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Jornalismo de Dados: a importância da apresentação
gráfica na interpretação dos dados
Gabriela Güllich1
Fabiana Siqueira2
Resumo: O presente artigo tem por finalidade estudar a importância da apresentação gráfica
dentro de reportagens de Jornalismo de Dados. Para realizar isso, procuramos compreender o
papel dos sistemas de visualização (gráficos e infográficos) dentro do Jornalismo de Dados e
como estão inseridos dentro da dimensão comunicativa. Realizamos também uma análise de
conteúdo de duas reportagens da BBC Brasil, que utilizaram sistemas de visualização. Utiliza-
mos como categorias de análise as cores escolhidas e a distribuição da informação. Chegamos
ao entendimento de que a dimensão comunicativa em uma reportagem de Jornalismo de Dados
deve ser elaborada com cautela, tendo como perspectiva sempre a visão do leitor, pois do con-
trário pode dificultar e/ou distorcer o entendimento dos dados ao invés de facilitar.
O Jornalismo de Dados não é algo novo. O primeiro registro que se tem conheci-
mento em um veículo de comunicação é do The Guardian. Em 1821, no jornal impresso
foi publicada uma tabela com informações sobre a área de educação, que demonstravam
1
Estudante de Graduação 6º. Semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba
(UFPB). E-mail: gabrielagullich@hotmail.com.
2
Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba
(UFPB). Doutora em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco, com doutorado sanduíche
pela Universidad Complutense de Madrid. E-mail: fabiana_s@yahoo.com.
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o acesso gratuito ao ensino em uma cidade britânica (GRAY; BOUNEGRU; CHAM-
BERS, 2012).
Na época, não havia o entendimento de que isso se tratava de Jornalismo de Da-
dos (JD), pois o termo passou a ser empregado com mais ênfase nos últimos dez anos.
Na atualidade, os dados são usados como complemento, prova e/ou como o tema central
das notícias.
As técnicas de produção de reportagem presentes no JD incorporam várias carac-
terísticas presentes no jornalismo tradicional, como a checagem de fontes, a pesquisa
bibliográfica, entrevistas de campo e/ou via plataformas (incluindo aqui entrevistas fei-
tas via redes sociais, telefonemas e/ou videochamadas), investigação e apuração de fa-
tos, entre outras.
De acordo com Mancini e Vasconcellos (2016), dependendo da forma como os
dados são utilizados nessas reportagens, há diferentes classificações.
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usada para definir um grande conjunto de dados armazenados e que envolve volume,
velocidade, variedade, valor e veracidade de informações.
Como esse “volume de dados brutos como fonte de informação” ganhou propor-
ções maiores ao longo dos anos, tornou-se necessário criar um conceito que fosse capaz
de definir esse uso, e é nesse contexto que surge a denominação dessa atividade como
Jornalismo de Dados.
Existe toda uma preocupação ao trabalhar dados, documentos e estatísticas em
uma reportagem. No JD, os números apontados não são citados por acaso, e a forma
com que eles são apresentados interfere diretamente na compreensão de quem for ter
acesso à notícia. Na internet ou nos veículos impressos, “não são meros gráficos a ocu-
par um espaço na página, são gráficos que contam parte da história apresentada na pági-
na” (MANCINI; VASCONCELLOS, 2016).
Neste trabalho, o nosso objetivo foi justamente apontar a visualização gráfica co-
mo aspecto fundamental da interpretação dos dados pelo leitor, mostrando como o uso
das cores e do próprio tipo de gráfico pode interferir na informação. Sendo assim, con-
sideramos os gráficos e tabelas que carregam os dados como parte fundamental da nar-
rativa. Levando em conta isso, estudamos a importância da visualização gráfica no Jor-
nalismo de Dados.
Um número solto, por si só, dentro de uma notícia, não representa muito. É papel
do jornalista de dados procurar a informação, filtrar a relevância dos dados recolhidos,
interpretá-los e, por fim, transmiti-los de forma clara. Para fazer o Jornalismo de Dados,
Colussi e Gomes-Franco (2017) afirmam que “o jornalista profissional é quem deve
transformá-los em uma narrativa sólida e, ao mesmo tempo, estruturada, acessível e
intuitiva”. As mesmas autoras ressaltam que “apesar do avanço tecnológico, o fator
humano, capaz de oferecer diversas leituras dos dados brutos com uma abordagem in-
terpretativa, continua sendo insubstituível” (COLUSSI; GOMES-FRANCO, 2017).
Com isso, fica clara a importância de ter, além da tecnologia, um profissional que
saiba como utilizá-la afim de não desperdiçar o potencial jornalístico que a mesma ofe-
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rece. Como comunicadores, os jornalistas precisam levar em consideração que uma re-
portagem só é realmente bem aproveitada quando o público consegue compreender a
ideia que se tenta passar. Afinal, para quem é feito o trabalho do jornalista? De que ser-
ve comunicar algo que não passa clareza? É preciso atentar para o fato de que em tem-
pos de instantaneidade e velocidade de informação, o público carece cada vez mais de
conteúdos jornalísticos que chamem a atenção e que apresentem leitura de fácil acesso e
com informações completas.
Nesse sentido, primeiramente precisamos entender em qual das dimensões do JD
a apresentação da informação se encaixa. Usaremos aqui, a identificação elaborada por
Mancini e Vasconcellos (2017):
A nosso ver, uma forma de melhor entender o que é e como se faz JD é cons-
truir uma matriz que leve em consideração três dimensões, que dizem respei-
to às competências que o jornalismo pode ou não adotar: a dimensão investi-
gativa (atuação proativa na busca de dados e revelações), a interpretativa (ca-
pacidade ou interesse em expor relações de causas ou consequências entre os
dados) e a dimensão comunicativa (a centralidade da visualização do dado,
compreendido aqui como um componente que ajuda o leitor a entender por
imagens as relações entre os dados) (MANCINI; VASCONCELLOS, 2016,
p. 81).
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Neste sentido, atentamos para o fato de que um gráfico visualmente mal elaborado
não implica, necessariamente, em uma reportagem de conteúdo ruim. No entanto, a in-
terpretação dos fatos, bem como a atenção do leitor para o assunto está voltada para
além do conteúdo: a estética é um fator importante nesse processo.
Paschoarelli, Campos e Santos (2015) argumentam que a estética “não afeta ape-
nas a percepção visual, mas também pode proporcionar a sensação de prazer, conforto,
bem-estar, alegria e satisfação”. Todas essas sensações são fatores que influenciam a
leitura, fazendo com que o leitor não só entenda o texto, mas tenha uma experiência
agradável interpretando a informação.
Como apresentado, não existe um gráfico “melhor” que os outros. Cada gráfico
tem sua função e é papel do responsável por codificar os dados escolher, dentre as di-
versas opções, aquela que traduz a informação de maneira clara ao público.
É importante lembrar que, como afirma Cairo (2015), “gráficos, mapas e diagra-
mas não mentem. As pessoas que elaboram gráficos, sim.”. Ao ter conhecimento da
utilização de diferentes gráfico e como cada um apresenta a informação, o jornalista
precisa optar por aquele que tem uma relação direta e precisa com a notícia que se pre-
tende transmitir, sem manipulações, agindo com ética na execução da informação visu-
al.
Para o referido autor, os pré-requisitos do que não fazer ao trabalhar gráficos são:
esconder dados relevantes, disponibilizar dados em excesso para distorcer a realidade e
usar gráficos de formas inapropriadas. Tudo isso confunde o público e leva a interpreta-
ções distorcidas dos fatos.
Os gráficos podem ser apresentados como imagens anexadas à reportagem ou
como parte da composição de infográficos – representação que une elementos gráfico-
visuais. Comumente, as primeiras opções de construção de gráficos que se pode utilizar
vêm de programas conhecidos, como: Excel, Powerpoint e o próprio Word. No entanto,
tais programas são muito limitados, o que não permite tanta inovação na apresentação
de conteúdo. Tanto gráficos como infográficos podem ser produzidos em ferramentas
online gratuitas, de fácil acesso e, principalmente, de didática simples e intuitiva, como
por exemplo, os programas Infogram, Piktochart e Easel.ly.
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Como explicam Colussi e Gomes-Franco (2017), “é evidente que o Big Data pro-
porciona infinitas possibilidades de informação, tornando imprescindível o papel do
profissional que realiza a filtração, o tratamento e a interpretação dos dados”. Com tan-
tas opções a serem exploradas, cabe ao jornalista de dados – ou ao profissional envolvi-
do no processo – definir como e qual ferramenta utilizar.
3
British Broadcasting Corporation, emissora pública do Reino Unido, fundada em 1922.
4
Reportagem publicada na BBC Brasil em abril de 2018. Disponível em:
<https://www.bbc.com/portuguese/internacional-43631774>.
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Figura 1: O primeiro gráfico da reportagem demonstra a composição racial e ética do Senado dos EUA.
Fonte: BBC Brasil (2018)
Figura 2: O infográfico do mapa dos EUA apresenta os estados com menos e com mais representativida-
de étnico-racial nas legislaturas estaduais. Fonte: BBC Brasil (2018)
O mapa tem uma área maior e também uma diferenciação mais distinta, pois os
estados são separados por uma linha de contorno preta, deixando o limite entre os tons
de azul mais definidos. Isso acaba apresentando a informação de forma mais clara do
que no gráfico da Figura 1, tornando-se visualmente mais compreensível e traduzindo a
informação de forma mais eficaz.
A segunda reportagem selecionada é de 2015 e diz respeito à busca por refúgio
em países europeus. Intitulada “Refugiados na Europa: a crise em mapas e gráficos”5, a
matéria traz dados dos países da Europa mais procurados por refugiados, nacionalidade
das pessoas acolhidas e quantidade de mortes ocasionadas por migrações arriscadas. O
primeiro sistema de visualização apresentado na Figura 3 traz informações da Força
Externa de Fronteira Europeia, a Frontex, sobre a nacionalidade dos migrantes.
5
Reportagem publicada na BBC Brasil em setembro de 2015. Disponível em:
<https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/09/150904_graficos_imigracao_europa_rm>.
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Figura 3: O infográfico mostra de onde saíram os migrantes refugiados em 2014/15 e suas principais
nações de origem. Fonte: BBC Brasil (2015)
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Dentro do infográfico, o gráfico de barra de 2014 traz as cores das rotas de manei-
ra bem separada: vermelho para o Mediterrâneo Central, verde para Apulia e Calábria,
roxo para o Mediterrâneo Oriental e azul para o Mediterrâneo Ocidental. Já o gráfico de
2015 tem definido com clareza apenas a barra vermelha do Mediterrâneo Central e a
roxa do Oriental. África Ocidental e Mediterrâneo Ocidental são apenas uma linha do
gráfico, o que confunde a interpretação e deixa aberto para questionamentos: as duas
localidades apresentaram o mesmo número de mortes? O que diferencia um resultado
do outro? Em 2015 não houve morte alguma na rota de migração vinda de Apulia e Ca-
lábria? Apesar do gráfico apresentar cores bem distintas, o que facilita a diferenciação, a
informação ficou confusa em relação aos dados. Ou seja, pouco espaço para muita in-
formação.
Com os quatro exemplos analisados, percebemos que cada sistema de visualiza-
ção apresenta uma característica diferente na comunicação visual, e a paleta de cores
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também é um fator importante na organização. Testar as diferentes ferramentas de visu-
alização gráfica requer tempo e esforço e, apesar de todo o tempo gasto com esse tipo
de trabalho jornalístico, Martinho (2014) argumenta que “o valor do trabalho aumenta à
medida que se torna mais inteligível para o público, porque esse é um dos fins últimos
dos jornalistas, descodificar a informação para que seja compreendida pelo público”.
4. Considerações finais
Referências
BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.
BBC BRASIL. 50 anos após assassinato de Martin Luther King, qual é a cor do Congresso
dos EUA?. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-43631774>.
Acesso em: jul. de 2018.
Cairo, A. (2015). Graphics lies, misleading visuals: Reflections on the challenges and pitfalls
of evidence-driven visual communication. In New Challenges for Data Design (pp. 103-116).
Springer-Verlag London Ltd. DOI: 10.1007/978-1-4471-6596-5_5
Gray, J., Bounegru, L. & Chambers, L. (Eds.) (2012): The Data Journalism Handbook. How
Journalists Can Use Data to Improve the News. Sebastopol: O’Reilly Media.
MEYER, Philip. The new precision journalism. Indiana University Press, 1991.
PASCHOARELLI, Luis C.; CAMPOS, Lívia Flávia de A.; SANTOS, Aline Darc P. dos. A
influência da estética na usabilidade aparente: aspectos para a criatividade e inovação no
design de sistemas e produtos. In: FIORIN, E, LANDIM, PC, and LEOTE, RS., orgs. Arte-
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ciência: processos criativos [online]. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmi-
ca, 2015, pp. 81-96. Desafios contemporâneos collection. ISBN 978-85-7983-624-4. Disponível
em: <http://books.scielo.org>. Acesso em: jul. de 2018.
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