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Propriedade e Direito
Ambiental
Professor Célio Egídio
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Propriedade e Direito Ambiental
1 Apresentação 3
5 A relação homem/natureza 8
13 Princípio da precaução 20
17 Propriedade – classificação 26
17.1 Propriedade de bens imóveis 27
17.2 Propriedade de bens móveis 27
18 Licenciamento ambiental 27
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27 Bens ambientais 38
34 Reserva legal 47
38 Poder de polícia 51
Referências bibliográficas 53
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Hegel demonstrou o vínculo inevitável entre a Pela fabricação de novos bens (isto é, pela sua
propriedade e o direito de propriedade. Para que transformação por meio do trabalho) temos a união
a liberdade possa existir como ideia, a pessoa do subjetivo ao objetivo, e estes bens adquirem
deve dar um domínio exterior a ela. O domínio de características diversas das originais. O mesmo se
liberdade de um indivíduo deve ser sempre algo dá com a agricultura e a pecuária, isto é, com as
extrínseco a ele, isto é, uma coisa que não integra a transformações da matéria-prima pela mecânica.
própria pessoa. Uma coisa determinada não precisa
ser necessariamente um imóvel ou mesmo ter Contudo, o ato físico de apropriar-se é um ato
consistência física ou materialidade – pode constituir subjetivo, temporário e limitado, tanto na sua
um modelo industrial, um processo de produção, uma extensão quantitativa como na natureza qualificativa
canção. Em todo caso, sendo extrínseca à pessoa, dos objetos. Visto que qualquer bem pode ser
a coisa pode ser objeto de um contrato e tornar-se apropriado, torna-se necessária a criação de “[...]
propriedade (inclusive intelectual). uma legislação positiva pronunciando-se sobre o
carácter mais ou menos essencial das relações”
Assim, para que ideias ou criações artísticas (NÓBREGA, 2005).
ingressem no mundo jurídico, devem antes passar
à categoria de coisas, isto é, ter existência exterior A necessidade de regramento do instituto da
ao espírito. Em sua Filosofia do direito, Hegel não propriedade pelo ordenamento jurídico, demonstrada
questiona o fundamento ético da propriedade. Para pela doutrina de Hegel, justifica a importância do
ele, todas as coisas são passíveis de apropriação estudo do direito de propriedade, sobretudo quando
pelo homem, já que a vontade pode situar-se sobre tratamos da proteção do meio ambiente. Direito de
o que o homem bem entender. É a vontade pessoal, propriedade é o direito de dispor de algo de modo
individual, que se torna objetiva para o homem na pleno, independentemente de ter a sua posse de
propriedade: fato.
Esta adquire por isso o carácter de propriedade A alocação dos recursos econômicos, na condição
privada, e a propriedade comum, que segundo de um dos mais importantes aspectos da função da
a natureza pode ser ocupada individualmente, propriedade, transforma-se automaticamente em
define-se como uma comunidade virtualmente uma estrutura que controla a distribuição do poder.
dissolúvel e na qual só por um acto do meu
livre-arbítrio eu cedo a minha parte. (NÓBREGA, Em razão da propriedade sobre os bens de produção
2005). e dos bens imóveis, principalmente, se torna possível
atribuir tarefas e papéis em um sistema social onde
Num primeiro momento, portanto, a vontade os objetivos se alcançam mediante a interação de
individual define os limites da instituição da papéis complementares. Em outras palavras, a
propriedade privada. propriedade privada confere poder direto sobre os
homens. Assim, deve o Estado fixar parâmetros para
A regra estabelecida por Locke e reafirmada
o exercício desse poder, de forma que ele não venha
por Rousseau, segundo a qual uma coisa pertence
a ser utilizado para fins antissociais.
àquele que foi cronologicamente o primeiro a tomar
posse dela, é desprezada por Hegel, já que “[...]
um segundo não poderia tomar posse do que já é
propriedade do outro” (NÓBREGA, 2005).
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A ocupação consistia na posse de um bem in direito quiritário eram repelidas pela exceptio rei
commercio que não estivesse sob domínio de venditae et traditae.
ninguém – bastava o estabelecimento do poder de
fato com animus domini para que fosse reconhecido Finalmente, a propriedade provincial consistia
o direito de propriedade. A caça e a pesca constituíam em terrenos localizados fora da península itálica,
os casos mais frequentes de aquisição por ocupação. de propriedade do Estado em razão da ocupação
de guerra. Neles, a propriedade particular era
Invenção era o nome dado à descoberta de um excluída, podendo, porém o Estado conceder o seu
tesouro desaparecido há muito tempo e cujo dono uso a particulares (possessio vel ususfructus). A ela
tornou-se desconhecido. Sua propriedade era dividida aplicavam-se as regras relativas ao domínio em geral.
em partes iguais entre o descobridor (inventor) e o
proprietário do terreno onde fora encontrado o bem, A preservação da natureza e o controle da poluição
salvo se o descobridor tivesse sido incumbido de não eram desconhecidos do direito romano. A
procurar a coisa pelo proprietário, hipótese em que o administração das florestas em Roma era legalmente
bem pertenceria integralmente a este. regulamentada, mas também havia a influência de
princípios de natureza religiosa.
A acessão de um imóvel a outro se dava por aluvião
(acréscimo causado por depósitos e aterros naturais A Lei das XII Tábuas, de 450a.C., já continha
ou, ainda, em razão do desvio das águas fluviais), disposições destinadas à prevenção da devastação
por avulsão (ajuntamento de uma porção de terra das florestas e, segundo Osny Duarte Pereira (1950)
que se desprendeu de outro prédio por uma força “Cícero considerou inimigos dos Estados os que
natural violenta) e por álveo abandonado (trecho do abateram as matas da Macedônia”.
antigo leito de um rio que desviou de curso, cuja
propriedade era dividida entre os proprietários das De acordo com Fellemberg, na antiga Roma
duas margens). Outra forma de aquisição originária
[...] existia um decreto segundo o qual as
era a especificação, que consistia na transformação
atividades dos matadouros, curtumes, fabricantes
de uma matéria em outra, com função diversa da
de azeite e lavanderias, que provocavam o
original.
desprendimento de cheiros desagradáveis, eram
permitidas somente além do Tibre, ou seja,
A aquisição dos frutos, finalmente, constituía uma
em locais desabitados. (FELLEMBERG apud
forma originária de aquisição pelo proprietário da PEREIRA, 1950).
coisa produtiva. Este princípio sofria restrições nas
hipóteses de usufruto, de enfiteuse, de locação e de 7 DIREITO DE PROPRIEDADE NA IDADE
posse de boa-fé.
MÉDIA
A propriedade pretoriana (ou bonitária) distinguia-
se da quiritária (esta poderia ser adquirida por
7.1 Direito de propriedade no feudalismo
usucapião) por ser o domínio concedido pelo
A força simbólica que teve a queda do Império
pretor. Seu desenvolvimento decorreu da jurisdição
do Ocidente em 476 d.C., momento culminante do
do pretor, protegendo o adquirente duma res
processo de decadência de Toma, não resultou no
mancipi em face daquele que a transferira sem as
imediato desaparecimento das práticas fundiárias
formalidades estabelecidas pelo jus civile. Assim,
do período áureo do direito romano. Por muito
possíveis reivindicações do domínio baseadas no
tempo, ao lado das cidades episcopais e arcebispais,
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sobreviveriam grandes regiões ocupadas por regulada por um conjunto de obrigações feudais,
latifundiários. consistentes em trabalhar nos domínios do senhor e
em sua própria gleba. A família estava inteiramente
A instituição de um sistema senhorial constitui ligada à terra, não podendo vendê-la ou transmiti-
a origem do feudalismo e decorreu basicamente la por herança. Dentre as obrigações do senhor
da necessidade de segurança e defesa militar por destacava-se a de abrir seus armazéns para que os
parte da população formada, em sua maioria, por vassalos não passassem fome em períodos de má
camponeses. Este novo sistema começa a surgir colheita.
não somente nos territórios antes submetidos ao
Império Romano, mas também na Escócia, na Ao lado dos feudos (concessões nobres) e
Alemanha, na Irlanda e na Escandinávia, esboçando- das terras feudais (concessões plebeias), que
se um feudalismo incipiente, voltado às necessidades relacionavam laços de dependência pessoal à partilha
de alimentação e defesa peculiares a cada região. dos rendimentos do solo, existia simultaneamente
Na Alemanha e no sul da França, em especial, outro sistema de direitos partilhados, fundados em
propriedades de glebas de tamanhos variados são solidariedade. Neste segundo sistema existente na
adaptadas para o sistema feudal, ou por necessidade Idade Média, as propriedades eram simultâneas e
de seus ocupantes, ou pela força. não existia dependência pessoal a um senhor – eram
inspiradas na necessidade de cooperação mútua e de
Nas regiões da Europa que haviam sido governadas valorização das terras incultas.
por Roma, o advento do feudalismo significou a
queda de uma classe governante que já não podia Segundo François Ost (1995):
mais contar com a proteção de seu decadente e
moribundo governo imperial. Em outras regiões, o O domínio predial da vila, por sua vez, traduz-
feudalismo se pela exploração em comum dos bosques,
matagais, baldios e pântanos que rodeavam as
[...] constituiu a mudança de uma existência explorações familiares revela-se num mecanismo
pastoril, nômade e voltada para a guerra, para bastante original, que se poderia qualificar de
uma vida agrícola mais estável (embora ainda ‘propriedade sazonal’: trata-se da pastagem
bastante guerreira). As terras de superfície coletiva (‘pasto baldio’) praticada nas terras
variável constituíam um dos testemunhos do pertencentes a esta ou àquela família, entre o
principal interesse econômico da casa senhorial, momento da última colheita e o da primeira lavra
pois o padrão, fosse o mansio da Gália ou o hide seguinte. Neste sistema, os vilões têm autorização
da Inglaterra, era aquele que podia sustentar para o seu gado pastar em manadas comuns
uma família,a variando seu tamanho segundo a nas terras apropriadas quando estas deixam
região e a fertilidade do solo (WOLKMER, 2006). de servir para colheita. Duas propriedades de
usufruto sucessivo instauram-se, assim, sobre
A relação feudal consistia em um nexo pessoal um mesmo fundo: a do explorador, que dura
vitalício (e, numa fase subsequente, extensivo aos enquanto se procede ao seu trabalho, e depois a
da comunidade, que ocupa os intervalos.
herdeiros varões) entre vassalo detentor da posse da
terra e seu senhor.
A propriedade privada medieval, conquanto
A relação do agricultor com o seu senhor era fosse tida como legítima, não possuía mais as
de dominação e subordinação, cabendo ao vassalo características romanísticas de um direito absoluto.
cultivar as terras e ao senhor oferecer-lhe proteção. Essa legitimidade repousava em bases individuais e
A vida do agricultor e de sua família era inteiramente argumentos de caráter social. Assim, pode-se dizer
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que o direito de propriedade também era encarado fase de vida dos povos, há de ser compreendida sob
sob o aspecto de sua função social: com efeito, deve a perspectiva de um sistema que afirma a estrita
a propriedade representar um elemento de ordem subordinação dos interesses do indivíduo aos da
e de paz social, prestando-se à organização e ao coletividade.
rendimento da produção. Este aspecto revela-se,
segundo o autor citado, em razão da vedação da Este estágio do capitalismo, no entanto, não
possibilidade de abuso do direito de propriedade em desprestigia o instituto da propriedade privada.
detrimento da coletividade. Pelo contrário, incentiva-o, por entender-se que há
necessidade de o explorador agrícola ser proprietário
Por outro lado, a propriedade móvel estava da terra, a fim de que sinta estímulo em aumentar a
relegada a um plano inteiramente secundário, produtividade.
reservando-se à terra – à propriedade imobiliária – a
natureza de propriedade por excelência, isto é, de 8 PRINCÍPIOS DE DIREITO AMBIENTAL
símbolo de riqueza e poder.
Princípios gerais de direito são, para Miguel
A propriedade comunal tem raízes em instituições Reale, enunciações normativas de valor genérico
germânicas e sobreviveu durante o próprio feudalismo. que condicionam e orientam a compreensão
Na Inglaterra, este sistema viria a ser abolido por do ordenamento jurídico para a sua aplicação e
força de lei. Expropriados da terra comunal, os integração ou para a elaboração de novas normas.
trabalhadores agrícolas vêem seu padrão de vida
reduzir-se significativamente. Ensina Paulo Affonso Leme Machado (2005)
que os princípios são os alicerces ou fundamentos
No que diz respeito ao controle legal da poluição do Direito, podendo ter apoio em declarações
na Idade Média, podem ser citados dois precedentes internacionais. Formam e orientam eles a geração e
significativos. O primeiro, datado de 1348, refere-se a implementação do direito ambiental. A fixação do
à proibição do carvão de pedra nas forjas localizadas rol de princípios norteadores do direito ambiental
na área urbana da cidade de Zwickau, na Saxônia. não é tarefa simples de ser cumprida. São poucas as
O segundo é o de uma proibição de calcinação coincidências de ponto de vista na doutrina, e isso
de minérios nas vizinhanças da cidade de Goslar, decorre em grande parte do próprio alcance que cada
conquistada pela mobilização dos moradores de doutrinador pretende atribuir a este ramo do Direito.
referida cidade, vítimas da poluição causada pelas
fundições. Entende-se que os princípios devem ser
extraídos do ordenamento jurídico em vigor, pois
A estrutura econômica do capitalismo provém da não cabe ao intérprete e ao aplicador do direito
decomposição do feudalismo. Uma vez cessado o ambiental estabelecer os seus próprios princípios,
vínculo pessoal do trabalhador ao senhor da gleba, com base naqueles preceitos que ele gostaria que
passa aquele a dispor unicamente de sua pessoa. prevalecessem mas que não são aceitos pela ordem
A expropriação da base fundiária do produtor rural jurídica. Trata-se dos chamados princípios jurídicos
(o camponês) formará a base do processo de positivados, isto é, princípios inscritos expressamente
acumulação primitiva. nos textos normativos ou decorrentes do sistema de
direito positivo em vigor.
O sistema mercantilista, que teve vigência no
período de 1450 a 1750, caracterizou-se por um A partir de uma análise da Constituição Federal,
forte intervencionismo estatal. A propriedade, nessa da Lei 6.938/1981, das Constituições Estaduais e das
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declarações internacionais de princípios, Álvaro Mirra representam os três pilares da prática do direito
arrola um total de onze princípios norteadores do ambiental, conferindo-lhe a solidez necessária à
direito ambiental: implementação dos fins almejados por este conjunto
normativo que constitui o ramo do direito ambiental.
a) princípio da supremacia do interesse público na
proteção do meio ambiente em relação aos interesses A autora não nega a possibilidade de serem
privados; deduzidos outros princípios internos à norma
ambiental e, por outro lado, considera o direito do
b) princípio da indisponibilidade do interesse desenvolvimento sustentável não um princípio, mas
público na proteção do meio ambiente; uma outra maneira de designar o direito ambiental,
posto que a razão deste está em práticas de produção
c) princípio da intervenção estatal obrigatória na que contemplem a conservação das bases naturais.
defesa do meio ambiente;
Os três princípios mencionados – da cooperação,
d) princípio da participação popular na proteção do poluidor-pagador e da precaução – não seriam,
do meio ambiente; contudo, exclusivamente do direito ambiental.
Podem ser encontrados em outros ramos do Direito,
e) princípio da garantia do desenvolvimento em especial no direito econômico.
econômico e social ecologicamente sustentado;
Nicola Dino de Castro e Costa Neto (2003), por seu
f) princípio da função social e ambiental da turno, após destacar que a violação dos princípios
propriedade; jurídicos assume contornos de uma gravidade maior
do que a contrariedade à própria regra jurídica (já que
g) princípio da avaliação prévia dos impactos
um abalo no balanceamento axiológico dos interesses
ambientais das atividades de qualquer natureza;
repercutiria em todo o sistema), arrola doze princípios
específicos “[...] que inspiram a aplicação do direito
h) princípio da prevenção de danos e degradações
ambiental na busca de uma correta e eficaz tutela
ambientais;
jurídica das florestas tropicais brasileiras”. São eles:
i) princípio da responsabilização das condutas e
a) princípio da intervenção estatal compulsória;
atividades lesivas ao meio ambiente;
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g) princípio da integração e da cooperação entre tal modo que não haja risco de serem exauridos e
os povos; que as vantagens extraídas de sua utilização sejam
partilhadas a toda a humanidade”.
h) princípio da precaução;
b) Princípio usuário-pagador e poluidor-pagador,
i) princípio da prevenção; que obriga o poluidor a pagar a poluição que pode
ser ou já foi causada.
j) princípio da correção na fonte;
c) Princípio da precaução, consubstanciado no
k) princípio da informação; princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro, de
1992: “Quando houver ameaça de danos sérios ou
l) princípio do poluidor-pagador. irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica
não deve ser utilizada como razão para postergar
Marcelo Abelha Rodrigues esclarece que o
medidas eficazes e economicamente viáveis para
direito ambiental, por ser uma ciência autônoma, é
prevenir a degradação ambiental”.
informado por princípios que regulam seus objetivos
e diretrizes que devem se projetar para todas as d) Princípio da prevenção, que busca evitar a
normas ambientais, norteando-os operadores desta consumação de danos ambientais, encontrando-se
ciência e salvando-os de dúvidas ou lacunas na presente no preâmbulo da Convenção da Diversidade
interpretação das normas ambientais. Tais princípios Biológica (“É vital prever, prevenir e combater na
encontram-se enraizados no Texto Maior e deles origem as causas da sensível redução ou perda da
decorrem outros, derivados ou subsidiários. Trata-se diversidade biológica”) e no princípio 8 da Declaração
de classificação acadêmica, já que o legislador não os do Rio de Janeiro:
definiu de lege lata.
A fim de conseguir-se um desenvolvimento
Entendemos como princípios diretores do sustentado e uma qualidade de vida mais elevada
direito ambiental os seguintes: ubiquidade, para todos os povos, os Estados devem reduzir
desenvolvimento sustentável, poluidor-pagador e e eliminar os modos de produção e de consumo
participação. Classificando esses quatro princípios não viáveis e promover políticas demográficas
como “princípios maiores”, este jurista relaciona o apropriadas.
que chama de subprincípios, a saber: precaução,
prevenção, correção da poluição na fonte, intervenção e) Princípio da reparação, segundo o previsto no
estatal, função social da propriedade, solidariedade, princípio 13 da Declaração do Rio de Janeiro:
globalidade, educação ambiental e informação
Os Estados deverão desenvolver legislação
ambiental, multidisciplinaridade etc.
nacional relativa à responsabilidade e à
indenização das vítimas da poluição e outros
Paulo Affonso Leme Machado (2005), finalmente,
danos ambientais.
propõe a sistematização princípiológica do direito
ambiental a partir de sete princípios gerais:
Os Estados deverão cooperar, da mesma
forma, de maneira rápida e mais decidida na
a) Princípio do acesso equitativo aos recursos
elaboração das novas normas internacionais
naturais, que estabelece o dever de utilização
sobre responsabilidade e indenização por
razoável e necessária dos bens, expresso no princípio efeitos adversos advindos dos danos ambientais
5 da Declaração de Estocolmo (1972): “Os recursos causados por atividades realizadas dentro de
não renováveis do globo devem ser explorados de
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Propriedade e Direito Ambiental
sua jurisdição ou sob seu controle, em zonas O princípio da função social da propriedade não
situadas fora de sua jurisdição. é peculiar apenas ao direito ambiental: alcança
também o direito civil, o direito urbanístico, o direito
Este princípio também tem por base a Lei do trabalho, o direito do consumidor e o direito
6.938/1981, que adotou a regra da responsabilidade econômico.
civil objetiva por danos ambientais, bem como na
Constituição Federal. Evidentemente, o enfoque que aqui é dado à
sua dimensão ambiental tem relação direta com os
f) Princípio da informação, presente no princípio ramos específico do direito ambiental, mas não há
10 da Declaração do Rio de Janeiro, no art. 2°, item como negar, por exemplo, que a correta aplicação de
3 da convenção sobre o Acesso à Informação, à normas de direito civil sobre propriedade pressupõe
Participação do Público no Processo Decisório e o o respeito à legislação ambiental. Sobre isso já não
Acesso à Justiça em Matéria de Meio Ambiente, na 1a devem pairar mais dúvidas, que foram definitivamente
Conferência Europeia sobre Meio Ambiente e Saúde eliminadas a partir da edição do Código Civil de 2002,
(Frankfurt, 1989), na Declaração de Limoges. em especial em seu art. 1.228, § 1°.
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sempre “[...] uma estreita relação de compatibilidade direito ambiental poderão ser aplicados diretamente,
entre a aplicação das regras jurídicas e os comandos por força do disposto no art. 4° da Lei de Introdução
normativos decorrentes do princípio”. (MIRRA, 1996). ao Código Civil.
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Propriedade e Direito Ambiental
sobre direitos subjetivos de natureza privada e seu Estamos diante, portanto, de um conteúdo
objeto de proteção é a qualidade de vida. Todavia, funcional do direito de propriedade. Reputo corrobora
o princípio da função social da propriedade é a conclusão a que chega Nicola Dino de Castro e Costa
multidimensional e determinadas características Neto, quando afirma que o sistema produtivo no
não podem ser explicadas a partir dos cânones do meio rural “[...] não pode subsistir sem a obrigatória
princípio de ubiquidade. referência ao equilíbrio dos ecossistemas, atendidos
princípios outros, aplicáveis à temática jus-ambiental,
Não avançaríamos muito se, por exemplo, tais como o princípio da precaução e o princípio do
procurássemos esclarecer as razões que alicerçam desenvolvimento sustentável”.
a dimensão produtiva ou a dimensão laboral do
princípio da função social da propriedade a partir da No entanto, tal conclusão não se restringe aos
constatação de que o meio ambiente está presente meios de produção rural, alcançando também a
em toda parte. Por tais razões, deve o princípio da propriedade rural destinada ao lazer, a propriedade
função social da propriedade ser classificado como um urbana, bens de produção e de consumo e até
megaprincípio jurídico e não como um subprincípio mesmo a propriedade intelectual. O princípio da
derivado do princípio da ubiquidade. função social da propriedade, na verdade, aponta na
mesma direção do art. 5° da Lei de Introdução ao
A propriedade rural deve atingir um fim social e Código Civil, buscando atender aos fins sociais a que
econômico, sob pena de não ser cumprida sua função a lei se dirige e às exigências do bem comum.
social.
Não se confundindo com atos legislativos,
Nesse diapasão, após reportar-se ao art. 186 jurisdicionais ou políticos que cumpram essa
da Constituição Federal e às Leis 4.504/1964 e finalidade social, o princípio paira sobre tais decisões.
8.29/1993, afirma ser impossível “[...] cogitar do Em outras palavras, ele deve ser levado em conta
cumprimento da função social da propriedade sem a pelas autoridades públicas, como se fosse uma
observância da diretriz constitucional da promoção do razão que inclina em uma ou noutra direção e,
meio ambiente” e, por consequência, “[...] o direito nesse processo, acaba por integrar todos os demais
de propriedade deve ser exercido de modo a que não princípios de direito ambiental que possam, direta ou
sejam malferidos os interesses da coletividade no indiretamente, relacionar-se ao exercício do direito
que tange à promoção do meio ambiente saudável e de propriedade.
ecologicamente equilibrado”.
O princípio da função social da propriedade
A aplicação deste princípio não tem por objeto a paira no ordenamento jurídico, na verdade, como
mera limitação externa ao direito de propriedade. um megaprincípio que engloba os princípios da
De acordo com referido autor, que aqui reforça seus propriedade privada, da defesa do meio ambiente,
argumentos com a doutrina de André Osório Godinho dos valores sociais do trabalho e da defesa do
e Gustavo Tepedino, a função social consumidor, dentre outros. Ele, em si mesmo, não
é uma regra suscetível de aplicação, mas pode se
[...] integra o conteúdo da propriedade, consubstanciar em regras jurídicas.
amoldando-a à satisfação de outros valores
constitucionais que possuem o traço da Trata-se de um megaprincípio voltado à
‘fundamentalidade’ (promoção da dignidade
consecução da finalidade última de toda ordem
da pessoa; construção de uma sociedade
jurídica democrática: a valorização da dignidade
justa; erradicação da miséria; desenvolvimento
humana, que, no plano da normativa ambiental, é
nacional etc.).
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Propriedade e Direito Ambiental
alcançada por regras que propiciem a vida com saúde independentemente da existência de culpa, em
e um meio ambiente natural e cultural que permita o indenizar ou reparar os danos causados ao meio
desenvolvimento das potencialidades criativas do ser ambiente e a terceiros afetados por sua atividade.
humano.
À luz do § 3° do art. 225 da Constituição Federal
12 O PRINCÍPIO DO POLUIDOR- de 1988,
PAGADOR – CERTIFICAÇÕES
[...] as condutas e atividades consideradas
A Declaração do Rio de Janeiro, de 1992, arrolou o lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções
seguinte princípio (n.16) de direito ambiental:
penais e administrativas, independentemente da
Tendo em vista que o poluidor deve, em obrigação de reparar os danos causados.
princípio, arcar com o custo decorrente da
poluição, as autoridades nacionais devem Trata-se, portanto, de um sistema constitucional
procurar promover a internalização dos custos de responsabilidade do poluidor em três diferentes
ambientais e o uso de instrumentos econômicos, esferas: a administrativa, a penal e a civil.
levando na devida conta o interesse público,
sem distorcer o comércio e os investimentos No plano econômico, a internalização dos custos
internacionais. ambientais poderia ocorrer a partir da imposição de
tributos ou da criação de certificados e direitos de
A Rio+20, realizada em 2012, apresentou a figura propriedade. A tributação consistiria numa cobrança
do país poluidor-pagador, porém nada acrescentou direta pelo nível de poluição ou uso de um recurso
ao grandes avanços da declaração de 1992. natural. Esta cobrança, na sua forma mais simples,
pode ser através de um tipo de multa que se aplica
Voltando aos primados, dois aspectos importantes sobre o excesso de poluição ou uso acima do padrão
destacam-se neste princípio de direito ambiental: a ambiental estipulado por lei, cujo valor é determinado
responsabilidade do poluidor pelo dano ambiental proporcionalmente a este excesso através de uma
causado (recomposição do meio ambiente degradado) fórmula na qual cada unidade de poluição ou uso tem
e a necessidade de inserção, no custo final, dos um preço estipulado. Com este sistema, poder-se-ia
custos ambientais que são normalmente externados também aplicar uma cobrança sobre o nível permitido
do processo produtivo. por lei, com valores inferiores, com o objetivo de
incentivar menores níveis de poluição e uso.
12.1 Fundamentos legais e
constitucionais A outra via de internalização dos custos ambientais
proposta pela ecologia de mercado é a criação dos
A Lei 6.938/1981, que instituiu a Política property rights, isto é, “certificados” ou “direitos de
Nacional do Meio Ambiente, trouxe ao direito propriedade”. São estabelecidos níveis desejados de
ambiental brasileiro os fundamentos legais para a uso do bem ou serviço ambiental, como por exemplo,
implementação do princípio do poluidor-pagador, a quantidade total de poluição ou de uso permitido.
conceituando os termos meio ambiente, degradação Os índices são distribuídos entre os usuários ou
da qualidade ambiental, poluição, poluidor e recursos produtores em forma de certificados ou direitos,
ambientais (art. 3°, I a V). Ademais, consagrou em estabelecendo um equilíbrio entre a propriedade,
nosso ordenamento a regra da responsabilidade seu potencial econômico e o seu direito propriamente
objetiva do poluidor. Estabelece o § 1° do art. 14 de dito. Estes certificados podem ser transacionados
referida lei, que determina a obrigação do poluidor, em mercados específicos, com controle e taxação
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Propriedade e Direito Ambiental
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Propriedade e Direito Ambiental
dos nossos actos. Enquanto anteriormente os Por outro lado, a adoção de novos padrões de
actos sociais partilhavam a mesma dimensão consumo alimentar nem sempre traz consequências
espácio-temporal da suas consequências, hoje nefastas a curto ou médio prazo. O princípio da
em dia a intervenção tecnológica pode prolongar precaução, mais do que preocupar-se com a
as consequências, no tempo e no espaço, ocorrência do dano, pretende evitar o próprio risco
muito para além da dimensão do próprio acto
ao meio ambiente. Também, como ensina Boaventura
através de nexos de causalidade cada vez mais
de Souza Santos (2000), “[...] a prudência é de difícil
complexos e opacos.
execução porque verdadeiramente pois, sabemos o
que está em jogo quando já está de facto, em jogo”.
Bastam algumas referências aos riscos ambientais
contemporâneos para que se possa ter uma noção
Assim, a Constituição Federal previu um termo
clara acerca de referido prolongamento de efeitos
para que, juridicamente, fosse reconhecido o
danosos no espaço e no tempo. Atenta a esta nova
cumprimento do princípio da precaução: a realização
realidade, a Constituição de 1988 incumbiu ao Poder
do EIA-Rima. Dispõe o art. 225, § 1°, IV, que
Público o controle da produção, da comercialização e
incumbe ao Poder Público exigir, na formada da lei,
do emprego de técnicas, métodos e substâncias que
para instalação de obra ou atividade potencialmente
comportem riscos para a vida, a qualidade de vida e
causadora de significativa degradação do meio
o meio ambiente (art. 225, § 1°, V da CF).
ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que
se dará publicidade.
Este controle realizado pelo Poder Público é
compatível com os valores da ordem econômica. Não
é inútil destacar que o princípio da livre iniciativa
14 OS PRINCÍPIOS DA POLÍTICA
referido no art. 1°, IV da Constituição Federal está
NACIONAL DO MEIO AMBIENTE E
ladeado com os princípios do valor social do trabalho, REFLEXOS NA PROPRIEDADE
da soberania, da cidadania e da dignidade da pessoa
Na década de 1970 consolida-se a ruptura do
humana; que o direito de propriedade assegurado
sistema colonial da economia brasileira. Em alguns
no art. 5°, XXII, da Constituição de 1988 deverá
setores da vida agrária, a produção começa a voltar-
ser exercido em consonância com a sua função
se às necessidades de consumo próprio da população
social (inciso XXIII); e que os princípios da ordem
brasileira e temos, sobretudo, o advento de uma nova
econômica devem ser simultaneamente observados
realidade industrial no País.
(soberania nacional, propriedade privada, função
social da propriedade, livre concorrência, defesa do
O crescimento desenfreado da indústria, todavia,
consumidor, defesa do meio ambiente etc.).
gerou graves distorções de natureza ambiental,
sobretudo nos estados do sul e sudeste do Brasil.
É evidente que, no exame de situações concretas,
No final dessa década, Cubatão, em São Paulo,
o controle do Poder Público sobre a produção, a
era considerada uma das cidades mais poluídas do
comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
planeta. Uma série de importantes diplomas legais
substâncias potencialmente perigosos não terá como
de direito ambiental começa a ser editada a partir da
prever em toda a sua extensão a quase interminável
década de 1980, dentre eles a lei que criaria a Política
sucessão de nexos de causalidade a que Boaventura
Nacional do Meio Ambiente.
de Souza Santos alude. É virtualmente impossível
determinar em um ecossistema quais são as
A Lei 6.938/1981 constituiu um verdadeiro marco
consequências da extinção de determinada espécie
histórico para a nova disciplina jurídica. Ao instituir
de inseto, já que se estará alterando parte de uma
a Política Nacional do Meio Ambiente e o Sisnama –
rede de vida inteiramente interligada.
22
Propriedade e Direito Ambiental
Sistema Nacional do Meio Ambiente e ao consagrar o O planejamento e fiscalização do uso dos recursos
princípio da responsabilidade civil objetiva por danos ambientais, por sua vez, decorre do fato de que
ambientais, essa lei trouxe o lineamento básico do não poderia haver uma política nacional de meio
direito ambiental brasileiro. ambiente se não fosse conferida à administração
pública a possibilidade de elaborar planos prévios de
Em seu art. 2°, a Lei. 6938/1981 elencou dez desenvolvimento sustentável no âmbito da ordem
princípios que deveriam nortear a atuação da econômica e se o cumprimento de metas legalmente
administração pública e da coletividade, vinculando o estabelecidas por esse planejamento não pudesse
objetivo de preservação, melhoria e recuperação da ser fiscalizado. Assim, este princípio conjuga o dever
qualidade ambiental propícia à vida ao oferecimento de planejar, interferindo na ordem econômica (como,
de condições adequadas ao desenvolvimento aliás, autoriza o art. 170 da Constituição de 1988,
socioeconômico, aos interesses da segurança em seus incisos III e VI), com o exercício do poder
nacional e à proteção da dignidade humana. Quase de polícia ambiental, sem o qual o planejamento não
todos os princípios arrolados em referida lei têm passaria de mera declaração de intenções desprovida
íntima conexão com o princípio da função social da de qualquer coercitividade.
propriedade.
O princípio da proteção dos ecossistemas, com
É prevista uma ação governamental na a preservação de áreas representativas, prevista na
manutenção do equilíbrio ecológico, considerando Política Nacional do Meio Ambiente, foi recepcionado
o meio ambiente como um patrimônio público a pela Constituição Federal de 1988: a criação de
ser necessariamente assegurado e protegido, em unidades de conservação da natureza é incumbência
vista do uso coletivo. Não é dito aqui que o meio do poder público, fixada constitucionalmente (art. 225,
ambiente constitui uma propriedade estatal, mas § 1°, III). Não bastaria, porém, a simples definição
que as políticas públicas de defesa do meio ambiente de espaços territoriais. O princípio da proteção dos
devem considerar que os ecossistemas e os diversos ecossistemas aponta para a necessidade de efetiva
biomas são úteis à coletividade. Trata-se, portanto, administração dos componentes que tornam essas
de adoção de uma visão pública na aplicação do áreas representativas, pelo trabalho constante de
princípio da função social da propriedade. biólogos, ecologistas, ornitologistas, engenheiros
florestais etc.
Consagra-se o princípio da racionalização do uso
do solo, do subsolo, da água e do ar. Ou seja, os usos O controle e zoneamento das atividades potencial
de todos os componentes abióticos da natureza estão ou efetivamente poluidoras é um princípio que
sujeitos a regramentos que visam sua utilização de vincula a Lei 6.803/1980, que trata das diretrizes
forma racional, que minimize ou elimine os riscos de básicas para o zoneamento industrial nas áreas
degradação do meio ambiente. críticas de poluição, à Política Nacional do Meio
Ambiente. Por aquela lei, as zonas destinadas à
A aplicação deste princípio se dá, por exemplo, instalação de indústrias passaram a ser definidas
com o controle da emissão de poluentes em veículos em esquema de zoneamento urbano, aprovado por
automotores, com a fixação de limitações ao uso do lei, que compatibiliza as atividades industriais com
solo visando sua proteção contra erosões e outros a proteção ambiental. O zoneamento, urbano e
processos degradantes etc. A utilização racional e rural, industrial ou ecológico, constitui uma das mais
adequada da propriedade rural, aliás, é desde 1988 evidentes facetas da aplicação da função social da
um dos requisitos constitucionais para o cumprimento propriedade no campo do direito ambiental em seu
de sua função social (art. 186, I da Carta de 1988). aspecto imobiliário.
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Propriedade e Direito Ambiental
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Propriedade e Direito Ambiental
Com essas premissas, pode-se dizer que não existe maior valor em razão de sua infraestrutura, por meio
um direito genérico à indenização por desapropriação dos chamados “fatores de homogeneização”, para
indireta de imóvel em razão de ato administrativo a avaliação de áreas desprovidas de interesse no
ambiental (criação de unidade de conservação, mercado imobiliário. Tais “fatores de homogeneização”
tombamento), salvo quando a lei expressamente nada mais são do que índices redutores normalmente
determinar a transferência do domínio para o Poder insignificantes, que acabam por supervalorizar glebas
Público, como é o caso da criação de parques, de terra sem nenhuma infraestrutura.
estações ecológicas, reservas biológicas, florestas
nacionais, reservas extrativistas, reservas da fauna Por exemplo, se no mercado imobiliário um lote de
e reservas de desenvolvimento sustentável. Fora 2.000 metros quadrados numa região privilegiada do
dessas hipóteses, torna-se necessária a referência litoral pode chegar a custar, digamos, 400 mil reais,
e dedução dos custos decorrentes da aplicação dos toma-se o valor de 2.000 reais por metro quadrado,
princípios da precaução e do poluidor-pagador na que é multiplicado pelo fator 0,8 (equivalente a
avaliação de indenizações decorrentes de eventual 80%), chegando-se ao valor de R$1.600,00 por
prejuízo do proprietário frustrado em seus planos metro quadrado de uma gleba de 100.000 metros
de exploração imobiliária em razão de ato do Poder quadrados numa região praticamente inacessível
Público destinado à tutela do meio ambiente. e distante de qualquer benfeitoria. A partir desse
critério, alcançam-se valores astronômicos – neste
Regiões ricas em biodiversidade mas de difícil caso hipotético, R$160.000.000,00 (cento e sessenta
acesso normalmente não comportam previsão milhões de reais) –, valores em total desacordo com
de lucros vultosos, seja pela inviabilidade da a realidade do mercado imobiliário.
transformação das glebas em loteamentos luxuosos,
seja pela impossibilidade fática ou legal de O art. 42 da Lei 6.766/1979 afasta a adoção do
comercialização dos recursos ambientais (cobertura chamado método involutivo de avaliação imobiliária,
vegetal). ao determinar que “[...] nas desapropriações não
serão considerados como loteados ou loteáveis, para
O suposto dano decorrente da impossibilidade de fins de indenização, os terrenos ainda não vendidos
utilização de bem imóvel é apenas hipotético – assim ou compromissados, objeto de loteamento ou
como o lucro – se a exploração nunca existiu. Não desmembramento não registrado”.
obstante, se esse dano virtual for objeto de avaliação
judicial, há que se atentar para os diferentes critérios O método involutivo não se presta para a
de avaliação. apuração de glebas de grande extensão localizadas
em regiões de acentuada declividade, de acesso
Um dos critérios de avaliação é o comparativo, precário, em terrenos escarpados e distantes das
que parte da colheita dos valores de mercado de comodidades dos centros urbanos, pois, por maiores
imóveis em situação similar e obtém uma média que sejam as preocupações com a harmonização
ponderada, incluindo todo o potencial valorativo da das díspares situações advindas da comparação
área. Este, ainda hoje, é o critério mais consentâneo entre áreas inóspitas e pequenos lotes à beira-mar,
com o princípio da justa indenização, insculpido no o resultado será sempre distorcido. Ao pensarmos na
art. 5°, XXIV, da Constituição Federal. implantação de um loteamento, deveremos prever
as despesas de urbanização que traduzem os gastos
O outro critério é o involutivo, utilizado na necessários para a transformação da gleba bruta em
inexistência de paradigmas para comparação, área urbanizável (abertura de ruas, construção de
caracterizado pela transposição do valor de lotes de
25
Propriedade e Direito Ambiental
guias, instalação de iluminação pública, drenagem raízes para consumi-la, o solo deslizaria, provocando
de águas pluviais etc.). grandes catástrofes.
Mas isso não é tudo. Estabelece o § 3° do art. Ora, os danos emergentes de uma determinada
225 da Constituição Federal a responsabilidade civil, exploração econômica de um bem devem
penal e administrativa daquele que, por sua ação necessariamente ser recompostos pelo proprietário,
ou omissão, causar dano ambiental. Responderá o conforme determina o art. 14,§ 1º, da Lei 6.938/1981,
poluidor – e não a sociedade – pelos custos com responsabilidade esta que decorre do princípio da
a recuperação plena do ambiente degradado. Se função social da propriedade. Ao considerarmos os
a hipótese é a de avaliação de bem imóvel e de princípios referidos da função social da propriedade
hipotéticos danos decorrentes da frustrada realização e do poluidor-pagador, chegaremos à conclusão de
de projetos que implicariam a valorização dos bens, que a justa indenização prevista no art. 5°, XXIV,
sendo tais danos hipotéticos, também virtuais serão da Constituição Federal de 1988 deve contemplar o
os danos ambientais. Não temos alternativa senão abatimento dos custos decorrentes da preservação
utilizarmos suposições para apurar qual seria o lucro ou recuperação do meio ambiente degradado do valor
com a eventual exploração, bem como os gastos com a apurado do imóvel através de perícia que considere
reparação de danos ambientais que necessariamente os lucros cessantes ou a expectativa de lucros com
haveria de ser realizada em tal situação. hipotéticos empreendimentos que impliquem o
desmatamento em determinado imóvel.
Não é apenas a recomposição do dano à flora e à
fauna que estaria em jogo, mas também a qualidade A erosão decorrente do desmatamento haveria
do solo. O retorno à qualidade originária do meio forçosamente de ser recuperada pelo causador do
ambiente envolve a recuperação dos elementos dano ambiental. Ocorre que a reparação de danos
bióticos e abióticos da natureza. Dentre as espécies de ambientais, que inclui a recuperação da integridade
degradação do solo, uma das mais graves é a erosão, geomorfológica do solo, é reconhecidamente mais cara
uma das formas mais graves de depauperamento do do que a conservação adequada do bem ambiental.
solo. Trata-se de um processo de desprendimento e Este custo, ainda que na prática a recuperação
de arraste dos elementos constituintes do solo para ambiental não seja possível, deve ser calculado e
as planícies, para os vales, para os leitos dos rios e abatido do valor da indenização devida pelo Poder
até para o mar, em consequência da ação de agentes. Público ao particular. Caso contrário, toda a sociedade
pagará pela implantação de empreendimentos
O processo desenvolve-se em três etapas: imobiliários ou com a exploração madeireira. Enfim,
desprendimento das partículas do solo, seu a justa indenização de bens imóveis é uma equação
transporte e seu depósito, os quais causam a retirada que impõe a dedução das despesas com a proteção
de nutrientes necessários à produção agrícola, e a recomposição de danos ambientais.
reduzindo, assim, a qualidade da cultura na terra
erodida. Nas baixadas, há deposição do material
erodido sobre o solo fértil, destruição de plantas e
assoreamento das águas dos rios.
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Propriedade e Direito Ambiental
especificamente exigida pela Constituição Federal é destinada a fixar normas para a cooperação entre
o estudo prévio de impacto ambiental. A Resolução os entes federados, tendo em vista o equilíbrio do
Conama I, de 23.01.1986, em seu art. 2°, oferece um desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.
importante rol exemplificativo de tais modalidades de
empreendimentos e atividades. Trata-se de um rol 19 DIREITO AMBIENTAL E
taxativo, não exaustivo. Não haveria lógica alguma DESTINAÇÃO ECONÔMICA DOS BENS
em se relacionar dezoito incisos a título de mera
associação de ideias. O art. 170 da Constituição brasileira, que trata
da “Ordem Econômica”, é claro na definição do
Não pode a autoridade administrativa, portanto, papel do Estado como corretor dos desequilíbrios.
deixar de exigir a realização de EIA-Rima, para a Deve o Estado, portanto, garantir que o jogo da
obtenção de licença ambiental, no caso, por exemplo, ocupação, uso dos recursos naturais e repartição de
de aterro sanitário ou de grande projeto urbanístico. seus benefícios entre os atores que se projetam e
se relacionam num dado território não seja de soma
O rol de atividades e empreendimentos constantes nula, onde poucos ganham muito em detrimento de
da Resolução 1/1986 do Conama é exemplificativo. uma maioria abaixo da linha da pobreza, ou à custa
É perfeitamente possível cogitar atividades e de direitos fundamentais de minorias étnicas.
empreendimentos causadores de significativo impacto
ambiental, mas que não estejam relacionados no art. Sob a perspectiva da destinação econômica dos
2º da Resolução Conama 1/1986. Uma atividade que bens, poderemos classificá-los em bens de produção
utilize 9.900 quilos de carvão vegetal, por exemplo, e e a de bens de consumo, havendo ainda quem aluda
um projeto urbanístico de 99 hectares não estariam a bens de uso ou de fruição.
automaticamente desonerados da realização de
estudo de impacto ambiental somente pelo fato As origens do direito ambiental coincidem com a
de não haverem alcançado o patamar estabelecido constatação das consequências advindas da adoção
por referida resolução. Nesta hipótese, porém, não de processos técnicos que exigem a aceleração
estariam enquadrados numa situação de presunção da extração de energia que se pode transformar
juris et de jure de causadores de significativa de em trabalho. Tais processos estão possivelmente
gradação ambiental. presentes em todos os processos civilizatórios da
humanidade e, nesse quadro, o direito ambiental
A Resolução Conama 237/1997 apresenta constitui uma forma de regulação da conduta humana
em seu Anexo 1 uma relação de atividades ou em busca da otimização dos resultados dessas
empreendimentos sujeitos ao licenciamento técnicas, isto é, de aproveitamento adequado da
ambiental. Dentre este rol, algumas licenças deverão energia gerada, seja sob a perspectiva da produção
obrigatoriamente ser precedidas de EIA-Rima, outras econômica, seja do consumo.
não necessariamente.
As resoluções do Conama acerca da destinação
A competência administrativa para a proteção do de óleos lubrificantes constituem exemplo bastante
meio ambiente e o combate à poluição em qualquer claro de busca de consecução de tal finalidade. A
de suas formas, bem como para a preservação das partir do momento em que a entropia decorrente do
florestas, da fauna e da flora, está estabelecida uso de um automóvel atinge um nível anormal de
no art. 23, VI e VII, da Constituição Federal e dos aceleração, o óleo lubrificante é substituído, mas seu
Municípios, cuja disciplina dependerá da edição descarte no meio ambiente é vedado. Inicia-se então
de lei complementar (art. 23, parágrafo único), uma série de novos ciclos de uso – para finalidades
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Propriedade e Direito Ambiental
cada vez menos sofisticadas – até que, esgotadas suas dada a eles. Não apenas a terra, mas o dinheiro e
características lubrificantes, o óleo é utilizado como mesmo as mercadorias (desde que englobadas na
combustível. Em sua última fase de reciclagem, tem- universalidade do fundo de comércio), portanto,
se a produção de energia térmica para aquecimento podem constituir bens de produção.
de caldeiras e movimentação de máquinas. Encerra-
se, nesse processo, a possibilidade de geração de A observância dos princípios da função social da
energia, visto que o produto petroquímico, que propriedade e da defesa do meio ambiente pelos
levou milhões de anos para atingir tamanho teor agentes da ordem econômica é a principal finalidade
energético, alcançou o grau mais elevado de entropia, do processo de licenciamento ambiental, como será
dissipando-se no meio ambiente na forma de calor e visto a seguir.
resíduos inaproveitáveis.
20 LICENCIAMENTO DAS ATIVIDADES
O direito ambiental, portanto, intervém tanto ECONÔMICAS
na fase de produção como na de consumo de
bens ambientais. Não olvidemos, porém, que esta A atividade econômica no Brasil está
dicotomia é relativa, pois, em última análise, toda constitucionalmente fundamentada em nove
produção é apropriação da natureza pela indivíduo, princípios gerais, dentre os quais os princípios da
no interior e por meio de uma determinada forma de propriedade privada, da função social da propriedade,
sociedade. da livre concorrência e da defesa do meio ambiente.
Por outro lado, enfatizando o princípio capitalista da
O conceito de função social da propriedade está livre concorrência, o parágrafo único do art. 170 da
ligado à produção utilizada e os gastos envolvidos. Constituição Federal assegura o livre exercício de
Entenda-se aqui os gastos em um sentido amplo – qualquer atividade econômica, independentemente
desde os gastos econômicos até os ambientais. de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos
previstos em lei.
19.1 Função social da propriedade dos
Dentre os casos previstos em lei de exigência de
bens de produção
autorização administrativa merecem especial exame
São variadas as interfaces entre produção e meio as atividades efetiva ou potencialmente poluidoras.
ambiente, todas elas implicando em forte interferência Buscando o controle e a redução dos riscos de
no campo do direito de propriedade. Fábio Comparato poluição ambiental, a Lei 6.938/1981, que trata
(2006), cuidando especificamente dos bens de da Política Nacional do Meio Ambiente, criou doze
produção, afirma que a função social da propriedade instrumentos em seu art. 9°, dispondo seu inciso IV
consiste no: “[...] poder-dever do proprietário de dar sobre a exigibilidade do licenciamento e da revisão
à coisa uma destinação compatível com o interesse da de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras.
coletividade”, o qual “[...] transmuda-se, quando tais
O licenciamento ambiental é, portanto, ao lado
bens são incorporados a uma exploração empresarial
do zoneamento ambiental, dos espaços territoriais
em poder-dever do titular do controle de dirigir a
especialmente protegidos e da avaliação de impactos
empresa para a realização dos interesses coletivos”.
ambientais, um dentre os diversos instrumentos
Ensina esse autor que os bens de produção podem da Política Nacional do Meio Ambiente. Está, por
tanto ser móveis como imóveis. A classificação dos outro lado, diretamente vinculado aos princípios
bens em produtivos ou de consumo não se funda constitucionais da função social da propriedade e da
em sua natureza ou consistência, mas na destinação defesa do meio ambiente (art.170, III e VI), razão pela
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Propriedade e Direito Ambiental
qual seu estudo se reveste da maior importância para d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do
a correta consecução das metas constitucionalmente meio ambiente;
fixadas para a ordem econômica.
e) lancem matérias ou energia em desacordo com
Encontramos sua definição no art.1°, I, da os padrões ambientais estabelecidos.
Resolução Conama 237, de 19.12.1997:
Não é preciso que a atividade seja causadora
Procedimento administrativo pelo qual de significativo impacto ambiental. Basta que,
o órgão ambiental competente licencia a sob qualquer forma, altere adversamente o meio
localização, instalação, ampliação e a operação ambiente. Assim, não há atividade humana em que o
de empreendimentos e atividades utilizadoras meio ambiente não seja minimamente alterado. Em
de recursos ambientais, consideradas efetiva tese, haveria que se exigir a obtenção de licenciamento
ou potencialmente poluidoras ou daquelas que,
ambiental para toda e qualquer atividade humana que
sob qualquer forma, possam causar degradação
importasse intervenção ambiental, o que constitui
ambiental, considerando as disposições legais e
um evidente absurdo.
regulamentares e as normas técnicas aplicáveis
ao caso.
A respeito dessa situação, afirma Antonio Inagê
de Assis Oliveira (2005), p. 237):
O licenciamento ambiental é exigível para as
atividades efetiva ou potencialmente poluidoras.
Embora, a qualquer tempo, dada a amplitude
Dispõe o art. 10, caput, da Lei 6.938/1981 que a
das definições legais, o órgão de controle
construção, instalação, ampliação e funcionamento ambiental possa exigir que tal ou qual atividade
de estabelecimentos e atividades utilizadores ou obra se licencie, as entidades controladoras,
de recursos ambientais, considerados efetiva e através da sua fiscalização, especialmente
potencialmente poluidores, bem como os capazes de, no início da implantação dos sistemas de
sob qualquer forma, causar degradação ambiental, licenciamento, abriram campo para que aquelas
dependerão de prévio licenciamento. atividades menos significativas do ponto de
vista da proteção ambiental escapassem ao
Por degradação da qualidade ambiental deve-se licenciamento, não as intimando as licenciar-se.
entender a alteração adversa das características do Isto por motivos operacionais, uma vez que, para
meio ambiente (art. 3°, II, da Lei 6.938/1981). Trata- o exercício efetivo da atividade licenciadora, havia
se de gênero, do qual a poluição constitui espécie. e, em certa medida, até hoje, há necessidade do
Poluição é (art.3°, III) a degradação da qualidade estabelecimento de alguma prioridade.
31
Propriedade e Direito Ambiental
protegida pela norma. E, nesse caso, o legislador II – localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais
constitucional o fez: obras ou atividades Estados;
potencialmente causadoras de significativa
degradação do meio ambiente. (FINK; MACEDO, III – cujos impactos ambientais diretos
2002, p. 18). ultrapassem os limites territoriais do País ou de um
ou mais Estados;
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São três as modalidades de licença ambiental, que ser respeitados, aplicando-se, inclusive, as
poderão ser expedidas isolada ou sucessivamente, sanções de cada legislação – federal, estadual
de acordo com a natureza, característica e fase do ou municipal – em caso de desobediência.
empreendimento ou atividade: licença prévia (LP),
licença de instalação (LI) e licença de operação (LO). A rigor, dada a natureza difusa do bem ambiental,
as atividades econômicas impactantes têm
De acordo com o art. 8°, 1 da Resolução Conama importância para os municípios, estados e União e,
237/1997, a licença prévia (LP) será concedida na muitas vezes, sua repercussão é continental, e até
fase preliminar do planejamento do empreendimento mesmo planetária. Assim, caso não se adotasse um
ou atividade aprovando sua localização e concepção, critério técnico como a abrangência do impacto direto
atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os da atividade ou empreendimento, praticamente todas
requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos as atividades econômicas passariam a ser licenciadas
nas próximas fases de sua implementação. não apenas de forma dúplice, mas tríplice, com
grande prejuízo para a Administração Pública e o
A licença de instalação (LI) destina-se a autorizar próprio regime federativo.
a instalação do empreendimento ou atividade de
acordo com as especificações constantes dos planos, O art. 23, parágrafo único, da Constituição Federal
programas e projetos aprovados, incluindo as medidas dispõe sobre a edição de lei complementar que
de controle ambiental e demais condicionantes, da fixará normas para a cooperação entre a União e os
qual constituem motivo determinante. Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em
vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar
Finalmente, a licença de operação (LO) autoriza em âmbito nacional. Enquanto tal diploma legal não
a operação da atividade ou empreendimento, após for editado, certamente remanescerão divergências
a verificação do efetivo cumprimento do que consta jurisprudenciais e doutrinárias acerca desta questão.
das licenças anteriores, com as medidas de controle
ambiental e condicionantes determinados para a 24 DEFINIÇÃO DE MEIO AMBIENTE DO
operação. TRABALHO
O parágrafo único do mencionado art. 8° destaca O meio ambiente do trabalho é um importante
que a expedição das licenças ambientais poderá ser aspecto do meio ambiente relacionado aos bens
isolada ou sucessiva, de acordo com a natureza, de produção. De acordo com José Afonso da Silva,
características e fase do empreendimento ou estaria inserido no meio ambiente artificial e é assim
atividade. definido:
Dispõe o art. 7° da Resolução Conama 237/1997 Complexo de bens imóveis e móveis de uma
que os empreendimentos e atividades “serão empresa e de uma sociedade, objeto de direitos
licenciados em um único nível de competência”. subjetivos privados, e de direitos invioláveis da
saúde e da integridade física dos trabalhadores,
Paulo Affonso Leme Machado (2005, p. 332): que o frequentam. Esse complexo pode ser
agredido e lesado tanto por fontes poluidoras
Existirão atividades e obras que terão internas como externas, provenientes de outras
importância ao mesmo tempo para a Nação e empresas ou de outros estabelecimentos civis de
para os Estados, e, nesse caso, poderá haver terceiros. (SILVA, 2002, p. 187).
duplicidade de licenciamento. O deferimento
ou o indeferimento do licenciamento deverão
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ocidental, sendo bastante conhecida a afirmação da tenha. Não nos esqueçamos de que a Constituição
superioridade da produção humana sobre a natural Federal é, ela própria, um produto cultural e retrata
feita por Hegel: um determinado estágio da evolução histórica em que
a humanidade passou a reconhecer a necessidade
Tudo quanto provém do espírito é superior da proteção jurídica de todas as demais espécies,
ao que existe na natureza. A pior das ideias que ou a reconhecer a vida (em todas as suas formas),
perpasse pelo espírito do homem é melhor e digamos, como um bem a ser tutelado.
mais elevada do que a mais grandiosa produção
da natureza – justamente porque essa ideia A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB)
participa do espírito, porque o espiritual é
utiliza o termo “conservação in situ” com o significado
superior ao natural.
de
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deficiência e demais parcelas da população excluída No entanto, essa tese é contrariada por outras
do processo decisório. que sustentam que a megafauna sul-americana foi
extinta em razão de catástrofes climáticas.
29 DIREITO AMBIENTAL – ELEMENTOS
DE PROTEÇÃO Logo nos primeiros anos de colonização portuguesa,
tem-se o registro de captura de animais vivos e peles,
29.1 Proteção da fauna pelos tupis, para os insaciáveis invasores europeus:
42
Propriedade e Direito Ambiental
Caio Prado Jr. descreve, a título exemplificativo, A pesca da baleia, comum desde a segunda
como se dava a extração de óleo para a iluminação, metade do século XVIII nas costas da Bahia até Santa
a partir de ovos de tartaruga: Catarina, era privilégio da Coroa. Sua concessão se
dava por instrumento contratual. A importância dessa
A desova dos quelônios é nos meses de exploração decaiu consideravelmente coma operação
outubro e novembro, quando em bandos de baleeiros ingleses e norte-americanos nas Ilhas
incontáveis procuram certas praias de eleição Malvinas, que, com uma pesca intensiva, impediam
e lá enterram seus ovos na areia onde o calor
que as baleias chegassem, em suas migrações
do sol os deve chocar. A tarefa dos colhedores
hibernais, até o litoral brasileiro:
consiste simplesmente em espreitá-los, no
momento oportuno, nestas praias, que de
Reduziram eles, aliás, consideravelmente,
antemão já conhecem, e depois que os animais,
a espécie pela devastação praticada em larga
terminada a postura, se retiram, ir desenterrar e
escala e com processos aperfeiçoados de pesca.
recolher o produto. A preparação do óleo se faz
Em 1801, não encontrando mais pretendentes
imediatamente nas próprias canoas que serviram
ao contrato das baleias, a Coroa abandona o
para o transporte dos colhedores. (PRADO JR.,
monopólio, tornando-se a pesca livre. (PRADO
2002, p. 147).
JR., 2002, p. 198).
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Propriedade e Direito Ambiental
crias dos animais, deduzidas quantas bastem para ainda hoje persistem em todo o território nacional,
inteirar as cabeças de gado existentes ao começar o herança cultural de povos indígenas e dos primeiros
usufruto) e nos artigos 1.444 a 1.446, que tratam do colonizadores europeus, constituem modalidade
penhor pecuário. de aceleração da entropia no meio ambiente rural,
gerando alta quantidade de energia térmica, que é
Duas modalidades de unidade de conservação utilizada tão somente para a eliminação de espécies
da natureza, previstas na Lei 9.985/2000, tratam vegetais e animais não desejados para a lavoura.
diretamente da proteção da fauna: os refúgios de
vida silvestre e as reservas da fauna. O refúgio de vida Além do desperdício energético que tal técnica
silvestre acha-se descrito no art. 13, caput da referida implica, seu resultado a curto ou médio prazo é o
lei, e tem por objetivo proteger ambientes naturais esgotamento das características de fertilidade do
onde se asseguram condições para a existência ou solo e a destruição do húmus, com a consequente
reprodução de espécies ou comunidades da flora desertificação da terra. A tipificação da queimada
local e da fauna residente ou migratória. como crime foi vetada na Lei 9.605/1998. Leis
estaduais, todavia, consideram-na ilícito civil, sendo
Na possibilidade de compatibilidade dos objetivos farta a jurisprudência a respeito. A recomposição
da área e as atividades privadas, esta modalidade de reserva legal florestal, por sua vez, é uma
de unidade de conservação poderá ser instituída em importante decorrência do princípio da função social
propriedade particular. Já as reservas de fauna têm da propriedade.
o objetivo de realização de estudos sobre manejo
sustentável da fauna. A posse e domínio da área O Código Civil de 2002, reproduzindo integralmente
devem ser públicos. Portanto, as áreas particulares o texto de 1916, dedica três breves artigos à disciplina
devem ser desapropriadas. das árvores limítrofes. O tema constitui a Seção II do
capítulo sobre direitos de vizinhança, e os art. 1.282
A proteção da fauna é hoje, portanto, um importante e 1.284 não têm maior relevância para o direito
elemento a ser considerado na implementação da ambiental. Limitamo-nos, aqui, a transcrevê-los:
dimensão ambiental da função social da propriedade,
estando presente na Constituição Federal, em Art. 1.282. A árvore, cujo tronco estiver na
Constituições Estaduais como a de São Paulo, em linha divisória, presume-se pertencer em comum
normas de direito ambiental, direito penal etc. aos donos dos prédios confinantes.
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Público, por motivo de sua localização, raridade, Os motivos elencados na lei não permitem que
beleza ou condição de porta-sementes. se chegue a uma conclusão definitiva: localização,
raridade, beleza ou condição de porta-sementes
Nos termos do art. 92 do Código Civil, acessório não constituem necessariamente elementos
é o bem cuja existência supõe a do principal. As individualizadores de um único exemplar de árvore.
árvores, assim, constituem acessório em relação à
propriedade imobiliária. O art. 7° do Código Florestal, 32 A PROTEÇÃO DE ELEMENTOS NÃO
já transcrito, trata de hipótese de cumprimento VIVOS
da função social da propriedade de bem natural,
aplicável tanto em área rural como no perímetro A proteção do solo, do ar e da água constitui uma
urbano. A dúvida que poderia ser suscitada é se das maiores preocupações do direito ambiental, já
este dispositivo cuida de declaração de imunidade de que os elementos abióticos da natureza são a base
corte de apenas uma árvore ou de toda uma espécie da vida. A exigência de estudo de impacto ambiental,
em território nacional. o controle da produção, comercialização e emprego
de técnicas, métodos e substâncias que comportem
Juracy P. Magalhães observa, a respeito: “Hoje risco para o meio ambiente (como é o caso dos
há um grande número de árvores declaradas imunes agrotóxicos) e a exigência de recuperação de
de corte por atos estaduais e municipais”. No ambiente degradado pela exploração minerária são
Distrito Federal, por exemplo, de uma só vez foram exigências constitucionais diretamente relacionadas
declaradas imunes de corte (Decreto 14.783) onze ao tema em foco e, evidentemente, merecem ser
espécies de árvores. São elas: copaíba, sucupira- contempladas enquanto hipóteses de aplicação do
branca, pequi, cagaíta, gomeira, pau-doce, aroeira, princípio da função social da propriedade.
embiriçu, peroba, jacarandá e ipê. É uma política
louvável porque evita o desaparecimento de espécies 32.1 Bens artificiais
importantes e altamente valorizadas. Sem essa
proteção, certamente desapareceriam pelo grande Segundo José Afonso da Silva (2002, p. 122), o meio
interesse que despertam no mercado madeireiro. Por ambiente apresenta um aspecto chamado artificial,
outro lado, se partirmos do pressuposto de que o “[...] constituído pelo espaço urbano construído,
art. 7° alude a unidades de árvore especificamente consubstanciado no conjunto de edificações (espaço
determinadas, chegaríamos à conclusão de que a urbano fechado) e dos equipamentos públicos (ruas,
hipótese é de mero tombamento administrativo de praças, áreas verdes, espaços livres em geral: espaço
um bem determinado. Este é o entendimento de Luís urbano aberto)”. Este aspecto do meio ambiente
Carlos Silva de Moraes (2002, p. 177): congrega toda a produção humana. Por seu turno, o
aspecto cultural é
O caso em questão é de tombamento. Sua
declaração pode ser sobre determinado bem, [...] integrado pelo patrimônio histórico,
local histórico ou local paisagístico. Contudo, caso artístico, arqueológico, paisagístico, turístico,
imposto um ônus sobre o proprietário do imóvel que, embora artificial, em regra, como obra
onde se localiza a referida árvore, necessária do homem, difere do anterior (que também é
a indenização. Isso só acontece quando as cultural) pelo sentido de valor especial que
condições de conservação da coisa acarretem adquiriu ou de que se impregnou.
despesas extraordinárias para o proprietário,
caso em que deverão ser suportadas pela A edição do Decreto-lei 25/1937 significou,
Administração ou realizada a desapropriação do talvez, uma das mais importantes intervenções do
referido bem.
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jurídicas de direito público interno, como objeto Não se questiona a aplicação do princípio da
de direito público interno, como objeto de direito função social da propriedade privada. A formação do
pessoal ou real, de casa uma dessas entidades). próprio conceito de função social sempre teve em mira
O parágrafo único do art. 99, por sua vez, aponta: temperar os exageros da concepção individualista de
“[...] não dispondo a lei em contrário, consideram-se propriedade privada. Assim sendo, reportamo-nos
dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas aos exemplos de aplicação já desenvolvidos ao longo
de direito público a que se tenha dado estrutura de de toda a obra, quase todos eles envolvendo bens
direito privado”. particulares.
Os art. 100 e 101 do atual Código Civil estatuem No que diz respeito à propriedade pública, contudo,
que os bens públicos de uso comum do povo e os de a questão é mais polêmica. Em estudo elaborado à
uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem luz da Constituição de 1967 com a redação dada pela
a sua qualificação, na forma que a lei determinar, Emenda Constitucional n. 1, de 1969, Fábio Konder
já os bens públicos dominicais podem ser alienados, Comparato defende que o abuso da não utilização
observadas as exigências da lei. O antigo Código Civil de bens de produção ou sua má utilização deveria
dispunha no art. 67: “Os bens de que trata o artigo ser sancionada com mais rigor, quer se cuide de
antecedente só perderão a inalienabilidade, que lhes propriedade pública ou privada:
é peculiar, nos casos e forma que a lei prescrever”.
Em se tratando de propriedade privada, pela
O art. 102 do atual Código Civil estabelece que expropriação não condicionada ao pagamento
“[...] os bens públicos não estão sujeitos a usucapião”. de indenização integral, ou até sem indenização.
Finalmente, o art. 103 dispõe que “[...] o uso comum Cuidando-se de propriedade pública, por meio
de remédio judicial de efeito mandamental, que
dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído,
imponha ao Poder Público o cumprimento dos
conforme for estabelecido legalmente pela entidade
deveres sociais inerentes ao domínio.
a cuja administração pertencerem”, reproduzindo,
com uma redação mais concisa, a regra do art. 68 do
Na mesma linha, Cristiane Derani entende que
antigo Código Civil.
a função social da propriedade de bens coletivos
dirige-se indistintamente ao proprietário privado e
Há de se afastar o equívoco de pretender, a partir
ao Estado, “[...] normalmente o proprietário desses
da classificação dos bens ambientais em individuais,
bens coletivos, que, do ponto de vista subjetivo, são
coletivos ou difusos, a superação da dicotomia público
bens públicos”.
versus privado. Bens privados podem assumir as
características de bens difusos (exemplo: um imóvel
Evidentemente, sobre os bens públicos também
particular tombado pelo Poder Público em razão de
incide a legislação ambiental. Dúvida, porém,
sua importância histórica, artística ou arquitetônica)
remanesce no que diz respeito à sua adequação
sem que com isso deixem de guardar todas as suas
ao princípio da função social da propriedade. É
características de bens privados. Bens públicos há,
pertinente, neste passo, a referência à decisão que
por sua vez, que guardam as características de bens
determinou a adequação de edificação pública às
individuais (exemplo: os equipamentos de escritório
exigências impostas pelo princípio da função social
utilizados numa repartição pública), não sendo
da propriedade.
suscetíveis de tutela pela via processual ambiental
coletiva.
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Área localizada no interior de uma propriedade [...] ser aprovada pelo órgão ambiental
ou posse rural, excetuada a de preservação estadual competente ou, mediante convênio,
permanente, necessária ao uso sustentável dos pelo órgão ambiental municipal ou outra
recursos naturais, à conservação e reabilitação instituição devidamente habilitada, devendo ser
dos processos ecológicos, à conservação de considerados, no processo de aprovação, a função
biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e social da propriedade, e os seguintes critérios e
flora nativas (art. 1°, § 2°, III). instrumentos, quando houver: I – o plano de
bacia hidrográfica; II – o plano diretor municipal:
Referida medida provisória deu nova redação ao III – o zoneamento ecológico-econômico; IV –
art. 16 do Código Florestal, estabelecendo que outras categorias de zoneamento ambiental;
e V – a proximidade com outra Reserva Legal,
[...] as florestas e outras formas de vegetação Área de Preservação Permanente, unidade de
nativa, ressalvadas as situadas em área de conservação ou outra área legalmente protegida”
preservação permanente, assim como aquelas (art. 16, § 4°).
não sujeitas ao regime de utilização limitada ou
objeto de legislação específica, são suscetíveis É vedada a alteração da destinação da reserva
de supressão, desde que sejam mantidas, a legal, “[...] nos casos de transmissão a qualquer título,
título de reserva legal [...] de desmembramento ou de retificação da área” (art.
16, § 8°., 2a. Parte).
A parcela da vegetação nativa a ser mantida varia
em um percentual mínimo que varia de 20% a 80% 35 ÁREAS DE PRESERVAÇÃO
de propriedade rural, de acordo com a região em que PERMANENTES E RESERVA LEGAL
se localizarem (incisos I a IV).
Estes dois condicionamentos legais ao direito de
A reserva legal constitui restrição parcial à propriedade imobiliária constituem obrigações propter
modificabilidade da propriedade e também restrição rem, consoante entendimento jurisprudencial:
à faculdade de sua fruição, na medida em que o
proprietário não pode dar ao imóvel o uso que bem Tanto a faixa ciliar quanto a reserva legal, em
entender. Se a vegetação da reserva legal não pode qualquer propriedade, incluída a da recorrente,
ser suprimida (art. 16, § 2°), certo é que pode não podem ser objeto de exploração econômica,
de maneira que, ainda que se não dê o
ser utilizada “[...] sob-regime de manejo florestal
reflorestamento imediato, referidas zonas não
sustentável, de acordo com princípios e critérios
podem servir como pastagens.
técnicos e científicos estabelecidos no regulamento”.
Ademais, a ampliação do perímetro urbano que passe
Não há cogitar, pois, de ausência de nexo causal,
a abranger estes espaços territoriais especialmente
visto que aquele que perpetua a lesão ao meio
protegidos não territoriais especialmente protegidos
ambiente cometida por outrem está, ele mesmo,
não tem o condão de desafetá-los. Mesmo que uma
praticando o ilícito. A obrigação de conservação
lei municipal específica cuidasse deste tema, seus
é automaticamente transferida do alienante ao
efeitos seriam írritos, já que a proteção decorre de
adquirente, independentemente deste último ter
lei federal.
responsabilidade pelo dano ambiental.
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Propriedade e Direito Ambiental
Há, porém, uma diferença muito importante Pouco se tem atentado para a importância deste
entre APPs e reserva legal: as APPs não podem ser § 1° do art. 1° do Código Florestal, que aponta em
exploradas economicamente. Já as áreas de reserva direção a uma característica evidente dos valores
legal devidamente averbadas poderão, desde que protegidos nessa lei: a degradação de uma área
tenham plano de manejo sustentável aprovado pelos de preservação permanente ou de uma reserva
órgãos ambientais. legal constituem danos ambientais que de imediato
repercutem nas propriedades lindeiras. É possível,
36 USO NOCIVO DA PROPRIEDADE portanto, fixar o cumprimento do Código Florestal
como verdadeiro direito de vizinhança – dimensão
O § 1° do art. 1° do Código Florestal dispõe que esta que não exclui a de interesse difuso.
as ações ou omissões contrárias às suas disposições
na utilização e exploração das florestas e demais O art. 8° do Código Florestal estabelece que,
formas de vegetação são consideradas uso nocivo na distribuição de lotes destinados à agricultura,
da propriedade, aplicando-se, para o caso, o em planos de colonização e de reforma agrária,
procedimento sumário previsto no art. 275, II do não devem ser incluídas as áreas florestadas de
CPC. preservação permanente de que se trata referida lei,
nem as florestas necessárias ao abastecimento local
O texto constituía inicialmente o parágrafo único ou nacional de madeiras e outros produtos florestais.
do art. 1°. Passou a ser o § 1° em razão do disposto
no art. 1° da MP 2.166-67/2001, atualizando-se, na De acordo com a doutrina de Juraci P. Magalhães,
oportunidade, a referência ao dispositivo do Código
de Processo Civil, originalmente o de 1939. O art. [...] essa forma de distribuição da terra se
275, II, h, do CPC determina a observância do constitui numa séria ameaça à cobertura florestal.
procedimento sumário nos casos previstos em lei. É preciso, portanto, resguardar as florestas de
preservação permanente, pois o fracionamento
Evidentemente, tal procedimento será pertinente nos
de uma área rural em milhares de lotes pode
casos de conflito de vizinhança, pois, na hipótese de
ser fatal para elas. Por essa razão, como medida
tutela judicial do meio ambiente, interesse difuso
de cautela, o Código Florestal determina que
por excelência, a ação civil pública é o instrumento
nos projetos de colonização as florestas de
processual mais adequado (cf. Lei 7347/1985, art.
preservação permanente e as destinadas ao
1°, I). abastecimento de madeiras fiquem excluídas.
Assim, áreas reflorestadas para fornecimento de
O Código Civil de 2002, em seus arts. 1.277 produtos florestais e áreas exploradas mediante
a 1.281, adota a expressão “uso anormal da projetos de manejo sustentado não podem ser
propriedade”, estabelecendo que o proprietário ou o divididas, devem permanecer intocadas.
possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar
as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego A lei não diz que as áreas de preservação
e à saúde dos que o habitam, provocadas pela permanente não podem ser desapropriadas para fins
utilização de propriedade vizinha. O parágrafo único de reforma agrária. Apenas ressalva a integridade
do art. 1.277 proíbe as interferências considerando- do Código Florestal, mesmo que a propriedade rural
se a natureza da utilização, a localização do prédio, tenha como causa próxima colonização ou reforma
atendidas as normas que distribuem as edificações agrária. Esta questão é relevante, na medida em que
em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos uma leitura apressada do dispositivo poderia levar
moradores da vizinhança. à conclusão de que as APPs de um latifúndio que
não cumprem sua função social não são suscetíveis
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de desapropriação para fins de reforma agrária. Na Poder Executivo competência assinalada pela
verdade elas podem perfeitamente integrar a nova Constituição ao Congresso Nacional [...].
propriedade rural, sendo vedada, tão somente, sua
destinação à agricultura. Toda propriedade rural deve Determinados autores, examinando o tema,
respeitar as restrições impostas pelo art. 2° do Código sustentam que, no âmbito da legislação concorrente,
Florestal e averbar a respectiva área de reserva legal. a competência da União limita-se ao estabelecimento
de normas gerais, que devem ter a natureza de lei
Essas áreas de preservação permanente, assim formal. Assim, diplomas federais de categoria inferior,
como as “[...] florestas necessárias ao abastecimento emitidos por órgãos subalternos à Presidência da
local ou nacional de madeira ou outros produtos República, não obrigariam os estados e municípios.
florestais”, podem, portanto, ser desapropriadas Por força do princípio da legalidade e da autonomia
para fins de reforma agrária. O sistema legal vigente federativa, as resoluções do Conama não teriam
jamais impossibilitou a desapropriação de áreas de validade.
floresta exploradas para o fornecimento de madeira
ou outro produto florestal. Luis Carlos Silva de Moraes, por sua vez, afirma
que as competências atribuídas pelos incisos VI e VII
37 AÇÃO NORMATIVA DO CONAMA do art. 8° da Lei 6.938/1981:
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