Você está na página 1de 6

13/12/2023, 16:15 Assessoria de imprensa é uma coisa, jornalismo é outra | Observatório da Imprensa

Wednesday, 13 de December de 2023


ISSN 1519-7670 - Ano 23 - nº 1268 

Imprensa em Questão
Jornal de Debates

Assessoria de imprensa é uma coisa,


jornalismo é outra
Edição 540
por Victor Barone
2 de junho de 2009

   

Na noite de terça-feira (26/5), tive a oportunidade de conversar com os alunos do quarto ano do curso de Jornalismo da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). O bate-papo, convite do professor Mário Luiz Fernandes, versou
sobre o trabalho da assessoria de imprensa em órgãos públicos, em especial sua relação com os veículos de
comunicação.

Como nos últimos três anos tenho atuado nesta área (como chefe de redação da equipe de assessoria de imprensa da
Câmara Municipal de Campo Grande – 2007/2008 – e chefe de reportagem da assessoria de imprensa da Prefeitura de
Campo Grande – desde janeiro de 2009) – me senti à vontade para o desafio. Durante a conversa, um detalhe em
especial me chamou atenção: a dificuldade que os alunos têm para separar as atribuições de jornalismo e assessoria de
imprensa, tema que tratei aqui em outubro passado no artigo ‘Jornalismo e assessoria de imprensa: ética e realidade‘.

Há – em especial no campo teórico – quem considere ambas as atividades similares. Estou do outro lado. Penso haver
diferenças marcantes entre a assessoria de imprensa e o jornalismo. Estas diferenças esbarram, inclusive, no Código de
Ética da profissão.

Sem previsão de aumento de ônibus

Façamos, portanto, uma análise de alguns pontos do Código sob o ponto de vista de um caso hipotético envolvendo a
assessoria de imprensa de, digamos, um governo estadual.

Exemplo de caso: o governo do estado está lançando um conjunto habitacional e há pressão para que a obra seja entregue em
tempo da comemoração do aniversário do Estado. O assessor de imprensa conversa com o secretário da pasta responsável pelo
projeto, com técnicos, visita o canteiro de obras e apura as informações que considera relevantes para a composição do release.
Durante este processo, o assessor descobre que a) as casas não serão entregues no prazo, embora o governador e o secretário
insistam em que a data estabelecida seja divulgada; descobre também que, b) para realizar a obra, algumas famílias foram
removidas do local de forma inadequada, com uso de truculência. Ao tocar no assunto com o secretário, recebe uma explicação
pouco convincente e um aviso de que este fato deve ser deixado de lado; finalmente, o assessor apura que c) as unidades
habitacionais serão construídas em um local com pouco acesso ao transporte coletivo. Ele procura o secretário responsável pela
pasta de Transportes e o governador e descobre que não há previsão para a ampliação de linhas de ônibus para a região e é
alertado para não tocar no assunto.

Quem paga o salário

Diante do caso exposto, veja o que diz o Código de Ética do jornalista e, em itálico, meus comentários:


Capítulo I – Do direito à informação Privacidade - Termos

https://www.observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/assessoria_de_imprensa_e_uma_coisa_jornalismo_e_outra/ 1/6
13/12/2023, 16:15 Assessoria de imprensa é uma coisa, jornalismo é outra | Observatório da Imprensa

Art. 2º Como o acesso à informação de relevante interesse público é um direito fundamental, os jornalistas não podem

admitir que ele seja impedido por nenhum tipo de interesse, razão por que:

I – a divulgação da informação precisa e correta é dever dos meios de comunicação e deve ser cumprida
independentemente da linha política de seus proprietários e/ou diretores ou da natureza econômica de suas empresas;

Ocorre que está no cerne do trabalho de assessoria de imprensa filtrar as informações que são prejudiciais ao seu cliente.
Qualquer assessor de imprensa que divulgue uma informação diretamente prejudicial ao seu cliente estará fazendo
qualquer coisa, menos assessoria de imprensa. No exemplo acima, o atraso da obra, a remoção truculenta das famílias e a
escassez de linhas de ônibus serão sumariamente suprimidas do release, embora sejam ganchos obrigatórios para um
jornalista atuando em um veículo de comunicação. O jornalista Ricardo Noblat aponta esta dicotomia de interesses entre
jornalismo e assessoria de imprensa em seu artigo ‘Assim é, se lhe parece’, publicado na revista Comunicação Empresarial
nº 47, da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje): ‘… quem paga o salário do jornalista é o público que
consome o que ele apura e divulga. Quem paga o salário do assessor de imprensa é a empresa, entidade, governo ou figura
pública que o contratou. No dia em que um assessor de imprensa for capaz de distribuir notícias contra seus clientes, estará
fazendo jornalismo – e deixará de ser assessor de imprensa…‘

Informações obstruídas

II – a produção e a divulgação da informação devem se pautar pela veracidade dos fatos e ter por finalidade o interesse
público;

Uma assessoria de imprensa de órgão governamental encontra diariamente momentos em que interesse público é deixado
de lado a partir da omissão de informações que seriam prejudiciais ao cliente.

IV – a prestação de informações pelas organizações públicas e privadas, incluindo as nãogovernamentais, deve ser
considerada uma obrigação social;

Deveria, mesmo. Mas, neste caso, o salário destes assessores deveria ser pago diretamente pela sociedade a fim de garantir
o cumprimento desta obrigação. Se for pago através do intermédio do poder público a obrigação deste assessor passar a ser
com seu patrão e não com o leitor. A outra saída para quem quer manter-se dentro de uma ética jornalísitica estrita é pedir
demissão e mudar de emprego.

V – a obstrução direta ou indireta à livre divulgação da informação, a aplicação de censura e a indução à autocensura são
delitos contra a sociedade, devendo ser denunciadas à comissão de ética competente, garantido o sigilo do denunciante.

Somos todos passíveis de um processo ético. Todo assessor de imprensa obstrui informações que não são do interesse do
contratante.

Homofobia prevaleceu

Capítulo II – Da conduta profissional do jornalista

Art. 4º O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos, deve pautar seu trabalho na
precisa apuração dos acontecimentos e na sua correta divulgação.

O compromisso fundamental do assessor de imprensa é com o interesse e a preservação da imagem de seu cliente. A
verdade acaba sendo uma questão secundária no processo.


Art. 6º É dever do jornalista:

https://www.observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/assessoria_de_imprensa_e_uma_coisa_jornalismo_e_outra/ 2/6
13/12/2023, 16:15 Assessoria de imprensa é uma coisa, jornalismo é outra | Observatório da Imprensa

II – divulgar os fatos e as informações de interesse público;


VII – combater e denunciar todas as formas de corrupção, em especial quando exercidas com o objetivo de controlar a
informação;

Ora, ambos os artigos acima são nobres e corretos, embora quixotescos na prática cotidiana de assessoria de imprensa. A
saída, mais uma vez é a demissão.

XI – defender os direitos do cidadão, contribuindo para a promoção das garantias individuais e coletivas, em especial as
das crianças, adolescentes, mulheres, idosos, negros e minorias;

XIV – combater a prática de perseguição ou discriminação por motivos sociais, econômicos, políticos, religiosos, de
gênero, raciais, de orientação sexual, condição física ou mental, ou de qualquer outra natureza.

Recentemente, a Câmara Municipal de Campo Grande perdeu a oportunidade de dar um exemplo de tolerância aprovando
o projeto de Lei 6353/07, de autoria do vereador Athayde Nery (PPS), que concederia o título de utilidade pública para a
Associação das Travestis de Mato Grosso do Sul (ATMS) – que já possui o mesmo título nos âmbitos estadual e federal.
Integrantes da bancada evangélica e católica da Casa impediram a aprovação do projeto sem nenhum argumento técnico.
Prevaleceu a homofobia. Durante este episódio eu integrava a assessoria de imprensa da Casa. Obviamente não pude dizer
o que de fato estava acontecendo ali, embora tenha feito isso em meu blog (aqui, aqui e aqui).

‘Nunca passei informação errada’

Art. 7º O jornalista não pode:

II – submeter-se a diretrizes contrárias à precisa apuração dos acontecimentos e à correta divulgação da informação;

Diante do que já foi dito acima não há motivo para comentar este parágrafo.

III – impedir a manifestação de opiniões divergentes

Não cabe a assessoria de imprensa dar espaço ao contraponto. Quando isso ocorre, serve apenas de gancho para uma
seqüência que reforce o ponto de vista do cliente.

O que foi dito acima pode chocar muitos colegas, mas este é um choque recheado de uma falsa inocência. Pode
também confundir a cabeça de quem gostaria de ver a ética jornalística aplicada à assessoria de imprensa, embora este
seja um desejo repleto de equívocos. O jornalista Ricardo Kotscho, por exemplo, diz o seguinte em seu artigo ‘1964-
2009: 45 anos de reportagem‘:

‘Não é a função ou o cargo que faz o profissional, é o contrário: em qualquer cargo ou função, seja numa redação ou numa
assessoria de imprensa, a nossa ética tem que ser a mesma. Era assim que pensava e agia quando trabalhei como Secretário de
Imprensa no governo. Nós, afinal, prestamos um serviço ao público, para o conjunto da sociedade, e não para quem
eventualmente nos paga o salário, seja uma empresa privada ou o governo.’

Em outro artigo, ‘Imprensa: os dois lados do balcão‘, Kotscho faz uma defesa de fé da ética jornalística estendida a
assessoria de imprensa para no final jogar uma pá de cal sobre tudo o que falou.

Segundo ele: ‘Na função de Secretário de Imprensa e Divulgação (no Governo Lula), procurei agir exatamente como
esperava que os assessores agissem comigo quando era repórter: nunca tirá-los do caminho certo, mesmo quando a pauta

era inconveniente ao governo, e ajudá-los na apuração das suas matérias. Posso não ter sido muito eficiente neste meu

https://www.observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/assessoria_de_imprensa_e_uma_coisa_jornalismo_e_outra/ 3/6
13/12/2023, 16:15 Assessoria de imprensa é uma coisa, jornalismo é outra | Observatório da Imprensa

papel de assessor-repórter, não fornecendo todas as informações que eles queriam, mas posso garantir a vocês que nunca

passei uma informação errada a nenhum deles.‘

Confusão atinge todos os profissionais

Kotscho diz também: ‘Não devemos nunca confundir divulgação jornalística com propaganda, um erro muito comum em
todos os meios e latitudes… Jornalismo é, por natureza, uma atividade crítica, investigativa, que procura denunciar o que há
de errado para que seja consertado.‘

E que: ‘Toda informação passada a um jornalista não pode ser de interesse apenas do governo ou da empresa. Esta
informação tem que ser, necessariamente, de interesse de toda a sociedade. Precisa apresentar um fato de interesse
jornalístico.‘

Tudo isso para, no final, contradizer o que dissera antes ao concluir o artigo da seguinte forma: ‘Antes que me perguntem
se no governo poderia fornecer todas as informações de que dispunha, inclusive as que eram contra os interesses do
governo, já vou logo respondendo que não. Também nunca escrevi nada contra os interesses do Estadão, do JB, da revista
IstoÉ, da Folha, da Globo, da Bandeirantes, do SBT, da revista Época, nem de nenhum outro veículo onde já tenha
trabalhado. Por isso é que continuo amigo de todo mundo dos dois lados do balcão e sei que tenho as portas abertas para
voltar quando quiser.‘

Ora bolas…

Esta confusão entre o fazer jornalístico e o ofício de assessorar não atinge apenas gente graúda como Kotscho (cuja
trajetória profissional, diga-se, é invejável e digna de nota), mas todos os jornalistas que porventura tenham sido
lançados em uma assessoria de imprensa achando que ali fariam jornalismo.

Um ofício digno, mas distinto

Diante disso é bom lembrar o professor Eugênio Bucci. Em seu artigo ‘Profissões diferentes requerem códigos de ética
diferentes‘ ele vai direto ao ponto: ‘Jornalismo e assessoria de imprensa são duas profissões diferentes e não podem ser
regidas por um mesmo Código de Ética.‘

Citando o Código de Ética e a afirmação de que ‘o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos, e
seu trabalho se pautará pela abertura às mais variadas opiniões sobre os fatos, pela precisa apuração dos acontecimentos e
sua correta divulgação‘, Bucci questiona:

‘Em se tratando de uma equipe de repórteres e editores de uma revista ou de uma emissora de rádio ou de qualquer instituição
jornalística, cumprir à risca esse artigo é um dever óbvio, não há o que se discutir. Mas, aí vem a pergunta: isso vale para um
assessor de imprensa? Será que um assessor de imprensa da Coca-Cola deve ouvir a Pepsi-Cola antes de divulgar um release? E
um assessor da Igreja Universal do Reino de Deus, terá de ouvir sempre a Assembléia de Deus quando preparar notas sobre o
fenômeno evangélico no Brasil? Se alguém aqui me disser que esse artigo vale para os que trabalham em redações, mas vale
`mais ou menos´ para quem é assessor de imprensa, pois é isso o que se diz nos corredores, eu pergunto: como uma categoria
pode pretender ter um código de ética cujos artigos valem para alguns de seus integrantes e não valem para outros?‘

E finaliza de forma que eu não poderia superar e, portanto, cito na íntegra para encerrar este artigo:

‘A profissão de jornalista tem como cliente o cidadão, o leitor, o telespectador. Nesse sentido, o jornalista se obriga – em virtude
da qualidade do trabalho que vai oferecer – a ouvir, por exemplo, lados distintos que tenham participação numa mesma
história. Ouvir todos os envolvidos, buscar a verdade, fazer as perguntas mais incômodas para as suas fontes em nome da busca
da verdade é um dever de todo jornalista.

https://www.observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/assessoria_de_imprensa_e_uma_coisa_jornalismo_e_outra/ 4/6
13/12/2023, 16:15 Assessoria de imprensa é uma coisa, jornalismo é outra | Observatório da Imprensa

O assessor de imprensa, cuja atividade, eu repito, é digna, necessária, ética e legítima, tem como cliente não o cidadão, não o
leitor, mas aquele que o emprega ou aquele que contrata os seus serviços. O que o assessor procura, com toda a legitimidade,
é
veicular a mensagem que interessa àquele que é o seu cliente, àquele que o contrata, e não há nada de errado com isso. É um
ofício igualmente digno, mas não é jornalismo. A distinção entre os dois clientes estabelece uma distinção que corta de cima a
baixo os dois fazeres.‘

******

Jornalista e editor do blog Escrevinhamentos

 Receba notícias em seu e-mail

Seu e-mail SUBSCREVER

Victor Barone

VER OUTRAS PUBLICAÇÕES DO AUTOR

Aos leitores
Os artigos publicados nesta página não refletem necessariamente uma opinião do Observatório da Imprensa, já que somos um fórum de opiniões. Procuramos publicar os
textos recebidos como parte de nosso compromisso com a diversificação das fontes de informação. Como ninguém é dono da verdade, a melhor forma de buscar a
objetividade é através do contato com perspectivas e opiniões diferenciadas, o que nos permite neutralizar o discurso do ódio e da intolerância.

ARTIGOS RECENTES

Jornalismo sem jornalistas


por Carlos Castilho
13 de dezembro de 2023

94 jornalistas mortos em 2023: quando a história não vale a vida


por Erica Pontes de Faria
13 de dezembro de 2023

O caso Braskem: a importância do jornalismo denunciar as grandes empresas


por Silvia Meirelles Leite
13 de dezembro de 2023

Viagem à desinformação cotidiana


por Gilberto Maringoni
13 de dezembro de 2023

O contrassenso da luta pela liberdade de imprensa


por Guilherme Carvalho
13 de dezembro de 2023

OI NO FACEBOOK

https://www.observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/assessoria_de_imprensa_e_uma_coisa_jornalismo_e_outra/ 5/6
13/12/2023, 16:15 Assessoria de imprensa é uma coisa, jornalismo é outra | Observatório da Imprensa

Observatório da Imprensa
280.741 seguidores 

Seguir Página Compartilhar

Início Termos de Uso Política de Privacidade

Copyright © 2023. Todos os direitos reservados

   

https://www.observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/assessoria_de_imprensa_e_uma_coisa_jornalismo_e_outra/ 6/6

Você também pode gostar