especi- O controle tecnológico do concreto (Figura 9 e Gráfico 5) e testemunhos
ficados nas Normas ASTM (Tabela 3). projetado no estado fresco foi realizado extraídos diretamente dos revestimen-
Após este estudo, foi considerado em todos os caminhões-betoneira que tos dos túneis (Figura 10 e Tabela 4), de
satisfatório pela projetista o uso do chegavam às frentes de trabalho, com acordo com o ACI 318S-11. Ao total fo-
concreto projetado com fibra sintéti- ensaios de temperatura e abatimento ram executados e controlados 59.811
do tronco de cone, para liberação do m3 de concreto projetado com fibras,
lançamento do concreto projetado, sendo 4.501m3 com fibra metálica e
como pode ser visto nos Gráficos 1 e 2. 55.310 m3 com fibra sintética.

u Figura 8
Lançamento de concreto
com fibras com braço robótico
de projeção

u Gráfico 3
Evolução da resistência: testemunhos x corpos de prova – fibra metálica

u Figuras 9 e 10
Placa moldada e extração u Gráfico 4
de testemunhos Evolução da resistência: testemunhos x corpos de prova – fibra sintética

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O concreto projetado de revestimento
do túnel cumpriu com o fck 25 MPa com
ambas fibras e em todos os ensaios de
controle de resistência realizados.
Como análise comparativa, para os
concretos com fibra metálica, conside-
rando-se a resistência média dos cilin-
dros moldados na central de concreto
como referência 100% (37,4 MPa),
tem-se, então, que os painéis alcança-
ram 85% (31,8 MPa) e os testemunhos
extraídos em campo 82,6% (30,9 MPa).
Além dos ensaios de resistência, o
controle tecnológico realizava rotinei-
ramente ensaios de tenacidade de vi-
gas, com os dois tipos de fibras, como
pode ser visto nos Gráficos 5(a) e (b) e
Tabela 5.

4.5 Aderência ao substrato

Uma importante característica


estrutural da aplicação do concre-
to projetado em túneis é a aderência
ao substrato rochoso. Para verificar a
aderência mínima, foram realizados en-
saios de arrancamento em cada frente
de serviço dos túneis. As Figuras 11 e
u Gráfico 5 12 apresentam o esquema do ensaio e
Resultados ensaios de tenacidade – (a) fibra metálica; (b) sintética
sua execução.

u Tabela 4 – Avaliação da conformidade de testemunhos extraídos do revestimento – ACI 318S-11

Ventana 0 Ventana 1 Ventana 2 Ventana 3 Ventana 4


Frente de Frente de Frente de Frente de Frente de Frente de Frente de Frente de
trabalho trabalho trabalho trabalho trabalho trabalho trabalho trabalho
1 2 3 4 5 6 7 8
Nº de amostras 6 18 18 7 8 13 16 15
Média por frente (MPa) 29,5 30,8 32,3 26,8 30,4 29,1 36,6 31,2
Desvio padrão (MPa) 6,0 6,6 5,5 6,8 6,3 5,0 4,5 5,0
Coeficiente de variação (%) 20,4 21,5 17,2 25,3 20,7 17,2 12,4 16,3
Menor valor individual (MPa) 24,0 22,0 22,0 21,0 22,0 21,0 28,0 23,0
Condição 1:
Conforme Conforme Conforme Conforme Conforme Conforme Conforme Conforme
Média > 0,85 x f’c = 21,25
Condição 2:
Conforme Conforme Conforme Conforme Conforme Conforme Conforme Conforme
Menor valor individual > 0,75 x f’c = 18,75

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 67


u Tabela 5 – Resultados ensaios de tenacidade – fibra metálica e sintética

Vigas Módulo de ruptura MR a 2 mm Módulo de ruptura MR a 2 mm


Tipo de fibra: Metálica Sintética
Nº de amostras 26 15
Média acumulada 3,78 MPa 2,46 MPa 3,91MPa 1,89 MPa
Desvio padrão 0,41 MPa 0,63 MPa 0,46 MPa 0,51 MPa
Coeficiente variação 10,9% 25,5% 11,7% 27,2%
Limite especificado > 3,5 MPa > 1 MPa > 3,5 MPa > 1 MPa

Após a execução do ensaio, foi ava- creto projetado e o maciço rochoso. cie da rocha é irregular. Mas, a despeito
liada a carga máxima de arrancamen- Entre eles: o ensaio ASTM D6916, daquilo, a aderência do concreto proje-
to e determinada a tensão de ruptura, um método de teste padrão para tado à rocha foi claramente notada.
que deve ser superior a mínima espe- determinar a resistência ao cisalha- De acordo com os valores obtidos
cificada. Realizava-se também a análi- mento entre unidades de concreto de tensão de aderência (Gráfico 6),
se visual do testemunho extraído para segmentadas (blocos de concreto a adesão entre a rocha e o concreto
avaliar a qualidade da interface entre modulares).
o concreto projetado e a rocha, como O teste é utilizado para determinar
pode ser visto nas Figuras 13 e 14. a resistência ao corte nas uniões entre
Observa-se nas figuras que a adesão dois materiais, o concreto projetado e a
do concreto projetado à rocha é muito rocha, em amostras remoldadas e em
boa: o que acontecia é que, em todos os amostras extraídas, cujo esquema é
testemunhos, a ruptura ocorria na rocha, mostrado na Figura 15.
pois o maciço era muito fraturado. Cabe destacar que os ensaios reali-
Além desses, ensaios de cisa- zados em laboratório da obra foram em
lhamento foram realizados para rocha lisa e plana (Figuras 16 e 17). No u Figura 15
comprovar a aderência entre con- campo, este tipo de uniformidade não Esquema do método de ensaio
é encontrado. Pelo contrário, a superfí- ASTM D6916

u Figuras 11 e 12 u Figuras 13 e 14 u Figuras 16 e 17


Ensaio de arrancamento em Inspeção visual dos Amostras ensaiadas pelo
concreto projetado e seu esquema testemunhos extraídos método ASTM D6916

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concreto projetado atendeu sua fun-
ção, não havendo pontos significativos
de falha.

6. AGRADECIMENTOS
Aos diretores de contrato da obra:
Pedro Henrique Schettino e Leonar-
do Borgatti – Odebrecht Engenharia
e Construções.
u Gráfico 6 Ao engenheiro projetista:
Valores obtidos de tensão de aderência no ensaio ASTM D6916 Alex Martins Calcina – Diretor de
Unidade de Energia e Infraestrutura,
projetado apresentou bons resultados, u como ponto principal em relação à Interthécne Consultores S.A.
garantindo perfeita integridade entre os durabilidade, a não oxidação, dife- Ao engenheiro consultor:
dois elementos. rentemente do que ocorre com a Selmo Kuperman.
fibra metálica; Ao engenheiro industrial:
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS u seu custo final foi de 62% do custo Ivan Jhoel Jara Nunura.
O concreto projetado para os re- da fibra metálica. Ao técnico laboratorista:
vestimentos dos túneis de Chaglla foi A fibra BarChip 54 já havia sido Rafael Arnecke.
considerado bastante satisfatório. Con- utilizada em outras obras: Central Hi-
sidera-se que a substituição da fibra drelétrica Angostura e nos Túneis Sub-
metálica pela fibra sintética estrutural terrâneos Chuquicamata (Chile), Pro- FICHA TÉCNICA
trouxe as seguintes vantagens: jeto Hidrelétrico em Churin e em duas
u o tempo de mistura permaneceu unidades mineradoras Cerro Lindo e Construtora
o mesmo praticado nos outros El Porvenir (Peru). A fibra foi otimizada ODEBRECHT
Engenharia e Construção
concretos; pelo fabricante após os estudos reali-
u a adição da quantidade de fibra zados na obra, melhorando sua forma Projetista
sintética (4,5 kg/m³) é mais simples e, assim, sua aderência. INTERTÉCHNE Consultores S.A.
e prática, considerando o mesmo Cabe destacar que durante o en-
Fornecedores de fibras,
procedimento utilizado com a fibra chimento do túnel de adução da Casa
aditivos etc.:
metálica; de Máquina Principal, houve uma fuga fibra metálica: SIKA; fibra
u no bombeamento, por ter atrito in- por uma estrutura cárstica1 paralela sintética: EPC Elasto
terno muito baixo, apresentou um ao túnel, obrigando seu esvaziamento Plastic Concrete; cimento
Portland: Cemento ANDINO S.A.;
maior rendimento na produção e completo para seu reparo. As vistorias
aditivo acelerador: BASF; aditivo
menor desgaste da tubulação, com realizadas em toda a extensão do túnel acelerador: SIKA.
menos entupimentos; mostraram que o comportamento do

u REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] JEISS, CALCINA, PINTO e BORGATTI. Barragem de Chaglla – Principais Aspectos. XXX Seminário Nacional de Grandes Barragens. Foz do Iguaçu-PR, Maio, 2015.
[2] FURLANETTO, V. Investigación Técnica para el Shotcrete: Investigación del Desempeño Técnico de la Fibra BarChip 54 x Sika CHO 65/35. Informe Técnico CHC-
IT4-32B44-0001 R0, 15/05/2012.
[3] JARA NUNURA, I. J. Control de Calidad de Concreto Lanzado Usando Fibra Sintética en Reemplazo de Fibra Metálica. Informe para Titulo de Ingeniero Industrial.
Universidad Nacional de Trujillo, Facultad de Ingeniería, Peru, 2016.
[4] INTERTÉCHNE. Especificaciones Técnicas de Obras Civiles – CH Chaglla. ET Nº 0918-CG-ET-200-00-201 Rev. 0. Agosto, 2010.

1
Estrutura rochosa com cavernas, cânions e falhas geológicas produzidas pela ação da água subterrânea sobre rochas solúveis.

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 69


u estrutura em detalhes

Concreto projetado para


impermeabilização por
cristalização de túneis
EMILIO M. TAKAGI – Doutorando e Diretor Técnico MARYANGELA G. LIMA – Professora Doutora DOMINGO LEMA COFRE – Gerente Geral
Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) Departamento de Estruturas e Edificações Penetron Chile SPA
Penetron Internacional do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA)

1. INTRODUÇÃO tura de concreto. Nos túneis rodo- A impermeabilidade do concreto

N
a execução de túneis re- viários, a drenagem perimetral é de projetado de túneis pode ser obtida
vestidos com concreto difícil solução, e a opção com melhor por um mecanismo de formação de
projetado, as técnicas de custo-benefício tem sido a drenagem cristais extras na sua microestrutura.
impermeabilização e drenagem devem localizada das infiltrações e a aplica- Induzida pela adição do aditivo crista-
ser concebidas considerando-se to- ção de uma camada de concreto pro- lizante, a impermeabilização resultan-
dos os elementos e processos da exe- jetado com aditivo cristalizante, como te, com capacidade autocicatrizante
cução desse revestimento. Nos túneis premissa geral da filosofia do “Túnel contra infiltração de água através de
metroviários, o sistema impermeabili- Seco” (Figura 1). Ressalta-se que a fissuras, é usada principalmente nos
zante normalmente aplicado em larga impermeabilização deve ser preferen- revestimentos primários em concreto
escala é a geomembrana de PVC-P, cialmente pensada sob o foco de ma- projetado, mas pode também ser ado-
com emprego de aditivo cristalizante nutenção e operação dos túneis, com tada no concreto secundário, como
no revestimento secundário da estru- visão a longo prazo. discutido no presente artigo (Figura 2).
O maior impacto das infiltrações
de água ocorre durante a constru-
ção de túneis, mas os problemas
serão sentidos durante muito tem-
po na sua operação e manutenção.
Os processos de tratamento de in-
filtrações iniciam-se com a instala-
ção de drenos horizontais profun-
dos (DHP), ou mantas drenantes,
aplicados em forma de espinha de
u Figura 1
peixe do tipo “Método Oberhasli1” u Figura 2
Túnel do Formigão BR 101-SC,
com 530 metros de extensão, . Devem ter capacidade para coletar O túnel Marcello Alencar, com
possui drenagem perimetral, com e conduzir todas as águas infiltradas 3.022 metros de extensão, é o
posterior projeção de concreto para possibilitar condições para uma
maior túnel subterrâneo urbano
impermeável com aditivo do Brasil. O aditivo cristalizante
superfície sem fluxo de água, possibi-
cristalizante, para a obtenção da foi utilizado no revestimento
filosofia do “Túnel Seco” litando a aplicação de camada supor- secundário de concreto do túnel
te em concreto projetado.

Procedimento de controle de infiltrações em escavações subterrâneas de túneis.


1

70 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


u Tabela 1 – Elementos do sistema de impermeabilização em função do perfil hidrogeológico, optando-se pelo emprego
de concreto projetado autocicatrizante

Camada de
Perfil Sistema Camada definitiva
contenção Pré-tratamento Pós- tratamento
hidrogeológico impermeabilizante de 2ª fase
de 1ª fase
Injeção de calda
Infiltrações Concreto projetado Concreto projetado autocicatrizante Injeção de resinas
de cimento
localizadas autocicatrizante c/ fibras de aço de poliuretano
cristalizante
Túneis de Injeção de calda de Concreto moldado
Afluxo de água Concreto projetado Injeção de resinas
grande cobertura cimento cristali- Membrana projetável ou projetado auto-
localizada autocicatrizante de poliuretano
em rocha sã zante cicatrizante
Injeção de calda Concreto moldado
Com fluxos de Concreto projetado Geomembrana Injeção de resinas
de cimento ou projetado
água ativos autocicatrizante de PVC-P de poliuretano
cristalizante autocicatrizante
Geomembrana
Túneis de baixa Com grande Injeção de calda Concreto moldado Injeção de resinas
Concreto projetado de PVC-P e
cobertura em solo fluxos de água de cimento ou projetado de poliuretano ou
autocicatrizante compartimentação
ou rocha alterada ativos cristalizante autocicatrizante géis de acrílico
com juntas de PVC
Com grande
fluxos de
Túneis em shield Injeção Segmentos de concreto moldado Injeção de resinas
água ativos e –
(TBM) em cortina autocicatrizante c/ veda juntas de géis de acrílico
carreamento
de areia
Com grande
Geomembrana
fluxos de Concreto moldado Injeção de resinas
Túneis de baixa Concreto projetado Injeção em cortina de PVC-P e
água ativos e ou projetado de poliuretano ou
cobertura em areia autocicatrizante e injeção química compartimentação
carreamento autocicatrizante géis de acrílico
com juntas de PVC
de areia

2. ELEMENTOS DOS SISTEMAS sucessivas no maciço terroso, com timento, não haja a possibilidade de
DE IMPERMEABILIZAÇÃO EM a imediata projeção do concreto para a água se infiltrar por caminhos que
TÚNEIS SUBTERRÂNEOS equilíbrio das tensões geradas no ma- não sejam os dos drenos provisó-
Os sistemas impermeabilizantes em ciço pela escavação, servindo como rios ou permanentes;
túneis metroviários e rodoviários são estrutura definitiva. Deve–se, sempre u Pré-tratamento: As infiltrações
constituídos por um conjunto de ele- que possível, evitar o rebaixamento do persistentes do maciço terroso ou
mentos e processos, empregados para lençol freático na execução do método do revestimento primário podem
prover a estanqueidade das estruturas NATM, evitando-se, assim, recalques ser tratadas, conforme a sua inten-
subterrâneas, novas ou existentes. Con- indesejáveis e os consequentes pre- sidade, por injeções preliminares
siderando a opção por concreto proje- juízos passíveis de serem provocados de calda de cimento com aditivo
tado autocicatrizante, esses elementos nas edificações lindeiras à obra. cristalizante, onde a malha de inje-
e processos podem ser empregados Em geral, podem ser considerados ção é constituída por furos dispos-
agrupados ou isoladamente, conforme os seguintes elementos e processos de tos em linhas paralelas, com distri-
o tipo de maciço, a quantidade de água impermeabilização de túneis construí- buição defasada entre as linhas
infiltrada, o método construtivo empre- dos no sistema NATM: adjacentes (o comprimento dos fu-
gado e o desempenho especificado u Revestimento primário: O concreto ros deverá ser orientado por crité-
para a obra (Tabela 1). projetado da primeira fase deve ser rio geológico, no sentido de atra-
O NATM (New Austrian Tunnelling devidamente dosado para garan- vessar o maior número de fraturas
Method) é o método construtivo não tir a continuidade de aplicação, de e juntas possível); recomenda-se
destrutivo que envolve escavações modo que, terminado todo o reves- que, antes do tratamento em toda

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 71


tado, objetivando o estancamento ser instalada a fita hidroexpansiva
imediato das infiltrações; a su- de reação controlada, distante a
perfície deverá estar regularizada pelo menos 5 cm da borda da jun-
conforme exigência do fabricante, ta de construção, aplicada sobre
sendo obrigatória a colocação de primer específico à base de emul-
um geotêxtil de polipropileno so- são acrílica, impedindo que ela se
bre o substrato regularizado, tanto mova durante o lançamento do
como camada drenante quanto concreto (Figura 4);
u Figura 3
Drenagem localizada de como proteção associada à geo- u Pós-tratamento: No caso de “bi-
infiltrações, com posterior membrana de PVC-P; em seguida, cheiras”, segregações, lamina-
projeção de concreto deve-se fazer a compartimentação ções ou outros vícios de constru-
impermeável com aditivo ção, devem ser adotadas medidas
com perfis waterstop extrudado
cristalizante, para a obtenção
da filosofia do “Túnel Seco” de PVC, soldados sobre a man- complementares de recuperação
ta de PVC, de forma a criar áre- de estanqueidade, que dependem
as confinadas e estanques, com do tipo de patologia que com-
a área programada, seja feito o o objetivo de permitir a detecção, promete a estanqueidade. Se as
ajuste das variáveis do sistema de localização e reparo de quaisquer infiltrações ocorrerem através de
injeção (tipo de cimento, pressão infiltrações que possam ocorrer; fissuras de retração de origem tér-
de injeção, relação a/c, etc.) em u Revestimento secundário: O re- mica, plástica ou hidráulica, essas
um trecho experimental a ser es- vestimento secundário moldado podem ser tratadas localmente
colhido com critério geológico; in loco ou projetado com concreto utilizando-se:
u Sistema Impermeabilizante: No autocicatrizante, de baixa perme- • Argamassa de pega rápida para
caso de se utilizar a geomembra- abilidade, deve ser dosado com tamponamento prévio das infiltra-
na de PVC-P, ou membrana pro- o aditivo cristalizante, com rastre- ções, após a preparação da su-
jetável, os insertos metálicos e ador químico, em dosagem entre perfície e a abertura da canaleta:
cabeças de tirante de ancoragem 0,8% e 1% sobre a massa de ci- aplicar o cristalizante por pintura,
(“rock bolt”) devem ser cortados, mento, que atenda à norma ABNT como ponte de aderência, e, en-
sendo posteriormente protegidos NBR 11.768:2019 (a formação quanto estiver fresca, aplicar a
com a aplicação de uma camada cristalina deve ser impermeável à argamassa cimentícia de reparo
complementar de concreto proje- água na forma líquida, mas perme- com cristalizante em camadas;
ável ao vapor d´água, para mitigar • Injeções de resina de poliureta-
o efeito do “spalling” explosivo em no hidroativada expansiva, sem
situações de incêndio em túneis; solventes, de reação rápida com
sua principal função é reduzir a a água, formando uma espuma
infiltração de águas agressivas e celular densa, flexível e fina para
colmatar pequenas fissuras de interromper temporariamente as
até 0,5 mm; com isso, reduz-se infiltrações de água; devem ser
substancialmente o risco de rea- aplicadas em conjunto com resina
ções deletérias, que dependem da de gel de poliuretano flexível, com
presença de água); em relação às baixa viscosidade, elástica, livre
u Figura 4 etapas de aplicação, destaca-se de solvente, para selar permanen-
Revestimento secundário sua aplicação sob a forma de pin- temente fissuras úmidas e secas,
em concreto projetado com tura cristalizante antes de receber criando um selamento estanque;
aditivo cristalizante para
a próxima projeção de concreto; • Injeções de géis poliméricos de
impermeabilização por
cristalização entre os lançamentos sucessivos acrílico, com baixíssima viscosi-
do concreto moldado in loco deve dade, sem solventes, de reação

72 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


controlada com catalisador, forman- de autocicatrização em materiais à base que 95% e Blaine de 3.500 cm2/g).
do uma membrana elástica densa, de cimento”, publicado em 2013, pelo Os cristais resultantes, ampliados em
flexível e fina, para selamento defini- Comitê Técnico 221-SHC, criado em microscopia eletrônica de varredura
tivo de infiltrações através de poros 2005. É importante salientar que a au- (SEM), têm formas irregulares e tama-
e fissuras úmidas, criando uma cor- tocicatrização “autônoma” (ou de enge- nhos na faixa entre 1 e 20 μm, com
tina de selamento estanque. nharia) é a restauração de propriedades morfologia semelhante à dos grãos de
Outros materiais que proporcionem mecânicas e redução da permeabilidade cimento. A análise de espectroscopia
efeito de drenagem provisória podem devidas não apenas aos próprios com- de raios X por dispersão em energia
também ser utilizados antes do endu- ponentes do concreto (autocicatrização (EDS) confirma a presença de cálcio,
recimento de uma camada de concreto autógena), mas sobretudo a alguma adi- oxigênio, silício, magnésio, alumínio e
projetado. Esses materiais não devem ção, como materiais cimentícios suple- potássio. Este espectro é comparável
prejudicar, em nenhuma região, o atrito mentares, fibras de aço ou polipropileno ao de um cimento Portland comum,
entre o concreto projetado e o terreno, e aditivos cristalizantes. com exceção do pico de enxofre leve-
não sendo admitida a existência de es- O aditivo redutor de permeabilidade mente maior.
paços vazios entre o terreno e o con- por cristalização (RPC), segundo a nor- Ambas as partículas cristalinas de
creto projetado. ma ABNT NBR 11.768:2019 “Aditivos sílica (carga eletrostática negativa) e de
químicos para concreto de Cimento carbonato (carga eletrostática positiva)
3. ADITIVOS CRISTALIZANTES Portland” e a norma ACI 212.3R:2016 estimulam diretamente as reações de
PARA A AUTOCICATRIZAÇÃO “Report on Chemical Admixtures for hidratação, por serem centros de nu-
DO CONCRETO Concrete”, combina-se com o cimen- cleação para o hidróxido de cálcio (CH),
Na última década uma grande to e partículas cristalinas muito finas, agindo como “cristais-semente”. Como
quantidade de artigos de pesquisa hidraulicamente inativas e não pozolâ- resultado, aparece uma camada dupla
dedicou-se à autocicatrização “enge- nicas, de sílica (teor de SiO2 cristalina difusa de íons, mais comprimida sobre
nheirada”, em diferentes aspectos de maior do que 99% e superfície espe- o aditivo cristalino, devido ao aumento
investigação. Como relatado no último cífica Blaine de 4.000 cm /g) e de car-
2
do potencial Zeta2 das cargas eletros-
Congresso Internacional de Materiais bonato (teor de CaCO3 cristalino maior táticas de íons positivos (Ca2+) e íons
Autocicatrizantes (ICSHM 2019), em
Yokohama, no Japão, atualmente a au-
tocicatrização autônoma reúne tecno-
logia suficiente para selar fissuras com
abertura de até 1,0 mm em concreto,
tais como: a autocicatrização com re-
forço de fibras, induzida por bactérias
produtoras de minerais, por polímero
superabsorvente, por agente cicatri-
zante contido em cápsulas e, como
neste artigo, pela ação de aditivo cris-
talizante especialmente desenvolvido
para esse fim.
O consenso alcançado sobre o con-
u Figura 5
creto autocicatrizante na comunidade Fenômeno eletrostático em uma solução para uma partícula carregada.
internacional resultou no relatório de Descrição gráfica do potencial Zeta (Rahhal, 2012)
estado da arte da RILEM “Fenômeno

Potencial Zeta é uma medida da magnitude de repulsão ou da atração eletrostática ou das cargas entre partículas, influencia o processo de nucleação, conduzindo as partículas
2

de “cristais semente” em cristais maiores dos produtos de hidratação do cimento de C-S-H, etringita e carbonato de cálcio.

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 73


zido de Rahhal (2012), mostrado nas to da calda de cimento (Figura 8), sen-
Figura 5 e 6. do propriedade inversa à exsudação
A intercalação de ácidos carbo- de água.
xílicos (-COOH ) sobre a camada

A caracterização por tomografia com-
dupla difusa de nuvens de íons po- putadorizada da microestrutura de uma
sitivos (Ca ) e íons negativos (OH ),
2+ -
matriz de brita preenchida com calda de
em torno da estrutura dos aditivos cimento, com aditivo cristalizante em dife-
cristalizantes, resultando em um au- rentes dosagens e idades de cura, onde
mento significativo do potencial Zeta foi escaneada a distribuição dos poros e
das cargas eletrostáticas, faz com a porosidade, mostra uma estrutura mais
que a capacidade de dupla troca ca- compacta e refinada conforme ilustrado na
tiônica de seus íons intercalares de Figura 9 – (a) imagens de amostras com
cálcio (Ca ) por íons de sódio (Na )
2+ +
concentrações de aditivo cristalizante
ou potássio (K ) seja mais versátil e
+
de 0%, 0,8%, 1,2% e 1,6% na idade de
facilmente obtida, proporcionando cura de 7 dias; (b) imagens de seção de
maior capacidade “quelante” para amostras com concentrações de 0 a se-
u Figura 6
Diagrama traduzido de Rahhal aprisionar íons no composto de re- guir %, 0,8%, 1,2% e 1,6% na idade de
et al (2012) da hidratação do cristalização, bem como maior poder cura de 7 dias.
cimento Portland estimulado de dispersão da partículas do aditivo Pode ser observado que, com o
por partículas cristalinas de cristalizante através da porosidade do aumento da dosagem do aditivo cris-
sílica e de carbonato
concreto. Nesse processo, o aditivo talizante, a permeabilidade da matriz
cristalizante induz uma reação quími- de brita preenchida com calda de
negativos (OH ), originadas da hidrata-
-
ca que produz um efeito de dissolu- cimento se reduz (Figura 10). Para
ção do grão de cimento Portland, com ção e recristalização dos subprodutos aplicações práticas de grauteamento
o consequente aumento da floculação da hidratação do cimento, formando geotécnico, recomenda-se o preen-
e aumento da taxa de precipitação de nas fissuras e poros do concreto uma chimento da estrutura na matriz com
cristais de portlandita (CH), gel de sili- nova estrutura de cristais não solúveis outros componentes, como areia, para
cato de cálcio hidratado (C-S-H) e das de silicato de cálcio hidratado (C-S- que e a quantidade de poros diminu-
fases etringita (AFt) e monossulfoalumi- -H), etringita (C6ASH32) e carbonato am. Isto torna possível que um alto
nato (AFm), conforme diagrama tradu- de cálcio (CaCO3) (Figura 6) [1]. selamento seja possível em doses me-
nores de cristalizador, como 0,8%.
4. CALDA DE CIMENTO COM
ADITIVO CRISTALIZANTE
Uma série de ensaios foi realiza-
da para investigar os efeitos do aditivo
cristalizante sobre a viscosidade, tem-
po de pega, taxa de concreção, perme-
abilidade e resistência à compressão
de uma calda de cimento [2]. Não foi
observado efeito sobre a viscosidade e
o tempo de pega, mas a taxa de con- u Figura 8
u Figura 7 creção aumentou significativamente Taxa de concreção da calda
Taxa de concreção da calda em 98,7% com dosagem de 1,6% do de cimento aditivado com 0%,
de cimento com aumento 0,6%, 0,8%, 1,0%, 1,2%, 1,4%
da concentração de aditivo aditivo (Figura 7). A taxa de concreção
e 1,6% de aditivo cristalizante
cristalizante (Zheng 2019) é definida como a taxa de volume de após 24 h (Zheng, 2019)
sólidos após 24 horas do endurecimen-

74 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


dos túneis e galerias nos Tramos 4 e 1 da
Linha 3 do Metrô de Santiago do Chile,
entre as estações Fernando Castillo Ve-
lasco e Los Libertadores (9). O primeiro
trecho da nova Linha 3 do Metrô rece-
beu seus primeiros passageiros ao final
0% 0,8% 1,2% 1,6%
de 2017. Com investimentos de US$
a
1,72 bilhões, 18 estações em 21,7 km de
trilhos, a Linha 3 foi concluída em 2019
e conectará a parte norte de Santiago
(Huechuraba) com o centro da cidade, o
distrito comercial central e a parte orien-
0% 0,8% 1,2% 1,6%
tal da cidade de Santiago. Atualmente, o
b
Metrô de Santiago mantém cinco linhas
com 108 estações e um comprimento
u Figura 9 total de ferrovia de 103 km.
Imagens de tomografia computadorizada da matriz de brita preenchida com
a calda de cimento com diferentes concentrações de aditivo cristalizante: O concreto projetado possui vários
(a) na idade de cura de 7 dias; (b) imagens da seção na idade de cura de 7 dias ensaios para caracterizar e determinar as
diferentes propriedades inerentes à sua
especificação e desempenho. No entan-
5. UTILIZAÇÃO DO revestimento primário e na metade da to, o estudo de permeabilidade é impres-
CONCRETO PROJETADO espessura do revestimento secundário cindível, a fim de prever, em algum grau,
AUTOCICATRIZANTE
EM TÚNEIS
Um volume de 33.000 m3 de con-
creto projetado “engenheirado” com
aditivo cristalizante, com capacida-
de autocicatrizante autônoma, foi
aplicado em toda a espessura do

u Figura 10
Permeabilidade da matriz de u Figura 11
brita preenchida com a calda O aditivo cristalizante foi utilizado para compor mais de 33.000 m3 de
de cimento com diferentes concreto projetado como a solução de impermeabilização para os túneis
concentrações de aditivo e estações da nova Linha 3 de Metrô de Santiago do Chile, durante a fase
cristalizante inicial de construção

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 75


u Tabela 2 – Dosagem do concreto projetado

Massa
Peso Volume
Componentes específica
(kg/m3) (L/m3)
(kg/m3) selamento do concreto à penetra-
Cimento Portland pozolânico de alta resistência 430 3 143,2 ção de água e outros líquidos, tanto
Água 200 1 200 na pressão negativa quanto na po-
Areia grossa (Lira) 1555 2,69 578,0 sitiva, além de proteger sua estrutu-
Sílica ativa (Elken) 21,5 2,22 9,7 ra contra a deterioração pela ação
Aditivo cristalizante 0,8% (Penetron Admix) 3,44 1,25 2,7 de fatores ambientais adversos;
Controlador de hidratação 0,45% (Delvo Stabilizer) 1,93 1,09 1,8 u Aditivo controlador de hidratação,
Superplastificante 0,7% (Viscocrete 5100) 3 1,09 2,8 para aumentar o tempo de pega do
Acelerador de pega 7% (Normet Tamshot 70) 30,1 1,40 21,5 cimento em até 72 horas, facilitando
Ar incorporado (4%) – – 40 as operações de bombeamento e
2.245 kg/m 3
1.000 L ajudando a eliminar as juntas frias en-
tre as faixas de projeção do concreto;
u Aditivo superplastificante, para facilitar
seu comportamento em relação à corro- Chile. A aplicação do material foi feita as operações de bombeamento, pois
são de fibras, armaduras, malhas, arcos através de um processo pneumático de torna o concreto mais fluido e coeso
e todos os tipos de elementos de aço. alta velocidade sobre o substrato, para para o transporte através do mangote
Os componentes da dosagem do garantir uma compactação suficiente. até o bico do projetor, onde é adicio-
concreto projetado utilizado na Linha Foram realizados extensos testes de nado o aditivo acelerador de pega;
3 do Metrô de Santiago são descritos campo para comparação de três marcas u Aditivo acelerador de pega e endu-
na Tabela 2 e atendem aos requisitos de cimento. Com base nos resultados de recimento, para atender às exigên-
para uma projeção técnica robotizada resistência à compressão, a dosagem re- cias das classes de resistência J1,
do concreto, comumente utilizada na quereu aditivos químicos, tais como: J2 e J3 das diretrizes para concreto
construção de túneis subterrâneos no u Aditivo cristalizante, para garantir o projetado, colaborando ainda para
diminuir os níveis de reflexão e de
formação de poeira.

5.1 Efeito do uso do aditivo


cristalizante no concreto
projetado em túneis

As especificações técnicas para o


concreto projetado para a Linha 3 do Me-
trô de Santiago do Chile exigiram o de-
senvolvimento de resistências dentro das
classes3 J2 e J3 (Figura 12), com tempo
de retenção de abatimento de quatro
horas e queda máxima de 25% na re-
sistência em relação ao traço de contro-
le sem acelerador. Esse foi um desafio
u Figura 12 particularmente difícil, considerando que
Resultado da conformidade do traço do concreto projetado nas classes J2 todos os cimentos locais são cimentos
e J3 (para teores de aditivo acelerador de pega de 7 a 8% em relação à
compostos, o que geralmente não ajuda
massa de cimento)
no desenvolvimento inicial da resistência.

Classes J1, J2 e J3 são requisitos da resistência à baixa idade, que indicam quando o concreto projetado precisa ser aplicado com infiltrações e na ocorrência de tensões devidas
3

a atividades de escavação.

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como referência a obra da Linha 3 do
Metro de Santiago do Chile (Figura 11).
A metodologia para a escolha e
dosagem de produtos deve atender a
uma base técnica para julgamento da
compatibilidade entre os materiais (ma-
triz de agregados, composição quími-
ca do cimento, efeitos colaterais entre
aditivos, etc), elementos e processos
u Figura 13
destinados aos sistemas de imperme-
Penetração de água sob pressão em mm no concreto projetado em painel
abilização dos túneis. Atualmente, exis-
te grande quantidade de produtos que
os fabricantes da indústria química de
construção lança no mercado ano após
ano. Diante dessa realidade, fica clara
a necessidade de consolidação de cri-
térios e metodologias de dosagem dos
concretos autocicatrizantes e escolha
desses novos produtos, até porque po-
dem ocorrer resultados com diferenças
significativas em função das composi-
ções químicas dos diferentes aditivos
e dos diferentes cimentos passíveis de
serem aplicados.

u Figura 14
Controle da permeabilidade das amostras extraídas em mm de penetração
de água ao longo de 26 meses conforme a evolução da obra do túnel

A durabilidade do concreto projeta- de 0,8% sobre o consumo de cimento,


do foi avaliada pelo ensaio de penetra- foi possível notar uma sensível redução
ção de água sob pressão no concreto da penetração de água ao longo de 26
(Figura 13). Esta abordagem permitiu meses (Figura 14).
que penetrações de água menores que
30 mm fossem validadas para a análise 6. CONCLUSÕES u Figura 15
de vida útil do concreto projetado. Este artigo objetivou discutir a tecno- Aspecto geral do túnel, com
Independentemente dos resultados logia do concreto projetado autocicatri- revestimento em concreto projetado
com aditivo cristalizante – Linha 3
obtidos, a partir da data do início da zante como sistema impermeabilizante
do Metrô de Santiago do Chile
dosagem do aditivo cristalizante no teor de túneis construídos em NATM, tendo

u REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] V. Rahhal, V. Bonavetti, L. Trusilewicz, C. Pedrajas e R. Talero, “Role of the filler on Portland cement hydration at early ages,” Construction and Building Materials,
p. 82–90, 2012.
[2] K. Zheng, X. Yang, R. Chen e L. Xu, “Application of capillary crystalline material to enhance cement grout for sealing tunnel leakage,” Construction Building
Materials, pp. 497-505, 2019.

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 77


u mantenedor

Projeto Stuttgart 21: inovação


em construção de túneis
ADRIANO DORNFELD SALDANHA – Gerente Comercial
Segmento Túneis MC – Bauchemie

1. INTRODUÇÃO e desenvolvimento urbano do S21 pre- cidade. Os dois primeiros projetos têm

O
Stuttgart 21 (ou simples- tendem, entre outros objetivos, trans- grande envolvimento da MC.
mente S21) é um dos maio- formar a região de Stuttgart num hub
res projetos de engenharia ferroviário internacional de transporte 3. ALTA DEMANDA EM
atualmente em curso na Europa, com de mercadorias e pessoas. O proje- DESENVOLVIMENTO
diversas obras realizadas na cidade to prevê a construção de 100 km de TECNOLÓGICO
alemã de Stuttgart e em seus arredo- trilhos compatíveis com trens de alta A perfuração dos túneis Filder e
res, que tem, entre muitos objetivos, a velocidade. O trecho terá um sistema Albvorland foi realizada com um TBM
meta de otimizar a infraestrutura local de gestão de tráfego inteligente e três (Tunnel Boring Machine – máquina tu-
de transporte. Uma das características estações construídas dentro dos mais neladora, usada para escavação de
mais marcantes do projeto é a previsão modernos padrões já estabelecidos túneis com secão transversal circular,
de ligações entre a cidade, lar de mon- para edificações ferroviárias. A amplia- apreciada por sua versatilidade, se-
tadoras consagradas como a Mercedes ção da infraestrutura ferroviária deve gurança e eficiência em diversos tipos
Benz e a Porsche, e vias de trens trans- estimular, não só a atividade industrial, de solos e rochas) do tipo EPB (Earth
continentais ligadas aos cantos mais mas o desenvolvimento da região cen- Pressure Balance – tipo de tuneladora
remotos da Europa. Quando o S21 esti- tral de Stuttgart. A expectativa é que a que usa um método no qual o mate-
ver concluído, Stuttgart vai se tornar um área central da cidade – onde ficam os rial escavado é utilizado para apoiar
dos hubs ferroviários mais importantes grandes prédios de escritórios e resi- a face do túnel, enquanto está sendo
e modernos do continente, além de um denciais de alto padrão – seja ampliada condicionado com espuma ou lama e
centro industrial ainda mais relevante. em 40% com novas construções nas outros aditivos para torná-lo maleável e
No segundo semestre de 2019, o adjacências da linha férrea que passa a transportável; o material entra na má-
S21 atingiu um novo marco: a conclusão servir a região. A empresa responsável quina por um parafuso de rosca sem
da perfuração dos túneis ferroviários Fil- pelo projeto é a concessionária Deuts- fim que permite que a pressão na face
der e Albvorland, com direito à cerimônia che Bahn. O governo federal alemão, o do TBM permaneça equilibrada, sem o
oficial e à presença de cidadãos, operá- governo da província de Baden-Würt- uso de lama). As condições geológicas
rios, engenheiros, autoridades e políticos. temberg, a autoridade de trânsito de do solo não permitiram que as linhas
O fim da perfuração representou a con- Stuttgart, a administração municipal, a férreas do Filder pudessem ser posicio-
clusão de um trabalho de quase cinco concessionária aeroportuária Flughafen nadas numa única cavidade, como na
anos em que colaboradores de diversos Stuttgart GmbH e a União Europeia são maioria dos túneis. Os engenheiros ti-
setores ajudaram a concretizar etapas as financiadoras do S21. Além dos tú- veram que escavar dois túneis singelos,
cruciais de um dos projetos de infraes- neis Filder e Albvorland, o S21 também um para cada via. Cada um tem 10,87
trutura mais monumentais da atualidade. inclui uma série de outros subprojetos, m de diâmetro, com profundidade va-
entre eles: o anel ferroviário de Stutt- riando entre 20 e 220 m abaixo da li-
2. MEGAPROJETO ALEMÃO gart, a nova linha férrea Stuttgart-Ulm nha do solo. A extensão total do Filder
Com orçamento estimado em 8 bi- – que terá vários túneis – e o rebaixa- é de 9.468 m, o que faz dele o maior
lhões de euros, as obras de transporte mento da estação ferroviária central da túnel do S21. Quando concluído, será

78 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


também o maior túnel singelo ferroviá-

©DB/REINER_PFISTERER
rio da Alemanha e a terceira estrutura
subterrânea mais longa do país.
O túnel Albvorland foi construído
com técnicas similares às do Filder.
Também nele há dois túneis singe-
los, de 10,87 m de diâmetro cada. A
extensão é próxima de 8.000 m e a
profundidade varia entre 8 e 63 m. O
terceiro maior túnel do S21 é o Boss-
ler, construído na região de Jura, pre-
cisamente na cidade de Aichelberg, e
totaliza 8.806 m de extensão. Também
são dois túneis singelos, com 10,87 m
de diâmetro e profundidade máxima de
280 m. O Bossler integra a ferrovia que
liga Wendlingen a Ulm. Quando pronto,
será uma das obras de engenharia mais Foto 1 – TBM no emboque do túnel Albvorland
complexas da Alemanha pelos desafios
que impôs a seus construtores. mínima logo atrás da cabeça de corte. inorgânicos. O graute especialmente
Nas áreas de rocha, devido ao anidrido, desenvolvido para a ATCOST 21 tem,
4. DESAFIOS GEOLÓGICOS o uso de injeções de consolidação de entre suas características, o fato de ser
Os desafios de construção desses solo diluídas em água foi estritamente um produto 2 em 1: pode ser usado
túneis foram muitos. O Filder, por exem- proibido. A técnica correta exige a inje- como um prático graute monocompo-
plo, foi perfurado em boa parte de sua ção de grautes especiais para a estabi- nente, dependendo da aplicação, ou
extensão ao longo de uma formação de lização do solo, seguida da montagem como bicomponente, compondo uma
rocha sedimentar com alto teor de ani- das aduelas de concreto. A Deutsche argamassa ainda mais potente e reati-
drido. Esse tipo de formação rochosa Bahn solicitou o desenvolvimento de va quando misturada a um aditivo. Na
é comum em várias partes do mundo um graute específico para a perfuração camada base, utilizou-se a versão mais
e tem alta prevalência nos planaltos ao do Filder. Tinha de ser uma solução que reagente do composto. O graute foi
sul de Stuttgart. O anidrido representa eliminasse o risco de pressões sobre o reforçado com agregado inerte, obtido
um desafio extra à construção de tú- túnel e de deslocamento do solo. de rochas da região, e acrescentou-se
neis porque, em contato com a água, escória de alto-forno e cinza-volante,
expande-se em mais de 60%, provo- 5. SOLUÇÃO DESENVOLVIDA que interagem com o aditivo, deixando
cando uma pressão enorme sobre a PARA O S21 a mistura ainda mais resistente depois
estrutura do túnel. A pressão é tão forte O consórcio ATCOST 21, responsá- de endurecida (Tabela 1). O graute de-
que pode tanto danificar o túnel, como vel pela construção do Filder, solicitou o senvolvido contém também compos-
provocar movimentações de solo para desenvolvimento de um graute especial tos fosfatados, que interagem com a
cima, nos casos em que o túnel resiste, para viabilizar a perfuração com segu- rocha anidrica evitando sua expansão.
com potencial para inutilizar por com- rança. O graute teria de contar com ge- A eficácia desses compostos foi com-
pleto construções na superfície. A per- opolímeros na formulação. Os geopo- provada em vários testes realizados
furação do Filder no trecho de anidri- límeros são ligas químicas inorgânicas pela MC e pela construtora PORR Bau
do foi realizada com o TBM em modo que se conectam umas às outras de GmbH, que patentearam a tecnologia
aberto, ou seja, sem o anel de aço forma similar às moléculas do cimento. para uso em outros projetos. O produ-
que protege o equipamento do con- Mas contém aluminossilicatos, que, em to é diferenciado por ser imune a sulfa-
tato com o solo. Havia uma proteção meio alcalino, dão origem a polímeros tos e extremamente resistente.

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 79


em larga escala e no solo da escava- adicionado diretamente no bico da linha
u Tabela 1 – Componentes do graute ção. Só depois de tudo isso feito é que de injeção do TBM. Os testes no S21
em massa em relação ao seu volume
a Deutsche Bahn autorizou o emprego indicaram ainda que o produto seria
da solução nos túneis do S21. capaz de eliminar a ocorrência de sub-
Ligante Massa em kg/m³
Mas não demorou até que os en- sidência no graute, além de otimizar o
Escória 200 genheiros comprovassem o desempe- processo de acomodação e secagem. A
Cinza volante 350 nho superior do graute em sua versão versão customizada do graute foi aplica-
Água 200 aditivada para a composição de cama- da de forma contínua ao longo de toda
das-base de perfuração. Mesmo com extensão de 8.000 m do Albvorland.
Agregados Massa em kg/m³
agregado granular misturado à massa,
Areia 0/2 850
o aditivo reagente pôde ser incorpora- 8. EFICIÊNCIA EM
Brita 2/8 540
do ao graute sem grandes problemas, CONDICIONAMENTO DE SOLO
Aditivos Massa em kg/m³ a partir da instalação de uma unidade No trajeto do túnel Filder, além de
Aditivo à base de de mistura auxiliar no TBM. Com isso, prevalência de rochas com alto teor de
20
fosfatos a execução da camada-base ocorreu anidrido, o solo a ser perfurado inter-
Ativador 90 sem intercorrências e segundo as ri- calava trechos de perfil sedimentar e
gorosas especificações do projeto. arenoso, com partes de argila densa e
6. EFICÁCIA COMPROVADA A utilização de agregado não reativo rocha dura, a combinação perfeita para
A complexidade técnica da per- ampliou bastante a trabalhabilidade o rápido desgaste das ferramentas de
furação do Filder e a ampla cobertura do graute, o que, por sua vez, permi- corte do TBM. Esse cenário deman-
dada pela mídia a cada avanço do S21 tiu que a perfuração fluísse de forma dou dos engenheiros especial atenção
fizeram a ATCOST 21 certificar-se du- coordenada em cada etapa. O novo quanto ao condicionamento do solo.
plamente de que a solução proposta graute de injeção bicomponente pro- Desafio similar se apresentou na per-
funcionaria. O consórcio solicitou ao vou-se flexível e eficiente nos túneis do furação do túnel Albvorland. Só que
Departamento de Edificações da Uni- S21 e, desde então, vem sendo cada nesse túnel havia um risco adicional:
versidade de Aachen a realização de vez mais adotado em projetos seme- o Albvorland, em determinado ponto,
uma investigação geológica indepen- lhantes globalmente. iria cruzar com uma importante via de
dente na escavação, para determinar transporte, a Rodovia A8, apenas 8
as reações reais do anidrido que ocor- 7. PROPRIEDADES DE m abaixo da linha do solo, composto
reriam na camada-base do túnel a par- ASSENTAMENTO OTIMIZADAS majoritariamente por argila e rocha. No
tir da injeção do graute. A experiência adquirida no desen- túnel Bossler, integrante da linha férrea
O escritório de engenharia volvimento do graute especial aditivado Stuttgart-Ulm, nas proximidades de Al-
Brameshuber & Uebachs Ingenieure para o túnel Filder ajudou a otimizar a baufstieg, um dos trechos apresentava
GmbH executou as análises ambien- versão convencional do produto, que foi um perfil de solo instável, com preva-
tais solicitadas pela investigação. O utilizado com muito sucesso na perfura- lência de falhas e com pontos de con-
Departamento de Tecnologia de Mate- ção do Albvorland, entre Wendlingen e tato com o lençol freático, pelos quais
riais de Construção da Universidade de Kirchheim unter Teck. Nesse trecho em a água se infiltrava no túnel. Nessas
Bochum analisou os aspectos técnicos particular, as condições do solo permiti- condições, os engenheiros foram obri-
da camada-base formada com o grau- ram ao TBM avançar mais rapidamente gados a utilizar um TBM do tipo EPB. A
te dentro dos critérios mais rigorosos que no túnel Filder. A injeção do grau- couraça seria responsável por manter o
atualmente estabelecidos para este te, portanto, precisava ser mais rápida. solo estável à medida que a perfuração
método construtivo. Os testes levaram Era preciso otimizar as propriedades avançava, até que as aduelas de con-
mais de dois anos para serem conclu- do graute monocomponente para ser creto fossem mecanicamente instala-
ídos, o que mostra o rigor técnico das utilizado nessas condições. A solução das nas paredes do túnel, estabilizando
concessionárias responsáveis. Foram encontrada foi o desenvolvimento de a estrutura e o solo acima dela. Enquan-
admitidos apenas os testes realizados um modificador de viscosidade, que foi to o TBM escavava, na parte externa da

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couraça, por meio de uma série de li-

©DB/REINER_PFISTERER
nhas de tubos injetores, entrava em
ação a chamada tecnologia de equilíbrio
de pressão do solo (EPB), fundamental
quanto à segurança na construção de
túneis no subsolo de áreas densamente
habitadas ou em formações geológicas
com alta instabilidade. Nesse equipa-
mento foi utilizado, no túnel da linha
férrea Stuttgart-Ulm, a linha de agentes
de condicionamento de solo e um ge-
rador de espuma (Cell Tube), que propi-
cia a formação de uma espuma estável
quanto às dimensões das bolhas. Apre-
senta, dessa forma, um alto rendimen-
to quanto ao consumo, exigindo uma
menor manutenção no TBM e permi-
tindo uma continuidade de perfuração Foto 2 – Túnel Filder, no qual se observa as aduelas de concreto
pré-moldado colocadas
mais constante.

9. LUBRIFICAÇÃO IDEAL túnel Bossler foram fabricadas pela concreto do solo). Essas tecnologias
O agente de condicionamento de concreteira SEMPER BETON GmbH e sistemas revelaram-se fundamentais
solo mais utilizado nas obras do S21 foi o & Co. KG, integrante do consórcio ao sucesso do projeto e à satisfação do
Foam Liquid. Não agressivo ao meio am- ARGE PTS Bosslertunnel, com aditivos cliente com os resultados, possibilitan-
biente, ele forma uma espuma concen- superplastificantes de alto desempe- do que muitos desafios fossem supera-
trada, que se degrada biologicamente e nho. Esses aditivos contam com a mais dos e que as construções avançassem
com rapidez. O produto também apre- moderna tecnologia de ésteres policar- sem intercorrências.
senta um aditivo que melhora o desem- boxilatos, que agem na formulação de
penho da consolidação em solos com concreto para garantir superfícies de
maior prevalência de argila, onde a pro- alta qualidade, diminuir a necessidade FICHA TÉCNICA

babilidade de adesão de argila pegajosa de água na usinagem e manter o pro-


Projeto
nas ferramentas de corte (efeito clogging) cesso de fabricação das peças funcio-
Stuttgart 21
é grande. Dessa forma, ao tornar o avan- nal e econômico.
ço mais eficiente e diminuir o acúmulo Construtoras
11. EM RESUMO… Porr, Hinteregger & Sohne,
de argila nas lâminas de corte, o produto
Ostu-Stettin, Swivetelsky JV
também economiza energia, diminuindo No megaprojeto Stuttgart 21, uma
o torque do equipamento, contribuindo série de tecnologias e sistemas de pro- Concreteira
para o bom andamento da velocidade dutos da MC foram utilizados, desde SEMPER BETON GmbH & Co. KG

da obra e para a manutenção do projeto soluções para consolidação do solo,


Aditivos químicos
dentro do orçamento previsto. passando por aditivos superplastifican-
MC-Montan Drive FL 04,
tes para produção das aduelas pré- MC-Montan Drive FL 06,
10. ADITIVO SUPERPLASTIFICANTE -moldadas, até sistemas de injeção Cementless MC-Montan Grout,
para impermeabilização de estruturas MC-PowerFlow,
DE ALTO DESEMPENHO PARA
ADUELAS DE CONCRETO e moderno graute sem cimento para a
Máquinas TBM
As aduelas de concreto pré-mol- confecção do backfill grout (camada de Herrenknecht
dado que compõem as paredes do consolidação que separa a aduela de

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u pesquisa e desenvolvimento

Avaliação da resistência
ao fogo do concreto para
revestimento de túneis
MARCOS VINICIUS MARTINEZ SYLVERIO – Engenheiro Civil, Mestrando | ANTONIO DOMINGUES DE FIGUEIREDO – Engenheiro Civil, Professor Associado
Programa de Pós-Graduação em Engenharia da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo

ANTONIO FERNANDO BERTO – Engenheiro Civil, Mestre


Laboratório de Segurança ao Fogo e a Explosões do Instituto de Pesquisas Tecnológicas

RESUMO reduzido com o uso de fibras de po- 1. INTRODUÇÃO

O
concreto, o aço e as fi- lipropileno. Em razão disso, para a Todas as estruturas devem ser
bras deterioram-se sob homologação desses concretos, são projetadas a fim de se garantir sua
a ação do fogo, perden- realizados ensaios de resistência ao segurança frente a múltiplas situ-
do resistência e módulo de elastici- fogo. Neste trabalho apresenta-se ações possivelmente críticas que
dade. O incêndio pode provocar o uma abordagem para avaliação de podem ocorrer durante sua vida útil.
lascamento explosivo do concreto concretos para revestimento de tú- Dentre essas situações está a ocor-
em revestimento de túneis, fenôme- neis, por meio de ensaios de resis- rência de um incêndio. O aumen-
no de causas complexas, difícil de tência ao fogo, para homologação de to de temperatura causa danos ao
ser modelado, mas que pode ser seu emprego. concreto e ao aço, afetando nega-
tivamente suas propriedades mecâ-
nicas. Da mesma forma que os ma-
teriais podem ter sua resistência à
compressão verificada por um estu-
do de dosagem prévio, os efeitos do
aumento de temperatura no concreto
podem ser verificados antes da exe-
cução da obra por meio de ensaios
de resistência ao fogo realizados em
fornos apropriados para esse fim.
Simula-se nesses fornos, por meio
de queimadores industriais a gás, a
elevação de temperatura que será
possivelmente alcançada numa situ-
ação de incêndio. Em túneis, devido
às condições de enclausuramento
presentes e às cargas térmicas que
u Figura 1 trafegam através deles, as tempera-
Redução percentual da resistência do concreto e de aços em função da
turas podem facilmente ultrapassar
temperatura do material [6]
os 1000º C, como já verificado em

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incêndios reais que ocorreram, por romper o cobrimento. Outro tipo de tura da camada externa do material
exemplo, nos túneis Mont Blanc [1] reforço que tem sido aplicado no conforme ilustrado na Figura 2. A
e São Gotardo [2]. Neste trabalho, revestimento de túneis são as ma- severidade do lascamento é crítica
busca-se apresentar uma aborda- crofibras poliméricas que, no caso quando o mesmo é explosivo e se
gem de avaliação do comportamen- da ocorrência de um incêndio, são agrava pelo fato de, normalmente,
to do concreto de revestimento de completamente degradadas nas re- ocorrer na primeira meia hora de um
túneis em incêndio, por meio de giões do revestimento que ultrapas- incêndio. Essa situação se confirma
ensaios de resistência ao fogo que sar os 200º C durante um incêndio, em diversos ensaios de resistência
devem ser empregados para a ho- proporcionando uma perda total da ao fogo de peças de concreto reali-
mologação da tecnologia. Ou seja, capacidade de reforço nessa região zados no Laboratório de Segurança
devem ser realizados previamente à [4]. O fato de as fibras degradarem ao Fogo e Explosões (LSFEx) do IPT
execução da obra, de modo a ga- com o aumento da temperatura (Figura 3). Outra explicação de cau-
rantir a segurança da estrutura. também pode ser aproveitado como sa do lascamento está associada à
um fator de proteção da estrutura, ocorrência de tensões térmicas no
2. EFEITOS DO FOGO NAS porque é possível utilizar microfibras material devido à existência de gra-
PROPRIEDADES MECÂNICAS de polipropileno para a proteção do dientes térmicos ao longo das ca-
DO CONCRETO revestimento de túnel contra o las- madas do concreto [9]. Alguns au-
Cada fase do concreto é afetada camento explosivo [5]. Esta prote- tores atribuem o lascamento à ação
de forma diferente durante um in- ção é essencial para a garantia da combinada dos dois mecanismos
cêndio. Segundo Serafini et al. [3], segurança do túnel em situação de descritos, ocorrendo simultanea-
a matriz cimentícia sofre decompo- incêndio e é um dos comportamen- mente [8] [10]. Isto torna complexo
sição devida à liberação combina- tos que devem ser verificados para o fenômeno do lascamento [11] e
da de água e de alguns produtos esta solução, conforme descrito dificulta a modelagem [10] e para-
de hidratação do cimento Portland. a seguir. metrização do comportamento do
Alguns agregados apresentam ex- material nessas condições. Por con-
pansão térmica incompatível com a 3. LASCAMENTO DO CONCRETO sequência, a solução encontrada é a
variação de volume da pasta, cau- EM SITUAÇÃO DE INCÊNDIO realização de ensaios que avaliem o
sando, portanto, microfissuras na O lascamento ou spalling do desempenho do material exposto ao
matriz cimentícia. Este processo concreto está atrelado à existência calor gerado em incêndios.
acaba por provocar perdas de re- de gradientes de temperatura no Uma forma efetiva de controlar a
sistência mecânica e de módulo de material [7]. Estes gradientes podem ocorrência de lascamento é através
elasticidade do material, tão mais gerar um aumento da pressão de
intensas quanto maiores forem as vapor nos poros do concreto, que
temperaturas atingidas, conforme ocorre devido à evaporação da água
ilustrado na Figura 1. que se encontra difundida em meio
No caso do concreto ser reforça- à matriz cimentícia. Esses vapores,
do com fibras de aço, algo frequente encontrando dificuldade para serem
na execução de túneis, a deteriora- liberados ao ambiente, criam ten-
ção também está associada à perda sões tão mais intensas quanto me-
do encruamento original do material nor for a porosidade do concreto, o
que compõe a fibra. Caso o tipo de que corresponde a um aumento do u Figura 2
reforço seja o de aço convencional, risco em concretos de alta resistên- Exemplo de perda de camada
essa deterioração pode ser agrava- cia [8]. Esse fenômeno inicia-se nas superficial do concreto por efeito
de lascamento explosivo após
da pela maior capacidade de con- camadas mais externas e se propa-
realização de ensaio de exposição
dução das barras contínuas e pelo ga progressivamente, afetando as do concreto a chama [8]
efeito de dilatação do aço que pode zonas mais internas gerando a rup-

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4. AVALIAÇÃO DO CONCRETO com a definição das soluções estru-
DE TÚNEIS EM ALTAS turais. É importante que isso seja re-
TEMPERATURAS alizado nessa etapa para que quais-
Diante das condições descritas quer problemas encontrados durante
no item anterior, evidencia-se a ne- os ensaios possam ser sanados antes
cessidade da homologação, para que se defina integralmente as solu-
a situação de incêndio, de revesti- ções do projeto, de modo a evitar-se
mentos de concreto, aplicados em aumento dos custos e retrabalhos.
túneis, reforçados tanto com arma- Os estudos iniciais devem ser feitos
dura quanto com fibras [12]. Trata- com placas de pequenas dimensões
-se de uma abordagem que prevê a (400 mm x 400 mm) e buscam ve-
execução de ensaios de resistência rificar o melhor conteúdo de fi-
ao fogo em corpos de prova de con- bras a ser incorporado ao concre-
creto na forma de placas. Uma das to para garantir proteção passiva.
principais referências nesse sentido Ensaios de homologação devem
é o procedimento de preparação, sempre ser realizados em escala
u Figura 3 moldagem e ensaio apresentado maior, com placas de concreto de
Elemento de concreto que sofreu
no documento “Specification and 1800 mm x 1800 mm, reproduzin-
lascamento explosivo durante
ensaio de resistência ao fogo no guidelines for testing of passive fire do as soluções apontadas como
forno do LSFEx, no IPT protection for concrete tunnels mais adequadas no estudo com
linings”, publicado pela organização as placas menores, realizado na
do uso de microfibras de polipropile- internacional EFNARC [13]. etapa anterior.
no (PP), o que dá ao compósito um Esse procedimento é indicado Segundo o documento de re-
mecanismo de funcionamento muito para realização de estudos iniciais ferência adotado, o ensaio em es-
interessante. Essas microfibras PP sobre a segurança contra incêndio cala maior deve ser executado em
apresentam ponto de fusão em torno da obra, associado à fase de projeto duas placas, submetidas a condi-
de 140 aos 170º C [8]. Durante um do sistema de revestimento de um tú- ções distintas de condicionamento,
incêndio, as temperaturas superficiais nel e, consequentemente, conjugado semelhante ao que é plausível de
nos materiais facilmente ultrapassa-
rão esse valor nos primeiros minutos,
fazendo com que essas fibras entrem
em fusão, deixando vazios em seu
lugar, que na verdade se tornarão
“caminhos” para que os vapores ge-
rados pelo aumento de temperatura
possam ser dissipados mais facilmen-
te para fora da matriz cimentícia [11].
Usualmente os teores de microfibra
PP recomendados para prevenção de
lascamento explosivo estão acima de
2 kg/m³. No entanto, este teor pode
ser reduzido, uma vez comprova-
da a segurança através dos en-
saios de homologação do material, u Figura 4
onde se verifica a ocorrência ou não Curvas de temperatura mais significativas em ensaios de resistência ao fogo
do lascamento.

84 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


ocorrer no revestimento de um túnel
real. Recomenda-se o condiciona-
u Tabela 1 – Definições de tipos de lascamento (adaptado de [8] [10])
mento do corpo de prova em am-
Tipo de
biente com umidade relativa acima Som Intensidade % vol. lascado Dano
lascamento
de 90% para a condição de alta umi- Superficial grau 1 Estalido Baixa Até 1% Baixo
dade e de 50% para a condição de Superficial grau 2 Estalo Média 1-10% Médio
baixa umidade. Explosivo Estampido Forte e alta > 10% Alto
Nesse sentido, os ensaios de-
vem ser realizados em corpos de
prova que reproduzam a solução a espessura definida em projeto e HC é bem mais severa que a curva
adotada, que pode ser na forma de aplicada nas mesmas condições que padrão, pois simula incêndios em hi-
proteção integral ou de revestimen- serão utilizadas na obra. drocarbonetos. A curva RWS, também
tos complementares, ou apenas da Outro ponto importante diz respeito chamada curva de túneis, simula um
camada associada ao revestimen- à curva de temperatura a ser utilizada mesmo tipo de incêndio que a curva
to secundário. A avaliação na forma no ensaio. Na Figura 4 são apresen- HC, porém em locais fechados, onde
de proteção integral é normalmente tadas as três curvas mais recomen- a dissipação de calor é restrita e, por-
associada aos revestimentos de tú- dadas. A curva ISO 834, chamada de tanto, atinge temperaturas maiores. A
neis TBM (Tunnel Boring Machine) curva padrão de elevação de tempe- curva RWS requer fornos mais poten-
que utiliza anéis segmentados. A ratura, é a mais usada internacional- tes e resistentes às altíssimas tempe-
avaliação do revestimento secun- mente, porém é recomendada para raturas, os quais ainda não existem no
dário é associada aos túneis NATM simular incêndios em edificações con- Brasil. Logo, recomenda-se a utiliza-
(New Austrian Tunneling Method), no vencionais, onde a carga de incêndio ção, ao menos, da curva de tempe-
qual se utiliza normalmente o con- é predominantemente composta por ratura de hidrocarbonetos (HC). Essa
creto projetado para a execução do materiais celulósicos e poliméricos, curva prevê que o forno atinja 1150 ºC
revestimento. Quando o túnel não e não apresenta a severidade condi- dentro dos primeiros minutos do en-
possui proteção passiva original, ca- zente com os incêndios que historica- saio e gera um gradiente de tempe-
madas complementares, normalmen- mente ocorreram em túneis. A curva ratura importante no concreto, dando
te realizadas por jateamento, podem
ser aplicadas e, por sua vez, também
devem ser avaliadas para verificar a
efetividade da proteção passiva da
estrutura. As espessuras das placas
de concreto destinadas às avaliações
laboratoriais (ensaios de resistência
ao fogo) dependerão do tipo de pro-
teção contra incêndio adotada. Para
situações com proteção passiva in-
corporada à estrutura com proteção
integral, a espessura deve ser de, no
mínimo, 250 mm. Nos casos de re-
vestimentos secundários ou comple-
mentares, deve-se produzir as placas
em duas camadas, sendo a primária
u Figura 5
com espessura de 200 mm, que deve
Fluxograma de verificação do revestimento de túneis de concreto sujeitos a
receber a camada secundária ou de incêndio [12]
proteção passiva complementar com

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 85


condições, portanto, de que o lasca- do durante e após um ensaio de resis- Considerando-se a classificação
mento explosivo se manifeste, caso tência ao fogo [12], e o mesmo pode dos tipos de lascamento e a abordagem
a solução não tenha sido adequada- ser classificado segundo os critérios exposta na Figura 5, quando for ouvido
mente concebida, ao mesmo tempo apresentados na Tabela 1. Com base durante um dos ensaios de resistência
que simula apropriadamente, nos pri- nisso, foi elaborado o fluxograma de ao fogo um barulho de estouro forte e
meiros minutos de ensaio, os incên- ensaio apresentado na Figura 5. alto, e, após o ensaio, for constatado
dios que podem ocorrer nos túneis. Uma abordagem apresentada por que o material perdeu, pelo menos,
Naturalmente, a temática mais im- Nince [8], com base nos estudos iniciais 10% do volume inicial que foi colocado
portante dessa avaliação corresponde de Khoury e Majorana [10], para carac- no forno, deve-se prontamente rejeitar a
à verificação da ocorrência do lasca- terizar o lascamento explosivo, conside- solução ensaiada e projetar novamente
mento explosivo, apresentado ante- ra que esse fenômeno ocasiona perdas o sistema de proteção contra incêndio
riormente como o efeito adverso mais de mais de 10% do volume original do incorporado ou adicionado ao revesti-
crítico quando comparado aos outros elemento que foi inserido no forno e faz mento. Isto porque, nessa situação, um
efeitos. Ou seja, em qualquer análise, com que os técnicos responsáveis pelo túnel construído com esse revestimen-
a ocorrência de lascamento explosivo ensaio ouçam um estouro alto e forte no to, na ocorrência de um incêndio, teria
deve ser o primeiro fator a ser verifica- ambiente próximo ao forno. grande probabilidade de desenvolver o
mesmo tipo de problema, com danos
potencialmente catastróficos.
É importante também destacar
que o estudo de Nince [8] foi desen-
volvido com corpos de prova com-
parativamente menores, em relação
ao tamanho de placas dos ensaios
proposto pela EFNARC, sobretu-
do no que diz respeito ao ensaio de
placas grandes. Em ensaios de es-
cala maior, como o volume da placa
é bem maior, poderia possivelmente
ocorrer danos profundos através da
espessura da placa, porém de forma
localizada, não abrangendo um vo-
lume suficiente para ser considerado
lascamento explosivo pela definição
anterior. Por essa razão, nesses en-
saios em escala maior, deve-se res-
tringir o critério anteriormente propos-
to somente à ocorrência de estouro
alto e forte durante o ensaio, e após a
retirada do forno, o responsável téc-
nico do ensaio deverá realizar uma
análise na placa confirmando ou não
a ocorrência do lascamento explosi-
vo. No futuro, espera-se que possam

u Figura 6 ser realizados estudos mais aprofun-


Mapa de extração de corpos de prova [13] dados na ocorrência desse fenôme-
no em placas de grandes dimensões,

86 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


presumivelmente aprimorando crité- Deve-se destacar que a análise região do entorno, especialmente em
rios que envolvam não somente o es- da resistência residual é um processo meios urbanos, devido ao risco de
touro e volume de perda de material, trabalhoso. A retirada de corpos de colapso da construção e o efeito que
mas também a área da superfície las- prova por si só não é de fácil execu- isto pode trazer para as construções
cada e a profundidade do dano. ção, especialmente em placas que já existentes na região lindeira. Sem
Caso o lascamento explosivo se encontram danificadas devido aos contar o grande risco de ferimentos,
não tenha ocorrido, passa-se à ve- efeitos do fogo. Isso é ainda dificul- intoxicação e mesmo de morte das
rificação da resistência residual do tado pela existência de gradientes de pessoas que estiverem trafegando no
elemento construtivo. Isso deve ser temperatura na seção, o que culmina- túnel no momento do incêndio.
feito por meio da retirada de corpos rá também na existência de gradien- Nesse sentido, o lascamento ex-
de prova em locais específicos da tes de resistência. Portanto, esses plosivo pode ser apontado como
placa, os quais geralmente serão en- resultados devem ser objeto de um uma condição crítica em relação aos
saiados à compressão. Na Figura 6 estudo mais aprofundado por parte outros efeitos de deterioração. Isto
está apresentado um mapa completo dos projetistas, a fim de que se garan- porque a sua ocorrência diminui a
da posição dos termopares na pla- ta a segurança do revestimento. Após espessura resistente do túnel e eli-
ca de ensaio e dos corpos de prova a realização completa dessa análise e mina a ação de proteção das cama-
que devem ser retirados antes e de- confirmação dos requisitos de segu- das superficiais em relação ao res-
pois do ensaio resistência ao fogo. rança, o material pode ser aceito para tante do revestimento. O fato de ser
Isso permite que se avalie a redução compor o revestimento do túnel para um fenômeno mais súbito, podendo
percentual da resistência do concreto o qual foi projetado. ocorrer logo nos primeiros minutos do
após a deterioração pelo aumento de incêndio, faz com que as avaliações
temperatura, além da própria resis- 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS prévias à execução da obra sejam es-
tência residual que deverá ser com- Vale ressaltar que incêndios em senciais para a garantia da segurança
parada àquela exigida em projeto, túneis, caso progridam sem contro- das estruturas. Neste sentido, ao me-
considerando também a redução da le, são catastróficos, podendo cau- nos a curva HC deve ser utilizada para
seção resistente. sar danos imensuráveis ao túnel e à a análise desse fenômeno.

u REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 87


u pesquisa e desenvolvimento

Incêndios em túneis construídos


com concreto reforçado com
fibras com função estrutural
RONNEY RODRIGUES AGRA – Engenheiro Civil, Mestrando DIMAS ALAN STRAUSS RAMBO – Engenheiro Civil, Professor-Doutor
RAMOEL SERAFINI – Engenheiro Civil, Doutorando Universidade São Judas Tadeu
MARCOS VINICIUS MARTINEZ SYLVERIO – Engenheiro Civil, Mestrando
ANTONIO FERNANDO BERTO – Engenheiro Civil, Mestre
ANTONIO DOMINGUES DE FIGUEIREDO – Engenheiro Civil, Professor-Doutor
Laboratório de Segurança ao Fogo e a Explosões do Instituto de Pesquisas Tecnológicas
Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo

RESUMO abordagem próxima àquela adotada no e fib Model Code 2010 – estabelecem

O
concreto reforçado com Brasil através das práticas recomendadas apenas como deve ser realizado o pro-
fibras é utilizado na fabrica- do IBRACON [4] e vêm sendo base dos jeto estrutural do CRF em temperatura
ção de segmentos destina- textos ora em discussão na ABNT sobre ambiente revelam a necessidade de
dos ao revestimento de túneis. Porém, o tema. Nessa abordagem, é fundamen- investigações a respeito do comporta-
os requisitos normativos e pré-normati- tal a parametrização do comportamento mento do CRF em situação de incêndio.
vos nacionais e internacionais não apre- do CRF através do estabelecimento de Embora os estudos focados no efeito
sentam uma abordagem abrangente de equações constitutivas que caracterizem do fogo em túneis sejam escassos na li-
projeto para o CRF em situação de in- a capacidade resistente do compósito até teratura, destaca-se o trabalho realizado
cêndio, o que revela a necessidade de a fratura da matriz, em conjunto com as por Serafini et al. [5], que avaliou o efeito
investigações a respeito do assunto. O resistências residuais pós-fissuração. do fogo nas propriedades mecânicas
objetivo deste artigo é apresentar uma Há diversos exemplos históricos de do concreto reforçado com macrofibras
revisão de estudos sobre os efeitos das acidentes, em vista do reconhecimento sintéticas1 para aplicações tuneleiras.
elevadas temperaturas nas proprieda- tardio de que as estruturas de concre- Os resultados mostram que um intenso
des mecânicas do CRF para túneis. to devem ser verificadas para a condi- gradiente de temperaturas é induzido no
ção de incêndio. Entretanto, requisitos interior do compósito com a elevação
1. INTRODUÇÃO normativos e pré-normativos nacionais da temperatura. Essa verificação, no en-
O uso crescente do concreto refor- e internacionais, bem como códigos- tanto, só é possível por meio de ensaios
çado com fibras (CRF) na construção -modelo, não apresentam abordagem de aquecimento em fornos, com a ação
civil e, em especial, em túneis, se deve adequada e abrangente de projeto para direta de chama, o que permite análises
a razões econômicas e técnicas. Isto o CRF em situação de incêndio, o que reais de simulação de incêndio para a
se consolidou na área de túneis após pode conduzir a soluções ineficientes, avaliação pós-incêndio das estruturas
a publicação do Boletin 83 da fib [1,2], colocando em risco a segurança estru- de CRF. Dessa forma, o presente artigo
que parametrizou sua utilização para tural nessas condições. A escassez de tem como objetivo apresentar uma re-
o revestimento de túneis produzidos base normativa para o modelo de pro- visão do estado da arte dos efeitos das
com anéis segmentados executados jeto em situação de incêndio do CRF e elevadas temperaturas em concretos
com tuneladoras TBM (Tunnel Boring o fato de que as normas e pré-normas reforçados com fibras para túneis cons-
Machines) [3]. Essa publicação possui uma atuais – como é o caso da EN 1992-1-2 truídos com tuneladoras TBM.

1
Macrofibra de polipropileno (Barchip48) de comprimento 48 mm, fator de forma 67 e módulo de elasticidade de 10 GPa.

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2. APLICAÇÕES DO CRF lítico de cálculo e o método viga-mola peratura de exposição e o tempo de
EM TÚNEIS TBM para determinar os esforços, mediante exposição. A principal preocupação
Devido à maior flexibilidade para a análises eficientes por meio de progra- é quanto à sua resistência residual
produção de elementos pré-fabricados, mas de elementos finitos. Os carrega- à tração, que pode ser severamente
o CRF elimina ou diminui consideravel- mentos devem ser analisados de forma prejudicada em temperaturas acima
mente a necessidade de montagem da cuidadosa para alcançar segurança de 300ºC. O concreto reforçado com
armadura convencional, proporcionan- na estabilidade de túneis, inclusive a fibras de aço (CRFA) apresenta me-
do ganhos de produtividade e redução capacidade resistente residual após a nores reduções na resposta pós-pico
do espaço necessário para a fabrica- ocorrência de um potencial incêndio. para temperaturas acima de 400ºC,
ção de segmentos destinados ao re- Nesse sentido, é importante entender enquanto o concreto reforçado com
vestimento de túneis TBM [3]. Esses a influência da temperatura e da ação fibras poliméricas (CRFP) apresenta
segmentos são utilizados para compor do incêndio no CRF, de modo a realizar maiores reduções de resistência à tra-
os anéis que são instalados a cada uma verificação bem fundamentada. ção pós-fissuração e tenacidade em
avanço do equipamento, por meio de razão da degradação das fibras.
atuadores hidráulicos (jacks), que exer- 3. O EFEITO DA TEMPERATURA Por meio da utilização do ensaio
cem forças de empuxo sobre as adue- E DO INCÊNDIO NO CRF preconizado pela EN 14651, Serafini
las do anel anterior. Em geral, o comportamento da et al. [5] avaliaram a resistência resi-
Esses anéis de revestimento têm matriz de concreto do CRF sofre alte- dual à tração na flexão do CRFP sub-
sua adequação estrutural garantida rações com a temperatura de maneira metido ao fogo. Os prismas de CRFP
pela armadura, que pode ser constituí- similar àquelas verificadas para o con- (8 kg/m³ de macrofibras poliméricas2)
da por sistemas convencionais, pelo re- creto simples. Entre as propriedades foram submetidos ao ensaio de fogo
forço exclusivo de fibras ou pelo reforço mecânicas do concreto, a resistência direto, em aquecimento unifacial a tem-
híbrido composto por fibras e barras de à tração apresenta o comportamento peraturas de até 1100ºC por 120 mi-
aço. As aduelas pré-moldadas para o mais sensível à temperatura (Figura 1). nutos, reproduzindo a curva H (hidro-
revestimento de túneis precisam resistir De forma geral, após o resfriamento e carbonetos), o que tornou a simulação
a esforços nas fases transitórias (des- em relação ao concreto aquecido, a
moldagem, empilhamento, transporte, resistência à tração é maior para con-
forças de empuxo e forças de intera- creto com sílica ativa; decresce rapida-
ção com o solo), sendo que a adição mente com a temperatura em concreto
de fibras nessas peças acarreta me- de alto desempenho (principalmente
lhoria da ductilidade dos elementos, para T ≥ 600°C); é pouco afetada pelo
garantindo a segurança durante a ma- tipo de resfriamento (lento e controlado
nipulação das peças [3]. Por meio do no forno ou rápido na água); e é próxi-
correto estudo de dosagem das fibras, ma da resistência a quente em concre-
pode-se evitar o processo de fissura- to de alta resistência com sílica ativa [6].
ção originado por efeito dinâmico de No entanto, esta condição de variação
impactos nas fases anteriores à insta- comportamental está associada à ga-
lação da aduela em obra. rantia de que não haja lascamento ex- Fonte: adaptado de [6]

Dentre as metodologias analíticas plosivo, o que deve ser controlado por


de dimensionamento, a Associação metodologia específica. u Figura 1
Internacional de Túneis e do Espaço O comportamento pós-fissuração Redução da densidade e
resistência à compressão e à
Subterrâneo [2] (em inglês Internacio- do CRF, quando submetido a eleva-
tração do concreto em função
nal Tunneling and Underground Space das temperaturas, varia conforme o da temperatura
Association) apresenta o método ana- tipo e o teor de fibra utilizado, a tem-

Macrofibra de polipropileno (Barchip48) de comprimento 48 mm, fator de forma 67 e módulo de elasticidade de 10 GPa.
2

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mais próxima da realidade de incêndio croestruturais na pasta de cimento e, tivamente com a temperatura (Figura 3).
em túneis. Os resultados demonstram principalmente, na deterioração das fi- O efeito da temperatura na redução da
que o CRFP não apresenta resistência bras. Verificou-se ainda que a densida- resistência mecânica e no módulo de
à tração na flexão significativa após ex- de e o módulo de elasticidade dinâmico elasticidade do CRFP se apresentou de
posição ao fogo (Figura 2), o que está foram reduzidos devido à influência de maneira similar ao que ocorre no concre-
relacionado com a fusão (170ºC) e igni- fissuras no corpo de prova, redução no to convencional.
ção (400-500ºC) das fibras poliméricas volume de sólidos da pasta, mudanças O efeito da temperatura não foi sig-
na região de tração do corpo de prova, físico-químicas na matriz e degradação nificativo até 200ºC, visto que as amos-
especialmente nos primeiros 12 cm a das fibras [5]. tras de CRFP apresentaram valores de
partir da face afetada. Em 600ºC, as reduções em termos resistência residual similares aos da
Os valores de resistência à tração de resistência à compressão e módu- temperatura ambiente. Entretanto, a
da matriz cimentícia reduziram, em mé- lo de elasticidade foram, em média, partir de 400ºC, a resistência à tração
dia, 96,6% em relação à temperatura de 64,9% e 96,6%, respectivamente, pós-fissuração reduziu-se significati-
ambiente, o que está associado com a quando comparados aos valores obti- vamente (em torno de 54%) quando
decomposição dos produtos de hidra- dos na temperatura ambiente. O mode- comparada à temperatura ambiente.
tação da pasta de cimento, redução da lo experimental proposto por Serafini et Os autores citam que o ensaio de Du-
área específica dos hidratos, aumento al. [5] indica que as taxas de redução plo Puncionamento não apresentou
no volume total de poros e mudanças de resistência à compressão do CRFP resposta conclusiva após exposição a
na distribuição de poros na pasta de são 0,32; 0,20; 0,11; 0,07 e 0,07 MPa/min altas temperaturas devido à degrada-
cimento. Já as reduções apresentadas para as distâncias de 3, 6, 9, 12 e 15 ção da superfície da amostra, somada
nos valores de resistência à tração pós- cm da face aquecida diretamente pelo à punção que resulta no esmagamen-
-fissuração no estado limite de serviço fogo, respectivamente. Em relação ao to da matriz deteriorada. Apesar disso,
(ELS) – em torno de 85,3% – e estado módulo de elasticidade, as taxas de re- o gradiente de temperatura no interior
limite último (ELU) – em torno de 94,1% dução são 0,2; 0,15; 0,08; 0,05 e 0,05 das amostras pode ter preservado par-
– estão relacionadas a mudanças mi- GPa/min para as distâncias de 3, 6, 9, te do material (matriz ou fibras) e, con-
12 e 15 cm, respectivamente. Esse mo- sequentemente, parte da resistência
delo consiste em uma abordagem ex- pós-fissuração do compósito.
20
perimental alternativa para a avaliação Após exposição à temperatura de
16
pós-incêndio de estruturas de túneis 600ºC, o valor de densidade de consu-
construídas com CRFP. mo de energia (kJ/m³) para uma defor-
Carga (kN)

12 As propriedades mecânicas do CRFP mação de 0,2% foi, em média, 89,9%

8
exposto a elevadas temperaturas também menor que o valor obtido à temperatura
foram investigadas em estudo conduzido de 25ºC. Também em 600ºC, as redu-
4 por Rambo et al. [7]. O ensaio de Duplo ções em termos de resistência à com-
Puncionamento foi aplicado para avaliar a
4
pressão e módulo de elasticidade foram
0
0 1 2 3 4 resistência à tração residual do compósito estatisticamente semelhantes aos valores
CMOD (mm)
(8 kg/m³ de macrofibras poliméricas5) obtidos no estudo de Serafini et al. [5]. A
Fonte: adaptado de Serafini et al. [5] exposto a temperaturas de até 600ºC perda significativa de resistência residual à
em um forno elétrico industrial (Inforgel compressão a partir de 300ºC está rela-
u Figura 2 Company). Notou-se que a resistência à cionada com a incompatibilidade entre as
Curvas Carga-CMOD3 para o
tração do CRFP reduz-se gradualmen- deformações térmicas do agregado e da
CRFP antes e após exposição ao
fogo (curva de hidrocarbonetos) te com o aumento da temperatura e a pasta, a decomposição dos produtos de
resposta pós-fissuração varia significa- hidratação do compósito e a degradação
3
CMOD – Crack Mouth Opening Displacement – abertura da fissura no entalhe central da peça, medida no ensaio normalizado de resistência à tração na flexão de CPs de
concreto reforçado com fibras.
4
CPs de 150 x 150 mm (diâmetro x altura). Discos de carga de diâmetro 37,5 mm.
5
Macrofibra de polipropileno (Barchip48) de comprimento 48 mm, fator de forma 67 e módulo de elasticidade de 10 GPa.

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das fibras sintéticas. A redução do módu-
lo de elasticidade está relacionada com o
aumento da porosidade do compósito,
justificada pelo intenso processo de de-
composição dos produtos de hidratação,
principalmente entre a faixa de tempera-
tura compreendida entre 150 e 450ºC [7].
Agra et al. [8] evidenciaram que o
ensaio DEWS6 é capaz de caracterizar o
CRFA (35 kg/m³ de fibras de aço7) quan-
to à resistência à tração residual, mesmo
em condições severas, como no caso de
amostras submetidas à ação do fogo. A
avaliação ocorreu sem haver prejuízos
aos valores obtidos como resposta do
material, visto que não foram constata-
dos danos no concreto em condições de
contato. Os autores citam que os valores
de resistência à tração da matriz cimen-
Fonte: adaptado de Rambo et al. [7]
tícia após exposição ao fogo foram, em
média, 71,1% menores que os obtidos u Figura 3
em temperatura ambiente, o que está as- Curvas tensão-deformação obtidas por meio do ensaio de Duplo Puncionamento
sociado a desidratação de produtos da de corpos de prova de CRFP submetidos a diferentes temperaturas
pasta de cimento, perda de capacidade
de reforço das fibras e mudanças na dis- resistência à tração da matriz cimentícia, tribuir para melhorar o comportamento
tribuição dos poros. após exposição a 600ºC, foram, em mé- pós-fissuração do CRF.
Já, os valores de resistência à tração dia, 82,5% menores que os obtidos em Esses resultados [5,7,8,9] constituem
pós-fissuração no ELS (COD = 0,5 mm) temperatura ambiente. Já, os valores de referências importantes para a avaliação
e no ELU (COD = 2,5 mm) foram, em resistência à tração pós-fissuração no ao fogo de aduelas pré-moldadas de CRF
média, 64,1% e 59,8% menores que ELS (COD = 0,5 mm) e no ELU (COD no revestimento de túneis. Considerando
os obtidos em temperatura ambiente = 2,5 mm) foram, em média, 74,3% e que a maior contribuição das fibras ocorre
(Figura 4). Esses efeitos estão relacio- 72,2% menores que os obtidos em tem- no estágio pós-fissuração do compósito,
nados com mudanças físico-químicas peratura ambiente. propriedades como resistência à tração
na matriz, mudanças microestruturais Os processos de oxidação e corrosão residual são severamente afetadas em ele-
do compósito e degradação das fibras das fibras de aço começam a acontecer vadas temperaturas, devido a degradação
utilizadas como reforço. em 500 e 700ºC, respectivamente. Assim, das fibras. Esse fator deve ser levado em
Em um estudo realizado por Serafini as fibras de aço expostas a elevadas tem- conta na fase de projeto, a fim de garantir
et al. [9], os resultados obtidos por meio peraturas se tornam friáveis e facilmente a segurança estrutural dos elementos de
do ensaio DEWS para o CRFA (35 kg/m³ danificadas, devido aos efeitos de redu- CRF, especialmente quando há conside-
de fibras de aço ) exposto a 600ºC tam-
8
ção da área transversal e aumento signifi- rável demanda por esforços de flexão.
bém mostram que a resistência à tração cativo no tamanho do grão do aço. Logo, Vale ainda ressaltar que, na maioria
da matriz cimentícia e a resistência à por volta de 700ºC, o compósito não dos casos, a espessura dos elementos
tração residual no ELS e ELU são sig- apresenta mais ganho de ductilidade, vis- de CRF está acima dos 15 cm utiliza-
nificativamente afetadas. Os valores de to que as fibras passam a não mais con- dos na maioria das análises [5,8,9] e as
6
DEWS = Double Edge Wedge Splitting, ensaio de compressão de corpo de prova com duplo corte em cunha.
Fibra de aço Dramix 3D 80/60BG de comprimento 60 mm e fator de forma 80.
7,8

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solicitações em serviço são menores resulta na resposta mecânica média necessidade de controle do lascamento
que as transitórias. Assim, mesmo se das camadas afetadas. Sabe-se que explosivo a partir de uma proteção pas-
houver deterioração significativa do ma- a diferença de temperatura observada siva, de modo a garantir a integridade do
terial na face exposta ao fogo, isso não na seção de um material depende de revestimento e uma capacidade resis-
significa necessariamente a perda das alguns fatores como a gravidade do tente residual do conjunto que garanta a
condições de estabilidade do revesti- incêndio em termos de duração e tem- estabilidade da estrutura.
mento do túnel, visto que há possibilida- peraturas máximas, a rapidez do início
de das camadas interiores fornecerem do incêndio, a forma da seção e suas 5. DINÂMICA DO INCÊNDIO
condições de suporte suficientes [5]. propriedades térmicas [6]. Entretanto, EM TÚNEIS
Isto se deve ao fato do dimensionamen- poucos são os estudos que enfatizam Incêndios em túneis, como o caso
to dos segmentos estar correlacionado o gradiente de temperatura no CRF ex- do Eurotúnel em 1996 (Figura 6), en-
a condições críticas transitórias, como posto ao fogo e seu impacto nas pro- fatizaram a preocupação quanto à
o empuxo dos atuadores, o que faz priedades mecânicas. segurança de estruturas de concreto
com que as condições de serviço sejam No estudo realizado por Serafini et submetidas ao fogo, principalmente tra-
atendidas com grande margem de se- al. [5], verificou-se que, à medida que o tando-se do concreto de alta resistên-
gurança na grande maioria dos casos. tempo de exposição do CRFP ao fogo cia. Na maioria dos casos de incêndios
aumenta, a temperatura interna do con- em túneis, foram atingidas temperaturas
4. GRADIENTE DE TEMPERATURA creto aumenta em taxas diferentes para de até 1100°C. Nesta situação, a eleva-
NO CRF EXPOSTO AO FOGO cada distância avaliada. Além disso, a ção da temperatura produz mudanças
As propriedades mecânicas do CRF temperatura interna do concreto dimi- significativas na composição química da
são afetadas em função da distância nui rapidamente em maiores distâncias matriz cimentícia e na microestrutura do
até a face aquecida diretamente pelo do fogo, como pode ser comprovado compósito, que são conhecidas por afe-
fogo, visto que é induzido no compó- na Figura 5, que apresenta os valores tar significativamente o comportamento
sito um gradiente de temperatura em de regressão linear (Figura 5a) e taxas mecânico do CRF. Por isso, o projetis-
um cenário de incêndio, gerando assim de aquecimento interno em função da ta deve estar atento à verificação ante
diferentes camadas de desidratação distância (Figura 5b), para os resultados as ações de caráter excepcional, como
da pasta de cimento e microfissuras. experimentais obtidos neste estudo. ações devidas ao incêndio, reconheci-
Dessa maneira, qualquer avaliação das Os resultados indicam que a taxa de das pelo Eurocode 1 como uma situa-
propriedades mecânicas globais de aquecimento interno do CRFP é prati- ção acidental que compromete o estado
elementos de CRF expostos ao fogo camente constante para uma determi- limite de serviço (ELS) da estrutura e re-
nada profundidade e é função apenas quer apenas verificações no estado limi-
da distância do fogo, como apontado te último (ELU), associados com colapso
5
Média 25ºC na Figura 5a. estrutural ou outras formas semelhantes
Resistência à tração (MPa)

4 Média pós-fogo
Notou-se ainda que os valores de de falha estrutural, como falha por defor-
3 gradiente de temperatura tendem a au- mação excessiva.
2 mentar de forma quase linear com a du- O estudo do comportamento de
1 ração do incêndio e reduzir em função segmentos pré-moldados (aduelas)
0 da distância da face afetada diretamente no revestimento de túneis em uma si-
0 0,5 1 1,5 2 2,5
COC (mm) pelo fogo. A baixa condutividade térmica tuação de incêndio envolve algumas
Fonte: adaptado de Agra et al. [8] do concreto é um dos principais fatores variáveis, inclusive relacionadas com
associados ao aumento do gradiente a interação solo-estrutura, durante
u Figura 4 de temperatura em função do tempo. À a exposição ao fogo, além da pró-
Curvas de resistência à tração medida que o gradiente de temperatura pria degradação dos elementos, cuja
média por abertura de fissura
no concreto aumenta, as tensões de ori- espessura é relativamente pequena
(COD) do CRFA na temperatura
ambiente a após exposição ao fogo gem térmica provocam danos na forma (250 a 500 mm), o que pode compro-
de fissuras no compósito. Isto reforça a meter a segurança estrutural.

92 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


Apenas uma camada relativamente
fina do revestimento do túnel de con-
creto é termicamente danificada, uma
vez que a temperatura não aumenta
além de 100°C a 140 mm de profundi-
dade e além de 500°C a 50 mm de pro-
fundidade [5]. Geralmente, as primeiras
fissuras aparecem após 31 minutos de
Fonte: adaptado de Serafini et al. [5]
exposição ao fogo e, após 60 minutos,
todo o revestimento está fissurado. A
u Figura 5
formação e o desenvolvimento de fis-
Taxa de aquecimento interno do concreto:
suras são benéficos para a estrutura, (a) regressão linear; (b) valores de taxa de aquecimento
pois, reduzindo a rigidez geral da estru-
tura, também reduz as reações causa-
das pela expansão térmica diferencial, que permitam tratar o CRF sujeito a no que concerne a requisitos, méto-
atenuando seus efeitos [10]. altas temperaturas de forma adequa- dos de ensaio e procedimentos para
O estudo realizado por Lilliu e Meda da para verificações de projeto, o que projeto de estruturas de CRF quando
[10] descreve um possível procedimen- pode ocasionar resultados ineficien- submetidas à ação do fogo, especial-
to para prever o comportamento de tes, que coloquem em risco a segu- mente no que se refere à caracteriza-
um túnel sob uma carga de incêndio, rança estrutural. Assim, a carência de ção do comportamento do material e
onde a interação com o solo, o efeito base normativa sinaliza a necessida- a obtenção de equações constitutivas
da expansão térmica e o dano material de de aprofundamento de estudos confiáveis para serem aplicadas nos
muitas vezes não são levados em con-
sideração pelos códigos. Desta forma,
tal procedimento pode ser usado para
o projeto de incêndio de túneis. Ape-
sar de toda fissuração, a estabilidade
estrutural do túnel pode ser garantida
por até 120 minutos de duração do
fogo. Esse tipo de análise requer o uso
de um código de elementos finitos não
lineares adequado, que considere a in-
teração solo-estrutura, comportamen-
to de materiais não lineares e fissuras
no concreto, dependência térmica das
propriedades do material e acoplamen-
to entre o problema térmico e mecâni-
co. Dessa forma, parametrizações do
comportamento como as descritas no
item 3 são fundamentais.

Fonte: adaptado de [6]


6. COMENTÁRIOS FINAIS
A grande necessidade da socie-
u Figura 6
dade brasileira para a construção de
Danos causados pelo fogo em uma seção típica do revestimento de concreto
túneis ocorre com uma carência de do túnel localizado no Canal da Mancha
referências nacionais e internacionais

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 93


modelos de previsão de comportamento. sim diferentes camadas afetadas com dessas camadas. Dessa forma, o co-
Em um cenário de incêndio em tú- propriedades mecânicas distintas, de nhecimento da influência da tempera-
neis um gradiente de temperatura é forma que o comportamento global tura no comportamento do material é
induzido no compósito, gerando as- da aduela consiste na resposta média essencial a essas verificações.

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por meio do ensaio DEWS (Double Edge Wedge Splitting). In: 5th IBERIAN-LATIN-AMERICAN CONGRESS ON FIRE SAFETY. Porto, Portugal, 2019.
[9] SERAFINI, R.; AGRA, R.R.; MONTE, R.; FIGUEIREDO, A.D. The effect of elevated temperatures on the tensile properties of steel fiber reinforced concrete by means
of double edge wedge splitting (DEWS) test: preliminary results. 10th International Conference on Fracture Mechanics of Concrete and Concrete Structures -
FraMCoS-X. Bayonne, France, 2019.
[10] LILLIU, G.; MEDA, A. Nonlinear Phased Analysis of Reinforced Concrete Tunnels Under Fire Exposure Article. Journal of Structural Fire Engineering, 2013, v. 4, n. 3.

u Excelência em EDUCAÇÃO CONTINUADA – Programa MasterPEC “Master em Produção de Estruturas de Concreto” | Calendário de Cursos 2020

Curso Instrutores Data Local Inscrição Patrocinador Créditos


Prevenindo, Mitigando e Convivendo com
a Reação Álcali Agregado e Mecanismos Leandro Sanchez 2 de setembro Florianópolis IBRACON IBRACON 6
Correlatos em Estruturas de Concreto

Ensaios Destrutivos e Não Destrutivos


Enio Pazini 2 de setembro Florianópolis IBRACON IBRACON 8
Para Avaliação de Estruturas de Concreto

Punção em Lajes Lisas de Concreto Armado Leandro Trautwein 2 de setembro Florianópolis IBRACON IBRACON 6

Pavimentos de Concreto Permeáveis José Tadeu Balbo 2 de setembro Florianópolis IBRACON IBRACON 6

O Fenômeno Térmico no Concreto Massa Eduardo Gambale 3 de setembro Florianópolis IBRACON IBRACON 4

Concreto e Incêndio – Conceitos,


Carlos Britez 3 de setembro Florianópolis IBRACON IBRACON 4
Estudos de Casos e Retrofits

Reforço de Vigas de Concreto Armado


Glaucia Dalfré 3 de setembro Florianópolis IBRACON IBRACON 6
à Flexão e Cisalhamento Com Compósitos

Corrosão e Proteção Catódica de Armaduras


Luiz Paulo Gomes 3 de setembro Florianópolis IBRACON IBRACON 4
de Aço em Estruturas de Concreto

Análise da Estabilidade em Estruturas Pré-Moldadas de


Marcelo Ferreira 3 de setembro Florianópolis IBRACON ABCIC 4
Concreto Segundo a NBR 9062:2017

O Conceito de Desempenho Aplicado


Alexandre Britez 4 de setembro Florianópolis IBRACON IBRACON 4
às Estruturas de Concreto

31 de agosto
Structural Health Monitoring – SHM Túlio Nogueira Bittencourt Florianópolis IBRACON IBRACON 18
a 1 de setembro

94 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


u pesquisa e desenvolvimento

Desenvolvimento de concreto
geopolimérico projetado para
proteção contra incêndio
G. VOLLMANN | A.L. HAMMER | M. THEWES E. KLEEN | D. UHLMANN T. WEINER | J. BUDNIK
Ruhr University Bochum, Instituto de Gerenciamento de Túneis e MC Bauchemie, Bottrop, Alemanha PORR Deutschland GmbH, Departamento
Construção, Bochum, Alemanha de Túnel, Düsseldorf, Alemanha

C. THIENERT | F. LEISMANN | C. KLAPROTH ADRIANO DORNFELD SALDANHA – Gerente Comercial


STUVA, Túnel e construção, Colônia, Alemanha Segmento Túneis MC – Bauchemie

1. INTRODUÇÃO Eurotunnel (2008) mostraram que, das construções e as interrelações


além das melhorias operacionais, acima mencionadas conduzem a
1.1 Antecedentes também são necessárias melhorias uma necessidade considerável de
na área de proteção estrutural con- manutenção a médio prazo, espe-

A
s estruturas de túneis tra incêndios. Normas e diretrizes cialmente para túneis de tráfego de
existentes nas vias de válidas atualmente também estão veículos e estruturas de acompanha-
transporte rodoviário, fer- considerando essas melhorias. (Goj mento da infraestrutura subterrânea.
roviário e metroviário são expostas et al. 2018). Uma visão das ações Um aumento no volume de tráfego,
a fortes pressões durante o curso atuais e do trabalho de manutenção também em conexão com sistemas
de sua vida útil, o que pode causar planejados (Tabela 1) mostra que o de propulsão alternativos, que cada
danos. Decisivas para as medidas planejamento nesta área foi realizado vez mais penetrarão no mercado
estruturais correspondentes são – apenas para uma pequena parte do no futuro, pode levar a um aumento
além do envelhecimento da estrutu- volume de construções atual e, por- considerável das cargas de incêndio
ra do túnel - também as mudanças tanto, haverá uma ocorrência muito em potencial nos túneis e a um au-
nas regulamentações e o aumento maior de reparos e manutenção. mento significativo no risco de aci-
nos requisitos de segurança para os dentes graves.
próprios túneis. Os incêndios no túnel 1.2 Problemas e objetivos Essas interrelações resultam em
do Mont Blanc (1999), Tauern Tunnel uma situação de ameaça válida para
(1999), Gotthard Tunnel (2001) e O envelhecimento progressivo a infraestrutura subterrânea. As di-
retrizes e regulamentações atuais já
u Tabela 1 – Comparação entre o estoque atual e a manutenção futura consideram amplamente os últimos
planejada (cf. Haack 2018, cf. ASFINAG et al. 2018, cf. Hamburger Hochbahn) cenários de impacto - as especifi-
cações de projeto modificadas para
Túnel ferroviário Túnel rodoviário Túnel metroviário proteção estrutural contra incêndio
já cobrem um grande número de
Estoque atual 535 305 604
situações e impactos concebíveis.
Exemplo dos túneis
ferroviários elevados No entanto, a grande maioria dos
Manutenção futura
12.803 12.953 de Hamburgo: túneis túneis existentes foi construída sob
planejada
construídos entre
1912 e 1913 especificações que hoje podem ser
consideradas desatualizadas. Isso

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 95


significa que, no caso de um incidente,
são possíveis problemas significati-
vos quanto à resistência dos materiais
da seção estrutural e, portanto, com
grande potencial de dano no caso
de eventos de incêndio. Portan-
to, melhorias no reparo estrutu-
ral das construções, aumentando
os níveis de segurança atuais, se
fazem urgentes.
Neste contexto, o projeto KOI- u Figura 1
Visão geral do projeto KOINOR – distribuição de pacotes de trabalho
NOR visa desenvolver novos méto-
(TLB, RUB)
dos para o reparo de túneis e garantir
sua eficácia por meio de investiga-
ções adequadas. Um objetivo adi- Studiengesellschaft für Tunnel und mite. As metas principais são, por um
cional é compilar conceitos de repa- Verkehrsanlagen (STUVA), MC-Bau- lado, o desenvolvimento de conceitos
ro amigáveis à
​​ disponibilidade para chemie e PORR Alemanha. Em estreita de manutenção adaptados ao modal
que, no caso de uma medida estru- coordenação com os parceiros asso- de transporte, que levam em conta
tural, seja necessário minimizar um ciados Bundesanstalt für Straßenwe- não apenas as condições do entor-
impacto negativo na rede de tráfego sen (BASt), Hamburger Hochbahn AG, no operacional do respectivo modal
ao redor do túnel. Eisenbahnbundesamt (EBA), DB de transporte (rodoviário x ferroviário
Engineering and Consulting e DB Netz x metroviário), mas também os dife-
2. PROJETO KOINOR AG, são realizadas pesquisas para rentes métodos construtivos (túnel de
encontrar uma solução universal, fle- alvenaria x valas a céu aberto x túneis
2.1 Descrição do projeto xível e compatível com os padrões, escavados no método NATM – New
nesse tema. Austrian Tunnelling Method). Por outro
O KOINOR (nome do projeto lado, o concreto geopolimérico proje-
que a STUVA – empresa de pesqui- 2.2 Objetivo tado desenvolvido deve garantir uma
sa sem fins lucrativos, que congrega alta resistência ao fogo, com baixa
todas as autoridades importantes O objetivo do projeto é o desen- penetração térmica e alta durabilida-
para o segmento de construção e volvimento de conceitos abrangentes de, com baixa espessura de camada
operação de túneis e outros siste- para o reparo específico dos túneis e, assim, suportar os meios agressivos
mas de tráfego – iniciou em agosto de transporte ou melhoria estrutural das estruturas de construção men-
de 2018, visando pesquisar novas da infraestrutura subterrânea no con- cionadas (por exemplo, induzidas por
tecologias e sistemas de proteção texto de possíveis cenários de incên- gases de escape, sais descongelan-
contra incêndio, melhorias e recu- dio. O foco central é a criação de um tes – cloretos - ou tensões dinâmicas).
peração de estruturas de túneis). É novo sistema de manutenção projeta- Para poder responder às questões de
um projeto de três anos, financiado do para revestimentos de túneis com disponibilidade e aversão ao risco por
pelo Ministério Federal de Educação base em concreto geopolimérico, com parte dos operadores e usuários, elas
e Pesquisa da Alemanha (BMBF), no a ajuda do qual a sinergia descrita en- estão sendo identificadas e implemen-
âmbito do programa “Pesquisa para tre manutenção e reparo de proteção tadas nos conceitos.
Segurança Civil”. O KOINOR é um contra incêndio possa ser realizada.
projeto de pesquisa conjunto dos Ao mesmo tempo, os potenciais de 2.3 Processo
seguintes parceiros: Instituto de Ge- otimização econômica, operacio-
renciamento de Túneis e Construção nal, de processos e de materiais de O projeto de pesquisa subdivide-
do Ruhr-University Bochum (TLB), construção devem ser levados ao li- -se em sete pacotes de trabalho, como

96 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


parâmetros para cálculos numéricos
adicionais são determinados.
Paralelamente, estratégias es-
pecíficas para cada modal de trans-
porte de (rodovias, ferrovias, metrôs)
devem ser desenvolvidas. Além da
aplicabilidade geral do procedimen-
to desenvolvido, o foco aqui está na
aplicabilidade durante o tráfego contí-
u Figura 2
nuo, em que é dada atenção especial
Possíveis materiais de origem e processos para a preparação de geopolímeros
(cf. Buchwald 2006) aos riscos associados e problemas
de disponibilidade. Os estudos de
viabilidade econômica complemen-
mostra a Figura 1. Com base em pes- materiais construtivos baseados em tarão este trabalho para quantificar
quisas sobre diretrizes, especificações, geopolímeros e implementados em as vantagens econômicas do novo
e outros pontos, é necessário desen- diversos ensaios. sistema em comparação às estraté-
volver perfis de requisitos que defi- Simultaneamente, uma tecnologia gias de manutenção convencionais.
nam o nível mínimo de inovação a ser de processo adequada para aplicar A estrutura do projeto será finalizada
alcançado para o sistema de reparo a as soluções desses materiais está em por um protótipo, no âmbito do qual
ser desenvolvido (resistência ao fogo, desenvolvimento. Questões do pro- a implementação dos conceitos será
resistência ao sal de degelo e geada, cesso de execução, como a possibi- apresentada em uma aplicação em
durabilidade, fadiga mecânica etc). lidade de produção em etapa única, escala 1: 1, respeitando os tipos de
Esse processo deriva especifi- em oposição ao processo habitual, modais de transporte participantes.
cações para o desenvolvimento fu- devem ser respondidas. Além disso,
turo dos sistemas de manutenção corpos de prova de grandes dimen- 3. PRIMEIROS PASSOS
em termos de materiais e processos sões são investigados em relação à NO DESENVOLVIMENTO
construtivos. Esses serão então de- sua eficácia em termos de resistên- DO TRAÇO
senvolvidos em modo teórico e práti- cia ao fogo, resistência ao impacto,
co como formulações adequadas de comportamento do material, etc. e 3.1 Fundamentos
dos geopolímeros

Fire curves Geopolímeros são aglutinan-


1400 tes inorgânicos, pelo que o prefixo
1200 “Geo” pretende refletir a estreita
relação com materiais geológicos
Temperature (ºC)

1000
(Davidovits, 1999). Os aglutinan-
800
tes de geopolímeros são sistemas
600
RWS, Rijkswaterstaat, NL inorgânicos de dois componentes,
400 HCM, Modified HydroCarbon, Fr
HC, HydroCarbon, Eurocode 1 que consistem em um componen-
EBA, train tunnels, G
200 ZTV-Ing.-curve, road tunnels, G te sólido reativo e uma solução de
ISO-834, Cellulosic, Buildings

0 ativação alcalina. A Figura 2 ilustra


0 30 60 90 120 150 180 a definição de um geopolímero no
Time (min)
processo de fabricação. O contato
dos dois componentes - ligante (só-
u Figura 3
lido) e ativador - leva ao endureci-
Diferentes curvas de incêndio utilizadas internacional e nacionalmente (TLB, RUB)
mento da mistura. Em uma primeira

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 97


normas relevantes: ZTV-Ing. T5
para túneis rodoviários e RIL 853
e EBA-RIL para túneis ferroviários.
Não há especificações padroniza-
das para sistemas de metrô. Con-
sequentemente, as curvas são
adaptadas de outros modais de
transporte ou adotadas de outras
regiões do mundo. Por exemplo,
u Figura 4 os operadores franceses usam a u Figura 5
Representação exemplar do chamada curva ISO 834, enquanto Área de suporte da placa
bloco de metal brilhante na base incandescente no teste preliminar
todo o Metrô de Doha foi planejado
(MC Bauchemie) ao usar uma argamassa
e construído com base nas especi- polimérica para reparos
ficações do RIL 853 (com base nas estruturais (MC Bauchemie)
etapa de reação, o ativador alcalino especificações da EBA). A Figura
libera o sólido e, em uma segunda 3 fornece uma visão geral dessas preliminar (Figura 4). Esses subs-
etapa de reação, um polímero de curvas de incêndio. tratosconsistem de um concreto
aluminossilicato condensa-se a par- É significativo que, em quase com uma camada suplementar apli-
tir da solução. O resultado é uma todos os casos de incêndio, o efei- cada, uma argamassa polimérica
estrutura de rede resistente à água, to spalling seja observado quando para reparos estruturais, resistente
que é o aluminossilicato, varian- o concreto convencional, isto é, ao fogo – classe F-120 (Nafufill KM
do entre amorfo a semi-cristalino. concreto sem a adição de fibras de 250), de acordo com a ZTV-Ing., ou
(Buchwald 2006). polipropileno, é ensaiado seguindo um geopolímero. Para esse fim, a
Dependendo das matérias-primas todas as curvas O spalling se tor- camada acima mencionada foi apli-
e dos traços selecionados, os geo- na um problema, pois, por conta cada à placa de substrato em um
polímeros podem ter propriedades dele, ou a armadura é exposta di- procedimento manual, uma vez que
positivas. Para uso como sistema retamente ao efeito térmico, ou a não havia solução pulverizável no
de reparo, incluem, acima de tudo, espessura restante da camada de momento do teste preliminar.
resistência química e à temperatura, cobrimento é insuficiente, levando Após um tempo de exposição
alta impermeabilidade e baixa per- ao rápido aquecimento da arma- de cerca de dez minutos, o bloco
meabilidade, além de tempo de cura dura e redução de sua resistência metálico foi removido e o substrato
rápido com altas resistências finais. a tração. Como resultado, pode
(Buchwald 2006, Uebachs 2018). ocorrer uma falha estrutural parcial
do revestimento do túnel, combi-
3.2 Primeiros testes táteis nada com a perda de capacidade
para ação térmica de manutenção, até o colapso total
da estrutura.
Internacionalmente, é necessá- O desenvolvimento de uma so-
rio considerar diferentes cenários lução de reparo feita em concreto
para determinar a resistência ao geopolimérico oferece teoricamen-
fogo de uma estrutura subterrânea. te várias vantagens nesse contexto.
Esses cenários são geralmente re- Para investigar o comportamento u Figura 6
presentados por curvas de tem- em situação de incêndio, um blo- Área de suporte da placa
incandescente no teste
peratura vs tempo. Na Alemanha, co de metal quente a 1300 °C foi
preliminar usando um concreto
existem regulamentações para tú- armazenado em dois substratos geopolimérico (MC Bauchemie)
neis rodoviários e ferroviários nas diferentes como parte de um teste

98 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


exposto termicamente foi examina-
do. O dano observado está docu-
mentado nas Figuras 5 e 6.
As Figuras 5 e 6 mostram
claramente o efeito positivo do
concreto geopolimérico. O spalling u Figura 7
causou a destruição evidente da Forno Mufla de alta temperatura da marca Linn (cadeira de engenharia de
superfície de contato do concreto materiais, Ruhr University Bochum) e curva temperatura-tempo de acordo
com a diretriz da EBA “Requisitos de controle de incêndio e desastre para a
convencional com a argamassa po-
construção e operação de túneis ferroviários”
limérica aplicada (Figura 6) em com-
paração com a solução à base de
geopolímero (Figura 7). A última so- 4. CONCEITO EXPERIMENTAL Sob a influência da temperatura, as
lução mostra apenas uma ligeira for- amostras tornaram-se sinterizadas, sen-
mação de fissuras na superfície, cuja 4.1 Tecnologia de materiais do a eutética (mistura eutética é uma
análise deve levar em consideração de construção mistura de elementos químicos, em
que elas não resultam de fissuras uma determinada proporção, na qual o
na camada de geopolímero apli- Como demonstrado, os ensaios pre- ponto de fusão é o mais baixo possível,
cada, mas de fissuras no interior liminares mostraram que um concreto ou seja, durante o resfriamento uma fase
do substrato que se propagaram geopolimérico tem boas propriedades líquida se transforma em pelo menos,
à superfície. em relação à sua tendência de reduzir duas fases sólidas) parcialmente alcan-
o efeito spalling. No entanto, a necessi- çada - as amostras começaram a fluir. A
dade de aplicação por aspersão (proje- composição e traço com o melhor com-
u Tabela 2 – Traços de concreto
tado) e do atendimento a determinados portamento do material serão usadas
para os primeiros ensaios de
requisitos mecânicos leva ao desenvol- para ensaios adicionais (Figura 8).
comportamento sob ação
vimento de um traço menos convencio-
de incêndio
nal do concreto geopolímero. Ensaios 4.2 Engenharia de processo
Modificação do traço iniciais com base em diferentes mate-
Traço
relacionado ao traço básico riais em sua composição (Tabela 2), em Testes de aspersão/ projeção con-
1 (Base) relação a parâmetros específicos, como trolados manualmente foram realizados
Proporção reduzida de escória, resistência à compressão e à flexão, fo-
aumento da proporção ram realizados, com escopo crescente
2
significativamente maior
de cinzas volantes de investigação (de corpos de prova de
Proporção significativamente pequenas à grandes dimensões), para o
reduzida de escória, proporção desenvolvimento de traços adequados
3
significativamente maior
em etapas sucessivas.
de cinzas volantes
Além da determinação de proprie-
4 Ativador
dades básicas dos materiais, como
5 Sem microssílica
resistência à compressão, o ponto
Fluxo úmido, troca
6 de partida foi inicialmente investigar
de cinzas volantes
Fluxo úmido, com o comportamento sob a influência da
7
redutor de retração temperatura em corpos de prova de
Proporção reduzida pequenas dimensões. A influência das
8
de areia fina de escória u Figura 8
diferentes variações de traço foi de-
Proporção reduzida de pó de Amostras das composições
9 terminada na Universidade RUB, em
escória, sem ativador 3 e 8 após exposição à
ensaios normatizados de exposição ao temperatura (TLB, RUB)
10 Troca de cinzas volantes por bauxita
fogo em um forno mufla (Figura 7).

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 99


no Departamento de Concreto Projetado normatizada. Com base nos resultados
do Institute for Tunneling and Construc- obtidos, serão efetuados os ajustes ne-
tion Management, já com o ajuste do cessários no traço para reduzir a con-
equipamento para projeção de concreto dutividade térmica. Além disso, a influ-
geopolimérico (Figura 9). ência dos materiais pós-tratamento será
Os primeiros resultados foram uma investigada em outras séries de ensaios.
boa bombeabilidade do traço no pro- Os ensaios do concreto projetado
cesso de projeção via seca. O resulta- no processo de projeção por via seca
do foi um padrão de projeção homo- foram realizados resultando em bai-
gêneo, que também mostrou um bom xa geração de poeira e baixa reflexão.
comportamento de aderência quando Uma etapa adicional é a adaptação dos
u Figura 9
Aplicação de concreto projetado
aplicado em camadas de maior espes- testes ao processo de projeção por no banco de ensaios de concreto
sura. Outros aspectos positivos foram via úmida. Com o intuito de investigar projetado do Ruhr-University
a baixa geração de pó, com maior se- a trabalhabilidade e bombeabilidade Bochum (TLB, RUB)
gurança ocupacional, e baixo esforço do concreto geopolimérico usando o
de limpeza do sistema de transporte, processo de projeção via úmida, testes volvidos e investigados sob exposição à
melhorando a engenharia de processo. com diferentes tipos de bombas pro- curva normatizada temperatura x tempo
jetoras serão realizados. Além disso, de um incêndio-padrão. Os primeiros re-
5. PRÓXIMAS ETAPAS estão planejados ensaios sobre o com- sultados dos ensaios mostram um com-
DE DESENVOLVIMENTO portamento de aderência do sistema portamento positivo do material sob ação
Para a próxima fase do projeto, o de- de reparo com o material projetado, no da temperatura, que será ensaiado mais
senvolvimento adicional dos traços, por revestimento do túnel a ser reparado. detalhadamente. A tecnologia de proces-
um lado, e a otimização da engenharia so utilizada também produziu um padrão
de processo para a produção do siste- 6. RESUMO E PERSPECTIVAS de projeção homogêneo com baixa gera-
ma de reparo por projeção, por outro, O projeto de pesquisa KOINOR visa ção de pó e redução da reflexão.
serão destaque na pesquisa. A condu- desenvolver conceitos abrangentes para a
tividade térmica do concreto geopoli- manutenção de infraestrutura subterrânea 7. AGRADECIMENTOS
mérico aplicado por projeção mecânica de transporte no contexto de possíveis O Ministério Federal de Educação
será ensaiada através da produção de cenários de incêndio. O novo sistema de e Pesquisa da Alemanha (BMBF) for-
corpos de prova com termopares inte- manutenção por projeção a ser desenvol- neceu apoio financeiro no âmbito do
grados, que serão testados sob a curva vido é baseado em um concreto geopoli- projeto de pesquisa KOINOR. Esse su-
de temperatura em situação de incêndio mérico. Os primeiros traços foram desen- porte é gratamente reconhecido.

u REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] Buchwald, A.: Was sind Geopolymere? Stand von Forschung und Technik sowie Chancen und Bedeutung für die Fertigteilindustrie. In: Betonwerk + Fertigteil-
Technik 2, 2006, pp. 42-49
[2] Bundesanstalt für Straßenwesen (Hrsg.): Zusätzliche Technische Vertragsbedingungen und Richtlinien für Ingenieurbauten, ZTV-ING, Teil 5 Tunnelbau, 2018.
[3] Deutsche Bahn AG (Hrsg.): Richtlinie 853, Eisenbahntunnel planen, bauen und instand halten (RIL 853), 2002, letzte Aktualisierung 01.11.2014.
[4] Eisenbahn Bundesamt (EBA) (Hrsg.): Richtlinie Anforderungen des Brand- und Katastrophenschutzes an den Bau und Betrieb von Eisenbahntunneln, 2008.
[5] Goj, K.; Fischer, O.; Ettelt, B.: Instandsetzung und Nachrüstung, Tunnel Pfaffenstein – Nachrechnung eines Straßentunnels im Bestand. In: DGGT (Hrsg.):
Taschenbuch für den Tunnelbau. Verlag Ernst & Sohn, 2018, pp. 147-179.
[6] Haack, A.: 1 Einführung und Zielsetzung. In: ASFINAG, DB Netz AG, STUVA (Hrsg.): Sachstandsbericht 2017 “Instandsetzungsstrategien und- verfahren für
Verkehrstunnel4”. Forschung + Praxis 50. Berlin: Verlag Ernst & Sohn, 2018, pp. 1-3.
[7] Janson, R.: Fire Spalling of Concrete, Doctoral thesis in Concrete structures, Stockholm, Sweden 2013.
[8] Jüngst, C.; Gabl, Th.; Pucher, M.; Reichl, Ch.; Schnabl, R.; West, T.: 2 Ausgangslage. In: ASFINAG, DB Netz AG, STUVA (Hrsg.): Sachstandsbericht 2017
“Instandsetzungsstrategien und -verfahren für Verkehrstunnel”. Forschung + Praxis 50. Berlin: Verlag Ernst & Sohn, 2018, pp. 4-25.
[9] Uebachs, S., Geopolymerbeton und seine Eigenschaften. In: BetonWerkInternational 2, 2018, pp. 42-46.

100 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


u pesquisa e desenvolvimento

Influência da projeção no
processo de hidratação
de misturas cimentícias
contendo aceleradores
RENAN P. SALVADOR – Químico, Professor Doutor ANTONIO D. DE FIGUEIREDO – Engenheiro Civil, Professor Doutor
ALINE C. RIBEIRO – Engenheira Civil, Mestranda Departamento de Engenharia de Construção Civil, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
Departamento de Engenharia Civil, Universidade São Judas Tadeu

SERGIO H. P. CAVALARO – Engenheiro Civil, Professor Doutor


Escola de Arquitetura e Engenharia de Construção Civil, Universidade de Loughborough

RESUMO dos aceleradores com o cimento aplicações em túneis, esses produ-

O
concreto projetado usa focam em pastas misturadas me- tos químicos são necessários para
aceleradores de pega canicamente. Este trabalho buscou fornecer alta resistência mecânica
para promover seu rápi- avaliar a influência da projeção do inicial, fazendo com que a camada
do endurecimento. A grande maio- concreto na cinética de reações de concreto seja capaz de fornecer
ria dos estudos sobre a reatividade do concreto projetado. Sua prin- suporte ao maciço. Dependendo de
cipal conclusão é que o processo sua composição química, diferentes
de projeção acelera a hidratação mecanismos de hidratação e resis-
u Tabela 1 – Composição química do aluminato de cálcio, mas retar- tências mecânicas são observados
do cimento determinada por da a velocidade de hidratação do em matrizes aceleradas (GALO-
espectrometria FRX cimento. Complementarmente, ve- BARDES et al., 2015; SALVADOR
rificou-se que o processo de mis- et al., 2016a).
Teor tura influencia a microestrutura da Para avaliar a reatividade dos
Óxido
(% em massa)
matriz cimentícia. aceleradores com o cimento, a
LOI 2,88
grande maioria dos estudos trata
CaO 62,62
1. INTRODUÇÃO de pastas de cimento com acele-
SiO2 19,89
O concreto projetado difere do radores misturadas mecanicamente
Al2O3 4,74
concreto convencional devido ao (JUILLAND et al., 2012; SALVADOR
Fe2O3 3,26
método de aplicação e ao uso de et al., 2016a, 2016b; XU; STARK,
SO3 3,53
aceleradores de pega para promover 2005). Embora este processo de
MgO 1,95
o endurecimento rápido da matriz mistura possa proporcionar energia
K2O 0,99
logo após a mistura (GALOBARDES suficiente para homogeneizar a pas-
Na2O 0,13
et al., 2015). Os aceleradores são ta, existem diferenças significativas
Componentes
0,11 normalmente adicionados ao con- em relação ao processo de proje-
minoritários
Soma total 100,0 creto no bico de projeção, imediata- ção utilizado na prática. Portanto,
mente antes de ser projetado. Para é crucial avaliar como o processo

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 101


ca determinada por espectrometria
u Tabela 2 – Composição u Tabela 3 – Propriedades físicas
de fluorescência de raios-X (FRX)
mineralógica do cimento e químicas do cimento
está apresentada na tabela 1. Sua
determinada por DRX com
composição mineralógica determi-
refinamento de Rietveld Propriedade Resultado
nada por difração de raios-X (DRX)
com refinamento de Rietveld está Calor de hidratação total (J/g) 433,0
Teor
Fase na tabela 2. Suas propriedades físi- Relação molar C3A/SO3 0,39
(% em massa)
cas estão apresentadas na tabela 3 Resíduo insolúvel
C3S 58,3 2,74
(% em massa)
C2S 11,2 (SALVADOR et al., 2016a).
Superfície específica BET
C3Ac 4,1 Água destilada e um superplas­ 2,96
(m2/g)
C3Ao 0,6 tificante composto por uma solução d50 (µm) 11,4
C4AF 13,4 de policarboxilato (34% teor de
CaO 1,1 sólidos) foram utilizados para
Ca(OH)2 1,7 preparar pastas. Um acelerador tas que não contêm acelerador são
CaCO3 1,9 composto por sulfato de alumínio identificadas como ‘REF’. O proces-
CaSO4.2H2O 2,1 (livre de álcalis – LA) e outro com- so de mistura para a pasta está des-
CaSO4.0,5H2O 4,4 posto por aluminato de sódio (alca- crito em (SALVADOR et al., 2016a).
K2Ca(SO4)2.H2O 1,1 lino – AC) foram empregados. Suas As pastas projetadas eram com-
Soma total 100,0 propriedades químicas e físicas en- postas por cimento, água na relação
contram-se na tabela 4 (SALVADOR a/c 0,32 e as mesmas dosagens de
et al., 2016a). superplastificantes e aceleradores.
de mistura influencia a cinética de As pastas projetadas foram identifi-
reações de misturas cimentícias 2.2 Composição e preparação cadas como P_‘tipo de acelerador’.
produzidas com aceleradores. de pastas de cimento O processo de projeção foi realizado
em um equipamento de projeção em
2. METODOLOGIA EXPERIMENTAL As pastas misturadas mecanica- escala reduzida apresentado na fi-
mente eram compostas por cimento, gura 1 (SALVADOR et al., 2017). Foi
2.1 Materiais água na relação água/cimento (a/c) utilizada uma bomba helicoidal do
0,45 e superplastificante na dosa- tipo UP-Pictor. Esse tipo de bom-
Foi utilizado um cimento Portland gem igual a 1,0% sobre a massa de ba é adequado para fluidos como
CEM I 52.5R (similar a um cimento cimento (% smc). O acelerador LA pastas de cimento, pois garante um
CP V ARI). Sua composição quími- foi adicionado a 7,0% smc e o AC fluxo de material constante, elimi-
a 3,0 % smc. As pastas misturadas nando o efeito de pulsação. É ope-
mecanicamente foram identificadas rado com a pressão de 6 bar, usan-
Bomba diafragma Bomba
para dosagem
Compressor
por rosca como M_‘tipo de acelerador’. Pas- do um compressor de ar de 3 HP.
de ar
de aceleradores sem fim

u Tabela 4 – Propriedades químicas e físicas dos aceleradores

Propriedade LA AC
Pistola de
projeção
Mangueira para Teor de sólidos (% em massa) 47,6 43,0
transporte de
pasta de cimento Teor de Al2O3 (% em massa) 13,5 24,0
Teor de SO4 (% em massa)
2-
21,0 –
u Figura 1 Teor de Na2O (% em massa) – 19,0
Componentes do equipamento pH a 20 ºC 3,0 12,0*
de projeção * Solução a 1,0 % em massa

102 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


dosagem e foi calculada com base
Saída de Entrada de Diâmetro interno: Diâmetro da base: no fluxo ideal de pasta de cimento
pasta projetada pasta de cimento 6 mm 14 mm
(4,9 litros por minuto).
Entrada de
ar comprimido
2.3 Ensaios realizados

As pastas misturadas mecanica-


Entrada de mente e projetadas foram caracte-
A
acelerador B C
rizadas por calorimetria isotérmica,
Cilindro de extensão: Entrada de acelerador
Altura: 30 mm e ar comprimido
difração de raios X (DRX) e micros-
copia eletrônica de varredura (MEV)
e microanálise química por EDS. A
u Figura 2
Pistola de projeção (a), bocal para pastas de cimento (b),vista da base do calorimetria isotérmica foi realizada a
bocal (c) 20 oC por 24 h utilizando 15,0 g de
pastas de cimento em um caloríme-
tro isotérmico I-cal 4000 (SALVADOR
A mangueira para o transporte da respectivamente. Na parte superior, et al., 2016a). DRX foi realizado se-
pasta tem um diâmetro interno de foi instalado um cilindro com exten- guindo os procedimentos de (SAL-
40 mm e um comprimento de 4 m. são com 30,0 mm de comprimento VADOR et al., 2019) nas idades de
Uma pistola de projeção é co- e 6,0 mm de diâmetro interno, a fim 15 min, 1 h, 3 h, 12 h e 24 h após a
nectada ao final da mangueira e de obter uma melhor homogeneiza- adição do acelerador. MEV e micro-
seus detalhes estão apresentados ção da mistura projetada. Na sua análise química por EDS foram reali-
na Figura 2. A pistola contém três base, são encontrados seis furos de zados de acordo com (SALVADOR et
entradas diferentes para a entrada 2 mm de diâmetro para a entrada do al., 2020) nas idades de 15 min, 3h
de pasta de cimento, acelerador e acelerador e do ar comprimido (Fi- e 12 h após a adição do acelerador.
ar comprimido (Figura 2.a). Um bico gura 2.c).
desenvolvido especificamente para Os aceleradores foram dosados​​ 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
este estudo é conectado na saída por uma bomba diafragma pneumá-
da pistola (Figura 2.b). Tem uma tica tipo P.025. Esse tipo de bomba 3.1 Calorimetria isotérmica
forma de tronco de cone, cujo diâ- apresentou sucção homogênea para
metro da base, diâmetro superior e todos os aceleradores. A vazão dos As curvas de calor de hidratação
altura medem 14,0, 6,0 e 10,0 mm, aceleradores dependia de seu tipo e das pastas misturadas mecanica-
mente e projetadas de 0 a 24 h es-
tão na figura 3.a e de 1,0 a 1,5 h na
figura 3.b. O período entre 1,0 e 1,5
h se refere à adição do acelerador e
consequente formação de etringita.
Neste documento, este pico é iden-
tificado como ‘pico do acelerador’.
As curvas indicam que a veloci-
dade da reação do acelerador (incli-

A B
nação da parte ascendente do pico
do acelerador) e a energia liberada
por sua reação com cimento (área
u Figura 3
Curvas de fluxo de calor de 0 a 24 h (a) e de 1,0 a 1,5 h (b) abaixo da curva entre 1,0 e 1,5 h)
são mais de duas vezes maior em

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 103


A B C

u Figura 4
Evolução da concentração de alita (a), portlandita (b) e etringita (c) nas pastas misturadas mecanicamente e nas projetadas

pastas projetadas do que nas pas- cálcio, fase AFt) e, posteriormente, processo de mistura, principalmente
tas misturadas mecanicamente. Isso monosulfoaluminato de cálcio (fase quando o acelerador AC é utilizado,
é observado para os dois tipos de AFm), o consumo de sulfatos pre- pois esse acelerador não contém
acelerador. Portanto, pode ser con- sentes no cimento também é mais sulfatos em sua composição.
cluído que a reatividade do acelera- rápido, o que acelera as reações do Uma possível explicação para
dor é controlada pela sua homoge- C 3A do cimento. Tal fato pode ser esse fato é que a etringita é forma-
neização na pasta, sendo a mistura observado pelo ombro na curva P_ da rapidamente durante a projeção,
dos íons contidos na solução do AC, que representa a formação de atingindo um grau de cristalinidade
acelerador com o cimento a etapa fases AFm (SALVADOR et al., 2017). mais baixo que nas pastas mistura-
limitante da velocidade da reação. A formação acelerada de fases AFm das mecanicamente. Além disso, a
Quanto maior a energia de mistura preenche os espaços vazios da ma- etringita formada durante o processo
do acelerador na pasta, maior a ve- triz, limitando a hidratação da alita. de projeção pode não estar orienta-
locidade de reação. da adequadamente para a medida de
A cinética de hidratação posterior 3.2 DRX DRX. No caso de cristais cuja morfo-
à adição do acelerador também é in- logia é acicular, a orientação difusa
fluenciada pelo processo de mistura. A evolução da composição das diminui a intensidade dos raios difra-
A velocidade de reação e a energia fases nas pastas misturadas mecani- tados. Por esses motivos, sua quan-
liberada no pico principal das pas- camente e nas projetadas está apre- tificação por DRX fica comprometida
tas projetadas é mais baixa que das sentada na figura 4. Para simplificar a curtas idades. Com o decorrer da
pastas misturadas mecanicamen- a interpretação dos gráficos, apenas hidratação, a nucleação dos cristais
te. Como a reação do acelerador é as fases alita, portlandita e etringita de etringita promove o crescimento
mais rápida nas pastas projetadas, estão identificadas. de cristais regulares, aumentando a
aluminatos hidratados, responsáveis Nas pastas misturadas mecani- intensidade dos raios difratados.
pelo processo de pega da pasta de camente, a hidratação da alita ocor-
cimento, são formados em maior re em maior extensão e velocidade 3.3 MEV e microanálise química
quantidade nessas pastas. Como as até as 24 h, formando uma maior por EDS
reações de hidratação dos alumina- quantidade de portlandita conse-
tos consomem sulfato para a forma- quentemente 1. A concentração de Os resultados obtidos na análise
ção de etringita (trisulfoaluminato de etringita é a mais influenciada pelo por MEV com as pastas M_LA, P_LA,

1
Alita, composta maioritariamente por silicato tricálcico, é o principal componente do cimento Portland. Sua reação com água gera C-S-H (silicato de cálcio hidratado)
e portlandita (hidróxido de cálcio).
C-S-H é a fase responsável pelo desenvolvimento de resistência mecânica em matrizes cimentícias. Portlandita é um subproduto da hidratação
da alita, que mantem o pH da matriz entre 12 e 13 e é a fase responsável pela passivação das armaduras.

104 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


A B C

u Figura 5
Pasta M_LA aos 15 min (a), 3 h (b) e 12 h (c)

M_AC e P_AC estão nas figuras 5, 6, gresso da reação do acelerador, organizada, composta principalmen-
7 e 8, respectivamente. As regiões pela grande quantidade de cristais te por cristais de aluminatos hidra-
analisadas pelo EDS estão indicadas de etringita medindo cerca de 2 μm tados muito dispersos e difusos. Os
por um círculo amarelo na imagem de comprimento, precipitados na cristais de etringita apresentam ter-
correspondente. Os resultados obti- superfície das partículas. Esses cris- minações arredondadas e medem
dos nos espectros EDS são represen- tais nucleiam e precipitam na mor- 1,5 μm de comprimento, aproxima-
tados como as intensidades relativas fologia de agulhas hexagonais com damente. A diferença na morfologia
de cada elemento, colocadas acima terminações planas em uma estru- é causada pela reação mais rápida
de cada imagem. Os picos considera- tura ordenada. A relação molar entre devido ao processo de projeção. A
dos para medir a intensidade de Ca, alumínio e enxofre (razão Al/S) en- região analisada por EDS identifica
Si, Al, S e Na são correspondentes às contrada na região analisada é igual uma razão Al/S igual a 0,93, que indi-
energias de 3,73; 1,78; 1,52; 2,33 e a 0,667, que é o valor exato encon- ca a coexistência de fases AFt e AFm
1,1 keV, respectivamente. trado na etringita pura. na superfície da partícula de cimento.
Na pasta M_LA aos 15 min (Fi- A pasta P_LA aos 15 min (Figura Após 3 horas de hidratação, a
gura 5.a), observa-se grande pro- 6.a) apresenta microestrutura menos microestrutura é mais densa e uma

A B C

u Figura 6
Pasta P_LA aos 15 min (a), 3 h (b) e 12 h (c)

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 105


A B C

u Figura 7
Pasta M_AC aos 15 min (a), 3 h (b) e 12 h (c)

área maior é coberta por produtos cação de menores teores de etringi- plausível sobre o motivo da pas-
de hidratação (principalmente C-S- ta por DRX). ta projetada com o acelerador LA
-H e AFt) na pasta M_LA (Figura A pasta M_LA às 12 h (figura 5.c) apresentar menor grau de hidrata-
5.b). Na pasta P_LA (Figura 6.b), apresenta muitos cristais de etrin- ção do que a pasta misturada me-
as agulhas de etringita cresceram gita na superfície das partículas de canicamente. Tais resultados estão
e medem aproximadamente 2 μm cimento. Na pasta P_LA (Figura 6.c), alinhados com as observações deri-
de comprimento. Apesar disso, sua as partículas de cimento apresen- vadas da análise das curvas de fluxo
morfologia não apresenta o mesmo tam uma grande superfície coberta de calor (Figura 3).
arranjo que nas pastas misturadas por C-S-H e hidratos de aluminato. Em relação à utilização do acele-
mecanicamente, sendo ainda carac- A formação de etringita altamente rador AC, a pasta M_AC aos 15 min
terizada por agulhas de orientação dispersa e outros hidratos de alumi- (Figura 7.a) apresenta grande quan-
difusa. Esse resultado corrobora a nato pode diminuir a taxa de disso- tidade de fases hidratadas precipi-
hipótese descrita na seção 3.2 e os lução de alita e limitar a hidratação tadas na superfície da partícula de
dados obtidos na DRX (a microes- adicional devido ao preenchimento cimento. De acordo com o espec-
trutura desarranjada leva à quantifi- de espaço. Essa é uma explicação tro de EDS, os hidratos apresentam

A B C

u Figura 8
Pasta P_AC aos 15 min (a), 3 h (b) e 12 h (c)

106 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


relações Al/Ca, Si/Ca e Al/S iguais drato apresenta diâmetros variando u O processo de projeção melho-
a 0,62, 0,168 e 6,7, respectivamen- de 12 a 40 µm e tende a aglomerar- ra a reatividade do acelerador
te, indicando que podem ser com- -se em pastas misturadas mecanica- e acelera a hidratação do C 3A.
postos pelas fases C-A-H e AFm, mente (Figura 7.b). No entanto, o diâ- Consequentemente, a hidratação
com baixos teores de C-S-H. Tais metro médio dessa fase nas pastas da alita é limitada, levando a me-
compostos são formados pela rea- projetadas é de 3 µm e sua dispersão nores graus de hidratação;
ção rápida do acelerador com íons é bastante homogênea (Figura 8.b). u A velocidade de reação do ace-
cálcio, bem como pela hidratação Essa diferença na microestrutura é lerador é controlada pela sua ho-
de C 3A em um meio com conteúdo causada pelas condições de alto ci- mogeneização na matriz. Quanto
de sulfato limitado. Na pasta P_AC salhamento durante a projeção, da mais eficiente sua homogeneiza-
aos 15 min (figura 8.a), os hidratos mesma forma que as pastas produzi- ção, mais rápida é a reação;
apresentam uma relação Al/S igual das com o acelerador LA. u A formação acelerada de fases
a 1,35 e podem ser compostos prin- A pasta M_AC na idade de 12 h AFm preenche os espaços vazios
cipalmente pelas fases AFm. apresenta cristais de AFt distribuí- da matriz e reduz a velocidade
As pastas M_AC e P_AC na ida- dos por toda a matriz (Figura 7.c). Na de hidratação do cimento. Tal
de de 3 h (figuras 7.b e 8.b) apre- pasta P_AC (Figura 8.c), os hidratos fato é observado principalmente
sentam grande progresso nas rea- apresentam uma relação Al/S igual nas pastas com o acelerador AC
ções de hidratação. A pasta P_AC a 2,0, sendo compostos pelas fases produzidas por projeção;
contém hidratos na morfologia de AFm e C-A-H. De acordo com (SAL- u O processo de mistura influencia
placas hexagonais, que apresentam VADOR et al., 2016a), as fases AFm a microestrutura da matriz signifi-
uma relação Al/S igual a 7,0 e um e C-A-H precipitadas na superfície de cativamente, alterando a morfolo-
teor elevado de sódio. Esse hidrato uma partícula de cimento contribuem gia, a composição e a distribuição
pode ser uma fase-U, formada pela para reduzir o grau de hidratação da das fases hidratadas formadas
inclusão de íons sódio na estrutura alita em pastas contendo acelerador pela reação do acelerador;
do monosulfoaluminato de cálcio. alcalino. Esse fato justifica o menor u O processo de projeção pro-
Como é uma fase derivada do mo- grau de hidratação medido às 24 h porciona maior sensibilidade
nosulfoaluminato de cálcio, também nas pastas projetadas. na análise da reatividade dos
pode ser considerada uma fase AFm aceleradores e deve ser utili-
(LI; BESCOP, 1996). 4. CONCLUSÕES zado na produção de matrizes
O processo de mistura influencia As seguintes conclusões podem para caracterização de sua
significativamente a morfologia e a ser tiradas a partir dos resultados composição mineralógica e
dispersão dessa fase AFm. Este hi- obtidos: microestrutural.

u REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] GALOBARDES, I. et al. Maturity method to predict the evolution of the properties of sprayed concrete. Construction and Building Materials, v. 79, p. 357–369, 2015.
[2] JUILLAND, P. et al. Effect of mixing on the early hydration of alite and OPC systems. Cement and Concrete Research, v. 42, n. 9, p. 1175–1188, 2012.
[3] LI, G.; BESCOP, P. LE. The U phase formation in cement-based systems containing high amounts of Na2SO4. Cement and Concrete Research, v. 26,
n. 1, p. 27–33, 1996.
[4] SALVADOR, R. P. et al. Early age hydration of cement pastes with alkaline and alkali-free accelerators for sprayed concrete. Construction and Building Materials, v.
111, p. 386–398, 2016a.
[5] SALVADOR, R. P. et al. Parameters controlling early age hydration of cement pastes containing accelerators for sprayed concrete. Cement and Concrete Research,
v. 89, p. 230–248, 2016b.
[6] SALVADOR, R. P. et al. Relation between chemical processes and mechanical properties of sprayed cementitious matrices containing accelerators. Cement and
Concrete Composites, v. 79, p. 117–132, 2017.
[7] SALVADOR, R. P. et al. On the use of blast-furnace slag in sprayed concrete applications. Construction and Building Materials, v. 218, p. 543–555, 2019.
[8] SALVADOR, R. P. et al. Influence of accelerator type and dosage on the durability of wet-mixed sprayed concrete against external sulfate attack. Construction and
Building Materials, v. 239, p. 117883, 2020.
[9] XU, Q.; STARK, J. Early hydration of ordinary Portland cement with an alkaline shotcrete accelerator. Advances in Cement Research, v. 17, n. 1, p. 1–8, 2005.

CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020 | 107


u acontece nas regionais

Evento na Regional MS
N o último dia 6 de março foi re-
alizado o evento Construir é
Cuidar da Engenharia no Sindus-
realização da MC e Alvo Engenha-
ria. A diretora regional do IBRACON
na região, Profª Sandra Regina
com João Felipe Martins Abdala. O
evento, que contou com 25 profis-
sionais, teve apoio do IBRACON e
con-MS, em Campo Grande, com Bertocini mediou as discussões, da Alconpat.

Reunião na Regional DF
O Sinduscon – DF e a Diretoria de
Materiais, Tecnologia e Produti-
vidade (DIMAT) realizaram sua primeira
lestra “Recuperação do viaduto das
tesourinhas do Plano Piloto: um trans-
torno necessário – o estado da arte
(Construtora LDN) e Renato Cortopassi
(Kalil Engenharia), este diretor técnico
do IBRACON na região.
reunião no último dia 6 de março, em da recuperação”, com os palestrantes O evento contou com apoio da Ademi
Brasília. Na ocasião foi realizada a pa- Pedro Henrique de La Rocque Ferreira e da ABCP.

Curso sobre corrosão e proteção catódica


O curso básico de corrosão e prote-
ção catódica de armaduras de aço
em obras de concreto foi realizado no úl-
timo dia 6 de março, no Rio de Janeiro.
Realizado pela Associação Brasileira de
Corrosão (Abraco), o curso foi ministrado
pelo Eng. Luiz Paulo Gomes, diretor da
IEC (Instalações e Engenharia de Corro-
são), e contou com apoio do IBRACON.

Eventos na Regional PR
O IDD e o Instituto de Engenharia
do Paraná realizaram no último
dia 4 de fevereiro, no Centro de Even-
O evento buscou dis-
seminar conhecimentos
de pavimentação urba-
tos do IEP, o 5º Seminário Paranaense na e rodoviária, de es-
de Obras Civis. truturas pré-fabricadas
e de fundações
e contenções.
Com partici-
pação de 250
profissionais,
o evento con-
tou com o
patrocínio do
Luiz Olavo, engenheiro da Ensolo, palestra sobre reforço
CredCrea e
de fundações com estaca raiz de concreto
da Sika.
Já, no dia 3 de março, o IDD seminar conhecimentos atualizados so-
e o IEP realizaram o evento “1 st
bre esses conceitos.
BIM, Lean and Sustainability O evento teve 350 profissionais e rece-
Público presente no evento 1 BLSC
st
Conference”, no IEP, para dis- beu o patrocínio da Rogga Engenharia.

108 | CONCRETO & Construções | Ed. 97 | Jan – Mar • 2020


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